O Pensamento Politico de Getulio Vargas- Assembléia Legislativa RS

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    Getúlio Vargas

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    Vargas, GetúlioO Pensamento Político de Getúlio Vargas.Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sule Museu Julio de Castilhos, realizadores. Porto Alegre/RS, 2004. 237 p. il. (O Pensamento Político).

    1.Política: Rio Cirande do Sul. 2. Vargas, Getúlio (1882-1954), Político, Estadista. 3.Coleção: O PensamentoPolítico, v.2.CDU : 32 (816.5)

    Realização:Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do SulInstituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do SulMuseu Julio de Castilhos

    Coordenação:Escola do Legislativo "Deputado Romildo Bolzan"

    Pesquisa: Hstoriógrafas do Museu Julio de CastilhosLiana Bach MartinsMareia Eckert Miranda

    Estagiários do Museu Julio de Castilhos:Luis Armando Peretti (ULBRA)Muriel Rodrigues de Freitas (UNISINOS)Viane Otto da Silva (ULBRA)

    Bibliotecários:

    Mareia Piova - CRB10/1557Carlos Laerte Moraes - CRB 10/867

    Revisão:Nádia GalhoDiretora do Departamento de Taquigrafia AL/RS

    Editoração:Juçara Campagna – CORAG

    Capa:Sid Monza – CORAG

    A coleção "O Pensamento Político" faz parte do projeto realizado pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio Cirande doSul, Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul e o Museu Julio de Castilhos, com coordenação da Escola doLegislativo "Deputado Romildo Bolzan", que tem por objetivo destacar e homenagear personagens da História política doRio Cirande do Sul.

    Luís Antônio Costa da SilvaDiretor da Escola do Legislativo"Deputado Romildo Bolzan"

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    MESA DIRETORA DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA2004

    Deputado Vieira da CunhaPresidente

    Deputado João Fischer

    1 °-Vice-Presidente

    Deputado Manoel Maria2o-Vice-Presidente

    Deputado Luís FernandoSchmidt l°-Secretário

    Deputado Márcio Biolchi2°-Secretário

    Deputado Sanchotene Felice3°-Secretário

    Deputado Cézar Busatto4°-Secretário

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     Apresentação Apresentação Apresentação ApresentaçãoAssembléia Legislativa

    do Rio Grande do Sul

    aríssimos são os homens públicos que, largo tempo após seu desaparecimento, continuamvivos na memória do povo a que serviram, com a energia e o entusiasmo ditados por seu

    patriotismo. E precisamente o que se dá com a figura invulgar de Getúlio Vargas, que há

    meio século, deu o primeiro passo no caminho da eternidade, saindo da vida para entrar naHistória. Eis por que lhe dedica a Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul este segundo volumeda série Pensamento Político, em colaboração com o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande doSul e o Museu Júlio de Castilhos.Neste volume se recolhem, para a posteridade, a síntese das mais caras convicções de um estadista,desde seus verdes anos como acadêmico de Direito à trágica culminância de uma trajetória toda eladevotada aos mais altos e legítimos interesses do Brasil.Artífice da unidade e comandante dos adversários de 23, que se reuniriam para a jornada vitoriosa de30, Getúlio Dornelles Vargas notabilizou-se como extraordinário reformador político, pondo termo aoimpério da ata falsa e das eleições fraudadas, como criador de uma legislação trabalhista eprevidenciária sem paralelo em sua época, como formulador e implementador de diretrizes de

    desenvolvimento econômico fundado na justiça social, como fiador da unidade do País durante a maiordas guerras que já ensangüentaram a humanidade, como promotor da participação brasileira no teatrode operações bélicas da Europa, como batalhador da criação da Aliança Atlântica e da Organização dasNações Unidas.Esses e outros feitos lhe valeram, após deixar o poder em 1945, triunfante retorno em 1950, emeleições que o consagraram como um dos grandes líderes democráticos de seu tempo. Empreendianovamente governo exemplar quando o ódio, as infâmias e as calúnias pretenderam atingi-lo em suahonra. Desambicioso, sem conhecer outro senhor que o povo, a 24 de agosto de 1954 o estadista queoferecera aos brasileiros sua vida, lutando de peito aberto contra a reação e o vilipêndio, entregou-lhessua alma, no gesto extremo do suicídio."Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meusangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência.Ao ódio respondo com perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória.Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna.", escreveu Getúlio Vargas em sua famosaCarta - Testamento, cujo texto, passado meio século, é de uma impressionante atualidade.E esse extraordinário vulto que ora a Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sulhomenageia, certa de ecoar o sentimento de toda uma nação.

    Porto Alegre, agosto de 2004.

    Deputado VIEIRA DA CUNHAPresidente da Assembléia Legislativa do RS

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     Apresentação Apresentação Apresentação ApresentaçãoInstituto Histórico

    "Não basta viver, é preciso um destino, e sem esperar pela morte"  Albert Camus

    publicação do segundo volume do Pensamento Político, resultante do Protocolo de Intenções

    entre a Assembléia Legislativa e o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, é otestemunho de que os projetos generosos são férteis. Aqui está o pensamento político deGetúlio Vargas que conduzido pelas circunstâncias - viveu e agiu nelas, sem ser, contudo, por elasabsolutamente orientado. Pelo contrário, aproveitou-as com criatividade. O Pensamento Político deGetúlio Vargas reflete todas as circunstâncias como homem histórico e as suas respostas como homemde ação, perseguindo a concretização de um projeto: a construção e a unidade da Nação. Foi umpensamento complexo na medida em que foi dinâmico e conflituoso entre o passado e a execução deseu projeto, entre os movimentos do mundo e da sociedade brasileira.

    Transformou - no exercício do poder - a sociedade brasileira. Incorporou a massa no projetonacional.

    Getúlio Vargas não foi indiferente a ninguém porque não foi um homem medíocre e por isso

    se incorporou indelevelmente à nossa História. Saiu da vida quando quis, numa decisão certamenteorgulhosa e simbólica, para não se subjugar às circunstâncias.Os fragmentos do pensamento político de Getúlio Vargas, aqui selecionados, objetivam

    provocar reflexões não só sobre um homem, mas sobre a Era Vargas, para a construção do Brasilcontemporâneo, numa época em que o sentido de nação está ameaçado pelas circunstâncias daglobalização.

    Associados aos funcionários da Assembléia Legislativa e do Museu Julio de Castilhos,idealizamos esse trabalho de resgate do pensamento que construiu a História.

    Gervásio Rodrigo Neves

    Presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul

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     Apresentação Apresentação Apresentação ApresentaçãoMuseo Julio de Castilhos

    O Museu Julio de Castilhos é a mais antiga instituição museológica do Rio Grande do Sul. Asua criação, em 1903, representou o passo inaugural no surgimento das primeiras estruturasresponsáveis pelo resgate sistemático da memória política e social do nosso Pastado. No ano em quecomemoramos o cinqüentenário da morte de Getúlio Vargas, o Museu Julio, no cumprimento de seupapel de mantenedor da memória gaúcha, chama para si a importante tarefa de homenagear este que,indiscutivelmente, foi o político de maior relevância no cenário republicano.

    O Museu Julio de Castilhos, em parceria com o Instituto Histórico e Geográfico do RioGrande do Sul e a Assembléia Legislativa do Estado, lança o livro "O Pensamento Político de GetúlioVargas". A publicação contém textos de diferentes períodos de sua vida pública - a Faculdade deDireito de Porto Alegre, o Governo do Estado, a campanha da Aliança Liberal, o governo provisório, afase constitucional e o período do Estado Novo, a campanha presidencial de 1950 e o períodoconstitucional, até a carta testamento.

    Pautamos nossa homenagem na perspectiva de uma ação que estimulasse a reflexão e osbalanços críticos em torno deste gaúcho, cuja trajetória se entrelaça com momentos cruciais da políticabrasileira, ultrapassando, significativamente, as fronteiras dos acontecimentos regionais.

    Nara Machado MunesDiretora do Museu Julio de Castilhos

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     Apresentação Técnica Apresentação Técnica Apresentação Técnica Apresentação Técnica

      livro "O Pensamento Político de Getúlio Vargas" é o segundo volume da coleção "OPensamento Político", iniciativa da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul,

    do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul e do Museu Julio de Castilhos, com

    coordenação da Escola do Legislativo "Deputado Romildo Bolzan". Getúlio Vargas foi escolhido comopersonagem desta obra, pois como político representou um marco na história do Brasil, tendo iniciadosua vida pública como deputado estadual, chegando ao posto máximo da República.

    A obra reúne discursos e escritos de Getúlio Vargas, relativos aos diferentes períodos de suavida política. Ela inicia com a oração fúnebre em homenagem a Julio de Castilhos, quando Vargas,ainda, freqüentava a Faculdade de Direito de Porto Alegre. Seguem os pronunciamentos lidos durante asua passagem pelo Governo do Estado (1928-1929), os proferidos por ocasião da Plataforma daAliança Liberal, quando concorreu à Presidência da República (1930), e os manifestos em defesa domovimento revolucionário de 1930.

    Do período do Governo Provisório, selecionou-se textos que relatam a nova organizaçãoadministrativa do País, a convocação da Constituinte e a revolução de 1932. O período ditatorial foicontemplado pelos primeiros discursos, de 1936, contra o comunismo e justificando a implantação doEstado Novo. Os demais, do período 1938-1945, colocam o posicionamento de Vargas frente aquestões vitais para a modernização do País: trabalho, nacionalidade, infra-estrutura, funcionalismopúblico, a entrada do Brasil na 2a Guerra, até o seu manifesto à Nação, renunciando à Presidência,pressionado pelos militares.

    Do período constitucional (1950-1954) foram escolhidos discursos da Campanha Presidencial,suas mensagens ao Congresso e discursos propondo a criação da Petrobrás, da Eletrobrás e de outrasobras de infra-estrutura, além de textos, de profundo caráter emocional, em que, no final do mandato,denuncia a crise que se avizinha, terminando com a carta testamento.

    As fontes utilizadas para essa seleção foram o jornal A Federação e as coletâneas de discursos

    de Vargas, publicadas pela Editora José Olympio, entre 1938 e 1969, com os títulos A Nova Política do Brasil (vol. I a XII) e  A Política Trabalhista do Brasil  (vol. I a IV). Foi realizada a atualizaçãoortográfica, segundo os padrões atuais da língua portuguesa.

    As coleções de jornais foram consultadas no Museu de Comunicação Social Hipólito José daCosta. O acervo bibliográfico pertence ao Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, àBiblioteca da ULBRA, à Biblioteca Pública do Pastado, à Biblioteca do Museu Julio de Castilhos e aoacervo particular do Prof. Dr. Pedro Cezar Dutra Fonseca, ao qual agrademos a cooperação

    Liana Bach MartinsVice-Diretora do Museu Julio de Castilhos

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    SumárioSumárioSumárioSumário

    1. Discurso pronunciado na Sessão Fúnebre realizada na noite de 31 de Outubro de 1903 .................. 172. O discurso do Dr. Getúlio Vargas (A Federação, 10 e 12 de dezembro de 1927) ............................. 203. Discurso preferido no banquete oferecido aos jornalistas, congressistas e políticos que vieram

    prestigiar a posse do governador do Estado (A Federação, 27/01/1928) .......................................... 284. Discurso proferido no 2o Congresso de Criadores (A Federação, 26 de Abril de 1928) .................. 305. Plataforma da Aliança Liberal, Explanada do Castelo, 02 de Janeiro de 1930 ................................. 376. Rio Grande de pé pelo Brasil, discurso pronunciado em Porto Alegre, 04 de Outubro de 1930 ...... 597. A Nova Organização Administrativa do País, discurso de posse na Chefia do Governo Provisório,

    em 03 de novembro de 1930 ............................................................................................................. 628. A Imprensa e a Convocação da Constituinte, discurso pronunciado na Associação Brasileira de

    Imprensa, 20 de setembro de 1931 .................................................................................................... 669. A Volta do País ao regime constitucional, discurso aos representantes do Club 3 de Outubro, no dia 4

    de março de 1932, em Petrópolis ...................................................................................................... 7010. Manifesto ao Povo de São Paulo, 20 de Setembro de 1932 ............................................................. 7211. As Classes Trabalhadoras e o Governo da Revolução, discurso pronunciado em 29 de outubro de

    1932 ................................................................................................................................................... 7912. A Instrução Profissional e a Educação Moral, Cívica e Agrícola, discurso pronunciado na Bahia,em 18 de Agosto de 1933 .................................................................................................................. 80

    13. O Levante Comunista de 27 de novembro de 1935, saudação ao povo em 01 de Janeiro de 1936 . 8714. Necessidade e Dever de Repressão ao Comunismo, resposta à manifestação popular recebida no

    Rio de Janeiro, a 10 de maio de 1936 ................................................................................................ 9215. Proclamação ao Povo Brasileiro, lida no Palácio da Guanabara e irradiada para todo o País, na noite

    de 10 de novembro de 1937 .............................................................................................................. 9616. Orientação Nacional do Ensino, discurso pronunciado na ocasião do Centenário da Fundação do

    Colégio Pedro II, 02 de dezembro de 1937 ..................................................................................... 10417. No Limiar do ano de 1938, saudação aos brasileiros, pronunciado no Palácio Guanabara e irradiada

    para todo o País, à meia-noite de 31 de dezembro de 1937 ............................................................ 10718. A Solidariedade dos Rio-grandenses e a Libertação do Rio Grande, discurso pronunciado noPalácio do Governo do Rio Cirande do Sul, em Porto Alegre, 07 de Janeiro de 1938 ................... 112

    19. O Funcionário Público e o Serviço da Nação, discurso pronunciado no Palácio Tiradentes, aocomemorar-se o "Dia do Funcionário Público", a 08 de dezembro de 1938 .................................. 114

    20. O Plano Rodoviário do Governo, discurso pronunciado em Areias, ao ser entregue ao tráfego aestrada de rodagem Rio-Bahia, a 11 de abril de 1939 ..................................................................... 116

    21. O Dia do Trabalho, discurso, em resposta a saudação do Ministro do Trabalho, intérprete dasclasses trabalhadoras, no dia 01 de maio de 1939 ........................................................................... 119

    22. O Sentimento de Nacionalidade em Blumenau, discurso pronunciado nessa cidade em 10 de marçode 1940 ............................................................................................................................................ 121

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    23. A Posição do Brasil na América, discurso pronunciado na Ilha do Viana, ao realizar-se homenagemda Federação dos Marítimos, em 29 de junho de 1940 ................................................................... 124

    24. A Eficiência do Funcionário e o Aperfeiçoamento do Serviço Público, discurso no AutomóvelClube do Rio de Janeiro a 28 de outubro de 1941 ........................................................................... 127

    25. O Brasil agredido reage dignamente, discurso pronunciado no Estádio do Vasco da Gama, em 07 desetembro de 1942 ............................................................................................................................. 13026. O Primeiro Lustro do Estado Nacional, discurso pronunciado no Teatro Municipal, a 10 de

    novembro de 1942 ........................................................................................................................... 13427. As Forças Armadas em torno do Chefe do Governo e a preparação militar do País, discurso

    pronunciado no Aeroporto Santos Dumont, a 31 de dezembro de 1942 ......................................... 13828. Volta Redonda e a Capacidade Construtiva dos Brasileiros, discurso pronunciado em Volta

    Redonda, 7 de março de 1943 ......................................................................................................... 14129. O Patriotismo do Trabalhador Brasileiro e a Política Trabalhista do Governo, discurso pronunciado

    no Estádio Vasco da Gama, em 01 de maio de 1943 ...................................................................... 14730. O Brasil e as suas Forças Armadas nas Tarefas Árduas da Guerra, discurso pronunciado em 31 de

    dezembro de 1943 ........................................................................................................................... 15131. A Preparação c o Patriotismo do Corpo Expedicionário, improviso agradecendo a saudação doGeneral Mascarenhas de Morais, 20 de maio de 1944 .................................................................... 153

    32. Planejamento Econômico, discurso pronunciado no Catete, em 03 de outubro de 1944 15533. A jornada da recomposição democrática, discurso pronunciado no Palácio Guanabara em 3 de

    outubro de 1945 ............................................................................................................................... 15834. Manifesto ao renunciar ao governo, 30 de outubro de 1945 .......................................................... 16035. Carta-manifesto ao Senador Salgado Filho, em São Borja, 07 de junho de 1950 ......................... 16136. Mensagem dirigida ao povo brasileiro no encerramento da Campanha Presidencial, São Borja, 30

    de setembro de 1950 ........................................................................................................................ 16337. Mensagem ao Congresso Nacional por ocasião da abertura da Sessão Legislativa de 1951 ......... 166

    38. Mensagem ao Congresso Nacional propondo o Programa do Petróleo Nacional e a Criação daPetrobrás, em 8 de dezembro de 1951 ............................................................................................. 173

    39. Discurso pronunciado na solenidade da assinatura do Decreto sobre Reaparelhamento e Ampliaçãodos Portos Nacionais e da Navegação em 21 de dezembro de 1951 ............................................... 187

    40. Discurso pronunciado em almoço com as Forças Armadas, cm 05 de janeiro de 1952 ................ 19041. Mensagem aos Convencionais do Partido Trabalhista Brasileiro cm 21 de maio de 1952 ........... 19542. Discurso pronunciado em Belo Horizonte, em 31 de maio de 1952 .............................................. 19743. Discurso pronunciado em Candeias, Bahia, a 23 de junho de 1952 .............................................. 20244. Discurso na solenidade da "Hora da Independência", em 7 de setembro de 1953 ........................ 20945. Mensagem ao Congresso Nacional, enviando Projeto sobre a Lei de Lucros Extraordinários, em 20

    de novembro de 1953 ...................................................................................................................... 21246. Discurso de Ano Novo Transmitido Pela "Voz do Brasil." na noite de 31 de dezembro de 1953 .21547. Discurso cm Caxias, na inauguração do Monumento ao Imigrante, em 28 de fevereiro de 1954 . 22048. Mensagem ao Congresso Nacional, propondo a criação da Eletrobrás, em 10 de abril de 1954 .. 22449. Discurso ao Exército Nacional, quando foi por este homenageado, no Rio de Janeiro, em 19 de

     junho de 1954 .................................................................................................................................. 22850. Discurso em Belo Horizonte, na inauguração das Usinas Siderúrgicas Mannesmann, em 11 de

    agosto de 1954 ................................................................................................................................. 23151. Carta-Testamento, deixada no dia de sua morte, em 24 de agosto de 1954 .................................. 236Fontes de Referência c Documentação ................................................................................................ 238

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    Discurso Pronunciado na Sessão FúnebreDiscurso Pronunciado na Sessão FúnebreDiscurso Pronunciado na Sessão FúnebreDiscurso Pronunciado na Sessão FúnebreRealizada na Noite de 31 de Outubro de 1903Realizada na Noite de 31 de Outubro de 1903Realizada na Noite de 31 de Outubro de 1903Realizada na Noite de 31 de Outubro de 1903

    Senhores:Eu não venho salientar os feitos deste grande homem nem os seus dotes morais porque eles são

    bem conhecidos de todos; eu venho somente lamentar convosco a queda do roble gigantesco que tinhaas raízes no coração da República.

    Faz, hoje, oito dias que a morte insaciável e voraz arrebatou com a garra adunca das antigasFúrias o espírito genial, o espírito translúcido, através do qual avistava-se a verdade e a ciência, aintrepidez e a calma, a pureza c o amor, concretizados no cérebro dum homem que era o farol de umpovo.

    Cada dia que passa, o punhal terrível da realidade vai cicatrizando esta ferida c, em lugar da dorpungente e intensa que nos deixou numa apatia desoladora e atroz, vai-se acentuando a saudade, nafrase de Garret: "o doce pungir de acerbo espinho".

    As lágrimas, partindo da vista que c o espelho da alma, partem da alma que mentalmenteatravessa o espaço e vai ajoelhar-se junto à lousa marmórea que encerra os despojos sagrados daqueleque em vida chamou-se Júlio de Castilhos e que depois de morto será orgulho de uma Pátria, o símbolode um povo - auréola que circunda a fronte do Rio Grande.

    Quando o terror invade um povo, transforma muitas vezes um fraco num forte, um pusilânimenum herói e os espíritos que são fortes por natureza transformam-se em rochedos vivos escudos de umanacionalidade.

    O perigo que ameaçava a Pátria, na Grécia, formou um Leônidas, em Roma, um MúcioScevola, na França, um Danton, no Brasil, um Floriano Peixoto e um Júlio de Castilhos.

    O gládio pontiagudo da dor que rasga os corações, transforma um cético num crente, umhomem num santo e a dor conturbando o espírito o esmaga num círculo de ferro, fazendo jorrar oeterno manancial das lágrimas, lágrimas puras, das quais deve-se ter orgulho porque são filhas dasinceridade, porque são derramadas por um pedaço da Pátria!

    Rio Grande querido, o cérebro deste teu filho era o cofre sagrado que continha todas as tuas

    virtudes, toda a fecundidade ubérrima de teu solo. Tinha a calma impávida do nauta que sorri diante daonda convulsa abrindo as faces para tragá-lo.Tinha a bravura indômita dos heróis de 35 que percorriam as campinas onduladas e verdejantes

    ao sopro rijo do pampeiro, montados no corcel fogoso c bravio que parecia adquirir a força dosvendavais, c nas pontas aguçadas das lanças levavam de vencida a opressão e a tirania.

    Espírito de águia, pulso de atleta, convicção de mártir.Sim, águia altiva, que desferindo o remigio soberbo, bracejou para a luz em busca da liberdade.

    Lutou, vencendo todos os obstáculos e qual novo Prometheu arrancou das regiões siderais o fogosagrado e, nos animando com essa luz, ensinou-nos a lutar por um ideal.

    Então, o Brasil o encarou deslumbrado e cheio de assombro! Ele foi chamado O homem puro daRepública, o evangelizador de um povo e o seu berço a Jerusalém dos eleitos!

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    A morte arrebatou-o de nosso seio, porém a sua memória pertence à posteridade; Julio deCastilhos só desapareceu objetivamente. Senhores, correi a vista pelo mundo e o vereis sob um prismabem diverso e honroso para nós.

    Enquanto essas nações que se dizem grandes e civilizadas, que possuem exércitos colossais e

    esquadras gigantescas, transformam o gládio da Justiça em espada de Dámocles pendente sobre acabeça dos fracos, o Brasil, colosso generoso, ajoelha soluçando junto à tumba do condor altaneiro, quepairava nos píncaros da glória.

    Júlio de Castilhos para o Rio Grande é um santo. E santo porque é puro, é puro porque é grande,é grande porque é sábio, é sábio porque, quando o Brasil inteiro debate-se na noite trevosa da dúvida eda incerteza, quando outros Estados cobertos de andrajos com as finanças desmanteladas, batem àsportas da bancarrota, o Rio Grande é o timoneiro da Pátria, é o santelmo brilhante, espargindo luz parao futuro.

    Tudo isso devemos ao cérebro genial desse homem.Os seus correligionários devem-lhe a orientação política; os seus coetâneoso exemplo de perseverança na luta por um ideal; a mocidade deve-lhe a instrução que está

    fruindo c a humanidade deve-lhe o exemplo de pureza e de honradez de caráter.Identificando-se com uma doutrina sã, soube melhor do que ninguém moldá-la aos costumes eàs necessidades de seu povo.

    Senhores. Resta-me uma satisfação: é que ele não semeou em terra safara, c os belosensinamentos que nos deixou serão continuados por aqueles que o seguiram e compreenderam.

    Teve a magnanimidade dum Graccho, teve coração generoso e bom dum Paulo de Tarso.Ser-lhe-á erguida uma estátua, porque, apesar de ter um pedestal em cada coração, é preciso que

    a posteridade saiba o quanto ele foi querido e respeitado por seus contemporâneos.18 -0 Pensamento Político de Getúlio VargasNós, que pranteamos a memória, sigamos o exemplo desse homem que, no passado, foi um

    lutador, no presente um organizador c, no futuro, será um símbolo de glória.

    Os raios ardentes do astro-rei crestarão as frondes verdejantes das árvores e a força impetuosados vendavais jogará as folhas secas no torvelhinho do nada; a mão inexorável do tempo cerceará osalicerces de monumentos gigantes, porém a memória de Júlio de Castilhos será eterna, porque eledeixou de ser um homem para tomar-se o ideal da República, ao redor do qual se agruparão os levitasdo futuro.

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    O Discurso do Dr. Getúlio VargasO Discurso do Dr. Getúlio VargasO Discurso do Dr. Getúlio VargasO Discurso do Dr. Getúlio Vargas(A Federação, 10 e 12 de Dezembro de 1927)(A Federação, 10 e 12 de Dezembro de 1927)(A Federação, 10 e 12 de Dezembro de 1927)(A Federação, 10 e 12 de Dezembro de 1927)

     Agradecendo o banquete que lhe será servido,o Dr. Getúlio Vargas pronunciará o seguinte discurso:

    "Meus Senhores, é com grande júbilo cívico e íntimo desvanecimento, que aqui vejo reunidasem torno do futuro Presidente do Rio Grande do Sul, a convite não só dos meus correligionários do

    Senado e da Câmara, como de membros proeminentes da colônia gaúcha desta capital, tantas e tãonotáveis personalidades representativas de nossa política, da alta administração nacional e das forçaseconômicas do País. Tenho compreensão nítida da significação dessa festa fraternal e ela constitui umahomenagem não a mim, mas ao meu Estado.

    Há precisamente um ano, a iniciativa de meus amigos solenizava com um banquete orepresentante do Rio Grande do Sul, a quem a confiança do Presidente da República distinguia para ocargo de Ministro da Fazenda. Hoje, despedem-se do ministro, comemorando sua elevação àPresidência do Rio Grande do Sul. Tanto para um, tanto para o outro posto, atuou um conjunto decircunstâncias inteiramente estranhas à vontade e ao conhecimento da pessoa a quem o destino veiobrindar com o desfecho das ocorrências. Se merecimento não explicava estas elevações, o esforço embem desempenhá-las em obediência aos compromissos inerentes às próprias forças que a determinarampoderá justificá-las.

    Vossos sentimentos de sadio patriotismo e benevolente expectativa não podiam encontrar maisbrilhante intérprete do que a palavra eloqüente e generosa de meu prezado amigo, o DeputadoLindolpho Collor, que é hoje uma das culminâncias do jornalismo político do Brasil.

    Permitam-me Senhores, que, como é de uso, eu aproveite esta oportunidade para expor em suaslinhas gerais meu plano de ação administrativa, meus projetos e aspirações.

    Um dos maiores males da administração pública - e que se verifica de preferência nos paísesonde não existe corretivo duma opinião pública orgânica e esclarecida - é a falta de continuidadepolítica e administrativa. O plano geral de um governo de grandes reformas em sua administração,quando realizadas, não podem produzir todos os frutos num curto limite duma investidura eleitoral. São

    necessários vários períodos, para que os novos serviços, pelo esforço repetido, pela experiência e pelacontínua adaptação possam alcançar os fins colimados. Se a pressa é inimiga da perfeição, osfreqüentes avanços e recuos das improvisações precipitadas e das iniciativas fecundas dum períodogovernamental, abandonadas noutro, geram balbúrdia, confusão e desânimo.

    Felizmente, no Rio Cirande do Sul, uma orientação segura, clara e definitiva, um conjunto denormas e praxes moralizadoras, mantidas com firmeza através de sucessivos mandatos presidenciaislibertaram-se desse mal. Um límpido programa de governo, uma política, enfim, baseada em rígidosprincípios, tem permitido essa salutar continuidade, sob cuja inovação sou chamado a governar. Essacontinuidade republicana se manteve por um conjunto de idéias sociais, de princípios políticos, denormas de condutas, de praxes administrativos, cimentadas numa tradição conservadora e dinâmica.

    Como representantes dessa tradição republicana, interpretes autorizados do pensamento

    partidário, aparecem duas figuras preponderantes, sobranceando todas as outras.

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    A primeira, foi a de Julio de Castilhos, a mais tenaz, lúcida e orientada energia demolidora damonarquia que se transmuda, subitamente, no novo regime, em gênio condutor, organizandorepublicanamente sua terra e fundindo esse formidável bloco partidário que tem resistido ao embate detodas as forças de destruição.

    A segunda, é a de Borges de Medeiros, continuador da obra do mestre, homem de preclarasvirtudes cívicas e privadas, chefe de um grande partido, aureolado por serviços inestimáveis à causapública, que deixa o poder cercado pela estima e consideração de seus concidadãos. Quem o substituirnão poderá pressentir dos seus ensinamentos e da sua experiência, nem deixar de se apoiar ao grandeprestígio moral do seu nome.

    Eleito Presidente do Rio Grande do Sul, como candidato de um partido político de tradicionaisresponsabilidades no regime, não poderia ter outra orientação que não fosse a da continuidade política eadministrativa, dentro das grandes linhas gerais de seu programa.

    O Brasil cristalizou em suas leis as mais amplas conquistas liberais que agitaram a almainquieta do século que passou.

    O Rio Grande do Sul, parte integrante da Federação, acompanhou a corrente, e excedendo-se

    mesmo, às vezes, na interpretação lógica dos textos constitucionais ao conceder certas franquias.O cumprimento sereno destas leis, o reconhecimento completo de todos os direitos, aobediência integral a todos os deveres, seriam bastante para satisfazer os espíritos mais exigentes. Nadahaveria, pois, a modificar.

    Mas, a amplitude dessas linhas gerais, num programa de partido, sempre permite a infiltraçãodo espírito renovador, inspirado no lema "conservar, melhorando". Nem poderia ter outro sentido.Imutabilidade é retrocesso.

    O governante não pode paralisar o surto de idéias, nem plasmar o mundo à sua semelhança. Aocontrário, ele reflete as necessidades do ambiente para se orientar e satisfazê-las no sentido do interessepúblico.

    As exigências deste, apoiadas pela maioria da opinião, impõe ao governo o dever das reformas.

    Não deve faltar ao governante a necessária agilidade mental, uma contínua capacidade deadaptação às exigências incoercíveis do progresso. Somos simples refletores da evolução econômica,moral e política das sociedades. E, aos homens do governo, corre o dever de aproveitar os elementos aoseu alcance, no momento que passa, para realizar o que exige o interesse da comunidade.

    Sem intuitos de censura ou louvaminhas, mas como simples observadores dos evidentesfenômenos de desequilíbrio na organização social contemporânea, ninguém poderá negar queatravessamos, conforme denominação de um sociólogo, um período de crise de autoridade.

    As velhas fórmulas já não satisfazem e se vai operando a transformação inevitável. Ascomplexibilidades crescentes da vida social, entrelaçamento maior dos fenômenos e contínuarepercussão de uns sobre os outros, absorvem, cada vez mais, o surto do individualismo na tela dosinteresses coletivos.

    Como conseqüência dessa marcha alarga-se o poder de expansão do Estado,o poder da polícia, sua intervenção no domínio da liberdade industrial, para restringi-la no

    sentido da conservação social.O Estado não pode limitar-se ao conceito de Spencer de mantedor da ordem e distribuidor de

     justiça. E, todos lhe reconhecem o papel preponderante de interventor, protegendo a saúde daspopulações pelas medidas sanitárias, amparando as indústrias, fomentando as riquezas, estimulando acultura, regulando o trabalho, ordenando todas as energias na aspiração comum da grandeza da pátria.Ao revés da Declaração dos Direitos do Homem, com que a Revolução Francesa consagrou a vitória doindividualismo, terá de sobrevir, como já foi predito por pensadores ilustres a declaração dos direitosda sociedade. E , ou esta se organiza e se afirma como garantia da autoridade dentro da lei, ou na

    ordem material, correrá o risco de seguir os destinos vários, impostos pela força aleatória docaudilhismo civil ou militar.

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    O Rio Grande do Sul formou-se à sombra de acampamentos, disputando palmo a palmo seuterritório, sempre sofrendo o primeiro embate nas lutas desencadeadas pelas rivalidades históricas,herdadas das metrópoles de além mar e hoje, felizmente, desaparecidas pelo assentamento definitivodos limites da soberania.

    Mas, o Estado, que representa o extremo meridional de nossa pátria, exatamente pelaspeculiaridades de sua formação histórica, do seu meio físico, de sua produção e de sua riqueza, temcomo outras unidades a Federação entre si, característicos destinos, inconfundíveis.

    No regime da República, houve por bem garantir a indissolubilidade da pátria brasileira,instituindo a forma federativa, que mantém as antigas províncias unidas por um vínculo de amor c nãopor uma imposição de violência. Essa possibilidade da gestão dos próprios negócios, assegurada pelaCarta Magna é a melhor garantia da unidade nacional, contra a qual não há motivo de temor. Cumpra-se a Consumição, isto é, respeite-se a União c a autonomia dos Estados e desdobrem estes, nos limitesdessa autonomia, a capacidade administrativa dos negócios que lhe são privativos, e teremos bemcompreendido o sentido da Federação.

    Politicamente, deseja, ainda, o futuro Presidente do Rio Cirande do Sul, que seu Estado

    mantenha uma solidariedade e uma cooperação cada vez maiores e mais eficazes com o governofederal, reforçando sempre a grande autoridade moral que deve ter o Presidente da República, parafalar em nome de todos os brasileiros.

    Não disputei, nem mesmo pretendia, o cargo para o qual sou indicado. Tampouco, devo aescolha do meu nome a qualquer sugestão do governo federal.

    Só quem não conhece a elevada compreensão que, do regime federativo, tem o Presidente daRepública seu respeito pela autonomia dos Estados, poderia admitir que, sem receber qualquersolicitação, e não a houve, pretendesse ele intervir no direito que tem o Rio Grande do Sul de escolhero seu candidato.

    Quando S. Exa. teve conhecimento, conforme correspondência já publicada na convenção doPartido Republicano gaúcho, de que o meu nome seria indicado à Presidência do Rio Cirande do Sul, a

    sua atitude foi de quase constrangimento por ver afastar-se o seu devotado auxiliar.E eu, que certo da minha insignificância, sempre suspeitava que o esforço e a atividade

    desenvolvida na administração da fazenda não bastassem para corresponder às exigências do cargo quedesempenhava, tive, nessa atitude do chefe da nação, a mais cativante recompensa que poderia aspirar.Isso não ocorreria se ele fosse o paladino da minha candidatura à Presidência do Estado.

    Ademais, a candidatura, imposta pelo poder central, seria no Rio Cirande do Sul, umacandidatura perdida na consciência pública. Se a apresentação do meu nome é uma provação ou umadádiva, que a censura ou o merecimento recaiam sobre os seus responsáveis: a indicação expontânea doSr. Borges de Medeiros e a aceitação unânime do partido por ele chefiado.

    Só as pessoas estranhas ao meio gaúcho poderiam de boa fé acreditar nessas balelas, tecidaspelos habituais exploradores de intrigas ou vislumbradas pelos espíritos ladinos, que, blasonandorefletir a verdade, ou idéias e opiniões da sociedade em que vivem, projetam apenas na tela o azedumepróprio do temperamento sempre inclinado para o mal pensar e o mal julgar.

    A aceitação generalizada do meu nome pelo povo rio-grandense é para mim, antes, um motivode inquietação do que de alegria pelo receio de não corresponder à tão generosa expectativa. Se istoacontecer, resta-me a consolação de que nunca me julguei capaz para tão alta investidura. Não asolicitei, nem a desejei. Nem um movimento fiz como intuito de a alcançar.

    Será dessa generosa confiança num candidato que não merecia a honra desses sufrágios.Bem sei que as boas intenções não me servirão de excusa porque, quando se faz balanço de uma

    administração, não se indaga pensamento ou das intenções do homem de governo, mas do que eleproduziu, do que realizou na ordem prática dos fenômenos e do que ele, pela resistência, impediu que

    se fizesse, em prejuízo da coletividade. Uma vez que, não posso recusar a meu Estado, os serviços quede mim exige, dir-lhe-ei quais são os meus propósitos de governo na crença de que, se fizer boa

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    administração, terei feito uma boa política para amparar a produção, estimular a indústria, organizar otrabalho, desenvolver a circulação c a riqueza, disseminar a instrução, alargar o campo às culturas,cuidar do saneamento rural e urbano, prestigiar a lei, respeitar todos os direitos, ser exigente comigomesmo, no cumprimento dos deveres, fazer uma política de tolerância, de benignidade e de justiça -

    trabalhar - tais são os propósitos que me levam ao governo do Rio Grande do Sul.Tudo isso, está no programa do Partido Republicano, que apresenta a minha candidatura, e nosintuitos dos homens que têm governado o Estado. A benemérita administração do Rio Grande do Sulmuito tem feito pelo desenvolvimento cultural do Estado, pelo aumento da sua riqueza, pela propulsãode suas forças econômicas e pela facilidade da circulação de seus produtos.

    Continuando essa orientação e facultando-lhe o aparelhamento, os nossos esforços seacentuarão no sentido de facilitar a solução de alguns de seus problemas capitais.

    A questão primordial a defrontar e a resolver para o amparo das classes produtoras, que já têmsido o objeto das cogitações da administração rio-grandense, c que se impõe com a força de umimperativo categórico para o desenvolvimento da produção nacional, é o crédito rural.

    Grandes capitais, de que dispõem os fazendeiros e agricultores, precisam ser mobilizados,

    através de institutos de crédito e amparados contra as flutuações dos mercados consumidores, porémdevemos organizar no trabalho um fator indispensável da produção que c a riqueza, porque o dinheiro,sem trabalho, sem aparelhamento econômico, de nada vale.

    E um conceito vulgar que se impõe como um aforismo. Todo desenvolvimento econômico deveter por objetivo tornar a riqueza abundante pelo trabalho e ensinar o homem a usar dessa riqueza pelacultura. Mas, se o dinheiro metálico é a medida dos valores, ele, no conceito corrente dos economistas,pela escassez de seu volume e pelas dificuldades de sua condição física, não satisfaz à exigência doprogresso econômico.

    Como imposição da própria necessidade, surgiu um elemento imaterial destinado a atingir oslimites da flexibilidade, que é o crédito. Este se expressa por um estado de confiança e de segurançaeconômica.

    A relação mercantil, diz um financista moderno, criou a operação sem dinheiro pela simplespromessa do pagamento que, por sua vez, se converte em riqueza, estimulando o trabalho c setransmudando em novos valores. A estabilização realizada pelo governo atual constitui um importantefator para a criação deste instituto de crédito. Em se tratando de letras pagáveis, cm ouro, a oscilaçãocambial traria, no caso de alta, a desvalorização das propriedades hipotecadas e, no caso de baixa, adiminuição do ativo no banco pela elevação do preço do resgate.

    Para a fundação deste estabelecimento crédito, muito contarei com a valiosíssima cooperaçãodas poderosas e tradicionais instituições bancárias do Rio Grande do Sul, a que não faltará o apoio docapital estrangeiro e a garantia subsidiária do Estado. O plano de uma instituição nacional desse gêneronão me parece que tenha, no momento, as condições de viabilidade, em um vasto País como o nosso,de povoamento ganglionar, sem a necessária articulação, e com diferenças profundas, quanto ao valordo solo, natureza da produção e exigências do consumo.

    Será mais fácil, de um controle mais eficaz, a solução de um crédito rural, hipotecário e agrícolacomo problemas locais, que irão aos poucos, distendendo suas zonas de influência e articulando-se comas instituições congêneres, destinadas a construir associações bancárias de muita cooperação e grandesconcentrações capitais.

    O Rio Grande do Sul, pelo valor de suas terras, pelo volume de sua riqueza c pela solidez desuas instituições bancárias, tem as possibilidades necessárias para defrontar e resolver o problema docrédito rural dentro de suas fronteiras. E será esse um dos maiores serviços que se poderá prestar àsduas principais riquezas do Estado - pastoril e agrícola.

    Deve merecer especial atenção do futuro governo, o problema dos transportes que, no conceito

    do preclaro Presidente do Estado, em uma de suas mensagens, condena e expressa todos os outros. ORio Grande do Sul, pela amenidade de seu clima, pela fertilidade de seu solo, pela abundância de seu

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    sistema hidrográfico e pela variedade de sua produção é um manancial de riquezas. Torna-se necessáriorasgar novos caminhos, construir estradas, abrir canais, esforçar-se pela terminação dos trechosferroviários, que há vários anos tiveram sua construção suspensa pelo governo federal; que funcionecomo um sistema arterial, fazendo circular, através do corpo pletórico, toda a exuberante seiva de sua

    riqueza.Muito têm feito as anteriores administrações e muito há por fazer, e reconheço que não será umperíodo governamental suficiente para realizar este plano. Urge, porém, intensificar este trabalho,criando mesmo novos recursos e instituindo-se, talvez, um fundo especial, a ser aplicado unicamentenesse serviço.

    O desenvolvimento dos meios de transporte, intensificando a circulação das riquezas, trará paraessas, como para acionar a força mecânica das indústrias, maiores exigências de combustível. É precisoestimular a produção do carvão de nossas minas adquirindo aparelhos apropriados ao seuaproveitamento, nas condições que puder oferecer ao mercado ou exigindo uma maior purificação, masgarantido-lhe o consumo integral.

    Deve preocupar-nos um esforço para um completo entendimento com os poderes públicos

    federais, no sentido de um trabalho de mútua cooperação, para o desenvolvimento da cultura do trigoque, em épocas passadas já foi uma indústria florescente no Rio Grande do Sul. Intensificando a culturado trigo, e a produção do carvão rio-grandense, terão prestado grande serviço a todo o País.

    Ainda no ano passado, importamos 177.185.881.771.858 toneladas de carvão, 221.356.312quilos de farinha de trigo e 5.426.579.284.950 quilos de trigo em grão, que nos custaram a bela somade 518.610:148$000. Anualmente, a economia brasileira sofre uma formidável sangria de mais de meiomilhão de contos, a fim de adquirir para as nossas máquinas um combustível que possuí-mos emabundância em nosso solo e compramos alimentos que estamos em excelentes condições de produzir.

    É ouro que migra e vai fortalecer a economia de outros países, contribuindo para o desequilíbrioda balança comercial. Só um país que extravia do seu solo carvão para se locomover e pão para sealimentar poderá ser verdadeiramente independente.

    Embora as fronteiras do Rio Grande do Sul continuem abertas às correntes imigratórias que,espontaneamente, procuram as suas terras, não nos parece aconselhável subvencionar a colonizaçãoestrangeira. Há mais de um século que o Estado recebe imigrantes da Europa, localizando no centro enorte do seu território. Esse elemento tenaz e laborioso constitui um fator preponderante de nossoprogresso agrícola e industrial. Raças vigorosas proliferam, já integradas na nossa formação social,formando um poderoso núcleo de populações coloniais, calculada em 950.000.

    O Estado, possuindo poucas terras devolutas, precisa aproveitar os descendentes destes núcleosde colonizadores nacionalizados, novas colmeias humanas que se destacam continuamente e precisamser fixadas ao solo para que não emigrem em busca de outras terras além de nossas fronteiras.

    O aproveitamento do colono nacional nas restantes terras devolutas tem sido a acertadaorientação seguida pela administração rio-grandense e que precisa, apenas, ser intensificada. Para essefim, como para dar desenvolvimento à produção agrícola, será, talvez, necessário ampliar o serviço deterras e colonização da Secretaria de Obras Públicas, dando-lhe maior eficiência, ou mesmo criandouma nova secretaria.

    A instrução pública merecerá especial carinho da administração. Muito já se tem feito no RioGrande do Sul pela instrução da juventude, bastando assinalar que é um dos Estados onde há menorporcentagem em analfabetos. Precisamos arejar os métodos de instrução c aperfeiçoar os que jáexistem, introduzindo processos mais aconselháveis, pela experiência triunfante indispensável instruir eeducar, no sentido de uma orientação útil à vida social. Não modelar os espíritos jovens pelo estalãocomum de fórmulas rigidamente preestabelecidas, mas despertar-lhes a personalidade latente,norteando-lhes o sentimento e a inteligência para uma finalidade social útil.

    Num país novo, de grandes correntes imigratórias, verdadeiro cadinho onde se processa afermentação obscendita (sic) da alma da raça, a educação cívica tem uma elevada função

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    nacionalizadora, que ao Estado cumpre tornar coercitiva. Daí, a nobre missão do mestre escolar:acrisolar as virtudes elementares necessárias à formação do ser humano como elemento integrador dasociedade e vincar-lhe o espírito na compreensão e na prática dos deveres de cidadão brasileiro. E, paraque se coloquem os ministradores da instrução elementar ao nível de sua elevada função educadora,

    torna-se necessária a criação de novos núcleos para a formação de professores que serão os pioneirosdessa cruzada cm todos os recantos do Estado.Sou por ela. Embora nas idéias que enunciei, julguei-me integrado nesse programa, não vos

    posso garantir que realizarei tudo quanto disse, nem se iniciarei novas medidas que forem impostas eaqui não referidas. Apontei-vos, de passagem, propósitos de administração, problemas que exigemsolução e projetos com virtualidade para despertar a ação construtora do governo rio-grandense.

    Temperamento avesso aos exageros e propenso à serenidade, à firmeza e ao equilíbrio, a faltade sinceridade é uma das atitudes mais chocantes ao meu espírito. Devo, pois, confessar-vos que venhode dizer aqui um programa. Como candidato de um partido, repito, governarei com este, sem que oscompromissos partidários me façam, entretanto, esquecer a dignidade de Presidente do Rio Cirande doSul.

    Vão tomando conta dos postos de direção nos negócios públicos representantes de uma geraçãoque já foi educada no regime republicano. As gerações passadas, que prepararam a República, que ainstituíram e organizaram, deixaram-nos em legado uma grande obra e também a experiência de errosde demasias ou condescendências, acumuladas em períodos de adaptação a uma nova ordem de coisas.As ideologias que acendem a chama das grandes conquistas liberais, vencedoras, desempenharam o seupapel histórico. Estamos agora numa fase de grandes realizações, de progresso material, em que oBrasil transforma todas as suas possibilidades inorgânicas e tumultuarias no  fiat   maravilhoso, decoadjuvação, de cooperação e de riquezas, em soberba arrancada para um futuro de força organizada etriunfante.

    Meus Senhores! Se o obscuro orgulho destas homenagens não estiver no nível das esperançasnela deposta, que, ao menos o calor destas generosas simpatias lhe sirva de estímulo ante as

    dificuldades que se lhe deparem. Como meus melhores agradecimentos e unidos todos por umsentimento comum, eu vos convido a erguermos as nossas taças pela grandeza de nossa pátria, pela suaprosperidade e pela sua glória."

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    Discurso Proferido no Banquete Oferecido aos Jornalistas,Discurso Proferido no Banquete Oferecido aos Jornalistas,Discurso Proferido no Banquete Oferecido aos Jornalistas,Discurso Proferido no Banquete Oferecido aos Jornalistas,Congressistas e Políticos que Viram Prestigiar a Posse doCongressistas e Políticos que Viram Prestigiar a Posse doCongressistas e Políticos que Viram Prestigiar a Posse doCongressistas e Políticos que Viram Prestigiar a Posse doGovernador do Estado (A Federação, 27/01/1928)Governador do Estado (A Federação, 27/01/1928)Governador do Estado (A Federação, 27/01/1928)Governador do Estado (A Federação, 27/01/1928)

    "Meus Senhores: não podemos calar a nossa satisfação e desvanecimento pela presença ao atode transmissão do governo rio-grandense, de tão ilustres hóspedes, pelo brilhantismo e prestígio que lhe

    deram com o seu comparecimento.O Sr. Presidente do Uruguai deu-nos uma honrosa demonstração de alta cortesia, com abrilhante representação que nos enviou e que muito apreciamos. Depois, a presença dos patríciosnossos de outros Pastados, pela sua alta significação na vida nacional, constitui uma eloqüente prova decordialidade e de afetuosa simpatia.

    Vejo aqui, em nítido relevo, neste cenário gaúcho, o que de mais representativo existe napolítica, no comércio, na indústria, nas artes, na imprensa como expressão de força orgânica, deriqueza, de inteligência e de cultura.

    Um vasto País como o nosso, de população esparsa e ganglionar que se vai aos poucosarticulando, através de comunicações ainda deficientes, a presença dos representantes de quase todos osEstados da União no Extremo Sul do Brasil, constitui uma das mais eloqüentes demonstrações da

    coesão dos laços morais que nos unem pelo amor da pátria comum. Sinto-me feliz por ter sido o motivoocasional da vossa presença. Ocasional, digo eu, pois não alimento a vaidade de supor que a minhapessoa é o que vos trouxe aqui. Viestes trazidos pelo espírito de cordialidade, pelo prisma de irradiantesimpatia, de inteligente curiosidade, de fascinação que sobre vossos espíritos exercia o nome do RioGrande do Sul. Assim, melhor compreendo a vossa presença, maior é a minha satisfação e o meuorgulho pela honra de presidir a um tal Estado.

    Mas o Rio Grande do Sul que ides ver, e já o sabeis, não é o Rio Grande do Sul dos arremessose dos "entreveros", das lutas ásperas e das juntas cavalheirescas. A atividade dos guerrilheiros deantanho, embora alguns surtos esporádicos, derivou com a mesma energia de outros tempos, para aexploração pacífica das riquezas do solo, para o amanho da terra, para a criação das indústrias, para oestudo dos problemas que interessam à civilização.

    E a terra exuberante recompensou largamente o trabalho do homem: a indústria floresceu, ocomércio avolumou-se.

    O Rio Grande é, hoje, uma grande oficina de trabalho, um riquíssimo centro de produção. Coma carne, a banha, o vinho e os cereais, ele é o celeiro do País.

    Se fortes e perenes são os vínculos morais, políticos e jurídicos que nos prendem pelos laços daFederação à Pátria brasileira, não menos fortes e duradouros são os vínculos econômicos.

    Economicamente, o Brasil precisa do Rio Cirande, porque tem nele um dos maiores produtoresdos gêneros alimentícios de 1ª necessidade, mas o Rio Grande precisa do resto do Brasil, porqueencontra nele o seu melhor mercado de consumo.

    O Rio Grande não disputa supremacia, não se quer impor como padrão, nem blasonaisuperioridades chocantes â mentalidade dos nossos irmãos federados, cujos pensamentos, práticas eidéias são tão respeitáveis quanto os nossos.

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    Se em algumas coisas preponderamos, em muitas outras temos de lhes reconhecer asuperioridade e todos possuem valor, patriotismo, abnegação até o sacrifício e capacidade para otrabalho.

    Entre os Estados da Federação, as diferenças do meio físico e da composição étnica determinam

    a diversidade de aptidões e refletem-se nas desigualdades da vida. A curiosa avidez da inteligência, ocalor da irradiação simpática, o melhor conhecimento dessas desigualdades e das necessidades de cadaEstado, resultantes de tais visitas, acarretam uma maior aproximação de todos, suprindo-semutuamente, penetrando-se, completando-se para a integração da unidade nacional, que é o ideal dapátria comum.

    E para bem correspondermos à afetuosa significação desta visita precisamos ser moderados no julgamento das próprias qualidades, mas constantes, firmes e leais nas nossas atitudes, para inspirarmosa confiança e a tranqüilidade que nesta se baseia e mantermos o traço de harmonia e de amizade emque a mesma se deve traduzir.

    Agradecendo a cativante gentileza do vosso comparecimento ao Rio Grande do Sul, eu bebopela felicidade pessoal do Sr. Presidente da Nação Uruguaia, pela completa felicidade de cada um de

    vós e pela grandeza do Brasil."

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    Discurso Proferido no 2º Congresso de CriadoresDiscurso Proferido no 2º Congresso de CriadoresDiscurso Proferido no 2º Congresso de CriadoresDiscurso Proferido no 2º Congresso de Criadores( A Federação, 26 de abril de 1928)( A Federação, 26 de abril de 1928)( A Federação, 26 de abril de 1928)( A Federação, 26 de abril de 1928)

    Meus Senhores:O Congresso dos Criadores que ora se realiza, por iniciativa da Federação das Associações

    Rurais, não pode deixar de merecer o mais franco e decidido apoio do Governo do Fitado.São os representantes de uma classe cuja vida, no desdobramento de sua atuação moral e

    material, através dos tempos, constitui um dos fatores preponderantes da formação social do RioGrande do Sul e reflete os traços característicos do seu povo.

    Todas as formas da atividade febricitante da vida pastoril, estilizada nos rodeios, nos apartes,nas marcações, no reponte das tropas, mais adestravam os ágeis cavalheiros que passavam erepassavam no dorso das cochilhas as grandes cavalgadas de guerra, traçando a epopéia gauchesca deque está cheia a nossa história.

    Hoje tudo mudou. Os tempos são outros. A ação transformadora da civilização alterou oshábitos ancestrais.

    As estradas, a via férrea, os automóveis, a ação mecânica do aparelhamento da indústria, oconforto moderno modificaram os sistemas de trabalho e poliram a rudez dos antigos costumes.

    As novas exigências da civilização, a complexidade crescente da vida social, a sensibilidade dosfenômenos econômicos pela contínua repercussão de uns sobre os outros, a massa dos capitaisempregados, quase não permitem que os grandes empreendimentos sejam realizados só pelo esforçoindividual.

    Daí a necessidade da forma associativa que tomam essas empresas e da tendência generalizadapara o reagrupamento social de classes, conforme a profissão ou atividade econômica de cada uma paraque melhor se compreendam e orientem os fenômenos coletivos. O desenvolvimento do espíritoassociativo é uma das causas mais importantes do progresso econômico.

    Ao Estado, cabe estimular o surgimento dessa mentalidade associativa, exercendo um certo"controle" para evitar os excessos.

    A associação de classes, a cooperação de atividades convergentes para a defesa de interesses

    comuns têm uma vantagem: para os associados à União torna-os mais fortes e eficientes; para osgovernos o trato direto com os dirigentes da classe facilita, pelo entendimento com poucos, a satisfaçãodo interesse de muitos.

    Os agricultores, os criadores, os industriais, os comerciantes agrupados na conformidade deseus interesses coletivos, facilitam a atuação dos poderes públicos e devem ser por estes apoiados eestimulados em sua formação.

    Corre aos governos o dever elementar, como auxílio à cooperação das classes produtoras, delhes facilitar também os meios de transporte para ativar a circulação da riqueza móvel.

    Como remate lógico dessa eurritmia de movimentos, é preciso mobilizar a propriedade imóvelpela organização do crédito rural.

    Cooperação, circulação, mobilização - teremos aí as principais forças propulsoras do

    desenvolvimento econômico do Estado moderno.

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    Se acharem que isso é uma intuição clara do senso comum, tanto melhor para quem nãopretende a patente de invenção para qualquer originalidade.

    E quando uma associação de classe avulta como a Federação Rural, representando o capitalexpresso por um rebanho bovino superior a 10 milhões de cabeças, que se eleva a um total superior a 1

    milhão de contos e contribui com grande parte da arrecadação total do Estado, é, sem dúvida, um fatorimportante na balança dos nossos valores.E, ante estes, vem de longa data sendo reclamada pelas classes criadoras e ainda o ano passado

    foi objeto de acurado estudo por parte do Congresso daquela classe: a instituição de um banco decrédito rural, hipotecário e agrícola.

    E esta a pedra de toque para o desdobramento das energias produtoras, num país novo, semcapitais disponíveis, vivendo entre as aperturas do numerário escasso e fornecido a juros de onzenário.

    Impunha-se a criação do banco, como meio de, pela organização do crédito, permitir ofornecimento, aos proprietários rurais, de numerários a juros módicos e largos prazos.

    Não percamos a colheita do fruto que amadurece na árvore. As possibilidades econômicas doRio Grande constituem um lastro formidável para o alargamento do seu crédito.

    E preciso facilitar a exploração das terras, desenvolver a agricultura, melhorar a pecuária,auxiliar a defesa da produção, pela antecipação do numerário, criar indústrias, amparar as energiasprodutoras, desbravar o caminho para a marca do Rio Grande do Sul, no sentido da sua finalidadecivilizadora - a organização do trabalho e a formação da riqueza.

    Por maior que fosse o empenho e a atividade dos criadores, é pouco provável que a simplesiniciativa particular lhes permitisse a formação do capital necessário à criação de um banco destinado afornecer-lhes o numerário de que carecem para o desdobramento dos seus negócios.

    Não era de esperar que outras classes e instituições fossem desviar seus capitais de umaatividade altamente remuneradora, para criar um banco que, possivelmente, lhes diminuiria a margemdos lucros ate então recebidos.

    Só o poder público, com largas disponibilidades de crédito, poderia tomar aos ombros esta

    tarefa.Mas o poder público federal, de cuja iniciativa muitos esperavam, dificilmente se abalançaria a

    tal empreendimento que se apresentava demasiadamente complexo.O poder econômico e, conseqüentemente, o do crédito destinado a resolvê-lo, varia de Estado a

    Estado, conforme a riqueza do solo, a natureza da produção, o clima, o meio físico e até as aptidõesindividuais.

    Assim, compreendendo a solução do caso, lançamos a idéia de instituir o banco de crédito ruralcomo um problema local, que o Rio Grande do Sul deveria resolver, contando consigo mesmo, comofez São Paulo, servindo-se do crédito próprio, lançando mão de seus recursos financeiros, prevendo assuas possibilidades de expansão econômica.

    Eis a promessa que está próxima de se realizar. Outro dos grandes problemas que vivamentedevem interessar à Federação Rural é a velha e debatida questão de todos os tempos - o contrabando.

    Sempre que, entre as classes rurais, surge discussão sobre o contrabando de gado nas nossasfronteiras, os ânimos se exaltam, as paixões se exacerbam, novas medidas são propostas e o formidávelimpasse continua, porque nos contenta-mos com palavras, ficamos nos bons propósitos e não entramosno terreno dos fatos, adotando um critério prático para a solução do problema.

    Quando, no decorrer do ano passado, se reuniu o Congresso dos Criadores, cujos trabalhosacompanhei com interesse, ainda no exercício do cargo de Ministro da Fazenda, providenciando, comome cumpria, para a eficiência de um serviço federal, pendente de minha administração, destaquei doisfuncionários idôneos, para que estudassem "in loco" o problema de contrabando nos Estados de MatoGrosso e Rio Grande do Sul.

    São estes os dois únicos Estados em que os produtos da indústria pastoril transitam por territórioestrangeiro antes de chegarem ao Brasil.

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    Daí o motivo da preferência.O funcionário destacado para Mato Grosso fez obra escrupulosa de metódica investigação,

    chegando a resultados imprevistos. Levantou um documentado trabalho de estatística referente àprodução, transporte e exportação fluvial e terrestre dos produtos da indústria pastoril.

    Desse trabalho derivaram duas importantes conclusões:1. que o charque produzido no Estado de Mato Grosso é realmente destinado à praça do Rio deJaneiro, mesmo quando faturado em charqueadas distante da via férrea e próximo da via fluvial, ésempre despachado pela estrada de ferro Noroeste;

    2. que o charque exportado por via fluvial é contrabandeado na praça de Montevidéu, medianteo tráfego de guias: ou seguem do Brasil simplesmente guias desacompanhadas do charque, para serempreenchidas com a mercadoria platina, ou vai com elas o charque de refugo mato-grossense,vulgarmente denominado "patos", e em Montevidéu se realiza a troca - pois dali é o charque gordoplatino remetido para a praça do Rio de Janeiro, acompanhando a guia de procedência brasileira, e ocharque magro do Brasil é expedido para Cuba, como de procedência Uruguaia.

    E isto que ocorre em Mato Grosso, verifica-se igualmente quanto ao Rio Grande do Sul.

    A vantagem de possuirmos um mercado próprio de consumo para o nosso principal produto deexportação é destruída pela concorrência fraudulenta da mercadoria estranha.Para a prática desta fraude, lesando o fisco e prejudicando a produção nacional, conluiam-se

    elementos localizados no Brasil com outros fixados nos países platinos, ligados pelo interesse donegócio, pouco importando a nacionalidade.

    O funcionário destacado para inspecionar o Rio Grande do Sul foi Dr. Rezende Silva,conferente da alfândega do Rio de janeiro, competente e íntegro, hábil rastreador das fraudes fiscais econhecido de quase todos vós. Ele percorreu toda região fronteiriça do Rio Grande do Sul - examinou,investigou, ouviu os criadores, fez conferências c apresentou seu relatório, bem como um projeto dereforma do serviço de repressão do contrabando. Esse relatório, porém, só me foi entregue poucos diasantes de deixar o ministério. Nada mais pude fazer.

    Devo, porém, declarar-vos que acho pouca probabilidade na adoção imediata duma reforma doserviço de regressão do contrabando, que cria cargos novos e traz aumento de gastos, contrário aoregime de compressão de despesas, criteriosamente adotado pelo Governo Federal. As leis fiscaisexistentes serão bastantes, desde que bem aplicadas, isto é, com lisura e honestidade.

    A questão não é, propriamente, da quantidade de funcionários, mas da qualidade destes. Háduas espécies de contrabando: a do produto manufaturado e a do gado em pé.

    Diante destes informes que vos transmito, penso que o único meio viável, eficaz e definitivopara extinguir o contrabando de charque será o que vulgarmente chamamos a desnacionalização doproduto, isto é, a promulgação duma lei considerando como de procedência estrangeira todo o charqueque não transitar somente pelo território nacional.

    Quanto ao Estado do Mato Grosso, já vistes que essa lei nenhum prejuízo lhe causaria.Sobre o Rio Grande do Sul, o anterior Congresso dos Criadores opinou que se deve aguardar a

    terminação dos ramais férreos.A construção dos ramais férreos foi suspensa em 1916, conseguintemente, há cerca de 12 anos.

    Já decorreram sobre este trato de tempo 3 períodos governamentais. Não sabemos quando o atualgoverno da República retomará esses serviços, dada a sua política de redução das despesas, para obter oequilíbrio orçamentário.

    O Governo do Estado empenha-se pela solução do problema. Mas, que poderá ele garantirquando a solução não depende apenas de sua boa vontade?

    Sobre a repressão do contrabando do charque era o que tinha a dizer. Esboço a questão eapresento-vos as soluções que me parecem práticas, entre as várias faces discutíveis e entregues ao

    vosso critério e experiência.Tratemos do contrabando do gado em pé, que tão justamente alarma os nossos criadores.

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    E fácil a espíritos sôfregos e que encaram superficialmente o assunto censurar o Governo doEstado, porque existe contrabando. Pondo de parte outros aspectos do complicado problema, basta estaconsideração preliminar de que não se pode culpar aquele pela ineficácia dum serviço que não está aseu cargo. Trata-se de um serviço federal, entregue a autoridades federais e a quem o Governo do

    Estado poderá apenas prestar auxílio quando este for aceito ou solicitado, pelas autoridadescompetentes.Por que existe o contrabando de carro? Porque os lucros do negócio permitem aos

    contrabandistas reparti-los, para corromper os agentes fiscais da repressão e porque há funcionários dofisco que se deixam corromper.

    Coibir o contrabando, não depende das leis; depende de funcionários que fraudam a lei e ficamimpunes. Não há impossibilidade nessa repressão. O gado de contrabando ou atravessa a fronteiraaparentemente legalizado por guias fornecidas pelas autoridades fiscais incumbidas da arrecadação dosimpostos ou vem desacompanhado dessas guias e, em tal caso, deverá ser apreendido nas charqueadas,as quais se destina, pelos funcionários ali insumidos de fazer a conferência das guias.

    Que poderia fazer o Governo do Estado? Atuar junto aos interessados pela repressão do

    contrabando. Foi o que fiz. Procurei entender-me primeiramente com o delegado fiscal, funcionário quesempre encontrei disposto ao cumprimento dos deveres do seu cargo. Fiz-lhe sentir que o Governo doEstado interessava-se vivamente pela repressão do contrabando, que tanto prejudica aos criadores doEstado; dar-lhe-ia nesse sentido todo o apoio moral e material que fosse possível.

    Pondo em execução as promessas feitas espontaneamente, coloquei à sua disposição oscontingentes da força pública estadual, por ele solicitados. Em seguida, pedi o comparecimento emPalácio do Dr. Ricardo Machado, ilustre Presidente da Federação Rural, comuniquei-lhe que o governoestava empenhado em auxiliar os esforços da Federação nesse sentido. Pedi-lhe mais que se entendessecom todas as associações rurais do Estado, principalmente as localizadas nos municípios da fronteira,para que estas exercessem severa vigilância, denunciando qualquer contrabando de que tivessemconhecimento, a fim de que o governo pudesse agir.

    Sei que o S. Exa. tomou essas providências. O governo, porém, não recebeu informe algumpositivo que permitisse tomar uma providência direta.

    Os criadores residem nas localidades, conhecem as pessoas avezadas na prática do contrabando,sabem quais funcionários que fornecem guias fraudulentas, quais os estabelecimentos saladeris querecebem tropas contrabandeadas. Não basta dizer que estão passando contrabando: é preciso indicar osnomes, os fatos, para que o Governo do Pastado possa intervir amistosamente junto ao GovernoFederal, solicitando o afastamento dos funcionários coniventes na fraude.

    Torna-se necessário que os criadores saibam também defender os próprios interesses, exercendouma vigilância contínua, solidarizando-se com o Governo do Estado na obra de saneamento,denunciando os conspurcadores da lei.

    Em se tratando de um serviço que não está a cargo do Governo do Estado, este não poderáfiscalizá-lo, senão indiretamente, isto é, através dos próprios prejudicados com a fraude.

    A instituição do registro de marcas, evitando as duplicatas, seria outro serviço de monta,prestado no sentido da repressão do contrabando de gado. Cabe à Federação Rural tomar qualqueriniciativa neste sentido.

    Vários outros assuntos de grande interesse do rio-grandense constam no programa desteCongresso. Por certo seus consórcios elucidarão essas teses, com as luzes da sua inteligência e aobservação dos fatos. Entre esses, destacarei a polícia sanitária local, o abastecimento de água, aregulamentação e uso das mesmas pastagens artificiais, constituição de sindicatos para a defesa daprodução, adubos, silos, ensino técnico, etc... a respeito dos quais o governo, na medida de suaspossibilidades, estará pronto a prestar todo concurso, como também não negará às iniciativas tendentes

    à multiplicar as exposições-feiras estaduais.

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    De várias formas poderá manifestar-se o concurso do Estado, que não se concretiza somente noauxílio material, mas no amparo legal, na conjugação de esforços, no exemplo e no estímulo. E essavossa proverbial tenacidade, agindo até há pouco de uma forma esparsa, apenas na esfera de cadaatividade individual, procura agora condensar-se numa vontade coletiva orgânica.

    Srs. Congressistas! Se insistirdes na tentativa, repetindo-a cada vez com maior êxito,terminareis triunfando. O nosso Estado, colhendo as velas do seu romantismo político, bemcompreenderá a necessidade de não consumir-se no ardor das paixões partidárias.

    E tempo de moderá-las, para absorver mais o espírito coletivo, na solução dos problemaspráticos do seu progresso material e na expansão da sua cultura.

    As ideologias políticas que não tiveram por base de sua organização a solução de problemaseconômicos, dificilmente poderão subsistir.

    Dessangrado por 4 revoltas no período de 4 anos, abrasado pelo fogo das paixões partidárias, oRio Grande do Sul estaca nas encruzilhadas, sacode a poeira das lutas e procura orientar-se no rumodefinitivo dos seus destinos.

    É preciso que ele cada vez mais se consagre ao trabalho, às atividades práticas e produtivas,

    (ilegível) a abundância, o conforto, a riqueza e a cultura.

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    Plataforma da Aliança LiberalPlataforma da Aliança LiberalPlataforma da Aliança LiberalPlataforma da Aliança LiberalExplanada do Castelo, 02 de Janeiro de 1930Explanada do Castelo, 02 de Janeiro de 1930Explanada do Castelo, 02 de Janeiro de 1930Explanada do Castelo, 02 de Janeiro de 1930

    O Manifesto lido na memorável Convenção de 20 de setembro último, não só condensou esistematizou as idéias e tendências da corrente liberal, externadas na Imprensa, na tribuna parlamentar enos comícios populares, como examinou, superiormente, os principais e mais urgentes problemasbrasileiros, com visão ampla dos fenômenos sociais, políticos e econômicos.

    A esse notável documento não pode deixar de se submeter, por isso mesmo, em suas linhasfundamentais, a plataforma do candidato da Aliança Liberal à Presidência da República.

    Subordina-se, assim, igualmente, aos anelos e exigências da coletividade, que anseia por umarenovação, como nós a preconizamos, capaz de colocar as leis e os métodos de Governo ao nível dacultura e das aspirações nacionais.

    O programa é, portanto, mais do povo que do candidato.Apesar de nem sempre terem dos fatos uma visão de conjunto, são, realmente, as classes

    populares, sem ligações oficiais, as que sentem com mais nitidez, em toda a extensão, por instinto epelo reflexo da situação geral do País sobre as suas condições de vida, a necessidade de modificaçãodos processos políticos e administrativos.

    Vivemos num regime de insinceridade; o que se diz c apregoa não é o que se pensa e pratica.A "realidade brasileira", tão exaltada pelos louvaminheiros do atual estado de coisas, reduz-se

    aos fenômenos materiais da produção da riqueza, adstritos, as mais das vezes, a censuráveis privilégiose monopólios.

    Embevecidos nessas miragens materialistas, esquecem-se dos grandes problemas cívicos emorais. Nada ou quase nada se faz no sentido de valorização do homem pela educação e pela higiene.Burlam-se, pela falta de garantia, os mais comezinhos direitos assegurados na Constituição.

    A campanha de reação liberal - não é de mais insistir - exprime uma generalizada e vigorosatentativa de renovação dos costumes políticos e de restauração das práticas da democracia, dentro daordem e do regime.

    Seu êxito dependerá do voto popular e, também, em parte, da cultura cívica e do patriotismo dos

    governantes, isto é, da compreensão que tenham dos seus altos deveres constitucionais.Não visamos pessoas. Estas recomendar-se-ão pela conduta que observarem e fizerem observarno pleito.

    Se as urnas forem conspurcadas pela lama da fraude, acabará de esfrangalhar-se a lei eleitoralvigente, que não poderá prevalecer sem aniquilar o próprio regi-me republicano.

     Anistia

    "A convicção da imperiosa necessidade da decretação da anistia está, hoje, mais do que nunca,arraigada na consciência nacional. Não é, apenas, esta ou aquela parcialidade partidária que a solicita.E o País que a reclama. Trata-se, com efeito, de uma aspiração que saturou todo o ambiente.

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    A Aliança Liberal, pelos seus leaders, pelos seus candidatos, pelos seus órgãos no Congresso ena Imprensa, já se pronunciou, reiterada e solenemente, sobre esse relevante e inadiável problema,concretizando o seu pensamento em projeto que foi submetido à consideração do Senado.

    A anistia constitui uma das suas mais veementes razões de ser. Queremo-la, por isso mesmo,

    plena, geral e absoluta, ressalvados, tão somente, os direitos adquiridos dos militares do quadro". As leis congressoras

    Pode-se asseverar, sem temor de contradita, que a anistia será de providencia incompleta, sem arevogação das leis compressoras da liberdade do pensamento.

    É que estas, tanto quanto a ausência daquela, concorrem também para manter nos espíritos aintranqüilidade e o fermento revolucionário. Conjugam-se, assim, nos seus efeitos deploráveis.

    Não contesto, é lógico, a conveniência e oportunidade das leis de defesa social. As quepossuímos, entretanto, sob esse rótulo não se recomendam, nem pelo espírito nem pela letra.

    Somos, pois, pela sua substituição por outras, que se inspirem nas necessidades reais do País e

    não se afastem dos princípios sadios de liberalismo e justiça.Se doutro modo procedêssemos, teria falhado ao seu destino, traído os seus compromissos, oformidável movimento de opinião que suscitou e ampara as candidaturas liberais.

    Não são, aliás, as garantias individuais as únicas necessitadas de ampliação e fortalecimento.Cumpre tornar também mais eficientes as que asseguram a autonomia dos Estados, sobretudo emmatéria administrativa.

     Legislação eleitoral

    É uma dolorosa verdade, sabida de todos, que o voto e, portanto, a representação política,condições elementares da existência constitucional dos povos civilizados, não passam de burla,

    geralmente, entre nós.Em grande parte do Brasil, as minorias políticas, por mais vigorosas que sejam, não conseguem

    eleger seus representantes nos conselhos municipais, nas câmaras legislativas estaduais nem noCongresso Federal.

    Quando se trata deste último, para aparentar cumprimento do princípio da lista incompleta da leieleitoral, algumas das situações dominantes nos Estados destacam um ou mais nomes que fazem deoposição, mas, em realidade, tendo a mesma origem, são tão governistas como os demais.

    Noutros Estados, a representação das minorias, em vez da conquista de um direito, é um ato damunificência dos governos, uma outorga, um favor humilhante.

    Alega-se que as minorias políticas só não se fazem representar nas assembléias legislativasquando não constituem forças ponderáveis de opinião. Raramente é isso exato. Muito mais freqüente éo caso de núcleos fortes de oposição, com inegável capacidade de irradiação e proselitismo, nãoconseguirem, sequer, pleitear seus direitos nas urnas, porque são triturados pela máquina oficial, pelaviolência, pela compressão, pela ameaça, obrigados à submissão ou à fuga, quando impermeáveis àsedução ou ao suborno.

    Se, por milagre, chegam, às vezes, a escapar a todos esses fatores conjugados, acabam vencidos,afinal, pela fraude.

    Não exagero nas tintas da paisagem política do País.Em muitos Estados, excetuadas as capitais e algumas cidades mais importantes, não se fazem

    eleições.Dias antes dos pleitos, os livros eleitorais percorrem a circunscrição, recebendo as assinaturas

    dos eleitores "amigos". De acordo com essa coleta, lavram-se as correspondentes atas, que sãoencaminhadas, após, com todas as exteriores formalidades oficiais. No dia do pleito, ao se

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    apresentarem, os eleitores oposicionistas e os fiscais dos respectivos candidatos não encontram nem osmesários nem um oficial público, ao menos, para o efeito dos votos em cartório ou lavratura deprotestos.

    Quarenta anos de regime republicano radicaram, com efeito, em muitas localidades e não

    apenas nos sertões, a fraude sistematizada, em nome da qual falam os representantes da Nação, querecebem do Centro a força e o apoio indispensáveis à sua permanência nas posições, do mesmo passoque, por sua vez, emprestam ao Centro a solidariedade absoluta de que o mesmo não pode prescindir.

    A troca recíproca de favores, que constitui o caciquismo, o monopólio das posições políticas; apermuta de ardilosos auxílios, que calafetam todas as frestas por onde pode passar um sopro salutar derenovação - eis o regime vigorante, frondosamente, no Brasil.

    Existem, é certo, auspiciosas exceções, cuja enumeração se torna desnecessária, tão evidentessão elas. O voto secreto, medida salutar, aconselhável para assegurar a independência do eleitor, não ébastante para evitar a prática das tranquibérnias políticas.

    É preciso que a presidência das mesas eleitorais seja entregue a magistrados, cujas funções seexerçam cercadas de completas garantias, de ordem moral e material, inacessíveis, assim, ao arbítrio

    dos mandões do momento.Com o voto secreto, institua-se, pois, o alistamento compulsório de todo cidadão brasileiroalfabetizado e entregue-se a direção das mesas eleitorais à Magistratura federal togada. É este oconjunto de providências que julgo indispensáveis à genuína representação popular. Impedir-se-á, pormeio delas, a fraude no alistamento, na votação e no reconhecimento.

    Só assim a opinião pública ficará tranqüilizada quanto ao livre exercício do direito de voto. Sóassim alcançaremos o saneamento das nossas praxes políticas e a restauração das normas dademocracia.

     Justiça Federal

    A ninguém escapa, hoje, a compreensão da necessidade de se reorganizar a Justiça Federal, cujalentidão é conseqüência, geralmente, de dispositivos arcaicos, incompatíveis com a nossa extensãoterritorial e a nossa densidade demográfica.

    Uma providência sobre cuja oportunidade, há muito, todos estão de acordo é a criação dostribunais regionais.

    Não obstante, até agora nada se fez nesse sentido. Convém abreviar a decretação, não só dessamedida, como de outras, já apontadas por autoridades na matéria, tendentes a aperfeiçoar o mecanismointerno da Justiça da União.

    Além disso, a reforma deve ter, igualmente, em vista os requisitos e condições que foremdeterminados pela alteração, nos termos que propus, da lei eleitoral, cuja aplicação ficará compreendidana órbita das atribuições dos juizes federais e seus suplentes, todos togados e de nomeação sujeita aexigências e garantias acauteladoras.

    Ensino secundário e superior - liberdade didática e administrativa

    Tanto o ensino secundário quanto o superior reclamam alterações que lhes arejem e atualizemos métodos e disciplinas. Essa reforma é das que não comportam adiamento.

    Como bem assinalou o Manifesto da Convenção Liberal, referindo-se ao ensino superior, "oscursos de especialização, praticamente, não existem entre nós" e "as ciências econômicas, as disciplinasfinanceiras e administrativas, os cursos de literatura, de higiene, para só citarmos alguns, diluem-se, nonosso sistema universitário, em cursos gerais, pragmáticos e de alcance reduzido".

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    É de lamentar-se, especialmente, que tão parcos tenhamos sido, até agora, no tocante àinstituição de cursos técnico-profissionais, cujas vantagens ninguém mais contesta. Os excelentesresultados já obtidos nos poucos Estados onde eles funcionam bem demonstram, iniludivelmente, anecessidade de os difundir.

    A conveniência da emancipação do ensino superior é, hoje, também, indiscutível. Reclama-se, ecom razão, para os institutos onde é ministrado, a liberdade didática e a liberdade administrativa, semprejuízo da unidade do ensino.

    Julgo recomendável, por exemplo, o regime das universidades autônomas, tal como se estáensaiando, com êxito, em Minas Gerais.

    De qualquer forma, o que não parece lícito é persistirmos na atitude, entre receosa c displicente,ditada por um mal-entendido conservantismo, diante do que se nos afigura novidade temerária e, noentanto, é já uma velha conquista noutros países.

     Autonomia do Distrito Federai

    A experiência, que diz sempre, em todos os assuntos a última palavra, demonstrou já, e desobejo, os inconvenientes do regime mi