O FENÔMENO DA TERCEIRIZAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR: … · analysis of the phenomenon of outsourcing...

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O FENÔMENO DA TERCEIRIZAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR: “CASO UERJ” Fernanda Sofieti Netto 1 Milena Carlos Lacerda 2 Samyra Rodrigues da Cruz 3 RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar as transformações do mundo trabalho em tempos de mundialização do capital, acumulação flexível e ofensiva neoliberal, pensando o projeto de mercantilização da educação na sociedade capitalista. Nas universidades, nota-se que o avanço epidêmico da terceirização e a desqualificação do trabalho coaduna com a educação aligeirada e funcional a sociabilidade capitalista. Ancoradas nas categorias ontológicas de Marx (totalidade, mediação, contradição e historicidade) e principalmente do seu arcabouço teórico-crítico, iremos projetar uma análise de conjuntura do fenômeno da terceirização na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). PALAVRAS – CHAVE: Trabalho; Capitalismo; Terceirização; Ensino Superior. ABSTRACT: This article aims to analyze the transformations of the working world, in times of globalization of capital, flexible accumulation and neoliberal offensive, thinking the project of commodification of education in capitalist society. In the universities, it is noticed that the epidemic advance of outsourcing and the disqualification of work, coupled with education, lightened and functional the capitalist sociability. Anchored in the ontological categories of Marx (totality, mediation, contradiction and historicity) and especially of its theoretical-critical framework, we will project a conjuncture analysis of the phenomenon of outsourcing at the University of the State of Rio de Janeiro (UERJ). KEYWORDS: Work; Capitalism; Outsourcing; Higher education 1 Assistente Social graduada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Mestranda em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. E-mail: [email protected] 2 Assistente Social graduada pela Universidade Federal do Tocantins - UFT. Mestranda em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. E-mail: [email protected] 3 Assistente Social graduada pela Universidade Estadual do Ceará - UECE. Mestranda em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Servidora do quadro efetivo da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. E-mail: [email protected]

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O FENÔMENO DA TERCEIRIZAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR: “CA SO UERJ”

Fernanda Sofieti Netto1

Milena Carlos Lacerda2

Samyra Rodrigues da Cruz3

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar as transformações do mundo trabalho em tempos de mundialização do capital, acumulação flexível e ofensiva neoliberal, pensando o projeto de mercantilização da educação na sociedade capitalista. Nas universidades, nota-se que o avanço epidêmico da terceirização e a desqualificação do trabalho coaduna com a educação aligeirada e funcional a sociabilidade capitalista. Ancoradas nas categorias ontológicas de Marx (totalidade, mediação, contradição e historicidade) e principalmente do seu arcabouço teórico-crítico, iremos projetar uma análise de conjuntura do fenômeno da terceirização na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

PALAVRAS – CHAVE: Trabalho; Capitalismo; Terceirização; Ensino Superior. ABSTRACT: This article aims to analyze the transformations of the working world, in times of globalization of capital, flexible accumulation and neoliberal offensive, thinking the project of commodification of education in capitalist society. In the universities, it is noticed that the epidemic advance of outsourcing and the disqualification of work, coupled with education, lightened and functional the capitalist sociability. Anchored in the ontological categories of Marx (totality, mediation, contradiction and historicity) and especially of its theoretical-critical framework, we will project a conjuncture analysis of the phenomenon of outsourcing at the University of the State of Rio de Janeiro (UERJ).

KEYWORDS: Work; Capitalism; Outsourcing; Higher education

1 Assistente Social graduada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Mestranda em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. E-mail: [email protected] 2 Assistente Social graduada pela Universidade Federal do Tocantins - UFT. Mestranda em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. E-mail: [email protected] 3 Assistente Social graduada pela Universidade Estadual do Ceará - UECE. Mestranda em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Servidora do quadro efetivo da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. E-mail: [email protected]

1. INTRODUÇÃO

As reflexões sobre a terceirização na política de educação e a atual configuração

dos centros universitários requerem o resgate dos nexos causais e da legalidade histórico

social do caráter retardatário da constituição do capitalismo no Brasil, advindo do sistema de

colonização e exploração.

A origem senhorial e colonial na América Latina, conforme situa Florestan

Fernandes (2009) difere da modernização burguesa das economias centrais (Inglaterra,

França e Estados Unidos), ocasionando a situação de subordinação e dependência, a partir

da dialética entre arcaico e moderno. Nesse contexto, a hegemonia estadunidense

influencia coercitivamente vetores econômicos, sociais, políticos, culturais e ideológicos no

Brasil, induzindo a modernização do arcaico, perpetuando o poder nas mãos de grupos

exclusivos, conjugando privilégios internos com a exploração externa.

O atual projeto educacional no Brasil está submetido aos ditames dos

organismos multilaterais, que acabam por influenciarem decisivamente a política de

educação no Brasil (ALMEIDA, 2011, p.14). Dentre estes, citamos o Banco Mundial, o

Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Internacional para a

Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD), representando as agências de financiamento;

os órgãos de cooperação técnica, como o Programa das Nações Unidas para a Educação,

Ciência e Cultura (UNESCO), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento

Econômico (OCDE), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e o Programa

das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Assim, diante desse contexto histórico em face da dinâmica da realidade,

visualizamos um Estado que prioriza a relação de maior investimento nas pesquisas e

disciplinas que contribuem para o processo mecanizado da difusão da produtividade

tecnocrática e funcionalista no fazer acadêmico. Para além desse aspecto ideológico,

observamos que a gestão das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) acaba sendo

perpassada pelos fenômenos sociais atinentes ao mundo do trabalho, que são exclusivos ao

modo de produção capitalista, como por exemplo, a terceirização.

Meszáros (2008) argumenta que para reivindicar a transformação social radical

consciente e o rompimento com a desumanizante autoalienação é necessária à defesa da

universalização da educação de forma intrínseca e complementar a universalização do

trabalho, como atividade humana auto realizadora, sob a égide da igualdade e liberdade

substancial de todos/as.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 Uma breve reflexão sobre a categoria trabalho n a sociedade capitalista

O trabalho é a atividade fundante do ser social, pois ao executá-la o homem age

movido pela teleologia, antecipando idealmente a finalidade da ação almejada. Assim,

somente o ser social é capaz de agir de forma teleológica, consciente e racional; comunicar-

se através da linguagem com os seus semelhantes; realizar escolhas baseadas em

avaliações; e viver socialmente em coletividade. É o trabalho que suscita todas estas ações,

e por isso esta categoria é constituinte do ser social e o distingue dos demais animais

(NETTO; BRAZ, 2012).

Porém, é certo que ao desenvolver o processo de trabalho o homem busca,

inicialmente, apenas suprir suas necessidades de reprodução. Todavia, para Marx, esta

categoria vai além desta dimensão, pois também faz referência ao modo de ser dos homens

e como vivem na sociedade.

Assim, vejamos:

Este modo de produção não deve ser considerado deste único ponto de vista, como mera reprodução da existência física dos indivíduos. Trata-se, isso sim, de uma forma determinada de manifestar a sua vida, de um determinado modo de vida dos mesmos. A maneira como os indivíduos manifestam a sua vida reproduzem exatamente aquilo que são. Aquilo que são, coincide, portanto, com a sua produção, isto é, com aquilo que produzem e com a forma como o produzem. Aquilo que os indivíduos são dependem das condições materiais da sua produção. (MARX, 2005, p. 18).

Ocorre que em determinado estágio do processo sócio histórico, o trabalho além

de produzir os bens necessários à reprodução humana, se transforma em uma mercadoria a

ser explorada, passando a produzir um produto em que o homem não se reconhecerá nele,

tornando-se este objeto um ser estranho ao seu próprio produtor.

Essa inversão é nomeada de alienação, fenômeno típico da sociedade

capitalista, fundada na divisão social do trabalho e na privação dos meios de produção.

Desta forma, percebemos que a alienação corresponde a um fenômeno histórico, pois as

condições em que ela se processa não são naturais e podem sim ser superadas no curso da

história.

A despeito da gama e teorias de alienações, advogamos a alienação como

fenômeno concreto histórico calcado no trabalho assalariado. A desigualdade no acesso

aos bens culturais e da educação, objeto de nossa investigação, especialmente nos países

que vigora o capitalismo dependente, adquire centralidade na forma histórica do trabalho

inserido nas relações de produção, conforme denota Marx (2005).

Marx (2005) apreendeu a alienação do ponto de vista do trabalho, mas

reconhece suas diferentes formas de expressão na vida humana. “Há muitas formas nas

quais o homem aliena de si mesmo os produtos de sua atividade e faz deles um mundo de

objetos separado, independe e poderoso, com o qual se relaciona como um escravo,

impotente e dependente” (BOTTOMORE, 2011, p.6).

Nos processos educacionais, a alienação expropria o direito de pensar e

questionar para além do imediato, transformando os sujeitos em seres coisificados e

objetificados, no intuito de produzir um pensamento único, consensualmente hegemônico,

acrítico e útil à sociabilidade do capital. A “Lei da Mordaça” impulsionada pelo Projeto Escola

sem Partido (PL 193/2016; PL 1411/2015 e PL867/2015) se insere nessa perspectiva pela

censura ao pensamento crítico e reflexivo no espaço escolar com argumentos da suposta

doutrinação ideológica e pretensa neutralidade do conhecimento.

Essa proposta inconstitucional fere o princípio do pluralismo de ensino e da

liberdade política, com fins de manutenção ao status quo, disseminando concepções

discriminatórias e preconceituosas, figurada principalmente na “ideologia de gênero e

sexualidade”. Em geral, ela coaduna com o modelo de educação meritocrática,

mercadológica, sucateada, classista, racista e patriarcal. Esse cenário se insere na

expansiva socialização da mercadoria, na mercadorização da vida social, na coisificação

das relações sociais, na desumanização e na banalização da questão social, imanente ao

atual estágio do capitalismo.

Ocorre que na sociedade capitalista, especialmente em tempos de avanço do

capital, o trabalho acaba sofrendo transformações para atender às necessidades deste

modo de produção, porém, suas consequências se estendem às diversas esferas da vida

social, dentre as quais podemos citar a política de educação, que vendo sofrendo com o

processo de mercantilização e tornando-se um mecanismo estratégico para consolidação do

projeto ideológico do capital. Dito isto, faremos um debate sucinto sobre alienação do

trabalho que reproduz a aparência e dissimula a experiência de classe, para em seguida,

questionar a configuração da terceirização das universidades, pensando o sucateamento

progressivo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), situando a tentativa de

“escolarização” e enfraquecimento da qualidade para fins de massificação.

2.2 Notas preliminares da formação socioeconômico d o Brasil

Para compreendermos as mudanças sofridas pelo trabalho em tempos de

avanço do capital, bem como se engendra o fenômeno da terceirização e suas

consequências no ensino superior, é importante considerarmos o processo em que o

trabalho adquiriu – e vem cotidianamente adquirindo - um novo sentido na sociedade

capitalista, atentando-se para o desenvolvimento deste sistema no Brasil, e suas

implicações no mundo do trabalho.

Segundo Netto e Braz (2012) o trabalho não é uma atividade linear e unívoca,

pois sofre transformações ao longo do processo histórico. Assim, na sociedade capitalista, a

qual tem a vigência da divisão social do trabalho e da propriedade privada dos meios de

produção, podemos dizer que o trabalho não se configura somente para subsistência do

homem, mas também para o enriquecimento de alguns – detentores dos meios de produção

- através da exploração da força de trabalho daqueles dependem de sua venda para viver.

Barbosa (2014) nos fala que a desumanização é intrínseca às relações sociais

no capitalismo, pois as leis gerais desta sociedade implicam na mercantilização das

relações, dos seus membros e das coisas. Desta forma, o trabalho também adquire um

novo sentido, se transformando em mercadoria, um mecanismo estratégico para os

detentores do capital.

Situamos que esse modo econômico de produção não se desenvolveu em todo

o mundo de maneira uniforme, adquirindo características específicas em cada país. De

acordo com Fernandes (2009), na América Latina o capitalismo e a sociedade de classes

não se desenvolveram como nos países centrais, pois não foram frutos de uma evolução

com condições de crescimento autossustentado e desenvolvimento autônomo, ou seja, o

capitalismo se desenvolveu na América Latina de maneira peculiar, dando um salto em

várias etapas intermediárias essenciais ao desenvolvimento equilibrado da ordem social

inerente ao capitalismo. A educação foi negligenciada, em favor das telecomunicações,

urbanização, industrialização, geralmente escamoteada pela via do “progresso”. Isto é, o

capitalismo dependente “evoluiu sem contar com condições de crescimento autossustentado

e desenvolvimento autônomo” (FLORESTAN, 2009, p.43).

Nesse sentido, o autor denomina o capitalismo latino americano de

dependente 4 , o qual combina um desenvolvimento econômico dual. Fernandes (2009)

advoga que o capitalismo dependente está sempre em constante transformação, seguindo

as evoluções das sociedades centrais hegemônicas, mesmo sem conseguir mudar o seu

4 Para mais informações ver “Capitalismo dependente e as classes sociais na América Latina” de Florestan Fernandes, SP, 2009.

padrão de transformação, passando do desenvolvimento dependente para o relativamente

autônomo. É importante destacar que padrão de acumulação de capital dependente

promove tanto a intensificação da dependência como também do subdesenvolvimento

econômico, social, cultural e político.

Francisco de Oliveira (2013) evidencia que no subdesenvolvimento não

corresponde a uma evolução ou etapa ao desenvolvimento capitalista, mas sim uma

produção da dependência econômica da expansão capitalista. Portanto, o discurso

disseminado pelo senso comum de que estaríamos seguindo um percurso econômico

evolutivo está desconectado a real natureza do capital.

Ao afunilamos para a situação brasileira, percebe-se que o desenvolvimento

capitalista aqui também se apresentou como uma unidade de opostos, em que o “moderno”

se desenvolveu ao lado do “ultrapassado”, caracterizando-se por uma desigualdade

combinada, na qual se introduziu relações novas no arcaico e se reproduziu relações

arcaicas no novo (OLIVEIRA, 2013).

A perspectiva de Marx (2005) é atestada no contexto de mundialização do

capital, em que a mercadoria encobre às características do trabalho5 e oculta a relação

social entre os trabalhos individuais dos produtores. “Através dessa dissimulação, os

produtos do trabalho se tornam mercadoria, coisas sociais com propriedades e

imperceptíveis aos sentidos” (ibidem, p.94).

Nesse contexto de crise estrutural, ocorre a reciprocidade dialética entre os

elementos de reificação6 e alienação, medular na constituição das relações sociais sob a

égide do capitalismo, de modo que quanto maior a expansão da mercadoria maior o

alheamento do homem a humanidade (MESZÁROS, 2006 apud BARBOSA, 2014, p.295).

Essa complexidade é estruturada pela lei geral da acumulação capitalista que

regula o predomínio do capital, principalmente ao remetermos a precarização do trabalho e

a configuração dos centros universitários, somada a lógica da acumulação flexível, no qual

iremos debater no próximo tópico.

5 “Uma relação social definida, estabelecida entre os homens, assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas” (MARX, 2005, p. 94). 6 Reificação: É o ato (ou resultado do ato) de transformação das propriedades, relações e ações humanas em propriedades, relações e ações de coisas produzidas pelo homem, que se tornaram independentes (e que são imaginadas como originalmente independentes) do homem e governam sua vida. Significa igualmente a transformação dos seres humanos em seres semelhantes a coisas, que não se comportam de forma humana, mas de acordo com as leis do mundo das coisas. A reificação é um caso “especial” de alienação, sua forma mais radical e generalizada, característica da moderna sociedade capitalista (BOTTOMORE, 2011, p.494).

2.3 O fenômeno da terceirização no Brasil

Passado alguns anos, mesmo tendo enfrentado poucas experiências socialistas,

o capitalismo vem imperando mundialmente, seja nas economias dos países mais

desenvolvidos (centrais), como também nos menos desenvolvidos (periféricos), tornando-se

um sistema planetário. Assim, mesmo com a legislação trabalhista em vigência e a luta da

classe trabalhadora, assistimos no cenário atual o desmonte dos direitos do trabalho em prol

do capital em todo o mundo.

Antunes e Druck (2014) pontuam que o capitalismo nos dias atuais vem

apresentando um movimento de destruição do trabalho regulamentado, de matriz taylorista

– fordista, sendo substituído pelos mais diversos modos de terceirização, informalidade e

precarização. Isto se desencadeou com a crise do padrão de acumulação fordista –

taylorista, que implicou no amplo processo de reestruturação produtiva, no qual o capital

buscou várias transformações por meio da acumulação flexível, almejando recuperar-se e

retomar a hegemonia.

Desta forma, os autores destacam que o modo de acumulação flexível se

caracteriza por combinar diversos elementos, como por exemplo: a associação ao avanço

tecnológico; introdução ampliada de computadores na produção, substituindo trabalho vivo

pelo morto; descentralização produtiva através da terceirização; diminuição da carga de

trabalho com a redução do salário; flexibilização dos contratos; discursos de trabalho em

equipe, trabalhador participativo, metas, dentre outras.

As implicações deste modo de acumulação capitalista no mundo do trabalho

são substanciais e significativas, pois corresponde à fragilização do movimento sindical,

desregulamentação dos direitos trabalhistas, a submissão dos trabalhadores a contratos

temporários, instáveis e precários, gerando maior desigualdade e exclusão social.

Dentro da precarização do trabalho o modo que mais tem se destacado nos

últimos anos é a terceirização. Para compreendermos melhor sobre esta noção é válido

apresentar a análise de Druck (2011):

(...) exige total flexibilidade em todos os níveis; ela institui um novo tipo de precarização que passa a dirigir a relação capital-trabalho em todas as suas dimensões. E, num quadro em que a economia é comandada pela lógica financeira sustentada no curtíssimo prazo, as empresas do setor industrial buscam garantir seus altos lucros, exigindo e transferindo aos trabalhadores a pressão pela maximização do tempo, pelas altas taxas de produtividade, pela redução dos custos com o trabalho e pela “volatilidade” nas formas de inserção e contratos (DRUCK, 2011 apud ANTUNES; DRUCK, 2014, p.16-17).

Deste modo, entendemos que a terceirização está imbricada na organização

capitalista, que visa lucros altos a partir da intensificação do trabalho e sua alta rotatividade,

na qual o capitalista vê a força de trabalho como uma mercadoria que pode ser facilmente

trocada por outra. Fato que torna- se menos trabalhoso com os contratos temporários de

trabalho, o exército industrial de reserva e a falta de fiscalização do Estado que não garante

que o trabalhador tenha seus direitos respeitados caso a empresa feche e não pague o que

deve.

A terceirização “encobre e oculta as relações de trabalho entre a empresa

contratante e os trabalhadores subcontratados, intermediadas por uma terceira” (ANTUNES;

DRUCK, 2014, p.18); ou seja, há um fetichismo dessas relações. A empresa que contrata

transfere a responsabilidade legal dos trabalhadores para a empresa “mediadora”, o que vai

contra a legislação trabalhista. Uma das consequências disto é que na falta de repasse à

terceirizada, seus funcionários são os maiores prejudicados.

Essa expansão da terceirização adentra ostensivamente nas universidades,

através dos serviços de limpeza, vigilância, alimentação, manutenção e em geral são

ocupados pela força de trabalho feminina.

2.4 Os impactos da terceirização e a educação: a cr ise da UERJ

A educação que deveria oferecer aporte para repensar a realidade e decifrar

criticamente os condicionantes políticos e sociais é reduzida à ferramenta do atual modelo

de produção e acumulação, tornando possível a reprodução desigual e assimétrica da

sociedade de classe, ou seja, a “educação significa o processo de ‘interiorização’ das

condições de legitimidade do sistema que explora o trabalho como mercadoria, para induzi-

los à sua aceitação passiva” (SADER, 2008, p.17), a partir da internalização dos parâmetros

reprodutivos do sistema.

Nota-se a relativa ausência do Estado nos últimos anos, no que se refere ao

campo educacional no Brasil, principalmente na insuficiência de verbas públicas e na

precarização da infraestrutura das salas de aulas, ineficiência nas condições de acesso e

permanência, múltiplas reformas educacionais, currículo desconectado com a realidade e

influenciado pelas regras de mercado, burocracia em excesso, baixos salários, despreparo

dos/as profissionais, a concessão da exploração privada e a crescente terceirização da mão

de obra dos funcionários.

Assim, vejamos a crise que perdura por anos, que envolve os terceirizados da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), é um dos exemplos da

irresponsabilidade dos gestores estaduais e nacionais no trato a educação. É importante

ressaltar que a UERJ possui 63 anos de trajetória na produção de conhecimento rigoroso e

científico, com 33 cursos de graduação, 54 mestrados, 42 doutorados, 142 especializações,

623 projetos de extensão, o Hospital Universitário Pedro Ernesto, Policlínica Piquet Carneiro

e o Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues distribuídos em 13 Unidades.

De acordo com o Conselho de Curadores da UERJ7, o Poder Executivo do

Estado do Rio de Janeiro destinou apenas o valor de 10 milhões de reais em 2016 de um

montante de 65 milhões, comprometendo os serviços de manutenção, limpeza, segurança e

impedindo o seu funcionamento. A justificativa da crise financeira do estado compromete o

salário integral dos/as servidores, professores/as, terceirizados/as e estudantes.

Em junho de 2016 8 houve a demissão em massa de pelo menos 500

funcionários encarregados da limpeza, sem que ao menos os sete salários atrasados e a

segunda parcela do 13º fossem pagos pela contratante Construir Arquitetura. A mesma

informou que o atraso era devido à falta de pagamento do governo estadual e que os

trabalhadores deveriam recorrer à justiça para receber o que lhes é devido. É importante

frisar que mesmo sem salários e com várias dificuldades, os funcionários continuaram indo

trabalhar.

Conforme o Ministério Público do Trabalho (MPT)9, situação semelhante ocorreu

com 400 vigilantes que trabalhavam na universidade. A contratante Dinâmica Segurança

Patrimonial LTDA os demitiu sem pagar-lhes dois meses de salários atrasados.

Devido a estes fatores, o governo estadual, a UERJ e as empresas

terceirizadas, viraram réus no processo promovido pela procuradora, Sra. Valdenice Furtado

do MPT e, se condenadas, podem ter que pagar 130 milhões de reais, respectivamente aos

salários atrasados e indenização por dano moral aos funcionários.

Enquanto isso, algumas campanhas solidárias foram realizadas nos diversos

campus da universidade com intuito de arrecadar alimentos não perecíveis e materiais de

higiene e limpeza para os funcionários terceirizados. São atitudes de caráter assistencialista

e paliativo, porém foi a forma imediata encontrada para este momento tão difícil.

Desta forma, percebemos que há uma desresponsabilização das empresas

contratadas para com seus funcionários, expondo-os a precárias condições de trabalho, de

vida e ao desemprego sem qualquer tipo de amparo. Enquanto isso, o governador do Rio de

Janeiro, Luiz Fernando Pezão (PMDB), quando se pronuncia, alega estar trabalhando para

7 Disponível em: http://www.uerj.br/lendo_noticia.php?id=1106 Acesso em 24 Jan. 2017. 8 Informação extraída do site < http://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/sem-receber-repasse-do-estado-empresa-terceirizada-faz-demissao-em-massa-na-uerj-01062016>. Acesso em: 15/02/2017. 9SATRIANO, N. RJ pode ter que pagar 130 milhões por ‘calote’ a terceirizados da UERJ. Junho, 2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/07/rj-pode-ter-que-pagar-r-130-milhoes-por-calote-terceirizados-da-uerj.html>. Acesso em: 15/02/2017.

contornar a situação. O que está acontecendo com os terceirizados da UERJ pode servir

como exemplo para evidenciar o perigo que o Projeto de Lei 4.330/2004 representa.

Este Projeto diz respeito aos “contratos de terceirização e as relações de

trabalho deles decorrentes” 10 visando liberação por completo da terceirização em empresas

privadas. Em abril de 2015 a Câmara dos Deputados aprovou uma emenda por 230 votos e

o texto do Projeto seguiu para o Senado11 onde ainda espera ser votado.

Portanto, podemos observar que a terceirização faz parte do projeto neoliberal,

que encontra partidários dentro do Congresso Nacional dispostos a defendê-la, pois o

Estado e as outras esferas que atuam sobre as relações de trabalho ainda se mostram

como empecilhos para a exploração total do capital sobre o trabalhador.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A discussão acerca do trabalho é fundamental para pensar o atual modelo de

gestão da acumulação flexível, somada as nuances epidêmicas de precarização da vida

social. O trabalho alienado e a reificação adquirem contornos de exploração massiva da

classe que vive da força de trabalho, principalmente nas economias dependentes. Nessa

conjuntura de crise estrutural, a educação transforma-se em mercadoria para cumprir as

demandas do sistema capitalista, sucumbindo debates sobre os direitos humanos, sociais,

políticos e trabalhistas, permeados por uma práxis mais questionadora.

A compreensão de educação para além do capital, defendido por Meszáros

(2008), reivindica uma perspectiva humanamente radical que nos conduza a emancipação

política e humana, com práticas educacionais mais abrangentes, envolvendo

simultaneamente a mudança qualitativa das condições objetivas de reprodução da

sociedade e afastando-se dos paradigmas educacionais do capitalismo avançado.

É importante destacar que a emancipação humana12 não é possível na atual

sociabilidade, ainda que os/as profissionais atuem de forma democrática. Por outro lado, a

10BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Projeto de lei nº 4.330-I de 2004 Dispõe sobre os contratos de terceirização e as relações de trabalho deles decorrentes. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=BCE14EBF15CADA8D2BCF7DBCB45E98CF.proposicoesWebExterno1?codteor=1325350&filename=REDACAO+FINAL+-+PL+4330/2004>. Acesso em: 15/02/2017. 11 Disponível em: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/TRABALHO-E-PREVIDENCIA/486413-CAMARA-APROVA-PROJETO-QUE-PERMITE-TERCEIRIZACAO-DA-ATIVIDADE-FIM-DE-EMPRESA.html. Acesso em: 15/02/2017. 12 Só quando o homem individual retoma em si o cidadão abstrato e, como homem individual – na sua vida empírica, no seu trabalho individual, nas suas relações individuais-, se tornou ser genérico; só quando o homem reconheceu e organizou as suas forces propres [forças próprias] com forças sociais e, portanto, não separa mais de si a força social na figura da força política – [é] só então [que] está consumada a emancipação humana (MARX, 2009, p.71-72).

emancipação política não é incompatível com o modo de produção capitalista, ao contrário

da emancipação humana, que propõe a sua superação sistemática, pois é inconciliável com

o trabalho alienado.

Nos termos que está colocada, a política de educação é o lócus privilegiado de

distintas armadilhas políticas e ideológicas que conseguem formular um ethos de

internalização e reprodução do modelo neoliberal. O projeto educacional submetido aos

ditames dos organismos multilaterais relaciona-se com a lógica organizacional do Estado

brasileiro influenciado pelo ideário neoliberal, impondo a desresponsabilização do Estado no

trato das políticas públicas e o repasse à sociedade civil, mediante o incentivo a participação

comunitária, familiar e empresarial, em nome do solidarismo.

A lógica do capital, da mercadorização da educação e da precarização do trabalho

permite reformas pontuais e ajustes parciais imbricadas no metabolismo do capital. Essas

melhorias focalizadas e reduzidas em vários âmbitos das políticas sociais acontecem desde

que não interfira nas determinações estruturais da sociedade e altere o núcleo das

desigualdades.

Nesse sentido, quando fazemos uma breve análise da situação atual da UERJ,

percebemos todos estes aspectos elencados neste trabalho presente na dinâmica desta

universidade, que se encontra paralisada há meses e sem previsão de retorno, haja vista

que seus funcionários, tanto os efetivos quanto os terceirizados, encontram-se numa

situação bastante dramática, e buscam o respeito profissional, humano e o reconhecimento

enquanto classe trabalhadora por parte do Estado.

Contudo, a situação dos trabalhadores em regime de terceirização é mais

agudizante, pois estes se encontram a mercê da sorte, sem direção única de

representatividade política, pois como vimos a terceirização, fenômeno este deixa de ser

casual passando para comum, no modo de produção capitalista, acaba por fragilizar e dividir

a classe trabalhadora, confundido sua identidade enquanto classe.

4. REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Ney Luiz Teixeira de. Educação. Apontamentos sobre a política de educação no Brasil hoje e a inserção dos assistentes sociais. In: Subsídios para o Debate sobre o Serviço Social na Educação. Grupo de Estudos sobre o Serviço Social na Educação. Brasília-DF: CFESS, 2011. ANTUNES, R.; DRUCK, G. A epidemia da terceirização. 2014, p. 13 – 24. In ANTUNES, Ricardo. Riqueza e miséria do trabalho no Brasil III. São Paulo: Boitempo, 2014.

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