“o Brasil à Beira Do Abismo, De Novo” - Rodrigo Patto Sá Motta
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7/25/2019 o Brasil Beira Do Abismo, De Novo - Rodrigo Patto S Motta
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O BRASIL BEIRA DO ABISMO, DE NOVO - RODRIGO PATTO S MOTTA
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O BRASIL BEIRA DO ABISMO, DE NOVO - RODRIGO PATTO S MOTTA
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Estas so reexes de algum que h muitos anos vem se dedicado a estudar e entender a histria poltica brasileira.
que est perplexo com o momento vivido pelo pas, situao tanto mais difcil por estar vivendo no exterior des
janeiro de 2016 como professor visitante. Venho acompanhando o noticirio ao mesmo tempo preocupado com
futuros desdobramentos da crise e angustiado pela distncia e incapacidade de participar dos eventos. Por isso
vontade de escrever sobre a situao atual e tentar contribuir para a sua compreenso. Resolvi efetivamente faz-
quando recebi uma provocao de alunos da Unimontes, que me pediram opinio sobre a crise e uma comparao co
os idos de 1964. Farei essa comparao ou analogia com a nossa ltima grande crise poltica e, ao nal, algum
conjecturas sobre os possveis desdobramentos. A anlise ligeira devido urgncia e falta de tempo, pela mes
razo o estilo ser sacricado (mas espero que a gramtica se salve).
Aprimeira coisa a registrar a sensao de surpresa com a crise atual. Quem imaginaria isso em 2011, quando Dil
assumiu? certo que as jornadas de junho de 2013 revelaram uma ebulio poltica crescente, uma insatisfao difu
entre os jovens, setores das classes mdias e o crescimento da opinio de direita no pas. Mas naquele momento e
difcil imaginar que as coisas tomariam o atual rumo. Vivemos uma polarizao poltica que de fato traz memr
1964, pois existem muitos ingredientes semelhantes. H algum tempo os ecos de crises polticas anteriores tm
apresentado no contexto recente, alis, um indcio da existncia de fatores estruturais a inuenciar o jogo poltico.
meno a fatores estruturais implica no apenas o quadro econmico, mas, sobretudo a cultura poltica, ou seja,
existncia de valores, representaes e comportamentos polticos arraigados que, ao mesmo tempo, mobilizam
atores e lhes fornecem argumentos para a luta. Determinados projetos e valores polticos continuam no cerne dembates, a demarcar o campo entre os atores que disputam o poder. Da mesma forma, vemos alguns repertri
polticos sendo reapropriados e utilizados novamente no cenrio poltico, com uma crescente radicalizao que f
lembrar a grande crise de 52 anos atrs. Alis, parece-me que vivemos o quadro mais crtico desde 1964, com
sensao novamente de que pode haver ruptura institucional devido ao grau de radicalismo de alguns agent
polticos. A mobilizao crescente vai provocando efeitos sobre muitos cidados que se sentem intimados a tom
posio, a escolher um lado. Portanto, h uma tendncia para a polarizao, o que pode envolver no apenas as pesso
como as instituies, gerando potencialmente o impasse e uma soluo pela via da ruptura.
Como dizia, os ingredientes dessa tenso poltica so parecidos com a crise de 1964. H um governo de centresquerda acuado pela grande mdia e com apoio minoritrio no Congresso, em quadro de crise econmica. Vemos u
semelhante mobilizao de grupos de direita e protestos de rua contra o governo, que atacado igualmente co
argumentos anticomunistas e anticorrupo. Setores majoritrios das classes mdias e superiores mostram-se e
estado de rebelio, dispostos a derrubar o governo da maneira que for possvel, sem maiores preocupaes com
respeito s regras institucionais. Embora divididos no momento inicial, setores de esquerda e progressistas tendem
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aproximar-se na defesa das instituies e dos projetos sociais que o governo representa, procurando mobiliz
tambm as ruas e os movimentos sociais. Como em 1964, o ocupante do Poder Executivo herdeiro de um gran
lder anterior, gura carismtica com grande capacidade de aglutinao, no entanto, infelizmente, no possui a mes
habilidade do seu mestre, detalhe que contribuiu para piorar a crise. Embora mobilizados e presentes no cenri
presumivelmente mais inclinados em favor do governo de centro-esquerda, os setores populares parecem men
dispostos a ocupar as ruas do que a classe mdia. Pelo menos at o momento.
Um aspecto curioso merece ateno, ainda na linha da cultura poltica e dos fatores estruturais. Na sua origem, o
fez uma crtica aguda do que ento era chamado populismo, uma expresso que, a depender do uso poderia signictanto o varguismo como suas ligaes com o comunismo, e tambm o nacionalismo e o desenvolvimentismo. Ta
crticas representavam um repdio alimentado por convices polticas, mas, tambm, uma estratgia para demarcar
espao de armao para um novo grupo de esquerda. Pois bem, paradoxalmente, na sua idade madura o
encontrouse na condio de herdeiro do mesmo legado que tanto havia criticado, creio que menos por op
consciente e mais movido pela lgica das estruturas polticas. E a ocupao desse espao poltico e desse proje
(desenvolvimentismo e reformismo moderado apoiados em uma liderana carismtica) atraiu contra o PT os mesm
grupos e argumentos crticos de outrora: a opinio liberal e conservadora, o temor da direita de que um lder com t
carisma no pode ser vencido nas urnas, a manipulao do anticomunismo e das crticas corrupo. Esse ltimo tem
alis, mereceria um estudo parte, por sua fora como elemento de mobilizao poltica para desestabilizar govern
Claro que corrupo existe e deve ser apurada, mas bvio tambm que um quadro sistmico. O fato de tornar-
motivo para mobilizao oposicionista apenas em determinados contextos e contra alvos especcos mui
revelador. A sensibilidade anticorrupo s eclode de maneira grave quando alguns grupos consideram o gover
inaceitvel. Est virando uma tradio brasileira usar discursos anticorrupo para desestabilizar e retirar do poder u
governo indesejvel (para certos grupos, claro), sem que os problemas estruturais que geram a corrupo sistmi
sejam enfrentados.
Quanto ao anticomunismo realmente curiosa a sua mobilizao contra o PT, j que o partido originalmente faz
duras crticas aos PCs. Mas, por outro lado, tambm natural a convergncia entre anticomunismo e antipetismo,
que o PT tem um ncleo marxista e aliados esquerda. Ademais, tentador para as foras de direita fazer usotradio anticomunista, que demonstrou ser bastante arraigada no Brasil. Como o mesmo discurso mostrou-se mui
eciente em 1964 (como mostrei na tese de doutorado, Em guarda contra o perigo vermelho) seria de se esperar o s
aproveitamento no atual contexto, embora com frequncia isso ocorra de maneira canhestra. A propsito, algum te
que fazer um bom estudo sobre o antipetismo, uma pesquisa que ao meu ver ter de compar-lo com o anticomunism
A mobilizao do anticomunismo contra o PT tornouse mais forte a partir das eleies de 2014, quem no se lemb
dos gritos de "vai para Cuba"? Mas algo presente desde as eleies de 1989, tendo se incrementado ao mesmo pas
que o crescimento do PT e sua chegada ao poder.
Por que o dio ao PT e aos governos por ele liderados? O PT no um partido comunista e tampouco tem fei
governos radicais, o que torna os ataques de direita bastante desproporcionais. Mas os governos petistas implantara
programas de distribuio de renda e polticas de incluso em favor de grupos socialmente marginalizados, medid
muito necessrias, alis. Ainda que os efeitos sejam importantes para os beneciados e apontem para melhori
positivas nos nossos indicadores sociais, est claro que no h radicalismo e tampouco projetos revolucionri
Ademais, como sabido, setores empresariais ganharam muito dinheiro nos anos de ouro do governo Lula. Porm,
efeitos simblicos e polticos das mudanas sociais so desproporcionais, j que a perda de alguns privilgios e
status so percebidos como agresso por pessoas das classes superiores (pobres viajando de avio, empregadas co
direitos sociais etc).
No caso dos setores das classes mdias alcunhados de "coxinhas", parte da sua insatisfao vem da sensao de teresido esquecidos pelo Estado, com base na percepo de que os governos petistas atenderam apenas aos pobres e a
ricos. Diga-se de passagem, a foi cometido grave erro poltico, permitir que entre a classe mdia avultasse
sentimento de abandono, pois esse segmento social foi a base para a desestabilizao de governos anteriores co
Vargas e Goulart.
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Outro fator que explica a mar montante da oposio a insatisfao da grande mdia, cujo temor maior que
governos petistas estabeleam controles sobre os meios de comunicao ou reduzam os privilgios das grand
empresas. A propsito, em 1964 acusou-se o governo Goulart de planejar coisa semelhante, mas com outros meios. E
foi denunciado pelo suposto projeto de estabelecer monoplio sobre o papel jornal, um estratagema usado tanto p
Vargas como Pern para domar a grande mdia. Tambm deve-se levar em colocar conta, claro, a fora crescente
opinio liberal, que discorda das polticas desenvolvimentistas (estatistas) aplicadas nos ltimos anos. Nesse bar
esto prossionais liberais e assalariados de classe mdia, que so movidos por ideias, mas tambm setores co
interesses materiais em jogo e que so presumivelmente nanciadores de certas campanhas, ou seja, grupempresariais (internos e externos) que percebem no Estado um concorrente incmodo.
Toda essa insatisfao se expressa nas ruas (e nas redes sociais) com crticas virulentas ao PT que mobilizam algu
argumentos crveis somente para os mais passionais e ingnuos. De fato, h muitos novos cidados por a, pessoas q
descobriram a importncia da poltica e desejam participar, mas com incrvel ignorncia da histria do pas e do mund
tornando-se mais facilmente manipulados. Isso talvez explique como possvel aceitar o argumento de que vivem
uma ditadura petista, ou que o governo seja socialista ou comunista. Somente um cidado com pouco conhecimento
histria poltica (muitos, infelizmente) pode acreditar que est no poder um governo socialista. As polticas sociais e
vigor so perfeitamente compatveis com o sistema capitalista e, caso tenham continuidade, poderiam nos lev
dentro de algumas dcadas, a atingir padres sociais parecidos s economias dos pases capitalistas desenvolvido
Quanto ao tema da ditadura, vemos uma chocante ignorncia sobre o seu signicado. Que tipo de governo ditatori
permitiria que sua prpria polcia o investigasse? Que ditadura aceitaria uma imprensa livre que diariamente ataca
governantes?
Para encerrar a comparao com 1964 no poderia esquecer a existncia de diferenas muito importantes. No pla
das representaes, a diferena mais relevante a meu juzo que o tema da corrupo no quadro atual o ma
explosivo, com o anticomunismo vindo em segundo plano. Em 1964 foi o contrrio, o fator unicador das foras
oposio foi o anticomunismo. Embora Goulart no fosse comunista, bem longe disso, a sua aliana com a esquer
tornava o quadro grave na percepo da direita, que via como possibilidade real a hiptese do projeto de reformsociais se radicalizar na direo do socialismo. Diferente hoje tambm, e felizmente, a ausncia do quadro de guer
fria, que tornou o cenrio de 1964 mais explosivo. Esses pontos ajudam a explicar porque a questo anticomunista n
tem o mesmo peso de outrora. Outro aspecto diferente, ainda bem, a ausncia dos militares do cenrio pblico (que
sabe os nomes dos principais comandantes militares?), atualmente mais reticentes em tornar-se protagonistas da cri
poltica por saberem os custos de uma interveno autoritria para a sua corporao. Isso no signica que estam
totalmente livres de ruptura institucional e da entrada em cena dos militares. Porm, uma ditadura militar o cur
menos provvel, ao contrrio de 1964, quando tanto a direita como a esquerda procuraram atrair os militares para
cenrio poltico.
H dois outros pontos presentes em 1964 e ausentes da crise atual, dois fatores que foram fundamentais na detona
do golpe. O primeiro deles explica bastante do apoio militar derrubada de Goulart: a politizao dos subalternos d
Foras Armadas (cabos, sargentos, marinheiros), que foram cortejados e disputados pelos grupos de esquerda.
militares perceberam nesse movimento das esquerdas uma estratgia para minar as FFAA (ao supostamente romp
os valores de hierarquia e disciplina) e abrir caminho revoluo. O outro aspecto que Goulart e parte de se
aliados de esquerda estavam em rota de coliso com o Congresso, que consideravam contrrio s reformas de bas
Para contornar as diculdades com o Congresso, o grupo presidencial planejou mudanas na Constituio q
ampliariam o poder do governo, e para obt-las a estratgia foi mobilizar as ruas. Tais aes foram percebidas direi
como indcios de uma escalada autoritria da parte do governo e fundamentaram o discurso de que 1964 foi u
movimento para salvar a democracia. Nada se comprovou sobre supostas intenes golpistas de Goulart, maspresses sobre o Congresso deram credibilidade ao argumento da direita.
Evidentemente, nada de parecido temos no quadro atual, salvo que o governo perdeu boa parte de sua base de apoio
hoje est em minoria no Congresso. Ao contrrio de intenes autoritrias, o governo Dilma defende as institui
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vigentes e respeita a Constituio. Mesmo assim, h setores da oposio que apontam o autoritarismo do governo
denunciam existncia de projeto para perpetuar-se no poder. O fato do PT ter ganhado quatro eleies seguid
tornou-se um fator de medo, como se isso fosse prova de intenes malignas. H que lembrar que nos EUA
democratas venceram cinco eleies sucessivas, sem que isso congurasse ditadura. Deve ser lembrado, tambm, q
na eleio de 2014 a oposio esteve muito perto de vencer, e no o fez por erros prprios. O tema tem sido aborda
de maneira aparentemente mais sosticada no discurso de alguns arautos da direita nas redes sociais. Eles divulgam
anos que existiria em curso uma estratgia de inspirao gramsciana para obter hegemonia esquerdista, o que passar
inclusive pelo controle da mdia. Evidentemente, a tese revelou-se furada nos ltimos dias, quando a grande mdia e
peso se voltou contra o governo e a esquerda. E no que toca situao da mdia, outra mudana para melhor erelao a 1964: a existncia da internet e das redes sociais, que permitem uma circulao mais livre das informaes
a quebra do monoplio das grandes empresas. Um grande alento.
ltimo comentrio explorando as conexes 1964-2016. Tanto ento como agora vemos o primado da poltica arma
se com fora, empurrando a economia para plano secundrio. A crise econmica alimentou a crise poltica e
interesses econmicos movem muitos atores, evidente. Mas est claro tambm que os conitos e as expectativ
polticos so a fora principal dos acontecimentos. A crise poltica agravou o quadro econmico e tem fechado
caminho para a superao das diculdades econmicas. No h soluo para a crise econmica sem uma sada poltic
Vivemos sob o primado da poltica, portanto. E sob a angstia das incertezas, j que nem tudo pode ser previsto, men
ainda controlado.
Estamos a experimentar uma eloquente (ainda que dolorosa) lio sobre a essncia da poltica. Existem estruturas
cultura poltica, como j dito, que funcionam como moldura e pano de fundo. Mas, sobretudo nos momentos crticos,
resultado da obra depende das opes dos atores, cujas aes podem gerar resultados imprevistos, s vezes n
desejados. As lideranas tomam iniciativas, mas no comandam os resultados.
Alguns lderes desejavam apenas "queimar" (ou "sangrar") o governo e o PT no incio, para vencer a disputa de 201
Mas a evoluo dos eventos gerou a oportunidade de ganhar o poder agora, j, com o processo de impeachment sen
viabilizado pelos erros polticos e econmicos do governo, somados presso crescente da opinio de direita e
discurso anticorrupo radicalizado nas ruas. Porm, as lideranas de oposio correm o risco de perder o controleprocesso e de serem tragadas pelas mesmas investigaes de corrupo que fomentaram. mais fcil provocar a on
do que cavalg-la.
Estamos testemunhando o m da tradio conciliatria na poltica brasileira? Acabou-se a acomodao? O te
interessa-me em particular, pois a ele tenho dedicado bastante ateno nos ltimos anos. Para que os acord
tradicionais funcionassem era preciso contar com a excluso poltica de muitos e o desinteresse de outros tantos. Ali
um dos objetivos da conciliao/acomodao tem sido exatamente garantir o funcionamento do sistema poltico se
grandes sustos, evitando conitos graves para manter privilgios polticos e sociais. A excluso poltica ao mes
tempo uma premissa desse jogo e um dos seus objetivos. Porm, em clima de radicalizao e aumento de participa
poltica os acordos so mais difceis de alcanar. Os prprios governos comandados pelo PT foram baseados tamb
em alguma dose de acomodao, com a diferena signicativa de que a estratgia era usar os acordos para faz
mudanas sociais paulatinas. Esse arranjo sustentava-se em alianas com uma parcela dos grupos conservadores e
establishment poltico, muitos deles alimentados pelo siologismo. Era uma forma de rendio lgica do siste
poltico brasileiro, mas sem abrir mo de um projeto de mudanas sociais. Evitava-se conitos graves e rupturas,
mesmo tempo em que se fazia avanar algumas pautas sociais. Mas a frmula parece ter se esgotado. Os sci
conservadores do projeto no acreditam mais na sua viabilidade e os aliados siolgicos esto a abandonar o navio.
Isso no signica que uma sada acordada para a crise seja impossvel. Mas, como acabei de dizer ela difcil e
ambiente de grande mobilizao. Alguns atores de oposio at aceitariam acordo, em especial os que podem scondenados por corrupo caso o processo saia do seu controle. E no tm faltado quem reitere o discurso tradicion
de que os brasileiros no so dados ao dio poltico, convidando conciliao. Mas como a oposio faria um acor
depois de ter aulado a opinio pblica contra os odiados "petralhas"? Correria o risco de desmoralizar-se diante
suas bases. Alm disso, muitos cidados, especialmente os mais jovens, esto mostrando indisposio para acordos,
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que aparece nos episdios de bate-boca e os primeiros sopapos de que j temos notcia. Quem sabe essa crise vai s
um marco, uma quebra de paradigmas no que toca aos comportamentos e valores polticos? Ela ter fora para ger
uma nova cultura poltica? Estamos presenciando a formao de uma cidadania mais envolvida com as lutas poltica
mais visceral, mais conitiva? Menos tolerante com estratgias de acomodao? Veremos em breve.
Na ausncia de sada conciliatria haver muitos caminhos possveis e muitas incertezas. O sonho da oposio
aprovar o impeachment de Dilma dentro de algumas semanas e montar um governo de coalizo juntando PMDB
PSDB. E, claro, barrar em seguida as investigaes de corrupo contra os eventuais novos donos do poder. M
algumas diculdades tm que ser vencidas. Primeiro, a capacidade do governo e das foras democrticas barraremprocesso de impeachment. A maneira atabalhoada e abusiva como a operao lava-jato agiu nos ltimos di
aumentou as suspeies quanto a seus objetivos polticos e mobilizou gente que estava indecisa ou inerte. Cresceu
sensao de que seria indecente retirar Dilma Rousseff do poder em um processo presidido por Eduardo Cunha e pa
entregar o poder a Michel Temer. A mobilizao contra o impeachment pode ainda ter sucesso, mas precisa atrais ma
gente s ruas nos prximos dias. Outra diculdade para a oposio manter a tropa unida, j que as brigas por nac
do poder e pela sucesso eleitoral comearam antes da hora. Ademais, permanece o risco de que os lderes da oposi
sejam cassados tambm se o expurgo anticorrupo for levado srio. Essas diculdades e mais o risco de conit
graves depois de eventual aprovao do impeachment jogam a favor da possibilidade de uma sada negociada, u
trgua (que poderia ser a manuteno de Dilma no governo, mas com uso de instrumentos para inviabilizar uma vitr
petista em 2018).
Entre os cenrios vislumbrveis, o menos provvel parece ser o de ruptura violenta, sem ou com aes militares. M
quem pode garantir alguma coisa agora? A opinio a favor de interveno militar minoritria, mas poderia crescer
depender dos desdobramentos da crise, se houver um impasse institucional. E se os conitos nas ruas
intensicarem? Quem ser chamado para controlar as ruas? Por isso os atores principais do momento, os juze
procuradores, lderes polticos e donos dos meios de comunicao deveriam agir com responsabilidade.
O caminho poltico anal vitorioso deve ser considerado legtimo por ampla maioria, de outro modo vai ser um convi
para demandas radicais de virada do jogo. Deve-se ter em mente que uma quebra autoritria signica uma perda e urisco para todos. Pode-se remover o adversrio momentaneamente, mas, a instabilidade a ser criada signica um ris
muito grande de o grupo vencedor no conseguir manter-se no poder. Pode ser um jogo em que todos perdem no n
com no apenas um partido destrudo, mas todos, e com o poder judicirio igualmente desmoralizado frente
sociedade. Alm de eventual sada autoritria clssica, outra possibilidade nefasta que a destruio das institui
deixe o caminho aberto a todo tipo de aventureiro e oportunista.
Por isso a postura correta lutar pelo respeito s instituies: defender o sistema legal, a Constituio e
procedimentos jurdicos. As investigaes e eventuais punies devem ser levadas a efeito com rigor, mas sem critri
polticos, sem manipulaes eleitorais. As investigaes em curso esto demonstrando o que j sabamos: o siste
poltico brasileiro corrompido e tem relaes promscuas com grandes grupos empresariais. Mas isso no f
inventado anteontem. H que aproveitar a oportunidade para investir em reformas e melhorar esse sistema, n
permitindo que o tema da corrupo seja manipulado mais uma vez. Quem sabe, tambm, haver oportunidade
avanar o tema da reforma poltica? E tambm ampliar a cidadania e a participao social na vida poltica?
Se conseguirmos sair da crise com as instituies em p, sem retrocessos autoritrios, haver o que comemor
Melhor ainda (por que no sonhar?) se conseguirmos reforar o lado bom do nosso sistema poltico, combater
prticas corruptas, reduzir custos das campanhas eleitorais e fortalecer as lideranas polticas que realmente t
compromissos com a sociedade (seja qual for a sua orientao ideolgica, desde que respeitem a democracia e
pluralismo). Fundamental, tambm, salvar da destruio os projetos voltados distribuio de renda e reduodesigualdades sociais, que no podem ser abatidos em meio atual crise institucional. Evidente que h aspectos
melhorar e correes a fazer, mas a integrao de milhes de pessoas antes excludas a uma vida social digna foi que
de melhor aconteceu ao pas nos ltimos anos.
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