Monitoramento do processo de envase de salbutamol xarope ... · 6Engenheiro Químico, D .Sc em T...

7
102 Rev. Bras. Farm., 89(2), 2008 Monitoramento do processo de envase de salbutamol xarope utilizando controle estatstico Process monitoring of the fill phase of albuterol syrup using statistical control AndrØ Silva Martins 1 , Joelly Karine Costa Santos 2 , Nathaly de Souza Batista , Marco AurØlio Ouriques de Oliveira 4 , Amanda Tatiane Costa Oliveira 5 & Joªo Rui Barbosa de Alencar 6 Recebido em 27/6/2007 1 Auditor de BPF do LAFEPE e Especialista em Gestªo da Qualidade e Produtividade pela UPE; 2 FarmacŒutica Industrial pela UEFS/BA; 3 FarmacŒutica Industrial pela UEFS-BA; 4 FarmacŒutico Industrial pela UFPE; 5 FarmacŒutica Industrial, Auditora de BPF do LAFEPE e Especialista em Engenharia da Qualidade pela UFPE; 6 Engenheiro Qumico, D.Sc em Tecnologia de Processos Qumicos e Bioqumicos pela UFRJ. SUMMARY Statistical analysis is an excellent alternative to establish the security degree required to the process. The objective of this work was to use the Statistical Process Control (SPC) tools to study and validate the fill phase process production performance in liquid pharmaceutical forms in the LAFEPE industry (Recife-PE, Brazil), as well as to verify the statistical stability process to anti-asmathic medicine, albuterol sulphate 0,4mg/ml syrup. The results demonstrating the high degree of security required for this type of process. KEYWORDS Statistical Process Control, process monitoring, liquid medicines production, albuterol. RESUMO TØcnicas estatsticas podem ser excelentes para demonstrar o grau de segurana requerido por um processo farmacŒutico, especificamente na validaªo. O objetivo deste trabalho foi utilizar ferra- mentas do controle estatstico de processo (CEP) para estudar e validar a etapa de envase do processo de produªo de formas farmacŒuticas lquidas do LAFEPE (Recife/PE, Brasil), bem como, verificar a estabi- lidade estatstica do processo atravØs do monitoramento da fabricaªo do medicamento antiasmÆtico, sul- fato de salbutamol xarope 0,4 mg/mL produzido em frascos de 120mL. Os resultados apontam para uma forma objetiva de demonstrar o alto grau de segurana requerida para esse tipo de processo. PALAVRAS-CHAVE Controle Estatstico de Processo, monitoramento de processos, produªo de medica- mentos lquidos, salbutamol. 1. INTRODU˙ˆO S egundo o FDA (Food and Drug Administration) dos Estados Unidos, 10% dos medicamentos co- mercializados no mundo sªo falsificados ou estªo fora dos padrıes exigidos pela terapŒutica. Este percentual chega a 25% nos pases pobres (WHO, 2003). Tais indi- cadores tŒm colocado as indœstrias farmacŒuticas sob uma vigilncia constante no que concerne aos seus sis- temas de qualidade. A atenªo rigorosa aos requisitos de Boas PrÆticas de Fabricaªo (BPF) de medicamen- tos Ø requisito imprescindvel para sobrevivŒncia das empresas, uma vez que estas sªo aplicÆveis a todas as operaıes envolvidas na fabricaªo de medicamentos e, o cumprimento das BPF, estÆ dirigido primeiramen- te para a diminuiªo dos riscos inerentes a qualquer etapa da produªo de uma entidade farmacŒutica, os quais, nem sempre podem ser detectados atravØs da realizaªo dos ensaios nos produtos acabados (Brasil, 2003). O monitoramento contnuo da variabilidade dos pro- cessos tem sintonia com os modernos sistemas de qua- lidade e com o novo modelo de boas prÆticas de fabri- caªo para a indœstria farmacŒutica, recentemente ins- titudas pelo FDA e conhecidas como The Pharmaceu- tical cGMPs for the 21st Century: a Risk-Based Approa- ch. O Controle Estatstico do Processo (CEP) Ø uma poderosa coleªo de ferramentas de resoluªo de pro- blemas, œtil na verificaªo da estabilidade e na melho- ria da capacidade dos processos, atravØs da reduªo da sua variabilidade que o qualifica, como tambØm, para monitoramento on-line da qualidade de medica- mentos. O aproveitamento eficaz da informaªo dispo- nvel nos dados de processo pelo uso de tØcnicas esta- tsticas, como o CEP, possibilita uma maior compreen- sªo e, conseqüentemente, uma melhor capacidade so- bre sua atuaªo. O uso de tØcnicas estatsticas em anÆlises de pro- cessos vem se tornando comum, tanto pela imposiªo regulatria, como pelos trabalhos recentes de Alencar et al, (2005, 2007a, 2007b). Neste, utilizou-se um con- trole estatstico de processos uni e multivariado para avaliar o desempenho da etapa de compressªo de for- mas farmacŒuticas slidas, especificamente, comprimi- dos de glibenclamida de 5mg e captopril de 25mg, ambos obtidos por um processo de compressªo direta. Foram identificados processos instÆveis e de baixa ca- pacidade em vÆrios de seus parmetros crticos. Em 95/398 Controle de Processos Rev. Bras. Farm., 89(2): 102-108, 2008

Transcript of Monitoramento do processo de envase de salbutamol xarope ... · 6Engenheiro Químico, D .Sc em T...

102 Rev. Bras. Farm., 89(2), 2008

Monitoramento do processo de envase desalbutamol xarope utilizando controle estatístico

Process monitoring of the fill phase of albuterol syrup using statistical control

André Silva Martins1, Joelly Karine Costa Santos2, Nathaly de Souza Batista , Marco Aurélio Ouriques de Oliveira4,Amanda Tatiane Costa Oliveira5 & João Rui Barbosa de Alencar6

Recebido em 27/6/20071Auditor de BPF do LAFEPE e Especialista em Gestão da Qualidade e Produtividade pela UPE; 2Farmacêutica Industrial pela UEFS/BA;

3Farmacêutica Industrial pela UEFS-BA; 4Farmacêutico Industrial pela UFPE;5Farmacêutica Industrial, Auditora de BPF do LAFEPE e Especialista em Engenharia da Qualidade pela UFPE;

6Engenheiro Químico, D.Sc em Tecnologia de Processos Químicos e Bioquímicos pela UFRJ.

SUMMARY � Statistical analysis is an excellent alternative to establish the security degree required tothe process. The objective of this work was to use the Statistical Process Control (SPC) tools to study andvalidate the fill phase process production performance in liquid pharmaceutical forms in the LAFEPE

industry (Recife-PE, Brazil), as well as to verify the statistical stability process to anti-asmathic medicine,albuterol sulphate 0,4mg/ml syrup. The results demonstrating the high degree of security required forthis type of process.

KEYWORDS � Statistical Process Control, process monitoring, liquid medicines production, albuterol.

RESUMO � Técnicas estatísticas podem ser excelentes para demonstrar o grau de segurança requeridopor um processo farmacêutico, especificamente na validação. O objetivo deste trabalho foi utilizar ferra-mentas do controle estatístico de processo (CEP) para estudar e validar a etapa de envase do processo deprodução de formas farmacêuticas líquidas do LAFEPE (Recife/PE, Brasil), bem como, verificar a estabi-lidade estatística do processo através do monitoramento da fabricação do medicamento antiasmático, sul-fato de salbutamol xarope 0,4 mg/mL � produzido em frascos de 120mL. Os resultados apontam para umaforma objetiva de demonstrar o alto grau de segurança requerida para esse tipo de processo.

PALAVRAS-CHAVE � Controle Estatístico de Processo, monitoramento de processos, produção de medica-mentos líquidos, salbutamol.

1. INTRODUÇÃO

S egundo o FDA (Food and Drug Administration)dos Estados Unidos, 10% dos medicamentos co-

mercializados no mundo são falsificados ou estão forados padrões exigidos pela terapêutica. Este percentualchega a 25% nos países pobres (WHO, 2003). Tais indi-cadores têm colocado as indústrias farmacêuticas sobuma vigilância constante no que concerne aos seus sis-temas de qualidade. A atenção rigorosa aos requisitosde Boas Práticas de Fabricação (BPF) de medicamen-tos é requisito imprescindível para sobrevivência dasempresas, uma vez que estas são aplicáveis a todas asoperações envolvidas na fabricação de medicamentose, o cumprimento das BPF, está dirigido primeiramen-te para a diminuição dos riscos inerentes a qualqueretapa da produção de uma entidade farmacêutica, osquais, nem sempre podem ser detectados através darealização dos ensaios nos produtos acabados (Brasil,2003).

O monitoramento contínuo da variabilidade dos pro-cessos tem sintonia com os modernos sistemas de qua-lidade e com o novo modelo de boas práticas de fabri-cação para a indústria farmacêutica, recentemente ins-

tituídas pelo FDA e conhecidas como The Pharmaceu-tical cGMPs for the 21st Century: a Risk-Based Approa-ch. O Controle Estatístico do Processo (CEP) é umapoderosa coleção de ferramentas de resolução de pro-blemas, útil na verificação da estabilidade e na melho-ria da capacidade dos processos, através da reduçãoda sua variabilidade que o qualifica, como também,para monitoramento on-line da qualidade de medica-mentos. O aproveitamento eficaz da informação dispo-nível nos dados de processo pelo uso de técnicas esta-tísticas, como o CEP, possibilita uma maior compreen-são e, conseqüentemente, uma melhor capacidade so-bre sua atuação.

O uso de técnicas estatísticas em análises de pro-cessos vem se tornando comum, tanto pela imposiçãoregulatória, como pelos trabalhos recentes de Alencaret al, (2005, 2007a, 2007b). Neste, utilizou-se um con-trole estatístico de processos uni e multivariado paraavaliar o desempenho da etapa de compressão de for-mas farmacêuticas sólidas, especificamente, comprimi-dos de glibenclamida de 5mg e captopril de 25mg,ambos obtidos por um processo de compressão direta.Foram identificados processos instáveis e de baixa ca-pacidade em vários de seus parâmetros críticos. Em

95/398 Controle de Processos

Rev. Bras. Farm., 89(2): 102-108, 2008

103Rev. Bras. Farm., 89(2), 2008

outro estudo, Lima et al, (2006) fizeram uma revisãodos potenciais usos do controle estatístico na indústriafarmacêutica produtora de medicamentos. Ramos et al.(2006) propôs uma metodologia para avaliar a estabili-dade ou previsibilidade de processos farmacêuticos,através de curvas de distribuição de probabilidades eíndices de capacidade.

Neste trabalho, propõe-se utilizar ferramentas decontrole estatístico de processo para monitorar e esta-belecer, uma estratégia de validação concorrente dodesempenho da etapa de envase do processo de fa-bricação de formas farmacêuticas líquidas, produzidaspelo Laboratório Farmacêutico do Estado de PernambucoS/A - LAFEPE (Recife/PE, Brasil). O produto em es-tudo foi o Salbutamol Xarope e a variável crítica doprocesso é volume de envase. Variações neste parâmetrotêm relação com a duração do tratamento dos pacientes,com ineficiências do processo, com o direito dos con-sumidores e por ser uma variável sujeita a uma sériede fatores que devem ser monitorados ao longo dotempo. Essa variável se torna crítica quando se obser-va o rigor da legislação sanitária que estabelece quenenhuma unidade produzida, poderá apresentar volu-me de envase inferior a 100% do valor rotulado (Brasil,1988) o que requer um controle mais rigoroso nessaetapa da produção.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

2.1 Descrição do processo produtivoO produto avaliado é um medicamento antiasmáti-

co, conhecido pelo nome genérico de sulfato de salbu-tamol 0,4mg/mL, e largamente utilizado na terapêutica(LAFEPE, 2004). O produto é apresentado na forma dexarope e comercializado em frascos de vidro âmbar, comvolume nominal rotulado de 120mL. A Tabela I apre-senta a formulação e a função dos componentes do pro-duto.

O processo de fabricação consiste na pesagem decada componente e em reator com capacidade ade-quada e sob agitação constante, adicionam-se em águapurificada, os componentes: ácido cítrico, citrato desódio e o sulfato de salbutamol, um por vez, até com-pleta dissolução. Em outro recipiente, dissolve-se o

açúcar e a glicerina também em água purificada e mis-tura-se à primeira porção sob constante agitação parase obter a homogeneidade. Em um terceiro recipien-te, solubilizam-se os conservantes (metil e propil-pa-rabenos) em álcool etílico e adiciona-se à mistura an-terior, também sob constante agitação. Em seguida,adiciona-se água purificada até completar o volumedo reator. Uma amostra da mistura obtida é coletada,e submetida ao controle de qualidade para verifica-ção da concentração do princípio ativo (teor). Apósaprovação, são adicionados ainda a essência de mo-rango e o corante vermelho ponceaux, estando então,pronto o produto para envase. As demais fases do pro-cesso e suas interfaces com outros departamentos daprodução estão representadas no fluxograma da Fi-gura 1. Nesta, destaca-se também a fase de envaseonde foi aplicado o procedimento de controle estatís-tico objeto deste estudo.

2.2 Amostragem e determinação do volume de envaseA Farmacopéia Brasileira, (Brasil, 1988) estabelece

que nenhuma unidade produzida poderá apresentarvolume de envase inferior a 100% do valor rotulado,isto é, 120mL no caso do xarope de salbutamol. Nestetrabalho, o método de medição foi modificado, possi-bilitando a percepção do nível de variação dessa variá-vel. A determinação do volume nominal em formasfarmacêuticas líquidas deve ser efetuada através dopeso do seu conteúdo (Brasil, 1988). As pesagens fo-ram realizadas em balança da marca Ohaus, modeloAdventurer, precisão 0,001g. Inicialmente, tomou-seo peso de 30 frascos tampados e vazios para verifica-ção da variabilidade dessa variável e determinação

TABELA IComposição do medicamento salbutamol e função dos

componentes na formulaçãoMatéria-prima Função do componente na formulação

Sulfato de Salbutamol Princípio Ativo

Citrato de Sódio Corretivo de pH

Essência de Morango Flavorizante

Álcool Hidratado Industrial Solubilizante

Açúcar Granulado Viscosificante

Corante Vermelho Ponceaux Corante

Ácido Cítrico Anidro Corretivo de pH

Glicerina Branca Viscosificante

Metil-parabeno Conservante

Propil-parabeno Conservante

Água Purificada VeículoFIG. 1 - Fluxograma do processo de produção.

104 Rev. Bras. Farm., 89(2), 2008

da tara que seria subtraída dos frascos com o produtoenvasado que seriam retirados da linha de produção. Adiferença entre as duas unidades do produto envasadoe a tara dos frascos representa o peso do conteúdo. Parase obter os volumes correspondentes, fez-se necessárioobter a densidade obtida da seguinte forma:

- Adicionou-se 250mL de xarope preparado em umaproveta de 250mL e imergindo um densímetro portátil(marca Mettler Toledo, modelo 30 PX), verificou-se ovalor de densidade automaticamente. Este procedi-mento foi repetido para cada lote, obtendo-se um va-lor médio de 1,19 + 0,01g/mL, valor considerado cons-tante nas determinações de volume deste trabalho emfunção da sua pouca variação entre os lotes. Em se-guida, utilizou-se esse valor de densidade na equa-ção 1 para a obtenção dos volumes de cada unidadedo produto.

(1)

Onde V = Volume em mL, m = peso do conteúdoem gramas e d densidade do xarope de salbutamol emg/mL.

Em função do tamanho do lote do padrão do lote doproduto, que é 41.666 frascos, determinou-se o tama-nho da amostra a ser analisada, obtendo-se 5 frascos acada 15min, perfazendo um total de 150 amostras/lote.Numa primeira fase de avaliação do desempenho decomo estava se desenvolvendo o processo, foram estu-dados três lotes. Posteriormente, foram estudados ou-tros dois lotes já sujeitos a ajustes sugeridos pelo tra-balho. A máquina de envase do produto em estudo(marca Promaquina, mod. V12-R6), possui capacidadede envase de 5800 frascos de 120mL por hora.

2.3 Controle Estatístico do ProcessoO Controle Estatístico do Processo (CEP) pode ser

descrito como um conjunto de ferramentas de monito-ramento on-line da qualidade. Com tais ferramentas,consegue-se uma descrição detalhada do comportamen-to do processo, identificando sua variabilidade e pos-sibilitando seu controle ao longo do tempo, através dacoleta continuada de dados e da análise e bloqueio depossíveis causas especiais, responsáveis pelas instabi-lidades do processo em estudo.

As cartas ou gráficos de controle são as ferramentasprincipais utilizadas no controle estatístico de proces-so (CEP) e têm, como objetivo, detectar desvios de pa-râmetros representativos do processo, reduzindo aquantidade de produtos fora de especificações e custosde produção. Na estratégia do CEP, processos são con-trolados efetuando-se medições de variáveis de inte-resse em pontos espaçados no tempo e registrando osresultados em gráficos de controle. Os gráficos de con-trole clássicos, também conhecidos como gráficos decontrole de Shewhart, são representações temporais dosvalores medidos da variável de interesse no eixo verti-cal e os pontos, no tempo nos quais as medições sãoefetuadas no eixo horizontal e que são interpretadosem função de linhas horizontais, chamados de limitesuperior de controle (LSC), linha média (LM) e limiteinferior de controle (LIC) dados pelas equações 2, 3 e4 para o gráfico da média e 5, 6 e 7 para o gráfico dosdesvios.

Limites de Controle para o Gráfico das Médias

(2)

(3)

(4)

Limites de Controle para o Gráfico dos Desvios

(5)

(6)

(7)

onde x é a média das médias do processo, s é o desviopadrão médio do processo, dados respectivamente pe-las equações 8, 9 e 10, n é o tamanho da amostra e c4,B3 e B4 são fatores tabulados que dependem de n e m éo número de pontos utilizados na construção do gráfi-co de controle (Montgomery, 2001).

(8)

(9)

(10)

Observa-se nessas equações que, tanto os limitesdo gráfico de controle da média, como os limites dográfico de controle dos desvios, dependem da variabi-lidade do processo representada por s. Um gráfico decontrole pode indicar uma condição fora de controlequando um ou mais pontos se localizam além dos limi-tes de controle, ou quando os pontos marcados exibemalgum padrão de comportamento não aleatório. Paraum processo ser considerado estatisticamente estável,os pontos nos gráficos de controle devem distribuir-sealeatoriamente em torno da linha média sem que hajapadrões estranhos do tipo, tendências crescentes oudecrescentes, ciclos, estratificações ou misturas, pon-tos fora dos limites de controle.

No presente trabalho utilizou-se controle estatísticode processo para avaliar a etapa de envase de formasfarmacêuticas liquidas, construindo-se gráficos de con-trole da média e dos desvios da média para a variávelvolume de envase. Nesta etapa foram monitorados trêslotes do produto, visando reconhecer a variabilidadedo processo e, conseqüentemente, a sua estabilidade,já que as referidas variações não eram percebidas pe-los motivos já apresentados, causando uma falsa im-pressão da inexistência dessas variações. Para cada um

105Rev. Bras. Farm., 89(2), 2008

desses três lotes iniciais, foram calculados limites decontrole tentativos para o gráfico da média, equações2, 3 e 4 e, para o gráfico de controle dos desvios, asequações 5, 6 e 7. Em cada uma foi identificada a pre-sença de causas especiais atuando sobre o processo,pela disposição dos pontos do gráfico em relação aoslimites de controle calculados.

Como ferramenta para construção dos gráficos decontrole, foi utilizado o pacote computacional Statisti-ca® (Statsoft, 2005) no módulo Quality Control Charts.

3. RESULTADOS

As Figuras 2 a 7 apresentam os gráficos de controlepara o desvio padrão e para a média dos volumes de

envase para os lotes A, B e C. Como já observado, cadaponto nesses gráficos representa a média de 5 unida-des retiradas aleatoriamente do processo. No lote A, onível de variação inter amostra, revelado pelo gráficode controle dos desvios (Fig. 2), apresentou-se relati-vamente bem comportado com os pontos do gráfico dis-postos dentro dos limites calculados: 2,220 para o limi-te superior, 0,00 para o inferior e 1,063 para a média.Para o gráfico de controle da média para o lote A, oprocesso apresentou fortes instabilidades e se desen-volveu praticamente todo o tempo fora dos limites decontrole (Fig. 3), sofrendo ajustes por tentativas porparte da operação e que o conduziu a mudanças brus-cas de volume médio de envase em torno de 121mL,por volta do 20o tempo de amostragem, para volumes

FIG. 2 - Gráfico de Controle dos Desvios (S) para Lote A

FIG. 3 - Gráfico de Controle das Médias dos Volumes de Envase - Lote A

FIG. 4 - Gráfico de Controle dos Desvios (S) para Lote B

FIG. 5 - Gráfico de Controle das Médias dos Volumes de Envase - Lote B

FIG. 6 - Gráfico de Controle dos Desvios (S) para Lote C

FIG. 7 - Gráfico de Controle das Médias dos Volumes de Envase - Lote C

106 Rev. Bras. Farm., 89(2), 2008

em torno de 125mL até o final do lote, valores estes,bem superiores aos limites requeridos para uma boaoperação.

No caso do lote B, o gráfico de controle dos desvios(Fig. 5), apresentou comportamento similar ao lote A,com pontos dentro dos limites de controle: 2,328 para osuperior, 0,000 para o inferior e 1,114 para a média dosdesvios. Porém, para o gráfico de controle da média (Fig.6), o processo também se apresentou instável com trêspontos do gráfico fora dos limites de controle. Neste lotea media do volume de envase (119,89mL) foi inferior aovalor rotulado e, conseqüentemente, aos requeridos paragarantia da especificação farmacopéica.

Para o lote C, o processo apresentou comportamen-to similar aos anteriores. O gráfico de controle dos des-vios não revelou situações de desvios em relação aoslimites de controle calculados (Fig. 7), porém, o gráficoda média apresentou�se fora dos limites de controle e,notadamente, com mudanças na média do processo.

Do conjunto dos três lotes iniciais avaliados, perce-be-se que o processo carecia de uma avaliação maiscuidadosa, pois, se desenvolvia sob o ef eito de causasespeciais dadas a quantidade de pontos fora dos limi-tes de controle que foram detectados. Tal comportamentorevelou um nível de variação ainda desconhecido parao processo, uma vez que, como relatado anteriormen-te, o método de medição do volume ao longo do contro-le do processo por proveta não permitia a observaçãodesse nível de variação, ensejando sua inexistência.Essas observações motivaram um grupo de técnicos daoperação e manutenção da planta industrial a investi-gar o que poderia estar causando os desvios às insta-bilidades que foram detectadas.

A Figura 8 apresenta um diagrama de causa e efei-to de Ishikawa construído por ocasião deste estudo.Desta figura percebemos que vários fatores podem in-fluenciar as variações de volume, a saber:

- operação ou manutenção irregular do equipamen-to de envase;

- falta ou excesso de regulagem nos bicos dosado-res;

- pessoal em número insuficiente e mal qualificadona operação;

- falta ou não cumprimento de procedimentos ope-racionais;

- variações na qualidade dos insumos da formula-ção que influencia a densidade do produto e, conse-qüentemente, nas variações de volume, além da

- utilização de metodologias não farmacopéicas nocaso da medição do volume.

Dentre os fatores descritos na Figura 8, a regula-gem fina dos bicos dosadores e uma revisão dos meca-nismos do equipamento de envase foram apontadascomo as principais causadoras dos desvios do proces-so. Desta forma foram desencadeadas ações corretivascomo tentativas de se promover um melhor ajuste doequipamento. Ao mesmo tempo em que foram corrigi-das as anormalidades detectadas nesse procedimentode revisão, foi programado o monitoramento de novoslotes para verificação se tais ações surtiram efeito. Paratanto, foi tomado como referência, o trabalho de Cho-layudth (2005) que estabeleceu limites de controle paraformas farmacêuticas líquidas, tais que 95% das amos-tras atendessem aos critérios farmacopéicos com 95%de confiança. Esses limites foram calculados pela equa-ção 11,

(11)

Onde T é a média do processo, L é o valor rotuladode 120mL e n=5 o tamanho das amostras e s o desviopadrão do processo, o qual foi considerado para efeitode aplicação da equação 11, o valor de 1,101, ou seja,o valor médio dos desvios dos três lotes iniciais estu-dados.

FIG. 8 - Diagrama de causa e efeito para o processo de envase.

Pessoal Medição do Volume

ManutençãoIrregular

Falta de Regulagem nosBicos dosadores

Qualificação deFornecedores deInsumos

Falta de Não Cumprimentode Procedimentos

Variações de Densidadepor variação naspropriedades dos insumos

Variação do Volumede Envase

Medição do Volume porMétodo Não Farmacopéico

Densidade do ProdutoNão Monitorada

Máquina Materiais e Métodos

Falta Qualificação eTreinamento

Número de OperadoresInsuficiente

107Rev. Bras. Farm., 89(2), 2008

Aplicando esses valores, obtém-se um valor alvo damédia de T=120,66mL.

Foram monitorados então, dois novos lotes do pro-duto, com média do processo ajustada para o valorT=120,66mL. Para esses novos lotes, o processo deenvase foi acompanhado, do início ao final, por técni-cos de manutenção e só foi iniciado, após a aferiçãode volumes medidos repetidos em torno da média de120,66mL. As Figuras 9 e 10 apresentam os gráficosde controle dos desvios e da média para os lotes D eN; as Figuras 11 e 12 os mesmos gráficos para o loteE.

Nesses gráficos observa-se que, tanto para o gráfi-co de controle dos desvios, como para o da média paraos dois lotes, D e E, o processo foi bem ajustado e queo envase se desenvolveu sob controle, tendo em vistaque todos os pontos estiveram dispostos dentro dos li-mites de controle tentativos calculados e sem compor-tamentos notadamente não aleatórios.

Em mantendo o processo sob controle, torna-se im-portante uma análise de capacidade do processo. Talanálise se faz através do cálculo dos índices de capaci-dade - Cpk - e que representam os níveis de variabili-dade do processo em relação às exigências de especi-ficação, sendo definidos pelas equações 12, 13 e 14. SeCpk >1 temos um processo capaz. Em anos recentes,muitas companhias adotaram critérios para avaliar seusprocessos baseados em índices de capacidade do pro-cesso bem rígidos, adotando Cpk mínimo de 2,0.

Cpk = min[Cpi, Cps] (12 )

(13)

(14)

Onde Cpk é definido pelo menor valor entre doisíndices Cpi e Cps e LSE e LIE são os limites superior einferior da especificação do produto. Para o caso davariável volume de envase do produto salbutamol, nãoexiste o valor de LSE e conseqüentemente, o Cps, sen-do definido só o LIE que é igual a 120mL. As demaisvariáveis para aplicação das equações acima são amédia, x, e o desvio padrão médio do processo, s. Des-ta forma, o índice Cpk é igual ao Cpi e pode ser calcula-do considerando a média 120,66mL ajustada para o pro-cesso e o desvio padrão médio de 1,101. Com essesnúmeros, obtém-se um Cpk de 0,20, valor extremamen-te baixo e que qualifica o processo como não capaz.Analisando esse número e a forma da equação 14, paraque valores de Cpi sejam no mínimo maiores que 1, eque tornam o processo capaz, têm-se duas alternati-vas: Ou se reduz o nível de variação do processo, re-presentado por s, para valores abaixo de 0,22, ou, man-tendo-se este nível de variação, aumentar-se-ia a mé-dia do processo para valores acima de 123,30mL. Naavaliação feita pelo grupo de técnicos, o aumento da

FIG. 9 - Gráfico de Controle dos Desvios dos Volumes de Envase � Lote D

FIG. 10 - Gráfico de Controle das Médias dos Volumes de Envase - Lote D

FIG. 11 - Gráfico de Controle das Médias dos Volumes de Envase - Lote E

FIG. 12 - Gráfico de Controle das Médias dos Volumes de Envase - Lote E

108 Rev. Bras. Farm., 89(2), 2008

média do volume de envase deverá ser obtida e moni-torada visando à obtenção de índices de capacidademais elevados. Por outro lado, a diminuição do desviopadrão do processo para níveis dessas magnitudes, foijulgada como uma possibilidade de melhoria do pro-cesso com grau de dificuldade muito maior de ser atin-gida. Essas conclusões sinalizam que novos lotes doproduto deverão avaliados, submetendo o processo anovos parâmetros de controle.

4. CONCLUSÕES

Métodos estatísticos vêm sendo aplicados, com oobjetivo de fazer com que dados, que aparentementenada significam, sejam corretamente interpretados e,portanto, melhores decisões sejam obtidas e tomadas.Neste trabalho utilizou-se o controle estatístico de pro-cesso para avaliar e monitorar o desempenho do pro-cesso de envase do produto sulfato de salbutamol, naforma de xarope, produzido pelo Laboratório Farma-cêutico do Estado de Pernambuco S/A � LAFEPE® (Re-cife/PE, Brasil). Foram construídos gráficos de contro-le clássicos da média e dos desvios para a variável vo-lume de envase do produto, possibilitando a revelaçãodo nível de variação do processo até então desconheci-dos e, conseqüentemente, uma maior compreensão doprocesso e dos fatores que o conduzem a um estadofora de controle. A técnica de controle estatístico per-mitiu a obtenção de um valor de referência para o vo-lume de envase para o produto em estudo e que asse-gura o rigor da especificação farmacopéica para essavariável.

5. REFERÊNCIAS

1. Alencar, J.R.B., Lopes, C.E, De Souza J.; M.B., Monitoramento do processo deCompressão de Comprimidos de Captopril Utilizando Controle Estatístico deProcesso, Rev. Bras. Farm. 88(2), p.89-97, 2007a.

2. Alencar, J.R.B., De Souza J.; M.B., Lopes, C.E. Controle Estatístico de Processo

Multivariado: Aplicação à Produção de Medicamentos na Forma de Comprimi-dos. Submetido a Rev. Bras. Farm. em Junho de 2007b.

3. Alencar, J.R.B., De Souza J., M.B., Rolim Neto, P.J., Lopes, C.E. Uso de ControleEstatístico de Processo (CEP) para Avaliação da Estabilidade e Validação daFase de Compressão de Formas Farmacêuticas Sólidas. Acta Farm. Bonae-rense. 23(3), p.426-435, 2005

4. Alencar, J.R.B., De Souza J., M.B., Rolim Neto, P.J., Lopes, C.E. Uso de ControleEstatístico de Processo (CEP) para Validação do Processo de fabricação deGlibenclamida Comprimidos. Rev. Bras. Farm. 85(3), p.115-119, 2004

5. Brasil, Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA),Resolução RDC Nº210 de 04.08.2003, Regulamento Técnico das Boas Práti-cas para a Fabricação de Medicamentos, DOU de 14.08.2003. 2003

6. Brasil, Ministério da Saúde, Decreto Nº96.607 de 30.08.1998, FarmacopéiaBrasileira, 4a Ed, Parte 1, Diário Oficial da União de 31.08.1988, Suplemento,1988.

7. Cholayudth, P. Establishing Target Fills For Semisolid and Liquid Dosage Forms,Pharmaceutical Technology, April, pp. 142-152, 2005

8. LAFEPE® - Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco. MementoTerapêutico. 2ª Edição. Recife-PE, p.245-251, ISBN 85-98343-01-3, 2004

9. Lima, A.A.N., Lima, J.R. Silva, J.L., Alencar, J.R.B., Soares-Sobrinho, J.L., Lima,L.G., Rolim Neto, P.J., Aplicação de Controle Estatístico de Processo na Indús-tria Farmacêutica, Rev. Ciênc. Farm. Basica Apl., 27(3), pp. 177-187, 2006.

10. Montgomery, D.C., Introduction to Statistical Quality Control, 4Th Edition, JohnWiley & Sons, Inc., 2001.

11. Ramos, A.W., Chacra, N.A.B., Pinto, T de J.A., Validação Estatística de ProcessoFarmacêutico, Biofarma � Rev. Tec. Cient. Farm. Bioquim. Anal. Clin. Toxicol.,1(2), pág.123-132, 2006.

12. Statsoft, www.statsoft.com, Acesso: Janeiro de 2005.

Endereço para correspondênciaUniversidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Centro de Tecnologia, Escola de QuímicaIlha do Fundão, Bloco E, Sala 207Cep 21949-900 - Rio de Jeneiro - RJ - BrasilFone: 21 2562-7636 - Fax: 21 2562-7616E-mail: [email protected](Para quem toda correspondência deverá ser enviada)Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco S/A - LAFEPELargo de Dois Irmãos, 1117 - Dois IrmãosCep 52171-010 - Recife - PEFone: 81 3267-1161E-mail: [email protected]