Moniz Bandeira-De Martí a Fidel -A revolução cubana e a América Latina - Luiz Alberto Moniz...

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Análise da revolução cubana e sua importância para a America Latina

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  • 1. BettertoreigninHellthanserveinHeaven. JOHNMILTON AlwaysFloridasgreenpeninsulaalwaysthe pricelessdeltaofLouisiana alwaysthecotton-fieldsofAlabamaandTexas. AlwaysCaliforniasgoldenhillsandhollows andthesilvermountainsofNewMexico alwayssoft-breathdCuba WALTWHITMAN OhCuba!Ohcurvadesuspiroybarro! GARCALORCA

2. Sumrio ABREVIATURAS PREFCIO2EDIO PRLOGO INTRODUO CAPTULOI AexpansoterritorialdosEstadosUnidoseapercepodeCubacomosua fronteiranaturalOsmovimentosanexionistasnosEstadosUnidoseem Cuba OdestinomanifestoAlutapelaindependnciaeopapeldeJos MartAintervenodosEstadosUnidoseaguerracontraaEspanhaA ocupaodeCubaTheodoreRoosevelt,aPlattAmendmenteoCanaldo PanamOcorolriodadoutrinaMonroeeoBigStick CAPTULOII As intervenes dos Estados Unidos na Amrica Central e no Caribe A dollardiplomacyeasegundaocupaodeCubaWoodrowWilson,aNew FreedomeasinvasesdoMxico,HaitieRepblicadominicanaAterceira ocupaodeCubaArevoluorussaOsmovimentosrevolucionriosna Amrica Latina A derrubada da ditadura de Gerardo e a ascenso do sargentoFulgencioBatista CAPTULOIII Franklin Roosevelt e a Good Neighbor Policy A abolio da platt Amendment Fascismo, nazismo e comunismo na Amrica Latina SolidarismonoParaguai,socialismomilitarnaBolviaeesquerdismo mexicanoOscomunistasnogovernodeFulgencioBatistaemCubaA resistncia aos Estados Unidos no Brasil O nazifascismo e os golpes 3. militaresnaBolviaenaArgentinaem1943 CAPTULOIV A ascenso de Pern na Argentina O Tratado do Rio de Janeiro e a formaodaOEAOmarxismonaAmricaLatinaOgovernodeGrau SanMartin-CubaeosconflitosentreosEstadosUnidosnops-guerraA United Fruit e o contencioso dos Estados Unidos com a Guatemala A guerrafriaeadventodomacarthismonosEstadosUnidosARevoluode 1952,areformaagrriaeanacionalizaodasminasnaBolviaAspolticas dosEstadosUnidos CAPTULOV AajudadosEstadosUnidosBolviaAreformaagrrianaGuatemalaeas presses contra o governo Arbenz Os interesses da United Fruit, o departamentodeEstadoeaCIAACIA,aOperationPBSUCCESSea derrubadadogovernoArbenzAsmanifestaescontraNixonnoPeruena Venezuela Os sentimentos anti-Estados Unidos e a Operao Pan- AmericanaAquedadasditadurasnaAmricaLatinaeavitriadeFidel CastroemCuba CAPTULOVI Aajudamilitarnorte-americanaaogovernoBatistaEmbaixadoresGardner eEarlSmithcomoprocnsulesAsguerrilhasdeFidelCastroeosEstados Unidos As manobras do governo norte-americano para impedir sua ascenso ao poder A posio dos comunistas contra a guerrilha e suas relaescomCastroAsndromedaGuatemalaearadicalizaodeChe Guevara CAPTULOVII AadministraoEisenhowereavitriadarevoluoemCubaOesforo de Castro e Guevara para espraiar a revoluo no Caribe A ameaa estabilidade da regio A visita de Castro aos Estados Unidos e seu pronunciamentoemBuenosAiresAleidareformaagrriaAsdissenses 4. nogovernorevolucionrioAvisitadeMikoyanaHavanaAstenses comosEstadosUnidos CAPTULOVIII AdependnciaeconmicadeCubaeosEstadosUnidosEisenhowereo programadeoperaesdaCIAcontraCastroOcortedacotadeacare outrassaneseconmicasAnacionalizaodasrefinariasdepetrleoede todososinvestimentosnorte-americanosemCubaOapoiodeKruchev A declarao de Havana As guerrilhas contrarrevolucionrias em Escambray CAPTULOIX OspreparativosparaainvasodeCubaeolevantemilitarnaGuatemalaO rompimento de relaes entre Cuba e Estados Unidos A aprovao de KennedydoplanoparaainvasodeCubaAmissodeBerleJr.eabusca deapoionaAmricaLatinaOcompldaCIAcomgngsteresdamfia paraassassinarCastroeaOperationZapataACIAeofiascodaBaados Porcos CAPTULOX A proclamao do carter socialista da Revoluo Cubana Castro, a rupturacomosdogmasstalinistasOprojetodeindustrializaodeCuba O esforo para exportar a revoluo e o espraiamento do castrismo no continenteAalianaparaoprogressoGuevaraeabuscadedilogocom os Estados Unidos As doutrinas do Pentgono e os golpes militares na AmricaLatina CAPTULOXI OsEstadosUnidoseatentativadeintervenocoletivasobomantodaOEA AOperationMongooseAadesodeCastroaomarxismo-leninismoA manobra dos Estados Unidos com a Colmbia e a Venezuela A VIII ReuniodeConsultaemPuntadelEsteOBrasileaoposioaosEstados UnidosnaOEAApropostaparaafinlandizaodeCubaAexpulsodo 5. governoCastrodaOEA CAPTULOXII A segunda declarao de Havana A conspirao dos velhos comunistas contraCastroAreaodeCastroeadennciadosectarismoOcasode AnbalEscalanteOenvolvimentodoembaixadorsoviticoOandamento daOperationMongooseeasoperaesdesabotagememCubaRobert Kennedy e os compls da CIA com os gngsteres para a eliminao de Castro CAPTULOXIII AposiodeKruchevemfacedeCubaAquestodeBerlim,abasedos EstadosUnidosnaTurquiaeadecisodeinstalarmsseisemCuba As manobrasnavaisdosEstadosUnidosnoCaribeeaameaadeinvasode CubaAoperaoAnadyrAposiodeCastroeoacordomilitarcoma UnioSoviticaAdescobertadosmsseissoviticosemCubaAreaode KennedyeasopesdosEstadosUnidos CAPTULOXIV ApolticainternaeodesencadeamentodacrisedosmsseisAOEAea quarentenanavalAposiodopresidenteGoularteopapeldoBrasilO riscodaguerranuclearAcapitulaodeKruchevOsentendimentoscom Kennedy A barganha com osJupiter norte-americanos na Turquia A intermediaodeUThanteaatitudedeCastroAmissodeMikoyanem Havana CAPTULOXV A consolidao do governo revolucionrio e o isolamento de Cuba O problemadosasiladosnasembaixadaslatino-americanasOutilitarismoda diplomaciacubanaOrecrudescimentodasoperaesdaCIAOacordo comaUnioSoviticaeorecuonaindustrializaoGuevaraeaeconomia cubanaKennedyeaacomodaocomCubaOassassinatodeKennedy CAPTULOXVI 6. AacomodaodeCastrocomospartidoscomunistaslatino-americanosAs crticasdeCheGuevaraUnioSoviticaeaospasessocialistasemArgel SuasdivergnciascomCastroAmissonoCongoAtricontinentalea OLASABolviaeacriaodeoutrosvietnsAmortedeCheGuevara As presses da Unio Sovitica e o compl da microfaccin A nova ofensivarevolucionria CAPTULOXVII AreconciliaodeCastrocomaUnioSoviticaOacordoUnioSovitica- EstadosUnidossobreCubaOavanodaesquerdanaAmricaLatina CartereatentativadeacomodaocomCubaAintervenodeCubana fricaeasrevoluesnaAmricaCentralReaganeorecrudescimentoda GuerraFriaCastroeaPerestroikaOfimdaUnioSoviticaAvoltaao passadoearestauraodocapitalismoemCuba CAPTULOXVIII AextinodoCOMECONSuspensodofornecimentodepetrleopela RssiaAgravecriseenergticaeosapagonesNovaameaadeinvaso AdoutrinadeGuerradetodoelPuebloRecrudescimentodoembargocom asLeisTorricellieHelms-BurtonMudanasnaConstituiodeCubaA deterioraodaeconomiaeaaberturaaosinvestimentosestrangeiros CAPTULOXIX A recuperao relativa da economia cubana no incio do sculo XXI GeorgeW.BusheapressosobreCubaOapoioeconmicoepolticoda VenezuelaVisitadeJimmyCarteraHavanaOextremismodosexilados emMiamiSequestrodeembarcaesInvestimentosdaChinaOacordo comoMercosulAenfermidadedeFidelCastroeasucesso CAPTULOXX A ascenso de Ral Castro Estabilidade poltica em Cuba Reformas econmicasFimdoigualitarismoRelaesdeCubacomaVenezuela,a ChinaeoBrasilInserodeCubanoGrupodoRioAeleiodeBarack 7. ObamaeaperspectivadasrelaescomosEstadosUnidosOs50anosda revoluocubanaeacriseeconmicaglobal CONCLUSES ARQUIVOS FONTESIMPRESSAS BIBLIOGRAFIA DOCUMENTOSREFERENTESOPERAOMONGOOSE NDICEONOMSTICO 8. Abreviaturasusadasnasnotas AA-PAAuswartigesAmtPolitichesArchive AAAMFArquivodeAfonsoArinosdeMeloFranco AGVArquivodeGetlioVargas AMINFARArchivodelMinisteriodelasFuerzasArmadas AHIArquivoHistricodoItamaraty ARMRE-BArquivodoMinistriodasRelaesExterioresBraslia* AN-AP51(5)APPAGMArquivoNacionalArquivoParticular51 ArquivoParticulardePedroAurliodeGoesMonteiro AP47-APFCSD-SDP-ANArquivoParticular47ArquivoParticularde Francisco Clementino de San Tiago Dantas Seo de Documentos ParticularesArquivoNacional ARPArquivodeReisPerdigo CPDOC/FGVCentrodePesquisaeDocumentaoContempornea FundaoGetulioVargas FRUSForeignRelationsoftheUnitedStates JFKLJohnFitzgeraldKennedyLibrary NANationalArchive RALRothschildArchiveLondres STAPM der DDR Bundesarchiv Stiftung Archiv der Parteien und Massenorganiationen der Deutsche Demokratische Republic der Bundesarchiv 9. Nota * A documentao posterior a 1960 est depositada no Arquivo do Ministrio das Relaes Exteriores,emBraslia.Adocumentaoanterioraesseano,datadamudanadacapital,ficouno ArquivoHistricodoItamaraty,noRiodeJaneiro. 10. Prefcio2edio Em1997-1998,quandoescreviDeMartaFidelARevoluoCubanaea AmricaLatina,aperspectivadeCubaerabastantesombria.OsEstados Unidosviviamseumomentumimperial,apsaderrocadadaUnioSovitica edoBlocoSocialista.Nenhumpasousavacontestarsuaspretenses.No hemisfrio ocidental, predominavam as polticas neoliberais, em meio ao processodeglobalizao/internacionalizaodaeconomia,estimuladopelos Estados Unidos. Cuba estava isolada na Amrica Latina, ainda que tivesse voltadoamanterrelaesdiplomticascomtodososoutrospases.Restavam apenas,comopasessocialistas,aChina,oVietnameaCoreiadoNorte,mas estavamlonge,noOriente. Desdeento,noentanto,aconjunturamundialmudou,particularmente naAmricaLatina.Em1999,ocoronelHugoChvezassumiuogovernoda Venezuela e aproximou-se deFidel Castro. No ano 2000, j se tornava perfeitamentevisvelofiascodoConsensodeWashington(consensoentreo Fundo Monetrio Internacional, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos) e das polticas neoliberais que havia recomendado.EmdeclaraesperanteoCaucusonInternationalNarcotics Control do senado norte-americano, o general Charles E. Wilhem, comandanteemchefedoComandoSuldosEstadosUnidos,reconheceuque no Equador, como em outras naes situadas na sua rea de responsabilidade,naAmricadoSul,democracyandfreemarketreforms arenotdeliveringtangibleresultstothepeople.Muitasnaesestavamem piores condies econmicas do que antes da restaurao da democracia, segundo afirmou, e perguntou: Can democracy survive without an economic system that produces adequate subsistence and services for the majority of its citizens?.Entre o final de 2001 e o comeo de 2002, a 11. Argentinaentrouemcolapso,apsaplicar,durantedezanos,essaspolticas neoliberais,implementadaspelopresidenteCarlosMenem,emsuasrelaes carnaiscomosEstadosUnidos.OprofessorPaulKrugmancomentou,em artigo publicado peloNew York Times , que o fracasso catastrfico (catastrophicfailure)daspolticaseconmicasaliaplicadascomoselomade inWashingtonrepresentavaigualmenteumdesastreparaapolticaexterior dosEstadosUnidos,assimcomoomaiorrevsparaapropostadaALCA1 . OsargentinosnosabemoservioqueprestaramparaaAmricaLatina;os serviosqueprestaramaomundoaoafundarnafossadoPacfico,quetem mais de 8.000 metros de profundidade, o smbolo da globalizao neoliberal comentouFidel Castro com o jornalista francs Ignacio Ramonet,eacrescentou:Nosechegaaocuemumdia,maspodemoster acertezadequeosargentinosderamumgolpedescomunalemumsmbolo, eissotemumvalorenorme.2 O fracasso da poltica externa dos Estados Unidos no se evidenciou somentenocolapsodaArgentina.Poucotempodepois,aindaenquantoa Argentinaestavaconvulsionada,osEstadosUnidosinstigarameapoiaramo golpe para derrubar o presidenteHugo Chvez, que legalmente levava adiante vrias reformas na Venezuela. Porm, fracassou o golpe militar- empresarial,deflagradoem11e12deabrilde2002,comorespaldodo sindicato patronalFedecmaras e da Confederao dos Trabalhadores da Venezuela,queacusavamasleisdecomunistas.3 Ento,Washingtonno tevecondiesdeapoi-lointernacionalmente. Tambm,vis--visdeCuba,Washingtonsofreuumacontundentederrota. Desde2003,oPartidoRepublicanoeosextremistasdacolniacubanaem MiamiaumentaramaspressesparaqueGeorgeW.Bush agravasseainda maisasmedidascontraoregimedeFidelCastro,eelecriou,em2004,a CommissionforAssistancetoaFreeCuba.Estacomissopreviaumtime- schedule de dois anos (at 2006), dentro dos quais os Estados Unidos tratariamdedesestabilizaroregimeemCuba,pormeiododescontentamento interno e do apoio direto da USAID s atividades da dissidncia/contrarrevoluo.Porm,noobstantetodooapoiodosEstados 12. Unidos,adissidncianopdefortaleceroseumovimentoporquenotinha nenhumacredibilidadeevalormoraljuntopopulao. A economia de Cuba tambm no se deteriorou, seno que voltou a crescer com ndices sustentados, at alcanar 12% em 2006. O embargo econmico no funcionou como os Estados Unidos esperavam. Cuba continuou recebendo capitais da Unio Europeia e principalmente da VenezuelaedaChina.Empresasnorte-americanascomsucursaisinstaladas no Brasil e em outros pases tambm no respeitaram o embargo e continuaramseusnegcioscomCuba.Porm,mesesantesdaseleiespara oCongresso,em2006,aCommissionforAssistancetoaFreeCuba,como objetivointer alia de influenciar os resultados em favor do Partido Republicano,divulgououtrorelato,comumPlanoSecretoparaatransio de Cuba. E quandoFidel Castro, doente, se aposentou, houve comemoraes em Washington e Miami. Parecia que as perspectivas se abriam para a mudana pretendida pelos Estados Unidos. Porm, no aconteceuoqueGeorgeW.Bush eseubandodesejavam.FidelCastrono morreu, nem o regime desmoronou. Ento, o governo de Washington comeouaencenarumaespciedevaudeville,tentandomatarFidelCastro rapidamente, ainda que comowishful thinking, por meio de piadas e/ou declaraesimprensadasmaisaltasautoridades,comoofezoembaixador John Negroponte, diretor do Departamento de Inteligncia dos Estados Unidos, nomeado secretrio de Estado Adjunto. Porm, quantas vezes mataramFidelCastro,tantasvezesFidelCastroressuscitou. Cubatambmalcanouumavitriaaoromperoisolamentointernacional, no qual Washington pretendia mant-la. Na 62 Assembleia Geral das NaesUnidas,oprojetoderesoluocondenandooembargopromovido pelosEstadosUnidosalcanoumaisde90%dosvotos,inclusivedaUnio Europeia e de estados-membros. Cuba tambm foi eleita para o novo ConselhodosDireitosHumanos,por135votos,ouseja,pormaisde2/3 dosmembrosdaONU,i.e.,comoapoiodediversospases,noobstante toda a oposio dos Estados Unidos, que no se apresentaram como candidatopormedodeumaderrotaeficaramdefora.Oquedebilitouainda 13. maisaposiopolticaemoraldosEstadosUnidosfoiofiasconoIraque, tendocomopretextoasarmasdedestruioemmassa,quenuncaforam encontradas,eoescndaloprovocadopelarevelaodastorturasnapriso de Abu Ghraib e no campo de concentrao instalado na base naval de Guantnamo. Que autoridade moral tinha Washington para criticar Cuba por causa da priso dos dissidentes/contrarrevolucionrios e acus-la de violarosdireitoshumanos,quandoasForasArmadasdosEstadosUnidose aCIAmantinham,semjulgamentoeportempoindeterminado,maisde400 prisioneirosemGuantnamo,outrosmilharesemAbuGhraib(Iraque)eem prisessecretasemvriospasesdomundo,ondeeramtorturados? Enquantoisso,ocenrionaAmricaLatinaseguiuevoluindonosentido contrrio aos interesses dos Estados Unidos. As tendncias polticas de esquerda,comdiferentesmatizes,outravezseafirmaramemdiversospases. Em2002,oldersindicalLuizIncioLuladaSilva,dirigentedoPartido dos Trabalhadores (PT) e amigo deFidel Castro, foi eleito presidente do Brasil.Em2003,NstorKirchner,peronistaidentificadocomossetoresde esquerdadoPartidoJusticialista(PJ),assumiuapresidnciadaArgentina.O Brasil e a Argentina ajustaram suas polticas externas e, com o apoio dos outrossciosdoMERCOSUL,UruguaieParaguai,impediramaimplantao daALCA(readeLivreComrciodasAmricas),queosEstadosUnidos planejavampara2005.AfrustraopelaALCA,virtualmentesepultadapela oposio do Brasil, da Argentina e de seus scios no MERCOSUL, constituiuumagrandederrotaparaosEstadosUnidos,quenoalcanaram seus objetivos polticos e estratgicos, com um projeto de incorporao subordinadadetodaaAmricadoSulaoseuespaoeconmico. MasnofoiapenasnoBrasil,naArgentinaenaVenezuelaquehouve mudanas esquerda. Em 2006, o lder indgena Evo Morales, do MovimentoaoSocialismo(MAS),eMichelleBachelet,doPartidoSocialista, assumiramapresidnciadaBolviaedoChile,respectivamente.Nomesmo ano, 2006,LuizIncioLuladaSilvafoireeleitocommaisde60%dos votos.Chvez tambm, com uma maioria esmagadora, na Venezuela. TambmforameleitosDanielOrtegaeRafaelCaldera,paraaspresidncias 14. daNicarguaedoEquador.Todoselescomtradionaesquerda,unsmais radicais,outrosmenos,segundoascircunstnciasintrnsecasdecadapas, venceramaseleiesdentrodoregimedemocrtico. Este cenrio no seria possvel 30 ou 40 anos antes, por causa da influnciadosEstadosUnidos.OsEstadosUnidosnuncapermitiramqueum governo de esquerda, por mais democrtico e moderado que fosse, se consolidasse na Amrica Latina. Porm, o novo cenrio poltico que se delineou no hemisfrio no significa que os povos na Amrica Latina inflectiramaindamaisparaaesquerda,ouqueosEstadosUnidosmudaram suapoltica.AAmricaLatinasemprefoiaregioondeasideiasmarxistase socialistas,emgeral,maissedesenvolveram,comvariadasinterpretaese entrelaadas, quase sempre, com as tendncias nacionalistas e antiimperialistas. Nem os Estados Unidos mudaram sua poltica de no aceitarnenhumgovernodeesquerdanohemisfrio,ondeinstigaramgolpes militareseapoiaramasditadurasdedireita.Oqueexplicaofenmeno, sobretudo,ofatodequeosEstadosUnidosperdemcadavezmaisinfluncia, nosnaAmricaLatina,ondeasditadurasdedireitafracassaram,comoem todas as outras regies do mundo. Conforme destacou Emmanuel Wallerstein, os Estados Unidos esto enfraquecendo como poder global desde1970,earespostaaosataquesterroristasde11desetembrode2001 somenteaceleraramesteprocesso.4 ComodisseMadeleineAlbright,quefoi Secretria de Estado na administrao do presidenteBill Clinton (1994- 2000),nosltimosseisanos(anosdogovernodeGeorgeW.Bush ,entre 2001e2007)houveumadiminuiodorespeitopelopoderamericano.O mundosermultipolar.5 Ocentrodaindstriamundialestsemudandomuitorpidoparaasia Oriental. Com imenso dficit fiscal, os Estados Unidos, ao contrrio das antigaspotnciasimperialistas,deixaramdeserumexportadorlquidode capital,apesardasuaeconomiaaindarepresentarumterodoprodutobruto mundial.AprpriaimagemqueosEstadosUnidostentamprojetarcomo solesuperpowernosculoXXIencobreverdadeiramenteoseurealdeclnio poltico.6 Aexacerbaodesuatendnciaparaatuarunilateralmente,comoo 15. fezaoatacaroregimedeSadamHussein,em2003,demonstraexatamenteo ocasodesuainflunciaeaperdadeprestgio.Noconseguiramobtersequer oapoiodealiadosimportantes,comoaFranaeaAlemanha,eorespaldodo ConselhodeSeguranadaONUparaasuaaventuranoIraque.OsEstados Unidosjnosepodemapresentarcomoagrandedemocracia.Seusvalores polticos e morais foram golpeados pela revelao das torturas em Abu GhraibenocampodeconcentraodeGuantnamo.Seupoderiomilitar, quanto mais enorme, com uma capacidade de destruir sem paralelo na histria,maissetornaintil,porquenopodeseraplicado.Osresultados anulariamtodasasvantagenseconmicasepolticas.Seriaminaceitveis.Os polticos de Washington sempre foram tentados por uma illusion of omnipotence,comoobservouEricHobsbawm.7 Porm,acontinuidadedo regime revolucionrio em Cuba demonstrou que os Estados Unidos no podemfazertudooquequerem,aindaquepossamdestruirtudo.Aguerra noIraquecomprova,maisumavez,depoisdaGuerradoVietnam,queeles notmcondiesdeimporumcontroleefetivosobreumpasqueresistee, menos ainda, sobre o resto do mundo, onde os focos de contestao se propagamcadavezmais. dentro desse contexto que se deve compreender o fenmeno da revoluo cubana, que representa a manifestao mais radical das contradiesnoresolvidasentreosEstadosUnidoseospasesdaAmrica Latina.Se,duranteosanos1960e1970,ogovernodeWashingtonestava dispostoaimpedirquesurgisseoutroCastro,naatualidadenopodefaz-lo. A histria nunca tem fim. um constante vir a ser. Porm, possvel considerarqueumciclodaevoluodoregimerevolucionriosecompletou quandoFidelCastro se afastou do governo de Cuba, em 31 de julho de 2006.Porconseguinte,eranecessrioescrevermaistrscaptulosparaa2 edio deDe Mart a Fidel, atualizar a obra com novas informaes e observaeseexplicarasobrevivnciadoregimerevolucionrioemCuba, apsoderretimentodaUnioSoviticaedoBlocoSocialista,conseguindo atravessarochamadoPerodoEspecial,ospioresmomentos,osmaisdifceis, queenfrentou,desdesuaimplantaoem1959. 16. LuizAlbertoMonizBandeira St.Leon(Alemanha),janeirode2009. 17. Notas 1.Krugman,PaulCryingwithArgentina.TheNewYorkTimes,NY,1.1.2002. 2.Ramonet,2006,p463. 3.ALeideTerraspermitiaumareformaagrriacontraolatifndio,umdosmaisgravesproblemas daVenezuela;aLeidaPescabeneficiavaospescadoresartesanaiscontraapescadearrasto;e aLeideHidrocarbonetosaumentavaosimpostosparaosinvestimentosestrangeirosnosetor petrolfero (que representava 80% das exportaes venezuelanas e 50% das entradas do Estado) de 16, 6% para 30% e estabelecia que as atividades primrias do setor (extrao, transporte etc.) s podiam ser realizadas por empresas com participao do estado, cuja porcentagemacionriadeveriaserdenomnimo51%eterumaparticipaode30%,como regalia,noshidrocarbonetosquefossemextradosdequalquerjazidadopas. 4.Wallerstein,2003,p.13. 5. Caio Blinder, de Nova York. Anlise: Acordo com Coria do Norte expe inconsistncia americana.BBCBrasil,13defevereiro,2007-16h07GMT(14h07Braslia). 6.Wallerstein,2003,p.277. 7.PrefcioKiernan,2005,p.xii. 18. Prlogo PieroGleijeses1 AnecessidadedeafirmaraexcepcionalidadedosEstadosUnidosachaveda culturapolticanorte-americana. RetumbaaconstantearrognciadequeosEstadosUnidossoamaior democracia do mundo, uma propaganda que tem sido feita pelos norte- americanos mesmo quando os Estados Unidos se encontravam atrs da maioriadasdemocraciasocidentais,conformesuaprpriadefiniodoquea democraciadeveriaser.NofinaldaSegundaGuerraMundial,noOcidente, entendia-se que o sufrgio universal era um pr-requisito da democracia poltica, porm, nos Estados Unidos esse direito era negado aos afro- americanos em todo o sul do pas. QuandoJohn Kennedy tomou o microfone,em20dejaneirode1961diadesuaposse,parafalarem nomedaliberdade,eleeraolderdeumpasondemuitoscidadosaindano podiamvotar.Somenteem1965,quandofoiaprovadaaLeideDireitodo Voto, deLyndon Johnson, os Estados Unidos tornaram-se um membro plenodacomunidadedasdemocraciasocidentais. Essa mesma necessidade obsessiva de afirmar a excepcionalidade dos Estados Unidos aparece nas discusses sobre a poltica externa norte- americana. A mensagem subjacente clara: os Estados Unidos merecem confiana,sejanoIraqueouemqualqueroutraparte,porqueosEstados unidossojustosealtrustas,eassimotemdemonstradoaolongodemais dedoissculosdehistria. Estaconvicoobstinadadosnorte-americanosnasuaexcepcionalidade verdadeiramente excepcional. Pode-se argumentar que muitos pases padecemdedelriosimilar,porm,oquefazdosEstadosUnidosumcaso nico a fora do consenso que envolve o mito e a pobreza do debate internoaseurespeito.Asnaesinsularestendematerumavisoestreita,e 19. osEstadosUnidosdesenvolveram-secomoumanaoinsularoAtlntico separou-os da Europa, e um oceano de racismo separou-os da Amrica Latina.Desdeseusprimrdios,essajovemnaodeimigrantes,osquaisno tinham o vnculo de sculos de histria comum, sentiu a necessidade de autodefinir-se,enfatizandosuadiferenacomosqueficaramparatrs,os povosdaEuropa.Portanto,umelemento-chavedomodelonorte-americano tem sido a crena na excepcionalidade da cidade na colina. Na Europa Ocidental, grupos poderosos os partidos comunistas e socialistas, por exemplotmdesafiadoaprprianaturezadasociedadeemseuspases; sua imprensa influente, lida por milhes, os numerosos proeminentes intelectuais nos seus meios e seus representantes no parlamento tm questionadoasbasesdossistemasdomsticosedaspolticasexternasdeseus pases. Nos Estados Unidos, no entanto, o debate tem sido muito mais estreitocentradonosmritosdeumapolticaespecfica,porm,muito raramente na prpria natureza da sociedade norte-americana e na base de suas polticas. Aqueles poucos que quiseram ir mais fundo foram marginalizados.OsxitoseconmicosemilitaresdosEstadosUnidostm reforadoacrenanaexcepcionalidadenorte-americanaopodertemsido comparadovirtudeeachaveseguesendoamesma:osEstadosUnidos podemcometererros,porm,suasintenessosempreboas. por isso que este livro, do to aclamado historiador brasileiro, Luiz AlbertoMonizBandeira,toimportante.Destrimitos.DeMartaFidel enfocaumdostemasmaisapaixonantesdapolticaexternanorte-americana arelaodosEstadosUnidoscomaCubadeFidelCastroeoanalisa dentrodeumcontextomaisamplo:arelaodosEstadosUnidoscoma Amrica Latina nos 150 anos que vo desde a presidncia deThomas Jefferson,oprimeiroquesonhouemapoderar-sedeCuba,atotriunfoda revoluo cubana; 150 anos em que a Amrica Latina sofreu na prpria carneaprepotnciaeaagressividadedosEstadosUnidos.SimnBolvarj haviaadvertidosobreoperigoqueosEstadosUnidosrepresentavamparaa NossaAmrica,eJosMartreiterou-ocomclarezameridiana.Emmaio de 1895, poucas horas antes de morrer combatendo contra as tropas 20. espanholas,escreveuqueseupropsitoltimoeraimpediratempo,coma independnciadeCuba,queosEstadosUnidosseestendampelasAntilhase caiam,commaisessafora,sobreasnossasterrasdaAmrica.Oquantofiz athoje,efarei,paraisso...Vivinomonstro[EstadosUnidos]econheo suasentranhas,eaminhafundaadeDavi.2 Em1898,quandoarebeliocubanaentrounoseuquartoano,osEstados Unidosintervieramnaguerra,aparentementeparaliberarCuba.Depoisda derrota da Espanha, Washington imps aos cubanos a Emenda Platt, segundoaqualseconcediaodireitodeintervirmilitarmenteeestabelecer basesnavaisnoterritriocubano(athoje,aEmendaPlattsobrevivenabase norte-americana de Guantnamo). Mais do que qualquer outro pas latinoamericano, Cuba converteu-se, nas palavras de um analista norte- americano,emumfeudodosEstadosUnidos.3 OsonhodeMartde independncia e justia social tinha sido esmagado pela ambio de Washington. Quandoumgrupodehomens,decididosaalcanarareformasocialea independncianacional,finalmentetomouopoderemCuba,emsetembro de1933,opresidenteFranklynDelanoRoosevelt,oautordamalbatizada Poltica da Boa Vizinhana, negou-se a reconhecer o novo governo e instouoexrcitocubanoatomaropoder.Assimfoifeito,eaeradeBatista comeou. Somentecomotriunfodarevoluo,em1959,Cubaconseguiuseruma nao verdadeiramente independente, apesar dos obstinados esforos dos presidentesDwight Eisenhower eJohn Kennedy para impedi-lo. Moniz Bandeira detalha, com fino pincel, os excessos de Washington: as aes terroristasemqueforammortosdezenasdecidadoscubanos(asbandeiras pretasquesimbolizamestasvidasceifadaspelosEstadosUnidoscircundam hojeoEscritriodeInteressesdosEstadosUnidos,emHavana);ainvasoda BaiadosPorcos;aimposiodobloqueio;amanipulaodescaradadaservil OrganizaodosEstadosAmericanos(OEA)contraCuba;astentativasde assassinarFidelCastro.AanlisedeMonizBandeiraenriquecidapelasua profunda pesquisa nos arquivos dos Estados Unidos, do Brasil e da 21. Repblica Democrtica da Alemanha, e por suas conversas com lderes cubanos, incluindoFidel Castro motivo de profunda inveja para mim, poisemquatorzeanosdepesquisasemCuba,nuncaconseguientrevistar FideleCheGuevara. A Unio Sovitica deu a Cuba um respaldo decisivo na sua luta para resistirinvestidadosEstadosUnidos,porm,Cubanuncafoiumsatlite sovitico.Osdoiselementoschavesdapolticaexternadarevoluocubana tm sido sua orgulhosa independncia e o internacionalismo. Os documentosdosEstadosUnidosqueforamreveladosmostramque,muito alm da retrica oca dos governantes norte-americanos, seus servios de inteligncia destacavam admirados e surpresos a independncia de CubaemrelaoURSS.4 Assimfoinadcadade1960eassimcontinuou sendoatodesmontedaUnioSovitica.Emnovembrode1975,quando Fidel enviou suas tropas a Angola para deter a invaso sulafricana da frica do Sul do Apartheid lanada em vergonhosa aliana com os Estados Unidos para impor um governo de marionete em Luanda, o secretriodeestadoHenryKissingerimediatamenteoacusoudeserumpeo da Unio Sovitica, porm, vinte anos mais tarde, retratou-se em suas memrias: Naquele momento, pensamos que [Castro] estava agindo segundoinstruesdossoviticos.Nopodamosimaginarqueatuariade forma to provocadora to longe do seu pas, a no ser que Moscou o pressionassecomopagamentoaoapoiomilitareeconmico.Asprovashoje disponveisindicamquefoiooposto.5 O que foi, ento, que motivou a audaciosadecisodeFidelCastro?NoforamosinteressesestritosdeCuba, aRealpolitik.Comsuadecisodeenviarastropas,Fideldesafiouapoderosa fricadoSul,desafiouosEstadosUnidosedesafiouataUnioSovitica, porque sabia muito bem que Moscou se opunha. Foi o idealismo que motivou a deciso de enviar as tropas para Angola. A vitria do eixo Pretria-WashingtonteriasignificadoavitriadoApartheid,areafirmao do domnio branco sobre os povos da frica Austral. Foi um momento definidor,Fidelenviouseussoldados.ComoKissingerexplicamuitobemem suas memrias, Castro era possivelmente o lder revolucionrio mais 22. genunonopoderdaquelestempos.6 Logicamente,osentidodemissodeFidelCastrononicaforaque inspirasuapolticaexterna,porm,sim,seufundamento.CastrovCuba como um hbrido especial: um pas socialista com uma sensibilidade de Terceiro Mundo em um mundo que, como ele corretamente afirma, est dominado pelo conflito entre os privilegiados e os desfavorecidos, a humanidadecontraoimperialismo,7 ondeaprincipallinhadivisrianunca foi entre Estados socialistas e capitalistas, seno que entre pases desenvolvidosesubdesenvolvidos. Um bigrafo deFidel,LeycesterColtman,afirmaqueCastroperdeua grandebatalhadasuavida,abatalhacontraoimperialismo:nofinaldasua vida, os Estados Unidos eram ainda mais poderosos que em 1958.8 No entanto,mesmoqueosEstadosUnidossejammaispoderososquenaquele momento,umatergiversaofundamentaldavidadeCastroafirmarque eleperdeuasuamaiorbatalha. Para comear, deve-se romper uma dicotomia simplista: para Castro, a batalhacontraoimperialismoaraisondtredasuavidamaisque batalhacontraosEstadosUnidos:abatalhacontraamisriaeaopressono TerceiroMundo.Nestaguerra,osbatalhesdeCastroincluemosmdicos cubanoseoutroscolaboradoresquetmtrabalhadoeestotrabalhandoem algumasdasregiesmaispobresdomundo,semcustoalgumoucommuito pouco custo para o pas anfitrio. Estes batalhes incluem tambm os milharesdejovensdepoucosrecursos,daAmricaLatinaedafrica,que esto estudando medicina, com todos os gastos pagos, na Escola Latinoamericana de Medicina, perto de Havana. Nesta guerra contra o imperialismo,Castroconseguiuvitriasimpactantes. Seus soldados tambm conseguiram grandes vitrias, principalmente naquela que Castro chamou de a causa mais bonita,9 a luta contra o Apartheid. Em 1975, Cuba dobrou Washington e Pretria em Angola e impediuquefosseinstaladoemLuandaumgovernomarionetedafricado Sul. Doze anos mais tarde, em novembro de 1987, Castro enviou para Angola as melhores unidades do exrcito cubano e seu armamento mais 23. sofisticadoparatirar,deumavezparasempre,ossulafricanosdaquelepas. Maisumavez,atuoucontraavontadedaURSS.Maisumavez,alcanou seuspropsitos.Empurradospelastropascubanas,ossulafricanostiveram queseretirardeAngolaeaceitaraindependnciadaNambia,esseimenso territrioencravadonacostasulocidentaldafrica,entreAngolaeafrica doSul,queafricadoSulestavacontrolando,desafiandoacomunidade internacional,comorespaldotcitodaadministraodeRonaldReagan.10 A vitria cubana teve impacto para alm da Nambia. Como disse Nelson Mandela,eladestruiuomitodainvencibilidadedoopressorbranco...[e] serviudeinspiraoaopovocombatentedafricadoSul...[avitriacubana] marcaaviradanalutaparaliberarocontinenteeonossopasdoaoitedo Apartheid.11 DeMartaFidelrepresentaumaportedegrandevalorparaaquelesque queiramentenderasrelaesentreosEstadosUnidoseCuba.Suaanlise cuidadosarevelaquenohnadadeexcepcionalnapolticadosEstados UnidoscontraCubaaolongodasltimascincodcadas.Oumelhor,uma poltica ordinria, coerente com os afs imperiais e a intolerncia que os Estados Unidos tm demonstrado desde os seus primrdios em relao Amrica Latina. O que, sim, tem sido excepcional a poltica externa da revoluocubana.Eunoconheonenhumoutropas,napocamoderna, onde o idealismo tenha sido um componente to chave da sua poltica externa. No conheo nenhum outro pas, que no Cuba, que por um temporelativamentelongotenhademonstradotantagenerosidadeevalentia nasuapolticaexterna. Cubanolevounenhumavantagemmaterialdasuaajudaaospovosda frica (ou de outros continentes). Tal comoFidel disse ao presidente angolanoJosEduardodosSantosemmarode1984,emummomentoem quehavia30milsoldadoscubanosemAngola,osangolanossabemque[a colaborao militar] sempre foi absolutamente gratuita; no podemos nos encarregar de todos os gastos de alimentao, mas todos os salrios os pagamosaqui[emHavana],enosesabeoquetemsignificado,emmilhes depesos,oquetemosgastoemcolaboraomilitar...Nossossoldadosno 24. tmcobradonadaemnenhumapartedomundo,sointernacionalistas,no so mercenrios.12 Quem pesquisar os arquivos cubanos como tenho feitoh13anospodeapreciaragenerosidadedestaajudacubanaemtoda asuamagnitude. Eapreciar,emtodooseualcance,aspalavrasdeNelsonMandela,quando esteve em Havana, em 1991, palavras que provocaram uma onda de censuranosEstadosUnidos.13 Viemosaquicomosentimentodagrande dvidaquecontramoscomopovodeCuba-disseele.Queoutropastem umahistriamaiordealtrusmodoqueaqueCubapsemprticanassuas relaescomafrica?14 AUnioSoviticaperdeuaGuerraFria,porm,qualqueranlisejustada polticaexternadeCastrotemquereconhecerseusxitosimpactantese,em particular, sua influncia em mudar o rumo da histria da frica Austral contraosmaioresesforosdosEstadosUnidosparaimpedi-la.Estesxitos explicamporque,talcomoLeycesterColtmanescreve,Castroaindaum ossoentaladonagargantadosamericanos.Desafioueridicularizouanica superpotnciadomundo,eissoelesnoperdoam.15 Odesejoderevanche, e no apenas os votos de Miami, explicam porque o bloqueio to profundamenteimoraltemquecontinuar. 25. Notas 1. Piero Gleijeses professor de Poltica Externa dos Estados Unidos na School of Advanced InternacionalStudies,naJohnsHopkinsUniversity.Temvriasobraspublicadas,entreasquais ShatteredHope:TheGuatemalaRevolutionandtheUnitedStates,1944-1954 yConflicting MissionsHavana,WashingtonandAfrica,1959-1976. 2.JosMartaManuelMercado,18demaiode1985,emJosMart,Epistolario,5vols.,La Habana,1993,5:250. 3.TadSzulc,Fidel:ACriticalPortrait,NuevaYork,1987,p.13. 4.VerPieroGleijeses,ConflictingMissions:Washington,Havana,andAfrica,1959-1976,Chapel Hill,2002,esp.pags.373-81. 5.HenryKissinger,YearsofRenewal,NewYork,1999,p.816 6.Ibid.,p.785. 7.NationalPolicyPaperCuba:UnitedStatesPolicy,draft,15dejulhode1968,p.15(citando aCastro),FreedomofInformationAct. 8.LeycesterColtman,TheRealFidelCastro,NewHaven,2003,p.319. 9.FidelCastro,emIndicacionesconcretasdelComandanteenJefequeguiarnlaactuacindela delegacincubanaalasconversacionesenLuandaylasnegociacionesenLondres(23-4-88), p.5,CentrodeInformacindelasFuerzasArmadasRevolucionarias,LaHabana(enadelante CIFAR). 10.VerPieroGleijeses,MoscowsProxy?CubaandAfrica1975-1988, JournalofColdWar Studies, Fall 2006, pp. 96-146. Ver tambm os mui valiosos ensaios de Jorge Risquet e Fernando Remrez em Piero Gleijeses, Jorge Risquet y Fernando Remrez,Cuba y Africa: Historiacomndeluchaysangre,LaHabana,2007. 11.NelsonMandela,26dejulhode1991,Granma(Havana),27dejulhode1991,p.3. 12.ConversamantidapeloComandanteemchefeFidelCastro,primeirosecretriodoComit CentraldoPartidoComunistadeCubaepresidentedosConselhosdeEstadoedeMinistros, comJosEduardodosSantos,presidentedaMPLAPartidodoTrabalhoedaRepblica PopulardeAngola,noComitCentraldoPCC,em17demarode1984,p.27,CIFAR 13.RichardCohen,Mandela:AMistakeinCuba,WashingtonPost,30dejuliode1991,p.15. 14.Mandela,26dejulhode1991,Granma,27dejulhode1991,p.3. 15.Coltman,TheRealFidelCastro,p.289. 26. Introduo A Repblica Democrtica Alem (RDA) fora o Estado do Leste Europeu ondeapopulaoalcanaraomaisaltoeomelhorpadrodevida.Erao prpriomodelodosocialismoreal.ErichHonecker,primeiro-secretriodo Sozialistische Einheitspartei Deutschlands (SED), acreditava que o povo estavafelizesatisfeitoporquetinhacomidaemoradia.Muitasvezes,chegava a perguntar: Qual dos pases socialistas no mundo est melhor do que ns?1 Eacrescentava:Vocsqueremperestroika eglasnostouprateleiras cheias de mercadorias?2 Cortava, assim, qualquer conversao sobre a necessidadedereformas.Seuargumentotambmconsistianofatodeque, emborapossusseterrasmenoscultivveisdoqueaUnioSovitica,aRDA lograra resolver o problema da alimentao, tanto que exportava carne e manteigaeseuprogramadeconstruodemoradiasconstituraumxito. Entretanto,opovonoquisaquelemodelodesocialismoreal.ARDAno poderiasubsistirsemascercasaolongodesuasfronteiras,semoMurode BerlimesemoapoiodastropasdaUnioSovitica.Eporissodesapareceu. Cuba, ao contrrio, jamais teve um padro de vida que pudesse ser comparado ao da RDA. Desde 1960, quando os Estados Unidos lhe impuseramobloqueioeconmico,viveuemregimederacionamento,como povo a sofrer grandes vicissitudes e carncias, consumindo somente a quantidade que lhe outorgava alibreta. A situao se agravou profundamentedesdeodesmerengamientodaUnioSoviticaedosdemais pasesdoBlocoSocialista,oqueprovocouodesaparecimentodoConselho deAjudaEconmica(COMECOM).Opassofreuumadiminuiodecerca de60%desuacapacidadedeimportao.Asprateleiras,diferentementedo queocorrianaextintaRDA,ficaramvazias.Nohaviamercadoriase,em 1992,aescassezdecombustvelameaavaparalisaroprprioEstado.No 27. entanto,Cubaresistiu.Amaioriadapopulaomanteve-sesolidriacomo governoedispostaadefenderoregime,emcasodeintervenoestrangeira, comaesperanadequeaindaviesseasuperarasituaodedificuldades. Essecontrastefoioquemelevou,apsescreverolivroDoidealsocialista aosocialismorealAreunificaodaAlemanha(SoPaulo,Ensaio,1992), aempreenderestaobra,comoobjetivodeexplicarporque,diferentemente do que ocorrera nos pases do Leste Europeu, Cuba, isolada, resistiu s maiores e mais brutais presses, econmicas e polticas, impostas pelos EstadosUnidos,esuapopulaocontinuou,emlargamedida,solidriacom ogoverno,semqueturbulnciasourevoltaseclodissem,aindaquemuitos fizessemcrticasedefendessemmudanasnoregimepoltico. Com muita razo, o historiador norte-americanoThomas Skidmore, diretor do Centro de Estudos Latino-Americanos da Brown University, apontouCubacomoumclassicstudyofthisnationalistphenomenon.3 E, asalientarqueaquestoconsistiaemsaberqualanaturezadessacriaturaa Revoluo Cubana , acrescentou que o povo podia ver o carter autoritriodoregime,mastherealappealofthisregimeisnationalistic, motivopeloqualainvasodaBaadosPorcos,em1961,foiumaddivados deusesparaqueFidelCastroconsolidasseseupoder.4 Paracompreenderesse fenmeno, entretanto, tornava-se necessrio naturalmente revelar a condicionalidadeessencialdoprocessushistricodaRevoluoCubanano contexto da Amrica Latina, cujas contradies no resolvidas com o sufocantepredomniodosEstadosUnidoselaexprimiu,conformeoesprito da poca (Zeitgeist), da a popularidade e o amplo respaldo que tambm obteveentreospovosdetodoocontinente. IssosignificaqueaRevoluoCubana,aindaquetivessecomovetora politische Identttsbildung (formao de identidade poltica), com os independentistas derrotando os anexionistas (favorveis anexao aos EstadosUnidos),noconstituiuumfenmenoisolado.Dadasassuascausas econsequncias,elafoiumfenmenodaAmricaLatina,cujonacionalismo, quesemanifestaraemlargamedidasobformasnazifascistasduranteosanos 1930e1940,infletiucadavezmaisparaaesquerdaemesmoseidentificou 28. comocomunismo,comonocasodeCuba,emvirtudedacontradioentre os dois polos do poder internacional durante a Guerra Fria. A Unio Sovitica, naquelas condies, afigurou-se como a nica fora capaz de contrapor-seaopredomniodosEstadosUnidos,umavezqueavisatractiva da Alemanha nazista, como polo de poder econmico, poltico e militar, desapareceracomotrminodaSegundaGuerraMundial. Essamanifestaodonacionalismo,sobasformasdonazifascismooudo comunismo,emdiversospaseslatino-americanos,demonstrouanecessidade de reavaliar os conceitos de esquerda e direita, dado que tais tendncias ideolgicas importadas da Europa miscigenaram-se e modificaram-se no apenas no contedo mas tambm e at mesmo nos objetivos a que se propuseram, ao expressar, concretamente, outras condies econmicas, sociaisepolticas.QualfoiadireitaequalfoiaesquerdanaBolviaentre 1943 e 1945? O governo do coronelGualberto Villarroel, que, embora acusadopelosEstadosUnidosdeserviraospropsitosdaAlemanhanazista, iniciouasreformassociais,incorporandoosndiospolticanacional,ouo Partido de la Izquierda Revolucionaria (PIR), de orientao stalinista, que participoudomovimentoparaderrub-lo,juntamentecomaoligarquiada Bolvia?QualfoiaesquerdanaArgentinaem1945enosanosposteriores SegundaGuerraMundial?Pern,apoiadonossindicatosecomsuaretrica modelada pelo fascismo, ou o Partido Comunista, que se aliara ao embaixador dos Estados Unidos,Spruille Braden, e oligarquia argentina paracombat-lo?QualfoiaesquerdaemCuba?FidelCastroouoPSP,que no incio dos anos 1940, participara do governo do sargentoFulgencio Batista e se opusera s guerrilhas at julho de 1958? Tais exemplos evidenciamqueascontradiesdaAmricaLatinacomosEstadosUnidos levaram o nacionalismo, que na Europa constituiu expresso poltica da direita,amanifestar-se,empasesdaquelaregio,comoforadeesquerda, mesmoquandousouaretricadonazifascismo.Eissosedeveaofatode que,enquantoapermannciadaspalavrasesquerdaedireitatendea imprimir estabilidade ao conceito, a realidade, que o conceito pretende representar e a palavra exprimir, conforme o grande mestre do Direito 29. Alberto da Rocha Barros salientou, modifica-se a cada instante, est em movimento,isto,emumconstantedevenir,emumcontnuofluxoemque osereonoserseintegram,demodoqueoconceitonopodeestabilizar- se,namedidaemqueprecisaacompanharerefletirarealidade.5 Por esse motivo, tratei de abordar os diversos momentos do processo revolucionrio em Cuba, sobretudo a partir dos anos 1930, quando, em meio a uma revolta popular, o sargentoFulgencio Batista praticamente tomou o poder em Havana. Esse fato ocorreu no contexto de vrias manifestaes revolucionrias do nacionalismo na Amrica Latina, como, entre outras, a repblica socialista de 12 dias implantada no Chile pelo comodoroMarmaduke Grove (1931), o governo do generalLzaro Crdenas,noMxico(1934-1940),operonismonaArgentina(1945-1956), arevoluoboliviana(1952-1964)dirigidapeloMNR,eoregimereformista na Guatemala (1944-1954), derrubado pela CIA. Ao inserir a Revoluo Cubananessaperspectivacontinental,meuobjetivofoidemonstrarcomoela, historicamente, se encadeou com aquelas experincias revolucionrias anteriores, sobretudo a da Bolvia e a da Guatemala, diante das quais os EstadosUnidostomaramatitudeseadotarampolticasdiferentes.Destarte, procureiexplicarcomo,nocasodeCuba,onacionalismo,emmeioGuerra Fria, evoluiu para o comunismo, de modo queFidel Castro pudesse defenderasoberanianacionalepreservarasmudanaseconmicasesociais queafetaramosinteressesnorte-americanos. Paraarealizaodapesquisa,visandoelaboraresteestudodaRevoluo Cubana,inquestionavelmenteomaioracontecimentodaAmricaLatinano sculoXX,partientodaseguintelinhadehipteses: 1. A Revoluo Cubana no foi uma operao da Unio Sovitica na GuerraFria,umaconsequnciadaconfrontaoLeste-Oeste,masuma das primeiras e a mais poderosa manifestaes do conflito Norte-Sul, principalmente das contradies no resolvidas entre os EstadosUnidoseospasesdaAmricaLatina. 2. A Revoluo Cubana foi autctone, teve um carter nacional e 30. democrtico e, embora alguns de seus lderes, comoErnesto Che GuevaraeoprprioFidelCastro,acolhessem,empequenamedida, ideiasmarxistas,noerainevitvelqueelasedesenvolvesseapontode identificar-secomadoutrinacomunistaesuaformadegoverno. 3.AimplantaodeumregimesegundoomodelodospasesdoLeste Europeu foi uma contingncia histrica, como resultado de uma poltica empreendida no pela Unio Sovitica, mas pelos Estados Unidos,que,semrespeitarosprincpiosdasoberanianacionaleda autodeterminaodospovos,noaceitaramcertosatosdarevoluo, comoareformaagrria,etransformaramcontradiesdeinteresses nacionaisemumproblemadoconflitoLeste-Oeste. 4.AocontrriodoquesepassounaRDA,ondeaimplantaodaquele socialismo,comoapoiodastropasdaUnioSovitica,dividiuanao enoadquiriulegitimidade,aradicalizaodaRevoluoCubanana mesmadireofoiumaformadeassegurarsuasconquistasedefender anaocujasoberaniaosEstadosUnidosameaaram. 5. A ampla maioria da populao, que ficou em Cuba e duplicou nas dcadas subsequentes, entendeu que a mudana de regime no iria melhorarsubstancialmentesuasituao,aocontrrio,aagravaria,com oregressodosexilados. Osobjetivosdessapesquisa,paraoestudoquemepropusrealizar,foram, entreoutros,osseguintes: 1.Esclarecercomoeporqueumarevoluolideradaporhomensque, apesar de alguns professarem ideias marxistas, no pertenciam ao PartidoComunistapdedesenvolver-senadireodeumsocialismo vinculadoaomodeloeaosinteressesdaUnioSovitica. 2.EstudaraevoluodosconflitosentreCubaeosEstadosUnidosnos anos posteriores vitria da revoluo e como se processou a aproximaocomaUnioSovitica. 3.Compreenderporquearevoluo,quemudouomododeproduo, 31. no mudou tambm suas relaes internacionais, pois apenas transferiuadependnciadeCuba,emfacedosEstadosUnidos,paraa UnioSovitica. 4. Explicar os fatores que levaram a populao de Cuba a manter-se solidriacomarevoluo,apesardetodasasvicissitudesacarretadas pelo contnuo embargo econmico dos Estados Unidos e que se agravaramapsoesbarrondamentodoBlocoSocialista,comoqual elapassaraamantermaisde85%doseucomrcioexterior. Empreguei,comosempre,omtodohistrico,hegeliano,paraaavaliao dos fatores econmicos, sociais e polticos que determinaram o desenvolvimento da Revoluo Cubana, e adotei como procedimento de pesquisanoapenasaleituradamaisamplabibliografiaarespeitodotema, existentenosEstadosUnidos,emCubaeemoutrospases,mas,sobretudo,a consultadocumentaooriginal,tantoimpressaquantoindita,depositada emvriosarquivos,principalmentenoBrasil.OsdocumentosdosEstados Unidos puderam, em larga medida, ser encontrados em vrias edies do ForeignRelationsoftheUnitedStates,doDepartamentodeEstado,eem outras publicaes feitas pelo National Security Archive, da George Washington University. Utilizei tambm outros documentos por mim colhidos no National Archives, em Washington, em pesquisas anteriores, sobretudo referentes Bolvia e Guatemala. De grande valia para mim, porquemepermitiuconhecerapercepodeoutrosobservadoresqueno apenas norte-americanos, foi o arquivo do Itamaraty, cuja documentao confidencialesecreta,relativaaosanos1950e1960,pesquiseipormaisde doisanos,comasempreinestimvelassistnciadeGiseleTonaSoares,minha assessora, que comigo trabalhou por mais de seis anos, e de outras colaboradoras.TambmnoBrasildevasseivriosoutrosarquivos,entreos quaisoacervodeFranciscoClementinoSanTiagoDantas,quefoiministro das Relaes Exteriores do governoJoo Goulart e que desempenhou importantepapelnadefesadodireitoautodeterminaodeCubadurantea VIII Reunio dos Chanceleres Americanos, em Punta del Leste (1962). 32. Infelizmente,devidoaogolpedeEstadoqueem1964derrubouogoverno Goulart,oBrasilrompeurelaesdiplomticascomCubaeadocumentao existentenoItamaratysofreuumainterrupode22anos.Comesseesforo, procureilibertar-medaviewfromWashington,quecondicionouamaioria dos historiadores, conforme Laurence Chang, da Stanford University, salientou.6 A presena da Amrica Latina e, em especial, do Brasil e do Mxico,cujaoposio,at1964,impediuaintervenomilitaremCuba, sobacoberturadaOEA,pretendidapelosEstadosUnidos,quetambma buscaramparalegitimarobloqueionavalduranteacrisedosmsseis,est ausente de toda a bibliografia publicada nos Estados Unidos. Escassas e superficiais so as referncias. E essa lacuna minha pesquisa tratou de preencher, ao acompanhar a revoluo a partir tambm da view from Brasilia. No me restringi, evidentemente, s riqussimas fontes primrias e secundrias existentes nos Estados Unidos e documentao indita disponvel no Brasil. Tambm pesquisei no Politsches Archiv, do Auswartiges Amt, em Bonn, mas a documentao l encontrada sofreu interrupo em 1963, porque, naquele ano,Fidel Castro reconheceu a RepblicaDemocrticaAlem(Alemanhacomunista),eaRepblicaFederal daAlemanharompeurelaesdiplomticascomCuba.Assim,paraosanos posterioresa1963,vali-medosArquivosdosPartidoseOrganizaesde MassadoextintoSozialistischeEinheitsparteiDeutschlands(SED),daextinta Alemanha Oriental, hoje depositados no Bundesarchiv, em Berlim. Infelizmente, por diversas dificuldades, no pude pesquisar os arquivos existentes em Moscou, mas, depois daglasnost e, principalmente, da extinodaUnioSovitica,algunshistoriadoresrussos,bemcomoantigos agentesdaKGB,diplomatasemilitaresrussospublicaram,emcolaborao com norte-americanos, vrios livros, que constituem valiosa fonte de informao. Em Cuba, apesar da boa vontade dos embaixadoresJorge Bolaos, atualmente vice-ministro das Relaes Exteriores de Cuba, que muito me estimulouarealizarestetrabalho,eOscarOrama,nohouvepossibilidadede 33. pesquisarosarquivosnemdoPartidoComunista,centrodasdecisesdo pas, nem do Ministrio das Relaes Exteriores. ApenasJorge Risquet, membrodoComitCentraldoPartidoComunistadeCubaeassessordo generalRalCastro,forneceu-mealgunsdocumentos,poreleselecionados, em meio a interessante e proveitosa entrevista que me concedeu em dezembrode1995.Aeleagradeo,bemcomoaRicardoAlarcn,presidente da Assembleia Nacional Popular,Armando Hart, ministro da Cultura, e AntonioNezJimnez, que acompanhouFidelCastrodesdeaslutasem SierraMaestra,quegentilmentemeconcederamoutrasentrevistas.Agradeo tambmacooperaodoDr.GabrielF.PrezTarrau ,professortitulardo Departamento de Relaes InternacionaisRal Roa Garcia, bem como ao licenciadoPablo Saenz Fuentes, que foi meu orientando nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Braslia, aos funcionrios do Instituto Cubano de Amistad con los Pueblos (ICAP) e aAdys Cupull e FroilnGonzlez,quemefacilitaramlivroseoutraspublicaes.Convm,no entanto, assinalar que a bibliografia cubana muito pobre. Os livros, carregadosdeesteretiposideolgicosejarges,caracterizam-se,naimensa maioria, pelo carter propagandstico, o que reflete o grande atraso e a indignciaqueascinciassociaissofreramemtodosospasesqueadotaram ospadrespolticoseculturaisdostalinismovigentesnaUnioSovitica.Os discursoseasentrevistasdeCastrocomjornalistaseoutraspersonalidades estrangeiras,queforamoficialmentepublicados,constituemamaiorfontede informaes.MesmoassimfoidifcilobteremCubaseuspronunciamentos dosanos1960,entreosquaisodiscursocontraAnbalEscalante,de1962. Obtive-os,emingls,publicadosnosEstadosUnidospelaeditoraPathfinder, vinculadaaoSocialistWorkersParty(trotskista).Dequalquermodo,tentei tanto quanto possvel cruzar e conferir todas as informaes com as provenientes de fontes cubanas, analisando como Castro eChe Guevara, doisdostrsprincipaischefesdarevoluo(deRalCastrohpouqussima coisapublicada),pensavamereagiamdiantedosacontecimentos. Muito mais no foi possvel em Cuba, apesar do respaldo que tive do embaixadorLuiz Augusto de Castro Neves, chefe do Departamento das 34. AmricasdoItamaraty,edoempenhodaembaixadadoBrasilemHavana, especialmente do conselheiroFrederico Duque Estrada, encarregado de Negcios,quemuitoagradeo.Alis,muitovaliosofoioapoioquerecebi dosembaixadoresSebastiodoRegoBarros,secretrio-geraldoItamaraty,e JooBaenaSoares,presidentedaFundaoAlexandredeGusmo,queme possibilitaram mais uma viagem a Cuba, para atualizar a pesquisa, em dezembrode1995,bemcomodoembaixadorAdolfoWestfalen,entochefe doDepartamentodeComunicaesDiplomticasdoItamaraty,aoqualos arquivos estavam subordinados. Todo este trabalho, evidentemente, no seriapossvelsemosuportequeoConselhoNacionaldeDesenvolvimento CientficoeTecnolgico(CNPq)nuncamenegou. Convmsalientar,entretanto,queoconhecimentodarevoluo,queeuj possua, pois a acompanhara atentamente desde seus primrdios, quando FidelCastroaindalutavaemSierraMaestra,foi-medeenormevalia.Conheci Castroem1959,quandoelepassoupeloBrasil,apsareuniodoComit dos21,realizadaemBuenosAires.Estiveaoseuladoduranteodiscursoque ele pronunciou na Esplanada do Castelo, no Rio de Janeiro, e assisti a algumasconversasqueelemantevecomosestudantesnaocasio.Noano seguinte,1960,integrei,comojornalistadoDiriodeNotcias,doRiode Janeiro,acomitivadeJnioQuadros,que,comocandidatopresidnciado Brasil, fez uma viagem a Cuba. L, conheciChe Guevara, com quem conversei,eassistiaosencontrosqueQuadrosmantevecomeleecomFidel Castro, bem como com outros prceres da revoluo. Desde ento permaneciemcontatocomoscubanose,em1962,fuiconvidadoavisitar Havana,onde,almdeassistirsentrevistaseaosdiscursosdeCastro,tive umaconversaparticular,devriashoras,comCheGuevara,noseugabinete doMinistriodaIndstria.Aconversacomeoumeia-noite,horrioque ele costumava marcar quando queria estar mais vontade, e varou a madrugada.Naquelaoportunidade,aofalarmossobreascontrovrsiasentre as Ligas Camponesas lideradas porFrancisco Julio e dispostas luta de guerrilha e os militantes do Partido Comunista Brasileiro, ele admitiu a possibilidade de se organizar uma espcie de Internacional com as 35. organizaesrevolucionrias,que,independentementeecontraaorientao de Moscou, estavam a emergir na Amrica Latina sob o impacto da Revoluo Cubana. Apresentou-me ento aJohn William Cooke, representante da esquerda peronista, e com ele fiquei em contato para acompanhar,pormeiodaPrensaLatina,asnotciasprovenientesdoBrasil, ondeoirmodeFranciscoJulioeoutrosmilitantesdasLigasCamponesas forampresos,aparentementeemtreinamentodeguerrilha,emumafazenda no interior de Pernambuco. Na mesma poca, conheciLus de la Puente Uzeda, que tambm estava em Cuba, eGuillermo Lobatn, ambos organizadoresdoMovimientodelaIzquierdaRevolucionaria(MIR)noPeru e mortos pelas Foras Armadas ao deflagrarem, em 1965, a guerra de guerrilhanaquelepas.ElessempremeprocuraramnoRiodeJaneiro,at queogolpedeEstado(1964)noBrasillevou-meaoexlionoUruguai,onde o presidenteJoo Goulart, Leonel Brizola e tantos outros brasileiros se asilaram. Igualmente tive contato com vrios outros personagens, como Pedro Abella, do Movimiento Obrero Estudantil Campesino (MOEC) colombiano,eErnestoBenado,doMIRchileno,oquemepermitiuvivenciar aRevoluoCubanaemtodasassuasdimenses.Umavezqueeravinculado aoscrculospolticosdopresidenteJooGoularteresponsvelpelachefiada Seo Poltica doDiriodeNotcias,importantejornaldoRiodeJaneiro, acompanheidepertoomovimentonosbastidoresdiplomticos,recebendo inmeras informaes confidenciais e secretas que chegavam ao governo brasileiro. Os chanceleresAfonsoArinosdeMeloFranco, meu amigo,San TiagoDantas,comquemtiveahonradetrabalharnoJornaldoCommercio, doRiodeJaneiro,eHermesLima,meumestrenaFaculdadedeDireitoe tambmamigo,bemcomoEvandroLinseSilva,queserviramaosgovernos d eQuadros eGoulart, manifestaram diversas vezes confiana na minha discrio. Dou tais esclarecimentos para mostrar que minhas reflexes sobre a Revoluo Cubana no se basearam apenas na pesquisa de livros e documentos, dentro de um gabinete, ou em entrevistas feitasa posteriori para reconstituio oral da histria. Elas resultam igualmente de minha 36. vivnciapessoaleapoiam-senoconhecimentodiretodosfatosepersonagens adquiridoaolongodestes40anos.Infelizmente,amaiorpartedoslivros sobreCubapublicadosnaprimeirametadedosanos1960epormimlidos, bem como os discursos de Castro naquela poca, as entrevistas e outros documentos que eu possua, foram destrudos pela represso durante o regimeautoritrionoBrasil. Ao concluir esta apresentao, no posso deixar de agradecer a valiosa cooperao dos meus amigosGilberto Calcagnotto, do Institut fr Iberoamerika-Kunde, de Hamburgo, eDr. Bernhard Moltmann, da HessischeStifftungFriedens-undKonfliktforschung,deFrankfurt,queleram os originais e deram importantes sugestes,Argemiro Ferreira, correspondente daTribuna da Imprensa e de outros jornais nos Estados Unidos,quemedeixousempreapardasltimasrevelaeslpublicadas,e IsidoroGilbert,emBuenosAires. Abemdaverdade,precisosalientarquetodososquecomigocolaboraram agiramgenerosamente,semnenhumaresponsabilidadepelasideiaseopinies pormimexpressasnestaobra. ST.LEON,26DEMARODE1998 LuizAlbertoMonizBandeira 37. Notas 1.Krenz,1990,p.120. 2.Id.,p.120. 3.BlighteKornbluh,1998,p.76. 4.Id.,ibid.,p.76. 5.RochaBarros,1953,p.21. 6.LaurenceChang,TheViewfromWashingtonandtheViewfromNowhere:CubanMissile Crisis Historiography and the Epistemology of Decision Making,inNathan(ed.),1992,p. 136. 38. CaptuloI AEXPANSOTERRITORIALDOSESTADOSUNIDOSEAPERCEPODECUBACOMOSUA FRONTEIRA NATURAL OS MOVIMENTOS ANEXIONISTAS NOS ESTADOS UNIDOS E EM CUBAODESTINOMANIFESTOALUTAPELAINDEPENDNCIAEOPAPELDEJOSMART A INTERVENO DOS ESTADOS UNIDOS E A GUERRA CONTRA A ESPANHA A OCUPAO DE CUBA THEODOREROOSEVELT, A PLATT AMENDMENT E O CANAL DO PANAMOCOROLRIODADOUTRINAMONROEEOBIGSTICK QuandoosEstadosUnidosseconstituram,em1776,seuterritrioestendia- sedoAtlnticoaoMississippi,masnoabrangiaaFlridaeoportodeNova Orleans.Vinteanosdepois,opresidenteThomasJeffersonduplicou-o.Por US$ 15 milhes, comprou da Frana, ento sob o domnio deNapoleo BonaparteenecessitandoderecursosparaenfrentaraGr-Bretanha,todoo territriodaLouisiana,commaisde2,5milhesdequilmetrosquadrados. Comisso,osEstadosUnidosnosincorporaramasricasplanciesquese tornariamumdosceleirosdomundo,comoadquiriramocontroledetodoo sistemahidrogrficodaAmricadoNorteedoportodeNovaOrleans,no delta do Mississippi. As contnuas levas de imigrantes e a crescente necessidade de terras para o plantio de algodo, tabaco, acar e outras culturasnutriamnosEstadosUnidosoimpulsodeexpansotantoparao Oeste quanto para o Sul e para o Norte. Em 1810, seguindo a poltica expansionista deThomasJefferson, o presidenteJames Madison ordenou queogovernodaLouisianaestendesseseuterritrio,pacificamente,sobrea parteocidentaldapennsuladaFlrida,adjacenteaorioMississippi.Masos expansionistasnosesatisfizeram.DuranteaguerracomaGr-Bretanha,em 1812-14, alguns deputados, comoHenry Clay, do Kentucky,John C. Calhoun,daCarolinadoSul,eoutroswarhawksdefenderamnoCongresso a conquista do Canad, bem como de toda a Flrida, ainda colnia da 39. Espanha. O Canad continuoudominiondaGr-Bretanha,masaFlrida, em1819,aEspanhatevequecederaosEstadosUnidos,mediantetratado arrancadopelosecretriodeEstadoJohnQuincyAdams,depoisquetropas norte-americanas, sob o comando do generalAndrew Jackson, invadiram aquelapennsula,apretextodecombaterosndios,eenviaramogovernador espanhol,comtodososseussoldados,paraHavana. Alis, da mesma forma queThomas Jefferson, John Quincy Adams pretendiatambmaanexaodeCuba,porconsider-laparteintegrantedo continente,afronteiranaturaldosEstadosUnidoseindispensvelparasua segurananoGolfodoMxico.1 Aideiadeanexaocontavatambmcom ampla receptividade naquela colnia espanhola, e o movimento para concretiz-lacomearanaverdadeporvoltade1810,quandorepresentantes dehacendados(fazendeiros)eproprietriosdeescravoscubanosentraram em negociaes secretas com o cnsul norte-americano em Havana.2 Elas noevoluram,mas,diantedodesmoronamentodoImprioespanholnas Amricas,osfazendeiroscubanostrataramdereiniciarosentendimentosem 1821, enviando um agente a Washington. Seu objetivo consistia em preservar,pormeiodaanexaoaosEstadosUnidos,omododeproduo, baseadonaescravatura,contraaspressesqueaGr-Bretanhafaziasobrea Espanhaparaoabolir.Osentendimentosnovamentenoavanaram.Adams noefetivouseupropsitodeincorporarCubaUnio,provavelmentepara noampliarnemagravarolitgiocomaEspanha,daqualprocuravaobter, sem guerra, a cesso da Flrida, e pela mesma razo postergou o reconhecimentodasnovasrepblicasqueseformavamnaAmricaLatinaat marode1823.Somentenesseano,quandoaRssiapassouareivindicaro territrio ao Sul do Alasca, ao longo da costa do Pacfico, quase at o paralelo51,eaSantaAliana,porelaintegradacomaustriaeaPrssia, ameaava a independncia dos povos recm-libertados do domnio da Espanha, foi que os Estados Unidos decidiram firmar posio contra a reconquistadequalquerterritrionaAmrica.Aideiapartiradoministro dos Negcios Estrangeiros da Gr-Bretanha,George Canning, eJohn QuincyAdams,adesconfiardequeoseuobjetivoeraamarrarosEstados 40. Unidosaumcompromisso,demodoaevitarqueseexpandissemcustada Amricaespanhola,sugeriuaopresidenteJamesMonroequeestabelecesse, eleprprio,isoladamente,adoutrinasegundoaqualqualquertentativapor partedepotnciasdaEuropanosentidodeestenderseusistemapolticoa alguma poro do Hemisfrio seria considerada perigosa para a paz e a segurana dos Estados Unidos. Na realidade, o desejo de promover a anexaodeCubafoiumarazoquelevouAdamsarecusaraaoconjunta propostaporCanningesugeriraformulaodaDoutrinaMonroe.3 A Doutrina Monroe, enunciada na mensagem ao Congresso de 2 de dezembro de 1823, inspirava-se no isolacionismo deGeorge Washington quandoafirmavaqueaEuropatinhaumconjuntodeinteresseselementares semrelaocomosnossosousenomuitoremotamente4 edesenvolviao pensamentodeThomasJeffersonaAmricatemumHemisfrioparasi mesma5 ,quetantopoderiasignificarocontinentecomooseuprprio pas.Representava,semdvida,sriaadvertncianosSantaAliana,mas tambmprpriaGr-Bretanha,emboraseuefeitoimediato,quantodefesa dos novos estados americanos, fosse puramente moral, dado que os interesseseconmicoseacapacidadepolticaemilitardosEstadosUnidos no ultrapassavam a regio do Caribe. De qualquer forma, a doutrina Monroe ajudou a Gr-Bretanha a frustrar os planos de recolonizao da Amrica e permitiu que os Estados Unidos continuassem a dilatar suas fronteiras em direo ao Oeste, dizimando as tribos indgenas que l habitavam. Em 1833, missionrios metodistas e presbiterianos norte- americanos,apretextodeconverterosndios,comearamapenetrararegio noroestedaAmricadoNorte,oOregon,aindapossessodaGr-Bretanha, enquanto, ao Sul, outros colonos, j assentados no Texas desde 1821, criavam as condies que o levariam a desprender-se do Mxico, constituindo, em 1835, uma repblica autnoma. Inevitvel se tornara, portanto,queosEstadosUnidosterminassemporanexaressesterritriosem 1845(Texas)e1846(Oregon). Naquela poca, embora ainda fossem um mercado de tipo colonial, o maiormercadodetipocolonialdomundo,isto,umpasqueexportava 41. matrias-primas e importava produtos manufaturados, os Estados Unidos cresciamcomumarapidezquepareciaassombrosaecomaFranaea Alemanha,massobretudoelesdestruamomonoplioindustrialdaGr- Bretanha, conformeFriedrich Engels observou.6 Os Estados Unidos, por volta de 1850, j ocupavam o quinto lugar no mundo como potncia manufatureira,7 oquelhesexacerbavaompetodaexpanso,embuscatanto demaisterrasquantodemercadosefontesdematrias-primas.Atendncia paraomessianismonacional,acentuadanoseupovopelacrenadesero eleitodeDeus,gerouentoaideiasegundoaqualodestinomanifestodos EstadosUnidosconsistiaemexpandirsuasfronteirasatolitoraldoPacfico e,passandopeloHava,projetar-sesobreasiaentorpecida.Issoimplicava, obviamente,aconquistadaCalifrniaedavastareaentreelaeoTexas, chamadaNovoMxico.Eaoportunidadesurgiuquando,apretextodeuma disputaemrelaofronteiradoTexas,osEstadosUnidos,sobogoverno dopresidenteJamesK.Polk,entraramemguerracontraoMxico,que,uma vez derrotado, teve de ceder-lhes, ao assinar, em 1844, o Tratado de Guadalupe-Hidalgo,todoaqueleterritrio,comumtotalde2,4milhesde quilmetros quadrados, onde ricas jazidas de ouro foram descobertas. Muitos,comoosecretriodeEstado,JamesBuchanan,defenderamentoa conquistadetodooMxico,enquantooprpriopresidentePolkoferecia EspanhaUS$100milhespelacessodeCuba,ondeJosMoralesLemus, MiguelAldanaeoutrosdirigentesdoClubdeLaHabanatratavam,desde 1847,dedefenderatransao.8 Oshacendadoscontinuavam,naturalmente, atemerqueaEspanha,cedendospressescadavezmaisfortesdaGr- Bretanha, extinguisse a escravatura na ilha. E o desejo de remover as restriescomerciais,bemcomodeincrementarasrelaeseconmicascom osEstadosUnidos,concorreuparaalimentarerobustecernelesaideiade tornarCubaindependenteepedirsuaanexaoquelepas,quejerao principalmercadotantoparaasexportaesdeacareoutrosprodutos quanto para as importaes dos bens essenciais de que necessitavam. O Texas apontara o caminho e servira como exemplo. A independncia de Cubasignificava,porconseguinte,separ-ladaEspanhaparaanex-laaos 42. Estados Unidos. Entretanto, na medida em que a Espanha se recusava, peremptoriamente, a vender a ilha, a ced-la pacificamente, o respaldo ao movimentoanexionista,entreoshacendados,comeouadiminuir.Alertados porJos Maria Saco, eles pouco a pouco perceberam que, se o principal objetivodaanexaodeCubaaosEstadosUnidoserasalvaraescravatura, uma guerra pela independncia poderia precipitar-lhe o fim. A Espanha certamente decretaria a libertao dos negros, que, em 1848, somavam 619.333contra418.291brancoseconstituamamaioriadapopulao,9 de modoacontarcomseuapoioparaesmagarainsurreio.Assim,qualquer levante contra o domnio da Espanha s teria chance de xito se fosse seguido de uma interveno militar norte-americana. Mas, derrotado ou vitorioso, ele acarretaria exatamente o que os escravocratas dos Estados UnidostambmqueriamevitarpormeiodaanexaodeCuba,ouseja,ofim daescravatura. Essaquestoseconfiguravaextremamentecomplexaeperigosaparaos Estados Unidos, devido no apenas probabilidade de guerra com a Espanha,envolvendoaGr-BretanhaouaFrana,comoaoentrelaamento com a sua poltica interna, que o crescente antagonismo entre o Sul escravocrata e o Norte abolicionista condicionava. O governo norte- americano,portaisrazes,ssedispunhaarecorrerforaarmada,visando anexaodeCuba,seaEspanhaacedesseaqualqueroutrapotncia,oque seria consideradocasus belli. O presidentePolk preferia esgotar todos os meiosafimdeadquiri-lapacificamenteeafastarapossibilidadedequeaGr- Bretanhadelaseapossasseeesteeraoseumaiortemorpararessarcir-se dasdvidasdaEspanha.Contudo,namedidaemqueogovernodeMadrise negava a aceitar qualquer negociao, diversas iniciativas ocorreram para forar a interveno militar dos Estados Unidos, onde fazendeiros do Sul necessitavamdenovasterrasparaexploraresevoltavamparaostrpicos, sobretudo para Cuba, dado que o Compromisso de Missouri e o Compromissode1850impediamqueomododeproduo,aliceradona escravatura, se estendesse na direo do Norte e do Oeste, cujo clima, ademais,nofavoreciaasplantations.Em1850e1851,ogeneralNarciso 43. Lpez,quechefiaraem1848umaconspiraoparasublevarCubaepedira anexao aos Estados Unidos, organizou duas expedies, compostas predominantementeporflibusteirosnorte-americanos,parainvadirailhae contoucomosuportedefazendeirosepolticosdoSul,entreosquaiso general John A. Quintman, governador do estado do Mississippi, e o jornalistaJohn OSullivan, autor da expressodestino manifesto, que justificouaexpansoterritorialdosEstadosUnidosemmeadosdosculo XIX.Asincursesfracassaram,porfaltadesustentaoemCuba,eLpez, umavezpreso,foigarroteadopublicamenteemHavanaaoamanhecerdodia 1desetembrode1851.Poroutrolado,ospresidentesZacharyTaylor e MillardFilmore,emborafavorveisanexaodailha,evitaramenvolvero governonaaventura,pormedodeaguarastensesentreabolicionistase escravocratasnosEstadosUnidos.OprpriopresidenteFilmorereconheceu queaquestodeCubaconstituaacausadadivisoentreoNorteeoSule ameaavadestruiroCompromissode1850,aorevivertodasasdiscusses perigosas, suscitadas pelo Texas, pela Califrnia e por outros territrios adquiridosouconquistados.10 Efetivamente,aanexaodeCubasetornara um problema de poltica interna nos Estados Unidos. Ela se afigurava essencial estabilidade do sistema escravista, ao permitir que o Sul revigorasse sua posio e ampliasse seu poder no Senado, de modo que, modificando a correlao de foras dentro da Unio, pudesse dominar o governofederal.EissoeraprecisamenteoqueosabolicionistasdoNorte queriamevitar,opondo-seanexaodeumterritrioondeaescravatura,a peculiarinstitutiondoSuldosEstadosUnidos,tambmexistia. A vitria do Partido Democrata, em 1852, alentou, no entanto, a campanhaemfavordaanexaodeCubaaosEstadosUnidos,conduzidaa partirdeNovaOrleanspelaOrdemdaEstrelaSolitria,organizaosecreta formada por antigos companheiros de Lpez, e pelo movimento jovem Amrica,sobopretextodequeaEspanhapretendiaasuaafricanizao. Eleito presidente dos Estados Unidos,Franklin Pierce, que adquiriu, em 1853,maisumpedaodoMxico,oterritriodeGadsden11 ,pretendeuque a anexao de Cuba viesse a constituir a excepcional realizao do seu 44. governo.Contudo,eletinhaseuprprioplanoparaalcanaresseobjetivo. Imaginava,assimcomoPolk,quepoderiacompeliraEspanhaavenderailha, pelaqualsedispsapagaratUS$130milhes.Emborasoubessequeo tratado sobre a compra de Cuba, se fosse firmado, no passaria possivelmente no Senado, uma vez que a oposio dos antianexionistas, defensores da abolio da escravatura, dificultaria a obteno dos 2/3 de votosnecessriossuaaprovao,eleoptouportentarnegociar.Porisso, como no desejava antagonizar a Espanha e criar resistncias, evitou comprometer-seabertamentecomasprticasdosflibusteiros,advogadaspelo generalJohn A. Quitman, ex-governador do estado do Mississippi e presidentedoConselhodaOrdemdaEstrelaSolitria,queorganizavaum contingenteparaainvasodailha.Naverdade,Piercenoqueriaprovocar ainda mais o Norte, quando repelia o Compromisso de Missouri, com a promulgaodoKansas-NebraskaAct,permitindoaintroduodeescravos nesses estados. Entretanto, segundo parecia, seu plano no descartava a utilizaodeforaarmadaparaefetuaraanexaodeCuba,senecessrio.As instrues de 3 de abril de 1854, transmitidas aPierre Soul, ministro plenipotencirio em Madri e representante do esprito expansionista da JovemAmrica,pelosecretriodeEstado,WilliamMarcy,noescondiamo propsito de separar (to detach) Cuba do domnio de Espanha ou de qualquer outra potncia da Europa por qualquer meio, inclusive a provocao de guerra.12 Em 9 de outubro de 1854, os ministros plenipotenciriosJames Buchanan, James Y. Mason ePierre Soul, credenciados, respectivamente, junto aos governos da Gr-Bretanha, da FranaedaEspanha,reuniram-seemOstend,obedecendosinstruesdo governonorte-americanoparadiscutiressaquesto.Aofinaldaconferncia, quefoitransferidaparaAix-la-Chapelleedurouseisdias,eleselaboraramum documentocelebrizadocomoManifestodeOstendnoqualafirmavamque os Estados Unidos tentariam comprar Cuba da Espanha ou, se o esforo falhasse,tratariamdetom-lapelasarmas,como,alis,osecretriodeGuerra, JeffersonDavis,13 jaconselharaPierceafazer,aproveitandooincidentecom oBlackWarrior,navionorte-americanoapreendidoemHavanaemultado 45. emUS$6.000pelasautoridadesespanholas,sobacusaodeviolaodas normasporturias.OManifestodeOstend,porm,schegouaWashington em 4 de novembro, no mesmo dia em que o Partido Democrata sofria fragorosaderrotaeleitoraleperdiaamaiorianoCongresso,emvirtudedo desgaste acarretado pela revogao do Compromisso de Missouri, com a promulgaodoKansas-NebraskaAct.Eraevidente,portanto,queamaior partedopovonorte-americanoseopunhaanexaodeCuba,umavezque taliniciativaimplicavaorevigoramentodaescravaturanosEstadosUnidos. Diantedetalmanifestao,querefletiaoaguamentodastensesentreo Norte industrializado e o Sul agrcola e escravista,Pierce eMarcy se retraram,noousaramassumiroManifestodeOstendquandoaimprensao revelou,nemsearriscaramapermitirqueaexpediopreparadapelogeneral QuitmanpartissedosEstadosUnidos,violandoaleidaneutralidade,para invadirCubaesustentarumasedio,cujoplanoasautoridadesespanholas abortaram. Como o historiador norte-americanoPhilipS.Pones salientou, duranteaadministraoPierce, EverydevicetoannexCubahadbeentriedpurchase,filibusteringandprovokingawar andeachhadfailed.ThemajorityoftheAmericanpeoplerejectedtherobberdoctrine.14 Masasexpediesdosflibusteiros,entreasquaissenotabilizaramasde William Walker, continuaram a acometer Cuba, o norte do Mxico, a Nicargua, bem como outros pases da Amrica Central, contando com a tolerncia,senocomoapoio,dogovernodeWashington.Conformeo ministroSrgioTeixeiradeMacedo,representantedoBrasilemWashington, j observara, em 1849 no havia um s pas civilizado onde a ideia de provocaeseguerrasfossetopopularcomonosEstadosUnidos.15 A dilatao de suas fronteiras, no apenas territoriais como econmicas e polticas,tendiaaultrapassaroCaribeeacostadoPacfico.SrgioTeixeira deMacedotemiaqueosEstadosUnidosseestendessemaVenezuela,Nova Granada(Colmbia)eEquadoresetornassemlimtrofesdoBrasil,pois,a partir da, seria difcil cont-los e no perder a Amaznia.16 Embora se manifestassefavorvelfranquiadoAmazonasnavegao,queosEstados 46. Unidosreclamavam,instigadospelacampanhadotenenteMathewFontaine Maury,17 receava que tal medida abrisse a porta da regio formao de colnias por norte-americanos, a uma grande imigrao deles e, por conseguinte, manobra com que se verificou a usurpao do Texas.18 SegundoMacedo,osnorte-americanospretendiam, empregando contra ns ou essas manobras, com que provocam a guerra e, portanto, o direitodefazeraconquistadaIlhadeMaraj,ouasoutrasmanobras,comquesepodem premcomooessasprovncias(doNorte),destac-lasdoImprio,firmarnelasrepblicas daordemdaNicargua,paradelasobteremoquantoqueiram.19 Comefeito,em1848onorte-americanoJoshuaDodgepropuseralegao do Brasil em Washington a emigrao de 20.000 pessoas para Belm do Par.20 Quatro anos depois,James Gadsden, cuja intervenincia levaria o presidentePierce, em 1853, a adquirir mais um pedao do Mxico, pretendeuassentarseusescravosnovaledoAmazonas,queotenenteMaury queria revolucionar, republicanizar e anglo-saxonizar, constituindo a RepblicaAmaznica,paraondeosEstadosUnidostransplantariampartede suapopulaonegra.21 Paraosdiplomatasbrasileiros,osnorte-americanos alimentavam,semdvidaalguma,opropsitodeconquistaraquelaregio,e oproblemaconfigurou-seaindamaisgravequando,em1854,osecretrio de Estado,WilliamMarcy, instruiuWilliamTrousdale ,ministronoRiode Janeiro,nosentidodequecomunicasseaogovernoimperialqueogoverno dosEstadosUnidosestariadispostoaobterdequalquerformaaaberturado Amazonas,sesentissealgumarelutnciadoBrasilematenderasualegtima reivindicao.22 Eram os termos do ultimato. Naquele mesmo ano, o comodoroMathewPerryestacionarapoderosaesquadranacostadoJapo e, com tal demonstrao de fora, compelira-o a abrir dois portos aos comerciantes norte-americanos. Mas o Brasil no cedeu.23 O Amazonas permaneceufechadoeosEstadosUnidosnopuderamconcretizaraameaa deabri-lopelafora,emvirtudedasmesmasrazesquenolhespermitiram ousarumconflitoarmadocomaEspanhapelapossedeCuba,emboraas expedies dos flibusteiros para invadi-la continuassem at, pelo menos, 47. 1859.James Buchanan, um dos autores do Manifesto de Ostend, j era ento presidente dos Estados Unidos, e, como seus antecessores, tentou tambm a compra de Cuba, supondo que atravs deAugust Belmont, representante da CasaRothschild em Nova York e designado ministro plenipotencirio em Madri, poderia subornar as autoridades da Espanha, comumfundosecretodeUS$30milhes,ecolimarseuobjetivo.OSenado noaprovouoThirtyMillionDollarBill,eoPartidoDemocratacontinuoua defenderaaquisiodeCubaduranteacampanhaparaapresidnciados EstadosUnidos,em1860.MasAbrahamLincoln,que,comocandidatodo PartidoRepublicano,venceuaeleio,haviadeclaradoque,enquantoums escravo continuasse a trabalhar nos canaviais daquela ilha, nenhuma considerao daria sua anexao. E rechaou a proposta deWilliam H. Seward,seusecretriodeEstado,nosentidodepromoveraguerracontraa EspanhacomoformadesolidificaraUnio,24 ameaadapelascontradies entreoNorteeoSul,eevitarasecesso. AguerracivildosEstadosUnidos(1861-1865)possibilitouoreforodo podercentral,sobahegemoniadoNorte,que,triunfante,integrouoSul agrcolaeatrasadosuaeconomiaindustrial,eliminando,comaescravido, as relaes pr-capitalistas jurdicas inibidoras do avano das foras de produo.Medianteoestabelecimentodetarifasparaaproteodomercado interno,oqueatentoainflunciadosfazendeirosdoSulsobreopoder centraldificultava,osEstadosUnidosentraramemnovafasedeexpanso, noapenasterritorial,mas,sobretudo,econmicaepoltica,adensadapelas contnuaslevasdeimigrantes,daordemde2,4milhesnadcadade1870e 5,3milhesnadcadade1880.25 Em1867,elescompraramdaRssia,por US$ 7,2 milhes, o territrio do Alasca, porm seus interesses se concentravammaisemaisnaconquistademercadosparaoescoamentodo excedentedeproduo.Doquintolugarcomopotnciaindustrial,em1840, osEstadosUnidos,queataGuerradeSecessoforamumpasdepequenos negcios, saltaram para o quarto em 1860 e para o segundo em 1870, quando o processo de concentrao e centralizao da economia, impulsionado pelocrack de 1873, comeou a produzir novas formas de 48. associaoempresarialpools,trusts,cartisesindicatoscomoobjetivo demonopolizarmercadosefontesdematrias-primas,bemcomocontrolar preoseexportarcapitais.Emtaiscircunstncias,comasforasprodutivas docapitalismodesbordandooslimitesdoEstadonacional,aAmricaLatina, agrcola e atrasada, se configurava como a continuidade natural do seu espaoeconmico.E,em1887,opresidenteGroverClevelandpropsao Brasil formar com os Estados Unidos um Zollverein, ou seja, uma unio aduaneira,comatrocadeprodutoslivresdetodososdireitos,demodoque suas receitas se somassem e depois fossem divididas, por critrio de captao.26 ConquantooimperadorD.PedroIImanifestassecertasimpatia pela ideia, o ministro da Fazenda,Francisco Belisrio Soares de Sousa, declarouquenopoderiaaconselhartamanhaaproximaocomogoverno dosEstadosUnidos,poisissoselheafiguravaocaminhomaiscurtoparaa proclamaodaRepblica.27 Assim,aideiadaunioaduaneiranoevoluiu, masofimdamonarquianotardou.Em15denovembrode1889,quando a 1 Conferncia Pan-Americana, convocada pelos Estados Unidos, se realizavaemWashington,omarechalDeodorodaFonsecaealgunsoutros militaresdesfecharamumgolpedeEstado,instituindonoBrasilarepblica presidencialista e a federao, segundo o modelo gerado pela Revoluo Americanade1776-1783.Nohaviamaisdiscrepnciaderegimespolticos nocontinenteaotrminoda1ConfernciaPan-Americana,cujoresultado mais concreto foi a instituio do Bureau Internacional das Repblicas Americanas. Com o movimento pan-americanista, estimulado porJames G. Blaine, secretriodeEstadonogovernodopresidenteBenjaminHarrison,oqueos Estados Unidos pretenderam realmente foi criar com os Estados latino- americanosumacomunidadecomercial,reunindo-os,sobsuagide,emuma espciedefederaoinformal,demodoaalijardocontinenteacompetio da Gr-Bretanha e de outras potncias industriais da Europa. A Doutrina Monroe, sintetizada no lema a Amrica para os americanos, funcionou entocomojustificativaideolgica,eofatodequeosEstadosUnidosse tornavamaprimeirapotnciaindustrialdomundodeu-lhemaiordensidade 49. econmica e dimenso poltica mais ampla. Contudo, a ideia de fechar o continente em uma unio aduaneira, inspirada no Zollverein, que, ao desmantelar as barreiras comerciais entre os diversos estados alemes, permitira a unificao econmica e poltica do pas, no encontrou maior receptividade,devido,sobretudo,oposiodaArgentinaedoChile,ondea animosidadecontraosEstadosUnidosrecresceudepoisdesuainterferncia emfavordopresidenteJosBalmacedanaguerracivilde1891.EosEstados Unidos procuraram negociar, separadamente, com as repblicas latino- americanastratadosdecomrcioemqueseestipulassemconcessestarifrias recprocas. O Brasil republicano, a contrariar uma orientao estabelecida pelogovernoimperialdesde1842,aceitouaoferta,comaesperanadeobter ummonopliovirtualdasvendasdeacaraomercadonorte-americano.28 O acordo, firmado em 31 de janeiro de 1891, prejudicava a incipiente indstriabrasileiraesofreuseveraoposiointerna,querecrudesceuquando osEstadosUnidos,deacordocomoMcKinleyAct,celebraramumconvnio similarcomaEspanha,favorecendosuaspossessesnoCaribe,emCubae emPortoRico,tambmprodutorasdeacar.Comonoexigiraaclusula de exclusividade, o Brasil perdeu assim todas as vantagens e se disps a denunciar o acordo. Mas no o fez, em face das represlias com que o presidenteHarrisonacenou,ameaando-oinclusivecomorompimentode relaesdiplomticas.29 Oacordo,destarte,foimantidoat28deagostode 1894ecoubeadministraodopresidenteGroverCleveland,iniciadaem marode1893,denunci-lo,depoisdepromulgadooWilson-GormanActe ao constatar que, apesar das concesses tarifrias, os produtos norte- americanosnoconseguiamcompetircomosinglesesnomercadobrasileiro. Entrementes, o marechalFlorianoPeixotosubstitura,napresidnciado Brasil,omarechalDeodorodaFonseca,querenunciaraemmeioaumacrise militar,eosEstadosUnidosrespaldaramseugovernoquandoaguerracivil irrompeunoRioGrandedoSuleaMarinhadeGuerrasesublevou,noRio de Janeiro, com o propsito de derrub-lo. Houve suspeitas de que Gr- Bretanha, Portugal e outras naes da Europa instigaram a revolta da Armada, sob o comando do almiranteCustdio Jos de Melo, com o 50. objetivoderestauraramonarquiaeconduziroprncipeLeopoldoAugusto aotronodoBrasil.30 OscrculoscomerciaisefinanceirosdaGr-Bretanha, ondeasreservasbrasileirascontinuavamextremamentedeprimidas,nuncase conformaram,evidentemente,comoacordode31dejaneirode1891,que estabeleceraconcessestarifriasparaasmanufaturasnorte-americanas,eno esconderam sua insatisfao conforme obaro de Rothschild, agente financeirodoBrasil,comunicouaoministrodaFazendadoBrasil,doqual era representante financeiro com as notcias, provenientes do Rio de Janeiro, sobre compra de armamentos, aumento de gastos e crescentes dissenses polticas em todo o pas.31 Rothschild, porm, negou, posteriormente,quehouvesserecomendadoaseusagentesemNovaYork quefavorecessemosinsurretos,tantoquantopossvel,contraogovernodo marechalFlorianoPeixoto.32 Rothschildsempresoubera,desdeoinciodarevoltadaArmada,queos Estados Unidos se dispunham a intervir no Brasil, invocando a Doutrina Monroe, se ela alcanasse xito e restabelecesse a monarquia, com a restauraodoImprioouReino.33 Naturalmente,segundoavaliaodoseu agente em Nova York,August Belmont, se o movimento em favor da monarquia contasse com o apoio popular, os Estados Unidos ver-se-iam confrontados com um problema e teriam dificuldade de intervir, salvo se percebessemqueelereceberaassistnciaestrangeira.34 Entretanto,conforme transmitira aobaro de Rothschild, ele estava seguramente informado de que:1)omarechalFlorianoPeixotoseriamantidonopoderatofimdeseu mandato; 2) seria sucedido por um civil; 3) a repblica seria mantida a qualquercusto.35 Foiexatamenteoqueaconteceu.PrudentedeMoraes,civil eex-presidentedaProvnciadeSoPaulo,elegeu-sepresidentedoBrasilem 1894.Arepblica,nascidapormeiodeumputschmilitar,foiconsolidada. E,em1895,osecretriodeEstado,RichardOlney,pdedeclararqueos EstadosUnidoseram,praticamente,soberanosnestecontinenteequeseu fiattinhaforadelei,36 levandoaGr-Bretanha,contraaqualopresidente GroverClevelandameaarautilizartodososmeios,i.e.,aguerra,aaceitara arbitragem sobre um territrio litigioso entre a Guiana britnica e a 51. Venezuela. ApresenadaEspanhanoCaribe,conservandoaindaCubaePortoRico como colnias, continuava, no entanto, a incomodar os Estados Unidos, cujo propsito de anexar aquelas ilhas nunca se desvanecera, e eles, sem dvida alguma, encorajaram, direta ou indiretamente, as lutas pela independncia que l recomearam em 1895. Esperavam colher o fruto madurodepoisqueelassedesprendessemdaEspanha.Econtavamcomo apoioemCubadeamplosegmentosocialfavorvelanexao.Durantea chamadaGuerradosDezAnos,queCarlosManuelCspedesdesencadeara em1868contraodomniodeEspanhaeterminara,em1878,comoPacto de Zanjn, as tendncias anexionistas se manifestaram, e a luta pela independnciadeCuba,nomaisdasvezes,significarasuaincorporaoaos Estados Unidos, conforme proposto pelo Congresso de Guimaro.37 O generalUlissesGrant,comandantedasforasdoNorteduranteasecesso,e eleito,em1868,presidentedosEstadosUnidos,quaseenvolveuseugoverno naquela guerra de 10 anos, no s devido sua prpria tendncia (ele pretendera inclusive conquistar e Repblica Dominicana) e aos anseios anexionistasdopas,masaofatodequemuitoscubanosdesejavamelhe pediam a interveno. Os Estados Unidos, que emergiram da guerra civil comferidasacicatrizarevriosproblemasaindaporvencer,nopodiam, naquelas circunstncias, atender a tais apelos, sobretudo porque o seu envolvimentocomosrebeldes,visandoanexaodeCuba,implicariaum conflito armado com a Espanha. No entanto, quando a luta pela independncia,em1895,recomeousobocomandodeMximoGomez,as condies internas e externas se configuravam de forma diferente. Os capitalistas norte-americanos j controlavam o comrcio de exportao de Cubapormeiodeumtrust,aAmericanSugarRefiningCo.,queHenryO. Havemeyer formara, em 1887, com a fuso de 19 pequenas refinarias, passandoamonopolizaracompradoacarbruto38 eat98%doproduto refinadoconsumidonomercadonorte-americano.EaEspanha,afimdeno perderascolniasnoCaribe,cederaspressesdosEstadosUnidos,aps muitarelutncia,aofirmar,em1891,oacordodereciprocidadecomercial, 52. mediante o qual obteve para os acares que elas produziam as mesmas isenes tarifrias outorgadas ao Brasil naquele mesmo ano. Com isso, a produoaucareiradeCubarecebeuforteestmuloepassouadepender aindamais,emamplamedida,domercadonorte-americano,tantoparaoseu escoamento,dadoqueafabricaodeacarapartirdabeterrabareduzia-lhe a demanda na Europa, inclusive na Espanha, quanto para a aquisio da maquinaria necessria rpida modernizao tecnolgica e ao funcionamentodasusinas.Em1892,enquantoaEspanhacompravaapenas 328.521 sacas de acar bruto de Cuba, os Estados Unidos importavam quasequatrovezesmais,ouseja,1.154.194sacas.39 Nosemfundamento,o jornalista britnicoW.T.Stoad , ao escrever para aReviewofReviews de outubro de 1891, declarou que o tratado de reciprocidade, efetivando a iseno de tarifas autorizada peloMcKinley Act, convertera Cuba virtualmenteemumapossessodosEstadosUnidos.40 Oboomproduzidonaeconomiacubanapelotratadodereciprocidadede 1891 no durou muito tempo. Afetada pelocrack de 1893, a economia cubanasofreufortegolpeeabismou-senamaisprofundacrise,em1894, comapromulgaodoWilson-GormanAct,quesubmetiaapagamentode tarifas, em at 40%, os acares estrangeiros, importados pelos Estados Unidos,eanulava,emconsequncia,osacordosdereciprocidadecomercial celebradoscomaEspanha,oBrasileoutrospases.Diantedetalsituao, nohaviaaparentementeoutraperspectivasenoaanexaodeCubaaos EstadosUnidos.Porumlado,oPactodeZanjnsefrustrara,namedidaem queaEspanhaseesquivaradecumprirocompromissodeconcederilha, conformenegociadocomosautonomistas,ostatusdeprovnciaultramarina, com direitos polticos iguais aos vigentes no seu territrio europeu. Por outro,amanipulaodastarifaspelosEstadosUnidos,aoisentaroacare outros produtos de seu pagamento e, em seguida, abolir essa concesso, mostravaaCubaasvantagensqueteriaemlibertar-sedodomniocolonialda Espanha e incorporar-se quele pas. Suas classes dominantes, cujos interesses se entreteciam com os dos norte-americanos e se concentravam sobretudonaproduoecomercializaodoacar,tendiam,geralmente, 53. para essa soluo, embora alguns segmentos preferissem a frmula da autonomia, mantendo a ilha como provncia ultramarina da Espanha. Os homens que deflagraram, em 1895, a luta armada contra o domnio de Madri, no entanto, queriam a mais completa independncia de Cuba e repudiavam tanto o projeto de autonomia quanto a ideia de anex-la aos Estados Unidos. O generalAntonioMaceo,queseinsurgira,emBaragu, contraoPactodeZanjn,porjulg-loumarendiodesonrosa,evoltara, em1895,acomandartambmosinsurretos,declaroucertavezqueseCuba viesse a tornar-se mais uma estrela na cintilante constelao norte- americana, conforme o desejo manifestado pelo jovem anexionistaJos J. Hernndez,esteseriaonicocasoemqueele,provavelmente,estariaao lado dos espanhis.41 Por sua vez,Jos Mart, fundador do Partido RevolucionrioCubanoeconsideradoapstolodaindependnciadeCuba, escreveu aManuel Mercado, em 18 de maio de 1895, um dia antes de tombarnocombatedeDosRios,quearriscavaavidapeloseupasepelo deverdeimpedirqueosEstadosUnidosseestendessemsAntilhas,bem comola anexin de los pueblos de nuestra Amrica al Norte revuelto y brutalquelosdesprecia.42 Ele,queresidira15anosemNovaYork,deonde organizaraalutaarmadapelaindependnciadeCuba,podiadizer:Vivien elmonstruoyleconozcolasentraasymihondaesladeDavi.43 Mart, conforme sua prpria confisso, amava tanto o pas deLincoln quantotemiaopasdeFrancisCutting,umdoslderesdaguerracontrao Mxico em 1846. Por isso, no fim de 1894, a possibilidade de que os Estados Unidos interviessem em Cuba, onde o movimento anexionista se intensificaraapsapromulgaodoWilson-GormanAct,inquietara-o,tanto quanto aMaceo, uma vez que eles poderiam transform-la em seu protetorado. E a nica forma de frustrar tal interveno, concluraMart, seriainiciaraguerrapelaemancipaodeCuba,que,comodesejava,deveria serindependentedaEspanhaedosEstadosUnidos.44 Essa guerra, travada sob a forma de guerrilhas, no podia obviamente prescindirderecursosfinanceiros,paraacompradepetrechosblicos,os quaisspoderiamserobtidoscomfacilidadenosEstadosUnidos,talqualna 54. guerra de 1868-1878. EToms Estrada Palma , ao substituirMart como delegado do Partido Revolucionrio Cubano, agenciou, na condio de representante plenipotencirio do Conselho de Governo da Repblica em Armas, um emprstimo em Wall Street, mediante a emisso de ttulos (bonds),novalordeUS$3milhes,dosquaisforamvendidoscercadeUS$ 2,2milhes,ajurosde6%,aseremresgatadosapsaindependnciaea evacuaodastropasespanholas,umavezreconhecidaasoberaniadeCuba pelos Estados Unidos, sem pagamento de indenizao Espanha.45 Esse acordo, firmado em 18 de setembro de 1887, prenunciou a interveno militarnorte-americana,i.e.,aguerracontraaEspanha,paraaqualosjornais deNovaYorkTheWorld,deJosephPulitzer,eTheJournal,deWilliam Randolph Hearst criaram o clima e denunciaram as violncias e atrocidades do comandante espanhol em Cuba, capito-generalValeriano Weyler.46 Emboraosgrandescapitalistaseoshomenssuscetveisaquese lhes tocassem no nervo do dinheiro fossem contra essa guerra, segundo afirmouTheodore Roosevelt,47 ento secretrio da Marinha, fatores econmicos, sem dvida alguma, concorreram para a sua ecloso. As operaesdeguerrilhas,comoincndiodeusinas,canaviaiseplantaesde tabaco pertencentes a espanhis ou ahacendados cubanos favorveis Espanha, prejudicavam o comrcio e destruram tambm volumosos investimentos norte-americanos, acarretando-lhes tremendas perdas pecunirias.48 Tal situao no s inquietava o governoMcKinley, como fortalecia, dentro dele, a posio dos que, como Roosevelt, desejavam empurrarosEstadosUnidosguerracontraaEspanha,sobopretextode acabaraguerrapelaindependnciadeCuba.49 Os Estados Unidos tinham nessa ilha interesses diretos, que no eram meramente econmicos, relacionados com o acar e o tabaco. Seus interesseseramigualmenteestratgicos.ApossedeCuba,damesmaforma queadePortoRicoedasIlhasVirgens,cujacessoopresidenteMcKinLei naquelapocaintentavaobterdaDinamarcacomoobjetivodealiestabelecer umabasenavaleumdepsitodecarvo,erapercebidacomofundamental paraaseguranadasrotasnoGolfodoMxicoeadefesadocanalqueo 55. governonorte-americano,quase50anosantes,projetaraabrirnoistmodo Panam. Essa foi a razo,inter alia, que mais concorreu, talvez, para impulsionar os Estados Unidos ao confronto armado contra a Espanha, visandoassenhorear-sedeCubaenopropriamentepacific-la.Amisteriosa explosodonaviodeguerranorte-americanoMaineconstituiu,aoquetudo indicava,umaprovocao,provavelmentearticuladapelosprprioscubanos, a fim de arrastar os Estados Unidos ao conflito com a Espanha. Mas a mensagemnaqualMcKinleypediuautorizaoparaintervirmilitarmenteem CubasfoienviadaaoCongressoem11deabrilde1898,doisdiasdepois queogovernodeMadriatenderaaquasetodasassuasexignciaseordenara acessaodashostilidades,concedendoarmistcioaosinsurretos.Essefato levouJamesFordRhodesadizerqueaesplendidlittlewar,dadoqueos Estados Unidos a venceram, facilmente, em 10 semanas, fora uma unnecessarywar50 Desnecessria,porm,essaguerraverdadeiramenteno foi.queletempo,setoresdoempresariadonorte-americanocomearama voltar-separaoutrasregies,emvirtudedadepressode1890-93,poisse lhes afigurava que somente mercados no exterior poderiam absorver os excedentescadavezmaioresdasuaproduo.Ademais,emborafossemum grandeespaoeconmico,suficienteatmesmoparaaeradoimperialismo, cujo sentido da expanso, ali