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1 MODERNIZAÇÃO SELETIVA DA AGRICULTURA: O AVANÇO DO AGRONEGÓCIO DA SOJA NO SUL DO MARANHÃO Fernanda Laize Silva de Lima Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Natal/RN [email protected] Celso Donizete Locatel Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Natal/RN [email protected] Cleanto Carlos Lima da Silva Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Natal/RN [email protected] Resumo A partir do final da década de 1980, o processo de expansão da fronteira agrícola alcança as áreas dos cerrados nordestinos, por meio da emergência do agronegócio da soja, destacando-se como principal produtor o sul do Maranhão. Contudo, em razão do caráter contraditório do desenvolvimento do capitalismo no campo, verifica-se um acirramento de históricos problemas agrários. Nessa perspectiva, consiste em objetivo central do artigo ora apresentado compreender a modernização da agricultura brasileira, tomando como referência as transformações socioespaciais do sul do Maranhão, decorrentes da produção de soja. Para atingir os objetivos propostos, realizou-se uma pesquisa bibliográfica e documental, além de levantamento de dados primários e secundários. Palavras-chave: Modernização. Agricultura. Soja. Território. Maranhão. Notas introdutórias O avanço da fronteira agrícola sobre as áreas de cerrados nordestinos ocorreu, sobretudo, a partir do desenvolvimento do agronegócio da soja, desencadeando uma reordenação do território, mais especificamente do sul do Maranhão e oeste da Bahia. A inserção da soja na economia maranhense representou uma nova divisão territorial do trabalho imposta ao estado. A atuação do Estado, associada às técnicas de produção do agronegócio têm engendrado a expropriação de terras outrora pertencentes a camponeses, além de profundas mudanças nas relações de trabalho. No caso específico do município de Balsas, há uma concentração de serviços e empresas especializados no atendimento das exigências e demandas do campo, fato que alterou substancialmente a dinâmica e organização espacial do município.

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MODERNIZAÇÃO SELETIVA DA AGRICULTURA: O AVANÇO DO AGRONEGÓCIO DA SOJA NO SUL DO MARANHÃO

Fernanda Laize Silva de Lima Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Natal/RN

[email protected]

Celso Donizete Locatel Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Natal/RN

[email protected]

Cleanto Carlos Lima da Silva Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Natal/RN

[email protected]

Resumo A partir do final da década de 1980, o processo de expansão da fronteira agrícola alcança as áreas dos cerrados nordestinos, por meio da emergência do agronegócio da soja, destacando-se como principal produtor o sul do Maranhão. Contudo, em razão do caráter contraditório do desenvolvimento do capitalismo no campo, verifica-se um acirramento de históricos problemas agrários. Nessa perspectiva, consiste em objetivo central do artigo ora apresentado compreender a modernização da agricultura brasileira, tomando como referência as transformações socioespaciais do sul do Maranhão, decorrentes da produção de soja. Para atingir os objetivos propostos, realizou-se uma pesquisa bibliográfica e documental, além de levantamento de dados primários e secundários. Palavras-chave: Modernização. Agricultura. Soja. Território. Maranhão. Notas introdutórias O avanço da fronteira agrícola sobre as áreas de cerrados nordestinos ocorreu,

sobretudo, a partir do desenvolvimento do agronegócio da soja, desencadeando uma

reordenação do território, mais especificamente do sul do Maranhão e oeste da Bahia. A

inserção da soja na economia maranhense representou uma nova divisão territorial do

trabalho imposta ao estado.

A atuação do Estado, associada às técnicas de produção do agronegócio têm engendrado

a expropriação de terras outrora pertencentes a camponeses, além de profundas

mudanças nas relações de trabalho. No caso específico do município de Balsas, há uma

concentração de serviços e empresas especializados no atendimento das exigências e

demandas do campo, fato que alterou substancialmente a dinâmica e organização

espacial do município.

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Por outro lado, sabe-se que embora a produção de soja contribua na geração de

dividendos para a economia maranhense, a lógica da agricultura moderna não ocorre de

maneira plena e igualitária no referido estado, promovendo a manutenção e o

adensamento de problemas sociais. Sendo assim, o objetivo deste artigo é compreender

a modernização da agricultura brasileira, a partir da análise dos processos socioespaciais

decorrentes da dinâmica do agronegócio da soja no sul do Maranhão.

As contradições da modernização da agricultura brasileira A modernização da agricultura brasileira consiste nas profundas mudanças ocorridas na

base técnica do processo produtivo, caracterizando a fusão que há entre agricultura e

indústria (MÜLLER, 1989).

Como bem explicita Graziano da Silva (1981), com as mudanças nos moldes de

produzir, a agricultura se torna cada vez mais autônoma dos processos naturais, na

mesma proporção em que, por outro lado, perde sua autonomia e independência em

relação aos demais setores da economia. Trata-se de uma transição em que a prática da

agricultura se converte paulatinamente de uma mera expectativa, no que concerne às

condições naturais, para um patamar de certeza e alto grau de precisão, com

considerável aumento de produção e de produtividade.

A exemplo disso, conforme destaca Hespanhol (2008), agricultura moderna vem

ampliando sua importância, no que concerne à geração de divisas, através da expansão

do agronegócio, o qual tem representa mais de um terço do valor das exportações e tem

assegurado os sucessivos superávits na balança comercial brasileira.

No entanto, essa agricultura moderna não se apresenta de forma homogênea em todo o

território brasileiro, mas sim em algumas áreas privilegiadas pelo conjunto de políticas

que permitiram a reestruturação dos moldes de produção agrícola. Afinal, para

viabilizar essas transformações na agricultura, fez-se necessária a intervenção

contundente do Estado, sobretudo no que se refere à implementação de um conjunto de

políticas fundiárias; de financiamento; de infraestrutura rodoviária, possibilitando maior

fluidez ao território1.

Não obstante, há ainda algumas medidas mais específicas que evidenciam o fomento do

Estado à modernização agrícola do país, como as políticas de crédito subsidiado e

incentivos fiscais, representadas, por exemplo, pela criação do Sistema Nacional de

Crédito Rural, com a lei federal n. 4.829, em 1965; a criação de empresas estatais

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voltadas para a pesquisa agropecuária, como a Embrapa, em 1973; a criação do Sistema

Nacional de Assistência Técnica, consolidado em 1960.

Diante do exposto, podemos afirmar que a modernização da agricultura se dá pela

adoção de um modelo econômico “desenvolvimentista” do país, em que o Estado atua

como o principal agente, ao financiar e viabilizar o processo produtivo agrícola cada vez

mais tecnificado. Na década de 1970, recorrentemente o crescimento econômico do país

era confundido com o desenvolvimento social, todavia os segmentos sociais

beneficiados com esse processo correspondem a um grupo seleto da sociedade.

Sobre esse assunto, Oliveira (1998) aponta que o desenvolvimento do capitalismo no

campo ocorre de maneira contraditória, uma vez que se dá de forma desigual e

combinada, acentuando as disparidades socioespaciais presentes no território brasileiro

– tanto no campo, quanto na cidade. Tais contradições do processo de modernização da

agricultura podem ser percebidas a partir das mudanças ocasionadas na estrutura

fundiária, na produção agrícola, nas relações de produção e de trabalho no Brasil.

Ao mesmo tempo em que apresenta um caráter concentrador da propriedade da terra, a

estrutura fundiária brasileira mantém o crescimento das pequenas propriedades, de

modo que se verifica no Brasil a coexistência de grandes e pequenas propriedades

rurais, tendo em vista que as formas de campesinato não foram eliminadas, mas

recriadas de modo a assegurar a reprodução ampliada do capital, a partir de mecanismos

de sujeição do campesinato ao capital. Nesse sentido, Oliveira (1998) afirma que a

reprodução do capitalismo no campo se dá de forma primitiva.

A produção agrícola brasileira se caracteriza, de um lado, pela agricultura moderna, na

lógica do agronegócio, que está voltada prioritariamente para a produção de

commodities, que no caso do Brasil, são a soja, o trigo, a cana-de-açúcar e ainda as

frutas tropicais produzidas nos perímetros irrigados e, de outro, pela agricultura

camponesa, que se dedica principalmente à produção de gêneros alimentícios, como a

mandioca, o milho, dentre outros. Assim, têm-se dois modelos de agricultura, um

caracterizado pela utilização da técnica e do capital, e outra caracterizado pela ausência

da técnica, pela descapitalização dos empreendimentos camponeses e pelo uso da força

de trabalho familiar, que a única coisa que sobra.

Nas últimas décadas, acentua-se a substituição de lavouras alimentícias pela

monocultura com fins de exportação, que torna o camponês ainda mais vulnerável

porque este não detém o controle de sua produção, sendo expropriado, tanto da renda da

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terra gerada com o trabalho da família, como de sua força de trabalho pelo grande

capital, ao sujeitar-se à lógica dos oligopólios, na medida em que especializa sua

produção. Na realidade, o que ocorre é que quando as áreas são incorporadas ao

agronegócio, necessariamente ocorre a substituição das lavouras destinadas ao mercado

interno, pois estas são deixadas a cargo do campesinato.

Ademais, é importante ressaltar que com a modernização da agricultura ocorre um

processo de precarização do trabalho e das condições de vida no campo, em especial

daqueles que não possuíam acesso à terra através da propriedade, bem como se observa

a coexistência de diferentes relações de trabalho – como o assalariamento permanente, o

assalariamento temporário (sazonalidade) e o campesinato.

Considerando as contradições anteriormente explicitadas, Locatel e Azevedo (2008)

sustentam que a modernização da agricultura brasileira apresenta um caráter

conservador e parcial. Trata-se de uma modernização conservadora, na medida em que

mantém e adensa os históricos problemas agrários; e parcial, uma vez que privilegia

determinados segmentos sociais, lavouras e áreas do território.

O caso da soja no sul do Maranhão A emergência e crescimento da produção de soja no Maranhão decorrem da necessidade

do capital em incorporar novas terras à agricultura, a fim de assegurar sua reprodução.

Desse modo, a partir do final da década de 1980 e início da década de 1990, é

implementado um conjunto de políticas públicas que promove uma nova dinâmica

territorial no Maranhão, por meio da inserção da soja na economia do estado. Vale

salientar que o baixo preço da terra, associado a um conjunto de políticas públicas

constituiu fatores essenciais para a expansão da fronteira agrícola.

Notadamente, o cerrado nordestino assumiu papel importante na dinâmica econômica

brasileira, a partir da reestruturação produtiva do setor agropecuário, bem como

consistem em fator de inserção do Brasil na nova divisão territorial do trabalho. Na

atualidade, estima-se que 80% da soja produzida no Maranhão é destinada aos mercados

externo, destacando-se como principais compradores países da Ásia e da Europa. Não

obstante, verifica-se que a produção de soja no Maranhão cresceu de modo

significativo, especialmente na microrregião Gerais de Balsas, no sul do referido estado

(Tabela 01).

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Tabela 01 - Evolução da produção da soja no período de 2000 a 2010 no estado do Maranhão e na microrregião Gerais de Balsas.

Produção de soja (t) Maranhão Microrregião Gerais de Balsas – MA

2000 454.781 2000 319.688 2001 491.083 2001 347.598 2002 561.718 2002 396.956 2003 660.078 2003 447.393 2004 903.998 2004 583.387 2005 996.909 2005 642.103 2006 931.142 2006 565.194 2007 1.125.094 2007 717.140 2008 1.262.665 2008 751.564 2009 1.211.085 2009 733.055 2010 1.322.363 2010 814.585

Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal, 2012.

O aumento da produção de soja no Maranhão tem desencadeado uma reestruturação

territorial, sobretudo na região de Balsas, de modo a concentrar atividades produtivas –

comerciais e industriais, além de um grande número de trabalhadores. As novas técnicas

produtivas, em consonância com as políticas públicas implantadas – de incentivos

fiscais, crédito subsidiado e criação de infraestrutura – possibilitaram a realização de

grandes projetos e o desenvolvimento do agronegócio maranhense.

Dentre os vários mecanismos de transferência de recursos financeiros do Estado

destinados ao agronegócio da soja, pode-se apontar o fomento à pesquisa, as políticas de

preço mínimo, os projetos de ocupação das áreas de cerrado. Nesse contexto, o

Programa de Cooperação Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento do Cerrado

(PROCEDER) e o Programa de Garantia de Preços Mínimos (PGPM) demonstram a

influência direta do Estado na expansão da soja no sul do Maranhão (Mapa 01).

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Mapa 01 – Produção de soja por mesorregião do estado do Maranhão.

Fonte: IBGE, 2010. Elaborado pelos autores. Tendo em vista que o sul maranhense apresenta os maiores volumes produzidos no

estado, esta passa a concentrar, por conseguinte, a maior parte de investimentos.

Botelho e Silva (2011) apontam que somente no município de Balsas, com a finalidade

de atender às demandas do campo, atuam cerca de 74 empresas de máquinas e

implementos agrícolas; de insumos como agroquímicos e sementes; de serviços de

assistência técnica, dentre outras (Figura 01). Desse modo, pode-se afirmar que o

município de Balsas tem suas funções urbanas e sua organização espacial ditadas pela

atividade agrícola, sobretudo a produção de soja.

Figura 01 – Empresa Valtra, no município de Balsas – MA.

Fonte: Pesquisa de campo, 2011.

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Ademais, o financiamento da produção de soja no Maranhão é feito parcialmente por

agências bancárias, como o Banco do Brasil, Banco do Nordeste, Bradesco e Santander,

bem como a partir de empresas, como Bunge, Cargil, Multigrain e mais recentemente o

Grupo Algar (Figura 02).

Figura 02 – Instalações do Grupo Algar, no município de Balsas – MA.

Fonte: Pesquisa de campo, 2011. O grupo Algar Agro atua no processamento de soja, na microrregião Gerais de Balsas,

com capacidade para armazenar 60 mil toneladas de soja e esmagar 500 mil toneladas

por ano. Trata-se de uma empresa pertencente a holding Algar – que atua em diferentes

setores da economia, dentre eles, o agronegócio.

Tais empresas não só financiam o agronegócio da soja no Maranhão como também

controlam todas as etapas do processo produtivo, evidenciando a estreita relação entre

agricultura e indústria.

Há que se destacar ainda o papel desempenhado pelas empresas de pesquisa

agropecuária que atuam no sul do Maranhão. Dentre elas, a Embrapa, que desenvolveu

as primeiras sementes de soja adaptadas às condições edafo-climáticas dos cerrados

nordestinos. Segundo Introvini (2010, p. 68), a Embrapa Soja “destinou uma equipe

permanente, instalando sua estrutura física no município de Balsas”. Após verificado o

potencial de produção, outras empresas – que atuam na adaptação de tecnologias e

melhoramento genético – estabeleceram-se no sul do Maranhão.

Um exemplo dessas empresas é a Fundação de Apoio à Pesquisa do Corredor de

Exportação Norte – FAPCEN, criada em 1993, no intuito de representar

institucionalmente os empresários e produtores rurais, bem como promover a pesquisa,

de modo a assegurar a competitividade e o aumento da produtividade, a fim de

possibilitar o fortalecimento e a conquista de mercados (INTROVINI, 2010).

Estabelece-se assim uma parceria público-privada entre a Embrapa Soja e a FAPCEN

(Figura 04).

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Figura 04 – Sede da FAPCEN no município de São Raimundo das Mangabeiras – MA.

Fonte: Pesquisa de campo, 2011.

Além das empresas voltadas para o agronegócio, a modernização da agricultura dá

suporte à consolidação do Complexo Agroindustrial (CAI), na medida em que

incentivou os médios e grandes empresários rurais a incorporarem equipamentos,

máquinas e insumos agrícolas à produção, impondo, por conseguinte, uma nova

dinâmica ao setor agrícola (Figura 03).

Figura 03 – Características do setor Agroindustrial em São Raimundo das Mangabeiras – MA.

Fonte: Pesquisa de campo, 2011.

Como é possível observar, na fazenda Agrosserra, situada entre os municípios de São

Raimundo das Mangabeiras e Mirador (MA), há um Centro de controle biológico de

pragas, uma área reservada para o maquinário, além de extensa área plantada de soja.

Nesse sentido, nota-se que a etapa da produção agrícola se torna apenas mais um elo no

processo produtivo, visto que passa a existir, de um lado, um setor a montante da

agricultura (que compreende máquinas, equipamentos, pesquisas, insumos agrícolas,

financiamento), e de outro, um setor a jusante (por meio da logística no território, ou

seja, a partir da infraestrutura de armazenamento, transporte e processamento da

produção).

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Assim, compreende-se que há uma verdadeira fusão de capital industrial, agrícola,

financeiro; evidenciando que os setores que antecedem e que sucedem a agricultura a

tornam muito mais complexa e desencadeiam, por conseguinte, uma profunda

reestruturação do território.

Nessa perspectiva, admite-se que a modernização da agricultura intensifica a

concentração fundiária, em âmbito nacional, mas também no estado do Maranhão,

conforme verificado, por exemplo, no município de São Raimundo das Mangabeiras

(MA) (Mapa 02).

Mapa 02 – São Raimundo das Mangabeiras (MA): localização do Complexo Agroindustrial da soja.

Fonte: IBGE, 2006, Imagens Google Earth, 2012. Elaborado pelos autores.

Considerando que a estrutura fundiária corresponde à forma como a terra está

distribuída (STÉDILE, 2005), ao observar a estrutura fundiária do município de São

Raimundo das Mangabeiras (MA), constata-se que a área total do município ocupada

com estabelecimentos agropecuários é de 119.268 ha e dos 764 estabelecimentos

agropecuários existentes a maior parte apresenta uma área inferior a 100 hectares

(IBGE, 2006). E para efeito desta análise, entende-se que os estabelecimentos rurais

com menos de 100 hectares devem ser consideradas unidades de produção familiar.

Cabe ressaltar o fato de que os diferentes segmentos sociais que compõem a população

rural do município têm acesso à terra de forma desigual. Sendo assim, constata-se que

as 536 unidades de produção familiar que existem no município reúnem 15,8% da área

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total, o que equivale a 18.845 hectares de terra. Ao passo que os médios e grandes

estabelecimentos, que correspondem a 228 propriedades, concentram mais de 84,2%

das terras agricultáveis do município, ou seja, totalizam 100.424 hectares de terra.

Diante do exposto, é possível verificar as disparidades na distribuição das terras e na

organização do espaço rural do município de São Raimundo das Mangabeiras. Os

estabelecimentos agropecuários de médio e grande porte, que correspondem a menor

parcela de proprietários rurais no município, detêm a maior parte das terras, ao passo

que os demais proprietários ocupam uma área insuficiente para viabilizar a produção

agrícola, de modo a proporcionar condições adequadas de vida aos agricultores

camponeses.

Verifica-se, portanto, que 70,1% dos estabelecimentos são pequenos, 28,5% são médios

e 1,3% são grandes e ocupam, respectivamente, 15,8%, 43,3% e 40,8% da área total de

estabelecimentos agropecuários do município. Ou seja, o acesso a terra se dá de forma

desigual em São Raimundo das Mangabeiras e esse grau de concentração fundiária,

evidenciado pelos dados anteriormente explicitados, permite afirmar que a estrutura

fundiária que está em vigência no município é injusta, uma vez que a distribuição e o

tamanho dos imóveis rurais privilegiam alguns segmentos sociais, em detrimento de

outros.

O processo de modernização da agricultura no sul do Maranhão, assim como em todo o

território brasileiro, ocorreu sem que fosse alterada a injusta e desigual estrutura

fundiária, portanto, a má distribuição de terras associada ao modelo de agricultura

adotado no Brasil adensou as desigualdades e problemas sociais no campo e na cidade.

A permanência dos problemas sociais O desenvolvimento do capitalismo no campo trouxe profundas mudanças na base

técnica e produtiva da agricultura, além de ter promovido uma reestruturação no

território, tornando ainda mais complexa a realidade agrária brasileira. Contudo do

ponto de vista social, há que se questionar o que de fato mudou? A quem tem

beneficiado tal reestruturação produtiva e qual o custo social da produção agrícola na

lógica do agronegócio?

Toda a atuação do Estado foi feita com a finalidade de possibilitar o crescimento

econômico e em benefício de uma pequena parcela da sociedade – os agentes

hegemônicos –, reproduzindo e acirrando a pobreza e os problemas sociais no Brasil.

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Desse modo, dentre os esforços feitos para promover a implantação do agronegócio da

soja no sul do Maranhão, fazia-se necessário mudar a estrutura fundiária, de acordo com

os interesses do capital. Para tanto, parte considerável da população rural foi

expropriada das terras em que trabalhavam, ocorrendo assim um processo de

desestruturação do território, marcado pela expressiva expulsão de camponeses e pela

acentuada grilagem de terras.

Contudo, cabe lembrar que tal processo não abrangeu todo o território do sul do

Maranhão, na medida em que na atualidade verificam-se continuidades e permanências.

Ou seja, pode-se perceber que essa reestruturação territorial – expansão do agronegócio,

em detrimento do campesinato – ocasionou a precarização do trabalho e das condições

de vida da população camponesa, bem como a reprodução da pobreza no campo e na

cidade.

No intuito de evidenciar que o agronegócio da soja no sul do Maranhão foi viabilizado

em decorrência do processo de expropriação das terras que pertenciam à população

camponesa, Botelho (2010) explica que a partir da década de 1970, dentre os programas

criados pela Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), destaca-se

o PROTERRA, que destinou 80% do crédito subsidiado para o financiamento de

grandes projetos, sobretudo para grandes empresários pecuaristas, ao passo que

nenhuma terra foi distribuída aos pequenos produtores.

De acordo com Botelho (2010) os grandes projetos agropecuários implantados no sul do

Maranhão criaram a base material responsável pela modernização desse território,

tornando-se fator essencial à posterior expansão da soja, uma vez que havia assegurado

o controle da terra, bem como a criação de infraestrutura.

Além do PROTERRA, Locatel (2004, p. 305) expõe que outro programa – o “Programa

de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento do Cerrado” (PRODECER) –

em muito contribuiu para o uso e ocupação da terra no cerrado. Mesmo não tendo

atingido seu objetivo de “estimular a implantação de agricultura moderna e eficiente

para o desenvolvimento da região do Cerrado, mediante o assentamento de agricultores

sem terra, com visão empresarial, organizados em cooperativas e em unidades de

produção de médio porte, com a utilização de processo produtivo embasado na

sustentabilidade” (MAPA, 2004), modernizando principalmente os grandes produtores,

de modo que como resultados, desencadeou “o avanço da mecanização e do uso de

insumos, que alterou a base técnica do processo produtivo, modificando as relações

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sociais de trabalho. Todavia aumentou a concentração fundiária e acentuou os

problemas sociais” (LOCATEL, 2004, p. 306), desconsiderando e negando a população

que já ocupava o cerrado.

Nessa perspectiva, concorda-se com Hespanhol (2008, p. 12) quando este afirma que o sofisticado discurso do desenvolvimento territorial desenvolvido e pensado para outras realidades passou a ser incorporado às políticas públicas. Contudo, as instituições nos diferentes âmbitos encarregadas da execução das políticas continuam atuando como no passado, ou seja, de maneira setorial, numa lógica produtivista.

Compreende-se então que a implantação do agronegócio da soja no sul do Maranhão

ocorreu a partir da compra de terras a baixos preços, mas também por meio da grilagem,

favorecendo, sobretudo, as grandes empresas que atuam nesse território. Conforme

Rodrigues e Alencar (2011, p33) algumas empresas, como a Bunge, por exemplo,

atuam “comprando a produção e subordinando os produtores a seus preços, sendo que

estes vendem antecipadamente sua produção”, sendo com essa estratégia que a Bunge

possui instalações nos municípios de Balsas, Franco, Riachão, Sambaíba, São

Domingos do Azeitão, Tasso Fragoso e São Luís, dispondo de uma capacidade de

processamento de aproximadamente 293 mil toneladas (Bunge, 2011).

Assim, verifica-se que a pobreza não é maior no campo porque parte significativa da

população migrou para as cidades, acreditando ser essa a solução mediante o

desemprego no campo e a concentração fundiária. Nesse contexto, Botelho (2010)

coloca que o agronegócio da soja além de criar poucos empregos, desemprega ainda

mais, de modo que a ocupação de áreas com produção de soja é inversamente

proporcional à agricultura familiar e à quantidade de empregos gerados – ainda que

tenha aumentado o número de empregos com carteira assinada.

Assim, os camponeses que permanecem no campo, são inseridos no processo de

maneira subjugada, uma vez que se submetem às relações de trabalho desiguais e

precarizadas. Ao passo que aqueles que migram para os municípios limítrofes são

duplamente marginalizados: socialmente, por passarem a constituir o proletariado

urbano, porém sem nenhuma qualificação, e territorialmente, pois ocupam as áreas

periféricas das cidades, portanto lhes sendo novamente negado o acesso a serviços

básicos, ao emprego e renda.

Ou seja, com a modernização da agricultura não mudam apenas as relações de

produção, mas também as relações de trabalho. Com a inserção da produção de soja na

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economia maranhense, o uso de máquinas se intensifica, tornando parte considerável da

população local, que outrora trabalhava na atividade agrícola, desempregada.

Os novos moldes de produção exigem que a mão de obra tenha um nível de qualificação

mais elevado, portanto apenas uma parcela insignificante da população local é absorvida

pelo agronegócio da soja, portanto, sendo que a maior parte da mão de obra contratada

provém de outras regiões, principalmente das regiões Sul e Sudeste do Brasil.

Dado o caráter parcial do agronegócio, a força de trabalho não é completamente

substituída por máquinas no processo produtivo. O desenvolvimento do capitalismo no

campo não elimina as relações de trabalho não capitalistas, mas ao contrário, torna

ainda mais complexo o trabalho na agricultura brasileira, em razão da coexistência de

trabalhadores assalariados permanentes, trabalhadores sazonais, trabalhadores familiares

(não assalariados) e, não raro, trabalhadores escravos ou forma análoga2.

Nesse sentido, a modernização da agricultura ocasionou o acirramento da precarização

dos trabalhadores rurais, visto que a incorporação de máquinas desencadeou a

intensificação da jornada de trabalho, uma vez que aumenta a produtividade do

trabalhador, ao passo que adensa a precariedade das condições de vida do mesmo.

Com a modernização da agricultura, dá-se a emergência de um novo sujeito: o boia-fria.

Esse sujeito social consiste no trabalhador temporário, que recebe um pagamento

proporcional à sua produtividade e geralmente não possui seus direitos trabalhistas

assegurados, se configurando assim em uma das relações de trabalho mais perversas que

o modo de produção vigente cria e recria para permitir a reprodução ampliada do

capital.

Na mesorregião Sul maranhense há um total de 59.440 trabalhadores em

estabelecimentos agropecuários, dos quais 48.838 possuem laço de parentesco com o

produtor e 10.602 não possuem nenhum laço de parentesco com o produtor, mas apenas

o vínculo empregatício.

No que tange especificamente à categoria de trabalhadores que possuem laço de

parentesco com o produtor, verifica-se que 29.393 trabalhadores desse total estão

situados em pequenos estabelecimentos, ou seja, 60,1%. Já nos estabelecimentos

agropecuários de médio porte, encontram-se 25,5% dos trabalhadores, o que equivale a

12.481 do total. E no que se refere aos grandes estabelecimentos, por sua vez, estes

totalizam 14,2% dos trabalhadores, e em números absolutos 6.964.

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Os trabalhadores que estão situados em pequenos estabelecimentos e que possuem

vínculo familiar com o produtor constituem a maior parte desse grupo de trabalhadores,

pois destes 29.393 trabalhadores com esse perfil, um total de 25.849, ou seja, 87,9%

residem no estabelecimento em que trabalham. Além disso, apenas 8% desses

trabalhadores recebem salário e 2,5% possuem qualificação profissional. Portanto,

podem ser caracterizados como trabalhadores de agricultura camponesa, uma vez que se

considera o camponês enquanto um sujeito coletivo, em razão de o trabalho familiar ser

indispensável para sua reprodução social (MOURA, 1986).

Entretanto, os demais trabalhadores com laço de parentesco, que correspondem a 39,7%

do total, estão localizados em estabelecimentos de médio e grande porte, e equivalem

em números absolutos a 19.445 pessoas. Destes, 85,6% residem no estabelecimento,

totalizando 16.654 trabalhadores, contudo apenas 4% recebe salário como forma de

pagamento pelo trabalho realizado e 1,6% possui qualificação profissional. Nesse caso,

esta categoria de trabalhadores pode ser considerada representativa da figura do

morador, que em troca de moradia e alimentação – condições mínimas que garantam

sua reprodução social – realizam tarefas no estabelecimento em que residem.

No entanto, quando se trata do pessoal ocupado em estabelecimentos agropecuários que

não possui laço de parentesco com o produtor, verifica-se um total de 10.602

trabalhadores, dos quais 4.677 se encontram em pequenos estabelecimentos, 3.231

situam-se em estabelecimentos médios e 2.694 estão localizados em grandes

estabelecimentos, correspondendo, respectivamente a 44,1%, 30,4% e 25,4% do total

dessa categoria de trabalhadores.

Em relação a esse grupo de trabalhadores que não possui vínculo familiar com o

produtor, constata-se que apenas 2.777 trabalhadores residem nos estabelecimentos.

Desse modo, os pequenos estabelecimentos concentram apenas 659 trabalhadores, ou

seja, 23,7% do total e apenas 85 trabalhadores possuem qualificação profissional, que

representam 16,4% destes.

Já nos médios estabelecimentos, por sua vez, constata-se que 1.301 trabalhadores

residem nestes estabelecimentos, o que corresponde a 49%, e apenas 85 possuem

qualificação profissional.

Os grandes estabelecimentos concentram 757 trabalhadores que residem nas

dependências do seu local de trabalho ou em números relativos 27,7%, e 348

trabalhadores com qualificação profissional ou 67,1% da força de trabalho empregada.

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Ou seja, nos grandes estabelecimentos opta-se, sobretudo, pela contratação de mão de

obra qualificada, devido à forte mecanização que reduz os gastos com força de trabalho.

Contudo, constata-se que do total de 10.602 trabalhadores em estabelecimentos

agropecuários que não possuem vínculo familiar, 7.307 são trabalhadores temporários,

ou seja, 68% dos trabalhadores.

Dessa forma, mesmo nos setores mais modernos da agricultura, como no caso da

produção de soja, identifica-se a permanência de traços tradicionais, por isso se faz

necessário nas épocas de plantio e de safra a contratação de trabalhadores volantes – os

boias-frias – que são, por sua vez, marginalizados, por não se inserirem nas atividades

produtivas urbanas de forma plena e porque como não encontram alternativa, sujeitam-

se às relações de trabalho de super exploração.

É importante então ressaltar que ainda na primeira metade do século XIX, o vale o rio

Itapicuru, no sul do Maranhão, correspondia a uma zona produtora de algodão, que fazia

uso de intensa mão de obra escrava. Assim, Andrade (2011, p. 229) destaca que “o

tratamento dado aos escravos, considerados peças caras e que deveriam repor, em

poucos anos, o investimento feito pelos fazendeiros ao adquiri-los, era muito duro,

fazendo-os trabalhar de 12 a 14 horas por dia”.

Ou seja, se num primeiro momento o sul do Maranhão e, mais especificamente a

microrregião Gerais de Balsas, destinava-se à cotonicultura com utilização de mão de

obra escrava, na atualidade a produção de soja mantém contraditoriamente o tipo de

relação de trabalho mais precário na atualidade (sazonal), evidenciando o caráter

conservador da modernização do latifúndio. Diante do exposto, concorda-se com

Rodrigues e Alencar (2011, p. 28) quando estes colocam que O amplo quadro de pobreza em que está inserido o Maranhão reflete-se nos índices de exclusão social. Dentre os cem municípios do Brasil com maiores índices de exclusão social, 35 estão nesse estado, o que leva à necessidade de promover políticas que visem ao desenvolvimento. Porém, as ações no Maranhão podem ser analisadas mais como estruturantes do grande capital do que propriamente de desenvolvimento ou redução da exclusão social.

Portanto, o que se constata é que o Estado tem buscado de maneira efetiva a inserção

cada vez maior e mais competitiva das áreas produtoras de soja no sul do Maranhão no

mercado internacional, utilizando-se do discurso desenvolvimentista de que os grandes

projetos agroindustriais da soja podem promover o equacionamento da pobreza.

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Considerações finais As principais características que marcam o campo brasileiro na atualidade e, que são

verificadas no sul do Maranhão, correspondem à pauperização dos trabalhadores rurais

e à manutenção da estrutura fundiária concentrada e desigual, problemas estes que não

foram resolvidos, mas escamoteados a partir do desenvolvimento do capitalismo no

campo.

A produção de soja no sul do Maranhão, que se insere no modelo produtivista da

agricultura moderna brasileira, pautada na lógica do agronegócio, assegura os

privilégios historicamente mantidos para os latifundiários e empresários rurais, em

detrimento dos demais segmentos sociais no campo, que foram em sua maioria

expropriados de suas terras, mas que permanecem inseridos, contudo sujeitos à lógica

do capital, tornando evidente a necessidade de se buscar um modelo de modernização

que leve em consideração a totalidade da sociedade.

Com suas terras expropriadas, os camponeses passaram a constituir o proletariado

urbano, ocupando as periferias de municípios vizinhos, de modo que a pobreza rural não

se atenuou, apenas foi relocalizada. A reprodução da pobreza persiste porque apesar

desses investimentos de capital e geração de empregos no sul maranhense

representarem uma possibilidade de desenvolvimento social, o que na realidade ocorre é

concentração da riqueza gerada pela atividade.

Notas _____________ 1 Adota-se o conceito de território a partir da compreensão de Raffestin (1993, p. 144), quando este afirma que o território consiste em “um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, o que, por conseqüência, revela relações marcadas pelo poder”. Nesse sentido, ao se apropriar de uma porção do espaço, os diferentes grupos sociais o delimitam, a fim de exprimir as relações que mantêm em sua escala de poder. 2 Em entrevista realizada com um trabalhador sazonal, o mesmo afirmou que não se considerava prejudicado com o avanço da produção de soja no município de São Raimundo das Mangabeiras (MA) e também não percebia relação entre a estrutura fundiária e a pobreza no referido município. Contudo, declarou que é contratado principalmente no período de plantio da soja e que complementa a renda familiar com esta atividade. Além disso, sobre as condições de trabalho o mesmo relata: “eu não reclamo de trabalhar, não sou preguiçoso. Mas é um trabalho duro, a gente passa muitas horas sem comer, não pode parar. E tem que se esforçar mais agora que quase todas as fazendas já tem a máquina”.

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