Programa para a Conservaçãodo Lobo-Guará

Serra da CanastraBrasil

Programa para a Conservaçãodo Lobo-Guará

Serra da CanastraBrasil

Foi na Serra da Canastra, entre as montanhas de Minas Gerais, que nasceu em 2004 o mais longo projeto de conservação de um predador no Brasil, o Projeto Lobos da Canastra. E não foi à toa.

O animal símbolo do Cerrado brasileiro pedia socorro. Estava ameaçado pelo desmatamento, pela expan-são agrícola, pelo crescimento das cidades, das estradas, pela caça. Era urgente trabalhar para proteger a espécie e descobrir mais sobre ela.

O projeto foi iniciado em 1998 pelo biólogo Rogério Cunha de Paula, analista ambiental do CENAP, o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros, do ICMBio (Instituto Chico Men-des de Conservação da Biodiversidade). Desde então ele observava os lobos para conhecer as ameaças à suas vidas e entender a relação com a população local.

Em 2004, um grupo de pesquisadores, liderado pelo biólogo, adotou a região como cenário de um movi-mento grandioso. Estabeleceu-se como missão tornar a comunidade da Serra da Canastra um exemplo no uso sustentável dos recursos naturais do Cerrado e na convivência harmoniosa com o lobo-guará e a fauna local.

Mas para isso tinham um longo caminho pela frente. O primeiro passo foi conhecer o lobo e seus segredos.

O ProjetoLobos da Canastra

Nosso Lobo, o Guará

Conhecendo a espécie

O lobo-guará é o maior canídeo da América do Sul. Chega a pesar 34 kg e atingir um tamanho similar ao de um dogue alemão. É caracterizado pela pelagem dourada-avermelhada, porém negra nas patas, focinho e nos pelos alongados da nuca, formando uma densa crina. Essa composição contrasta com o branco da garganta, interior das orelhas e cauda.

É um animal magnífico de se ver.

A Espécie

Status e Ameaças

Apesar de sua ampla distribuição no continente a espécie é muito ameaçada pela degradação de seus habitats. No Brasil está classificado sob o status de Vulnerável na Lista Oficial de Espécies Ameaçadas de Extinção.

Entre os problemas que ameaçam severamente suas populações estão a expansão agrícola no Cerrado, o alto índice de atropelamentos, a caça por conflitos com proprietários rurais ou por crendices populares e as doenças transmitidas por animais domésticos. Todas as dificuldades são resultado do contato íntimo com o ambiente humano, já que seus habitats naturais desapareceram quase que totalmente.

Distribuição

O lobo vermelho é um habitante de áreas abertas, savânicas. Ocupa todo o Cerrado brasileiro e também áreas do sul do país. Pode aparecer também em algumas regiões do Pantanal e até na Mata Atlântica devido ao intenso desmatamento que transforma áreas florestais em campos.

Importância do Lobo-Guará

Não é apenas bonito de se ver o caminhar tranquilo desse animal tímido e solitário. É primordial que ele continue a cruzar enormes distâncias. O guará se alimenta de di-versos tipos de frutos. As sementes passam por seu sis-tema digestivo e saem nas fezes, prontas para dar origem a outras árvores. Sem se dar conta, o lobo é um grande semeador, “trabalha” pelo reflorestamento das espécies nativas do Cerrado.

Além das frutas terem grande importância em sua dieta, lagartos, cobras, diversas aves e pequenos mamífe-ros também compõem seu cardápio. Os lobos também se alimentam de roedores. Isso deveria fazer deles importantes parceiros dos produtores agrícolas já que muitas vezes os ratinhos causam prejuízos quando aparecem nas fazendas nos silos e sacas de grãos.

O Santuário dos Lobos

Serra da CanastraMinas Gerais

A Serra da Canastra, com suas montanhas e vales, rios e matas, foi selecionada para sediar o projeto por causa de questões socioambientais importantes ligadas à presença do Parque Nacional da Serra da Canastra.

A Unidade de Conservação foi criada em 1972 com a finalidade de proteger as nascentes lá existentes, prin-cipalmente a do Rio São Francisco. Com o passar do tempo os objetivos mudaram. Hoje a Serra da Canastra é um dos poucos refúgios da vida selvagem do Cerrado.

A região da Canastra é definida pelo Ministério do Meio Ambiente como uma “Área de Importância Bioló-gica Extremamente Alta”. É mundialmente conhecida não somente pelas belezas cênicas, ou por comportar as primeiras curvas de um dos rios mais famosos e importantes do país. A Canastra é apontada como uma das áreas de maior valor para manutenção da biodiversidade no Brasil.

O desenvolvimento agropecuário baseado nas tradições locais mantiveram seus campos locais preservados. Isso torna a região um santuário natural para diversas espécies ameaçadas. O lobo-guará é uma delas. A Ca-nastra é o lugar do mundo onde eles são mais abundantes. Porém, apesar disso, são ameaçados pelo contato com o homem.

Lobos da Canastra

A base de um programa de conservação

Atividades de pesquisa e envolvimento com a comunidade da Serra da Canastra para a conservação do lobo--guará foram iniciadas em 2000. Porém, somente em 2004, nasceu o “Lobos da Canastra”. O projeto foi ini-ciado com o envolvimento de diversos pesquisadores e instituições de várias partes do Brasil e dos Estados Unidos, conduzido pela associação de um instituto não governamental, o Pró-Carnívoros, com um centro de pesquisa vinculado ao governo federal, o CENAP/ICMBio. Tempos depois, adquiriu grande comple-xidade em ações, expandindo-se e transformando-se no “Programa de Conservação Lobos da Canastra”.

O programa atende objetivos centrados em três pilares: Pesquisa, Educação-Comunicação e Conservação direta do lobo-guará. Novos achados científicos na ecologia, saúde, genética e reprodução da espécie fo-ram obtidos ao longo desses anos. Além da pesquisa, atividades junto à comunidade foram realizadas com o envolvimento de mais de 2.500 pessoas, pois o “Lobos da Canastra” sempre buscou a disseminação da informação por meio de atividades educacionais locais e de campanhas de comunicação usando canais de mídia impressa e de vídeo.

Os dados científicos coletados por diversas técnicas convergem para o propósito único de melhorar a situa-ção da espécie. Assim, toda e qualquer informação obtida a partir das pesquisas possibilitam atuações diretas na conservação dos lobos, beneficiando indivíduos e, consequentemente, toda a população selvagem.

Pesquisa

O projeto “Lobos da Canastra” sempre bus-cou obter informações que possam ser utili-zadas na conservação da espécie. Ao longo dos últimos 15 anos, muitos dados foram coletados na região por meio de estudos so-bre a ecologia e comportamentos dos guarás, pelos registros do período de reprodução, do nascimento dos filhotes, ao crescimento e a dispersão dos jovens. Ainda de posse de in-formações riquíssimas para a ciência, foi pos-sível estimar a população, levantar problemas de saúde, avaliar a genética, a composição dos territórios e detalhes de sua dieta. Entre mui-tas e muitas descobertas.

Tudo isso é feito por biólogos e veterinários que utilizam armadilhas com iscas (frango cozido) para atrair os lobos. Depois de capturados, os animais são anestesiados e examinados minunciosamente. Em seguida, ventualmente são instaladas coleiras com transmissores. A partir daí pode-se acompanhar os hábitos e a localização dos bichos monitorados.

Porém apenas conhecer o lobo não basta. Uma preocupação do grupo sempre foi usar as informações para melhorar sua situação. E isso só é possível quando existe um envolvimento de quem convive com os bichos. Assim, apresentá-lo à comunidade, revelar sua importância e valor, suas necessidades, é essencial para que eles recebam a merecida proteção.

Educação e Comunicação

Ao longo de décadas desenvolveu-se na região uma relação de tensão entre os moradores e os lobos. Muitas vezes esses animais eram culpados pela predação às criações domésticas, principalmente de aves. Em reta-liação, os produtores rurais caçavam os lobos-guarás. Com o passar do tempo, veio a consciência ambiental, mas a relação entre eles permaneceu a mesma. Muitos enxergam os lobos como inimigos. Outros não apren-deram até hoje a valorizar a biodiversidade.

Para mudar esse quadro um programa de educa-ção ambiental foi elaborado. O primeiro passo foi a interação com a comunidade buscando compre-ender a cultura local, as relações com a natureza e com o parque nacional. Foram realizadas cente-nas de entrevistas com diversos membros da co-munidade (professores, estudantes, técnicos das prefeituras, ex-funcionários do Ibama, fazendei-ros, profissionais ligados ao turismo). Informa-ções também foram coletadas em escolas, no Par-que Nacional da Serra da Canastra, em espaços públicos e festas locais.

A segunda linha de trabalho foi desenvolvida junto às escolas. Foram realizadas oficinas sobre Meio Ambiente com crianças e adolescentes. Ini-ciou-se ali um processo de reflexão e estabeleci-mento de estratégias para as escolas priorizarem a questão ambiental local.

A terceira linha de trabalho buscou a abertura de um canal efetivo de comunicação entre o proje-to e a comunidade, particularmente, nas fazendas da região. A proposta foi a de produzir vídeos de curta duração que abordassem temas ambientais do dia-a-dia da comunidade para veiculá-los em um cinema aberto, nas praças e na zona rural. Nasceu então o Cine Lobo. Após a exibição dos documentários educativos são apresentados fil-mes do cinema nacional.

Não existem salas de cinema convencionais nas cidades da região. Muitos moradores nunca haviam visto a tela grande. Não há muitas opções de lazer e cultura. Atraídos pela curiosidade, os habitantes da Canastra têm contato com essa forma de arte e ainda adquirem conhecimento sobre a preservação ambiental.

Entre 2007 e 2010 a tela grande foi montada em fazendas, igrejas, praças, restaurantes e centros comuni-tários. Mais de 4 mil pessoas descobriram a magia da sala escura. A partir de 2013 o Cine-Lobo chegou às escolas da região. Foram 9 escolas visitadas nas sedes e áreas rurais de dois municípios, totalizando apro-ximadamente 2000 crianças envolvidas nas atividades educacionais. Um novo prazer para os espectadores, de crianças a idosos. Uma conquista para os pesquisadores. Agregando pessoas é possível multiplicar infor-mações ambientais, divulgar o projeto de pesquisa, engajar mais pessoas na conservação do lobo-guará e apresentar aos moradores sua fauna, flora, cultura através das lentes das câmeras.

Partindo do princípio que ao se conhecer o lobo e sua importância para o ambiente em que vivemos, homem e bichos viverão em harmonia, foi criada em 2013 a campanha nacional e internacional “Amigo do Lobo”. Além de transmitir as informações sobre a espécie, a iniciativa busca melhorar a relação do ser humano com os lobos pelo envolvi-mento de toda sociedade, pessoas em cada casa, no campo ou cidade, para juntos mu-darmos a situação dos lobos em todo Brasil.

Paralelamente, para acompanhar as atividades edu-cacionais, tratar assuntos polêmicos de forma mais lúdica e seduzir as crianças, foi criado o mascote do projeto: um lobinho simpático chamado Lobi-to. O mascote compõe diversos quadros e aparece nos materiais impressos e em produtos distribuídos para a comunidade, tais como camisetas, bonés, adesivos, chaveiros, etc. O Lobito foi produzido em pelúcia e distribuído para mais de mil crianças da região, simbolizando o primeiro lobo-guará que elas cuidarão na vida, estabelecendo o sentimento de responsabilidade pelo futuro da espécie.

Como objetivo de informar a sociedade, sen-sibilizando aos problemas que colocam os lobos na lista de ameaçados, além de apresen-tar os dados e soluções trazidas pelo “Lobos da Canastra”, tentou-se melhorar os canais de comunicação para ampliar a transmissão das informações.

Assim desde 2004 as ações do “Lobos da Canastra” têm sido divulgadas nos principais programas de TV do Brasil, como “Bom Dia Brasil”, “Jornal Hoje”, “Jornal Nacional”, “Globo Ecologia”, “Globo Rural”, “Globo Reporter”, “Terra da Gente”, “Terra de Mi-nas”, “MGTV”, “MG Rural” todos veicu-lados pela Rede Globo; “Jornal da Cultura”, “Repórter Eco”, ”JC Debate” pela TV Cul-tura; “Good News”, da Rede TV; “Jornal da Record”, da Rede Record. O projeto foi apresentado também em documentários in-ternacionais produzidos pela rede japonesa NHK, pela inglesa BBC e pela TV da Bavie-ra, da Alemanha.

O projeto foi divulgado também em jornais e revistas, como “Terra da Gente”, “Horizonte Geográfico”, “Defenders - Connect (EUA)”, “BBC Wildlife” (Europa), “Almanaque Bra-sil”, “O Globo”, “Folha de São Paulo”, “O Estado de São Paulo”. Foi documentado também através dos livros “Wildlife Heroes” (EUA) e “Histórias de um Lobo”.

Conservação

Ao longo de 10 anos o projeto contabiliza 73 lobos capturados. Com eles tem sido possível aprender muito. Nunca se soube tanto sobre o animal símbolo do Cerrado, nem sobre seus hábitos. Um deles: os lobos adoram incrementar suas refeições com uma galinha, para tristeza dos proprietários rurais. Então percebeu-se que não seria possível salvar o lobo sem proteger as criações domésticas.

Como é costume na Canastra, as galinhas são criadas soltas nas fazendas e, sem proteção, são vítimas de predadores. Em grande parte das vezes quem cau-sa as perdas não é o lobo, mas também gambás e jaguatiricas. Porém, ele sempre é responsabilizado. Em retaliação, os fazendeiros acabam matando esses animais.

Para reverter esse quadro, em 2007 foram sele-cionados 10 proprietários comprometidos com a causa ambiental: gente que respeita os limites de mata ciliar, não desmata, conserva espécies nativas e preserva nascentes de água. Nessas fa-zendas foram construídos galinheiros à prova de lobo, com espaço amplo, grades reforçadas e telhado para abrigar as galinhas das chuvas, do sol e dos predadores. O número de galinhas predadas passou a ser nulo. Os fazendeiros não tiveram mais prejuízos e passaram a apreciar a presença do lobo em suas terras. Além de re-solver um conflito centenário, os criadores pas-saram a vender galinhas por valores mais altos devido ao peso maior e a ter ovos para comer-cialização e consumo, já que antes esses eram consumidos por muitos outros bichos.

Hoje já são em torno de 100 galinheiros construídos pelo proje-to. Outros tantos foram montados pelos proprietários, usando o mesmo modelo em toda a região. Cada casal de lobos possui um território que em média envol-ve 6 propriedades. Sendo assim, para se proteger dois lobos, desconsiderando seus filhotes, é necessário que se convença no mínimo seis famílias rurais da importância do animal. Muitas vezes a tolerância é relacionada à anulação do prejuízo econô-mico, então a construção de pelo menos 6 galinheiros faz com que dois lobos consigam viver livremente e reproduzir-se nas áreas que ocupam. Levar os proprietários nas capturas dos lo-bos, envolvê-los nas pesquisas associadas às ações de conserva-ção, são importantes ações na busca pela melhor aceitação dos animais.

Os lobos podem viver em áreas que misturam os seus habitats naturais com pastagens e plantios. Porém necessitam de um mí-nimo de cerrado e campos nativos para sobreviver. E é esse é o novo desafio do programa: recuperar as áreas naturais, fazendo com que cada propriedade seja uma unidade modelo sustentá-vel que favoreça a presença do lobo e da biodiversidade.

Impacto do Programa

A partir do programa “Lobos da Canastra” já observa-se uma transformação na relação entre a comunidade local e a fauna. Os moradores da Canastra hoje conhecem e apreciam não apenas o lobo-guará, mas também outros animais que habi-tam esse pedaço do Brasil. A partir das ações do programa, a caça aos lobos foi praticamente extin-ta na região.

O trabalho realizado na Serra serve de modelo. Observa-se que as estratégias de promoção da par-ticipação comunitária já são adotadas também em outros locais de conflitos com a fauna. Pretende-se com o programa uma expansão ainda maior com a campanha “Amigo do Lobo”, inclusive em outros países.

A partir dos resultados positivos do programa permite-se comprovar para uma população que a convivência pacífica com a fauna é possível. Em consequência dessa aceitação vem o mais impor-tante: proteger a vida do lobo-guará.

Diversos parceiros nos ajudam a escrever essa história marcante na conservação de uma espécie ameaçada de extinção. Assegurar e melhorar as condições naturais da região para a manutenção de populações viáveis de lobo-guará e melhorar a relação do homem do campo com a fauna, são nossas principais metas.

Quanto mais “amigos dos lobos” nessa empreitada, mais resultados positivos serão colhidos. Pelos lobos, pela fauna, pelo Cerrado, pela sociedade!

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Creditos das Imagens: Adriano Gambarini (capa, pags 2, 4, 5, 6, 11 inf, 12 inf, 13 inf, 14, 16, 19, 20, 21 inf, 23 inf, 24, 25, 27 sup dir e inf dir, 28 inf, 29, 33, 34, 35 inf, 36, contracapa); Fernanda C. de Azevedo (pag 23 sup); Joares May Jr. (pags. 9 inf esq, 11 sup, 12 sup, 13 sup, 18, 25 inf esq); Ricardo C. Arrais (pag 22 ); Rogério C. de Paula (pags. 3, 7, 8, 9 sup e inf dir, 10, 15, 17, 21 sup, 26, 27 sup esq e inf esq, 28 sup, 31, 32, 35 sup, 38); Rodrigo Cunha (Ilustrações pag 30, 39).

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