O Futuro Do Agro e Hidronegocio

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As Perspectivas do Uso da Água e dos Solos no Brasil - O Futuro do Agro e Hidronegócio - Comissão Pastoral da Terra. Elaboração: Isidoro Revers e Roberto Malvezzi. 1

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  • As Perspectivas do Uso da gua e dos Solos no Brasil- O Futuro do Agro e Hidronegcio -

    Comisso Pastoral da Terra.Elaborao: Isidoro Revers e Roberto Malvezzi.

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  • 1) A Questo dos solos2) A Irrigao no Brasil

    2.1 A Irrigao no Semi-rido Brasileiro. 3) O Potencial da Irrigao no Mundo 4) O Potencial Brasileiro para Agricultura de Sequeiro e Irrigao. 5) O consumo e gua de alguns produtos agrcolas. 5.1 Carcinicultura. 5.2 - A cana irrigada. 6) A Outorga da gua. 7) O Futuro da Irrigao. 8) O papel da Agricultura Brasileira. 8.1)Cana de Acar. 8.2) Soja 8.3) Eucalipto.

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  • Introduo.

    As contradies globais, derivadas do modelo civilizatrio que dominou a histria a partir da revoluo industrial, no cessam de aflorar com todo tipo de gravidade. O que no era perceptvel h pouco tempo atrs, hoje se coloca com toda clarividncia. A capacidade de assimilar esses novos elementos para preservar a existncia humana e demais formas de vida na face da Terra se constitui no mais srio desafio que o gnero humano j enfrentou e que no pode estar merc das lideranas polticas e econmicas globais. A gravidade do momento no conhece precedentes na histria da humanidade.

    Entre as questes mais graves apresenta-se a sustentabilidade do uso dos solos e da gua, fontes primrias na produo de alimentos. Dados da ONU nos dizem que hoje cerca de 800 milhes de pessoas no tm segurana alimentar na face da terra, 1,2 bilhes no tm segurana hdrica e 2,4 bilhes no tm acesso ao saneamento ambiental. Segundo a prpria ONU, esse quadro tende a se agravar se a tendncia hoje posta continuar sem reverso. Portanto, hoje, discutir segurana hdrica, segurana alimentar, pressupe que se tenha uma viso global, no em razo das foras do mercado que terminam por definir o discurso -, mas em funo da sobrevivncia da prpria humanidade.

    1) A questo dos solos

    Segundo o documento WEHAB1, distribudo pela ONU em Johannesburgo durante a Cpula Mundial do Meio Ambiente, em 2002, a humanidade possui hoje aproximadamente 1,5 bilho de hectares agricultveis para alimentar 6,5 bilhes de pessoas que habitam a face da Terra. Se essas terras fossem distribudas eqitativamente para cada habitante, haveria uma disponibilidade mdia de 0,23 por habitante. Como a projeo populacional para 2050 de 9 bilhes de habitantes, ento a disponibilidade mdia por pessoa tende a cair. Se a populao se estabilizar em 9 bilhes, ento teremos uma disponibilidade mdia em 2050 de 0,15 hectare por pessoa.

    Comentando o aumento da produtividade mundial de alimentos que muitos utilizam como argumento para justificar o modelo a ONU adverte:

    Esses resultados foram alcanados apesar do declnio per capta dos recursos de terra e gua disponveis, mas so frequentemente resultados da exausto ou degradao do recurso natural bsico, gerando custos que s agora esto sendo percebidos. Segue-se, portanto, que o futuro aumento na produo de alimentos e outros produtos agrcolas, tero principalmente que ter sua sustentabilidade intensificada e tero que ser mais eficientes no uso de recursos limitados, particularmente a gua. Para se alcanar isso necessrio avaliar os impactos potenciais das atividades de desenvolvimento nos recursos naturais tanto quanto na dependncia da disponibilidade e qualidade desses recursos.2

    1 WEHAB (Water, Energy, Helth, Agricultural and Biodiversity): Grupo de Trabalho da Onu. Johannesburgo, 2002, durante a Cpula Mundial do Meio Ambiente. http://www.johannesburgsummit.org/html/documents/wehab_papers.html2 WEHAB Working Group: A Framework for Actionon Agriculture. http://www.johannesburgsummit.org/html/documents/wehab_papers.html

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  • Prosseguindo em sua lgica, faz um histrico da disponibilidade per capta de solos nos ltimos anos em termos globais:

    A terra agricultvel per capta nos pases em desenvolvimento caiu de 0,32 hectares em 1961/63 para 0,21 hectares em 1997/99 e a expectativa que caia para 0,16 hectares at 2030. Ao mesmo tempo, vrios processos esto contribuindo para o declnio da qualidade dos solos. A eroso responsvel por 40% da degradao dos solos em todo o mundo, enquanto 20 a 30% das terras irrigadas em pases em desenvolvimento tm sido danificadas por degradao ou salinizao. A fome e a extrema pobreza empurram as populaes para terras marginais e ecossistemas mais frgeis, caracterizados por reas secas e baixa fertilidade.3

    Aproximadamente 70% da populao pobre nos pases em desenvolvimento vivem em reas rurais e dependem direta ou indiretamente da agricultura para sua sobrevivncia.Desde 1985, mais de sete milhes de trabalhadores na agricultura morreram vitimados pela AIDs em 25 pases mais afetados pela epidemia.Aproximadamente 70% da gua retirada de mananciais de gua doce so utilizadas pela agricultura.A expanso agrcola tem contribudo para a perca do habitat global, incluindo mais da metade dos pntanos de alto valor ecolgico.Aproximadamente 40% das terras agricultveis tm srias redues de produtividade devido degradao dos solos, chegando a 75% em algumas regies.De 260 milhes de terras irrigadas em todo o mundo, 80 milhes esto afetados pela salinizao a concentrao de sal na superfcie do solo normalmente reduz sua fertilidade.4

    Portanto, o modelo agrcola, baseado na intensa explorao das guas e dos solos, coloca-se como um dos responsveis mundiais pela crise global da gua e da degradao dos solos. Em algumas regies do mundo j alcana nveis de tragdia:

    A maior evidncia da escassez natural de gua no sul da sia, na frica sub-saariana e no Oriente Mdio, onde h particularmente dependncia de gua subterrnea, tem conduzido a um significativo aumento na quantidade e qualidade de produtos irrigados, mas tambm a um rpido declnio de gua dos lenis freticos e poluio dos aqferos importantes.5

    O paradoxo posto pela ONU agrava os desafios que se impem para a humanidade:

    O aumento da produtividade agrcola permanece como um dos mais importantes caminhos para combater a fome e a pobreza nas primeiras dcadas do sculo XXI. A prtica da produo sustentvel pode aumentar a produtividade agrcola enquanto

    3 Idem.4 Idem.5 Idem.

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  • conserva a biodiversidade, a fertilidade do solo e a eficincia no uso da gua e enquanto reduz a presso sobre as florestas e a sobre pesca sobre os mares. Em alguns casos, as tecnologias necessrias no existem e precisam ser desenvolvidas. Em outros casos, os agricultores precisam de capital para adquirir tecnologias ou de capital humano para utiliz-las efetivamente. Polticas, instituies, infra-estrutura e acesso ao mercado influenciam na prtica de produo que ser aplicada e determina se os impactos no meio ambiente e nas pessoas so efetivamente sustentveis.6

    Por fim, apresenta as estratgias para melhorar o uso dos bens naturais:

    As estratgias para melhorar o uso sustentvel dos recursos naturais devem incluir:. reduo da degradao da terra;. melhorar a conservao, alocao e manejo da gua;. proteo da biodiversidade;. promover o uso sustentvel das florestas; e. informaes sobre o impacto da mudana climtica.7

    Para outros autores a preservao dos solos deve ser posta de forma ainda mais radical.

    Solos arveis, produto final da alterao intemprica das rochas, levam muitos milhares de anos para serem formados. Os solos ideais possuem bom suprimento de nutrientes, estrutura e mineralogia adequadas para a reteno de gua e hospedagem de microorganismos, bem como espessura necessria para suportar vrios tipos de vida vegetal. Por outro lado, em terrenos utilizados exaustivamente na agricultura, muito material perdido por diversos fatores, entre os quais a salinizao devida irrigao malfeita, a toxificao pelo uso incorreto de fertilizantes e pesticidas, e a eroso devida ao manejo inadequado, como cultivo em declives, desflorestamento, atividades extrativas. Estimativas recentes do conta da perda anual de cinco a sete milhes de hectares que vo parar nos oceanos, sem reposio possvel: solos tambm tm que ser considerados recursos no-renovveis, sendo de grande importncia a sua conservao e adequada utilizao.8

    Considerar os solos como recursos no-renovveis uma inovao chave, porm, muito longe de ser assimilada por aqueles que os destroem. Pior, a gravidade da questo no se 6 Idem.7 Idem.8 Umberto G. Cordani: As Cincias da Terra e a mundializao das sociedades. Estud. av. vol.9 no.25 So Paulo Sept./Dec. 1995. http://www.scielo.br/scielo.php

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  • encerra aqui. No existem mais grandes extenses de solos a serem ocupados, exceto na Amrica Latina. Europa, frica, sia e Amrica do Norte j tm a maior parte de seus solos agricultveis ocupados. O uso intenso dos solos, sem cuidados de preservao, faz com que solos j utilizados estejam passando pelo processo de esgotamento, quando no de desertificao, em grande parte de forma irreversvel9. A demanda empurra as populaes, particularmente dos pases mais pobres, para solos mais frgeis e reas de risco. Produzir alimentos para saciar a fome de toda a humanidade no mesmo espao, talvez at com mais redues, se constitui num desafio de sustentabilidade segundo o documento da ONU. O drama de pases pequenos, super povoados, com pouca disponibilidade de solos, a exemplo da Amrica Central e frica, tende a se agravar. Nessa questo tambm se coloca no um problema pontual, mas de fundo, no modo de usar os solos, de produzir e distribuir os alimentos entre determinada populao. A realidade da fome hoje j existente, onde 800 milhes de pessoas passam fome todos os dias, tender a crescer se esse desafio no for reequacionado. Por conseqncia, temticas como o da segurana alimentar, direito humano alimentao, soberania alimentar, transgenia, produo de agrocombustveis, etc., revelam a ponta da geleira que est sob essas guas.

    2) A Irrigao no Brasil.

    A irrigao utiliza mais intensivamente a gua que o solo. No prprio serto nordestino, o mdulo rural do sequeiro est em mdia em 70 hectares. Entretanto, s margens do rio So Francisco um mdulo irrigado rea para sustentar uma famlia precisa apenas de dois a quatro hectares. O uso intensivo da gua na agricultura, entretanto, uma das razes da crise planetria da gua. Logo, o modelo tem se revelado insustentvel.

    Segundo dados mais recentes da Agncia Nacional de guas (ANA) o Brasil cultiva aproximadamente 60 milhes de hectares de terra. Desses, cerca de 6% (3,6 milhes) so irrigados. Mesmo assim, essa atividade responsvel pelo consumo de 69% da gua doce utilizada no Brasil10.

    bom lembrar que esses nmeros tm apresentado muitas variantes, mas todos apontam para um alto consumo de gua na irrigao brasileira, mesmo que a rea seja considerada pequena. O prprio presidente da ANA, Jos Machado, afirma que a irrigao dever se expandir, porque estamos abaixo da mdia mundial11. Entretanto, preciso recordar que a mdia mundial no sustentvel e a grande responsvel pela crise mundial da gua e pela salinizao de 80 milhes de hectares de solos em todo o mundo, conforme a ONU j nos alertou nos textos utilizados acima.

    Seguindo essa lgica da precauo conveniente nos debruarmos sobre um estudo feito a respeito da irrigao no Semi-rido Brasileiro (SAB), patrocinado pelo Banco Mundial, embora o Banco no assuma a responsabilidade pelas concluses.

    9 MMA: PAN - Programa de Ao Nacional de Combate Desertificao e Mitigao dos Efeitos da Seca.10 Priscilla Mazenotti: Acordo de cooperao vai racionalizar uso da gua na irrigao. http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2006/12/15/11 Idem.

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  • 2.1) A Irrigao no Semi-rido Brasileiro.

    Um estudo patrocinado pelo Banco Mundial fez uma anlise bastante minuciosa sobre a irrigao no semi-rido brasileiro. A finalidade do estudo era justamente estudar a correlao entre a agricultura irrigada no SAB e a diminuio da pobreza.12

    No SAB so aproximadamente 500 mil hectares irrigados,13 sendo 140 mil em reas pblicas o restante em reas privadas. Cerca de 50% dos custos sempre subsidiados com recursos pblicos.

    O estudo possui uma srie de contradies em suas concluses. Em primeiro lugar, afirma que apenas quatro dos onze projetos estudados so superavitrios, portanto, sete so deficitrios. Mesmo assim, afirma que a irrigao pode ajudar realmente na mitigao da pobreza. A segunda contradio grave que no coloca corretamente os limites objetivos impostos irrigao no SAB, isto , apenas 5% dos solos do SAB so irrigveis e h gua apenas para irrigar 2% dos solos, segundo dados da Embrapa constados no PLANVASF. Portanto, por melhor que fossem os indicadores da irrigao, h limites intransponveis que no permitem sua generalizao.

    A anlise e avaliao econmica e financeira do desenvolvimento da agricultura irrigada podem constituir uma estratgia efetiva para a promoo do desenvolvimento regional, o incremento das exportaes e a reduo da pobreza no SAB. As variveis necessrias para tanto consistem, principalmente, em: oferta hdrica abundante e confivel; projetos bem dimensionados; gerenciamento competente de projetos; forte suporte poltico... Durante as trs ltimas dcadas, foram investidos mais de US$ 2 bilhes de recursos pblicos em obras ligadas irrigao, destinados ao abastecimento de 200 mil hectares no SAB, dos quais 140 mil considerados produtivos, representando uma mdia de investimentos acumulados de aproximadamente US$ 10 mil por hectare. Com aportes adicionais investidos pelo setor privado em sistemas pblicos e em empreendimentos particulares, o valor anual da produo atingiu aproximadamente US$ 2 bilhes, em 2002, incluindo a exportao de frutas frescas no valor de US$ 170 milhes, gerando 1,3 milho de empregos (diretos e indiretos), e contribuindo substancialmente para a reduo da pobreza e da migrao rural para as grandes metrpoles.

    Caberiam muitas perguntas sobre essas afirmaes. A primeira onde se vai conseguir gua abundante no semi-rido, logo ele que detm apenas 3% das guas brasileiras. Segue-se a essa observao os limites de solos e gua alegados pela prpria Embrapa Semi-rido, j acima referidos.

    de se perguntar tambm qual a qualidade dos empregos gerados na irrigao. Nos permetros de Juazeiro e Petrolina formaram-se bairros inteiros de altssima miserabilidade, em situaes insalubres, onde as populaes empregadas na irrigao, vinda de fora, aglomeram-se para sobreviver. Se h uma ilha de prosperidade nos bairros elegantes, seria necessrio se perguntar se o processo no absolutamente injusto e desigual, concentrador de terra, de gua, riquezas e poder. A prpria populao nativa dessa regio perdeu suas 12 Pg. 313 Pg. 5

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  • terras para as empresas vindas do sul, sudeste e do exterior. Tornaram-se mo de obra barata na irrigao, ora morando nos bairros perifricos de Juazeiro e Petrolina, ora morando ao lado de fora das cercas e muros que cercam os permetros irrigados, como estranhos em terras que j foram suas.

    Dos cerca de 400 mil hectares irrigados desenvolvidos pela iniciativa privada, a maior parte foi motivada pelo emprego de novas alternativas de cultivo, tecnologias e processos produtivos, validados pelos projetos pblicos pioneiros. Por outro lado, outros 70 mil hectares de projetos pblicos foram iniciados, porm paralisados, devido a restries de carter financeiro. Sob a perspectiva econmico-financeira, as atividades agrcolas adaptam-se melhor s prticas atuais de irrigao, que no eram conhecidas dos produtores de cultivos tradicionais 20 anos atrs. Tanto os agricultores como as agroindstrias esto em melhores condies hoje para beneficiar-se das lies aprendidas e da experincia acumulada com o desenvolvimento da irrigao na regio. A anlise mostra que os melhores resultados podero ser obtidos no futuro com a consolidao do processo de reconverso para culturas de maior valor agregado, particularmente associados s mudanas nos padres de cultivo orientadas fruticultura, como nos plos de Petrolina e Juazeiro.14

    Essa anlise acima apresentada segue estritamente a lgica do mercado. So produtos de exportao. Eles no visam a segurana e soberania alimentar dos moradores da regio, que tm seus prprios hbitos alimentares e a tradio de cultivar sua prpria comida. Alis, a fruticultura irrigada hoje praticamente restrita uva e manga de exportao de sobremesa, no de mesa. Quem continua garantindo a segurana alimentar da populao da regio, principalmente a protena, a agricultura de sequeiro, com seu bode, feijo, mandioca e culturas tpicas. No deixa de ser irnico que as feiras da agricultura irrigada no consigam apresentar absolutamente nada para os visitantes comerem, dar algum ar festivo s exposies, a no ser quando levam pequenos agricultores de sequeiro para vender um bode assado, a macaxeira frita, o beiju, o surubim defumado, etc. As feiras da agricultura irrigada apresentam tratores, implementos agrcolas, estandes de agrotxicos e algumas caixas de uva e manga. Quem quiser comer, se divertir, tem que ir ao boddromo de Petrolina. Ali que est o sabor da regio.

    Os produtores que no reconverteram seus sistemas de produo em cultivos de maior valor agregado e tecnologias aperfeioadas, ainda que obtenham retornos financeiros positivos, no geram benefcios econmicos que justifiquem os altos investimentos em infra-estrutura de irrigao. o caso dos plos Norte de Minas Gerais, Baixo Jaguaribe e Baixo Ass, em que culturas tradicionais, como o arroz, o milho e o feijo, predominam. Embora esse processo de reconverso ainda esteja evoluindo, muitos clusters de commodities j se encontram suficientemente maduros a ponto de constiturem uma forte base econmica, inexistente h vinte anos atrs. (pg. 21)

    Essa reconverso problemtica, j que as monoculturas irrigadas trazem problemas tambm de pragas. O tomate, o melo, etc., j foram algumas das monoculturas que tiveram que ser substitudas por serem impraticveis diante das pragas. Agora a uva est ameaada.

    14 Idem.

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  • Alm do mais so tipicamente de exportao para alcanarem algum nvel de sustentabilidade econmica. uma agricultura feita de costas para a prpria regio. sintomtico que s margens baianas do S. Francisco, particularmente Juazeiro, a maior expanso que se d a da cana irrigada, avanando sobre lotes que antes estavam ocupados pela fruticultura.

    Portanto, no se trata de negar radicalmente a irrigao, mas de tornar pblico e notrio tambm seus limites objetivos solos e gua e seu divrcio de uma agricultura que deveria antes buscar a segurana alimentar e hdrica de seu povo. Acrescente-se a o nmero fatal do prprio estudo, isto , apenas 4 dos 11 permetros irrigados apresentam retorno positivo: Touro, Cura, Mandacaru (Juazeiro) e Bebedouro (Petrolina).15

    Essa a equao bsica para se interpretar a viabilidade da irrigao no semi-rido. Como apresentar a irrigao como panacia do semi-rido se h limite de solos, de gua e se a maior parte dos projetos fracassou inclusive economicamente? A prpria ONU j nos apresenta dados da agricultura irrigada no mundo inteiro, onde 80 milhes de hectares, de um total de 260 milhes, esto salinizados ou degradados, particularmente nas regies ridas e semi-ridas. Portanto, no se pode raciocinar a respeito da irrigao em nosso SAB fora dos parmetros mundiais. As reas salinizadas do Sergipe j nos serviram de alerta para a temporalidade da agricultura irrigada no SAB. Entretanto, o prprio estudo apresenta muitas justificativas para o fracasso de 63% dos permetros irrigados no referido documento:

    Seus resultados insatisfatrios se devem, particularmente, a: (i) projetos superdimensionados e atrasos em suas implementaes; (ii) tarifas de gua sub-valoradas;(iii) nfase na infra-estrutura em detrimento da eficincia da produo, da seleo de beneficirios, e do treinamento e assistncia tcnica; (iv) foco na mitigao paternalista da pobreza, negligenciando a necessidade de um mix balanceado de beneficirios de pequeno e mdio portes, tendo em vista a maximizao dos efeitos dos investimentos relativosao desenvolvimento; (v) falta de apoio poltico adequado; (vi) ausncia de um sistema eficiente de titulao fundiria, provendo suporte a um mercado de terras, atravs do qual seria promovida a seleo natural positiva de produtores.

    Merece uma anlise particular os projetos mais fracassados. Jaguaribe-Apodi (Cear), Morada Nova (Cear) e Jaba (Minas). Curioso notar que uma das finalidades da transposio do rio So Francisco alimentar essa irrigao deficitria mesmo praticamente sem custo de gua de regies do Cear, Paraba e Rio Grande do Norte. de se perguntar realmente sobre a sustentatibilidade econmica de projetos de irrigao onde o custo da gua ser muito mais alto que o simples uso da gua de chuva local estocada nos grandes audes. Tambm de se perguntar se, diante de tantas obras inacabadas, mal aproveitadas, ou mesmo fracassadas, no seria conveniente ao errio pblico investigar melhor realmente em que condies a agricultura irrigada pode se tornar vivel. Por ltimo, preciso deixar muito claro que, mesmo tendo um papel econmico positivo em alguns permetros, elevando a renda mdia da populao, agricultura irrigada tem limites

    15 Idem. Pg. 23.

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  • intransponveis de gua e de solo. Segundo dados da Embrapa utilizados no PLANVASF, apenas 5% dos solos do semi-rido so aptos para irrigao e, para restringir ainda mais, existe gua no semi-rido para irrigar apenas 2% desses solos aptos. Portanto, 95% do semi-rido sempre sero semi-rido. Logo, a irrigao no pode ser apresentada como uma panacia para solucionar todos os problemas econmicos da regio.

    Vale citar na ntegra a anlise feita pelos especialistas de um dos projetos mais caros e fracassados da irrigao brasileira no semi-rido.

    O Projeto Jaba um exemplo de mau planejamento e execuo. Elaborado com o intuito de incorporar mais de 80 mil ha para irrigao, incluindo 67 mil ha de permetros pblicos, foram investidos, nos ltimos trinta anos, US$ 268 milhes em obras de infra-estrutura que permanecem inconclusas e subutilizadas.Seu processo de implementao foi extremamente lento, transcorrendo-se quinze anos entre o incio de sua construo e o assentamento dos primeiros produtores rurais. Outros treze anos se passaram desde ento, todavia, apenas cerca de 10% do permetro total (8.000 ha, ou 10.500 ha, quando considerado o duplo cultivo) se tornaram operacionais. Enquanto isso, a infra-estrutura superdimensionada permanece ociosa, ocasionando um impacto negativo nos gastos totais com O&M, afetando a viabilidade econmica e financeira do projeto. Por outro lado, o Projeto Morada Nova (CE), desenhado nos anos 60, sob uma abordagem nitidamente social, padeceu de um enfoque paternalista, deficiente em termos de treinamento adequado e assistncia tcnica aos participantes.Apesar de apenas 30% de terras serem aptas para a rizicultura, a rea foi, desde o incio, destinada ao cultivo de arroz. Quando seus preos entraram em colapso, em meados dos anos 80, os agricultores foram incapazes de converter seus sistemas de produo em atividades mais lucrativas, mesmo aps trinta anos de assistncia pblica e subsdios. Embora esse declnio nos preos no fosse previsto durante a fase de planejamento do projeto, uma matriz de produo mais diversificada teria contribudo parauma reconverso mais rpida. (24)

    Os analistas vo observar que a renda cresce onde a agricultura irrigada tem um relativo sucesso. Mas no deixa de ser irnico que o ganho real dos MCIs (Municpios com Irrigao) foi de 36% enquanto naqueles sem irrigao foi de 42%. Ora, qualquer investimento descentralizado nas populaes dos municpios, mesmo sem irrigao, acabou gerando mais renda que nos irrigados.A prpria Bolsa Famlia, com seus parcos 92 reais no mximo, acabou induzindo um crescimento em todo o Nordeste de aproximadamente 11%, o que fez alguns precipitados dizerem que essa regio cresce nos mesmos nveis da China. Os municpios com irrigao s cresceram mais em termos absolutos, mas numa proporo pequena, R$ 36% nos MCIs contra R$ 29,8% nos MSIs. Os maiores acrscimos de renda foram observados em Petrolina, de R$ 151 para R$ 201, Mossor, de R$ 132 para RS 180, e Juazeiro, de R$ 110 para R$ 175.16

    Por outro ngulo, os analistas vo enfatizar que a gua sempre grtis, ou de baixo custo. Ora, a maioria dos pequenos irrigantes de Juazeiro e Petrolina faliu exatamente porque no consegue sequer pagar o custo fixo da aduo da gua, quanto mais pagar pelo m3 do

    16 Idem. Pg. 38.

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  • lquido. O que ser quando tiverem que pagar pela gua, como est sendo agora determinado pelo Comit de Bacia?Essa uma discusso que se d em nvel nacional, particularmente no Movimento Nacional dos Pequenos Agricultores (MPA). O receio que as taxas da gua, ou at mesmo a no obteno da outorga para usos econmicos, acabe inviabilizando sua pequena agricultura irrigada. Essa questo ainda vai gerar muitos problemas e conflitos. A gua um dos pivs literalmente dos conflitos que acontecem pelo mundo.

    3) O Potencial da Irrigao no Mundo.

    Qual a possibilidade real da expanso da irrigao no planeta, no Brasil e, particularmente, no semi-rido? Alguns especialistas nos oferecem esses dados, embora a interpretao desses dados possa ter concluses completamente diferentes a partir de quem os l.

    Quadro 2 - Solos aptos por produtividade agrcola e por regio

    (milhes de hectares) PRODUTIVIDADE AGRCOLA EQUIVALENTE

    Amrica do Sul

    Amrica do Norte e Central

    EuropaOceania, frica e sia

    Mundo %

    Abaixo de 10t/ha/ano

    12 340 150 560 1.062 30

    Acima de 10t/ha/ano

    580 270 240 1.400 2.490 70

    Totais

    592 610 390 1.960 3.552 100

    Porcentagem

    16,7 17,2 11,0 55,2 100 ---

    Os solos aptos, no mundo, para desenvolvimento da agricultura irrigada, esto estimados em 470 milhes de hectares. Com base nesta avaliao, existem cerca de 195 milhes de hectares de solos que podero, anualmente, ser incorporados produo, com tcnicas controladas associadas agricultura irrigada. Seria de se perguntar de onde vir a gua para irrigar todos esses solos.

    4) O Potencial Brasileiro para Agricultura de Sequeiro e Irrigao.

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  • O Brasil teria cerca de 360 milhes de hectares de terras cadastradas, em tese agricultveis. Porm, para alguns especialistas, nem toda essa rea efetivamente agricultvel. Desses, 29.564.000 estariam aptos para irrigao. Se essas terras forem mesmo agricultveis, ento a mdia disponvel por pessoa no Brasil de 2,11 hectares, isto, dez a onze vezes mais que a mdia mundial. bvio que esse um exerccio matemtico simples, mas suficiente para nos dar a dimenso da riqueza de solos que temos.

    Entretanto, o modo de usar nossos solos em nada difere dos pases mais predadores. A civilizao brasileira nasceu sob o signo da predao dos bens naturais: pau-brasil, ouro, borracha, ciclo do gado, do caf, da cana de acar, assim por diante. At esse momento nada indica que teremos doravante um uso qualitativamente diferente da forma como o foi at hoje17. Aqui se coloca nossa primeira inflexo: que fora tem os excludos e marginalizados da terra para modificar a concentrao da terra e o modelo agrcola que temos?

    17 Conferir o artigo de Antnio Canuto sobre o Agrenegcio.

    12

  • Tabela 3 : Participao da irrigao no setor agrcola brasileiro 1996 a 1998.Unidade: (ha)

    Regio1996 1997 1998

    Irrigada(I)

    Plantada(P)

    I/P Irrigada(I)

    Plantada(P)

    I/P Irrigada(I)

    Plantada(P)

    I/P

    Norte 78.360 2.214.440 3,54% 81.850 2.254.299 3,63% 86.660 2.156.271 4,02%

    Nordeste 428.460 14.228.910 3,01% 455.820 12.362.022 3,69% 495.370 8.592.553 5,77%

    Sudeste 821.520 12.495.700 6,57% 863.816 10.920.082 7,91% 890.974 10.741.395 8,29%

    Sul 1.147.800 18.277.200 6,28% 1.167.168 16.087.306 7,26% 1.195.440 16.232.488 7,36%

    Centro-Oeste

    180.140 7.745.600 2,33% 187.290 7.858.909 2,38% 201.760 8.623.762 2,34%

    TOTAL 2.656.280 54.961.850 4,83% 2.755.944 49.482.618 5,57% 2.870.204 46.346.469 6,19

    Fonte: Christofidis, D., 1999.

    FONTE: Estudos desenvolvidos pelo MMA/SRH/DDH (1999), revisados por Christofidis (2002)

    A tabela acima no inclui os ltimos dados anunciados pela Agncia Nacional de guas a respeito da rea brasileira irrigada, ou seja, 3,6 milhes de hectares. Os especialistas estimam que existem solos aptos para expanso e desenvolvimento anual de agricultura de sequeiro, em bases sustentveis, em mais de cerca 110 milhes de hectares no pas, dos quais, aproximadamente, 72% esto localizados na rea do Cerrado. Portanto, no s os referidos 360 milhes no so aptos para agricultura, como seria necessrio continuar avanando sobre o Cerrado para obter 72% dos 110 milhes que ofereceriam uma explorao agrcola sustentvel. Esses nmeros nos recolocam diante da afirmao da ONU que cada vez se avana mais sobre solos frgeis e reas de risco.

    No que diz respeito aos solos aptos para o desenvolvimento da agricultura irrigada de forma sustentvel o potencial brasileiro est estimado em 29.564.000 mil hectares, dos quais, cerca de dois teros ocorrem nas Regies Norte e Centro-Oeste (Quadro 4). Entretanto, vale a pena conferir o potencial irrigvel estado por estado. Alguns questionamentos poderiam ser feitos a respeito da disponibilidade de gua em alguns estados, como no Rio Grande do Sul, onde o sobre uso da gua em irrigao j extrapolou os limites da sustentabilidade.

    Quadro 4 - Potencial de solos para desenvolvimento sustentvel da irrigao - BRASIL

    (mil hectares) Regio Vrzeas Terras Total %

    13

  • Altas

    Norte 9.298 5.300 14.598 49,4

    Nordeste 104 1.200 1.304 4,4

    Sudeste 1.029 3.200 4.229 14,3

    Sul 2.207 2.300 4.507 15,2

    Centro-Oeste 2.326 2.600 4.926 16,7

    Totais 14.964 14.600 29.564 100

    FONTE: Estudos desenvolvidos pelo MMA/SRH/DDH (1999), revisados por Christofidis (2002)

    Quadro 5 - rea potencial para o desenvolvimento da irrigao sustentvel dos Estados brasileiros

    Regies Estados REA (hectares)

    NORTE 14.598.000

    Rondnia 995.000

    Acre 615.000

    Amazonas 2.852.000

    Roraima 2.110.000

    Par 2.453.000

    Amap 1.136.000

    Tocantins 4.437.000

    NORDESTE 1.304.000

    Maranho 243.500

    Piau 125.600

    Cear 136.300

    14

  • Rio Grande do Norte 38.500

    Paraba 36.400

    Pernambuco 235.200

    Alagoas 20.100

    Sergipe 28.200

    Bahia 440.200

    SUDESTE 4.229.000

    Minas Gerais 2.344.900

    Esprito Santo 165.000

    Rio de Janeiro 207.000

    So Paulo 1.512.100

    SUL 4.507.000

    Paran 1.348.200

    Santa Catarina 993.800

    Rio Grande do Sul 2.165.000

    CENTRO-OESTE 4.926.000

    Mato Grosso do Sul 1.221.500

    Mato Grosso 2.390.000

    Gois 1.297.000

    Distrito Federal 17.500

    TOTAL BRASIL 29.564.000

    FONTE: Estudos desenvolvidos pelo MMA/SRH/DDH (1999), revisados por Christofidis (2002)

    5) O consumo e gua de alguns produtos agrcolas.

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  • Essa outra questo grave que se coloca ao utilizarmos a gua para a produo de bens agrcolas, isto , o balano hdrico positivo? Quando ele pode ser considerado positivo?

    No uma questo simples de ser respondida, mas precisa ser considerada. Vamos exemplificar: justo aplicar 50 mil litros de gua para se produzir um Kg de camaro em cativeiro, como tem sido feito no litoral nordestino, exatamente onde a gua apresenta mais problemas de disponibilidade e acesso? Portanto, o uso da gua trs hoje consigo questes que vo muito alm de sua dimenso tcnica e econmica. A prioridade no uso da gua, universalmente aceita como sendo do ser humano e da dessedentao dos animais, precisa encontrar eco na prtica, ao se operacionalizar as polticas de uso da gua. E, como a gua no Brasil considerado um bem pblico, no privatizvel, seria necessrio um intenso debate sobre seu uso, com participao e controle da sociedade que, embora j esteja inscrito na lei, no se tornou de fato uma realidade.

    Tabela 3.1 : Consumo de gua e energia eltrica para diferentes culturas em um ano.

    CULTURAS CONSUMO DE GUA (m3/ha)

    CONSUMO DE ENERGIA (kWh/ha)

    Algodo 5.208 681

    Alho 4.870 637

    Arroz 19.862 2.599

    Batata 6.176 808

    Cebola 5.348 699

    Feijo 4.573 598

    Fruticultura 9.679 1.266

    Hortalias 10.288 1.346

    Melancia 11.729 1.535

    Melo 11.896 1.556

    Milho 6.057 793

    Soja 2.824 370

    Tomate 5.900 772

    Trigo 3.640 476

    Uva 10.624 1.390

    Fonte: PLANVASF, 1989.

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  • Nessa passagem da gua pelos sistemas produtivos, onde h um processo natural de depurao dos recursos hdricos, seja pela evapotranspirao, seja pela infiltrao, so necessrias cerca de 2 mil t de gua para se produzir uma tonelada de arroz ou soja, e algo em torno de 1 mil t de gua para obter 1 t de trigo ou milho. Na produo de alimentos de origem animal, o requerido de maior monta: 7 mil t de gua para obter 1 t de carne bovina; 4 mil t de gua para 1 t de carne suna; 5 mil t de gua para 1 t de leite e 6.600 t de gua para 1 t de queijo (Christofidis, 1998).

    Produto Litros de gua/Kg ProduditividadeArroz ou Soja 2.000 1 kgTrigo ou Milho 1.000 1kgCarne Bovina 7.000 1kgCarne Suina 4.000 1 kgLeite 5.000 1 kgQueijo 6.600 1 kg

    5.1) Carcinicultura.

    Uma das atividades mais demandadoras de gua que se tem informao a carcinicultura, ou seja, criao de camaro em cativeiro. Essa atividade econmica tem tomado conta do litoral brasileiro, particularmente no Nordeste. Embora seja intensa do ponto de vista econmico, tambm voltada para a exportao, o questionamento sobre sua sustentabilidade inevitvel. Segundo dados da ONU, para se criar um quilograma de camaro em cativeiro, so necessrios de 50 a 60 mil litros de gua. Considerando-se que, pela Agenda 21 da gua, uma pessoa precisa em mdia de 40 litros de gua para satisfazer suas necessidades bsicas, ento um quilograma de camaro demanda a gua para satisfazer as necessidades bsicas de trs pessoas durante um ano. Portanto, mesmo levando em considerao seu potencial exportador e angariador de dlares, constitui-se uma flagrante violao do direito humano gua inclusive uma contradio com a prpria Lei Brasileira de Recursos Hdricos - particularmente no Nordeste, onde se utiliza esse volume de gua para criar um produto de exportao enquanto grande parte da populao no tem sua cota diria de gua para satisfazer suas necessidades bsicas.

    mercado de camaroANO VOLUME RECEITAS % PRODUO TOTAL DE

    PESCADOS2002 40,1 mil

    toneladasU$$ 175,5 milhes 49,8%

    2003 60,9 mil toneladas

    U$$ 244,8 milhes 57,3%

    2004 54,5 mil toneladas

    U$$ 219,3 milhes 50,3%

    Fonte: Folha de So Paulo 08/02/2005

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  • A CPT e os movimentos no perceberam essa inverso ou no a valorizam na prtica. Disputamos a terra pela terra, sem relacion-la diretamente com a disponibilidade o uso da gua. O capital mais uma vez saiu na frente.

    Por outro lado, no a agricultura irrigada que pe a mesa dos brasileiros, mas a de sequeiro, a no ser na produo de arroz no sul. No semi-rido, quem produz o feijo, a mandioca, o bode, que esto cotidianamente nas mesas dos sertanejos a agricultura de sequeiro. A irrigada produz frutas para exportao, mas mobiliza em torno de si o capital que oferece maquinrios e demais insumos e adquire os produtos de exportao como manga, uva e camaro. O que interessa ao capital sua dinmica como um todo, no o que se pe cotidianamente na mesa para alimentao.

    5.2) A cana irrigada.

    O mesmo fenmeno se d em todas as reas onde existe a expanso da cana. Na divisa de So Paulo com o Tringulo Mineiro, a expanso das reas cultivadas hoje se d mais pelo arrendamento das terras dos pequenos agricultores que pela compra da terra por parte das usinas. As formas de contrato so variadas, mas sempre na lgica de um pagamento anual pela terra alugada.

    No Nordeste brasileiro a expanso da cana se d pelo adentramento ao serto, algo inimaginvel at pouco tempo atrs. Hoje j se fala em fazer do serto um mar de cana:

    Somadas as reas dos projetos Jaba (norte de Minas), Baixio do Irec e Salitre (norte da Bahia), Pontal e Canal do Serto (no oeste de Pernambuco), chega-se a uma oferta potencial de 224 mil hectares prontos para a produo de cana e citros irrigados - sem contar as reas tradicionais reservadas fruticultura. Os permetros so servidos por vrios quilmetros de canais de irrigao, estaes de bombeamento de gua e infra-estrutura bsica de produo - exceo dos 112 mil hectares vinculados ao Canal do Serto, que ainda no teve suas obras iniciadas.18

    O raciocnio do capital sempre linear. A crise da gua, originada pelo uso intensivo na agricultura, os desdobramentos do aquecimento global, a salinizao de solos, a misria popular acumulada ao redor das ilhas irrigadas, nunca pesam no seu raciocnio. H gua, h solos, h potencial de riquezas, ento, tem que ser explorado. Esse raciocnio nunca leva em conta as pessoas ao redor que no tem acesso gua para consumo humano, mesmo que seja prioridade na Lei Brasileira de Recursos Hdricos 9.433/97.

    18 Um plano para fazer do serto um mar de cana. http://www.apta.sp.gov.br/noticias.php?id=2126 12/02/2007

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  • A lgica dessa presena aproveitar as melhores manchas de solos do semi-rido e a abundncia de guas do So Francisco. O total de investimentos calculado de 7 bilhes de reais. O impulso vem da CODEVASF, uma empresa pblica:

    Nos ltimos meses, a estatal tem se dedicado a promover "road shows" tcnicos na regio com investidores potenciais para mostrar o tamanho das reas disponveis para o plantio de cana e citros e as vantagens da produo irrigada em parceria com pequenos e mdios produtores instalados nos arredores dos projetos. Os locais j foram visitados por executivos das tradings japonesas Mitsui e Itochu, da americana Cargill, da francesa Louis Dreyfus Commodities e das usinas brasileiras Coruripe (AL) e Monte Alegre (MG), alm de dirigentes da Unio da Agroindstria Canavieira de So Paulo (Unica). Todos interessados em produzir lcool para exportao.19

    Como sempre, as grandes empreiteiras aguardam a deciso para implementar as grandes obras fsicas, como os canais de irrigao:

    espera do fim do processo para decidir sobre a participao no certame, esto trs das maiores empreiteiras do Brasil - Odebrecht, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvo -, alm de investidores externos, como o governo da Lbia.20

    Acontece que essa abundncia de guas mtica. A grande disputa da transposio, sob o ponto de vista de interesse do capital, se d pelos ltimos 26 m3 que restam na bacia para serem outorgados. de se perguntar de onde ser retirada a gua para abastecer todos esses projetos. Mais grave, seria de se perguntar se, numa regio carente como o semi-rido, onde a insegurana hdrica e alimentar fazem parte do cotidiano das populaes, se a prioridade no uso da gua e dos solos frteis deveria ser a produo de etanol para exportao. A no ser que realmente se investisse na captao de uma grande parcela da gua de chuva que cai sobre o semi-rido todos os anos 750 bilhes de metros cbicos dos quais se tem infra-estrutura para armazenar apenas 36 bilhes. Para tal precisaria que se mudasse a concepo do que seja o semi-rido, lgica desenvolvida pelas entidades da sociedade civil que prope a convivncia com o semi-rido como sada para os problemas bsicos da regio.

    Na rea de citros, demonstraram interesse a Citrosuco, Cutrale e a Louis Dreyfus. Na fruticultura, j sondaram os projetos algumas gigantes do setor, como as americanas Del Monte Corporation, Dole e Chiquita, alm da irlandesa Fyffes, a equatoriana Noboa e a argentina San Miguel.21

    A prpria listagem das empresas interessadas na questo dos citros, juntamente com as interessadas no ramo do etanol, sinalizam o interesse do capital internacional em investir nesses produtos. A se recoloca a questo chave da exportao de gua e energia embutidas nos gros, nas frutas e agora no etanol. Apossando-se de terras h dcadas nas mos de comunidades tradicionais, repetindo o esquema de indenizar apenas algumas benfeitorias casas pobres, cercas, etc. -, o capital vem se apossando com facilidade das melhores terras, como o caso do Canal do Serto, em Casa Nova, Bahia, pendendo para o alto serto 19 Idem.20 Idem.21 Idem.

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  • pernambucano, sem que essa aquisio lhe cause um nus mais pesado. Em seguida, atravs das outorgas, se apossam de volumes de gua do rio So Francisco, praticamente sem pagar por ela. Agora que o Comit de Bacia vai implementar a cobrana pelo uso da gua, um assunto que sozinho j merece um longo debate.

    O forte da cana sempre se deu no litoral, particularmente do Recncavo baiano at o Pernambuco. Durante sculos a cana dominou de forma absoluta a ocupao de todas as reas. Com o enfraquecimento progressivo dos solos houve um desinteresse proporcional dos usineiros nas suas fazendas. Nessa poca cresceu muito a luta pela reforma agrria atravs da ocupao de terras. Havia conflito, mas era possvel a conquista da terra. Porm, com o desenvolvimento do etanol, os usineiros voltaram a lutar por suas terras. Os conflitos tornaram-se mais sangrentos e acirrados. Entretanto, como afirma a CPT do Litoral Nordeste, hoje os solos so apenas para segurar a cana em p, tamanha sua degradao. Todo o processo quimificado e baseado na utilizao da gua dos mananciais prximos. Em Alagoas, por exemplo, todo acesso aos mananciais, antes ilegais porque sem outorga, simplesmente foram legalizados pelos rgos responsveis pelo gerenciamento dos recursos hdricos. Portanto, a outorga se presta muito mais legalizao da apropriao privada da gua que normatizao e disciplinamento de seu uso.

    6) A outorga da gua.

    Merece ateno particular o instrumento legal da outorga, porque ele a chave do acesso gua na atual legislao brasileira de recursos hdricos. um instrumento jurdico atravs do qual o Estado Brasileiro concede a explorao privada de um bem da Unio, no caso, a gua. Em guas federais a outorga deve ser indicada pelos comits de bacia, mas a outorga tem que ser expedida pela Agncia Nacional de guas. Em guas estaduais rios estaduais e guas subterrneas as outorgas tambm devem ser indicadas pelos comits dos rios estaduais, mas so concedidas pelos organismos estaduais responsveis pelo gerenciamento dos recursos hdricos, normalmente Secretarias de Recursos Hdricos.

    Do ponto de vista do entendimento da Lei Brasileira de Recursos Hdricos 9.433/97, a outorga tem a finalidade de disciplinar o uso das guas brasileiras. Evidentemente, necessrio um instrumento que discipline o uso da gua em territrio brasileiro, ainda mais quando seu uso indisciplinado gerou a degradao dos mananciais, sua poluio e at conflitos pela gua. Essa uma perspectiva desenhada em nvel mundial que deve se agravar dia a dia, ainda mais depois do relatrio do clima, onde se prev mais de um bilho de pessoas sem acesso gua. Hoje, 1,1 bilhes j no tm gua potvel para beber e 2,4 bilhes no tm coleta de esgoto em suas casas. A lgica do relatrio que esse quadro vai se agravar ainda mais com o aquecimento global.

    Entretanto, a outorga, em muitos casos, no tem feito o disciplinamento do uso das guas, mas apenas legitimado apossamentos privados, sem que seja examinada a sustentatibilidade do uso outorgado. H casos em que houve interferncia do poder pblico, como no Oeste da Bahia, com apossamento e desvios de rios para dentro de fazendas privadas, mas que foram revertidos. Portanto, o instrumento pode funcionar adequadamente, mas vai depender da ao do poder pblico e da presso social sobre o uso da gua.

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  • Entretanto, no basta que o uso da gua seja disciplinado. preciso que ele seja justo. A outorga pode disciplinar o uso da gua conforme o interesse do capital, mas no segundo o interesse do conjunto da sociedade. A solicitao de uma outorga, sobretudo grandes volumes de gua, tem que ser acompanhada de um projeto econmico, com elaborao tcnica correta. Evidentemente, pequenos agricultores tero dificuldades de elaborar esse tipo de projeto, o que extremamente fcil para grandes empresas. Portanto, nesse caso, a outorga pode at disciplinar o uso da gua de um determinado manancial, mas de per si, no garante sua equidade social. A tendncia, portanto, que o grande capital obtenha a outorga dos grandes volumes de gua e os pequenos agricultores fiquem com quantidades nfimas muitas vezes cara que inviabilizem seu trabalho produtivo.

    Nesse sentido, a outorga a chave de toda poltica de guas do Brasil. Sendo que por ela que um bem da Unio pode ser usado particularmente, por ela tambm que se d a privatizao da gua adaptada ao jeitinho brasileiro.

    Evidentemente pessoas do governo se defendem afirmando que, se fosse privatizao, no poderia haver reverso da outorga. Mas como a gua permanece um bem pblico, em caso de uso abusivo ou descumprimento do contrato, a outorga pode ser cancelada e o volume de gua volta para o controle da Unio ou do Estado Federado. Juridicamente assim mesmo, mas no existe ao jurdica fora de um contexto poltico. No Brasil, as outorgas, concesses de lavras, etc., nunca so revertidas, mesmo que se constituam num verdadeiro crime contra o povo. Basta citar a privatizao dos servios de gua de Manaus, o caso mais completo e acabado de uma privatizao onde as empresa no cumpriu com sua parte e mesmo assim o setor continua nas mos de outras empresas, j no mais de uma transnacional de guas.

    7) O Futuro da Irrigao.

    Atualmente, mais de 50% da populao mundial depende de produtos irrigados.22 Por outro lado, o uso intensivo da gua na agricultura a razo maior da crise da gua que o planeta e a humanidade atravessam. ndices mundiais indicam que 70% seriam consumidos pela agricultura irrigada, 20% seriam consumidos pela indstria e 10% aproximadamente pelo consumo humano. essa equao que faz com que 1,1 bilho de pessoas no tenham acesso gua potvel e 2,4 no tenham coleta de esgoto. Portanto, no se pode pensar na expanso da agricultura irrigada sem se perguntar se ela mesmo sustentvel.

    O argumento que a agricultura irrigada muito mais produtiva que a no irrigada. A proporo de solos usados menor e a produo muito maior. Acontece que a agricultura

    22 Jorge Enoch Furquim Werneck Lima 1; Raquel Scalia Alves Ferreira 2;Demetrios Christofidis 3: O USO DA IRRIGAO NO BRASIL. Internet.

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  • irrigada, ao mesmo tempo que diminui o uso de solos, intensifica o uso da gua. Essa equao muito interessante e til. Vamos exemplificar. No semi-rido brasileiro o mdulo rural de 70 hectares. J na agricultura irrigada, s margens do So Francisco, o mdulo familiar pode varia de 2 a 4 hectares. Acima a famlia j no tem condio de desenvolver seu trabalho a no ser contratando mo de obra. O peso da agricultura irrigada, portanto, recai sobre a gua.

    A agricultura irrigada ainda responsvel pela degradao e salinizao de solos em muitas regies do planeta, sobretudo nas regies ridas e semi-ridas. Portanto, preciso investigar a irrigao para alm do marketing daqueles que dela se beneficiam. A lgica da sustentabilidade colocou em crise tambm a agricultura irrigada no mundo inteiro, particularmente nas regies ridas e semi-ridas.

    8) O papel da Agricultura Brasileira.

    Com esse potencial, e dentro da nova diviso internacional do trabalho, a agricultura Brasileira vem sendo indicada como a nova sada para a crise energtica global. Foram diversos os fatores que determinaram a dependncia mundial da fonte energtica no renovvel com base no petrleo aps o final do sculo XIX. O principal, talvez, tenha sido a diversidade de usos que o petrleo proporcionou com o sistemtico avano das cincias e das tecnologias aplicadas para a sua utilizao desde o incio da sua extrao comercial (1859). Foi, no entanto, com o advento da indstria automobilstica e da aviao, assim como das guerras, que o petrleo se tornou o principal produto estratgico do mundo moderno. As maiores 100 empresas do sculo XX estavam ligadas ao automvel ou ao petrleo.i

    A forma como o sistema capitalista foi sendo estruturado, construdo h vrias dcadas, determinou e determina a forma como se d e se dar a industrializao e, numa relao de causa e efeito, a composio da matriz energtica mundial. E a crise energtica aparece de forma cclica, conforme o volume do seu consumo, sua escassez e a produo de energias alternativas, mas sempre agregadas ao que foi estruturado pelo sistema.

    Simultaneamente apresentado o problema ambiental para a humanidade, cujo principal problema o superaquecimento. Interessante observar que toda a discusso vem em funo do consumo de energia fssil e a necessidade de produzir uma energia limpa. E como alternativa destruio da natureza pelo processo de expanso da agricultura moderna altamente tecnificada sobre a fronteira agrcola, apresentada a alternativa da venda de crditos de carbono. Essa poltica evidencia a inteno dos grandes grupos econmicos e dos pases mais industrializados em manter o padro econmico historicamente estabelecido na sua industrializao. Essa forma permite com que pessoas fsicas e jurdicas possam comprar carbono das regies protegidas. Ao mesmo tempo, esses paises ampliam os processos de transferncia das suas indstrias eletrointensivas e aquelas ambientalmente poluidoras do meio ambiente para os paises ditos como em desenvolvimento.

    Os agrocombustiveis tambm atrairam e continuam atrando o dinheiro que vem de especulao financiera. A compra de usinas e de terras foi e est sendo uma boa forma de

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  • dar materialidade aos ganhos astronmicos obtidos atravs da especulao financeira. Temos assim um casamento entre a indstria automobilistica, a necessidade de economizar petrleo por causa da sua escassez e o dinheiro da especulao financeira como os trs principais fatores que encontraram na agricultura brasileira e da Amrica Latina uma forma de investimento. A esse movimento temos ainda os interesses das empresas transnacionais que controlam a tecnologia e precisam vend-la para o agronegcio brasileiro. Uma dessas tecnologias a transgenia agregada a indstria quimica na produo de agrotxicos. O exemplo tipico dessa agregao a soja. Hoje 60% dos agrotxicos vendidos no Brasil so consumidos pelas lavouras de soja.

    Para compreender essa voracidade do capital sobre a terra e a gua brasileiras importante tambm entender qual funo da agricultura brasileira na diviso internacional do trabalho.

    O milagre dessa transformao foi produzido pela ditadura militar implantada pela poltica norte americana dentro da guerra fria. No Brasil os militares traaram duas estratgias para a agricultura: uma de natureza militar e outra de natureza econmica. As duas muito bem integradas e cada uma com suas ramificaes e variaes. A militar, primeiro perseguiu e combateu todas organizaes e pessoas que no seguissem a poltica imperialista norte americana. Muitos no Brasil lembram e sentem na carne at hoje o que significou essa ao. Uma vez liquidadas as oposies, colocou-se em execuo a ocupao de todos os espaos da fronteira agrcola, considerados pelos militares como espaos vazios. E para evitar que em cada corruptela tivesse um quartel com soldados fardados, colocou-se em execuo a estratgia econmica, estimulando investimentos em projetos agrcolas que eram subsidiados por vrias linhas de crdito para investimentos nesta fronteira agrcola. Muito dinheiro saiu dos cofres pblicos, uma parte para ser aplicada na implantao desses projetos e uma grande parte foi desviada para outros investimentos.

    Esse processo causou o maior xodo rural da histria do Brasil. Milhares de famlias perderam o seu territrio sendo expulsas a ferro e fogo pelo exrcito, pela polcia e pelas milcias privadas formada por pistoleiros-jagunos, acobertados pelo poder executivo e judicirio. Esse territrio foi sendo ocupado primeiro pela moto-serra manejada pelos madeireiros que devastaram grandes extenses de mata, quando no por tratores que arrastavam imensos correntes, quebrando o cerrado e outras vegetaes mais frgeis. Os camponeses expulsos, suas lideranas presas, exiladas ou mortas, a natureza destruda. Em seguida vinha a semente do capim e a pata do boi para carimbar o ttulo de propriedade. Na seqncia a terra precisava ser rasgada pelas mquinas para receber a semente, o adubo, os herbicidas e inseticidas. Era o pacote tecnolgico sendo vendido pelas empresas multinacionais para produzir as principais comodites do mercado externo. Era o monocultivo.

    O resultado desse processo o atual agronegcio brasileiro, que ficou com uma carcaa mecnica na porta da fazenda, o meio ambiente destrudo, milhes de brasileiros expulsos de suas terra, super-explorados, quando no escravizados. E quem controla as exportaes do que a terra produziu? As mesmas empresas que venderam o pacote tecnolgico. Quem paga a dvida? O Estado brasileiro, o trabalhador brasileiro. O Agronegcio brasileiro vem renegociando suas dvidas h 25 anos, so bilhes de reais.

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  • Hoje fala-se que em torno de R$ 165 bilhes. E cinicamente estes so considerados os heris nacionais pelo governo Lula. A agricultura do Brasil e da Amrica Latina agora deixou de produzir mercadoria que depois vira alimento para os paises do primeiro mundo e tornou-se uma hipottica soluo energtica. Hoje h um forte debate entre a disputa da bomba de combustvel do posto e a prateleira do supermercado, embate dramtico entre 800 milhes dos donos dos automveis e 800 milhes de estmagos vazios. A reflexo sria de muitos cientistas, j a partir da experincia da Amrica Central com o milho, provam que o embate real e precisa ser levado a srio.

    Vejamos alguns dados sobre trs principais produtos da agricultura brasileira no momento.

    8.1) Cana de acar.

    Hoje a cana ocupa um territrio de 6,2 milhes de hectares. A expanso do setor sucroalcooleiro e dos agrocombustveis ocorre sobretudo em funo da produo de uma nova matriz energtica. Segundo algumas estimativas, o pico da produo do petrleo nos pases produtores ocorrer dentro de 15 anos. E a humanidade necessita de uma nova fonte de energia. E o Brasil rene as melhores condies naturais para produo da nova matriz energtica. Por isso tem desenvolvido tecnologia adequada, tanto na produo do lcool como agora com o Biodiesel.

    As polticas de estado (construo de hidroeltrica, transposio do So Francisco, transnordestina, lcoolduto, poltica de biodiesel, celulose e outros) que subsidiam e estimulam o novo modelo energtico, esto aliceradas no agro-hidro-negcio. Esse modelo agrcola tem impactado fortemente os recursos naturais, a biodiversidade e ameaa a segurana alimentar e as relaes sociais de trabalho (trabalho escravo, mo de obra indgena, migrante etc.)

    Um dos setores de maior expanso o sucroalcooleiro, que vem ocupando novas fronteiras agrcolas, substituindo culturas menos rentveis como a pecuria e a soja, incorporando rea indgenas, quilombolas, a agricultura camponesa, assentados e ainda intensifica a concentrao da terra expulsando as famlias que no se adequam ao modelo.

    O setor movimenta hoje R$ 40 bilhes, isso representa 2,35% do PIB. Emprega em torno de 3,6 milhes de pessoas, envolvendo 72.000 produtores. Processa 380 milhes de toneladas de cana por ano. Produz 24 milhes de toneladas de acar, 14 bilhes de litros de lcool, exporta 14,3 milhes de toneladas de acar e 2,5 bilhes de litros de lcool.

    Recolhe R$ 12 bilhes em impostos e taxas, tem um investimento de R$ 4 bilhes por ano. Possui um complexo de 334 usinas e destilarias, 304 em operao, 30 projetos em processo de implantao. Das usinas em operao 227 esto na regio centro sul, 77 na regio norte/nordeste. Movimentam a economia em mil municpios brasileiros.

    Sero investidos nos prximos seis anos recursos na ordem de US$ 14,6 bilhes no setor sucroalcooleiro. No regio Centro-Sul do Pas esto em construo 77 novas usinas, das

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  • quais 12 entraro em operao no prximo ano. Gois vai abocanhar quase US$ 2 bilhes desse bolo, para construir 10 novas unidades.

    Os fatores que estimularam os investimentos no setor sucro alcooleiro so, em primeiro lugar a forte expanso dos carros flex que em 2005 atingiu 57% do total de 1.353 milho de carros vendidos. Com o aumento no poder das usinas na composio do preo do lcool, o poder de barganha aumentou porque houve um processo de incorporao, anexao, de compra de usinas com baixa produtividade. E o preo do lcool disparou nos postos de combustveis. Nos ltimos 12 meses (2005-2006) o preo do acar teve alta de 83,1%. Houve tambm uma quebra na oferta internacional, por causa da seca na Tailndia e no Brasil em 2005 e por causa dos furaces que atingiram os canaviais norte americanos. Por essas razes baixaram os estoques internacionais. Houve tambm um fortalecimento da demanda global com o crescimento econmico mundial. A cotao do acar teve a maior alta dos ltimos 25 anos.

    O agronegcio canavieiro passa por um boom de crescimento, investimento e de atrao de negcios dentro e fora do pas. A demanda interna e externa por lcool est em franca expanso.

    8.2) Soja

    A soja que hoje ocupa uma rea 22 milhes de hectares, num curto espao de tempo tornou-se o principal gro na produo de protena vegetal e a base de alimentao de praticamente todos os animais que hoje so consumidos pelo homem. E h uma variedade enorme de subprodutos da soja que fazem parte da dieta alimentar do prprio homem. No Brasil, da rea plantada com gros, a soja representa 47,1%. A expanso da soja na fronteira agrcola brasileira provoca graves problemas ambientais e sociais. Somente na regio do centro-oeste onde se encontra um dos maiores biomas que o cerrado, o processo de expanso da agricultura j destruiu 57% desse bioma, dos 204 milhes de hectares que ele possui. No s a destruio da vegetao, mas tambm o solo contaminado com agrotxicos atingindo tambm as guas dos rios e dos lenis freticos. O monocultivo da soja no estimula mo de obra, para cada 200 hectares de soja, so empregados apenas de um a dois trabalhadores.

    A soja adquiriu essa importncia no em funo da qualidade protica da soja, ou pela importncia do seu potencial alimentar, mas fundamentalmente porque a produo da soja movimenta um complexo tecnolgico e o mercado que so controlados por um pequeno grupo de empresas transnacionais. A soja tornou-se uma mercadoria rentvel na venda do pacote tecnolgico e na comercializao dos seus subprodutos para o mercado externo. Do ponto de vista alimentar a cincia sabe, todos ns sabemos, que existe uma variedade enorme de gros que possuem a mesma quantidade e qualidade protica que a soja contm, mas que no esto sendo utilizadas na alimentao.

    Um dos elementos que estimularam o biodiesel no Brasil, em parte foi a superproduo de soja nos ltimos anos que precisava encontrar uma forma de consumo, a alternativa do biodiesel foi uma boa soluo.

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  • Portanto a expanso da soja no est vinculada a sua importncia como alimento, mas sim como possibilidade de acmulo de capital para grandes grupos econmicos que controlam a venda do pacote tecnolgico e o seu mercado. O desafio da humanidade e da agricultura mundial a produo diversificada e agro-ecolgica. Precisa mudar a matriz tecnolgica e a matriz de consumo. A humanidade no pode ter o seu cardpio definido pelo mercado ou pelo interesses de grupos transnacionais que manipulam a produo de alimentos - no pela qualidade do alimento -, mas pelo monoplio e concentrao de capital.

    8.3) Eucalipto

    impressionante como essa rvore adquiriu uma importncia enorme para a produo de celulose. Originria das regies midas da Austrlia, se adaptou de forma fcil nas regies midas de clima tropical e ou temperado como o Brasil. Uma vez adaptado a essas regies e com o uso da tecnologia gentica, teve o seu tempo de crescimento reduzido de 25 a 30 anos para 5 a 7 anos. importante tambm observar que essa importncia adquirida na medida em que a produo da celulose e do prprio eucalipto vira um monoplio nas mos de poucas empresas.

    O eucalipto hoje utilizado na produo de celulose e para o ferro gusa. Hoje o ferro gusa vai para exportao em barra ou vai para a indstria automobilistas, portanto controlada tambm por grandes empresas multinacionais. O mesmo destino dado para a celulose, a maior parte dessa celulose produzida exportada para os pases ricos, 95% da polpa de celulose produzida no Brasil destinada ao mercado externo, sobretudo para a Unio Europia e os Estados Unidos. Nesses lugares, cerca de 80% a polpa importada do Brasil transformada em papel higinico e lenos de nariz. interessante observar como hoje tem papel para tudo, no se pinta mais parede, na mesa da cozinha, etc. Por que? mais prtico? porque um grupo de empresas atravs da propaganda cria utilidades para o papel, com objetivo nico de garantir o acumulo de capital. No Brasil tem hoje uma rea plantada de 3 milhes de hectares de eucalipto, a maior parte controlada por empresas transnacionais.

    Por exemplo, a Aracruz uma empresa transnacional controlada pelos grupos Lorentzen, da famlia real norueguesa, Safra e Votorantin, com cada um possuindo 28% do capital votante e 15% do BNDS. A empresa se instalou no Esprito Santo h 35 anos e hoje a lder mundial da produo de polpa branca de celulose de eucalipto, respondendo por 31% da oferta do produto em todo o planeta. Mas a Aracruz criou outra empresa em parceria com a empresa cujo capital o grupo finlands Stora Enso, maior produtora do mundo. Essa empresa j tem 70 mil hectares de eucalipto plantados no sul da Bahia e seu complexo industrial fabril, com entrada em operao prevista para 2005, ser capaz de produzir 900 mil toneladas de celulose por ano. A Votorantin que scia da Aracruz, mas tem outra empresa em conjunto com a International Paper, norte americana da Votorantin Celulose e Papel. Isso explica porque a Votorantin acionista da Aracruz e tambm concorrente. Isso permite que as duas empresas apaream como aliadas em certos casos e projetos e concorrentes em outros. S nesse exemplo podemos verificar como as empresas formam um pool para controlar a produo e o preo.

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  • O problema mais grave desse modelo o processo de privatizao e concentrao dos lucros, a socializao dos custos ambientais e a explorao da mo de obra a servio da exportao de riqueza para os paises ricos, atravs das suas empresas transnacionais.

    As conseqncias so to graves quanto o monocultivo da soja. Quanto ao desmatamento, s na regio da mata atlntica, nos estados de Minas Gerais, Esprito Santo e Bahia, foram destrudas 1.361 espcies da fauna brasileira, mais de 20 mil plantas, 620 pssaros desapareceram. Dezenas de comunidades quilombolas e indgenas foram expulsas dos seus territrios. S na regio do Esprito Santo desapareceram 156 rios, riachos e lagos. No Uruguai as comunidades que ficaram cercadas pela monocultura de eucalipto no encontram mais gua a uma profundidade de 30 metros. Quanto ao emprego, essa atividade gera apenas um emprego para cada 185 h de eucalipto, enquanto a produo do caf na unidade familiar camponesa gera um emprego por hectar, alm de mais um ou dois na colheita.

    A luta pela do povo pela soberania alimentar, por uma prtica agrcola diversificada e agroecolgica e pelo controle e autonomia na produo de uma nova matriz energtica.

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  • i As crises do petrleo. Introduo. In Histria, por Voltaire Schilling. http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/petroleo.htm.