Os megaeventos esportivos como fator de Inserção dos países intermediários

10
1 Programa Municipal de Voluntariado Internacional Belo Horizonte Cécile Michèle Aillerie Relations Interculturelles et Coopération Internationale Université Charles de Gaulle Lille 3 Os megaeventos esportivos como fator de inserção dos países intermediários A partir dos Jogos Olímpicos de Pequim 2008

description

Artigo desenvolvido no Programa Municipal de Voluntariado Internacional

Transcript of Os megaeventos esportivos como fator de Inserção dos países intermediários

Page 1: Os megaeventos esportivos como fator de Inserção dos países intermediários

1

Programa Municipal de Voluntariado Internacional – Belo Horizonte

Cécile Michèle Aillerie

Relations Interculturelles et Coopération Internationale

Université Charles de Gaulle – Lille 3

Os megaeventos esportivos

como fator de inserção

dos países intermediários

A partir dos Jogos Olímpicos

de Pequim 2008

Page 2: Os megaeventos esportivos como fator de Inserção dos países intermediários

2

Resumo: O presente trabalho pretende trazer respostas sobre os recentes

sediamentos de megaeventos esportivos por países intermediários, como a China, o

Canadá, a África do Sul, a Rússia, o Brasil e o Japão. Hoje, muitos estudiosos se

interessam as consequências dos megaeventos esportivos sobre a economia dos

países-sedes, mas as pesquisas que estudam os benefícios dos mesmos a nível

internacional, principalmente em termos de inserção dos países-sedes, ainda são

muito escassas. Usando conceitos recorrentes no âmbito das Relações

Internacionais (como soft power, diplomacia, cooperação) e elementos midiáticos da

cobertura de megaeventos esportivos, demostrarei que os mesmos contribuem

fortemente à inserção dos países intermediários no cenário internacional. Para

explicar melhor esse processo de inserção, buscarei operar uma distinção final

dentro da mesma categoria “países intermediários”, que separarei em dois

subgrupos: potências médias tradicionais (Canadá e Japão) e potências médias

emergentes (China, África do Sul, Rússia e Brasil). Veremos que as interrogações

levantadas neste artigo encontram respostas, mas levantam ao mesmo tempo

outros problemas, revelando toda a complexidade do esporte aplicado à política

internacional.

Palavras chave: países intermediários, megaeventos esportivos, inserção

internacional.

Definições

Antes de tudo, acho primordial definir com precisão os termos usados ao longo

desse artigo e justificar as escolhas que operei nesse trabalho, para esclarecer meu

objeto de estudo. Entendo a expressão “megaeventos esportivos” no sentido

tradicional, ou seja, as Copas do Mundo da FIFA e os Jogos Olímpicos (de inverno e

de verão). Os países que eu considero como “intermediários” e que sediaram (ou

vão sediar daqui a pouco) megaeventos esportivos são: a China, o Canadá, a África

do Sul, a Rússia, o Brasil e o Japão. Neste artigo, decidi propositadamente não

trabalhar com a Coreia do Sul (futura sede dos Jogos de inverno 2018), que eu

colocaria na categoria de “dragões asiáticos” 1, e o Catar (futura sede da Copa do

Mundo 2022) que, a meu ver, pertence à categoria dos países petrolíferos do

1 Junto com Hong Kong, Taiwan e Singapura.

Page 3: Os megaeventos esportivos como fator de Inserção dos países intermediários

3

Oriente Médio 2 . Dentro dessa categoria de países intermediários, opero uma

subdivisão em dois grupos: as potências médias tradicionais (Canadá e Japão) e as

potências médias emergentes (China, África do Sul, Rússia e Brasil). A razão

principal dessa divisão é o momento de emergência dessas potências: no caso do

Canadá e do Japão foi bem anterior (primeira metade do século XX), e já se

estabilizou, enquanto a China, a África do Sul, a Rússia e o Brasil pertencem aos

BRICS, um termo criado em 20013 (a África do Sul entrou a fazer parte dessa

categoria a partir de 2011) para designar os grandes países emergentes com uma

taxa de crescimento ainda hoje superior à dos países desenvolvidos. E finalmente

por “inserção internacional” me refiro à participação desses países no cenário

internacional, ao lugar que eles acharam ou estão achando em uma nova ordem

global, uma presa de poder relativa que intervém como uma alternativa as potências

tradicionais.

Importância histórica

Desde sempre o esporte é um reflexo e até, certas vezes, uma metáfora, da

nossa sociedade, e a observação do esporte mundial através o espelho da política

pode dizer muito sobre as relações entre os países. Como nota justamente Ferreira

Menezes (2013), não é uma coincidência se as sedes da FIFA (Federação

Internacional de Futebol Associado) e do COI (Comitê Olímpico Internacional) estão

localizadas na Suíça, pais conhecido por ser militarmente neutro. Isso marca a

vontade de considerar o esporte, além da sua finalidade inerente de competição e

disputa, como uma esfera destacada da política e das guerras. Apesar dessa

vontade de separar o esportivo e o político, os JO não conseguiram escapar à

influência das tensões internacionais, percebíveis através da “guerra das medalhas”

entre os EUA e a União Soviética durante a guerra fria e dos numerosos boicotes

que ocorreram ao longo dos anos4. Varias edições dos JO e da Copa do Mundo

tiveram que ser canceladas por causa das duas guerras mundiais5.

2 Mais precisões sobre a subcategorização dos países emergentes podem ser encontradas no artigo de Jean

Coussy, Emerging Countries: An Attempt at Typology, 2009. 3 Primeira utilização por Jim O'Neill, do Grupo Goldman Sachs, em Building Better Global Economic BRICs,

2001. 4 Entre os boicotes mais importantes podemos citar aqueles de 1956 (protestas conjuntas contra as ações da

União Soviética e a crise de Suez), entre 1968 e 1976 (pelos países africanos em protesta contra a Apartheid), e

1980 (protesta contra a invasão do Afeganistão pela União Soviética). 5 Os Jogos Olímpicos de 1916, 1940 e 1944 foram cancelados, como as Copas do Mundo de 1942 e 1946.

Page 4: Os megaeventos esportivos como fator de Inserção dos países intermediários

4

Escolha das sedes

Desde o início dos JO modernos em 1896 até o início do século XXI, somente

quatro países hoje considerados como intermediários sediaram esse megaevento:

Austrália (1956 e 2000), Japão (1964), México (1968) e Canada (1976), todos

potências médias tradicionais, menos o México. A partir de 2008, a tendência para a

escolha dos países-sede se inverteu completamente, passando de países

desenvolvidos a países intermediários6 com a entrada no jogo da China, da África do

Sul, da Rússia e do Brasil. Essa virada pode ser explicada por vários fatores:

- Da mesma forma que o Brasil sediou a Copa do Mundo em 1950 porque a

Europa estava devastada por duas guerras mundiais seguidas, o mundo ocidental

está enfrentando agora uma grave crise econômica, e muitos países desenvolvidos

não têm mais os recursos suficientes para investir nos estádios e infraestruturas

necessários ao sediamento de eventos de tal envergadura. Hoje, alguns países

desenvolvidos se declaram mesmo firmemente contra a realização de megaeventos

esportivos no próprio território: uma parte da população dos EUA não quer sediar a

Copa do Mundo 2026, avançando o argumento que o futebol não faz parte da

tradição americana e que os padrões da FIFA são demasiadamente estritos. O

mesmo está acontecendo com os Jogos de inverno de 2022, que foram recusados

por todos os países europeus, deixando só a China e o Cazaquistão como

candidatos ainda em competição7.

- Os países intermediários veem os megaeventos em geral 8 , como uma

oportunidade única para subir ao palco e exercer a própria influência a nível mundial.

Por muito tempo, a única forma de poder desejável foi o chamado hard power, cuja

definição nos é providenciada por Barnett e Duvall (2005): “much of the discipline

has tended to treat power as the ability of one state to use material resources to get

another state to do what it otherwise would not do.” Não podendo rivalizar com

grandes potências como a Europa ou os Estados Unidos a nível de hard power

(principalmente poder militar), os países intermediários focaram consequentemente

no soft power, do qual o sediamento de megaeventos faz parte.

Essa virada na escolha dos países-sede traduz uma tendência à descentralização

6 A única exceção sendo os Jogos Olímpicos de Londres 2012.

7 http://www.theguardian.com/sport/2014/may/28/winter-olympics-2022-games-nobody-wants

8 Os megaeventos culturais também despertam o interesse dos países intermediários: as duas últimas Exposições

Universais foram sediadas por Aichi, Japão (2005) e Shangai, China (2010).

Page 5: Os megaeventos esportivos como fator de Inserção dos países intermediários

5

do poder largamente estudada no âmbito das Relações Internacionais, que levaria a

termo a uma variação da ordem mundial, de uma situação de bipolaridade (EUA e

Europa) a um mundo multipolar.

Democracia e normas internacionais

O esporte é desde sempre portador de valores universais como o fair play e a

igualdade (no campo as diferenças de riqueza desaparecem o tempo de um partido).

Nesse contexto, podem parecer estranhas as recentes escolhas de países não

democráticos e que não aderem aos direitos humanos (principalmente a China e a

Rússia, mas também o Qatar) para a realização de megaeventos esportivos. Esse

paradoxo pode encontrar uma explicação nas palavras de Jérôme Valcke, secretário

geral da FIFA, pronunciadas durante as manifestações que agitaram o Brasil antes

da Copa das Confederações: “Um nível menor de democracia pode ser preferível

para organizar uma Copa do Mundo” 9 , se referindo à quase ausência de

contestação do agora famoso “padrão FIFA” nos países não democráticos, porque

reprimida duramente pelas autoridades no poder.

Se a democracia parece não fazer parte dos requisitos para sediar megaeventos,

outros fatores tem que ser presentes para entrar no clube tão cobiçado das grandes

potências. Os países intermediários provavelmente sentam também a necessidade

de passar pelo mesmo caminho ou pelo menos de se conformar às mesmas normas

que os países desenvolvidos. Dentro dessas normas podemos incluir às do COI e

principalmente da FIFA, reputada por seu padrão tão exigente e estrito. No ambiente

do esporte essas duas instituições atuam como hegemons ou “superpotências

geopolíticas” 10 e ditam as próprias leis universais, as regras do jogo que todo país-

sede tem que respeitar para jogar nas grandes ligas. Contrastando com a teoria de

Charles P. Kindleberger (1973), utilizada também por Keohane (1984), segunda a

qual uma potência hegemônica é absolutamente necessária para a estabilidade

mundial e a cooperação entre países, essa mesma hegemonia dos comitês

esportivos está começando a ser questionada por vários países-sede e candidatos,

e os padrões muito exigentes se tornaram um motivo de recuso em sediar

9 Tradução livre do segmento original em francês “un moindre niveau de démocratie est parfois préférable pour

organiser une Coupe du monde", http://latta.blog.lemonde.fr/2014/04/28/platini-recommande-aux-bresiliens-

daugmenter-les-doses-dopium/ 10

Tradução livre do francês “superpuissances géopolitiques”, http://latta.blog.lemonde.fr/2014/04/28/platini-

recommande-aux-bresiliens-daugmenter-les-doses-dopium/

Page 6: Os megaeventos esportivos como fator de Inserção dos países intermediários

6

megaeventos para alguns países. Grix and Lee (2013) inteligentemente ressaltam

porém que a conformação a essas normas torna os países-sede mais atrativos, e

legitima de certa maneira a posição mais alta à qual eles pretendem:

“As communicative practices, international sporting events are important

opportunities for hosting states to showcase their sameness (which is not only a core

component of attractiveness to others but also a source of legitimacy as global

agents).”11

Essa ideia da similaridade (sameness) sendo um componente chave da

atratividade (attractiveness) e da legitimidade (legitimacy) é observável a nível dos

estados nas relações internacionais, mas também a nível da sociedade, nosso

pertencimento às distintas classes sociais sendo condicionado por distintos

comportamentos.

Orgulho e coesão nacional

Muitas vezes, a riqueza cultural de um país (e especialmente de países grandes

como a China, a Rússia ou o Brasil) é muito importante, e a boa compreensão dessa

diversidade cultural pode requerer conhecimentos puxados em história local e anos

de estudo. Difícil nesse caso de comunicar para o resto do mundo a totalidade dessa

riqueza cultural. A solução escolhida pela maioria dos países nesta situação é de

destacar somente algumas facetas da própria cultura, e geralmente os aspetos

selecionados correspondem aos estereótipos que o exterior já tem. Não estou

argumentando que o Brasil quer ser associado sempre e unicamente ao samba (por

exemplo), mas para não desconcertar o público internacional, às vezes pode ser

melhor ter um ponto de referencia já ancorado no imaginário coletivo. Assim o

quadro geral escolhido pelo Brasil para “vender” a própria cultura foi mais ou menos

aquele dos estereótipos internacionais (samba, alegria, cores, diversidade racial),

rejeitando porém o estereotipo infelizmente comum que as mulheres brasileiras são

“fáceis” e assimiladas a prostitutas (campanha contra o turismo sexual em

megaeventos 12 ). Similarmente, a China teve que “simplificar” a cultura que

comunicou para o resto do mundo, por causa da complexidade e variedade da

mesma, herdada de séculos de tradição, em um império à sua máxima expansão

11

Jon Grix e Donna Lee, Soft Power, Sports Mega-events and Emerging States: The Lure of the Politics of

Attraction, 2013 12

http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,campanha-combatera-turismo-sexual-na-copa-de-2014-no-

brasil-imp-,949970

Page 7: Os megaeventos esportivos como fator de Inserção dos países intermediários

7

maior do que os Estados Unidos, a qual cultura varia extremamente do Sichuan ao

Tibete, passando por Cantão. Essa seleção na divulgação cultural tem duas

vantagens principais:

- Permite definir quais são os aspectos mais importantes da cultura, quais são os

pilares da identidade nacional. A população forma assim uma “comunidade

imaginária” 13 ligada por um orgulho e valores comuns numa coesão maior.

- Essa harmonização da cultura a nível nacional ajuda na difusão da cultura além

das fronteiras. A uniformização cultural pode facilitar a projeção de valores locais e

possibilita uma melhor diplomacia cultural dos países-sede (Ferreira Menezes, 2013).

Portanto, uma das vantagens é de caráter domestico (harmonização e coesão

nacional) enquanto a outra é de caráter externo (divulgação internacional de uma

imagem de marca). A boa gestão dessa divulgação cultural é crucial na medida em

que influi sobre a atratividade do país-sede, de um ponto de vista tanto turístico

quanto de investimentos.

Uma cobertura midiática de dois gumes

Se os benefícios econômicos decorrentes do sediamento de um megaevento

esportivo ainda permanecem incertos, os benefícios em termos de visibilidade e

divulgação do próprio país são inegáveis. Antes e durante a realização de um

megaevento, o país-sede é o foco de atenção de todas as mídias estrangeiras, mas

é uma atenção de dois gumes. Em uma entrevista, Robert Baade (professor de

Economia e Finanças na Lake Forest University, Illinois) discutiu esse assunto:

“Essa possibilidade [de um país ter sua imagem afetada ou desgastada

internacionalmente] é real para qualquer país que decida sediar tais atividades. Um

devido país tanto pode ser identificado como eficiente e capaz ou como desorganizado

e ineficiente. Tudo depende de como as coisas irão fluir durante os eventos. No

entanto, se as coisas não acontecerem como foram planejadas e se ocorrências

negativas ou lamentáveis se tornarem frequentes e divulgadas pela imprensa, então a

imagem do país poderá realmente ser afetada de forma negativa, em vez de ser

fortalecida.” 14.

Os países emergentes são mais expostos à mídia, o que pode ser benéfico se

13

Clarice Cristine Ferreira Menezes, Esporte e Poder: Os eventos esportivos e a articulação da diplomacia

cultural, 2013. 14

http://blogs.estadao.com.br/ricardo-guerra/olimpiadas-e-copa-do-mundo-o-que-estao-fazendo-com-o-dinheiro-

dos-brasileiros/

Page 8: Os megaeventos esportivos como fator de Inserção dos países intermediários

8

tudo der certo, mas também pode acarretar consequências negativas no caso de

imprevistos, por exemplo, no caso de manifestações da população, como aconteceu

no Brasil durante a Copa das Confederações 2013, o que contribuiu também a

aumentar as incertezas sobre a realização da Copa do Mundo 2014. Felizmente no

caso do Brasil, esses medos não foram confirmados, pois na imprensa local e

internacional já está começando o debate para saber se a Copa do Mundo 2014 foi

ou não a “Copa das Copas” 15.

Uma cobertura midiática diferenciada

Notamos também que esse interesse midiático não é o mesmo segundo o status

do país-sede; as potências médias tradicionais não recebem a mesma atenção que

as potências médias emergentes. Por exemplo, falou-se muito menos dos

preparativos da Copa do Mundo na Coreia do Sul e no Japão em 2002 do que os da

Copa do Mundo Brasil 2014, e da mesma maneira os Jogos Olímpicos de Vancouver

em 2012 não receberam o mesmo tratamento que aqueles de Pequim em 2008.

Porque esse tratamento diferenciado por parte das mídias? Bem, a resposta é

bastante simples: o objetivo principal dos jornais e das TVs é de vender as matérias

produzidas e de vender o mais possível, e obviamente tem muito mais temas para

abordar com as potências emergentes. Portanto, o interesse da mídia é ligado ao

nível de desenvolvimento, que difere de acordo com essas duas subcategorias de

países intermediários. No Japão e no Canadá, a maior parte das infraestruturas já

estava presente no país e foram precisas somente algumas reformas, enquanto o

Brasil e a China tiveram que construir uma parte maior dos estádios e complexos

esportivos. Essas obras foram fonte de novidade e inovação (o estádio em forma de

ninho de pássaro em Pequim é um ótimo exemplo) e requereram planejamento no

tempo (no caso do Brasil saíram inúmeras matérias discutindo se os estádios iriam

ser prontos para o inicio da Copa), dois assuntos prediletos da mídia. Além disso, a

organização geral do Japão e do Canadá em termos de logística, transporte e até

política é mais estabelecida, mais solida do que no Brasil e na China; essas

variáveis suplementares geram mais incertezas com relação ao êxito do

megaevento e então mais fontes de especulação midiática.

15

Exemplos nos jornais BBC e France Football:

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/07/140714_wc2014_destaques_psj_lab.shtml,

http://www.francefootball.fr/debat/297/4297

Page 9: Os megaeventos esportivos como fator de Inserção dos países intermediários

9

Cooperação internacional

Se no inicio as categorias dos países intermediários e dos BRICS foram usadas

por razões meramente taxonômicas, a cooperação entre países pertencendo a uma

mesma categoria se intensificou ao longo dos anos (cúpulas anuais do BRICS, foro

de dialogo IBSA, etc.), e o tema da organização de megaeventos pode ser

considerado como mais um assunto de cooperação entre esses países. De fato, a

realização de megaeventos requer uma organização colossal e a preparação

começa com anos de antecedência e, para facilitar o trabalho, as próximas sedes se

apoiam no exemplo (ou contraexemplo) das sedes anteriores. Assim, para citar um

exemplo da minha experiência pessoal como voluntária na Secretaria Municipal para

a Copa do Mundo 2014 de Belo Horizonte, eu tive a sorte de contribuir à recepção

de uma delegação do Catar e de vários jornalistas da Rússia e do Catar, realizando

missões de observação no Brasil durante a Copa do Mundo 2014. Essas trocas de

conhecimentos contribuem a reforçar ainda mais as ligações diplomáticas entre os

países intermediários e faz o esporte virar uma fonte de identificação, cooperação e

integração.

Conclusão

Através deste artigo, conseguimos entender melhor as causas e consequências

dessa mudança na atribuição da realização de megaeventos esportivos, sejam elas

de caráter político (soft power, diplomacia, cooperação) ou midiático. Para encerrar

esse trabalho, gostaria de comunicar uma das perguntas que surgiu durante as

minhas pesquisas e que poderia ser objeto de um próximo artigo. Já sabemos que

alguns países intermediários se especializaram em áreas econômicas bem

especificas, por exemplo, a Índia nos serviços, a China na indústria e o Brasil nos

biocombustíveis16. Será que o conjunto dos países intermediários está reproduzindo

esse esquema a uma escala maior, alterando a ordem mundial para criar uma

especialização em megaeventos própria a essa categoria? Pelo menos uma coisa

parece certa, os países intermediários estão buscando novas características para se

diferenciar dos países desenvolvidos, o que pode levar a termo a uma nova “divisão

internacional do trabalho”, uma repartição diferente dos papeis de cada país.

16

Jean Coussy, Emerging Countries: An Attempt at Typology, 2009.

Page 10: Os megaeventos esportivos como fator de Inserção dos países intermediários

10

Referências bibliográficas

BARNETT, Michael e DUVALL, Raymond, Power in Global Governance, in: Barnett e

Duvall (eds.), Power in Global Governance, Cambridge, CUP, 2005.

BBC BRASIL, 'Copa das Copas'? Veja dez destaques do Mundial no Brasil, 14 Julho

2014, acessível em

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/07/140714_wc2014_destaques_psj_lab.shtml

(última conexão 15/07/2014).

COUSSY, Jean, Emerging Countries: An Attempt at Typology, in: Jaffrelot, Christophe

(ed.), Emerging States: The Wellspring of a New World Order, Columbia, Columbia

University Press, 2009.

FERREIRA MENEZES, Clarice Cristine, Esporte e Poder: Os eventos esportivos e a

articulação da diplomacia cultural, 4º Encontro Nacional da Associação Brasileira de

Relações Internacionais, Belo Horizonte, 2013.

FRANCE FOOTBALL, La plus belle Coupe du monde de l'histoire ?, acessível em

http://www.francefootball.fr/debat/297/4297 (última conexão 15/07/2014).

GRIX, Jon e LEE, Donna, Soft Power, Sports Mega-events and Emerging States: The

Lure of the Politics of Attraction, CRP WORKING PAPER SERIES, Working Paper No. 12,

Setembro 2013.

GUERRA, Ricardo, Olimpíadas e Copa do Mundo: O que estão fazendo com o dinheiro

dos brasileiros?, 5 Junho 2014, acessível em http://blogs.estadao.com.br/ricardo-

guerra/olimpiadas-e-copa-do-mundo-o-que-estao-fazendo-com-o-dinheiro-dos-brasileiros/

(última conexão 15/07/2014).

KEOHANE, Robert, After Hegemony: Cooperation and Discord in the World Political

Economy, New Jersey: Princeton University Press, 1984.

LATTA, Jérôme, Platini recommande aux Brésiliens d’augmenter les doses d’opium, Le

Monde Blogs, 28 Abril 2014, acessível em http://latta.blog.lemonde.fr/2014/04/28/platini-

recommande-aux-bresiliens-daugmenter-les-doses-dopium/ (última conexão 15/07/2014).

NETTO, Andrei, Campanha combaterá turismo sexual na Copa de 2014 no Brasil, 24

Outubro 2012, acessível em http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,campanha-

combatera-turismo-sexual-na-copa-de-2014-no-brasil-imp-,949970 (última conexão

15/07/2014).

O’NEILL, Jim, Building Better Global Economic BRICs. Goldman Sachs, 30 Novembro

2001, Global Economics, Paper No: 66.

THE GUARDIAN, The 2022 Winter Olympics: the games nobody wants to host, 28 Maio

2014, acessível em http://www.theguardian.com/sport/2014/may/28/winter-olympics-2022-

games-nobody-wants (última conexão 15/07/2014).