Prefácio de Wordworth

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    .~

    lüNTD Aõ;'iE~'--"'l'lI!""---'

    N.   cHAM~a11! ~_.. ~

    ~o M B  o I   B C .....~~J&iP.TOMBOIIEL33l?-r~- p~OC.   ,2,~!tla.o ....

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    CM001~6922-6I NO ICE

     AUTORES   Wordsworth/PeacocklShelley

    Alcinda Pinheiro de SOUSI. "RClI'N1tico"   pc+u'7 .

    BibJiografi •...........................................

    William Wordsworth.   P,.fieio.   ~y:ric:1I8anlds.seguido de "Ap4n.dite ao  p,.t.icio:   Sobre. dicç6l poétiQ" . 59

    7

    TITULO   Poética Romintica Inglesa

    51

    COlECçAO

    Thonw Lave Peacock.   k Quatro IdlIdesda Poesia. . . . . . . . . . . . . . . . 99

    Percy   ~he   SheUey. Oefesa  d.  Poesi•...............   o ' • • • • • • • •   1 2 3í  TRAOUÇAo.

    INTROOuçAo.

    ORGANI2AÇAo

    E NOTAS   Alcinda Pinheíro de Sousae

    JoIo Ferrei •.• Ouartt

    \

    IMPRESSA.O Capimat, Campo Grmde   294·A

    1700 L1SBDA

    CAPA: Tipografillldeal, Lisboa

    1a.   ediçio. Março de 1985

    No. de ediçlo:   85/1

    , 000   eX&lTlplares

    Di reitOl res8l'Vlldo&por:Apigin.tanta . Coopenl1;V8 de ServiçOl Culturais,   cri.

     Aportado 4254 - 1507 LISBOA COOEX

    ~

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    ----------~

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    r:illiam Wordsworth

    PREFAcIO A   LVR1CAL BALLAOS

    o   primeiro volume destes poemas   foi   já   submetido   à   apr~

    c ia çã o g er al . F oi p ub li ca do e m j ei to d e ex pe ri ên ci a q ue ,

    1esperava eu, pudesse ter   alguma   utilidade para   compre

    va r at é qu e p on to po de m se r t ra nsm it ià as e ssa es pé ci e d e

    prazer e essa quantidade de prazer que um poeta pode racig

    nalmente esforçar-se por transmitir quando ajusta ao arran

    ja métrico uma selecção da linguagem real de homens num e~

    tado de sensação vivida.

    Não foi muito impreciso O modo como estimei O   pfeito

    p ro vá ve l d es se s p oe ma s: l is on je av a- me a i d ei a d e q ue s er !

    am lidos com um prazer invulgar por todos os que deles se

    agradassem e, por outro lado, estava bem ciente de que

    aqueles a quem desagradassem   haveriam   de   lê-los   com   invu!

    gar    aversao.   O   resultado divergiu das minhas e::pectat!

    vas   apenas porque agradei   a   um n úm er o m ai or d o q ue   alguma

    vez   ousei   esperar.

    Por amor   1 diversidade   e   p el a c on sc iê nc ia d a ~ in ha p r§

     pria fraqueza,   senti necessidade   de pedir auxilio   a um arn!

    90   que   me   pôs   à   disposição os   ?Cernas   "Ancient .!iariner"',

    "Foster-Mother' s   Tale",   "Nightingale",   "Dungeon"   e o poema

    intitulado   "Leve". 2   Mas   eu   não   teria   pedido   este   i'ux!

    l ia s e nã o a cr ed it as se f ir me me nt e q ue o s n os so s p oe ma s t ~

    riam em   granàe medida a mesma tendência e que, embora se

    pudesse achar alguma diferença,   não   haveria qualquer di§

    cordância quanto âs cores do nosso estilo,jrl que a~ nos~as

    opiniões sobre a poesia coincidem quase inteiramente.

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    A lg un s d os m eu s a mi go s d es ej am p el ~ b om ê xi to d es te s

    poemas por acreditarem que. se se cumprissem as intenções

    c om q ue f or am c om po sto s, h ave ri a d e s ur gi r u m t ip o de p o~

    sia destinada a interessar a humanidade de uma forma dura

    d ou ra e n ã o d e sp re zí ve l p ar a a m ul ti pl ic id ad e e p a ra a qu ~

    lidade das suas relações morais;   por   isso me aconselharam

    a antepor aos poemas uma defesa sistemática da teoria que

    presidiu   à   sua composição. Não me sentia, porém, dispo~

    to a levar a cabo esta tarefa   porque   sabia que o leitor

    i ri a e nt ão o lh ar c om f ri ez a o s m eu s a rg um en to s,   uma   vez

    q ue m e   poderia   assim tornar suspeito de ter sido principa!

    mente influenciado pela esperança egoísta e insensata de o

    persuadir peta   ~zão   a aprovar ~stes mesmos poemas; e ainda

    menos disposto me sentia   a   levar a cabo a tarefa porque   e~

    primir adequadamente as minhas opiniões e impor plenamente

    o s me us a rg um en to s ex ig ir ia ~ ~ es paç o e xo rb it an te p ar a a

    natureza de um prefáciO. Além disso, tratar este assuntocom   a   clareza e coerência de que me parece susceptível, im

    plicaria apresentar um relato completo sobre o estado   a~

    tual do gosto do público neste pais   e   d et er mi na r a té q ue

    p on to e st e g os to é s ad io o u c or ro mp id o, o q ue m ai s u ma v ez

    não poderia ser determinado sem que se apontasse de que me

    n ei ra a l in gu age m e o es pí ri to h um ano a gem e re ag em u m s 2

    bre o outro e sem que se voltassem a traçar as revoluções,

    n ao s ó d a li te ra tu ra , ma s t am bé m da p ró pr ia s oc ie da de .

    E is p or qu e m e te nh o t o ta lm en te r ec usa do , p or s is te ma , a

    entrar nesta defesa e, contudo, sou sensível   ã   ideia de

    q ue n ão s er ia p ró pr io i mpo r a br up ta me nt e a o pú bli co , s em

    algumas palavras de introdução, poemas materialmente tão

    d if er en te s d aq ue le s q ue me re ce~ h oj e e m d ia a pr ov aç ão

    geral.

    se

    SUpÕe-se que, no acto

    compromete formalmente

    d e es cr ev er e m v er so , u m a ut or

    a s at isf az er c er to s h áb it os d e

    associação   já   c on he ci do s, d an do a s ab er d es te m od o a o le !

    tor não apenas que certas classes de ideias e expressões

    se acharão no seu livro,mas também que outras serão cuid~

    63

    dosamente excluídas.   A   linguagem métrica enquanto índice

    ou símbolo terá em diferentes épocas da literatura dese~

    c ad ea do e xp ec ta ti va s m ui to d i fe re nte s: p or e xe mp lo , n o

    tempo de Catulo. Terêncio e Lucrécio e no de Estácio e

    Claudiano]   e,   no nossOS próprio país, no tempo de Shake~

    pear e Bea~~ont e Fletcher e no d e D onne e Cowley, ou deDryden, ou de pope.4 Não t omarei a meu cargo determ!

    nar o alcance exacto da promessa que   um   autor, no a cto de

    escrever em verso, faz presentemente ao seu leitor, mas   e~

    tou certo que parecerá   a   mu it a g en te q ue n ão c um pr i o s t e~

    mos de um contrato por mim voluntariamente contraído.   A-

    queles que, acostumados   à   ostentação e fraseologia oca de

    muitos escritores modernos, persistirem em ler este livro

    até ao fim, terão, sem dúvida, que debater-se frequenteme~

    te coro sentimentos de estranheza e confusão: hão-de proc~

    rar poesia e serão levados   a   inquirir   a   que título de C OE

    tesia   é   que estas experiências se podem assumir como tal.E sp er o, p oi s, qu e o l eit or me n ão c on de ne s e eu t en ta r e~

    p or o q ue m e p ro pus r eal iz ar e t am bé m ( na m ed id a e m q ue os

    limites de um prefácio o tornem possível) explicar algumas

    das principais razões que me determinaram na escolha deste

    o bj ec to , p ar a q ue , p el o m en os , l he s e ja po up ad a u ma d es e

    gradável sensaçao de desapontamento e para que eu próprio

    m e p os sa p ro te ge r d a m ai s d es on ro sa a cu saç ão q ue p od e s er

    lançada contra   um   autor, ou seja,   a   de que a indolência   o

    impede de se empenhar na averiguação   do   que   é   O   seu dever

    ou, uma vez averiguado esse dever,   o   impede de o leal!

    5zar.

    o principal objecto que a mim próprio me propus nestes

    poemas consistiu, pois, em escolher incidentes e situações

    da vida de todos os dias e relatá-los ou descrevê-los, tar.t~

    q ua nt o p o ss ive l, n um a se le cç ão d a l in gu ag em r ea lme nt e

    usada pelos homens, e em recobri-los com um certo colorido

    da imaginação, pelo que as coisas comuns se apresentariam

    ao espírito de um modo invulgar:6

    e , al ém d is so e an te s

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    do mais, consistiu em tornar interessantes estes incide~

    tes e situações, ao delinear neles, com verdade, mas sem

    ostentação, as leis primárias da nossa natureza, sobretudo

    no que diz respeito   à   maneira como associamos ideias num

    estado de excitação.7

    Foi. em geral, escolhida a vida

    humilde e rústica porque, nessa condição, as paixões esse~

    ciais do coração   encontram   um melhor solo para atingirem a

    maturidade, estão menos reprimidas e falam uma linguagem

    mais simples e mais enfática; porque, nessa condição da

    vida, os nossos sentimentos mais elementares coexistem num

    estado de maior simplicidade e, consequentemente, podem

    ser contemplados de uma forma mais exacta e comunicados de

    u m mo do m ai s e né rg ic o; p or qu e a s m an ei ra s d a v id a r ur al

    germinam a partir desses sentimentos elementares, compree~

    dem-se mais facilmente a partir do carácter necessário das

    ocupações rurais, são mais duráveis e, por fim, porque,

    nessa condição, as paixões dos homens estão entrelaçadas

    com as belas e permanentes formas da natureza. Também seadoptou a linguagem destes homens (de facto purificada do

    q ue p ar ec e s er em o s s e us r ea is d ef ei to s e d e t od as a s c a~

    sas racionais e duradouras de desagr·ado ou r!'~''-'s.:-.~:;.cia)POE

    q ue t ai s h om en s c om un ic am h or a a ho ra c om o s m el ho re s o Q

    jectos donde originalmente deriva o melhor da linguagem e

    p or qu e, u ma v ez q ue o l ug ar q ue o c up am n a so ci ed ad e e o

    circulo estreito e uniforme das suas relações os subtraem

    â influência da vaidade social, exprimem os seus sentime~

    tos e noções de uma forma mais simples e menos elaborada.

    Assim, uma linguagem que nasça da experiência repetida e

    dos sentimentos habituais   é   uma linguagem mais permanentee muito mais filosófica do que aquela por   que   os poetas

    muitas vezes a substituem, pensando que, quanto mais se ~

    fastam do contacto com 06 outros homens e se entregam a há

    bitos de expressão arbitrários e caprichosos a fim de aI!

    mentarem gostos ou apetites volúveis por eles próprios cr!

    adas, mais honrarias conferem a si próprios e   ã   sua arte.-

    • Vale a pena o bservar a qUi q ue os passo s qu e, emChaucer, mais nos afectam se apresentam quase se~

    65

    Não posso, contudo, ficar insensível ao actual clamor

    de repúdio contra a trivialidade e a mesquinhez, quer do

    pensamento, quer da linguagem, que alguns dos meus conte~

    porâneos têm ocasionalmente introduzido nas suas campos!

    ções métricas, e reconheço   que   este defeito, onde quer que

    exista,   é   mais desonroso para   o   próprio carácter do poeta

    do que a falsa sofisticação ou   a   inovação arbitrária, emb2

    ra eu pudesse simultaneamente argumentar que, no total das

    suas consequências,   é   m ui to m en os p er ni ci os o. O s p oe ma s

    incluídos neste volume diferem de tais versos pelo menos

    p or u ma m ar ca d is ti nt iv a, a de q u e c ad a u m d e le s t em u ma

    6~e   c on di gn a. N ão qu er i s to di ze r qu e eu se mp re t ~

    nha começado por escrever com uma finalidade clara e fo!

    maLmente concebida, mas julgo terem-me os hábitos de medi

    tação formado de tal maneira os sentimentos que não se   PQ

    derã deixar de reconhecer que as descrições dos objectos

    que me impressionam fortemente os sentimentos trazem cansigo uma   fyi..YtaLida.de.   Se nesta opinião estiver errado, pouco

    d ir ei to t er ei a o t ít ul o d e p oe ta . P oi s t od a a b oa p oe si a

    é o transbordar espontâneo de poderosos sentirnentos,a mas,

    e mb or a i st o s ej a v er da de , t od os o s po em as a q ue s e p od e

    atribuir qualquer valor, seja qual for o assunto, foram

    sempre produzidos por um homem que, não só possuía uma se~

    sibilidade orgânica invulgar, mas era também capaz de r~

    f le ct ir p ro fu nd a e l on ga me nt e. O s f lu xo s c on ti nu as d e

    sentimento são modificados e dirigidos pelos nossos pens!

    mentos, que são, na realidade, os representantes de todos

    os sentimentos passados, e, tal corno contemplar a relação

    destes representantes gerais uns com os outros permite deê

    cobrir o que   é   realmente importante para os homens, assim

    também, atravez da repetição e continuidade deste acto, os

    nossos sentimentos combinar-se-ão CaD objectos importantes,

    até que, por   firo,   se possuirmos originalmente uma grande

    pre numa linguagem pura e universalmente inteligí-vel mesmo hoje em dia .

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    sensibilidade, produztr-se-ão hábitos mentais, cujos impu!

    SOS,   caso lhes obedeçamos cega e mecanicamente, nos hão-de

    levar a descrever objectos e expressar sentimentos de uma

    tal natureza e numa tal interligação que, se aquele a quem

    nos dirigimos estiver num estado saudável de associação, o

    seu entendimento tem necessariamente de sair de algum modo

    iluminado e os afectos aperfeiçoados.

    Disse   já   que cada um destes poemas tem uma finalidade.

    Também informei já o meu leitor que esta finalidade consls

    t ir á p ri nc ip al me nt e e m i lu st ra r a m an ei ra c om o o s   nOSS05

    sentimentos e ideias se associam num estado de excitação,

    ou, para falar numa linguagem mais apropriada, trata-se de

    s eg ui r o s f lu xo s e r e fl ux os d o e s pí ri to a gi ta do p el os g ra ~

    d es e s im pl es a fe ct os d a n os sa n at ur ez a. F oi e st e o bj e~

    t iv o q ue , p or v ár io s m ei os , m e e s fo rc ei p or a ti ng ir n es te s

    p eq ue no s e xe rc íc io s: d es cr ev en do a p ai xã o m at er na l a tr a

    v ez d as s ua s mu it as i nt ri nc ad as s ub ti le za s, t al c om o n os

    p oe ma s " Id io t B o y" e " M ad M o th er ", a co mp an ha nd o a ú lt im aa go ni a d e u m s er h um an o à s p or ta s d a mo rt e, q ue , n a s ol !

    d ão s e a pe ga   à   vi da e   à   sociedade, como no poema "Forsaken

    Indian", mostrando, como nas estrofes intituladas "We Are

    S ev en ", a pe rp le xi da de e ob sc ur id ad e q ue , n a n os sa i nf ã~

    cia, estão associadas   à   noção que temos da morte, ou antes,

    a n os sa t ot al i nc ap ac id ad e p ar a a dm it ir e ss a n oç ão , p at e~

    t ea nd o a f or ça d a l ig aç ão f ra te rn al o u, p ar a f al ar m ai s f !

    losoficamente, moral, quando unida desde cedo aos grandes

    e b el os o bj ec to s d a n at ur ez a, c om o e m " Th e B ro th er s" , o u,

    c om o n o e p is ód io d e " Si mo n L eeH,   c ol oc an do o l ei to r e m c OB

    d iç õe s d e r e ce be r d as v ul ga re s s en sa çõ es m or ai s u ma o ut ra

    impressão mais salutar do que aquelas que estamos acostum~

    d os a r ec eb er . F ez t am bé m p a rt e d a m in ha f in al id ad e g ~

    ral tentar delinear caracteres influenciados por sentimen

    t os m e no s a pa ix on ad os , C Om o e m " T wo A pr il M or ni ng s" , " Th e

    F ou nt ai n" , " Th e a ld M an T r av el li ng ", " Th e Tw o T hi ev es ",

    etc., caracteres cujos elementos são simples, pertencendo

    mais   à   na tu re za d o q u e a os c os tu me s t al c o mo h oj e e xi st em

    e c om o p ro va ve lm en te s em pr e h ão -d e e xi st ir , e q ue , p el a

    sua constituição, podem ser contemplados clara e vantajos~

    m en te . N ão c on ti nu ar ei a ab us ar d a pa ci ên ci a d o l ei to r

    d et en do -m e p or m ai s t e mp o n es te a ss un to , m as c on vé m q ue

    m en ci on e u ma o ut ra c ir cu ns tâ nc ia q ue d i st in gu e e st es p oe

    m as d a p o es ia q ue a ct ua lm en te é p op ul ar : a de q u e o s en t!

    menta aí desenvolvido   dá   importância   à   ac çã o e s it ua çã o e

    não a acção e situação ao sentimento.   O   q ue q ue ro d iz er

    tornar-se-á perfeitamen~e inteligível se remeter o leitor

    p ar a o s p oe ma s i nt it ul ad os " po or S us an ~ e " Ch il dl es s   F~

    ther", particularmente   a   última estrofe do segundo.

    N ão p er mi ti re i q ue u m s en ti do d e f a ls a m o dé st ia m e i ~

    p eç a d e a fi rm ar q ue c ha mo a at en çã o d o l ei to r p ar a e st a

    marca distintiva, não tanto por estes poemas, mas pela   i~

    p or câ nc ia g er al d o a s su nt o. O a ss un to   é   deveras importa~

    t e~ P oi s o e sp ir it a h um an o   é   c ap az d e s er e xc it ad o s em a

    i nt er ve nç ão d e e st im ul an te s v io le nt os e gr os se ir os , e s óq ue m t iv er u ma f ra ca p er ce pç ão d a s u a b el ez a e d ig ni da de

    não o reconhecerá, e, além disso, não reconhecerá que,qua~

    t o m ai s u m se r hu ma no p os su i e st a c ap ac id ad e, t an to m ai s

    s e el ev a a ci ma d e o ut ré m. P ar ec eu -m e, p or ta nt o, q ue pr2

    c ur ar p ro du zi r o u a la rg ar e st a c ap ac id ad e é u ma d as m el he

    r es m is sõ es a q ue , e m qu al qu er é po ca , u m e sc ri to r s e p od e

    e nt re ga r, m as e st a m is sã o, s em pr e e xc el en te , é -o e m e sp ~

    cial nos nossos dias.   t    qu e u m s em n úm er o d e c au sa s a nt ~

    riormente desconhecidas combinam-se agora para embotar os

    poderes de discernimento do espirita humano e, tornando-o

    inadequado a todo e qualquer esforço voluntário, reduzem-

    - no a um e s ta do d e t or po r q ua se s el va ge m. D e t od as e st as

    c au sa s, a s ma is e fi ca ze s s ão o s g ra nd es a co nt ec im en to s n 2

    c io na is q ue d ia ri am en te o co rr em e a c re sc en te a cu mu la çã o

    d os h om en s n as c id ad es . o nd e a u n if or mi da de d as s ua s o cu p~

    çoes provoca um anseio pelo caso extraordinário, saciado a

    t od o o m om en to p el a c om un ic aç ão r áp id a d e n ot íc ia s~ A e !

    t a t en dê nc ia d a v id a e do s c o st um es t êm -s e c o nf or ma do n o

    67

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    nosso país a literatura e os espectáculos teatrais. As

    obras inestimáveis dos nossos autores maiores, quase me

    a tr ev ia a di ze r a s o br as d e S ha ke sp ea re e M il to n, s ão d es

    prezadas em favor de romances delirantes, tragédias alemã;

    doentias e estúpidas e dilúvios de histórias em Verso oci2lO

    s as e ex tr av ag an te s. Q ua nd o p en so n es ta d e gr ad an te s ed e

    de estímulos afrontosos, quase me envergonho de mencionar

    o frágil esforço com que procurei contrariá-Iosll   e,r~

    flectindo sobre a amplitude do mal geral, sentir-me-ia 2

    primldo por uma melancolia não pouco honrosa se Certas qu~

    lidades intrínsecas e indestrutíveis do espírito humano,

    b em c om o c er to s o bj ec to s g ra nd es e pe rm an en te s q ue s ob re

    ele agem   e que são igualmente intrínsecos e indestrutíveis

    m e nã o t iv es se m i mp re ss io na do p ro fu nd am en te e s e, p ar a

    além disso, esta impressão não fosse completada pela eren

    ç a n a a pr ox im aç ão d os t em po s e m q ue h om en s d e m ai or es c ap ~

    c id ad es s e hã o- de o po r s is te ma ti ca re en te a es se m al e   COmum   êxito muito mais notável.

    Tendo,   assim, discorrido longamente sobre os assuntos

    e   objectivo destes poemas, pedirei agora permissão ao lei

    tor para informá-lo de algumas circunstâncias relativas ao

    seu   e4tilo,   a fi m de q u e, e nt re o ut ro s m ot iv os , n ão p os sa

    s er c en su ra do p or n ão t er r e al i2 ad o o q ue n un ca m e p ro pu s

    realizar.   O   leitor verificará que nestes volumes raramen

    te Ocorrem if -   12-p er s an i caç oes de i de ia s ab str act as q ue, e s

    pero, são totalmente rejeitadas como vul~ar artifício para

    e ng ra nd ec er o e st il o e el ev á- lo a ci ma d a pr os a. T iv e p o r

    objectivo imitar e, tanto quanto possível, adoptar   a   verda

    deira linguagem dos homens, sendo certo qUe tais personif~

    cações não fazem natural ou habitualmente parte dessa li~

    g ua gem . S ão, d e f ac to , u ma f ig ura d o   dl'scurso .ocas~ona!

    m en te i ns pi ra da p el a p a ix ão e f o i c om o t al q u e f iz u s o   d~

    las; porém, esforcei-me de sobremaneira por rejeitá-las

    enquanto artifício mecânico do estilo ou   t   1enquan   O   ingu~

    o s es cr it or es e m ve rs o p ar ec em r ei vi nd !

    Fo i m eu d es ejo M an ter o l ei tor na oc rnp~

    gern d e c as ta q ue

    por receita.car 

    n hi a d a n at ur ez a h um an a, c on vi ct o d e q ue , a o f az ê- lo , l he

    hei-de despertar   O   i nt er es se ; c on tu do , e st ou b e m c ie nt e

    de que outros, seguindo outras vias, podem igualmente   de~

    pertar-Ihe o interesse: sem interferir com a pretensão   d~

    l es , d es ej o a pe na s r ei vi nd ic ar o m eu p ró pr io c am in ho .

    N es te s v ol um es , e nc on tr ar -s e- á t am bé m m ui to p ou co d o q ue

    h ab it ua lm en te s e de si gn a p or d i cç ão p oé ti ca ~3 f oi -m e t ão

    penoso evitá-la quanto o   é   a outros produzi-la,   e   isto   p~

    lo motivo   já   r ef er id o, o u s ej a, a pr ox im ar a m in ha l in gu ~

    gem   da linguagem dos homens e, além disso, porque o prazer

    que me propus transmitir   é   de uma espécie muito diferente

    daquele que muitas pessoas crêem ser objecto próprio da   P2

    e si a. N ão s ei c o mo , s em m e t o rn ar c ul pa do   em   demasia, ~

    d er ei d ar a o m eu l ei to r u ma n oç ão   mais   exacta do estilo em

    q ue d e se je i q ue e st es p oe ma s f os se m e sc ri to s s en ão l nf o~

    mando-o de que procurei encarar sempre   de   fr ent e o me u ass un to e , c on se qu en te me nt e, e sp er o q ue n ao s e a ch e n es te s

    p oe ma s q ua lq ue r f al sa d es cr iç ão e q ue a s mi nh as i de ia s s ~

    jaro expressas numa linguagem adequada   â   s ua r es pe ct iv a i ~

    p or tâ nc ia . C om e s ta p r át ic a, d ev o t e r g an ho a lg o q ue   é

    propício   a   u ma c ar ac te ri st ic a d e t o da a bo a p oe si a, o u s ~

    ja, bom senso, mas, por outro lado, obrigou-me necessari~

    m en te a r om pe r c om u r na g ra nd e q ua nt id ad e d e e xp re ss õe s e

    f ig ur as d e e st il o q ue , d e p a is p ar a f il ho s, t êm s id o d e   há

    muito consideradas como   a   he ra nç a c omu m dos p oet as. J u!

    guei também conveniente restringir-me ainda mais, tendo-me

    abstido  .0

      u so d e m u it as e xp re ss õe s e m s i p ró pr ia s b el as e

    adequadas, mas que,   à   força de serem frivolamente repetidas

    p or m au s p oe ta s, a ca ba m p or s e c om bi na r c om t ai s s en ti me g

    t os d e a ve rs ão q ue q ua se n ão   há   arte de associação que   05

    possa dominar.

    S e n Um p oe ma s e e nc on tr ar u ma s ér ie d e v er so s, o u m e~

    mo um único verso, em que a linguagem, embora naturalmente

    organizada e obedecendo às estritas leis da metrificação,

    não se distingue da da prosa,   há   logo uma grande quantid~

    69

  • 8/15/2019 Prefácio de Wordworth

    7/21

    70

    de de críticos que, ao tropeçarem nestes prosaIsmos, co~o

    eles lhes chamam, imaginam que   fizeram uma   notável desco

    berta e exultam por poderem afirmar que o poeta   é   ignora~

    t e na s ua p ró pr ia p ro fi ss ão . O ra o l ei to r t er á d e c on st ~

    tar que, se deseja retirar prazer da leitura destes po~

    mas, deve rejeitar to~almente o cânone crítico que estes

    homens pretenderiam estabelecer. E seria bem fácil dem on st ra r- lh e q ue , n ão s ó um a g ra nd e p ar te d a l in gu ag em d e

    q ua lq ue r b om p oe ma , m es mo d os m a is e le va do s, n ão h á- de n ~

    cessariamente diferir, com excepção do metro, da da boa

    prosa, mas também que se verificará que algumas das partes

    mais interessantes dos melhores poemas são estritamente a

    linguagem da prosa, quando esta   é   bem escrita. Poder-se-

    -ia demonstrar a verdade desta afirmação com inúmeros pas

    sos de quase todas as obras poéticas, mesmo do próprio Mii

    t on o E mb or a n ão t en ha m ui to e sp aç o p ar a c it aç õe s, v ou ;

    p re se nt ar a qu i, a fi m de i lu st ra r a qu es tã o d e u ma f or ma

    genérica, uma pequena composição de Gray, que foi o primei

    ro de entre os que tentaram, através da reflexão, dilata;

    o e sp aç o q ue s ep ar a a pr os a d a co mp os iç ão m ét ri ca e q ue ,

    mais do que qualquer outro, singularmente elaborou a estr~

    tura da sua própria dicção poética.

    In vain tO,me the smiling morningsshine,

    And r:dden1ng Phoebus lifts his golden fire:

    The b1rds ln ~ain their amorous descant join,

    Dr cheerful f1elds resume thelr green attire:

    The~e ears a~as: for other notes repineiA

  • 8/15/2019 Prefácio de Wordworth

    8/21

    72

    tenho estado a dizer quanto   à   perfeita afinidade entre a

    linguagem métrica e a da prosa, e abre c~~lnho a outras

    distinções artificiais que o espIrito de forma voluntária

    admite, responderei que a linguagem da poesia que tenho e~

    tado a recomendar   é,   tanto quanto possível, uma selecção

    da linguagem realmente falada pelos homens, que esta sele~

    ção, sempre que feita com verdadeiro gosto e sentimento,

    constituirá por si própria uma distinção muito mais   lmpo~

    tante do   que   ã   primeira vista se   poderia   imaginar e separ~

    rã   inteiramente   a   composição   da vulgaridade e mesquinhez

    da vida quotidiana; e se a ela se acrescentar o metro,

    creio   que   se   produzirá uma   dissemelhança de   todo suficie2

    te para a satisfação de qualquer espirito racional. Que

    outra distinção haverlamos de ter? De onde há-de ela vir?

    E onde hã-de existir? Não, decerto, onde o poeta fala p~

    la boca das suas personagens: aqui ela não   é   necessária,

    nem para a elevação do estilo, nem como hipotético orname~

    to, pois se o poeta escolher judiciosamente o seu assunto,

    este conduzi-lo-á naturalmente e no momento adequado a pa!

    xões, cuja linguagem, quando seleccionada verdadeira e j~

    diciosamente, tem por força de ser digna, colorida e palp!

    tante de metáforas e figuras. Abstenho-me de mencionar

    uma incongruência que haveria de chocar o leitor intelige~

    te caso o poeta entretecesse,no esplendor que a paixão n!

    turalmente sugere,um outro qualquer, alheio, de sua inve~

    ção: basta dizer que tais acréscimos são desnecessários.

    E   é   certamente mais provável que os passos ond~ metáforas

    e figuras existem em justa abundância produzam o seu efeito próprio, se, noutros momentos em que as paixões forem

    de natureza mais branda, O estilo for igualmente contido e

    sos sentimentos morais, nao posso contentar-me com estas ~

    bservações dispersas. E se, pelo que vou dizer, houver

    alguém   a   quem o meu trabalho pareça desnecessário e que me

    julgue um homem lutando contra moinhos de vento, recordar-

    -lhe-e! que, seja qual for a posição exteriormente defend~

    da pelos homens,   a   fé   nas   opiniões que pretendo estabel~

    cer   é,   na prática, quase desconhecida. Se as minhas co2

    clusões forem aceites e, sendo aceites, forem levadas até

    às últimas consequências, os nossos juízos sobre as obras

    dos maiores poetas, quer antigos, quer modernos, serão mu!

    to diferentes do que são hoje em dia, quer quando os louvê

    mos, quer quando os criticamos, e os nossos sentimentos m~

    rais, influenciando esses juízos e por eles influenciados,

    hão-de, creio eu, ser corrigidos e purificados.

    Retomando, pois, o assunto em termos gerais, pergunto:

    o que se quer dizer com a palavra poeta? O que é um po~

    ta? A quem se dirige ele? Que linguagem se espera dele?Ele   é   um homem que fala aos outros homens: um homem, é

    certo, dotado de uma sensibilidade mais viva, de mais ent~

    siasmo e ternura, que tem um maior conhecimento da natur~

    za humana e uma alma mais compreensiva do que se considera

    ser vulgar entre os homens; um homem a quem as suas pa!

    xões e actos de vontade causam prazer e que se regozija

    mais do que os outros homens com o espIrito da vida que n~

    le há: que se deleita na contemplação de paixões e actos

    de vontade semelhantes talcano se manifestam nas andanças do

    universo e habitualmente incitado a criá-los onde não os

    acha. A estas qualidades veio ele acrescentar uma disP2sição para se deixar afectar, mais do que os outros homens,

    por objectos ausentes como se estivessem presentes, uma c~

    pacidade para concitar em si paixões que estão, na verdade,

    longe de serem as mesmas que os acontecimentos reais prod~

    zem e, no entanto (em especial quanto ao que da afinidade

    universal dá prazer e deleite), se assemelham mais às pa!

    xões produzidas por esses acontecimentos do que tudo aqu!

    ameno.

    Mas, uma vez que o prazer que   eu espero   éar    através

    dos poemas agora apresentados ao leitor deve depender de

    justas noçoes sobre este assunto, e como ele   é   em si   pr§prio da maior importância para O nosso gosto   ~ para os   n0!l!:

  • 8/15/2019 Prefácio de Wordworth

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    --   .. _-------

    10   que>os outros   hOl.lcns, FJl"tindo   .::Ip\~ndsdo:,

    $~U espfrito. ~stâo acostumaJoh a s~~ti~ Cr.l

    i r.õ/JalsoG CO

    si prÓrr-ios.

    D~i   e   à:l ! iU3   fn-;iticJ.   ele   vcio   a   :'ldcJ'-lll:ir    U::~..lmaior    flront;

    J:=ío   e c apac idade par a e x! "' rl .mi r o que pens, ) c s ente , e ~peç ~

    ali.lenteos penSaPentos e sentlmentcs que nele surgem, por

    escolha própria ou pela   estruturd   da sua mente, sem estímulo externo imediato.

    M as . s eja q ua l fo r a pr opo rç ão em q ue po de mos s up or

    que, i.lesmoo   maior   poeta,   possui   esta   faculdade,   a   lingu~

    gem que ela lhe há-de sugerir tem de ficar indubitaveL~e~

    te muito aquém, em verdade e vivacidade, da que   é   falada

    p el os ho me ns n a vi da re al s ob a p re ss ão ef ect iv a de p ai

    xões cujas sombras o poeta produz ou sente produzirem-se

    nele. Por   m ui to e le va da q ue s ej a a n oç ão d o c a rá ct er d e

    um poeta que desejemos acalentar,   é   ób vio q ue , a o d es cr~

    ver   e   imitar paixões,   a   sua situação   é   a bs ol ut am en te s e!'I •. 18v~ e mecan~ca, quando con:parada. COma liberdade e poder 

    d a a cç ão e s of ri me nt o n a su a s ub st ân ci a e re al id ad e. P or

    isso, será desejo do poeta aproximar os seus sentimentos

    d os d a s pe ss oa s c uj os s en ti me nt os d es cr ev e, m el ho ~, d e!

    xar-se cair, ainda que por um pequeno espaço   àe   teThpo, n~

    m a i lu sã o c om pl et a, e a té c on fu nd ir e i de nt if ic ar o s s eu s

    p ró pr io s s en ti me nt os c om os de le s, m od if ic an do a pe na s a

    linguagem que assim lhe   ê   sugerida, por considerar que de~

    creve com uma finalidade específica,   a   de dar p razer. A-

    qui ele aplicará   o   princípio em que tanto tenho insistido,

    isto   é,   o da selecção;   ê   disto   que   o po eta d ep en de p araa fa st ar d a p ai xã o o   que   de outro modo   a   tornaria dolorosa

    ou desgradãvel; ele sentirá que não há qualquer neceszid~

    d e d e or na me nt ar o u el ev ar a na tu re za e q ua nt o m ai or   a

    sua indústria na aplicaçâo deste princípio, tanto mais   pr2

    fundamente ele acreditará que   não   há palavras, sugeridas

    pela fantasia ou pela ima~inaçáo, comparáveis às   que   em~

    nam da realidade   c da   v~rdade.

    Podem, porém, dizer dqule$c;ue nada têrr.a   opor ao   c~

    pIrito geral   dç~t::~   ot'~':cr·,..açnf'!'   c::uP.,   na o p Od end o o po eta

    75

    produzir sempre linguagem tão finamente adequada   ã   paixão

    como a que a própria paixão real sugere,   é   natural que ele

    d ev a c on si de ra r- se n a s it ua çã o d e t r ad ut or q ue s e cr ê j u~

    tificado quando substitui por uma perfeição de outro tipo

    aquela que lhe é inatingível e se esforça ocasionalmente

    por superar   o   original a fim de compensar de algum modo   ainferioridade geral a que sente ter de   se   submeter.   Mas

    isto corresponderia   a   e nc or aj ar a p re gu iç a e o d es ep er o ~

    f em in ad o. A lé m di ss o,   ê   a l in gu ag em d e h o me ns q ue f al am

    d o q ue n ão c om pr ee nd em , q ue f al am d e p oe si a c om o s e   de   d!

    v er ti me nt o e pr az er o ci os o s e tr at as se , q ue c o nn os co c o~

    versam tão solenemente de um   goóZo   por poesia, na expressão

    d el es , c om o s e f os se a m es ma c oi sa q ue u m g os to p or f un ~

    bulismo, Frontignanl9 ou Xerez. Segundo me disseram,

    Aristóteles afirmou que a poesia   é,   de todas, a escrita

    m ai s f il os õf ic a; 20 a ss im é : o s eu o bj ec to   é   a verdade,

    não individual nem restrita, mas geral e operante, não   b~

    seada no testemunho exterior, mas no arrebatamento do cor~

    ção sob   o   efeito das paixões, urna verdade que   é   testemunhode si própria, que   dá   força   e   d iv in da de a o tr ib un al a q ue

    apela e desse mesmo tribunal as recebe.   A   p oe si a é a   im~

    g em d o ho me m e d a n at ur ez a. O s o bs tá cu lo s   à   verdade e~

    c on tr ad os p el o b ió gr af o e pe lo h is to ri ad or e , po r c on s~

    quéncia,   à   utilidade deles são incalculavelmente maiores

    d o q u e a qu el es c om q ue t em d e s e d ef ro nt ar o p o et a q ue t em

    um a n oç ão a de qu ada d a di gn ida de da su a ar te . S ó um a re ~

    trição condiciona a escrita do poeta:   a   necessidade ded ar p ra ze r i me di at o a um s e r h um an o q ue p os su a a i nf or m~

    ção   q ue d el e s e p od e e sp er ar , n ão c om o a dv og ad o, m éd ic o,

    marinheiro, astrónomo ou filósofo da natureza, mas como h2

    m em . E xc ep tu an do e st a r es tr iç ão , n ão ex is te q ua lq ue r o ~

    j ec to q ue s e i nt er pon ha e nt re o p oe ta e a i m ag em da s co ~

    s as ; e nt re e st a e o b i óg ra fo o u o h is to ri ad or h á u ma i nf i

    nidade.

    Contudo, nao se considere esta necessidade de produzir

    prazer imediato como uma degradaçâo da arte do poeta.   t 

  • 8/15/2019 Prefácio de Wordworth

    10/21

    76

    exactamente o contrário. Trata-se de reconhecer a beleza

    do universo, de um reconhecimento tanto mais sincero quanto

    não   é   formal, mas indirecto; trata-se de uma tarefa fácil

    e ligeira para aquele que contempla o mundo com o espiríto

    do amor   i   além disso,   é   uma homenagem prestada   à   dignidadenua e natural do homem, ao grande princípio elementar do

    prazer pelo qual se move, conhece,vive e sente. Só

    vês doatr~

    prazer sentimos afinidades; não desejaria ser mal

    interpretado, mas, sempre que sentimos afinidade com a dor,

    terá de concluir-se que essa afinidade   é   produzida e conti

    nuada através da subtil cOmbinação com o prazer. Todo o

    conhecimento que temos, isto é, os princípios gerais retir~

    dos da   contemplação dos factos particulares, foi edificado

    pelo prazer e existe em   nós   apenas pelo prazer. ~ isto

    que o homem de ciência, o quImico e o matemático, conhece e

    sente, sejam quais forem as dificuldades e revezes com que

    t em d e s e d ef ro nt ar . P or m ui to d ol or os os q ue s ej am o s o b

    jectos com que se relaciona o conhecimento do anatomista,

    ele sente que o seu conhecimento   ê   p ra ze r e s e n ão t em p r~zer não tem conhecimento.   O   que faz e ntão o poeta? Ele

    considera o homem e os objectos que o rodeiam agindoe re! :!

    gindo uns sobre os outros, de modo a produzirem uma infini

    ta complexidade de dor e prazer; considera que o homem, na

    sua própria natureza e na vida quotidiana, contempla isto

    com uma certa quantidade de prazer imediato, com certas co~

    vicções, intuições   e   deduções que por hábito adquirem a   n!:!

    t ur ez a d e i nt ui çõ es ; c on si de ra -o n a c on te mp la çã o d es te

    complexo cenário de ideias e sensações e   na   descoberta, emtoda a parte, de objectos que imediatamente suscitam nele

    afinidades que,   a   partir das necessidades da sua própria na

    tureza, são predominante~ente acompanhadas por contentarne~

    to. -

    o   poeta faz principalmente incidir a sua atenção sobrees te c on heci mento que t odos o s ho mens traz em .cons1go e sQ

    bre estas afinidades que somos talhados para apreciar com

    d el ei te , s em q ua lq ue r o ut ra d is ci pl in a s en ão a da v id a d e

    77

    t od os o s di as . C on si de ra e le q ue o h om em e a n at ur ez a e ~

    tão essencialmente adaptados um ao outro e que o espírito

    humano   ê   o espelho das mais belas e interessantes qualid~

    d es d a n at ur ez a. A ss im , o po et a, i ns ti ga do p or e s te s e~

    timen to de p ra zer q ue o a co mpan ha ao l ongo d e todos os

    seus estudos, comunga na natureza em geral com afectos   s~

    melhantes aos que o   homem de   ciência, pelo labor   e   pelo

    c or re r d o t e mp o, f ez n as ce r e m s i p ró pr io n o t ra to c om o s

    aspectos da natureza que constituem o objecto peculiar dos

    seus estudos.   O   s ab er , t an to d o p oe ta c om o d o h om em d e

    ciência,   é   prazer, mas, enquanto que o saber do primeiro

    nos penetra como elemento necessário   da   nossa existência,

    a   nossa herança natural e inalienável, o saber do segundo

    é   urna conquista pessoal e individual, de aquisição lenta,

    não nos ligando por qualquer afinidade habitual e di'recta

    aos nossos semelhantes.   O   homem de ciência procura a ver

    d ad e c o mo u m be nf ei to r r em ot o e d es co nh ec id o; p re za -a eama-a   na   s ua s ol id ão , a o pa ss o q ue o p oe ta , e nt oa nd o u m

    canto em que todos os seres humanos participam, exulta na

    presença da verdade como nossa amiga manifesta e companhe!

    ra   de todas   as   horas.   A   poesia   ê   o alento   e   Q   espírito

    mais puro de todo o conhecimento:   é   a expressão apaixon~

    d a no ro st o d e to da a c iê nc ia . P od er á e nf at ic am en te d i

    zer-se do poeta o que Shakespeare diz do homem, "que olha

    O   antes e o depois".   21   Ele   é   o rochedo defensivo da nat~

    reza humana,   O   que a sustenta e preserva, levando consigo

    p ar a t oã o o l ad o s i mp at ia e a mo r. A pe sa r d as d if er en ça s

    d e s o lo e c li ma , d e l in gu ag em e ma ne ir as , d e l ei s e c os t~

    mes, apesar das coisas silenciosamente es~uecidas e das

    coisas violentamente destruídas, o poeta une pela paixão e

    pelo conhecimento o vasto império da sociedade humana tal

    como s e difu nde por to da a terra e por todo o t empo. Os

    o bj ec to s d o p en sa me nt o d o po et a e st ão p or t od a a p ar te ;

    embora os olhos e os sentidos do homem sejam,   é   oerto,osseus

    guias favoritos, ele perseguirá, onde quer que a encontre,

    uma atmosfera   c..:'   sensação onde possa adejar. A poesia   ê

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    78

    o p ri nc ip io e o f im d e t od o o c on he ci me nt o -   é   tão imortal

    como o coração do homem. Se os labc~es dos homens de c!

    ência alguma vez criarem uma qualquer revolução material,

    directa ou indirecta, na nossa condição e nas i~pressões

    que habitualmente recebemos, o poeta não repousará então

    mais do que hoje em dia, antes estará pronto a seguir os

    passos do homem de ciência, não só quanto aos efeitos ge

    rais indirectos, mas também porque estará a seu lado, 1~

    pregoando de sensação os objectos da própria ciência. As

    mais recônditas descobertas do quImico, do botânico e do

    mineralogista serão objectos da arte do poeta, tão apropr!

    ados como quaisquer outros sobre os quais ela possa exe~

    cer-se, se alguma vez chegar o tempo em que estas coisçs

    nos forem familiares, e em que as relações sob as quais

    elas são contempladas pelos seguidores destas respectivas

    ciências nos forem, como seres que sofrem e se alegram, m~

    terialmente manifestas e palpáveis. Se alguma vez chegaro tempo em que os homens estiverem intimamente familiariz~

    dos com aquilo a que hoje se chama ciência e esta estiver

    pronta, por assim dizer, a revestir a forma da natureza h~

    mana, o poeta hã-de participar com o seu espírito divino

    nesta transfiguração e saudar o ser assim criado como um

    companheiro querido e verdadeiro na casa do homem. Não se

    pense, porém, que quem defende a sublime noção de poesia

    que tentei transmitir há-de violar a santidade e verdade

    das suas imagens com ornamentos transitórios e acidentais

    e atrair sobre si a admiração dos outros por artes que só

    a assumida mesquinhez do seu assunto pode manifestamente

    tornar necessárias.

    O que disse até agora aplica-se   à   poesia em geral e

    especialmente às partes da composição em que o poeta fala

    pela boca das suas personagens e aqui isso teria tanto pe

    so que me levaria a concluir serem poucas as pessoas de

    bom senso incapazes de admitir que as partes dramáticas da

    composiçâo são tanto mais imperfeitas quanto mais se de~

    viam da linguagem real da natureza e são coloridas por uma

    79

    dicção do próprio poeta, quer ela lhe seja peculiar enqua~

    to individuo, quer pertença simplesmente aos poetas em g~

    ral, isto é, a um grupo de homens que se espera que usem

    uma linguagem particular pelo simples facto de as suas co~

    posições serem metrificadas.

    Não é, pois, nas partes dramáticas da composição que

    deve procurar-se esta distinção da linguagem, contudo, ela

    pode ser adequada   e   necessária quando o poeta fala em seupróprio nome.   A   isto respondo, remetendo o leitor para a

    descrição do poeta que anteriormente fiz. Entre as pri~

    cipais qualidades que, segundo a minha enumeração, levam

    à   formação do poeta, nenhuma há que o faça diferir dos o~

    tros homens em espécie, mas apenas em grau. A súmula do

    que então disse é a seguinte: o poeta distingue-se princ!

    palmente dos outros homens por uma maior prontidão para

    pensar e sentir sem estimulo externo imediato e por uma m!

    ior capacidade para exprimir os pensamentos e sentimentos

    que desse modo nele se produzem. Mas estas paixões, pe~

    samentos e sentimentos são as paixões, pensamentos e sent!

    mentos gerais dos homens. E com que se relacionam eles?

    Sem dúvida alguma com os nossos sentimentos morais e sens!

    ções animais e com as causas que os provocam, com o mecê

    nismo dos elementos e dos fenómenos do universo visível,

    com a tempestade e a luz do sol, com a revolução das estê

    ções, com o calor e o frio, com a perda dos amigos e pare~

    tes, com ofensas e ressentimentos, gratidão e esperança, m~

    do e dor. são estes e outros semelhantes os objectos e

    sensações que o poeta descreve, pois são as sensações dos

    outros homens e os objectos por que se interessam. O poe

    ta pensa e sente no espirito das paixões dos homens. Como

    pode. então, a sua linguagem materialmente diferir em grau

    da de todos os outros homens que sentem vividamente e vêem

    lucidamente. Poderia   c.CrtlP'toVaA~6e   que   é   impossivel. Mas

    supondo que assim não era, nesse caso seria permitido ao

    poeta usar uma linguagem peculiar sempre que exprimisse os

    seus sentimentos para sua pró?ria satisfação ou ~ara a de

    homens como ele.   Mas os poetas não escrevem apenas para

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    poetas, mas para os homens. A nao ser que advoguemos e~

    sa admiraçâo que depende da ignorância e esse prazer que

    s ur ge q ua nd o o uv im os o qu e n ão e nt en de mo s, o p oe ta d ev e

    descer desta pretensa altura e exprimir-se como os outros

    homens, de forma a suscitar   a~a  simpatia racional. A   i~

    to   pode   acrescentar-se que, enquanto o poeta se limitar a

    u ma s el ec çã o d a l in gu ag em r ea l d os h om en s o u, o qu e v e m a

    d ar n o m es mo , a u ma c om po si çã o c or re ct a n o e sp ír it o d es sa

    s el ec çã o, e st á a p is ar t er re no s eg ur o, e s ab em os o q ue d ~

    vemos esperar dele. No que se refere ao metro,   é   a mesma

    a nossa opinião, pois, como será conveniente informar o

    leitor, a distinção baseada no metro   é   regular e uniforme

    e n ão c om o a q ue   é   produzida pelo que habitualmente se ch~

    ma dicção poética, que   é   arbitrária e sujeita a uma infin!

    d ad e de c ap ri ch os a bs ol ut am en te i mp re vi sí ve is . N um d os

    ca so s, o le ito r e st á t ot al men te à mer cê do p oe ta no qu e

    diz respeito às imagens ou   à   dicção que ele possa escolher

    p ar a r el ac io na r c om a p ai xã o, e nq ua nt o q ue n o ou tr o, o m ~

    t ro o be de ce a de te rm in ad as l ei s a qu e t an to o p o et a, c om o

    o l ei to r, s e s ub me te m d e p o m g ra do p or qu e s ão c la ra s e p o r

    q ue n ão i nt re fe re m c om a p ai xã o s en ão n a m ed id a e m q ue e l~

    varo e aperfeiçoam o prazer que com ela coexiste, de acordo

    com o testemunho unânime dos tempos.

    será agora conveniente responder a uma questão óbvia:

    porque   é   que, defendendo estas opiniões, escrevi em verso?

    Acrescentarei, em primeiro lugar,   à   resposta implícita no

    q ue j á di ss e o s eg uin te : p orq ue , p or mu ito q ue me t en ha

    limitado a mim próprio, ainda continua   ã   minha disposiçãoo que confessadamente constitui o mais valioso objecto de

    t od a a e s cr it a, q ue r e m p ro sa , q ue r e m v er so , a s g ra nd es e

    u ni ve rs ai s p ai xõ es d o h om em , o q u e h á d e m a is g er al e i nt ~

    r es sa nt e n as s ua s o cu pa çõ es e a to ta li da de d o m un do n at ~

    r al , d e o nde so u li vr e d e r et ira r a min ha p rov is ão d e i ~

    f in dá ve is c om bi na çõ es d e fo rm as e i ma ge ns . O ra s up on do

    p or u m m om en to q ue o q ue q ue r q ue h aj a d e i nt er es sa nt e n e!

    tes objectos pode ser descrito de modo igualmente vívido

     ___________________ -"81

    em p ro sa, p orq ue t er ei e u d e s er c on de nüà o, s e a u ma t al

    d es cr iç ão m e e sf or ce i p or a cr es ce nt ar o e nc an to q ue , p or

    consenso das nações, se reconhece existir na lingua~em   mg

    t ri ca ? O s q ue n ão s e de ix ar am c on ve nc er p el o q ue j á di ss e

    poderão retorquir que só uma pequena parte do ~razer dado

    p el a p oe si a d ep en de d o me tr o, q ue s e to rn a i m9 ru de nt e e ~

    c re ve r e m v er so a n ão s er q ue s ej a a co mp an ha do d as o ut ra s

    distinções artificiais de estilo que habitualmente acomp~

    nham o metro e que, com este desyio, se perderá mais devido

    ao choque assim provocado nas associações do leitor do que

    s e ga nh ar á c om q ua lq ue r p ra ze r q ue e st e p os sa r et ir ar d a

    e fi cá ci a g er al d o nú me ro . E m re sp os ta à qu el es q ue a i nd a

    s e ba te m p el a n ec es si da de d e a co mp an ha r o m et ro c om a s d~

    v id as c or es d o e st il o p ar a q ue a ti nj a o f im a pr op ri ad o, e

    que, na minha opinião, subestimam grandemente a eficácia

    d o me tr o e m s i pr óp ri o, t er ia s id o t a lv ez s uf ic ie nt e, n o

    que diz respeito a estes poemas, observar que subsistem ~2

    e ma s e sc ri to s a p ar ti r d e a ss un to s m ai s m o de st os e n um e !

    t il o m ai s d es nu da do e s im pl es d o q u e a qu el es q ue v is ei , o s

    q ua is t êm c on ti nu ad o a da r p ra ~e r d e g er aç ão e m g er aç ão .

    O ra s e o d es nu da me nt o e a s im pl ic id ad e s ão u m d ef ei to , o

    facto aqui mencionado permite a firme suposição que poemas

    um pouco menos desnudados e simples são capazes de propo~

    c io na r p ra ze r h oj e e m di a; e t ud o o q ue a qu i   eJp2.Ua.lm2.ttte.

    p ro cu re i f oi j u st if ic ar -m e p or t er e sc ri to s ob o e fe it o

    desta convicção.

    P od er ia , n o e nt an to , a po nt ar d iv er sa s c au sa s p el as

    qUais, quando o estilo   é   vi ri l e o a ss un to d e a lg um a i mp o~

    tância, as palavras metricamente organizadas hão-de cont!

    nuar durante muito tempo a transmitir prazer   à   humanidade.

    d e t al f or ma q ue , q u em f or s e ns ív el a o al ca nc e d es se p r~

    z er , d es ej ar á t ra ns mi ti -l o. O f i m da p oe si a   é   produzir

    e xa lt aç ão e m s im ul tâ ne o c om u m p re do mí ni o d e p ra ze r. O ra

    supondo que a exaltaç~o   é   um estado de espírito invulgar e

    i rr eg ul ar , a s i àe ia s e o s s en ti me nt os n ão s e s uc ed em u ns

    aos outros nesse estado pela ordem habitual. r-'.a.sse as pali!

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    composição bem sucedida geralmente começa e   é   n um es ta do

    de espIr ito semelhante que prossegue; mas a emoção, qua!

    q uer q ue se ja o s eu tip o ou o s eu g rau e q ual que r q ue sej a

    a sua causa,   é   t em pe ra da p or d i ve rs os p ra ze re s, d e t a l m 2

    do que, ao descrever qualquer paixão. desde que voluntari~

    m en te d es cr it a, o es pí ri to e nc on tr ar -s e- á e m ge ra l n um e §

    t ad o de c on te nt am en to . O ra s en do a n at ur ez a t ão c ui da d2

    sa que preserva em estado de   contentamento   um ser assim   Q

    c up ad o, o po et a d ev ia a pr ov ei ta r a l iç ão q ue l he   é   apr~

    s en ta da e t om ar e sp ec ia l c ui da do p ar a q ue a s pa ix õe s q ue

    c om un ic a a o se u l ei to r. q ua is qu er q ue e la s s ej am , v en ha m

    sempre acompanhadas de   u m p re do mi ni o d e p ra ze r, s e o e sp !

    r it o do le ito r for s ão e vi go ros o. O ra a mús ic a da lin g~

    a ge D m ét ri ca h ar mo ni os a, o se nt id o d a di fi cu ld ad e s up er !

    d a, a c eg a a ss oc ia çã o c om o p ra ze r p re vi am en te r ec eb id o d e

    o br as r im ad as o u me tr if ic ad as d e co ns tr uç ão i gu al o u s em ~

    lhante e uma indistinta percepção continuamente renovada de

    linguagem que, por um lado, de perto se assemelha   à   da vi

    d a r ea l e , p o r o ut ro , d ev id o a o m et ro , d el a t ão a mp la me nt e

    diverge, tudo isto cria imperceptivelmente um complexo se~

    tim en to de del eit e d a mai or im po rtâ nc ia p ara tem pe rar o

    s en ti me nt o d ol or os o q ue s em pr e s e ac ha c om bi na do c om d e~

    c ri çõ es p od er os as d as ma is p r of un da s p ai xõ es . E st e e fe !

    to   é   s em pr e p ro du zi do n a po es ia p at ét ic a e ap ai xo na da , e ~

    q ua nto q ue n as co mpo si çõe s mai s l ige ir as a faci lid ad e e

    gra ci osi da de c om q ue o p oeta m ane ja o rit mo d o ve rs o s ão

    e m s i pr óp ri as c on fe ss ad am en te a pr in ci pa l f on te d e s at i~

    f aç ão d o l ei to r. P od er ia t al ve z r es um ir t ud o o q ue   é   n~

    ce.uiu:.o   d iz er s ob re e st e a s su nt o a fi rm an do a qu il o q ue p o~

    cas pessoas ousarão negar, isto é, que, de entre duas descri

    ções de paixões, costumes ou personagens, ambas igualmente

    bem ex ecu ta das , um a e m p rosa e o utra e m v ers o, a s eg und a

    s er á l i da c em v ez es , e nq ua nt o q ue a p ri me ir a a pe na s u ma .

    V er if ic am os q ue P op e, s ó p el a f or ça d o ve rs o, c on se gu iu

    t or na r i nt er es sa nt es o s m ai s b an ai s l ug ar es -c om un s e a té

    m es mo i nv es ti -l os f re qu en te me nt e c om a a pa rê nc ia d e p ai

    8\

    x ão . E m co ns equ ên cia d es ta m inh a co nvi cç ão, rel at ei e m

    v er so a h is tó ri a d e   "Gco:!y   Blake   aro   Harr.y   Gill" que   é   um dos

    p oe mas m ais si mpl es de sta c ol ect ân ea. D ese jei c ham ar a

    atenção para a seguinte verdade:   O   poder da imaginação h~

    mana   é   s uf ic ie nt e p ar a p ro du zi r, m es mo n a no ss a n at ur ez a

    f ís ic a, t ra ns fo rm aç õe s t ai s q ue qu as e p ar ec em m il ag re .

    Trata-se de uma verdade importante;   O   facto (pois   é   mesmo

    um   6actol    constitui uma valiosa ilustração dela   e   te nh o a

    s at is fa çã o d e sa be r q ue f oi c o mu ni ca do a m ui ta s c en te na s

    d e p es so as q ue n un ca t er ia m o uv id o f al ar d el e s e n ão t iv e~

    s e s id o n ar ra do e m f or ma d e b al ad a e n um m et ro m ai s s ug e~

    tivo do que   é   habitual nas baladas.

    T en do , a ss im , e xp la na do a lg um as d as r az õe s p or q u e e ~

    c re vi e m v er so , p or q ue e sc ol hi a ss un to s d a v id a q uo ti di ~

    na e por que me esforcei por aproximar a minha diJlinguagem

    r ea l d os h om en s, s e   é   verdade que fui demasiado minucioso

    na defesa da minha causa, também   é   ve rda de qu e trat ei u ma ss un to d e in te re ss e g er al e   é   por isso que peço autoriz2ç ão a o le it or p ar a a cr es ce nt ar a lg um as p al av ra s q ue a p~

    n as d i ze m r es pe it o a es te s p oe ma s e a al gu ns d ef ei to s q ue

    p ro va ve lm en te n el es s e e nc on tr ar ão . E st ou c o ns ci en te d e

    q ue a s m in ha s a ss oc ia çõ es d ev em t er s i do , p or v e ze s, p a~

    ticulares e não gerais e que, consequentemente, atribuindo

    às coisas uma falsa importância, posso ter escrito, motiv2

    do por impulsos doentios, sobre assuntas sem merecimento;

    m as i st o p re oc up a- me m en os d o q u e o f ac to d e a m i nh a l i n9 '. .1 2

    gero poder ter frequentemente sofrido com as relações arb~

    trárias de sentimentos e ideias com palavras e expressões

    p ar ti cu la re s, a q ue n in gu ém p od e t ot al me nt e f ur ta r- se .

    P or i ss o n ão t en ho d úv id as d e q ue , e m a lg un s c as os , e xp re ~

    sões que me pareceram ternas e patéticas podem ter suscitado

    n os l ei to re s a té o s en ti me nt o d o ri dí cu lo . S e e st iv es se

    h oj e e m d ia c on ve nc id o q ue e ss as e xp re ss õe s s ao i mp er fe !

    t as e qu e t êm i ne vi ta ve lm en te d e c on ti nu ar a s ê- lo , e sf o~

    çar-rne-ia de bom grado, tanto quanto   é   possivel, por corri

    9 i- 1a s. P or ém ,   é   p er ig os o f az er e st as a lt er aç õe s c om b ~

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    s e n a s imp le s a ut or id ad e d e a lg un s i nd ivi du os o u mes mo d e

    certos tipos de homens, pois quando um autor não está rac!

    onalmente convencido, nem os seus sentimentos se alteraram,

    isto não pode fazer-se sem lhe causar graves danos; os

    sentimentos dele são o seu esteio e o seu suporte, e se,

    n um c aso p ar ti cul ar , os p us er d e p ar te, p od e s er l ev ad o a

    repetir este acto, até que o espIrito perde toda a confia~

    ça em si próprio e fica completamente enfraquecido. Acre§

    c en te- se q ue o l ei to r n ão de ve j am ai s e sq ue ce r q ue e st á s ~

    j ei to ao s m esm os e rr os q ue o p oe ta e t al ve z n um g ra u m ai s

    elevado, pois não   é   presunção afirmar que não estará prov~

    velmente tão familiarizado com os vários estádios de sent~

    d o p or q ue as p al av ra s p as sa ra m, n em c Om a i nc on st ân ci a o u

    estabilidade das relações entre ideias particulares   e,   ac!

    ma de tudo, estando muito menos interessado no assunto,   Pede decidir com ligeireza e descuido.

    P or m uit o q ue t en ha de mo ra do o m eu l eit or , e sp er o q ue

    m e p er mi ta a in da p re ve ni -l o c on tr a u m t ipo d e f als a c rí t!

    ca que tem sido aplicada   à   poesia cuja linguagem se assem~

    lha de perto   ã   da vida e   da   n at ur ez a. E st e g én er o de ve ~

    sos tem sido triunfantemente parodiado em composições de

    que a seguinte estrofe do Dr. Johnson   é   um belo exemplar.

    I   put   my   hat upon   rny   head,And walked ioto the Strand,And there   I   met another maoW ho se h at w as i n hi s ha nd . 2 5

    L og o a s eg ui r a e st es v er so s c ol oc ar ei u ma d as e st rof es de

    "Babes in the Wood" mais justamente admiradas.

    These pretty Babes with hand in handWent wandering up and down;Bu t n ev er m or e t hey s aw t he Ma n

    Approaching trom the Town.26

    E m a mb as a s es tro fe s, a s pa la vr as e a su a o rde m d e m ~

    do algun\ diferem da conversa mais desapaixonada. Existem

    em ar..baspalavras, por exemplo, "the Strand" e "the Town",

    que não estão associadas senão às ideias mais familiares;

    contudo, urna delas consideramo-la ad~irável e a outra um

    b el o e xe mpl o d o s up re mo m au g os to . O e on de s urg e e sta d i

    ferença? Nem   do   metro, nem   da   linguagem, nem da ordem das

    palavras,   é   o próprlo   M.6U.n.to   na estrofe do Dr. Johnson

    que   é   de mau   gosto.   O   modo ideal de t ratar versos sim

    pI es e t r ivi ai s d e q u e a e st ro fe d o D r . J o hn so n c on st itu i

    u~a boa ilustração nao consiste em afirmar que   é   má poesia

    o u q ue n ão   é   p oe si a, m as q ue c are ce d e s en ti do ; n ão   é   em

    si interesssante, nem   condu.z   a o q ue q ue r q ue r s eja d e i nt e

    ressante, ne~ as imagens se originam nesse estado salutar

    d e s en ti me nto q ue n as ce d o p en sa men to , n em s ao ca pa ze s d e

    estimular no leitor o pensamento ou   o   sentimento. testa

    a   única maneira razoável de lidar core tais versos: porquê

    preocuparmo-nos com a espécie, se ainda não decidimos o g!

    nero? Porquê incomodarmo-nos a provar que   um   macaco não   é

    um N ew to n, s e é e vi de nt e q ue n ão é u m h o me m?

    Tenho apenas um pedido   a   f az er a o l ei to r: q ue , a o av ~

    liar estes poemas, decida unicamente pelos seus próprias

    sentimentos   e   não ponderando   o   juízo que outros provave!

    mente farão.   t    bastante vulgar ouvir alguém dizer: "por

    mi m n ão d es ap ro vo e st e e st il o d e co mp os iç ão o u es ta o u ~

    quela expressão, mas a certas pessoas parecerão mesquinhos

    ou r id íc ul os" . E st e m od o d e c rit ic ar , q ue d e str ói t od o e

    qualquer juízo sólido e nao adulterado,   é   quase universal;de vo , p oi s, p ed ir a o l ei to r q ue , d e f or ma i nd ep en de nt e,

    g uar de f id eli da de a os s eu s p ró pr ios s en ti me nt os e q ue , ~

    chando-se impressionado, não permita que tais conjecturas

    interfiram no seu prazer.

    Se um autor, graças a uma única composição, despertou

    em nós o respeito pelo seu talento,   é   de considerar que   i~

    to permite supor que, quando noutras ocasiões nos desagr~

    do u, p od e, c on tu do , n ão t er e s cr it a m al ou d e f or ma a bs u!

    da ; e , a lém d is so .   é   de conceder-lhe, por essa c~?osição.

    u m c ré di to t al q ue n os i nd uz a a r ev er a qu il o q ue n os d es ~

    87

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    gradou com mais cuidado do que de outro modo lhe teríamos

    consagrado. Não se trata apenas de um acto de justiça,

    mas, em especial quanto aos juízos que temos de fazer sQ

    bre a poesia, pode em grande medida conduzir ao aperfeiço~

    menta do nosso próprio gosto. pois em poesia, como em t2

    das as outras artes,   um   gosto   coJVtecto   é,   t al como Si r Jo_  27

    shua Reynolds observou, um talento   adq~o.   que só a reflexão e   um   longo e contínuo contacto   com   os melhores made

    los de composição podem gerar. Menciono isto, não com o

    ri dí culo propó si to d e l · m. ~dir que o 1 . t ..~~   !1   ar    ma15 1nexperie~

    te ajuize por si próprio (afirmei   já   que dese jo q ue o fa

    çal   I    ma s s om en te p ar a t em pe ra r a pr ec ip it aç ão d o j ui zo e

    sugerir que este pode ser erróneo e em muitos casos há-de

    necessariamente sê-lo, a não ser que ao estudo da poesia

    se dedique muito tempo.

    Reconheço que nada teria tão eficaZmente contribuído

    para prcmover o objectivo que tenho em vista corno mostrar

    de que espécie   é   e como se produz o prazer que   é   confessa

    damente gerado por composições métricas essencialmente di

    ferentes das que me esforcei por recomendar aqui; o le!

    tor afirmará que tais composições lhe agradaram e, nesse

    caso, que mais posso eu fazer por ele? O poder de qua!

    quer arte é limitado e, como tal, ele suspeitará que lhe

    proponho novos amigos apenas sob condição de abandonar os

    antigos. Além disso, como já disse, o próprio leitor tem

    consciência do prazer que recebeu de tais composições, a

    que singularmente apôs o nome querido de poesia; e todos

    sentem habitualmente gratidão e algo como um louvável fana

    tismo pelos obj~~tos que durante muito tempo nos   provoc~

    ram prazer: não desejamos apenas ter prazer, mas tê-lo dê

    quele modo particular a que nos acostumámos. Há uma muI

    tidâo de argumentos nestas opiniões, mas eu seria tão me

    nos capaz de os combater com êxito quanto estou disposto a

    aceitar   que,   para apreciar inteiramente a poesia que rec2

    mendo. seria necessário pôr de parte muito do que   é   aeral

    mente a~rcciado. Mas se os meus limites me tivessem- pe~

    mitido indicar como se produz este prazer, teria podido r~

    mover muitos obstáculos e auxiliado o meu leitor a cornpr~

    ender que   o   poder da linguagem não   é   tão limitado como ele

    supõe e que   é   possível que   a   poesia proporcione outros t!

    pos de contentamento de uma natureza mais pura, mais dura

    doura e mais rara. Não descurei de todo esta parte do

    meu assunto, mas o seu objectivo presente nao foi tanto

    provar que o interesse despertado por alguns outros tipos

    de poesia   é   menos vívido e menos digno dos mais nobres PQ

    deres do espírito humano, quanto apresentar motivos para

    supor que, se o fim   que   me propus fosse adequadamente a1

    cançado, produzir-se-ia um tipo de poesia que é genuína,

    por natureza bem adaptada a interessar permanentemente a

    humanidade e igualmente importante quanto   à   multiplicidade

    e qualidade das suas relações morais.

    A partir do que foi dito e de um exame atento destes

    poemas, aperceber-se-á claramente o leitor do fim que me

    propus, determinará até que ponto o alcancei e, o que é

    muito mais importante, se valeu a pena alcançá-lo; e é na

    resposta a estas duas questões que repousará a minha pr~

    tensão ao favor do público.

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    corrupções que se seguiram:

    mento, os poetas posteriores

    que tinha.   é   certo, uma coisa em comum com a genuín~ l~

    sob a influência

    constl-uIram uma

    deste   senti

    fraseologia

    g er o d a p oe si a. i st o   é,   nã o e r a o uv id a n as c on ve rs as d e   tQ

    dos os dias, era invulgar. Mas, tal como   afirreei,   os pr!

    meiros poetas falavam uma linguagem que, embora invulgar,

    e ra a in da a li ng ua ge m d os h om en s, c ir cu ns tâ nc ia e st a q ue ,

    no entanto, foi descurada pelos seus sucessores; estes

    chegaram   à   conclusão que   podiam   a gr ad ar p or m ei os m ai s s im

    pIes, tornando-se orgulhosos de uma linguagem que eles pr§

    prios tinham inventado e que só eles prôprios proferiam;

    d ep oi s, n o es pí ri to d e   urna   confraria, arrogaram-se o dire!

    to de a considerar sua. Com   o c or re r d o t em po , o m et ro

    tornou-se num símbolo ou promessa desta linguagem invul

    g ar e t od o aqu el e q ue t om ava s obr e s i a in cu mb ên ci a d e,

    ao escrever, utilizar   o   metro, introduzia nas suas campos!

    ções, consoante possuísse maior or menor grau de verdadei

    ro génio poético, maior ou menor quantidade desta fraseol~

    g ia a du lt era da , d e t al mo do q ue o v er dad ei ro e o f al so s ~

    entre teceram tão intimamente que o gosto dos homens se foi

    gradualmente pervertendo e esta linguagem passou a ser r~

    cebida como uma linguagem natural; por fim, devido   à

    fluência dos livros sobre os homens, tornou-se até

    ponto efectivamente natural. Abusos deste género

    importados de nação para nação, até que, cada vez mais s2

    fisticada, esta dicção se foi tornando dia a dia mais co~

    rupta, deixando a perder de vista a pureza natural do

    mem sob o efeito de uma colorida mascarada de truques, ex

    travagãncias, hieroglifos e enigmas.

    Seria altamente interessante apontar as causas do pr~

    zer provocado por esta linguagem estrambótica e absurda,

    mas não   é   este o lugar apropriado; depende de uma grande

    variedade de causas, mas de nenhuma outra dependerá talvez

    tan~o como da sua capacidade para cunhar uma noção da sin

    guIar idade e exaltação do carácter do poeta e lisonjear o

    amor-próprio do leitor ao irmaná-lo com esse carácter, um

    certo

    foram

    efeito que se consegue abalando os hábitos vulgares do pe~

    sarnento e ajudando, desse modo, o leitor   a   aproximar-se

    dessa vertigem e perturbação, estado de espírito esse em

    que tem por força de encontrar-se para não se imaginar d~

    cepcionan~emente   pJLiv4do   de um peculiar contentamento que

    a poesia pode e deve conferir.

    a   soneto de Gray que transcrevi no prefácio consiste,c om e xc ep çã o d os v er so s i mp re ss os e m it ál ic o, e m p ou co

    mais do que esta dicção, embora não da pior qualidade; e,

    de facto, se me   é   permitido afirmá-lo,   é   extraordinariame~

    te vulgar nos melhores escritores, quer antigos, quer   mQ

    dernos.   O   modo mais fácil de explicar ao leitor, com um

    exemplo concreto, o que quero dizer com a expressão   d..i.c.çÃ.o

     pomCfl.   consistirá, talvez,   err.   remetê-lo para uma compare

    ção entre as paráfrases métricas de passos do Velho e Novo

    Testamento e esses mesmos passos tais como existem na no~

    s a tr ad uç ão c om um. V ej a- se t od o o "H ess ia s" d e Pa pe e ,

    d e P ri or , " Di d sw ee t s au nds a dor o my f lo wi ng t on gu e" e29

    "Thaugh   I   speak with the tangues of men and of angels".

    Veja-se a Primeira Epistola aos Coríntios, cap.   13.   A   titulo de exemplo imediato, considere-se o seguinte ?oema do

    Dr. Johnson:

    Turn on the prudent Ant thy heedless eyes,

    Observe her labours, Sluggard, and be wise;

    No stern command, no monitory voice,Prescribes her duties, ar directs her choice;

    Yet, timely provident, she hastes awayTo snatch the blessings of a plenteous daYiWhen fruitful Surnmer loads the teeming plain,She crops the harvest and she stores the grain.How long shall sloth usurp thy useless hours,Unnerve thy vigour, and enchain thy powers?While artful shades they downy couch enclose,And 50ft solicitation courts repese,Amidst the drowsy charms of dull ãelight,

    Year chases year with unremitted flight,

    Till want now following, fraudulent anã slow,   30Shall spring to seize thee, like an umbushed foe.

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    Passer:tos   desta   confusão de palav::-as ao   original:   "Vai,

    á   preguiçoso, ter com a formiga, observa o seu proceder e

    t orn a-t e sá bi o. E la nã o t em g ui a, v ig il an te o u su pe ri or;

    p re pa ra n o ve rã o a s s ua s p ro vi sõ es e a ju nt a n o

    fa o seu mantimento.   Até   quando dormirás tu,

    tempo da ce!

    ó   preguiç2

    dormirás,50?   Q ua nd o t e l ev an ta rá s d o t eu s on o?   Um pouco

    outro pouco dormitarás, outro pouco cruzarás as mãos para

    dormires, e a indigencia virá sobre   ti   c om o u m v aga bu nd o e

    a pobreza   corno   um homem armado"   I   PltovVtbú,   c a p. 6 .

    Mais uma citação e terminei;   é   d os v er so s d e C ow pe r31

    supostamente escritos por Alexander Selkirk:

    Religion~ What treasure untoldResides in that heavenly word~More precious than silver and gold,Or all that this earth can affard.But the saund of the church-gaing bellThese valleys and rocks never heard,

    Never sighed at the saund of a knell,

    Or smiled when a sabbath appeared.

    Ye winds, that have made me your sportConvey to these desolate shoreSome cordial endearing reporta f a l an d I m us t v isi t n o m or e.My friends, do they now and then sendA wish or a thought after me?

    a tell m e I yet h ave a friend, 32Though a friend I   aro   never to see.

    Citei este passo como exemplo de três estilos diferentes de

    composição. Os quatro primeiros versos estão construidos

    de forma deficiente; alguns criticas diriam que se trata

    de uma linguagem prosaica, mas o facto   é   que, a sê-lo, s~

    ri a m á p r osa , t ão m á q ue , m et ri fi ca da , p ou co p io r s e po de

    to rn ar . O ep ít eto " ig re je ir o" a pl ica do a u m si no , e po r

    um escritor tão simples como Cowper,   é   um exemplo dos estr!

    nhos abusos que os poetas têm introduzido na sua linguagem,

    a té q ue es te s e os s eus l ei tor es os t om am p or c oi sa n at ~

    ral, se é que não os destacam expressamente como objectos

    de a dm ir aç ão . O s do is v er so s " Nun ca o d ob re d os s in os o s

    95

    fez suspirar," etc., são, segundo penso, um exemplo da li!!

    guagem da paixão arrancada ao seu uso correcto e aplicada,

    devido ao simples facto de a composição ser metrificada, em

    circunstâncias que não justificam expressões tão violentas;

    por ~1m condenaria este passo embora provavelmente poucos

    leitores concordem comigo, como instância de dicção poética

    corrompida. A última estrofe está toda ela construida deforma admirável; seria igualmente boa, quer em prosa, quer

    e m ve rs o, s ó qu e o le it or s ent e u m p ra zer ra ro a o ve r q ue

    uma linguagem tão natural se encontra tão naturalmente asso

    c ia da a o m et ro . F ac e   ã   beleza desta estrofe, sinto-me teu

    tado a acrescentar aqui uma opinião que devia impregnar O

    espírito de um sistema que só fragmentária e imperfeitame~

    te foi exposto no Prefácio, isto   é,   quer seja a composiào

    em prosa, quer em verso, as ideias e os sentimentos, na m~

    dida do seu valor, requerem e impõem uma só e mesma lingu~

    gemo

    NOTAS Â TRADUÇÃO

    1) Wordsworth fala como se   LytLic.aL   Ba1..UJ.d..bfosse uma obraapenas sua, o que não   é   verdade, mas que parcialmentese justifica, dado os poemas acrescentados   à   2 a. e d!ção serem todos dele.

    2) O amigo a quem Wordsworth se refere   é,   evidentemente,Coleridge, o autor destes poemas.

    3) Catulo, Terêncio e Lucrécio to autor do célebre poema

    V~ 1l.eJWm~   fSobJte  a.

      na.twtc.za. dt16 c.oiot16  I   ,poetas latin os d o s s éc ul os I I e I AC ; E st ác io e Cl au di an o, p oetas latinos respectivamente dos séculos I e IV AD. -

    4) Beaumont e Fletcher. dramaturgos ingleses pós-isabelinos (séculos XVI-XVII)   j    Donne e Cowley, poetas met~físicos ingleses (século XVII); Dryden e Pape, po~tas e criticas ingleses neo-clássicos (séculos XVII--XVIII) .

    5) Esta ressalva de "ordsworth denuncia O ponto de vista, dominante ao longo do Renascimento e, em espeClaI, durante o século XVIII, segundo o qual o poeta d~vc prpcurar satisf~:~r as expectativas do público.

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    6) Cf.   a opinião   de Coleridge acerca deste empreenu~menta er.l   &{(lg-'tQ./JIu.a. UÁvr.aJl..iA.,   XIV e XVII.

    7) Trata-se de um princípio da escola associacionistade psicologia, fundada por David Hartley (1705-57)   j cf. Coleridge,   &

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    Cidade"; estrofe de uma balada popular recolhida por Thomas Percy cm   Rc..t-,o nd e s e i nt it ul av a M Th e C hi ld re n i n t he W oo d" :   ~r o terceiro verso da segunda estrofe apresentava as eg ui nt e v ers ão : " Du t n eVe r mo re c ou ld s ee t heman.".

    27) Pintor r etratist.a do século   XV!I!.   pr-.imeiro.Pre!:Jdente

    da Royal Academy af Arts, que proferiu anua~~nte,

    entre 1769 e 1790, conferências sobre os principiosda arte   (f).wCOuJL6U   I.

    28) Acrescentado por Wordsworth   ã   ed iç ão d e 1 80 2 d e   L~ca.l   fla.UatU.

    2 9) " So ns ma is d oc es o rn aram-me a lín gu a flu en te ," e"E mbo ra eu f al e as l íng uas d e ho mens e anj os ," deMatthew Prior (166(-1721), poeta neoclássico inglês.

    30) "Põe na prudente Formiga os olhos descuidados/ Atent a n o s eu l ab or , P re gu iç os O, e s ê s e ns at o; / N em m a~d o s ev er o, n em   voz    monitória/ Lhe prescreve   o   deverou   dirige a escolha;! Porém, providenciando   a  tempo,apressa-se   ela/    A c ol he r a s b en çã os d e   um   dia   op~lento;/ Quando   o   V er ão f ec un do c ar re ga a p la ní ci e a

    b und an te, / E la fa z a co lhe it a e ar re cad a o gr ão .!Até quando há-de   a   preguiça usurpar-te as horas inút ei s. / E nf ra qu ec er -t e o v ig or e a gr il ho ar -t e a s f or

    ç as ?/ v ão -t e c er ca nd o o l e it o p el úc id o s om br as a rd Ilosas,/ Brandos apelos cortejam-te o repouso./   E,entre   o   torpor encaJ1.tadode lerdas delícias ./Os anosp er se gu em -s e e m f ug a in ce ss an te ./ V in da d ep oi s, apenúria, lenta e falaz,!   Te   agarrará de um saltoqual inimigo â espreita."

    31)   William Cowper   {1731-1800l.   poeta pré-romântico   i~glês, metodista   e   percursor de Wordsworth.

    32}   "R el ig iã o: Q ue t e so ur o s ec re to / R es id e n es se n om e

    di vin o:/ Ma is pr ec ios o q ue p rat a e ou ro! O u qu e t u

    do o q ue a t er ra d ã. ! Ma s   o   som do sino igrejeiro!N un ca e st es v al es e r oc ha s o uv ir am ,! N un ca   o   dobred os s in os o s   fez    su sp ir ar ,! N em s or ri ra m a o s ur gi r

    de   um sábado.!! Ventos,   que   f iz es tes de m im vo ss og oz o, ! T ra ze i a e st as p ra ia s t ri st es ! C ar as e c or di

    ais notIcias/ De   urna   terra que não mais verei.!Meus

    amigos, mandam-me eles ainda/ algum desejo ou pens~

    mento?! Oh,   dizei-me   qu e me re sta um só a mi go, / M esm o q ue e ss e   amigo   eu n ão   ~ais   veja." -

    ~---------

    Thomas Love Pueoc:k 

     AS QUATRO IDADES DA POESIA

     _________ f:1