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20 O impacto emocional após o diagnóstico de uma neoplasia maligna, pode interferir na evolução da doença. Association between emotional dysfunction and evolution of a malignancy. Palavras-chave: Neoplasia maligna, Diagnóstico, Ansiedade, Medo, Depressão. Key words: malignant neoplasm, Diagnosis, Anxiety, Fear, Depression. Flávia Hosana de Macedo Cuoco Diego Pretel Célia Tosello de Oliveira Afiliação: Disciplina de Oncologia, Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Jundiaí. Endereço para Correspondência: Flávia Hosana de Macedo Cuoco. Rua Congo 480, apt 403 bloco 3. Jardim Bonfiglioli - Sp CEP- 13207-340 . Email: [email protected]. RESUMO Introdução: O câncer é um problema de saúde pública em todo o mundo e no Brasil é a segunda causa de morte. A alta morbidade do câncer, associada ao estigma social da doença que a relaciona como diagnóstico de morte, sofrimento e ausência de cura, faz com que a notícia do diagnóstico provoque um grande impacto emocional. Objetivo: O objetivo do estudo é observar o impacto psicológico que a informação do diagnóstico pode causar na evolução do tratamento e, possivelmente, no prognóstico de pacientes oncológicos. Métodos: As entrevistas foram realizadas no local de tratamento, hospital público com serviço de quimioterapia terceirizado. Estas foram estruturadas por um questionário sociodemográfico, 14 perguntas de âmbito geral, e pela Escala hospitalar de ansiedade e depressão (HADS). Resultados: Nos 160 pacientes analisados, a prevalência global de ansiedade foi de 16,9% e de depressão 20 %. Quanto à evolução da doença: 46,3% apresentaram remissão completa, 34,4% remissão parcial, 10,6% apresentaram progressão da doença e 8,8% evoluíram para óbito. Dos pacientes que receberam a notícia do diagnóstico de maneira fria e objetiva, 31,1 % apresentaram depressão. Discussão: Nosso estudo revelou o quão determinante pode ser o momento do diagnóstico para o paciente, visto que a maior prevalência de pacientes depressivos se deu na população de pacientes que recebeu a notícia do diagnóstico de maneira fria e objetiva. Conclusões: Concluimos que o estado emocional não influencia no prognóstico da doença, mas podemos associar um maior número de alterações emocionais durante o tratamento, quando a informação da doença por parte do médico ocorreu de forma pouco humanizada. ABSTRACT Introduction: Cancer is a public health problem throughout the world an in Brazil is the second cause of death. The high morbidity of cancer associated with the social stigma of the disease that relates to the diagnosis of death, suffering and no cure, causes the news of the Perspectivas Médicas, 29(2): 20-29, jan/abr 2018. DOI: 10.6006/perspectmed.02012017.6569152310 ARTIGO ORIGINAL

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O impacto emocional após o diagnóstico de uma neoplasia maligna, pode interferir na evolução da doença.

Association between emotional dysfunction and evolution of a malignancy.

Palavras-chave: Neoplasia maligna, Diagnóstico, Ansiedade, Medo, Depressão.Key words: malignant neoplasm, Diagnosis, Anxiety, Fear, Depression.

Flávia Hosana de Macedo CuocoDiego Pretel

Célia Tosello de Oliveira

Afiliação: Disciplina de Oncologia,

Departamento de Clínica Médica, Faculdade

de Medicina de Jundiaí.

Endereço para Correspondência: Flávia

Hosana de Macedo Cuoco. Rua Congo 480, apt

403 bloco 3. Jardim Bonfiglioli - Sp CEP-

13207-340 . Email: [email protected].

RESUMO

Introdução: O câncer é um problema de

saúde pública em todo o mundo e no Brasil é a

segunda causa de morte. A alta morbidade do

câncer, associada ao estigma social da doença

que a relaciona como diagnóstico de morte,

sofrimento e ausência de cura, faz com que a

notícia do diagnóstico provoque um grande

impacto emocional. Objetivo: O objetivo do

estudo é observar o impacto psicológico que a

informação do diagnóstico pode causar na

evolução do tratamento e, possivelmente, no

prognóstico de pacientes oncológicos.

Métodos: As entrevistas foram realizadas no

local de tratamento, hospital público com

serviço de quimioterapia terceirizado. Estas

foram estruturadas por um questionário

sociodemográfico, 14 perguntas de âmbito

geral, e pela Escala hospitalar de ansiedade e

depressão (HADS). Resultados: Nos 160

pacientes analisados, a prevalência global de

ansiedade foi de 16,9% e de depressão 20 %.

Quanto à evolução da doença: 46,3%

apresentaram remissão completa, 34,4%

remissão parcial, 10,6% apresentaram

progressão da doença e 8,8% evoluíram para

óbito. Dos pacientes que receberam a notícia do

diagnóstico de maneira fria e objetiva, 31,1 %

apresentaram depressão. Discussão: Nosso

estudo revelou o quão determinante pode ser o

momento do diagnóstico para o paciente, visto

que a maior prevalência de pacientes

depressivos se deu na população de pacientes

que recebeu a notícia do diagnóstico de maneira

fria e objetiva. Conclusões: Concluimos que o

estado emocional não influencia no prognóstico

da doença, mas podemos associar um maior

número de alterações emocionais durante o

tratamento, quando a informação da doença

por parte do médico ocorreu de forma pouco

humanizada.

ABSTRACT

Introduction: Cancer is a public health

problem throughout the world an in Brazil is the

second cause of death. The high morbidity of

cancer associated with the social stigma of the

disease that relates to the diagnosis of death,

suffering and no cure, causes the news of the

Perspectivas Médicas, 29(2): 20-29, jan/abr 2018. DOI: 10.6006/perspectmed.02012017.6569152310

ARTIGO ORIGINAL

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diagnosis causes a great emotional impact.

Objective: The objective of the study is to

observe the psychological impact that

diagnostic information can have on the course

of treatment and possibly prognosis of cancer

patients. Methods: Interviews were conducted

at the treatment site, public hospital with

chemotherapy outsourced service. These were

s t r u c t u re d b y a s o c i o d e m o g r a p h i c

questionnaire, 14 questions of general scope,

and the hospital anxiety and depression scale

(HADS). Results: In the 160 patients analyzed,

the global prevalence of anxiety was 16.9% and

20% depression. As for the evolution of the

disease: 46.3% had complete remission, partial

remiss ion 34.4%, 10.6% had disease

progression and 8.8% died. Of the patients who

received the news of the diagnosis of cold and

objective manner, 31.1% had depression. Of the

patients interviewed would prefer to ignore the

actual diagnosis, 39.1% had anxiety and 47.8%

depression. Considering the results of the

depression scale (HADS-D) and tumor staging,

it was found to the following distribution of

depressed patients: 26.7% locally advanced

tumors; 22.9% initial or lymphoma tumors; 8%

of patients in metastatic situation. Conclusions:

We conclude that the emotional state does not

influence the prognosis of the disease, but we

can associate a greater number of emotional

changes during the treatment, when the

information of the disease by the doctor

occurred in a little humanized way.

INTRODUÇÃO

O câncer é considerado um problema de

saúde pública em todo o mundo.A Organização

Mundial da Saúde (OMS) estimou que, no ano

2030, poderemos diagnosticar até 27 milhões de

novos casos de câncer, 17 milhões de mortes por

câncer e 75 milhões de pessoas vivas,

anualmente, com o diagnóstico de câncer. O

maior efeito desse aumento deverá incidir em

países de baixa e média rendas. O câncer é a

segunda causa de morte no mundo, e em 2015

foi responsável por 8,8 milhões de mortes.

Quase uma de cada 6 mortes no mundo é devido

a uma neoplasia maligna.¹ Dados do ministério

da saúde indicam que também no Brasil é a

segunda causa de morte. As estimativas do

Instituto Nacional de Câncer (INCA), para o

ano de 2016, apontam a ocorrência de

aproximadamente 596 mil novos casos. ²

No estado de São Paulo, no período de

2000-2015 foram registrados mais de 627 mil

casos, sendo os tumores de mama, colorretal e

colo do útero os mais prevalentes no sexo

feminino, e os tumores de próstata, colorretal,

boca e orofaringe,no sexo masculino. ³ O

presente estudo foi realizado no município de

Jundiaí, onde, de acordo com a Fundação

Oncocentro de São Paulo (FOSP), no período

de 2000-2015, foram diagnosticados 4.499 4novos casos de câncer. Segundo o IBGE, as

doenças neoplásicas representaram a segunda 5causa de morbidade hospitalar no município.

A alta morbidade do câncer, associada ao

estigma social da doença, faz com que o

conhecimento do diagnóstico pelo paciente,

provoque um grande impacto emocional no

mesmo. Apesar de todos os avanços

tecnológicos e uma maior informação da

população a respeito da doença, esta ainda é

associada à possibilidade de sofrimento físico, 6emocional e morte. Alguns pacientes

principalmente os mais jovens,do sexo

masculino, solteiros, que passaram por

procedimento cirúrgico apresentam fatores de

risco para cometer suicídio, especialmente no 7primeiro ano após o diagnóstico. As

prevalências de depressão e de risco de suicídio

em pacientes com câncer aconselham o uso de

instrumentos simples de rastreamento e a

inclusão, na anamnese, de perguntas mais 8 específicas sobre essas condições clínicas, uma

vez que a depressão é mais comum em pacientes

com câncer quando comparado a população em

O impacto emocional após o diagnóstico de uma neoplasia maligna, pode interferir na evolução da doença - Flávia Hosana de Macedo Cuoco e cols.

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geral, podendo apresentar uma frequência até 9,1011,12três vezes maior de distúrbios do humor. .

Tende a ser maior em pacientes jovens com tal 13diagnóstico e mulheres, e relaciona-se

principalmente a fatores como: dor; progressão

da doença; grau de dependência e maior 11,12deficiência. Outros estudos demonstram altas

taxas de depressão em pacientes com doença em

estágio terminal (58%) e em pacientes com

câncer de pâncreas (38%), que apresenta alta 1 3 , 1 4mortalidade. No que diz respeito à

prevalência de depressão em pacientes que

ainda não sabem o tipo de câncer acometido, 15,16esta varia entre 13% e 16%.

Partindo das premissas acima, realizamos

um estudo a fim de analisar se realmente o

impacto do conhecimento do diagnóstico de

câncer no paciente poderia interferir na

evolução de sua doença. Para tal, tentamos

identificar quaisquer desvios comportamentais

durante o desenrolar de sua doença e de seu

tratamento. Nossa hipótese inicial seria de que

provavelmente as alterações emocionais

deveriam ocorrer nos pacientes oncológicos,

pois alguns artigos da literatura já haviam

demonstrado tal correlação, incluindo dados de .17,18,19piora do prognóstico da doença

OBJETIVO

O principal objetivo do estudo foi observar

o impacto psicológico causado pela informação

do diagnóstico na evolução do tratamento e,

possivelmente, no prognóstico de pacientes

oncológicos. Nossa hipótese era de que

pacientes com alterações comportamentais,

principalmente quadros depressivos e ou de

ansiedade, desencadeados pela notícia do

diagnóstico e no período de tratamento,

poderiam apresentar um pior prognóstico

decorrente de seu estado emocional.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo prospectivo, onde a

escolha dos entrevistados foi feita de forma

aleatória, respeitando os critérios de inclusão

como: pacientes que se dispuseram a participar

da pesquisa, maiores de 18 anos, com

diagnóstico de neoplasia maligna, que já

tinham o conhecimento de seu diagnóstico, e

que estavam em tratamento ou já haviam

realizado tratamento na instituição. O

recrutamento ocorreu no local de atendimento

dos pacientes,em um hospital público, com

serviço de quimioterapia terceirizado. Para

obtenção de uma amostra representativa, foram

considerados os seguintes determinantes:

percentual de falta de adesão ao tratamento 30oncológico de 48% , diferença absoluta

(margem de erro) pré-fixada em 8% e

probabilidade do erro tipo I de 5%, resultando

em 150 participantes.

Pacientes com prontuários faltantes,

impedindo o seguimento, foram excluídos e

substituídos. As entrevistas foram realizadas

sempre por um mesmo entrevistador, no caso,

pelo investigador principal envolvido na

pesquisa. As questões eram formuladas

diretamente ao paciente, permitindo que tivesse

tempo suficiente para pensar e então responder

sem a interferência do entrevistador.

U t i l i z a m o s u m q u e s t i o n á r i o

sociodemográfico, que continha 14 perguntas

de âmbito geral e que abrangiam informações

para que pudéssemos detectar qualquer

alteração comportamental desde o momento do

conhecimento do diagnóstico do câncer.

Algumas questões foram incluídas a fim de

facil i tar a nossa percepção quanto a

possibilidade de avaliar se alterações

emocionais foram associadas ao diagnóstico da

d o e n ç a . I n c l u í m o s n o q u e s t i o n á r i o ,

informações tais como: o estado emocional do

paciente antes e após o conhecimento da

doença; o tempo do conhecimento do

diagnóstico; a forma como recebeu a notícia do

diagnóstico; se recebeu ou não apoio de

22O impacto emocional após o diagnóstico de uma neoplasia maligna, pode interferir na evolução da doença - Flávia Hosana de Macedo Cuoco e cols.

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familiares e amigos. A fim de avaliar o estado

emocional do paciente, utilizamos a Escala

hospitalar de ansiedade e depressão (HADS).

Essa escala possui 14 itens, dos quais sete são

voltados para a avaliação da ansiedade 20(HADS-A) e sete para a depressão (HADS-D).

As entrevistas foram realizadas em um período

de 5 meses,nos pacientes em vigência de

tratamento, sendo que tais pacientes foram

entrevistados uma única vez. Após um intervalo

mínimo de 5 meses, fizemos busca nos

prontuários dos pacientes anteriormente

entrevistados e colhemos informações

relevantes sobre as características do tumor e

sobre a evolução clinica desses pacientes.

� As principais variáveis dependentes

analisadas foram: evolução da doença,

pontuação da HADS-A (escore de ansiedade) e

HADS-D (escore de depressão). A evolução da

doença foi agrupada em: doença em progressão

ou evolução para óbito; remissão parcial e

remissão completa do tumor. Para a avaliação

da freqüência da ansiedade e da depressão

foram adotados os pontos de cortes, < 9(sem

ansiedade ou depressão), ≥ 9 (com ansiedade ou

depressão) recomendados para ambas as

subescalas (HADS-A e HADS-D), apontados no 20 estudo de validação do questionário. Como

variáveis independentes foram analisadas:

idade (< 50, 50 |- 60, 60 |- 70, ≥ 70); sexo

(feminino e masculino); religião (católico e

outras); estado civil (com companheiro e sem

companheiro); ocupação (com ocupação, sem

ocupação, aposentado ou afastado), tempo que

soube diagnóstico (0-6, 7-12, > 12 meses); se

gostariam de ter a informação de seu

diagnóstico (sim ou não); tempo de tratamento

(0-6, 7-12, > 12 meses); comportamento após

conhecimento de seu diagnóstico (muito

desanimado, triste e preocupado, normal);

como se sentiria se realizasse o tratamento sem

conhecer seu diagnóstico (perdido ou sentiria

melhor); como recebeu a notícia do diagnóstico

(de maneira objetiva ou cautelosa); se estava

acompanhado no momento do diagnóstico (sim

ou não); o tipo de câncer (mama, colorretal,

tubo digestivo alto, sistema reprodutor

feminino, outros); estadiamento do tumor

(inicial ou linfoma, localmente avançado,

metastático). Quando associadas com a

evolução, a pontuação HADS-A e HADS-, foi

analisada como variável independente.

Quanto à análise estatística, inicialmente

foi realizada um análise unidimensional, para

descrição das características da amostra. Em

seguida realizou-se análise bidimensional das

variáveis dependentes segundo variáveis

s o c i o d e m o g r á f i c a s , e m o c i o n a i s e

características do tratamento. Em seguida foi

feita análise bidimensional da evolução

segundo HADS-A e HADS-D. O teste utilizado

nessas análises foi o qui-quadrado específico

para cada dimensão da tabela. O nível de

significância foi pré estabelecido em 5% e

programa utilizado para analise foi SPSS-v.

13.0.Todos os participantes assinaram o TCLE

e e s t a v a m d e n t ro d o s c r i t é r i o s p r é

estabelecidos. O tempo para realização do

questionário foi variável, respeitando as

necessidades de cada paciente. A priori, a

evolução do paciente seria analisada em uma

nova entrevista, no entanto dada dificuldade em

contatar os pacientes, decidimos avaliar a

evolução, pelo prontuário.

RESULTADOS

Quanto à distribuição segundo o sítio do

tumor, o câncer de mama foi o tumor de maior

incidência na população estudada, acometendo

36,3% da população. Analisando a evolução da

doença, 46,3% apresentou remissão completa;

34,4%remissão parcial; 10,6% progressão da

doença e 8,8% evoluíram para óbito. A

prevalência global de ansiedade foi de 16,9% e

de depressão 20%. A tabela 1 resume as

principais características da amostra.

23O impacto emocional após o diagnóstico de uma neoplasia maligna, pode interferir na evolução da doença - Flávia Hosana de Macedo Cuoco e cols.

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Ao observar o impacto psicológico causado

pela informação do diagnóstico na evolução da

doença, percebemos que entre os pacientes com

alteração emocional, houve uma maior

proporção de pacientes com remissão completa

(56,3% dos depressivos e 55,6 % dos ansiosos),

porém sem significância estatística(Tabela 2).

A correlação do resultado da escala de

ansiedade e depressão com o sentimento e

atitude do paciente após o conhecimento do

diagnóstico - 69,2% dos pacientes que

apresentaram certo grau de desanimo, sem

vontade de enfrentar o tratamento- revelaram

um quadro de ansiedade e ou depressão no

momento do teste. Enquanto que, mais de 80%

dos pacientes que aceitaram melhor a doença,

não se mostraram ansiosos ou depressivos.

Tanto a escala HADS-A quanto HADS-D,

apresentaram correlação relevante quando

analisadas em conjunto com as respostas do

questionamento sobre como seria se estivessem

em um tratamento desconhecendo seu

diagnóstico. Dos pacientes entrevistados que

prefeririam desconhecer o diagnóstico real,

39,1 % apresentaram ansiedade e 47,8%

depressão. Por outro lado, mais de 84% dos

p a c i e n t e s q u e a f i r m a r a m s e s e n t i r

desorientados caso não soubessem o

diagnóstico, não apresentaram alterações

comportamentais. Correlacionando a maneira

como o paciente recebeu a notícia do

diagnóstico, e os resultados HADS-D, pudemos

observar que 31,1 % dos pacientes que

receberam a notícia de maneira objetiva

apresentaram depressão, enquanto 84,3% que

receberam a notícia com mais cautela não

apresen taram pre ju í zos emoc iona i s .

Considerando os resultados HADS-D e o

estadiamento do tumor, encontrou- se a seguinte

24O impacto emocional após o diagnóstico de uma neoplasia maligna, pode interferir na evolução da doença - Flávia Hosana de Macedo Cuoco e cols.

Tabela 1- Características da amostra estudada.

Tabela 2 - Distribuição absoluta e percentual da evolução da doença segundo escore de ansiedade e depressão.

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distribuição de pacientes depressivos: 26,7%

tumores localmente avançados; 22,9% tumores

25O impacto emocional após o diagnóstico de uma neoplasia maligna, pode interferir na evolução da doença - Flávia Hosana de Macedo Cuoco e cols.

iniciais ou linfoma; 8% dos pacientes em

situação de metástase (Tabela 3).

Tabela 3 - Distribuição absoluta e percentual de escore de ansiedade e depressão segundo diversas

variáveis

As variáveis idade, sexo, tempo de

tratamento, tipo de câncer e estadiamento

apresentaram significância estatística quando

associadas com a evolução da doença (Tabela

4).

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DISCUSSÃO

Este estudo teve como objetivo inicial

conhecer o paciente como um todo e tentar

perceber seus aspectos emocionais, suas

vontades, medos e avaliar o impacto

psicológico que o diagnóstico poderia causar

na evolução do tratamento e, possivelmente, no

prognóstico. Um ponto forte da metodologia foi

a utilização da escala HADS, de acordo com

muitos artigos é considerado um método rápido

e efetivo para determinar o estado emocional,

uma vez que não inclui questões que contenham

sintomas somáticos, com o intuito de diminuir a 21,22 ocorrência de casos falso-positivos . Outro

ponto forte do método foi a realização da

entrevista sem um tempo pré determinado, foi

realizada de acordo com a necessidade e

vontade do paciente, dando a oportunidade de

conhecer melhor a sua visão sobre a doença.

Possivelmente pelo pequeno tamanho da

amostra, algumas variáveis não apresentaram

26O impacto emocional após o diagnóstico de uma neoplasia maligna, pode interferir na evolução da doença - Flávia Hosana de Macedo Cuoco e cols.

Tabela 4. Distribuição absoluta e percentual da evolução da doença segundo diversas variáveis

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significância estatística quando associadas,

sendo o principal aspecto negativo do estudo,

além da aplicação do questionário em apenas

um momento do tratamento. A aplicação da

HADS em dois diferentes momentos do

tratamento, talvez indicasse melhor as

modi f i cações nas d iversas var iáve i s

analisadas. Observações que devem ser

consideradas em pesquisas futuras, pela alta

prevalência de alterações comportamentais em

pacientes oncológicos, pois é essencial que se

investigue de forma mais detalhada este

assunto.A prevalência encontrada de pacientes

ansiosos e depressivos foi concordante com a

literatura, divergindo apenas pela proporção

de pacientes depressivos (20%) ter sido maior

que a de pacientes ansiosos (16,9%),visto que,

geralmente a proporção de pacientes ansiosos 8,23,24mostra-se maior que a de depressivos . A

comparação com diferentes estudos sobre

ansiedade e depressão em pacientes portadores

de câncer é dificultada pelos diferentes grupos

analisados. Estudos que focaram em um único

tipo de tumor revelam diferentes prevalências

de pacientes depressivos, variando com a

localização do tumor. Por exemplo, a depressão

acomete cerca de 50% dos pacientes com tumor

de pâncreas, e aproximadamente 25% dos 25pacientes com câncer de mama .

Nosso estudo revelou o quão determinante

pode ser o momento do diagnóstico para o

paciente, visto que pouco mais do dobro de

pacientes depressivos se deu na população que

recebeu a notícia de maneira objetiva. De

acordo com a literatura, o momento da

comunicação do diagnóstico é de extrema

importância, pois marca o início de uma série

de mudanças negativas na vida do paciente,

repletas de ansiedade, incertezas, angústia e

medo. 26O médico precisa gerenciar essa

s i tuação, levando em conta aspectos

psicossociais do paciente, desenvolvendo

habilidades relacionais e comunicacionais. No

entanto, o modelo biomédico adotado nas

universidades acaba negligenciando a

importância da qualidade da comunicação com

o paciente. De acordo com o estudo “A relação

assimétrica médico-paciente”, em 91,4% das

consultas médicas, os profissionais médicos

não exploram os medos e a ansiedade dos 27pacientes .

Após a angustiante etapa da revelação do

diagnóstico, os pacientes costumam apresentar

respostas emocionais como: ansiedade, raiva

ou depressão. Esse momento é de extrema

importância e é fundamental se preocupar e

observar qual a influência desta informação

para o paciente, pois poderá determinar a

m a n e i r a c o m o a c e i t a r á o u n ã o s e u 6,26,28tratamento . Concordando com a literatura,

em nossa amostra mais de 69% dos pacientes,

que apresentaram certo grau de desanimo e

demonstraram desinteresse em enfrentar o

tratamento, logo após conhecerem seu

diagnóstico, revelaram alterações emocionais

no momento do tes te . Dos pacientes

entrevistados que prefeririam desconhecer o

diagnóstico real, 39,1 % apresentaram

ansiedade e 47,8% depressão. Evidenciando a

importância do momento da informação do

diagnóstico, que muitas vezes irá determinar a

maneira que o paciente irá encarar e aceitar a

doença e a consequente influencia que

apresentará no estado emocional do paciente

durante o tratamento. A c o r r e l a ç ã o e n t r e H A D S - D e

estadiamento, revelou uma maior prevalência

de pacientes depressivos com tumores

localmente avançados, e não em pacientes com

metástase (casos de pior prognóstico) como

imaginávamos. Contrariando a hipótese do

trabalho, e a literatura que considera a

depressão um significante preditor de

mortalidade em pacientes com câncer, se

estimou uma taxa de mortalidade 25% maior

em pacientes depressivos, podendo alcançar

taxas de até 39% em pacientes com depressão

maior. Não se sabe ao certo a causa dessa

relação, mas alguns estudos apontam para o

estado de estresse do paciente, alterando sua

função imunológica favorecendo o crescimento

O impacto emocional após o diagnóstico de uma neoplasia maligna, pode interferir na evolução da doença - Flávia Hosana de Macedo Cuoco e cols.

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do tumor. Além do comprometimento físico, a

depressão promove alterações emocionais no

paciente, que culminam na diminuição do auto

cuidado, diminuindo a adesão ao tratamento,

piorando o prognóstico. De acordo com o

estudo que analisou a não adesão ao

t r a t a m e n t o , v e r i f i c o u - s e q u e 5 , 8 %

apresentavam depressão moderada ou grave,

justificando assim uma piora do prognóstico 29,30

desses pacientes .

CONCLUSÕES

A forma que o paciente recebe a notícia do

seu diagnóstico apresenta intima relação com

seu estado emocional, e pode determinar a

maneira que o paciente irá encarar sua doença,

na aceitação e realização do tratamento.

Contrariamente ao que pensávamos, em nossa

amostra, percebemos uma maior prevalência de

pacientes depressivos, que apresentavam

tumores localmente avançados e em pacientes

que evoluíram para remissão completa do

tumor, ou seja , pacientes com um melhor

prognóstico apresentaram maior numero de

alterações emocionais que pacientes com pior

prognóstico. Concluimos que o estado

emocional não influencia no prognóstico da

doença, mas podemos associar um maior

numero de alterações emocionais durante o

tratamento, quando a informação da doença

por parte do medico ocorreu de forma pouco

humanizada.

REFERÊNCIAS

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