Novo empréstimo exibe múltiplos tentáculos do Banco Mundial

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O título do novo empréstimo (“Primeiro Empréstimo Programático para o Crescimento Eqüitativo e Sustentável”) é enganoso. Isto porque o belo nome esconde o que, na verdade, corresponde a uma vasta operação do Banco para a implementação de reformas com profundo alcance em múltiplas áreas de políticas públicas nacionais e com importantes impactos sobre a vida dos brasileiros.

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MÚLTIPLOS

TENTÁCULOS DO BANCO MUNDIAL *

Foi anunciada ontem (19-fev.-2004) a aprovação demais um empréstimo do Banco Mundial ao Brasil. Trata-se deum crédito de 505,05 milhões de dólares, ou R$ 1,5 bilhão (àtaxa de 2,98). O “Documento de Programa” (DP), que des-creve os objetivos do empréstimo, foi publicado no endereço:h t t p : / / w w w . o b a n c o m u n d i a l . o r g / c o n t e n t /_downloadblob.php?cod_blob=1200

O título do novo empréstimo (“Primeiro EmpréstimoProgramático para o Crescimento Eqüitativo e Sustentável”)é enganoso. Isto porque o belo nome esconde o que, na verda-de, corresponde a uma vasta operação do Banco para aimplementação de reformas com profundo alcance em múl-tiplas áreas de políticas públicas nacionais e com importantesimpactos sobre a vida dos brasileiros.

Apesar do título dado ao empréstimo, não há demons-tração, no “Documento de Programa” (DP), de que as refor-mas apoiadas pelo Banco contribuirão efetivamente para a “eqüi-dade” e “sustentabilidade” das políticas públicas no Brasil.

No jargão do BM, o empréstimo apóia uma “agendade crescimento” que consiste “não apenas em aprovar leis (ouemendas constitucionais, etc.), mas também em (a) definirabordagens a interações público-privado, (b) reforçar a capa-cidade de agências para planejar e regular e (c) aplicar leis eregulamentos de maneira consistente e previsível”. Mas “pre-

* Texto originalmente publicado como “Informe RB nº 03/2004” em 20/02/2004, em http://www.rbrasil.org., com o título “Novo Empréstimo ExibeMúltiplos Tentáculos do Banco Mundial”.

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visível” para quem? Planejar e regular no interesse de quem?

As áreas abrangidas pelo empréstimo incluem:(a) políticas de transporte (ferroviário, rodoviário emultimodal) e logística comercial, atingindo rodovias,ferrovias e alfândegas;(b) apoio à estruturação e aprovação da política de PPP(parcerias público-privado), incluindo a apoio ao grupo detrabalho já existente no Ministério do Planejamento dedicadoao tema;(c) apoio à reforma da lei de falências;(d) apoio à implementação da reforma do sistemafinanceiro (impulsionada pela aprovação da EmendaConstitucional 040 de 29/05/2003, que modificou o artigo192 da Constituição);(e) apoio à privatização dos últimos bancos estaduais (DP,item 158);(f) políticas relativas aos fundos de pensão;(g) reforma da regulação do setor de seguros, atingindo oInstituto de Resseguros do Brasil (IRB);(h) política antitruste (o BM deseja uma nova lei queinstrumentalize a implementação da política antitruste - verDP, item 110);(i) reforma tributária, inclusive federalização do ICMS (DP,item 215);(j) política de crédito (o BM deseja combater políticas decrédito público para habitação e agricultura - DP, item 154),incluindo o setor das cooperativas de crédito, com impactossobre programas como o Programa Nacional deFortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) (DP,item 181);(k) política de inovação tecnológica;(l) programas do BNDES-BNDESPAR, da FINEP e doSEBRAE;(m)política de propriedade intelectual;

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(n) política ambiental, em especial o apoio à implementaçãode mecanismos de mercado para comercialização de licençasde emissão de gases, sob o Protocolo de Kyoto (DP, itens 201-207);

(o) revogação de direitos trabalhistas (flexibilização domercado de trabalho, incluindo o esvaziamento da autoridadeda justiça trabalhista - DP, item 217);

(p) reforma do sistema judicial, para eliminar “ineficiências”na proteção de tribunais a contratos, derivadas de “incertezassobre os fundamentos de decisões judiciais” (DP, item 221);

(q) política comercial, inclusive apoio a reformasconducentes à criação da ALCA;

(r) “assistência técnica”, consistente em apoio a Ministériosque proponham contratar técnicos para implementação dasreformas priorizadas pelo Banco Mundial.

Enfim, o empréstimo do BM é de abrangência gigantesca,sendo o primeiro fruto do “Documento de Assistência ao País”2003-2004, que não foi discutido nem negociado com a so-ciedade civil brasileira. As indicações acima não esgotam asáreas de políticas públicas que o BM pretende atingir com asações derivadas do empréstimo.

Evidentemente, o novo empréstimo do BM revela os múlti-plos tentáculos dessa instituição, que, com o aval do governobrasileiro, abraçam e desmancham as capacidades do Estadoantes voltadas para assegurar a prevalência do interesse públi-co. Sob várias das reformas patrocinadas pelo BM, as políticaspúblicas são reduzidas a meros instrumentos destinados a darsegurança aos investidores, sem oferecer comparável proteçãoa trabalhadores, consumidores, cidadãos e às suas aspiraçõesde eqüidade, sustentabilidade e justiça.

Diante disso, resta a pergunta: quem de fato governa asociedade brasileira, se o atual governo (como o anterior) pa-rece, a seu turno, ser em grande parte governado por agênci-as como o BM?

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EFEITOS RUINOSOS

DAS POLÍTICAS DO BANCO MUNDIAL *

Em abril de 1996, o presidente do Banco Mundial,James Wolfensohn, reconheceu, em carta a uma rede de or-ganizações da sociedade civil, que os programas de ajuste es-trutural patrocinados pelo Banco deveriam ser modificados.Wolfensohn admitiu que seria necessário adaptar os ajustesestruturais do Banco para que passassem a oferecer uma “con-tribuição máxima para a redução da pobreza” e passassem alevar em conta “o impacto das reformas em grupos diferen-tes”. E, para determinar quais tipos de mudanças os progra-mas de ajuste estrutural deveriam sofrer, Wolfensohn solici-tou ajuda à sociedade civil.

A partir daí foi criada a Structural AdjustmentParticipatory Review Initiative (SAPRI), um projeto de investi-gação participativa por um período de cinco anos, cobrindo osimpactos dos programas de ajuste estrutural do Banco Mundi-al em vários países e contando com a colaboração de centenasde organizações da sociedade civil na documentação de fatos,mediante entrevistas, seminários, oficinas, fóruns de debate eoutros meios. A pesquisa abrangeu os programas de ajuste es-trutural nos países: Bangladesh, El Salvador, Equador, Filipi-nas, Gana, Hungria, México e Zimbábue. A rede que reuniaos participantes da pesquisa ganhou o nome de StructuralAdjustment Participatory Review Initiative Network (SAPRIN).Os resultados da pesquisa foram submetidos a uma revisãopor diversos Fóruns Nacionais em diferentes países e foramfinalmente publicados no livro: The Structural AdjustmentParticipatory Review Initiative Network – SAPRIN, StructuralAdjustment. The Policy Roots of Economic Crisis, Poverty and

* Texto originalmente publicado como “Informe RB nº 07/2004” em15/03/2004, no endereço: http://www.rbrasil.org.br

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Inequality, London, Zed Books, 2004.

O livro revela como os ajustes estruturais do Banco Mun-dial afetaram de maneira altamente danosa a vida de inúmerascomunidades mundo afora. Alguns exemplos dos efeitos perver-sos das políticas de ajuste do Banco Mundial incluem:

· A liberalização comercial no Zimbábue provocou a destrui-ção da indústria local, que encolheu em 20%.

· Políticas de reforma do mercado de trabalho conduziramao fechamento em massa de pequenas empresas no Equa-dor, que empregavam parte substancial da força de trabalho.

· Os aumentos dos preços dos serviços de saúde e de remédiosnas Filipinas agravou a propagação de doenças contagiosas.

· Modificações na legislação trabalhista em El Salvador anula-ram proteções que estabeleciam discriminação positiva paramulheres.

· Na Hungria, o preço de serviços privatizados aumentou pro-porcionalmente ao dobro do crescimento dos salários, cau-sando problemas insolúveis para famílias pobres.

· Com a privatização de serviços de utilidade pública (água,energia, etc.) em vários países, as tarifas aumentaram e nãohouve melhora na prestação do serviço ou na cobertura.

· Apenas os grandes agricultores com acesso a recursos têmsido capazes de se beneficiar de reformas das políticas agrícolasno México.

Evidentemente, o livro contém dezenas de outros exemplosde resultados extremamente danosos advindos das políticas deajuste estrutural nos diversos países abrangidos pela pesquisa. So-bre a obra, escreveu o professor Fantu Cheru, ex-Relator Especialda ONU sobre ajustes estruturais: “É uma excelente descrição decomo os direitos humanos das pessoas estão sendo sacrificadosno altar do livre mercado em nome do desenvolvimento”.

Trata-se, portanto, de um documento valioso, com sub-sídios importantes para as organizações que monitoram asatividades das instituições financeiras multilaterais.

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O DOCUMENTO DE ESTRATÉGIA PARA

O BRASIL (2003-2007) *

Foi publicado ontem (09/12/2004), pelo Banco Mun-dial (BM), no endereço http://www.obancomundial.org/index.php?action=/content/view_folder&cod_object=1792, odocumento de estratégia conhecido como CAS (CountryAssistance Strategy) 2003-2007 para o Brasil. A publicaçãode uma versão em português está prometida pelo Banco.

Embora o documento afirme que foram consultados gru-pos da sociedade civil no processo de elaboração de seu conteú-do, nem a Rede Brasil, nem outros atores importantes da socie-dade civil brasileira participaram efetivamente desse processo.

O CAS vem repleto da retórica usual do Banco. Con-tudo, em meio a tal retórica, permanece claro que os progra-mas apoiados pelo Banco incorporam a visão de que o desen-volvimento se faz por meio do crescimento econômico essen-cialmente impulsionado pelo mercado – o que é contestável.

Por outro lado, objetivos centrais do planejamento es-tratégico do Banco e sua coordenação política com o FundoMonetário Internacional podem ser identificados no parágrafo179 do documento, que assinala:

“O principal objetivo do apoio do Banco paraassegurar a estabilidade macroeconômica é aredução de vulnerabilidades por meio degerenciamento eficaz da dívida e de uma es-trutura mais robusta para a política fiscal, ori-

* Texto originalmente publicado como “Informe RB nº 13/2003” em10/12/2003, no endereço: http://www.rbrasil.org.br.

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entada para obter a maior credibilidade dos in-vestidores. Enquanto o Brasil for apoiado porum programa do FMI, o banco complementaráeste programa nas suas áreas de expertise, taiscomo gerenciamento da dívida, seguridade so-cial, reformas em outras áreas de despesas es-truturais e gerenciamento de gastos públicos.Na ausência de um tal programa, o Banco po-deria desenvolver o seu próprio trabalhomacroeconômico”.

Como está claro no trecho destacado:

(a)No planejamento plurianual da alocação de seu créditopara o Brasil, o BM se posiciona como um perfeito parcei-ro do FMI, seguindo as mesmas políticas daquela institui-ção;

(b)O BM adotará políticas que “complementarão” progra-mas do FMI;

(c) Fora da vigência de um acordo com o FMI, o banco con-tinuará a adotar políticas na área macroeconômica (evi-dentemente, as mesmas que são apoiadas pelo FMI);

(d)Assim como ocorre com os empréstimos do FMI, os doBanco Mundial servirão para obter “maior credibilidadedos investidores”, e não para apoiar políticas que sejamjustas e verdadeiramente eqüitativas, mesmo que desa-gradem a investidores;

(e) O BM estará influenciando a implementação de políticasmuito controvertidas (reforma fiscal e previdenciária) quedeveriam ser influenciadas e ter seu conteúdo determina-do pela vontade dos eleitores brasileiros, e não por insti-tuições financeiras multilaterais e suas condicionalidades.

Há, também (ver parágrafo 185), a previsão, de que o

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sistema judicial receberá a assistência do tipo AAA (AtividadeAnalítica de Aconselhamento) para que não se torne um obs-táculo às reformas estruturais apoiadas pelo Banco e pelo FMI,em benefício do mercado – isto é, dos investidores – e não doscidadãos e trabalhadores. Com a previsão de exercer influên-cia sobre o aparelho judicial, o Banco alcança o funciona-mento do sistema de freios e contra-pesos como elementoessencial da democracia brasileira.

Em resumo, a forma de atuação do BM, assim como a desua instituição-irmã, o FMI, continuam sendo altamente de-letérias dos valores da democracia brasileira. O conteúdo dosprogramas de assistência financeira não são amplamentedebatidos com a sociedade interessada, seus resultados sãomuitas vezes completamente criticáveis e injustos, e a pres-são exercida por meio de condicionalidades não tem origemdemocrática, sendo, portanto, ilegítima.

Esta situação permanece porque o governo brasileiro aqui-esce a ela, quando deveria contribuir para que fosse adotadoum padrão de relacionamento com as organizações financei-ras multilaterais que fosse verdadeiramente soberano.

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EMPRÉSTIMO DE AJUSTE E

CONDICIONALIDADES AMBIENTAIS *

1 - Introdução

O governo brasileiro está negociando um novo emprés-timo com o Banco Mundial (BM), no valor de US$ 1 bilhão.A Rede Brasil obteve informações sobre a nova operação, aseguir resumidas.

2 – A natureza do empréstimo

O novo empréstimo (assim como vários outros aprova-dos pelo BM para o Brasil) é de “ajuste econômico”. Isto sig-nifica que o objetivo primordial da operação é fornecer recur-sos para o gerenciamento da dívida pública brasileira,avolumada em decorrência das taxas de juros extremamenteelevadas, praticadas desde a era do governo de FernandoHenrique Cardoso. O ajuste financeiro propiciado pelo em-préstimo, sendo mais importante que os objetivos de investi-mento para o desenvolvimento, ocorre no contexto de preo-cupações geradas pelo fato de que, desde 2003, o Brasil temexportado mais capitais do que importado, em suas relaçõescom o BM e com o BID (Banco Interamericano de Desenvol-vimento). Portanto, os recursos serão todos destinados ao Te-souro Nacional para fazer caixa e auxiliar no equilíbrio fi-nanceiro da União, sem que a mínima parte seja empregadaem investimentos para o desenvolvimento.

* Texto originalmente publicado como “Informe RB nº 11/2004”em 19/05/2004, no endereço: http://www.rbrasil.org.br

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3 – Condicionalidades ambientais

Porém, por meio de exigências formuladas pelo BM, oempréstimo acabará tendo muitas outras finalidades. É queos recursos para o ajuste financeiro, evidentemente, não vêmde graça: há um preço econômico e um preço político pagospela sociedade brasileira para obter o dinheiro emprestado. Opreço econômico são os juros cobrados pelo BM, com taxasatraentes, comparativamente a taxas cobradas por outrosagentes financeiros. Este preço não é problema. O problemaestá no preço político, que é extremamente elevado.

De fato, como em outras operações de empréstimo do BM,também nesta, o Banco exige que um amplo programa de re-forma de políticas públicas seja adotado pelo governo eimplementado para que o crédito seja concedido e desembolsa-do. No caso do empréstimo atualmente em negociação, a áreade políticas públicas escolhida em acordo entre o Ministério daFazenda (MF) e o BM é a de políticas ambientais, sob a principalresponsabilidade do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

Assim, sem empregar um centavo em projetos de inves-timento, o BM, por meio de condicionalidades que faz incidirsobre a operação de empréstimo, adquire um poder imensode interferir na formulação e implementação de políticas pú-blicas brasileiras. Neste caso, as políticas serão da áreaambiental, abrangendo medidas nas seguintes frentes de atu-ação do MMA: (a) Sistema de Gerenciamento Ambiental;(b) Agenda Verde (mata atlântica, cerrado, etc.); (c) AgendaMarrom (segurança química; agentes contaminantes; etc.);(d) Agenda Azul (recursos hídricos) ; (e) sustentabilidadeambiental em setores selecionados (prevenção e controle dodesmatamento; Programa de Desenvolvimento sustentávelpara a Amazônia – PAS; política de resíduos; sustentabilidadeambiental e sistema tributário; etc.).

4 – Preocupações da Sociedade Civil

São várias as preocupações da sociedade civil em relaçãoa este novo empréstimo. Entre tais preocupações, incluem-seas seguintes:

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· Condicionalidades – Preocupa o fato de quecontinua a prática da adoção de extensascondicionalidades, correspondentes a exigências deimplementação de reformas em políticas públicas, paraque o mutuário (no caso, o Brasil) tenha acesso ao cré-dito multilateral. O sistema de relacionamento entre osgovernos nacionais e o bancos multilaterais deveria res-guardar, com a própria sociedade, a capacidade de de-terminar soberanamente, por meio de ampla represen-tação democrática de interesses, o conteúdo e as metasdas políticas públicas adotadas no país. O papel dos ban-cos multilaterais, de distribuir fundos para financiar odesenvolvimento, não deveria ser exercido de modo amarginalizar o papel da representação democrática deinteresses na definição das políticas e dos meios escolhi-dos pela sociedade para buscar o crescimento eqüitati-vo e sustentável.

· Monitoramento – Considerando que váriasdas políticas ambientais abrangidas pela operação de fi-nanciamento terão impacto muito importante para asociedade e para a sustentabilidade ambiental do de-senvolvimento econômico, é necessário que um proces-so de monitoramento eficiente pela sociedade civil sejadesenvolvido. Portanto, será vital que sejam estabeleci-dos com antecipação indicadores claros, a fim de que oprocesso de monitoramento possa ocorrer sob regrasclaras, que contemplem os interesses da sociedade e aliberdade de acesso a informações.

· Transparência – Embora haja um esforço dogoverno no sentido de dar alguma transparência ao pro-cesso de negociação deste empréstimo, os resultados ain-da são muito limitados. Ainda não há disposição do MF edo BM no sentido de abrir para o amplo escrutínio públi-co os processos decisórios que resultam na definição dosconteúdos de documentos extremamente relevantes,como os chamados “Documentos de Programa”. Assim,seria de crucial importância que se estabelecessem me-

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canismos para que a sociedade participasse (a) do processo deformulação das políticas e reformas adotadas no âmbito da ope-ração de empréstimo e (b) do processo de avaliação daimplementação das reformas e políticas propostas.

· Condicionalidades relacionadas ao comércio – Hágrande preocupação da sociedade civil com a possibilidade deque sejam incluídas, entre as condicionalidades, algumas quese refiram a áreas de política comercial. Nestes casos, que aten-dem aos esforços do sistema multilateral da área econômicaem atingir uma “coerência” (coherence) entre políticas finan-ceiras e comerciais, pode haver o favorecimento de medidas deliberalização comercial que “esvaziem” possibilidades de nego-ciação comercial do Brasil em outros fóruns. Pode, também,haver conflito entre o atendimento da condicionalidade de po-lítica comercial e tratados de política ambiental já firmadospelo Brasil. Portanto, será necessário evitar que potenciais inte-resses da sociedade brasileira em negociações comerciais se-jam frustrados por reformas eleitas como condicionalidadespelo BM nesta operação de empréstimo. Será necessário, tam-bém, formular salvaguardas que assegurem sempre o respeitoà sustentabilidade ambiental decorrente inclusive de compro-missos internacionais já assumidos pelo Brasil.

· A assistência técnica – A sociedade civil preocupa-se, também, com o Empréstimo de Assistência Técnica(Technical Assistance Loan – TAL) que deve acompanhar oempréstimo de ajuste. A preocupação aí reside no fato de queos TALs são geralmente usados para montar redes gerenciaisespecializadas. Tais redes gerencias são verdadeiras forças-ta-refas do BM, formadas de consultores não concursados e es-colhidos pela sua disponibilidade para serem supervisionadossob critérios de eficiência e competência técnica formuladospelo BM. E, normalmente, esses critérios não refletem deba-tes desenvolvidos pela sociedade em torno de temas contro-versos e relevantes para a execução de políticas e reformas.Assim, será importante, também nesse campo, prevenir quetais redes gerenciais atuem no sentido de tornar distorcidosos processos de implementação e avaliação do programa deajuste e de seus projetos.

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5 – Conclusões

É lamentável que o Brasil continue tolerando que as insti-tuições financeiras multilaterais (IFMs) mantenham a práti-ca de incluir, em seus pacotes de empréstimo, como condiçõespara acesso ao crédito, exigências relativas a implementaçãode reformas em diversas áreas de políticas públicas com im-pacto direto sobre a vida dos cidadãos e a sustentabilidadeambiental. Seria necessário que o governo brasileiro decidisseestabelecer uma nova forma de relacionamento com as IFMs,a fim de que os verdadeiros interesses dos diversos grupos soci-ais pudessem ser respeitados.

Mesmo sob um padrão de relacionamento com as IFMsem que continua a ocorrer uma subordinação do governo aosdesígnios dessas organizações, é possível à sociedade civil, nocaso do empréstimo atualmente negociado com o BM, zelarpara que: (i) sejam adotados antecipadamente critérios cla-ros de monitoramento da implementação dos projetos; (ii) seevite a inclusão, no pacote de ajuda financeira, decondicionalidades em favor da liberalização comercial, quetragam prejuízo à sustentabilidade ambiental ou esvaziempossibilidades de negociação comercial em fóruns como asreuniões ministeriais da ALCA ou da OMC; (iii) sejam feitosreais progressos em termos da criação de mecanismosparticipativos, que dêem maior transparência aos processosdecisórios definidores dos conteúdo de documentos impor-tantes que integrem o programa de empréstimo; e (iv) o TALseja regulamentado de forma a promover os interesses da so-ciedade.

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A ASSISTÊNCIA TÉCNICA E AS REDES GERENCIAIS *

1. Introdução

Este informe visa a oferecer uma descrição de como oBanco Mundial (BM) opera na implementação de seus pro-gramas no Brasil. Conforme será visto abaixo, o BM opera pormeio das atividades de “assistência técnica”, responsáveis pelacriação e administração de “redes gerenciais”. Foi tomado comoexemplo o caso do empréstimo de assistência técnica associa-do ao “Primeiro Empréstimo Programático de Ajuste para oCrescimento Eqüitativo e Sustentável”, aprovado pelo Bancoem fevereiro de 2004. Essencialmente, o modus operandi doBM, na implementação de programas, é muito semelhante aodo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

2. O Empréstimo Principal

Em 21-jun.-2004, o governo brasileiro assinou com oBM um contrato de empréstimo no valor de US$ 505 milhões.Trata-se de recursos oferecidos pelo Banco para reforçar o cai-xa do Tesouro Nacional. A operação, que é um empréstimo de“ajuste econômico” (destinado a equilibrar as reservas inter-nacionais do Brasil) ganhou o nome elegante de “PrimeiroEmpréstimo Programático de Ajuste para o Crescimento Eqüi-tativo e Sustentável”. Este empréstimo havia sido aprovado emfevereiro de 2004 pela diretoria do BM. A Rede Brasil publicousobre isto, em 20-fev.2004, o Informe RB n° 03 / 2004 [1].

Agora, com a recente aprovação da operação pelo Se-nado Federal, e assinatura do contrato respectivo, começam ase fazer visíveis os detalhes do modus operandi do Banco Mun-

* Texto originalmente publicado como “Informe RB nº 16/2004” em 14/07/2004, no endereço: www.rbrasil.org.br, com o título “Saiba como operao Banco Mundial na implementação de reformas”.

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dial e a direção das reformas a serem impulsionadas pelo go-verno.

As reformas – anunciadas de modo genérico no “Do-cumento de Programa” (DP) do empréstimo, em fevereiro de2004 – constituem, em seu conjunto, uma espécie de“contraprestação”, generosamente oferecida pelo Brasil ao seucredor (o Banco Mundial). Na prática, as reformas foram“compradas” (por assim dizer) pelo Banco Mundial, com ooferecimento dos US$ 505 milhões para equilibrar as contasdo governo. As reformas incluem:

· políticas de transporte (ferroviário, rodoviário emultimodal);

· política de PPP (parcerias público-privado);

· nova lei de falências;

· sistema financeiro;

· privatização dos últimos bancos estaduais;

· fundos de pensão; Instituto de Resseguros do Brasil (IRB);

· política antitruste; federalização do ICMS;

· política de crédito (o BM deseja combater políticas de cré-dito público para habitação e agricultura - DP, item 154)

· cooperativas de crédito, com impactos sobre programascomo o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricul-tura Familiar (PRONAF) (DP, item 181);

· política de inovação tecnológica;

· programas do BNDES-BNDESPAR, da FINEP e do SEBRAE;

· política de propriedade intelectual;

· implementação de mecanismos de mercado paracomercialização de licenças de emissão de gases, sob o Pro-tocolo de Kyoto (DP, itens 201-207);

· revogação de direitos trabalhistas (flexibilização do merca-do de trabalho, incluindo o esvaziamento da autoridade da

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justiça trabalhista - DP, item 217);

· reforma do sistema judicial, para eliminar “ineficiências”na proteção de tribunais a contratos, derivadas de “incer-tezas sobre os fundamentos de decisões judiciais” (DP, item221);

· política comercial, inclusive apoio a reformas conducentesà criação da ALCA.

Tudo isto, e muito mais, está abrangido no “Documento dePrograma” (DP) do empréstimo principal. Até que o Banco Mun-dial fez um ótimo negócio: com relativamente poucos recursospara reforçar as reservas internacionais do Brasil, obteve do go-verno grandes compromissos para a implementação de reformasabrangentes, que incidirão (ou estão incidindo) sobre inúmeras eimportantes políticas públicas do país, sem que a sociedade tenhadiscutido apropriadamente o mérito de todas elas.

Mas como pode ocorrer tanta reforma, de maneira poucovisível, e com grande impacto sobre a vida dos cidadãos? A res-posta está no papel desempenhado pelos empréstimos de assis-tência técnica, conforme explicitado abaixo.

3. O Empréstimo Correlato: Assistência Técnica

3.1. Montando a rede gerencial

De fato, além do empréstimo principal brevemente des-crito acima, foi aprovado pela diretoria do BM, em 08-jul.-2004,um outro empréstimo, correlacionado ao primeiro. Trata-se deum “Empréstimo de Assistência Técnica” (EAT), associado ao“Primeiro Empréstimo Programático de Ajuste para o Cresci-mento Eqüitativo e Sustentável”. Enquanto o empréstimo prin-cipal serve apenas para equilibrar o caixa do tesouro, o EATaportou US$ 12 milhões para gastos efetivos nos ministérios.

E para quais gastos serve este dinheiro? Para gastos coma montagem e custeio do funcionamento de “redes gerenciais”de consultores e técnicos, que trabalharão dentro dos ministé-rios do governo brasileiro, enquanto são teleguiados e pagos

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com recursos do Banco Mundial. Assim, o EAT serve como uminstrumento crucial para assegurar, mediante a operação deredes gerenciais especializadas, e fiéis a critérios muitas vezesduvidosos, que as reformas “compradas” pelo Banco Mundialserão eficazmente implementadas.

Segundo documentos (chamados PID e PID-AS) do BM,que descrevem o “BRASIL-Empréstimo Programático de Re-forma para a Competitividade” e o “Programa de AssistênciaTécnica para o Crescimento Sustentável e Eqüitativo”[2], asredes gerenciais, neste caso, serão coordenadas a partir do Mi-nistério da Fazenda, “que estabeleceu uma unidade para servirde contato operacional com o Banco” (PID, item 6). Isto cons-titui a base de uma grande rede gerencial para a implementaçãodas reformas previstas no Documento de Programa.

Ora, o PID-AS assinala que a Secretaria de Política Eco-nômica (SPE) do Ministério da Fazenda será a unidade de co-ordenação geral do programa. A SPE será responsável (i) pelacondução de um diálogo com o BM sobre a implementação dereformas; e (ii) pela avaliação geral e monitoramento daimplementação das reformas, incluindo a consolidação da in-formação sobre implementação. Está previsto no PID (item 6)que desembolsos serão feitos de acordo com normas que dis-pensam licitação.

A partir da SPE do Ministério da Fazenda, os tentáculosda rede gerencial se espalham pela máquina do governo. OPID-AS indica que o projeto envolverá “várias entidades nosMinistérios da Fazenda, Justiça, Transportes e Ciência eTecnologia”. A rede gerencial utilizará aí as chamadas “Unida-des de Coordenação de Projetos” (UCPs), que cuidarão de di-versos aspectos da implementação de reformas “compradas”tanto pelo BM quanto do Banco Interamericano de Desenvol-vimento (BID). Está previsto ainda que:

(i) a UCP do Ministério da Fazenda será responsável pelogerenciamento financeiro, contratações e elaboração derelatórios para as atividades de implementação do pró-prio Ministério da Fazenda e do Ministério da Justiça;

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(ii) “a estrutura de UCPs no Ministério dos Transportes”será de uma pessoa em cada UCP (o Coordenador deProjeto, ou CP);

(iii) as reformas serão implementadas inicialmente por duasUCPs (uma no Ministério da Fazenda, sob a SPE, e ou-tra no Ministério da Ciência e Tecnologia, sob a Secre-taria Executiva) e três CPs localizados no Departamen-to Nacional de Infra-Estrutura de Transportes – DNIT,na Agência nacional de Transportes Terrestres – ANTTe na Agência Nacional de Transportes Aquaviários –ANTAQ; e

(iv) haverá uma supervisão exercida por “líderes de equipenomeados para redigir os termos de referência ouespecificações para as atividades” (PID-AS, item 6)

3.2. O setor de seguros

Também está abrangida no programa de assistência téc-nica uma ação para reforma o setor da indústria de seguros noBrasil. Assim, o programa de assistência técnica prevê que aSUSEP (Superintendência de Seguros Privados) adotará um“Plano de Ação para reforçar” (melhor seria dizer “reformar”)“regulamentos e supervisão da indústria de seguros” (PID-AS,item 4, iii).

3.3. Treinamento de juizes

O PID-AS ressalta, ainda, que haverá uma ênfase emreformas que visem a “melhorar o ambiente para os negócios”(improving the business environment), especialmente na áreada política antitruste e na política de proteção a credores (danova lei de falência, apoiada pelas IFMs).

Assim, a assistência técnica prevê o “treinamento dejuizes e funcionários dos tribunais” e a “avaliação daperformance do sistema judicial na resolução de disputas eco-nômicas nos setores público e privado” (PID-AS, item 4, ii).

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Além disso, está prevista, também, por meio de atividades doMinistério da Fazenda e do Ministério da Justiça, “o treinamen-to (...) de juizes e tribunais para implementar a nova legislaçãode falências” (PID-AS, item 4, iii).

3.4. Salvaguardas afastadas

O BM tem uma política de “salvaguardas” que em teseoferecem alguns critérios para que os programas do Banco res-peitem uma série de bens e direitos (tais como a propriedadecultural, direitos atingidos sob reassentamentos involuntários,os habitats naturais, direitos dos povos indígenas, etc.). Recen-temente, o BM começou a discutir internamente a revogaçãodessas “salvaguardas” para empréstimos oferecidos a paísesde renda média, como o Brasil. As salvaguardas, contudo, ain-da estão em vigor.

Embora as reformas contempladas pelo pacote de em-préstimo abranjam áreas como a criação do Mecanismo de De-senvolvimento Limpo- MDL (sob o Protocolo de Kyoto), bemcomo o apoio a parcerias público-privadas, inclusive para o de-senvolvimento de transporte aquaviário, foi considerado que ne-nhum tipo de política de salvaguarda está “acionada” pelo em-préstimo de assistência técnica (EAT). Ocorre que o simplesfato de se tratar de um EAT não deveria elidir a responsabilidadedo BM em “acionar” algumas salvaguardas relevantes. Oacionamento das salvaguardas deveria resultar, aliás, de um pro-cesso de consulta à sociedade, ao longo das fases deimplementação dos diversos projetos abrangidos pelo emprésti-mo principal.

4. Conclusões

Os US$ 12 milhões do EAT serão, é claro, suficientespara custear a organização e funcionamento de vários UCPs eCPs e capilarizações por qualquer setor da máquina administra-tiva brasileira ao longo de muito tempo. Isto representa um po-der enorme para o Banco Mundial e um empobrecimento do

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debate público sobre os detalhes das reformas implementadas,que deveriam envolver, por exemplo, a formulação de “termosde referência” e “critérios de avaliação” negociados amplamen-te com grupos sociais, inclusive assegurando uma participaçãopública e plural, que refletisse a diversidade de interesses e pon-tos de vista presentes na sociedade

Não é aceitável que os bancos multilaterais, apenas poremprestarem dinheiro, adquiram a prerrogativa de exercer umcontrole gerencial tão penetrante, e mesmo diretivo, sobre asreformas de políticas públicas que afetam profundamente avida dos brasileiros.

O “toma-lá-dá-cá” que está em jogo não é justo: al-guns recursos são oferecidos pelos bancos multilaterais paraequilibrar as contas do Estado sob um modelo de políticamacroeconômica que alimenta sempre mais a dívida, sendoisto usado para que os mesmos bancos multilaterais (em prolde que interesses?) montem, nas entranhas dos ministérios edas agências regulatórias, as redes de administradores que res-pondem com mais efetividade aos desideratos formulados portécnicos dos bancos e não às aspirações dos trabalhadores econsumidores brasileiros.

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Notas:

[1] HYPERLINK http://www.rbrasil.org.br/publicacoes/notas_tecnicas/nota_tecnica.php?nota_tecnica_id=Th9qmcuNDq&pg=1http://www.rbrasil.org.br/publicacoes/notas_tecnicas/nota_tecnica.php?nota_tecnica_id=Th9qmcuNDq&pg=1

[2] Trata-se do “Initial Project Information Document” (PID)e do “Project Information Document – Appraisal Stage (PID-AS). Ver:

HYPERLINK http://www.obancomundial.org/content/_downloadblob.php?cod_blob=1370 http://www.obancomundial.org/content/_downloadblob.php?cod_blob=1370

e

HYPERLINK http://www.obancomundial.org/content/_downloadblob.php?cod_blob=1369 http://w w w . o b a n c o m u n d i a l . o r g / c o n t e n t /_downloadblob.php?cod_blob=1369

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ASSISTÊNCIA TÉCNICA:

SOCIEDADE CIVIL PROPÕE INOVAÇÕES *

Hoje foi noticiada, em diversos jornais, a aprovação deum empréstimo do Banco Mundial ao Brasil, no valor de US$505 milhões, para a área ambiental. As negociações relativas aoempréstimo foram objeto de análise do Informe RB n.º 11, de 19/05/2004 [1].

Ao contrário do que as matérias jornalísticas de hoje de-ram a entender, trata-se de um empréstimo de ajuste, cujos re-cursos não serão usados em investimentos para o desenvolvimen-to, mas sim em recomposição de reservas do Tesouro Nacional.

Muito embora o empréstimo tenha esse caráter, estáem curso a negociação, entre o governo e o Banco Mundial, deuma operação correlata: a de um empréstimo de assistênciatécnica (EAT). O valor deste empréstimo está ainda sendo de-terminado e poderá corresponder a cerca de US$ 10 milhões.

A sociedade civil está em entendimentos com o Ministériodo Meio Ambiente (MMA) para trabalhar na criação de meca-nismos participativos inovadores. Tais mecanismos poderão dizerrespeito a: (1) procedimentos de avaliação da implementação deprogramas que integram as “condicionalidades ambientais” doempréstimo principal; e (2) procedimentos de formulação de “ter-mos de referência” para o trabalho de consultores. Está apresenta-da a proposta de que sejam criados mecanismos de participaçãode representantes de organizações e movimentos sociais nessasduas instâncias de decisão.

É objetivo do MMA, no âmbito do EAT, viabilizar oaporte de recursos o mais rapidamente possível e de modoque também contemple a participação da sociedade. O MMA,contudo, tem a preocupação de que a possível participação

* Texto originalmente publicado como “Informe RB nº 19/2004” em25/08/2004, no endereço: http://www.rbrasil.org.br

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da sociedade não implique em acréscimos de complexidadesburocráticas que tornem excessivamente morosos os proces-sos decisórios. Por isso os mecanismos a serem criados deve-rão priorizar também a agilidade dos procedimentos.

Há previsão informal de que será criada no MMA uma“Coordenação de Projetos” do empréstimo principal. As inova-ções propostas dizem respeito aos seguintes mecanismos:

(a) Para fins de avaliação da implementação de programas, pro-vavelmente serão criadas comissões interministeriais (envol-vendo ao menos o MMA e mais um ministério). A propostaem discussão é que seja instituída a participação de repre-sentantes da sociedade civil nessas comissões interministeriais(que passarão a ser comissões interministeriais ampliadas),com orçamento proveniente do EAT.

(b) Para fins de formulação de termos de referência para consul-tores de programas e projetos, provavelmente serão criadosconselhos técnicos ad hoc (que colherão a opinião inclusive doBanco Mundial). A proposta em discussão, neste caso, é quehaja também participação de representantes da sociedade ci-vil no funcionamento de tais conselhos técnicos ad hoc (quepassarão, portanto, a ser conselhos técnicos ampliados), tam-bém com apoio orçamentário de recursos oriundos do EAT.

Ao que tudo indica, as inovações institucionais, seimplementadas, poderão marcar um avanço significativo nasrelações entre o governo, a sociedade civil e o Banco Mundial,contrastando com o padrão de prestação de assistência técnicadescrito no Informe RB n.º 16, de 14/07/2004 [2].

Notas

[1] Ver:

http://www.rbrasil.org.br/publicacoes/artigos/artigo.php?artigo_id=yZzvjPyJpJ&pg=1

[2] Ver:

http://www.rbrasil.org.br/publicacoes/artigos/artigo.php?artigo_id=klEADczNMa&pg=1

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SALVAGUARDAS NA MIRA *

1 – INTRODUÇÃO

Uma das entidades do Grupo Banco Mundial (GBM),a chamada International Finance Corporation (IFC), ouCorporação Financeira Internacional (CFI), está engajada emum processo de revisão de algumas de suas políticas internas.Este Informe analisa brevemente a proposta de revisão de po-líticas e indica possíveis conseqüências para a sociedade civil.

2 – CONTEXTO GERAL

A Corporação Financeira Internacional (CFI), é umadas cinco entidades que atualmente compõem o chamado“Grupo Banco Mundial” (GBM). As outras quatro são: o Ban-co Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento(BIRD), a Associação Internacional para o Desenvolvimento(AID), o Centro Internacional para a Resolução de Disputassobre Investimentos (CIRDI) e a Agência Multilateral de Ga-rantia de Investimentos (AMGI). Essas entidades foram cria-das ao longo dos anos (ver Quadro 1 abaixo), para atender afinalidades diversas.

QUADRO 1

ENTIDADES DO GRUPO BANCO MUNDIAL

Nome Ano de Criação

BIRD 1944

CFI 1956

AID 1960

CIRDI 1966

AMGI 1988

* Texto originalmente publicado como “Informe RB nº 20/2004” em08/09/2004 no endereço: http:www.rbrasil.org.br.

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A CFI é uma instituição que adquire importância cres-cente, dado o fato de que é ela o “braço” do GBM dedicado aoferecer empréstimos para empresas privadas, cada vez maisbeneficiadas com créditos multilaterais, muitas vezes em de-trimento de possibilidades de investimentos do setor público.

Assim como o BIRD, a CFI tem políticas internas que seaplicam às suas operações e que, em tese, têm o objetivo desalvaguardar os direitos de grupos sociais, no que se refere aodireito de informação (Política de Informação) e a direitos so-ciais, ambientais e de povos indígenas (Política de Salvaguar-das). As regras de tais políticas estipulam exigências quanto apublicação de informações, avaliação ambiental, proteção ahabitats naturais, reassentamentos involuntários, respeito àsaúde comunitária, aplicáveis a operações financeiras da CFI ea seus beneficiários. A atual Política de Salvaguardas da CFI écomposta de 10 políticas específicas, nas seguintes áreas: (1)Avaliação Ambiental; (2) Habitats Naturais; (3) Gestão dePragas; (4) Silvicultura; (5) Segurança de Barragens; (6)Hidrovias Internacionais; (7) Povos Indígenas; (8)Reassentamento Involuntário; (9) Propriedade Cultural; e (10)Trabalho Forçado e Trabalho Infantil. [1]

Além disso, da Política de Salvaguarda da CFI, foramderivados padrões seguidos por Agências de Crédito à Expor-tação, bem como certos princípios, que passaram a seradotados por mais de 20 bancos privados (inclusive, no Bra-sil, os bancos Itaú e Itaú BBA, envolvendo, também, recursosdo BNDES), e que se tornaram conhecidos como “EquatorPrinciples”, ou “Princípios do Equador”. [2]

3 – REFORMAS PROPOSTAS

A CFI está propondo uma reforma completa em suaPolítica de Informação e em sua Política de Salvaguardas. Nolugar das 10 salvaguardas específicas hoje existentes (ver aci-ma), a CFI quer adotar determinados “padrões de desempe-nho” (performance standards) para os empréstimos ofereci-dos a empresas privadas. Tais “padrões de desempenho” são

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referências muito menos precisas do que as salvaguardas ain-da hoje adotadas, e permitem uma flexibilidade muito maior– dando margem a abusos muito maiores – naimplementação de projetos com financiamento da CFI.

De fato, ao invés de afirmar claramente determina-dos objetivos para proteger direitos, o sistema dos “padrões dedesempenho” dá ampla liberdade às empresas tomadoras deempréstimos. Assim, de acordo com o documento da CFI,[3] que conceitua o novo sistema, a própria entidade multila-teral terá menos responsabilidades diretas na proteção de di-reitos. É o que está indicado no documento mencionado: “Deacordo com os novos Padrões de Desempenho propostos pelaCFI, os clientes [isto é, as empresas privadas] são responsá-veis por avaliar, administrar e informar sobre os impactossociais e ambientais de seus projetos”. E mais: “A função daCFI deve ser apoiar e supervisionar seus clientes [...]” [3, item15]. Da posição de entidade “obrigada” a cumprir salvaguar-das, a CFI passa a exercer o papel de “supervisionar” clientes.

Como se vê, a reforma das políticas de informação e desalvaguardas da CFI aprofunda radicalmente a privatização dosprogramas de empréstimo da instituição, deixando pouco espa-ço para mecanismos verdadeiramente participativos baseadosem regras públicas que atribuam responsabilidades precisas ediretas à organização multilateral.

4 – PERIGOS PARA A SOCIEDADE CIVIL

São evidentes os perigos implícitos na proposta de re-formas das políticas da CFI. Por um lado, tais perigos decor-rem do fato de que as salvaguardas efetivas passam a estarcompletamente diluídas, não havendo suficiente clareza so-bre os direitos a serem preservados, com responsabilidade di-reta da CFI. Por outro lado, a CFI está propondo um processode “consultas” aos grupos interessados que é completamenteaçodado e insuficiente, talvez no intuito de aprovar as refor-mas rapidamente e nos termos que menos interessem a vári-as comunidades, beneficiando desigualmente os futuros

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tomadores de empréstimos, a saber, as empresas privadas.

O processo de consulta divulgado pela CFI [4] prevêos seguintes eventos:

A) Reunião com banqueiros para discutir os Princípios doEquador (Londres, 16 de setembro 2004)

B) Reunião com ONGs Internacionais (Washington, D.C.,4 de outubro 2004)

C) Oficina com representantes da sociedade civil (Rio de Ja-neiro, 27-29 de setembro 2004)

D) Oficina com representantes da sociedade civil (Manila,Filipinas, 27-29 de outubro 2004)

E) Oficina com representantes da sociedade civil (Nairobi,Quenia, 29 de novembro-1 de dezembro 2004)

F) Oficina com representantes da sociedade civil (Instambul,Turquia, 13-15 de dezembro 2004)

Com esse processo apressado do que chama de “con-sultas”, e sem a construção de uma metodologia negociadacom a sociedade civil para discutir as mudanças a seremintroduzidas, a CFI pretende legitimar o que talvez seja umaporta aberta para a prática de abusos por parte das empresasque se beneficiam de seus empréstimos.

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5 – CONCLUSÃO

Não deveria caber a uma instituição multilateral, for-mada por Estados, promover a privatização de seus proces-sos, em benefício de grupos econômicos e sem estabelecer cla-ramente, por meio de regras públicas, salvaguardas efetivaspara os direitos de comunidades sociais.

Ao proceder com a aparente preocupação de legitimarapressadamente as reformas propostas, mas sem o intuitoclaro de construir uma agenda que contemple verdadeiramenteas aspirações da sociedade, a CFI confirma que serve de ins-trumento para favorecer grupos privilegiados, em detrimentodos direitos de comunidades e povos em busca de um trata-mento equânime, inclusivo e justo.

Notas:

[1] – Ver as políticas específicas de salvaguardas da CFI em:

http://www.ifc.org/ifcext/policyreview.nsf/e11ffa331b366c54ca2569210006982f/1790644170c3547485256dfe0056243d?OpenDocument

[2] – Sobre os Princípios do Equador, ver:

http://www.equator-principles.com/ga1.shtml

e

http://www.equator-principles.com/

[3] – Ver o “Documento Conceitual” da CFI em:

h t t p : / / w w w . i f c . o r g / i f c e x t / p o l i c y r e v i e w . n s f /AttachmentsByTitle/Concept+Paper+Spanish/$FILE/Concept+Paper+Spanish.pdf

[4] – Ver a tabela de consultas em:

h t t p : / / w w w . i f c . o r g / i f c e x t / p o l i c y r e v i e w . n s f /AttachmentsByTitle/Consultation+Timetable/$FILE/consultation+timetable.pdf

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CFI TEM PROCESSO DELIBERATIVO

DEFEITUOSO1

1 – INTRODUÇÃO

Em 23 de setembro de 2004, a Corporação FinanceiraInternacional (CFI) – braço do Grupo Banco Mundial (GBM)que se dedica a oferecer empréstimos ao setor privado –, ig-norando as críticas vindas da sociedade civil, deliberou apro-var um empréstimo de US$ 30 milhões para a Amaggi Ex-portação e Importação Limitada (a seguir designada“Amaggi”), empresa da família de Blairo Maggi, governadordo estado do Mato Grosso.

A aprovação do empréstimo em favor da Amaggi ocor-reu apesar das críticas feitas pela sociedade civil à atuaçãodas empresas do grupo e ao avanço da cultura de soja naAmazônia, responsável por danos ao meio ambiente e por ris-cos impostos aos direitos de grupos sociais.

A Rede Brasil obteve informações sobre a decisão da CFI.O presente Informe analisa essa decisão e destaca falhas noprocesso deliberativo, que, no caso, revelam a orientação daentidade multilateral no sentido de apoiar o grande agro-negó-cio, e não diretamente os pequenos agricultores, apoiando pro-cessos de abertura de corredores de exportação que não bene-ficiam claramente o desenvolvimento eqüitativo regional e queresultam em prejuízos à sociedade e ao meio ambiente.

1 Texto originalmente publicado como “Informe RB nº 22/2004”em 03/11/2004, no endereço: http://www.rbrasil.org.br

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2 – O EMPRÉSTIMO

O empréstimo de US$ 30 milhões aprovado pela CFI paraa Amaggi tem o objetivo de apoiar o estabelecimento de centrosde coleta de soja e silos com 250.000 toneladas de capacidadede estocagem e, ao mesmo tempo, atender a crescente necessi-dade de capital de giro da empresa. A operação prevê, para o re-pagamento, um período de carência de 2 anos e o pagamento doempréstimo num prazo de 8 anos. A taxa de juros será a LIBORde seis meses (equivalente a 2,6% em setembro 2004) mais3,6% ao ano, sendo o contrato garantido com hipoteca sobre aterra e outros ativos.

3 – JUSTIFICATIVAS PARA A APROVAÇÃO

3.1 Sustentabilidade ambiental e social

Ao aprovar o empréstimo, a CFI considerou que a enti-dade multilateral trará impactos positivos sobre o desenvolvi-mento do setor de soja em Mato Grosso, como resultado deatividades de assessoramento e orientação que oferecerá àAmaggi, para fins de gerenciamento ambiental sustentável.Por outro lado, a CFI considerou também que o empréstimoincentivará o desenvolvimento, pois estenderá práticas demanejo ambiental sustentável a cerca de 500 pequenos pro-dutores que são pré-financiados pelo grupo Amaggi e facilita-rá o diálogo com interessados em questões relacionadas aocultivo da soja.

Além disso, o Conselho de Diretores da CFI, embora ad-mitindo que o desmatamento na região amazônica tem comouma das causas a expansão do cultivo da soja no Mato Gros-so, afirmou claramente que uma equipe de técnicos pôde con-cluir, após diligências, que “as operações da própria Amaggiobedecem plenamente as diretrizes ambientais e sociais daCFI/GBM” (CFI, “Relatório ao Conselho e Diretores sobreuma Proposta de Investimento na Expansão da Amaggi Bra-sil”, 23/09/2004, a seguir designado “Relatório”, p. ii).

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Houve, ainda, a consideração de que o empréstimo secoaduna com o Documento de Estratégia ao País, conjunta-mente discutido pelo Banco Mundial e pela CFI em dezembrode 2003. Nesse sentido, destacou-se que a Amaggi adotouum Sistema de Manejo Ambiental e Social consistente comas políticas ambientais e sociais da CFI/GBM (CFI, “Relató-rio”, p. 2). Há ênfase também no fato de que a HermasaNavegação Limitada (a seguir designada “Hermasa”), umaempresa de embarcações pertencente ao grupo da famíliaMaggi, é um meio de transporte para o escoamento da sojaexportada que demonstra eficiência de custos e contribui paraa geração de rendas de exportação.

3.2 – Servir aos poderosos

O Conselho de Diretores da CFI também considerou quepode haver um “potencial conflito de interesses” no caso daoperação, uma vez que se tratava de um empréstimo multila-teral concedido a uma empresa controlada pela família de umpoderoso político, que é governador de um estado da federaçãono Brasil. Mas o Conselho, embora reconhecendo que “É prá-tica da CFI evitar transações nas quais os interessados ocupemposições políticas executivas proeminentes”, decidiu ir avantecom o “investimento”. As justificativas oferecidas para isso fo-ram que (CFI, “Relatório”, p. 13): (i) a Amaggi já é um clienteda CFI e um motor do crescimento recente da economia brasi-leira; (ii) a CFI está desempenhando um papel chave em ori-entar a expansão da empresa de modo que haja estrito cum-primento de exigências ambientais; (iii) o investimento naAmaggi promoverá a agenda ambiental da empresa e da CFIem um setor sensível e relevante para o Brasil e o resto domundo; (iv) a CFI “teve extensas discussões com a Compa-nhia [Amaggi] sobre a importância de se manter umdistanciamento nas relações entre as atividades do senhor[Blairo] Maggi enquanto governador e as operações da Com-panhia”. Assim, quanto as possíveis interferências políticas dogoverno do estado nas atividades da empresa e em políticaspúblicas relevantes, a CFI alega ter feito uma “completa e cui-

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dadosa análise das questões implicadas” e resolveu aprovar oempréstimo.

3.3 – Consultas suficientes?

A CFI registrou ter encorajado a Amaggi a implementarum “plano de consulta e informação” (public consultation anddisclosure plan). Isto resultou em atividades nas quais “a dura-ção total [...] foi de aproximadamente duas horas e meia” (CFI,“Relatório, p. 11). Além disso, registraram-se consultas feitasem Querência (em 08/08/2004), Cuiabá (13/07/2004),Sorriso (20/07/2004) e Sapezal (12/08/2004). Segundo aCFI, os participantes dessas atividades de consulta manifesta-ram apoio e valorizaram o compromisso da Amaggi com ocultivo sustentável da soja.

4 – FALHAS ESPANTOSAS

A linguagem fria do “Relatório”, com base no qual a CFIaprovou o empréstimo para a Amaggi, revela falhas gravesno processo deliberativo da entidade, faz crer que as “consul-tas” realizadas foram completamente insuficientes e corro-bora a necessidade de que haja maior transparência e maiorparticipação da sociedade civil nos procedimentos deliberativosde todos os aspectos do envolvimento da Amaggi com a CFI.

4.1 Pó de Soja Pode Ter Causado Mortes

Assim, espanta que fatos amplamente conhecidos do pú-blico brasileiro não tenham sido considerados pela diretoriada CFI quando decidiu aprovar o empréstimo à Amaggi. Porexemplo, a imprensa de Porto Velho, Rondônia, noticiou noinício de setembro de 2004 – antes, portanto, da aprovaçãodo empréstimo à Amaggi – que vários problemas de saúdepública decorrem do funcionamento da Hermasa (do grupoda família Maggi). Conforme publicado na Imprensa Popu-lar, “Promotora está convencida de que pó de soja matou duas

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mulheres” [1]. Segundo o órgão de imprensa,

“A promotora de Justiça Aidée MariaMoser Torquato Luiz, da Promotoriade Justiça do Meio Ambiente deRondônia, está convencida de que o póde soja e outros resíduos sólidos lan-çados ao ar pelo Terminal Graneleiroda Hermasa (Grupo Maggi), nestaCapital, causaram a morte por pro-blemas respiratórios de duas mulhe-res que moravam no bairro Novo Es-tado, na margem do rio Madeira, ondese localiza o terminal.”

Além disso, a mesma reportagem registra:

“Dezenas de outros moradores da re-gião estão atualmente com doençasrespiratórias, irritação nos olhos e napele. A promotora Aidée Maria acre-dita igualmente que eles são vítimasda poluição causada pelo Terminal daHermasa e pelas manobras do portograneleiro”.

A operação das empresas do grupo Maggi, portanto, tra-zem problemas severos que prejudicam a qualidade de vida ea saúde dos habitantes da região. Conforme indica a reporta-gem citada,

“Os moradores dizem que até hoje opó da soja continua poluindo o ar, su-jando as casas e prejudicando a quali-

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dade de vida de crianças, jovens e adul-tos – principalmente das crianças e dosidosos. Suspeita-se que a presença deagrotóxicos no grão aumentem o en-venenamento do ar pela poeira conta-minada.”

4.2 Investimento Beneficia Poucos e Degrada a Re-gião

A atuação das empresas do grupo Maggi, segundo a mes-ma notícia, em nada tem contribuído para o desenvolvimen-to sustentável da região. As empresas, ao contrário, praticam“crimes ambientais”, segundo a notícia, e exploram um cor-redor de exportação para mercados globais, sem praticamen-te gerar benefícios para o desenvolvimento eqüitativo de co-munidades da região. Nesse sentido, destaca o órgão de im-prensa:

“Os rondonienses mal percebem a ri-queza que atravessa o Estado, chega aPorto Velho, e partem do Terminal daHermasa formando os maiores com-boios fluviais do Brasil.”

Por outro lado, é corrente a opinião local de que as ativi-dades do grupo Maggi trazem malefícios múltiplos, que vãodesde o sofrimento imposto a moradores de comunidades lo-cais até prejuízos ambientais irreparáveis. Nesse sentido, amesma reportagem assinala o depoimento de morador local:

“’Além de poluir a Capital, a soja é no-civa a Rondônia por ser umamonocultura que favorece o latifún-dio, concentra riqueza, aumenta o va-

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zio demográfico da região e acelera adesertificação de regiões inadequadaspara a agricultura como o Vale doGuaporé’ – diz Teodoro Saraiva, mo-rador em Porto Velho.”

O mesmo morador observa ainda:

“Imóveis rurais perderam valor emMato Grosso com a expansão doscampos de soja. A soja começa pene-trar no Vale do Guaporé, emRondônia, fazendo populações tradi-cionais venderem suas terras por pre-ço vil”

Como poderia um processo de “consulta” ter passadopor cima desses fatos? Como poderia uma “completa e cui-dadosa análise das questões implicadas”, mencionada no“Relatório” da CFI, ter ignorado essa realidade estampada nosjornais e objeto de processo oficial conduzido por autoridadepública?

As opiniões acima são corroboradas por pesquisadoresacadêmicos, da Unicamp, que se pronunciaram na formaseguinte sobre o assunto [2]:

“A hidrovia do Madeira-Amazonas éum exemplo marcante de discussãoda função das redes geográficas nosespaços do território nacional em quea economia se volta à interessesexógenos ao lugar”

Em suas conclusões, os pesquisdores destacam:

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“nos projetos dos ‘corredores de soja’,as hidrovias posicionaram-se como ei-xos prioritários, respondendo aos recla-mos do agribusiness e do imperativo daexportação”, favorecendo a que “o cres-cimento econômico, sob a direção dasgrandes empresas, condu[za] inevitavel-mente à concentração de renda [...].

Além disso, a opinião pública brasileira tem reconhecidoque a cultura da soja praticada pelo grande agro-negócio é uma“nova ameaça” à floresta amazônica, uma vez que avança commáquinas e insumos químicos sobre terras, muitas vezes au-mentando o desmatamento e expulsando os pequenos agri-cultores [3].

É aparente, portanto, que faltam políticas públicas capa-zes de efetivamente incorporar o interesse público local, pro-movendo, com base nisso, o desenvolvimento eqüitativo eambientalmente sustentável da região.

4.3 – Política e Negócios

Embora a CFI declare que tenha mantido “extensas dis-cussões com a Companhia [Amaggi] sobre a importância dese manter um distanciamento nas relações entre as ativida-des do senhor [Blairo] Maggi enquanto governador e as ope-rações da Companhia”, o “Relatório” da entidade multilate-ral não deixou claro para a diretoria se o senhor Blairo Maggialienou sua posição de acionista das empresas do grupo.

Isto complica a situação, diante de fatos como as contri-buições feitas à campanha política do atual governador. Se-gundo noticias da imprensa [4], a Amaggi Exportação e Im-portação Ltda., beneficiaria do empréstimo concedido pelaCFI, forneceu em 2002 a segunda maior doação para a cam-panha do atual governador. As doações foram as seguintes,segundo a imprensa [4]:

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“Dos mais de R$ 10 milhões da arre-cadados pelo socialista [Blairo Maggi],declarados em 700 páginas ao TRE, 3,2milhões foram doados pelo próprio can-didato do PPS [Blairo Maggi]. A empre-sa Amaggi Exportação e ImportaçãoLtda, foi o segundo maior doador, com2,931 milhões; Hermasa Navegaçãoda Amazônia, R$ 450 mil; Lúcia BorgesMaggi, com R$ 600 mil e Fertipar Fer-tilizantes Paraná, com R$ 250 mil.”

Parece difícil se falar em “separação” entre atividadespolíticas e empresariais em tais condições. E será que a neces-sidade de capitalização da Amaggi, atendida pelo empréstimoda CFI, não decorre em parte de déficits atribuíveis a doaçõespolíticas da empresa? Como assegurar que o empréstimo (oatual e ao menos um outro empréstimo concedido no passa-do pela CFI à Amaggi) não se prestará a ser usado na políti-ca? Nada disso ficou explicitamente considerado em sufici-ente detalhe pela CFI (cf. CFI, “Relatório”).

Por outro lado, como governador, o senhor Blairo Maggitem dito à imprensa que apóia a legalização do cultivo e dacomercialização dos transgênicos,[5] incluindo obviamentea soja transgênica, o que beneficiará as suas empresas. Disse,ainda, que a Amaggi plantará soja transgência em 2005. Se-gundo o jornal Valor Econômico, o governador disse “que ogrupo controlado por sua família pretende plantar sojatransgênica na próximo safra, a 2005/06” [6]. E, como sesabe, o assunto da legalização dos organismos geneticamen-te modificados é muito controvertido e amplamente criticadopela sociedade civil. O apoio à reforma da lei dado por BlairoMaggi é político, o benefício será econômico em prol daAmaggi e a possível ameaça é ambiental.

Isto tampouco foi considerado pela CFI ao tomar a decisãode conceder o empréstimo à Amaggi em 23 de setembro de 2004.

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Finalmente, deve ser considerado que o governador BlairoMaggi já se posicionou contra a demarcação de terras indíge-nas. Segundo noticiado na imprensa [7], professores do De-partamento de Antropologia da Universidade Federal de MatoGrosso enviaram carta ao governador Maggi, em 2003, paradissuadi-lo de solicitar ao Ministro da Justiça que terras indí-genas no Mato Grosso não fossem demarcadas. O quantoisto pode ser benéfico, ou não, aos negócios do grupo Maggi –a despeito do que conste do Sistema de Manejo Ambiental eSocial da Amaggi – não se sabe, mas deveria ser investigado esem dúvida deveria constar explicitamente de consideraçõessobre as quais a diretoria da CFI devesse se pronunciar aodecidir sobre o empréstimo.

5 - CONCLUSÕES

É espantoso e inaceitável que uma entidade multilateral,como a CFI, tenha procedimentos de deliberação tão defeitu-osos a ponto de gerar decisões de concessão de empréstimosextremamente problemáticos e que trazem riscos visíveis àsociedade.

Sabe-se que, apesar dos reclamos da sociedade civil, aCFI insistiu em classificar a operação de empréstimo à Amaggicomo pertencente à chamada “categoria B”, negando-se aclassifica-la na “categoria A”, o que exigiria um exame maiscauteloso dos vários potenciais riscos inerentes ao investimento.

As “consultas” realizadas pela CFI obviamente foramtambém defeituosas. Conforme registrou manifestação doFórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o MeioAmbiente e Desenvolvimento (FBOMS), que reúne mais de1.200 entidades da sociedade civil, “não foi consultada amaioria dos atingidos potenciais pelas mudanças propostas,tais como povos indígenas e comunidades locais.” [8]

As falhas no processo deliberativo da CFI são gritantes edeslegitimam a sua atuação, nos moldes atuais, e reforçamos argumentos contrários à reforma das políticas de infor-mação e de salvaguardas que a entidade quer adotar no futu-

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ro próximo (ver Informe RB nº 20, de 08/09/2004), contraas posições críticas já manifestadas pela sociedade civil emtodo o mundo.

Notas:

[1] Ver “Promotora está convencida que pó de soja daHermasa matou duas mulheres”, no endereço:

http://www.imprensapopular.com/see.asp?codnews=1393&categoria=reportagem – consulta-do em 04/10/2004

2] Ver “A soja rumo ao norte”, no endereço:

http://www2.correioweb.com.br/cw/2001-02-27/mat_28859.htm – consultado em 04/10/2004.

[3] Ver Ednei de Genaro e Prof. Dr. Ricardo Castillo,“O Papel do Modal Hidroviário na Logística do Transportede Cargas no Território Brasileiro: Uma Análise a Partir daConfiguração Territorial. O Exemplo da Hidrovia do Madei-ra-Amazonas”, no endereço:

http://www.cibergeo.org/agbnacional/VICBG-2004/Eixo5/e5%20150.htm – consultado em 04/10/2004.

[4] Ver “Maggi gastou 22 vezes mais do que Antero”,matéria do Diário de Cuiabá, reproduzida no endereço:

http://www.dentinho.com.br/integras.asp?cod=2651– consultado em 04/10/2004

[5] Ver Agência Brasil, “Blairo Maggi defende texto daLei de Biossegurança aprovado no Senado”, no endereço:

http://ultimosegundo.ig.com.br/materias/brasil/1772501-1773000/1772636/1772636_1.xml – consul-tado em 01/11/2004

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[6] Ver “Blairo Maggi deve plantar soja transgência em2005”, da fonte “Valor Econômico”, matéria reproduzidano endereço:

http://www.agrolink.com.br/noticias/pg_detalhe_noticia.asp?cod=20200 – consuldado em 01/11/2004

[7] Ver “professores da UFMT enviam carta para BlairoMaggi” matéria da fonte “Folha do Estado”, de Cuiabá,reproduzida no endereço:

http://www.universiabrasil.net/html/noticia_efgeh.html# - consultado em 04/10/2004

[8] Ver nota do FBOMS no endereço:

http://www.fboms.org.br/noticias/noticias.htm –consultado em 04/10/2004

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ESTRATÉGIAS SUB-NACIONAIS:

NORTE E NORDESTE *

No dia 09-dez.2003 foi publicada na internet o chama-do CAS (Country Assistance Strategy) 2004-2007 para o Brasil(ou “Estratégia de Assistência ao Brasil 2004-2007”) do BancoMundial (BM). Esse é o instrumento utilizado pelo BM parao planejamento plurianual da alocação de créditos a países(no caso, o Brasil). Veja a respeito o “Informe RB n.º 13 /2003 publicado em http://www.rbrasil.org.br/publicacoes/n o t a s _ t e c n i c a s /nota_tecnica.php?nota_tecnica_id=rZaSVc8vXU&pg=1

Um outro documento (Documento de Apresentação),ao qual a Rede Brasil teve acesso, descreve discussões do BMsobre o CAS 2004-2007 para o Brasil. O Documento de Apre-sentação contém informações relevantes, a seguir resumidas.

· Influências sobre o PPA 2004-2007 – O documento afir-ma claramente que, na administração do CAS, o BM temcomo referência básica o PPA (Plano Plurianual). Diz odocumento: “O cerne da estrutura de monitoramento ede avaliação proposta para o CAS é o próprio planoplurianual do governo e seus objetivos.” A estratégia doBM é, portanto, trabalhar em cima dos objetivos do PPA,para influenciar a sua execução usando o impacto do po-der de alocação de seus créditos.

· Apoio do BM à PPP – O documento afirma explicitamen-te que o BM apoia esquemas de PPP (parcerias público-privadas). Este apoio está explicitado no CAS e já no pri-meiro empréstimo do BM aprovado para o Brasil em 2004

* Texto originalmente publicado como “Informe nº 05/2004” em 01/03/2004, no endereço: http://www.rbrasil.org.br

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(ver Informe RB n° 2 /2004; sobre a PPP, ver Informe RBn.º 4, publicados em http://www.rbrasil.org.br/p u b l i c a c o e s / n o t a s _ t e c n i c a s /nota_tecnica.php?nota_tecnica_id=Th9qmcuNDq&pg=1e http://www.rbrasil.org.br/publicacoes/artigos/artigo.php?artigo_id=rB1VBDqZuO&pg=1 respectiva-mente). Na visão de grupos da sociedade civil, os esque-ma de PPP contribuem para o desmantelamento dos ser-viços de interesse público.

· Parcerias com o BID (exemplo da política educacional) –Há ainda, no documento, a indicação clara de que o BMtrabalhará em parceria muito afinada com o Banco Inter-americano de Desenvolvimento (BID). O jargão das IFMspara isto é “harmonização.” Diz o documento: “as estra-tégias e programas do Banco [Mundial] e do BID para oBrasil são complementares dentro de uma estrutura geralsemelhante de prioridades temáticas.” O documentoacrescenta ainda: “As duas instituições concordaram emassegurar uma harmonização ainda maior”. Essaharmonização chega ao detalhe de uma divisão de traba-lho entre os dois bancos. Sobre isto, diz o documento: “Umexemplo de complementaridade operacional é o foco doBID sobre a educação secundária enquanto o Banco [Mun-dial] focaliza a educação primária”.

· Estratégias sub-nacionais (exemplos do Norte, Nordeste eTocantins) – O documento indica que o BM trabalhará,também, com base em estratégias sub-nacionais (regio-nais e estaduais). Diz o documento: “Nossa estratégia parao Nordeste se desenvolve com base na experiência de tra-balho com estados e em consultas com interessados lo-cais”. Diz ainda o documento: “Um exercício de estraté-gia semelhante está sendo desenvolvido para a RegiãoNorte”. Finalmente, o documento se refere ao “Projetode Desenvolvimento Regional Sustentável para oTocantins”, o qual constitui, na descrição do documento,“o primeiro passo na implementação de uma ‘Estratégia

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de Assistência Estadual’ para Tocantins – um primeiro doque esperamos será uma série de estratégias estaduais [...]principalmente no Nordeste e no Norte.” Aqui, também,a coordenação próxima com o BID está indicada.

As informações acima revelam que, no período do CAS2004-2007, o Banco Mundial pretende influenciar não ape-nas as políticas públicas federais de âmbito nacional, mas tam-bém aquelas com componentes regionais e estaduais. E, paraisto, contará com uma coordenação com o BID.

A sociedade civil necessita permanecer alerta para queos programas desses bancos multilaterais deixem de exercerinfluência indevida – e muitas vezes com impactos sociais eambientais altamente negativos – sobre a formulação eimplementação de políticas públicas no Brasil.

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POLÍTICAS SEMELHANTES EM

VÁRIOS CONTINENTES *

No dia 07-ago.-2004, em uma “Consulta Nacional” re-alizada em Nova Delhi, diversas organizações da sociedade civilrejeitaram veementemente Documento de Estratégia de País(DEP) 2004, ou Country Assistance Strategy (CAS) 2004, doBanco Mundial. A rejeição foi anunciada por grupos que inclu-íam amplas alianças de organizações da sociedade civil nas áre-as de mineração, exploração de florestas, barragens e energiahidrelétrica. As informações estão em nota à imprensa de 10-ago.-2004, publicada por diversas entidades, incluindo: ManthanAdhyayan Kendra, South Asia Network on Dams, Rivers andPeople, National Forum of Forest People and Forest Workers(NFFPFW Jharkhand Jangal Bachao Andolan, Focus on the Glo-bal South, Environment Support Group, Delhi Forum, CitizensConcern for Dams and Development (CCDD).

O Banco Mundial foi severamente criticado pelas organi-zações da sociedade civil, com base nos seguintes fundamentos:

· Deficiências no processo de consulta à sociedade, inclusive afalta de prazo para as comunidades se pronunciarem.

· Ausência de previsão e oportunidade para que haja consul-tas a parlamentares nacionais e estaduais.

· Ausência de devidas e prévias informações sobre o docu-mento de estratégia, que procura influenciar políticas eco-nômicas sociais e ambientais, tendo o Banco publicado otexto na internet com o prazo de apenas três semanas paracomentários.

* Texto originalmente publicado como “Informe RB nº 18/2004” em 11/08/2004, no endereço: http://www.rbrasil.org.br, com o título “Solidarie-dade à Sociedade Civil na India, Mobilizada Contra o banco Mundial”.

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· A presença de motivação, retoricamente camuflada, deprivatizar setores importantes da economia do país.

· Completa ausência (no CAS) de referências a falhasabismais em reformas impulsionadas pelo Banco, in-clusive ao fato de que eleitores rejeitaram as políticasdo Banco ao substituírem, mediante o voto popular, osgovernos locais em Andhra Pradesh, Karnataka eMadhya Pradesh, que aderiam a elas

· O prazo de consultas estabelecido pelo Banco tinha emvista a data de reunião da diretoria da entidade em Wa-shington, D.C., no dia 26 de agosto, e não a necessida-de de informação a ser divulgada e debatida com a so-ciedade e com o governo.

Os protestos da sociedade civil na Índia, contra os mé-todos do Banco Mundial e contra conteúdos do CAS 2004,mostram como o Banco age de maneira semelhante emtodos os países tomadores de empréstimos. Está ocorrendona Índia, como tem ocorrido no Brasil, desrespeito a gru-pos sociais sobre os quais incidem os programas do Bancoe há, também, o emprego de métodos para influenciar aadoção de reformas altamente questionáveis pela ausênciade mecanismos que assegurem a efetiva participação dasociedade e dos representantes do povo nos parlamentos.

Assim sendo, a Rede Brasil se solidariza com as orga-nizações da Índia, em protesto contra os métodos e as polí-ticas do Banco Mundial em seu país e reitera que igual-mente rejeita a adoção de métodos e políticas semelhantesno Brasil.

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MONITORANDO

O BID

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O BID COMO ATOR ESTRATÉGICO NA

AMÉRICA LATINA E NO CARIBE

Marcus Faro * e Magnolia Said **

1 – Introdução

O Banco Inter-americano de Desenvolvimento (BID)foi criado em 1959 para oferecer assistência financeira parao desenvolvimento de países pobres da América Latina e doCaribe (ALC). O objetivo declarado do Banco, segundo oseu Convênio Constitutivo, artigo 1, era de “contribuir paraa aceleração do processo de desenvolvimento econômico esocial dos países em desenvolvimento da região, coletivamen-te e individualmente”.

Porém, o BID rapidamente se tornou um meio para aformulação de políticas de interesse de seus maiores acio-nistas. Os Estados Unidos são o acionista com maior poderindividual de voto (30 %), seguido da Argentina (10,75 %),Brasil (10,75 %), México (6,91 %), Venezuela (5,76 %),Japão (5 %), Canadá (4 %) e outros 39 países com menosde 3 % de poder individual de voto. Evidentemente, a distri-buição do poder de voto se torna a base de um jogo de inte-resses estratégicos sobre a condução das políticas do Banco.E mesmo uma coalizão entre todos os países da ALC,tomadores de empréstimo, não seria suficiente para mobili-zar mais da metade do poder de voto. Esta condição serianecessária para pôr as políticas do Banco verdadeiramente

* Assessor Político da Rede Brasil** Diretora-Presidente do Esplar-Centro de Pesquisa e Assessoria,Membro da Coordenação Executiva da Rede Brasil

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a serviço da maioria dos sócios – os países em desenvolvi-mento da ALC – mas é impossível de ser efetivada sob a atu-al estrutura de governança da instituição.

Assim, o BID é mantido como refém de interesses quenão são os das inúmeras sociedades nas quais sãoimplementados os projetos financiados pela instituição. Umaanálise das estratégias de desenvolvimento social e deintegração regional do BID e das relações do Banco com asociedade civil indicam isto claramente.

2 – A Estratégia de Desenvolvimento Social do BID

O BID tem uma visão economicista do processo de de-senvolvimento social. Tal visão domina o apoio oferecido peloBID a programas sociais, conforme se vê nos documentos“Supporting Reform in the Delivery of Social Services” – N°SOC-101, aprovado pelo Banco em 1996, e “SocialDevelopment Strategy”, de Fevereiro de 2003 (SDS-2003),atualmente em consideração pelo Banco.

De fato, desde os anos 1960, em que o BID apoiava in-vestimentos em infraestrutura de serviços públicos, tais comoeducação, os empréstimos do BID para aplicação em progra-mas sociais mudaram. Assim, nos anos 1980, o foco em ex-pansão de infraestrutura física de serviços sociais (e.g. esco-las, hospitais, clínicas) foi abandonado em favor de uma pre-ocupação com a “qualidade” dos serviços. Porém, isto, naprática, significou que o BID passou a procurar incentivar“eficiência” em termos de “retornos por dispêndio”, proje-tando tais retornos como se fossem de investimentos priva-dos em um mercado.

Desde então, os empréstimos do BID para aplicação emáreas sociais vêm explicitamente acompanhados de “um for-te componente de reformas” (SOC-101, p. 5). Tais refor-mas, em um programa ou mesmo em um setor de serviçossociais, resultam de uma estratégia do Banco orientada para:(a) esclarecer os objetivos das políticas; (b) encorajar múlti-

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plas fontes de oferta; (c) fazer os recursos premiar resulta-dos, deixando a oferta definir inputs; e (d) promoverdescentralização cautelosamente (SOC-101, p. 10). Estescomponentes estratégicos do BID adotados como critériosbásicos para o apoio financeiro às políticas sociais dos paísestomadores de empréstimo têm um alcance econômico, foca-lizando a segurança de investimentos privados, e não primor-dialmente o cosumo, ou subsídio ao consumo, dos cidadãos.

Portanto, os componenetes estratégicos para fundamen-tar as reformas de programas sociais, quando explicitados peloBanco, correspomdem a: (i) evitar que objetivos considera-dos incompatíveis com o equilíbrio fiscal sejam priorizadospor governos; (ii) encorajar que empresas privadas passem aoferecer serviços que possam ser considerados como “insufi-ciente ou deficientemente” providos pelo setor público; (iii)assegurar que os serviços respondam a demandas efetivas,sendo considerados mais eficiente para isto a oferta por meiodo setor privado, capaz de criar “mercados competitivos” emprogramas sociais; (iv) evitar a simples devolução de poderde decisão a autoridades locais, assegurando que haja uma“correta” estrutura de governança e incentivos “corretos”para orientar a tomada de decisões (SOC-101, pp. 10-14).

Por outro lado, para tornar as reformas de programas so-ciais aceitáveis, o Banco desenvolveu uma retórica favorávelaos princípios de “universalidade”, “solidariedade” e“sustentabilidade” das políticas sociais nas áreas de saúde enutrição, educação, habitação e mercados de trabalho. Con-tudo, o significado real de tais princípios é dado pelos conceitos,estabelecidos pelo próprio Banco (SDS-2003), segundo os quais:

· a “universalidade” das políticas sociais deve estar su-bordinada a “constrangimentos impostos pela dimensão pro-dutiva da sociedade” (ou seja, o mercado);

· a “solidariedade” deve significar “a responsabilidadecompartilhada entre os setores público e privado para o fi-nanciamento de programas sociais” e “eficiência” na alocaçãode recursos (ou seja, avanços em direção à privatização e pro-moção da focalização);

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· a “sustentabilidade”, além de importar em esforçosde realizar consultas e disseminar informação, deve se referirsobretudo à manutenção de “equilíbrio fiscal e financeiro”de políticas sociais, cujos objetivos permanecem, portanto,secundários em relação à disciplina econômica favorável pri-mordialmente ao funcionamento dos mercados, e não aobem-estar social obtido por outros meios.

O BID enfatiza, ainda, a “ineficiência” de leis públicasde licitação, que, segundo o Banco, atrapalham a alocaçãode recursos via empréstimos que contribuem para a reformada política social em favor do uso “eficiente” de recursos(SDS-2003, p. 13). Nesse sentido, a criação de “Fundos deInvestimento Sociais” encorajados pelo BID são um meio deevitar a incidência de tais regras.

As reformas na área de política social defendidas peloBID, portanto, não passam de mudanças destinadas a criarmercados privados em diversas áreas de serviços e de coope-ração social, que necessitariam estar apoiadas em noçõescompartilhadas de interesse público. Criar mercados para aspolíticas sociais, ou torná-las escravizadas mercados finan-ceiros, significa destruir instituições públicas sob o argumen-to falacioso de que uma alocação eficiente de recursos, feitapor investidores privados, gerará um padrão de investimen-tos que propiciará o acesso eqüitativo de todos os consumi-dores a bens essenciais como saúde, educação e habitação.

3 – Integração Regional na Visão do BID

3.1 Abrindo mercados Via Integração regional

A visão economicista do BID se repete, também, no quese refere às políticas que o Banco estabeleceu para apoiar aintergração regional no continente americano. Em outras pa-lavras, as políticas definidas na estratégia do Banco em favorda integração regional, inclusive na dimensão da infraestrtura

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física, na verdade, são meios de abrir mercados para grandesempresas em regiões e setores onde ainda estão ausentes. Osparágrafos abaixo explicitam isto.

3.2 A IIRSA

Todos sabem que está em curso um processo no qualtem sido negociada a integração da América Latina, em vá-rias dimensões. Uma dessas dimensões é a da “integraçãofísica”, que tem sido impulsionada por processos associadosà chamada IIRSA (ver www.iirsa.org). Isto ocorre num con-texto em que o BID tem oferecido apoio essencial ao muitocriticado “Plan Puebla Panamá”, bem como à “Integraçãoda Infraestrutura Regional na América do Sul” (IIRSA) e,aparentemente, aspira a se tornar o banco da Área de LivreComércio das Américas (ALCA), defendida pelos EstadosUnidos.

A IIRSA é um mega-projeto, que reúne diversos projetossub-regionais de construção de estradas, hidrovias, barragense outras obras, nos seguintes “eixos” de desenvolvimento(www.iirsa.org/esp/plan/Plan_de_ Accion.pdf):

• Eixo Mercosul (São Paulo-Montevideo-Buenos Aires-

Santiago).

• Eixo Andino (Caracas-Bogotá-Quito-Lima-La Paz).

• Eixo Interoceânico Brasil-Bolivia-Peru-Chile (São Pau

lo-Campo Grande-Santa Cruz-La Paz-Ilo-Matarani-

Arica-Iquique).

• Eixo Venezuela-Brasil-Guyana-Suriname.

• Eixo Multimodal Orinoco-Amazonas-Plata.

• Eixo Multimodal del Amazonas (Brasil-Colombia-

Ecuador-Perú)

• Eixo Marítimo do Atlântico.

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• Eixo Marítimo do Pacífico.

• Eixo Neuquén-Concepción.

• Eixo Porto Alegre-Jujuy-Antofagasta.

• Eixo Bolívia-Paraguai-Brasil.

• Eixo Peru-Brasil (Acre-Rondônia).

A IIRSA tem o apoio dos seguintes agentes financeirosmultilaterais: o Banco Interamericano de Desenvolvimento(BID), a Corporación Andina de Fomento (CAF), o FondoFinanciero para el Desarollo de la Cuenca del Plata(FONPLATA) e o Banco Mundial (BM). Estes agentes têmoferecido os meios financeiros para a implementação dos pro-jetos.

Porém, o processo de integração via projetos administra-dos sob a IIRSA tem sido em grande parte liderado pelo BID.O Banco tem inclusive organizado capacidades relevantes parao desenvolvimento das condições institucionais conducentesà implementação das políticas de integração no continente.Neste sentido, é importante entender que o BID tem umaestratégia de integração hemisférica, que, na verdade, vaimuito além dos projetos da IIRSA, conforme será descritoabaixo.

3.3 – A Visão do “Novo Regionalismo”

Em 23 de julho de 2003, o BID adotou o seu “documen-to de estratégia” para a integração regional (“Integración re-gional: documento de estratégia” – GN-2245-1). Este docu-mento (a seguir citado como DEIR) constitui uma das setegrandes estratégias do BID nas seguintes áreas de atuação:(1) modernização do Estado; (2) políticas de competitividade;(3) desenvolvimento social; (4) integração regional; e (5)meio ambiente.

Segundo o prólogo do DEIR, as sete grandes estratégias

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compõem um “novo marco estratégico” do Banco. Este novomarco estratégico, de acordo com o BID, “propõe ações paramelhorar o bem-estar da população da região, pondo ênfasenos setores mais pobres”. Mas a realidade é bem outra: o BIDtem uma visão estreitamente economicista de desenvolvimen-to, muito distante de concepções mais abrangentes, que valo-rizam o desenvolvimento humano integral, inclusive as rela-ções com o meio ambiente saudável, saberes tradicionais,modos de vida e culturas de comunidades.

A estratégia de integração do BID é baseada em uma vi-são parcial do que se deve considerar como “integração” en-tre sociedades distintas. A visão de integração regional do BIDé anunciada como sendo a do chamado “novo regionalismo”.O “novo regionalismo” descarta as possibilidades de desen-volvimento de políticas nacionais autônomas ou a prevalênciade um justo equilíbrio de interesses no processo de integração.Assim, o BID afirma que “as velhas iniciativas de integraçãodo pós-guerra na América Latina e Caribe estavam desenha-das para respaldar uma estratégia de industrialização medi-ante a substituição de importações”. Este enfoque de desen-volvimento econômico, segundo o BID, “perdeu vigência coma crise dos anos oitenta” (DEIR, p. 1).

A visão do BID é no sentido de que a integração regional“agora é parte integral das reformas estruturais que os paísestêm levado a cabo desde os anos oitenta”. Na mesma linha, oBID entende que a integração regional deve “complementarpolíticas orientadas para integrar as economia ao resto domundo, estimular mercados privados e modernizar institui-ções, com vistas a alcançar um bom posicionamento frenteas forças da globalização” (idem). Com isto, o BID abre cor-redores de acesso e condições vantajosas para empresas ex-plorarem recursos naturais não-renováveis (minerais, gás,petróleo) e de biodiversidade na região.

É evidente o intuito do BID de abrir mercados para gran-

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des empresas da economia global, fomentando sua participa-ção em projetos de infra-estrutura, com amplas facilidadesinstitucionais e financeiras, ao mesmo tempo em que descar-ta como “velhas” as políticas de desenvolvimento e integraçãoimpulsionadas pelo Estado enquanto representante do povo epromotor do interesse público.

3.4 – As Políticas de Integração Regional Apoiadas pelodo BID

Com base nessa visão estreitamente economicista deintegração regional, que põe tudo a serviço da “globalização”impessoal, o BID propõe linhas prioritárias de ação, dentre asquais se destacam:

• criação de mercados regionais;

• abertura geral ao sistema de comércio mundial; e

• reforma regulatória (que o banco eufemisticamentechama de “outros bens públicos regionais”) em áreas comoenergia, telecomunicações e seguros

Nos campos de consolidação de mercados regionais, pro-moção de infra-estrutura, “fortalecimento” institucional e re-forma regulatória, o BID propõe:

· trabalhar em prol da eliminação as barreirastarifárias e não tarifárias;

· apoiar processos de liberalização de serviços;

· apoiar a “capacitação” de agentes negociadores nosfóruns de política comercial para favorecer a transição ao li-vre comércio e mitigar seus efeitos negativos;

· apoiar o avanço da IIRSA e do seu equivalente maisao norte, o “Plan Puebla Panamá”;

· promover a coordenação de políticasmacroeconômicas entre países, inclusive a “compatibilização”

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de políticas cambiais e harmonização de políticas fiscais e desistemas tributários; e

· apoiar as negociações da ALCA e seus programas,bem como os cursos de treinamento da OMC.

A estratégia do BID para a integração, portanto, é degrande envergadura e abrange aspectos físicos e econômi-cos fundamentais em diversas sociedades do continente. OBID chega mesmo a cogitar da “integração política”, enten-dendo como tal “a progressiva convergência [dos] sistemasjurídicos e políticos [dos países], assim como a criação deinstâncias supranacionais que impulsionem essas conver-gências” (DEIR, p. 9).

O DEIR indica, também, que o BID adotaráprioritariamente a “Cooperação Técnica Regional” como meiode atingir seus objetivos em apoio à IIRSA, ao Plan Puebla Pa-namá, à ALCA, a processos de integração no Caribe e aos pro-gramas do Instituto para la Integración de la América Latina(INTAL), mantido pelo Banco em Buenos Aires. Além disso, oBID utilizará recursos do FOMIN – Fondo Multilateral deInversiones (braço do BID, criado em 1993, dedicado a proverfinanciamento ao setor privado) para financiar o envolvimentode empresas privadas nas obras de infra-estrutura.

Na área de “liberalização de serviços”, o BID apoiará osesforços em prol de quatro modalidades de liberalização: (a)comércio transfronteiriço; (b) presença comercial; (c) con-sumo no exterior; e (d) movimento de pessoas físicas. É im-pressionante e sintomático que esta agenda do BID seja, naverdade, uma cópia da política de liberalização de serviços daOMC! Em outras palavras, a política para serviços do BID épraticamente uma repetição do que está previsto no artigo I,2 do chamado “Tratado Geral sobre Serviços” ou GATS (Ge-neral Agreement on Trade in Services) da OMC. Ainda em con-sonância com o GATS, o BID põe ênfase especial naliberalização de serviços financeiros, também priorizada peloFMI e pelo Banco Mundial. Assim, o BID passa a ser tambémum meio de internalização ex ante de reformas comerciais,

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que deveriam ser negociadas em fóruns apropriados, e nãodiretamente implementadas por meio de esquemas de coo-peração técnica de baixa visibilidade e accountability.

3.5 – Um Banco para a ALCA

É importante ressaltar que o BID tem liderado ativamenteo processo de integração regional nas Américas. E, como vistoacima, a integração física, baseada em grande parte nos mega-projetos Plan Puebla Panamá e IIRSA, atende a interesses degrande empresas e protege os seus investimentos. Além disso,o BID tem uma visão abrangente e articulada desses proces-sos de integração e se beneficia das formulações e dos servi-ços de apoio técnico obtidos a partir do INTAL (ver:www.iadb.org/intal/).

Em muitos aspectos, as reformas apoiadas pelo BID re-produzem as políticas preconizadas pelo FMI, pelo Banco Mun-dial, pela OMC e pelos defensores do modelo de integraçãodo tipo TLCAN (Tratado de Livre Comércio da América doNorte) ou NAFTA (North American Free Trade Agreement),que contém proteções exageradas aos investimentos privadosdiante do interesse público (ver artigo 11 do NAFTA) e quemuitos querem ver reproduzidas em uma futura ALCA. Háuma ênfase na subordinação da integração sub-regional àintegração regional e desta à “globalização”. Tanto assim que,desde 1996, o INTAL trabalha sob uma nova visão conceituale operativa “que responde às mudanças ocorridas no cenárioda integração regional na América Latina e Caribe, assimcomo frente à vigorosa corrente de globalização das econo-mias surgida nos últimos anos a nível mundial”(www.iadb.org/intal/objetivo.htm).

Nesse sentido, parece claro que o BID se vê como umcandidato natural a desempenhar o papel de banco, ou prin-cipal agente financeiro, da ALCA. De fato, o BID entende quea ALCA pode ser construída aos poucos, em um processoincremental – o que redundaria em baixa visibilidade da es-

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tratégia como um todo e despertaria assim menos controvér-sias. A visão incrementalista do BID está indicada no DEIR(p. 12), nos seguintes termos: “No marco da construção daALCA, acordos bilaterais entre países ou sub-regiões podemservir como apoio (“building blocs”), na medida em que nelesse produzam precedentes que sejam consistentes com umacordo hemisférico [...]”.

Em resumo, em sua estratégia de integração, o BID afir-ma claramente que “apoiará a participação dos países eminiciativas de integração como a ALCA, os acordos com a EU[União Européia] e com países da Ásia, na medida em que osolicitem” (DEIR, p. 16).

4 – Driblando a Representação Democrática de Inte-resses

4.1 O isolamento do BID e suas conseqüências

Não se pode deixar de observar que as políticas do BID,além de operarem em favor da abertura de mercados lucrati-vos para empresas privadas, derivam de processos de decisãoopostos à representação democrática de interesses.

Embora tenha um escopo de atuação regional – o que,em tese, poderia favorecer práticas mais democráticas – o BIDna verdade reproduz interesses, práticas e tendências comunsàs outras Instituições Financeiras Multilaterais, mormente noque se refere a:

1- Relação com os governos dos países restrita a poucosórgãos do Executivo;

2- Inexistência de mecanismos de responsabilização, pres-tação de contas e informação circunstanciada de livre e fácilacesso sobre suas políticas e operações de crédito;

3- Inexistência de mecanismos de controle social sobre aexecução de suas políticas;

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4- Insuficiência e ineficácia de políticas de salvaguardano planejamento e implementação de suas operações, redu-zindo preocupações relativas a questões ambientais, popula-ções indígenas, reassentamento involuntário e questões degênero, a meros formalismos;

5- Ao modo nebuloso como são apresentados os dadossobre suas operações, não se tendo os elementos para com-preender os reais objetivos e funções de algumas de suas ope-rações no Documento de Assistência, por exemplo;

6- À distância entre as diretrizes políticas estabelecidasnos projetos e a sua operacionalização;

7- À não previsão, na estrutura dos projetos, de condi-ções físicas e financeiras para o seu monitoramento por partedas organizações da sociedade civil.

4.2 Diálogos frustantes

Como se sabe, nos anos de 1990, vendo-se abalados poruma crise de legitimidade, derivada da constatação de queseus programas não haviam contribuído para a superaçãodos acentuados níveis de pobreza nos países, os bancos multi-laterais passaram a fomentar um novo tipo de relação com asociedade civil, sem a intermediação dos Estados nacionais.

O BID sempre foi resistente a processos participativos.Porém, como estava sendo alvo de críticas em todo o mundo,iniciou um movimento de aproximação com as organizaçõesda sociedade civil, através de ações combinadas de: formaçãode opinião, construção de análises sobre políticas e estabele-cimento de parcerias. Assim, o BID passou a utilizar meca-nismos de interlocução informal com a sociedade civil, massem efetividade em termos de incorporação dos pontos de vistadas comunidades ao conteúdo das políticas.

Com isso, o BID passou a realizar principalmente diálogosinformais de âmbito nacional e regional. Além disso, consti-tuiu, mais recentemente, um Conselho de Assessores em al-

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guns países e criou o Mecanismo de Investigação Independen-te (MII). Contudo, na prática, tais mecanismos não têm re-sultado mudanças no tratamento dado às populações e às or-ganizações que atuam diretamente nas áreas de projetos im-plantados com recursos do BID.

É certo que o BID definiu uma política de participação.Porém, na prática ela está mais afeta a um espaço meramen-te consultivo e problematizador, pois o poder efetivo de deci-são sobre as políticas de assistência aos países se faz direta-mente entre os governos e Banco. A participação efetiva dasociedade é frustrada também porque os grupos sociais sãochamados para interagir com o Banco, em geral, apenas nafase final das discussões, quando a política e sua estratégia jáforam definidas e acordadas entre Banco e o governo.

Igualmente defeituosos são os processos relativos à deci-são e elaboração do “Documento de País”. No Brasil, partici-pam de tais processos apenas funcionários do Banco e repre-sentantes dos Ministérios do Planejamento e da Fazenda, nãoocorrendo envolvimento sequer da casa do Congresso Naci-onal que deveria apreciar criteriosamente o “Country Paper”,o Senado Federal. Vale salientar que a apreciação política dasoperações de empréstimo é completamente precária, resu-mindo-se à consideração legislativa de Mensagem enviada peloPoder Executivo (Presidência da República/Ministério da Fa-zenda) ao Congresso Nacional, focalizando-se os aspectos me-ramente financeiros de cada operação de empréstimo, semque haja um debate mais amplo sobre o mérito das políticasem causa, nem sobre o conteúdo das reformas vinculadas atais operações.

Por outro lado, a sociedade civil tem pouca informaçãosobre o processo de construção do Documento de País e, quan-do tem, a informação vem calcada num diálogo pouco subs-tantivo e restrito a temas que não são prioritários para o BID.E quando provocado sobre temas prioritários, o Banco dialo-ga, mas não aprofunda os debates, e trata a questão de formafragmentada e não contextualizada.

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As consultas regionais em geral, resumem-se à apresen-tação de informações sobre o Banco e discussão de temas es-pecíficos, sem guardar relação com as consultas anteriores.Portanto, tais consultas não são mecanismos de negociaçãoou de decisão. Ademais, a participação é descontínua e foca-lizada muitas vezes sobre ONGs previamente reconhecidaspelo Banco como facilmente manipuláveis e cooptáveis e dis-tanciadas de posicionamentos mais críticos, consolidados emfóruns ou articulações da sociedade civil.

O Conselho Assessor é constituído por organizações e mo-vimentos escolhidos pelo BID, podendo reunir-se mais de umavez por ano, por iniciativa deste. Porém, sua agenda é tão flui-da quanto a das consultas regionais ( informes e temas). Omodo como a reunião é conduzida e as questões são coloca-das faz parecer que a sociedade civil pode, de fato, influenciaras políticas do Banco. Mas isto não passa de uma ilusão.

Por todos esses motivos, permanece falha a própria utili-zação dos instrumentos criados pelo BID, como o MII porexemplo. Esse mecanismo foi criado no sentido de contribuirpara a mitigação dos impactos negativos identificados pelapopulação atingida pelo projeto em execução. O objetivo se-ria garantir a qualidade do resultado do projeto. Na realidadeseus procedimentos não são cumpridos do modo estabeleci-do, como pode-se identificar no histórico do Projeto da UsinaHidrelétrica de Canabrava, no Brasil.

A impressão que se tem é que o BID ainda não assimi-lou, de um modo mais amplo, a necessidade de reformas emseu interior que impliquem na institucionalização efetiva, deinstrumentos de diálogo com a sociedade, de transparência ede acesso à informação.

Apaziguar os ânimos, oferecendo participação por meiodesses instrumentos, reafirmar retoricamente a política de par-ticipação, fazer promessas, demonstrar receptividade e preo-cupação quanto à demandas e denúncias apresentadas pelasociedade civil, têm sido os resultados da prática diálogo in-

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conseqüente promovido pelo BID. Ou seja, nada de concretopara superar definitivamente os indicadores de pobreza e asprofundas desigualdades em que está envolta a região da ALC.

5 – Observações Finais

Contrariamente ao que se esperava, no caso do Brasil, ogoverno Lula se esmerou, mais do que os governos preceden-tes, no estreitamento de relações com as Instituições Finan-ceiras Multilaterais (IFMs), demonstrando uma maior dis-posição de efetivar políticas assimiladas a partir de receituári-os divulgados por essas organizações. Hoje existem importan-tes similaridades e consensos entre a agenda do governo e asagendas dos Bancos Multilaterais, ao ponto de tanto o BancoMundial como o BID terem assento oficial em espaços de dis-cussão e definição de políticas nacionais, contribuindo for-malmente para o direcionamento dos recursos orçamentári-os do Brasil. Para outros países da região – com exceções par-ciais, como a do governo de Kirchner, na Argentina – temsido difícil evitar que as IFMs detenham um grande poder dedeterminar o conteúdo e o timing de reformas de políticaspúblicas, inclusive as políticas sociais e os processos deintegração regional

Porém, com sua visão estreitamente economicista daintegração e do desenvolvimento social, o BID certamente nãoé o melhor candidato a ser o banco da integração no continen-te americano ou para se encarregar de promover o bem-estardos povos da região. Existem outros mecanismos de coopera-ção financeira e não-financeira, ou novas e mais transparen-tes instituições poderiam ser criadas com maiorrepresentatividade social, para tais finalidades. Por exemplo: asociedade pode reivindicar representação formal em órgãoscomo o Comitê de Direção Executiva da IIRSA; as políticas so-ciais poderiam ser impulsionadas por esquemas cooperativosfinanciados pela tributação de movimentação especulativa decapitais, sob fiscalização da sociedade civil, e assim por diante.

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Além disso, para que o Banco cumprisse uma real políti-ca de participação que resultasse num melhor e mais apri-morado controle social de suas ações em cada país seria deextrema importância a participação de legisladores eleitos pelopovo e da sociedade civil no debate sobre o Documento dePaís. Seria indispensável o acesso às informações detalhadassobre os fundamentos das operações de ajuste estrutural esetorial (sobretudo os memorandos de liberação de parcelasde empréstimo), aos documentos sobre projetos (memoran-dos, relatórios e avaliações), às discussões e deliberações doConselho Diretor e das Assembléias de Governadores bemcomo às avaliações de políticas nacionais e uma prestação decontas nos Parlamentos sobre suas atividades no país.

Deveria, também, ser adotado o princípio de que todosos documentos do Banco, relativos aos países tomadores deempréstimo, são públicos e necessitam estar sempre disponí-veis no idioma de cada país aos quais disserem respeito asdiversas políticas. Igualmente, deveria ser seguido o princípiode que a sociedade civil é sujeito estratégico para fins demonitoramento das políticas e projetos do Banco.

As instituições devem servir às legítimas aspirações dascomunidades – inclusive suas avaliações autônomas sobre osimpactos ambientais e sociais dos projetos de infra-estrutura–, e não simplesmente aos interesses de grandes empresas emauferir lucros para poucos.

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BID FAVORECE ATIVAMENTE A PPP1

O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)tem se movimentado com desenvoltura em apoio à viabilizaçãode esquemas de parceria público-privada (PPP) no Brasil.

Segundo o jornal Valor Econômico (16/06), está sendopreparada a criação de um fundo de ações, apoiado pelo BIDcom créditos de US$ 1 bilhão a US$ 5 bilhões, para dar ga-rantias aos investidores privados, que se beneficiarão dos es-quemas de PPP. O BID e o governo, segundo o mesmo jornal,pretendem atrair também bancos estrangeiros.

Além disso, o governo planeja a criação de um outro“fundo garantidor” (capitalizado com ações de primeira li-nha, provavelmente incluindo ações de importantes empre-sas públicas brasileiras) a ser administrado pelo Banco Naci-onal de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

RISCOS DOS ESQUEMAS DE PPP

· risco tecnológico (o empreendimento pode se tornardefasado por inovação tecnológica não absorvida, ficando opúblico sem o serviço de qualidade e sem que possa benefici-ar-se de um ajuste de preço para menos);· risco de demanda (pode cair a demanda pelo serviço,permanecendo a obrigação de o Estado remunerar o ente pri-vado);

1 Texto originalmente publicado como “Informe RB nº 12/2004” em 16/06/2004, em http://www.rbrasil.org.

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· risco de competição (competidores, inclusive com ca-pital nacional, podem oferecer serviços melhores ou maisbaratos, que não poderão ser preferidos pelo Estado para ofertaao público durante o período de contrato de PPP);

· risco cambial (a depreciação da moeda local pode tra-zer prejuízos quando o financiamento do empreendimento éem moeda estrangeira):

· risco de inadimplência (pode ocorrer elevada taxa deinadimplência da parte dos consumidores, permanecendo aobrigação de o Estado remunerar o ente privado);

· risco regulatório (o Estado pode, em resposta ao cla-mor público, reformar a regulação do setor de atividades emcausa, o que poderá importar em responsabilidade do Estadopara indenizar o ente privado, caso o equilíbrio financeiro docontrato de PPP seja atingido);

· risco de impacto social ou ambiental negativo (asleis de PPP, como é caso do texto do PL nº 2546 / 2003, mui-tas vezes não prevêem a obrigatoriedade de consultas públi-cas ou de licenciamento ambiental, permanecendo privadose pouco transparentes os procedimentos de decisão, commaiores chances de os projetos terem impactos como o au-mento de preços dos serviços, a repressão salarial, o desem-prego e a degradação ambiental).

A Rede Brasil distribuiu a todos os Deputados federais ea todos os Senadores documento em que analisa vários dosriscos da PPP, resumidos no quadro cima. Os mecanismosinstitucionais para administrar tais riscos não estão claros noprojeto de lei que tramita no Congresso Nacional para a cri-ação da PPP (ver Informe RB nº 4/2004, no endereço: http://www.rbrasil.org.br/publicacoes/artigos/rB1VBDqZuO/Informe_04.doc).

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Por outro lado, não há discussão suficiente sobre as con-seqüências da criação dos “fundos garantidores” (tambémchamados “fundos fiduciários”) e sua utilização como mei-os de oferecer garantias extremamente generosas, com du-ração de muitas décadas (o governo acena com 45 anos e asempresas querem 70 anos) a grandes investidores privados.Se não forem apropriadamente regulamentados, tais fun-dos poderão se constituir em mais um componente da ci-randa financeira, da qual o Brasil foi feito escravo, ao desti-nar mundos e fundos ao pagamento de uma dívida públicainesgotável.

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BID: O BANCO DA ALCA?

1 – Introdução

Este informe tem por objetivo realizar uma breve aná-lise da estratégia de integração do Banco Interamericanode Desenvolvimento (BID). O BID tem oferecido apoio es-sencial ao muito criticado “Plan Puebla Panamá”, bemcomo à “Integração da Infraestrutura Regional na Améri-ca do Sul” (IIRSA) e, aparentemente, aspira a se tornar obanco da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA),defendida pelos Estados Unidos.

2 – A IIRSA

Todos sabem que está em curso um processo no qualtem sido negociada a integração da América Latina, emvárias dimensões. Uma dessas dimensões é a da “integraçãofísica”, que tem sido impulsionada por processos associa-dos à chamada IIRSA (ver www.iirsa.org).

A IIRSA é um mega-projeto, que reúne diversos pro-jetos sub-regionais de construção de estradas, hidrovias,barragens e outras obras, nos seguintes “eixos” de desen-volvimento (www.iirsa.org/esp/plan/Plan_de_ Accion.pdf):

· Eixo Mercosul (São Paulo-Montevideo-BuenosAires-Santiago).

· Eixo Andino (Caracas-Bogotá-Quito-Lima-La Paz).· Eixo Interoceânico Brasil-Bolivia-Peru-Chile (São

Paulo-Campo Grande-Santa Cruz-La Paz-Ilo-Matarani- Arica-Iquique).

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· Eixo Venezuela-Brasil-Guyana-Suriname.· Eixo Multimodal Orinoco-Amazonas-Plata.· Eixo Multimodal del Amazonas (Brasil-Colombia-

Ecuador-Perú)· Eixo Marítimo do Atlântico.· Eixo Marítimo do Pacífico.· Eixo Neuquén-Concepción.· Eixo Porto Alegre-Jujuy-Antofagasta.· Eixo Bolívia-Paraguai-Brasil.· Eixo Peru-Brasil (Acre-Rondônia).

A IIRSA tem o apoio dos seguintes agentes financei-ros multilaterais: o Banco Interamericano de Desenvolvi-mento (BID), a Corporación Andina de Fomento (CAF), oFondo Financiero para el Desarollo de la Cuenca del Plata(FONPLATA) e o Banco Mundial (BM). Estes agentes têmoferecido os meios financeiros para a implementação dosprojetos.

Porém, o processo de integração via projetos admi-nistrados sob a IIRSA tem sido em grande parte lideradopelo BID. Este banco tem inclusive organizado capacidadesrelevantes para o desenvolvimento das condiçõesinstitucionais conducentes à implementação das políticasde integração no continente. Neste sentido, é importanteentender que o BID tem uma estratégia de integraçãohemisférica, que, na verdade, vai muito além dos projetosda IIRSA, conforme será descrito abaixo.

3 – A Integração É Uma de Sete Estratégias

Em 23 de julho de 2003, o BID adotou o seu “docu-mento de estratégia” para a integração regional(“Integración regional: documento de estratégia” – GN-

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2245-1). Este documento (a seguir citado como DEIR)constitui uma das sete grandes estratégias do BID nas se-guintes áreas de atuação: (1) modernização do Estado; (2)políticas de competitividade; (3) desenvolvimento social;(4) integração regional; e (5) meio ambiente.

É estranho que o BID veja-se envolvido em áreas comoa “modernização do Estado”, quando não deveria imiscuir-se em assuntos com evidentes implicações de natureza po-lítica.

De qualquer modo, segundo o prólogo do DEIR, assete grandes estratégias compõem um “novo marco estra-tégico” do Banco. Este novo marco estratégico, de acordocom o BID, “propõe ações para melhorar o bem-estar dapopulação da região, pondo ênfase nos setores mais po-bres”. Mas a realidade é bem outra: o BID tem uma visãoestreitamente economicista de desenvolvimento, muito dis-tante de concepções mais abrangentes, que valorizam o de-senvolvimento humano integral, inclusive as relações como meio ambiente saudável, saberes tradicionais, modos devida e culturas de comunidades.

4 – A Visão do “Novo Regionalismo”

A estratégia de integração do BID é baseada em umavisão parcial do que se deve considerar como “integração”entre sociedades distintas. A visão de integração regionaldo BID é anunciada como sendo a do chamado “novo regi-onalismo”. O “novo regionalismo” descarta as possibili-dades de desenvolvimento de políticas nacionais autôno-mas ou a prevalência de um justo equilíbrio de interessesno processo de integração. Assim, o BID afirma que “asvelhas iniciativas de integração do pós-guerra na AméricaLatina e Caribe estavam desenhadas para respaldar uma

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estratégia de industrialização mediante a substituição deimportações”. Este enfoque de desenvolvimento econômi-co, segundo o BID, “perdeu vigência com a crise dos anosoitenta” (DEIR, p. 1).

A visão do BID é no sentido de que a integração regi-onal “agora é parte integral das reformas estruturais queos países têm levado a cabo desde os anos oitenta”. Na mes-ma linha, o BID entende que a integração regional deve“complementar políticas orientadas para integrar as eco-nomia ao resto do mundo, estimular mercados privados emodernizar instituições, com vistas a alcançar um bomposicionamento frente as forças da globalização” (idem).Com isto, o BID abre corredores de acesso e condições van-tajosas para empresas explorarem recursos naturais não-renováveis (minerais, gás, petróleo) e de biodiversidade naregião.

É evidente o intuito do BID de abrir mercados paragrandes empresas da economia global, fomentando sua par-ticipação em projetos de infra-estrutura, com amplas faci-lidades institucionais e financeiras, ao mesmo tempo emque descarta como “velhas” as políticas de desenvolvimentoe integração impulsionadas pelo Estado enquanto repre-sentante do povo e promotor do interesse público.

5 – As Políticas Apoiadas pelo do BID

Com base nessa visão estreitamente economicista deintegração regional, que põe tudo a serviço da “globalização”impessoal, o BID propõe linhas prioritárias de ação, dentreas quais se destacam:

· criação de mercados regionais;· abertura geral ao sistema de comércio mundial;

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e· reforma regulatória (que o banco

eufemisticamente chama de “outros bens públi-cos regionais”) em áreas como energia, teleco-municações e seguros

Nos campos de consolidação de mercados regionais,promoção de infra-estrutura, “fortalecimento” institucionale reforma regulatória, o BID propõe:

· trabalhar em prol da eliminação as barreirastarifárias e não tarifárias;

· apoiar processos de liberalização de serviços;

· apoiar a “capacitação” de agentes negociadoresnos fóruns de política comercial para favorecera transição ao livre comércio e mitigar seus efei-tos negativos;

· apoiar o avanço da IIRSA e do seu equivalentemais ao norte, o “Plan Puebla Panamá”;

· promover a coordenação de políticasmacroeconômicas entre países, inclusive a“compatibilização” de políticas cambiais eharmonização de políticas fiscais e de sistemastributários; e

· apoiar as negociações da ALCA e seus programas,bem como os cursos de treinamento da OMC.

A estratégia do BID para a integração, portanto, é degrande envergadura e abrange aspectos físicos e econômi-cos fundamentais em diversas sociedades do continente. OBID chega mesmo a cogitar da “integração política”, en-tendendo como tal “a progressiva convergência [dos] siste-mas jurídicos e políticos [dos países], assim como a cria-ção de instâncias supranacionais que impulsionem essasconvergências” (DEIR, p. 9).

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O DEIR indica, também, que o BID adotaráprioritariamente a “Cooperação Técnica Regional” comomeio de atingir seus objetivos em apoio à IIRSA, ao PlanPuebla Panamá, à ALCA, a processos de integração noCaribe e aos programas do Instituto para la Integración dela América Latina (INTAL), mantido pelo Banco em BuenosAires. Além disso, o BID utilizará recursos do FOMIN –Fondo Multilateral de Inversiones (braço do BID, criadoem 1993, dedicado a prover financiamento ao setor priva-do) para financiar o envolvimento de empresas privadasnas obras de infra-estrutura.

Na área de “liberalização de serviços”, o BID apoiaráos esforços em prol de quatro modalidades de liberalização:(a) comércio transfronteiriço; (b) presença comercial; (c)consumo no exterior; e (d) movimento de pessoas físicas.É impressionante e sintomático que esta agenda do BIDseja, na verdade, uma cópia da política de liberalização deserviços da OMC! Em outras palavras, a política para ser-viços do BID é praticamente uma repetição do que estáprevisto no artigo I, 2 do chamado “Tratado Geral sobreServiços” ou GATS (General Agreement on Trade in Services)da OMC. Ainda em consonância com o GATS, o BID põeênfase especial na liberalização de serviços financeiros, tam-bém priorizada pelo FMI e pelo Banco Mundial. Assim, oBID passa a ser também um meio de internalização ex antede reformas comerciais, que deveriam ser negociadas emfóruns apropriados, e não diretamente implementadas pormeio de esquemas de cooperação técnica de baixa visibili-dade e accountability.

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6 – CONCLUSÃO

O BID tem liderado ativamente o processo deintegração regional nas Américas. A integração física, ba-seada em grande parte nos mega-projetos Plan Puebla Pa-namá e IIRSA, atende a interesses de grande empresas eprotege os seus investimentos. Além disso, o BID tem umavisão abrangente e articulada desses processos de integraçãoe se beneficia das formulações e dos serviços de apoio téc-nico obtidos a partir do INTAL (ver: www.iadb.org/intal/).

Em muitos aspectos, as reformas apoiadas pelo BIDreproduzem as políticas preconizadas pelo FMI, pelo Ban-co Mundial, pela OMC e pelos defensores do modelo deintegração do tipo TLCAN (Tratado de Livre Comércio daAmérica do Norte) ou NAFTA (North American Free TradeAgreement), que contém proteções exageradas aos inves-timentos privados diante do interesse público (ver artigo11 do NAFTA) e que muitos querem ver reproduzidas emuma futura ALCA. Há uma ênfase na subordinação daintegração sub-regional à integração regional e desta à“globalização”. Tanto assim que, desde 1996, o INTAL tra-balha sob uma nova visão conceitual e operativa “que res-ponde às mudanças ocorridas no cenário da integração re-gional na América Latina e Caribe, assim como frente àvigorosa corrente de globalização das economias surgidanos últimos anos a nível mundial” (www.iadb.org/intal/objetivo.htm).

Nesse sentido, parece claro que o BID se vê como umcandidato natural a desempenhar o papel de banco, ouprincipal agente financeiro, da ALCA. De fato, o BID en-tende que a ALCA pode ser construída aos poucos, em umprocesso incremental – o que redundaria em baixa visibili-dade da estratégia como um todo e despertaria assim me-nos controvérsias. A visão incrementalista do BID está

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indicada no DEIR (p. 12), nos seguintes termos: “No mar-co da construção da ALCA, acordos bilaterais entre paísesou sub-regiões podem servir como apoio (“building blocs”),na medida em que neles se produzam precedentes que se-jam consistentes com um acordo hemisférico [...]”.

Em resumo, em sua estratégia de integração, o BIDafirma claramente que “apoiará a participação dos paísesem iniciativas de integração como a ALCA, os acordos coma EU [União Européia] e com países da Ásia, na medidaem que o solicitem” (DEIR, p. 16).

Porém, com sua visão estreitamente economicista daintegração e do desenvolvimento, o BID certamente não éo melhor candidato a ser o banco da integração no conti-nente americano. Existem outros fundos, ou novos e maistransparentes mecanismos financeiros poderiam ser cria-dos com maior representatividade social, para essa finali-dade. A sociedade deve acompanhar o “avanço” do pro-cesso de integração, reivindicando, inclusive, representa-ção formal em órgãos como o Comitê de Direção Executi-va da IIRSA. As instituições devem servir às legítimas aspi-rações das comunidades – inclusive suas avaliações autô-nomas sobre os impactos ambientais e sociais dos projetosde infra-estrutura –, e não simplesmente aos interesses degrandes empresas em auferir lucros para poucos.