Marxismo e Ditadura

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  • Jan Waclav Makhaiski Anatol GorelikDaniel Gurin Ronald Creagh Joel Gochot

    MARXISMO E DITADURA

    Organizao e Traduo

    Plnio Augusto Colho

  • SUMRIO

    DILOGO COM OS MARXISTAS?

    Ronald Creagh11

    A DITADURA MARXISTA

    Jan Waclav Makhaiski19

    O GOLPE DE ESTADO DE OUTUBRO

    Jan Waclav Makhaiski37

    BAKUNIN

    E A DITADURA DO PROLETARIADO

    Anatol Gorelik47

    A CONDENAO DO "COMUNISMO"

    AUTORITRIO POR BAKUNIN

    Daniel Gurin61

    ANARQUISMO E TROTSKISMO

    [ol Gochot

    77

    DA TEORIA ECONMICA MARXISTA AOS FATOS

    Roland Bosdeveix97

  • o marxismoinscreve-se no mbito de uma sociedade

    da qual ele constitui a oposio. Morrer com ela;

    e todos os que o tiverem seguido

    desaparecero igualmente.

    fora do marxismo que se construiroos princPios que marcaro

    o comeo de uma nova civilizao. estpido no se distanciar claramente dele

    e retomar todas essas polticas das etapas

    democrticas ou outras,

    pois uma diferena fundamental ope-nos a eles:

    os marxistas trabalham por um homem abstrato

    a inscrever na histria, enquanto ns trabalhamos

    por um homem concreto, que luta ao nosso lado.

    * * * essencial desmistificar o marxismoperante os trabalhadores, e, sobretudo,

    restituir ao movimento revolucionrio tradicional,

    e a seus pensadores,

    tudo aquilo de que o marxismo apropriou-se.

    Maurice JoyeuxLHydre de Lerne

  • MARXISMO E DITADURA

  • DILOGOCOM OS MARXISTAS?

    Ronald Creagh

    Que aporte intelectual o marxismo oferecehoje?

    Tenho grande respeito pelo devotamento,pela generosidade, pela sinceridade de meus ca-maradas marxistas, mas fora de sua competn-cia em certas anlises polticas ou sociais, nadavejo de importante em sua concepo do mundo.

    O marxismo cativo de uma poca e deuma histria. No h marxismo antes de Marx;alguns diriam, inclusive, que no houve igual-mente depois dele, e que os marxismos so o con-junto das interpretaes errneas de Marx. Dequalquer modo, as diversas formas do marxismoemanam de uma mesma ideologia da represen-tao.

    Essa representao estrutura-se segundo umeixo bem delimitado. Para Marx, toda sociedaderepousa em um pilar: seu sistema econmico. Asoutras facetas sociais, a cultura, o poltico, o Es-

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    tado, podem ter uma lgica prpria, mas no uma lgica autnoma: elas dependem, em ltimainstncia, da economia, centro do poder,

    A partir desse fundamento ltimo, organi-zam-se constelaes de conceitos que os suces-sores de Marx esforaram-se para evidenciar,adornar, e, inclusive, s vezes, abandonar sub-repticiamente. Todo esse aparelho intelectualfaz do ou dos marxismos um instrumento que,se ele forjado em determinada poca, em de-terminado lugar, utilizvel em toda parte e emtodas as pocas.

    Tal eficcia sedutora. Essa abordagem ote-rece uma viso de conjunto de toda a sociedade;para Marx, em seguida para Lnin, uma teoriaadequada da totalidade do mundo oferece osmeios para dirigir a revoluo mundial. Em umuniverso em perptua transformao, difcil, porconseqncia, de circunscrever, ela d ao mar-xista o sentimento de manter uma estruturafirme que lhe permita uma viso global que dis-tinga o essencial do acessrio. Ela revela o lugaroculto do poder. E, tambm, essencialmenteestratgica. O militante pode ver em que mo-mento da histria ele se situa, buscar as falhasde estrutura que permitiro a termo o esgota-mento do sistema capitalista. Como escreveNicholas Spencer, ele pode "controlar os acon-

  • DILOGO COM OS MARXISTAS? 13

    tecimentos revolucionrios porque concede aprioridade histria e economia". Seu saberest, por sinal, ancorado em duas cincias huma-nas; a economia e a histria; o marxista podepensar-se como cientfico.

    em nome da histria e da economia queele ser necessariamente contra-revolucionrio.Isso porque, depois de ter aguardado - e anun-ciado -, durante quase dois sculos, os signosprecursores do declnio do modo de produocapitalista, ele necessita agora de certezas, e,enquanto estas no chegarem, desdobrar-se-,como em maio de 68 na Frana, para sufocartoda revoluo espontnea sob pretexto de queela ilusria.

    O marxismo intelectualmente gratifi-cante. Ele no quer ver, apalpar, degustar, sentiros seres em seu mistrio, sua infinitude e suaperturbao. uma viso cinemascpica domundo. Construiu conceitos tcnicos, sofistica-dos, e observa o mundo por intermdio desseagenciamento. Essa representao do mundo,to ideolgica quanto outra qualquer, apresentauma iluso de segurana porque exclui qualqueroutra alternativa.

    A histria e a economia asseguram uma base"cientfica" a uma decupagem da cena social emestruturas essenciais e fenmenos acessrios.

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    Essas estruturas essenciais permitem produzirum juzo global sobre o tipo de sociedade, seufuncionamento, seu futuro. A carteira de iden-tidade de uma determinada sociedade define ocenrio que se produzir.

    Os conceitos sofisticados que o marxismoelabora, a luta de classes, a alienao, e assimpor diante, no podem ser aplicados rigidamentenas sociedades contemporneas. So signiican-tes e, portanto, construes de uma determinadasociedade, em determinada poca, em deterrni-nado quadro ideolgico. Todos esses tempos pas-sados podem, apesar de tudo, contribuir para anossa compreenso, mas no podemos permane ~cer colados tela de um cinemascpio. H outrasvariantes em jogo, como as lutas tnicas ou o sis-tema patriarcal, que testemunham uma situaobem mais complexa do que se pensava outrora.

    Pode-se muito bem, por sinal, conceber quealgum seja simultaneamente marxista e anar-quis ta: isso foi demonstrado por um certo n-mero de autores judeus alemes, em particular,e, inclusive, Bakunin dizia-se marxista em ma-tria econmica; alguns historiadores esfora-ram-se para descobrir os aspectos anarquistasdo prprio Marx.

    No h nada disso no anarquismo. Noexiste um corpo de conceitos que cada pensador

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    empreende desenvolver progressivamente. Narealidade, cada filsofo anarquista, de Bakunina Kropotkin, de Malatesta a Stirner e de Lan-dauer a Zerzan, estabeleceu sua prpria carro-grafia. Por exemplo, posies muito diferentese, at mesmo, contraditrias foram adotadas emrelao a uma classe social portadora da revo-luo. Jogando o resto com ou sem comentrio.

    Um nico aspecto faz a unio de todos: umaposio tica e poltica, a rejeio de toda formade dominao. Moral pequeno-burguesa, dizemdesdenhosamente os marxistas; quanto aos fil-sofos universitrios, eles no vem nisso qual-quer gro a moer para seus sistemas de pensa-mento. Pode-se comentar um ou outro dessestericos ou dessas correntes de pensamento, des-cobrir um imaginrio coletivo ou prticas co-muns, mas no se v um corpo de conceitos bemarticulados, formando um todo, que cada gera-o esforar-se-ia para aprofundar. Com efeito,sobre o axioma de origem, podem elaborar-sefilosofias muito diferentes.

    Horror! O anarquismo est ao alcance doprimeiro que chegar. Ele no precisa mergulharno Capital, passagem obrigatria de todo noviomarxista. Pode dispensar a leitura de Bakunin,Proudhon, ou quem quer que seja. Basta que de-seje uma sociedade profundamente igualitria,

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    o que implica a rejeio de toda forma de do-minao e a crtica de toda representao. Tudoisso nada tem a ver com a histria: a posio dizrespeito ao movimento scio-cultural de umadeterminada sociedade. Em resumo, o anar-quismo no uma cincia, conquanto, ao longode seu percurso, o militante seja convidado a ir fonte de um certo saber para determinar, porexemplo, que o fim no justifica os meios, ou queestes ltimos devem, tanto quanto seja possvel,antecipar uma sociedade diferente.

    Mas eis que a situao periclita: o marxismovia-se rigoroso por estar apoiado em duas cin-cias, a economia e a histria. Ora, estas esto emcrise porque o carter cientfico das "cinciashumanas" j no apenas recusado pelas cin-cias duras, o que foi sempre o caso, mas em seuprprio campo, pela crtica do positivismo cien-tificista, e mais geralmente pelos desenvolvi-mentos recentes da epistemologia. O marxismoest hoje acuado na defesa do alicerce cientficode suas posies contra todas as crticas do essen-cialismo, da representao, e na busca desespe-rada de uma alternativa aos ps-estruturalistase aos ps-modernos.

    Mesma reviravolta em matria de cinciaspolticas. Estas obstinam-se em pensar em termosde partido e representao, e, como elas pensam

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    que noite todos os gatos so pardos, confundemalegremente poder e dominao. Infelizmente,h pessoas que pensam que o sistema dernocr-tico , sob as aparncias de um acomodamento,uma forma de excluso.

    O dilogo com os marxistas possvel? Creioque a influncia das idias marxistas nos anar-quis tas sempre teve efeitos deplorveis, e estoupronto para citar mil exemplos. Em contrapar-tida, se a troca de idias parece-me consagradaao fracasso, um autntico encontro possvelse soubermos, de parte a parte, multiplicar os ges-tos de solidariedade e comensalidade. Temos to-dos demasiado talento para beber um copo juntos.

    Dir-me-o que, nessas reflexes, no hqualquer crtica ao anarquismo. Com efeito, oque podemos questionar nele? Tudo.

    por isso que o anarquismo , de todas asfilosofias e prticas, aquela que menos me desa-grada.

  • A DITADURA MARXISTA

    J an Waclav Makhaiski

    Na medida em que se tratou, quando dogolpe de Estado de Outubro, de uma revoluoburguesa "operria-camponesa", de uma dita-dura democrtica, a velha carroa bolcheviquetenta, com muita dificuldade, desatolar-se nopntano democrtico e tomar uma nova via.Todavia, eis que, quanto mais se avana maisela se torna escarpada. A "introduo imediatado socialismo" est na ordem do dia, assim comoele foi proclamado aos quatro ventos no mo-mento da dissoluo da Assemblia Consti-tuinte. A carroa social-democrata tende a vi-rar nessa via perigosa; os passageiros lanamcada vez mais amide olhares nostlgicos nadireo do pntano abandonado. Os prprioscocheiros no podem resistir a isso. Os comu-nistas voltam-se, ento, para trs, gritando bemalto: "Basta de revoltas! Viva a ptria! Trabalhoreforado dos operrios 1Disciplina de ferro nasfbricas e usinas l"

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    Os partidrios da revoluo burguesa, osmencheviques e os discpulos de NovajaJizn' (AVida Nova) 1 os acolhem com jbilo maligno:"Ora, ora! Reconsiderais! Quereis revoltar-voscontra a 'marcha objetiva das coisas', contra o'ensino burgus'! Desejastes a 'realizao ime-diata'! No pudestes, de fato, seno melhor de-monstrar a 'impossibilidade' total desse objetivoinsensato!"

    em vo que os membros do pntano de-mocrtico regozijam-se a esse ponto. A recusados bolcheviques de levar mais longe as "expe~rincias socialistas" s prova perfeitamente bema impossibilidade objetiva para a social-demo-cracia de derrubar o regime burgus, e no aimpossibilidade objetiva em geral para a classeoperria de suprimir o regime de pilhagem queela sofre.

    Os bolcheviques encarregaram-se de umatarefa que ultrapassava suas foras e seus recur-sos. Eles puseram em suas cabeas a idia dederrubar o regime burgus fundamentando-seno ensinamento social-democrata. Mas essemesmo ensinamento tambm reivindicadopelos mencheviques "conciliadores" na Rssia,os social-democratas "imperialistas" na Alema-nha e na ustria, bem como pelos "social-p-triotas" de todos os pases. Esse ensinamento

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    aparece no mundo inteiro como o interruptorda revoluo, como o adormecedor das massasoperrias, cercando-os de slidas redes e des-viando seu esprito; de fato, esse ensinamento a arma mais perigosa da qual dispe a burguesiainstruda para lutar contra a revoluo operria.

    Quando a social; democracia mundial che-gou at a entregar milhes de operrios, mobili-zados em princpio para a emancipao socia-lista, aos bandidos militares, a fim de massacra;rem-se mutuamente, alguns condutores do bol-chevismo decidiram-se a taxar a social-demo-cracia de "cadver putrefato". Entretanto, oensinamento da social; democracia, seu socia-lismo marxista, que havia dado vida a esse "ca-dver putrefato", permaneceu, para os guiasbolcheviques, sagrado e sem mculas, assimcomo antes. Pareceu que a social-democraciano fizera seno "trair" seu prprio ensinamento. verdade que os "traidores" contavam-se aosmilhes, e que seus "fiis discpulos", no mo;mento da revoluo russa, eram apenas alguns,Lnin e Liebknecht frente. Apesar de tudo,estes exclamaram: "Viva o socialismo marxista,o autntico socialismo!"

    Isso apenas a histria clssica dos cism;ticos do socialismo do sculo passado. Inovaesemergem do pntano socialista, no destinados

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    a encontrar uma sada vlida para todos, mascom o nico fim de realizar velhos preceitos,para realizar, por exemplo, uma revoluo jaco-bina. por essa razo que esse pntano no seconsolida seno muito levemente em algunslocais, e isso provisoriamente, para logo reen-contrar sua tranqila estagnao habitual.

    As iluses socialistas enevoam o espritodos operrios, desviando-os de uma revoluooperria direta, no se enfraquecem ao contatodas inovaes comunistas "revolucionrias" es fazem experimentar-se mais e reforar-se in-cessantemente.

    Como sabemos, h quase vinte anos os bol-cheviques constituam, em companhia dos Ple-khanov, Guesde, Vandervelde e outros social-traidores" atuais, um nico movimento social-democrata solidrio e unido. Foi nessa pocaque foi elaborado para a Rssia o ensinamentomarxista: a filosofia, a sociologia, a economiapoltica, em resumo, todo o socialismo marxistaque, conquanto tendo transformado a social-democracia num "cadver putrefato", deve,contudo, reencarnado no bolchevismo, provo-car, como que por milagre, a derrubada da bur-guesia e realizar a liberao total da classe ope-rria. O marxismo russo, elaborado pelos esfor-os comuns e concertados de Plekhanov, Mar-

  • A DITADURA MARXISTA 23

    tov e Lnin, nunca havia projetado um golpe deEstado socialista como principal objetivo. Aocontrrio, ele considerava como impossvel emnossos dias a derrubada do regime burgus, edelegava inteiramente essa tarefa s geraesfuturas.

    O marxismo russo, assim como o marxismoda Europa ocidental, no se ocupava da derru-bada do regime burgus, mas, ao contrrio, deseu desenvolvimento, de sua democratizao,de seu aperfeioamento. Na Rssia atrasada deento, o amor dos marxistas pelo regime bur-gus havia alcanado limites extremos. No in-cio deste sculo, os bolcheviques e os menche ~viques, antes de dividirem-se em duas corren-tes rivais, haviam tomado a seguinte inquebran-tvel deciso, aprovada pelos socialistas domundo inteiro: a tarefa suprema do socialismona Rssia a realizao da revoluo burguesa.Isso significava que toda a tenso da qual eramcapazes os operrios russos, todo o sangue queeles haviam vertido diante do Palcio de In-verno, nas ruas de Moscou, todo o sangue dasvtimas das expedies punitivas de 1905~ 1906,deveriam encontrar como resultado uma Rs-sia burguesa, progressista e renovada.

    A ditadura "operria e camponesa", aindapregada por Lnin em 1906, refletia a unio

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    oportunista do marxismo com os socialistas-revolucionrios, e ainda no violava de modoalgum os preceitos relativos impossibilidadeda revoluo socialista. A ditadura operria ecamponesa s era vangloriada porque a domina-o unicamente da classe operria era reco-nhecida impossvel. Louvava-se a ditadura dademocracia burguesa no esprito dos partidriosatuais da Novaja [im, porque se consideravaintolervel a derrubada do regime burgus.

    sob essa forma que o marxismo perpe-tuou-se, por assim dizer, at a prpria revoluode Outubro. Com sua luz poderosa, ele ilumi-nava a via, tanto dos atores da revoluo bur-guesa de 1905~1906, quanto dos social-patriotasda revoluo de fevereiro de 1917. Constituapara eles um inesgotvel reservatrio de indica-es preciosas. Teria sido ingnuo buscar aliquaisquer indicaes sobre a derrubada do re-gime burgus, sobre a revoluo operria. Ter-se-ia ali encontrado to-somente a enumera-o de todas as dificuldades, de todos os perigose caractersticas prematuras de "experinciassocialistas". Era de l que provinha o medosupersticioso de todo golpe de Estado socialista,considerado como a maior das catstrofes; omedo que exprimiram, to visivelmente, os Ple-khanov, Potressov, Dan e, enfim, os prprios bol-

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    cheviques, apavorados por Lnin quando estelanou a palavra de ordem de revoluo ime-diata.

    A bem da verdade, teria sido necessrioque ocorresse um milagre para que a empresade Lnin fosse realizada por seu partido, e nose tornasse a mais grandiosa demagogia da his-tria das revolues. Teria sido preciso que pes-soas se insurgissem contra o regime burgus,quando eles haviam defendido e pregado o con-trrio. Teria sido preciso que os militantes bol-cheviques, que haviam assimilado o socialismopor intermdio das obras de Plekhanov, Kauts-ki, Bernstein - os quais exigiam a educao de-mocrtica das massas durante longos anos -criassem, no fogo da revoluo, um novo ensi-namento que teria mostrado o carter suprfluodessa longa preparao. Teria sido necessrioque os esforos feitos durante longos anos parautilizar a luta dos operrios em favor dos obje-tivos polticos da burguesia, para impedir todarevoluo operria, transformassem- se repenti-namente em aspirao a provocar essa mesmarevoluo.

    A histria no conhece tais milagres. Atraio pelos bolcheviques, nesse momento, daspalavras de ordem que eles haviam proclamadodurante a revoluo de Outubro, nada tem de

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    surpreendente e -lhes, como marxistas, com-pletamente natural.

    O "socialismo cientfico", que venceu eassimilou todas as outras escolas socialistas,alcanou uma profunda decrepitude, no tendodado, como resultado de todas as suas batalhas,seno o progresso e a democratizao do regimeburgus. O bolchevismo decidiu ressuscitar a"juventude comunista" do marxismo, e s pde,por sua vez, demonstrar que mesmo sob essa for-ma, o marxismo no estava mais em estado decriar o que quer que fosse. Explicar o contrrio,crer nos bolcheviques quando eles tencionamderrubar de fato o sistema de pilhagem defen-dido por seus irmos naturais, os social-trado-res de todos os pases, s revelaria a maior dasingenuidades. Os prprios bolcheviques supri-mem grosseira e cruelmente tal crena ingnuaem seu esprito de revolta. [... ]

    Uma grande tarefa apresentou-se, ento,aos bolcheviques: reconstruir o Estado sobreprincpios inteiramente novos e populares, queseriam a fonte de foras indispensveis para adefesa da democracia contra seus inimigos in-ternos e externos.

    N a busca da arma mais poderosa para a sal-vao da revoluo democrtica, os social-demo-cratas russos tiveram de revolver todo o arsenal

  • A DITADURA MARXISTA 27

    marxista. Essa arma foi enfim encontrada pelosbolcheviques na concepo marxista da dita,dura, datando da revoluo de 1848,1850.

    O poder ditatorial bolchevique desses dezltimos meses conseguiu demonstrar, de maneirairrefutvel, que a ditadura comunista regene-rada, tanto quanto o socialismo velho de umsculo, no sabe, nem deseja, suprimir o sistemade pilhagem. Tendo solenemente proclamado arealizao imediata do socialismo durante anica sesso da Assemblia Constituinte, e ten-do arrancado do Kaiser uma trgua muito espe-cialmente para isso, a ditadura bolchevique,ante a tarefa de "expropriar a burguesia", de,teve-se claramente, instintivamente, depois vol-tou sobre seus passos diante de uma exignciaque contradizia toda a sua prpria essncia.

    O que agora a ditadura bolchevique quecontinua a se manter malgrado seu fracasso co-munista? Nada alm de um meio democrticode salvao da sociedade burguesa contra o de,saparecimento fatal que a aguardava sob as ru,nas do antigo Estado; nada diferente da rege,nerescncia desse Estado sob novas formas po-pulares, que s a revoluo poderia criar. Essaditadura revela a irrupo revolucionria navida do Estado russo das camadas populares asmais baixas da ptria burguesa, dos pequenos

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    proprietrios no campo, e da intelligentsia po-pular e operria na cidade.

    Os inventores da ditadura comunista apre-sentaram-na aos operrios como o primeiro eirreversvel passo rumo emancipao da classeoperria rumo supresso definitiva do sistemamilenar de pilhagem; esse meio o mesmo da-quele que serviu aos democratas burgueses daRevoluo francesa, os jacobinos, para salvar ereforar o regime de explorao e pilhagem.

    O fato de serem socialistas que utilizamesse meio jacobino no impede que os mesmosfrutos burgueses sejam colhidos por eles; pois aprimeira tarefa de todo socialista conternpor-neo impedir a supresso imediata da burgue-sia, bem como a revoluo operria.

    J no incio do terceiro ms da ditadurabolchevique, os representantes mais inteligen-tes da grande burguesia russa (tal como Riabu-chinski, em A Manh russa) declararam que obolchevismo era uma perigosa enfermidade, masque era preciso suport-Ia pacientemente poistrazia em si uma regenerao salvadora e umarenovao de potncia para sua "cara ptria".Esses mesmos burgueses inteligentes preferemLnin, que instiga a "plebe", a Kerenski, que osdefendia dos "escravos insurretos" 1 Por qu?Porque Kerenski, por suas manobras e sua inde-

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    ciso, enfraquecia ainda mais o poder j vaci-lante, enquanto Lnin suprimiu at s razestodo esse poder fraco, comprometido e incapaz;ele em seguida abriu a via a um novo poder emais poderoso, ao qual o operrio russo reco-nheceu direitos autocrticos.

    Os Riabuchinski, que conhecem bem eestimam o marxismo, rapidamente se conven-ceram de que a ditadura da "plebe" no sairiada via desse ensinamento muito honorvel e,em fim de contas, social-patritico, e compre-enderam muito bem que cedo ou tarde o po-deroso poder bolchevique poderia tomar-se de-les, conquanto partilhado com novos senhoresvindos das baixas camadas liberadas da socie ~dade burguesa.

    Os Riabuchinski podiam observar desde hmuito os fenmenos, indiscutveis e muito rego-zijantes para eles, a seguir:

    1. Sob a ditadura bolchevique, o socialismono cessa de ser o canto das sereias que atrai asmassas para a luta pela regenerao da ptriaburguesa.

    2. A ditadura socialista apenas um meiode agitao demaggica para realizar a ditadurademocrtica. , na realidade, um simulacroproposto pelos comunistas por um brevssimomomento, a fim de melhor afirmar a ditadura

  • 30 MARXISMO E DITADURA

    democrtica, ornada e consolidada pelos sonhose iluses dos operrios.

    3. A fora revolucionria qual aspiram asmassas, em suas insurreies operrias, investe-se na ditadura democrtica bem como na novaclasse poltica de Estado.

    Essas concluses decorrem indiscutvel-mente de toda a histria da ditadura "operria-camponesa" bolchevique.

    [...] As massas operrias no tm mais porque se inquietar: segundo as garantias dos bol-cheviques, todos os seus desejos e reivindica-es sero realizados sem tardar pelo Estado so-vitico, executor de sua vontade.

    Em conseqncia, toda luta dos operrioscontra o Estado e suas leis deve desaparecerdesde j, pois o Estado sovitico um Estadooperrio. Uma luta conduzida contra ele seriauma rebelio criminosa contra a vontade daclasse operria. Tal luta s poderia ser travadapor vagabundos, por elementos socialmentenocivos e criminosos do meio operrio.

    Visto que o controle operrio concede, se~gundo os bolcheviques, um poder total aos ope-rrios em sua fbrica, toda greve geral perde seusentido e , por conseqncia, proibida. Todaluta contra o salrio de escravo do trabalhadormanual em geral proibido em toda a parte.

  • A DITADURA MARXISTA 31

    A vontade dos operrios, se ela exprime foraou contra as instituies soviticas, criminosa,pois no reconhece a vontade de toda a classeoperria, encarnada no poder sovitico. Se to-dos os operrios que recebem salrios de fomedeclaram o poder sovitico, poder dos saciados,eles sero considerados como elementos agita-dores; assim, por exemplo, os desempregados, seeles no quiserem mais suportar os tormentosda fome e esperar sem murmrios serem mortosde fome, sero considerados como elementoscriminosos; por essa razo que eles so desdej privados do direito a uma organizao espe~cfica.

    Ante, de um lado, os ricaos que conti-nuam a levar como antes sua vida de parasitassaciados, e, do outro lado, os desempregadoscondenados aos tormentos da fome, o podersovitico afirma seus direitos supremos, aspira aassegurar a submisso incondicional s leis exis-tentes, a prosseguir toda violao da "ordem eda segurana pblicas". Todas as agitaes, re~voltas ou insurreies so declaradas contra-revolucionrias e tornam-se o objeto de umarepresso impiedosa pela fora armada sovitica.

    Os direitos supremos do poder comunistasovitico em breve no se distinguiro de modoalgum dos direitos supremos de todo poder de

  • 32 MARXISMO E DITADURA

    Estado no regime de explorao existente. Adiferena no se deve seno na denominao:nos pases "livres", o poder de Estado autode-nomna-se dominao da "vontade do povo",enquanto na Rssia o poder de Estado expri-miria a "vontade dos operrios". Enquanto oregime burgus no for destrudo, a "vontadecomunista dos operrios" soa to vazia quantoa mentira da "vontade democrtica do povo".Enquanto os exploradores continuarem a exis-tir, sua vontade, aquela de todos os possuidores- e no aquela dos operrios - encarnar-se-cedo ou tarde na forma do aparelho de Estadobolchevique. Os comunistas j iniciam esse pro-cesso, declarando abertamente que uma dita-dura de ferro necessria, no para a "trans-formao ulterior do capitalismo", mas para dis-ciplinar os operrios, para completar sua forma-o, iniciada mas no acabada pelos capitalis-

    d ~ "tas, certamente por causa o cara ter prema-turo" da exploso da revoluo socialista.

    Tendo vencido a contra-revoluo, com aajuda dos operrios, a ditadura bolcheviquevolta-se agora contra as massas operrias.

    Os direitos supremos, inerentes a todo po-der de Estado, devem possuir a fora absolutada lei que se apia na fora armada. A demo-cracia que nasce da ditadura bolchevique no

  • A DITADURA MARXISTA 33

    se revela a reboque dos outros Estados. Assimcomo estes ltimos, ela vai dispor no apenas daliberdade, mas igualmente da vida de todos osseus sditos, ela reprimir tanto os revoltos osisolados quanto as insurreies de massa.

    O exrcito "socialista", criado pelos bol-cheviques, obrigado a defender o poder sovi-tico, independentemente de todas as reviravol-tas e guinadas que bem quiser operar o centrobolchevique "perspicaz". Que a expropriaodos ricaos sej a interrompida, assim como foiatualmente decidido, ou ento que um estrei-tamento de laos com a burguesia ocorra, ouainda que a ditadura bolchevique avance rumoao socialismo, ou ento retroceda rumo ao capi-talismo, ela considera igualmente que seu di-reito impor a mobilizao militar classe operria.

    A obrigao servil que imposta classeoperria por todos os Estados pilhas, a obrigaode defender na guerra seus opressores e suas ri-quezas, no desapareceu sob a Repblica so-vitica.

    Estima-se aqui essa obrigao servil neces-sria para inculcar aos operrios a pretensa con-fiana particular que se lhes concede ao reco-nhecer-lhes - e s a eles - o direito e a honrade verter sangue em favor do Estado, revestidode um nome mentiroso e vazio, a "ptria socia-

  • 34 MARXISMO E DITADURA

    lista". Em recompensa por to grande honra, ossoldados socialistas devero envidar, assim comoo esperam os bolcheviques, importantes esfor-os e uma chama marcial contra os invasoresdas terras russas, iguais pelo menos queles dosexrcitos da Conveno, do Diretrio, de Na-poleo.

    As tropas "socialistas" devem defender opoder sovitico no front interno no apenas con-tra os contra-revolucionrios guardas brancos,os partidrios de Kaledin, de Kornilov, da Radaucraniana, mas, desde os primeiros dias do golpede Estado de Outubro, elas tambm aprendema defender, pelo "sangue e pelo ferro", a pro-priedade, fuzilando sumariamente os ladres eos arrombadores. Os raios de guerra comunistasaplicam-se agora a introduzir a disciplina e a or-dem, reprimindo ferozmente seus camaradasde ontem, os anarquistas e os marinheiros, aosquais no do nem mesmo o tempo de compre-ender que, com o "novo curso", o Estado comu-nista no mais necessita, no seio do ExrcitoVermelho, de elementos impetuosos e crticos,e que se fuzila hoje o que se encorajava ontem.Os "guerreiros socialistas", depois de terempassado por tal escola, submetidos s ordenscambiantes de seus chefes, no recusaro, comtoda certeza, instaurar a "disciplina revolucio-

  • A DITADURA MARXISTA 35

    nria de trabalho" nas fbricas, reprimir as re-voltas dos mortos-de-fome e esmagar impiedo-samente as agitaes suscitadas pelos operriose pelos desempregados.

    Enquanto a massa operria no se sublevarnovamente para suas exigncias precisas declasse; enquanto, dessa maneira, no tiver sidocolocado um fim em todos os "novos cursos" esubterfgios dos ditadores bolcheviques, a bur-guesia democrtica de Estado dcsenvolver-se-sem incmodo, ressuscitando rapidamente to-dos os instrumentos de opresso e coao con-tra os famlicos, os explorados e os pilhados.

    Assim, a ditadura marxista, aps ter des-trudo na Rssia todos os fundamentos do an-tigo Estado impotente, cria um novo poder deEstado popular dos mais enrgicos.

    Todas as experincias revolucionrias dosmarxistas russos demonstraram que o "socialis-mo cientfico", inspirador de todo o movimentosocialista mundial, no sabe e no quer derru-bar o regime burgus. Alm disso, durante aprofunda revoluo social que se tornara inevi-tvel na Rssia, e que, como eplogo da guerramundial, pode igualmente se tornar em todos osoutros pases, o socialismo marxista indica democracia burguesa mundial um caminho ex-perimentado para a salvao do sistema de ex-

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    plorao, e fornece-lhe um meio inestimvelpara prevenir-se contra as revolues ope-rrias.

  • o GOLPE DE ESTADO DE OUTUBRO

    J an Waclav Makhaiski

    Durante todos os perodos de desenvolvi-mento do marxismo, a tese afirmando que oprimeiro passo da emancipao da classe ope ~rria consistia na conquista do poder perma-neceu inabalvel e inalterada. A social-demo-cracia banalizou um pouco essa tese por sua po-ltica, pregando, como nico meio de conquistado poder de Estado, a luta pacfica do parla-mentarismo. Doravante, qualquer bolcheviquereconhecer, verdadeiramente sem dificuldade,que a "dominao do proletariado" no obtidapela luta pacfica legal, que isso s tem por re-sultado tornar a prpria social-democracia pa-cfica e legalsta, e conduz-na atualmente a aju-dar em toda parte os governos a conduziremuma guerra de pilhagem e a empurrar as massasoperrias de diferentes pases a entrematar-se.O bolchevismo restaurou a "pureza" original dafrmula de conquista do poder de Marx, no sem sua propaganda mas igualmente nos fatos.

  • 38 MARXISMO E DITADURA

    o poder no pode ser conquistado por umavia pacfica, mas pela violncia, por meio deinsurreies gerais do povo. Eis o que demons-trou o bolchevismo perante o mundo socialista;ele demonstrou-o, ningum negar, com umaevidncia e uma certeza das mais brilhantes.Todavia, a afirmao dos bolcheviques tenden-do a apresentar sua conquista do poder como aditadura, a dominao da classe operria, no, de fato, seno uma das inmeras fbulas queo socialismo inventa ao longo de sua histria.

    Embora os bolcheviques tivessem renegadoo esprito de conciliao da social-democracia,a dominao da classe operria obtm-se neles,to rpida e simplesmente quanto a dominaoparlamentar nos Scheidemann. Uns e outrosprometem classe operria sua dominao, masa deixando nas mesmas condies de servido,e fazendo-a coexistir com a burguesia que sem-pre possui todas as riquezas.

    s vsperas do ano 1903, o bolchevismo,que, ele prprio, era to conciliador quanto oconjunto da confraria socialista e democrtica,assegurava que a derrubada da autocracia tor-naria a classe operria senhora do pas. Em 191 7,apenas alguns dias aps o golpe de Estado deOutubro, to logo os bolcheviques ocuparam,nos sovietes, os lugares deixados vazios pelos

  • o GOLPE DE ESTADO DE OUTUBRO 39

    mencheviques e pelos socialistas-revolucion-rios -, Lnin, tomando o lugar de Kerenski, eChliapnikov o de Gvozdiev - considerou-seque a classe operria, por esse nico fato, deti-nha todas as riquezas do Estado russo. "A terra,as ferrovias, as fbricas - tudo isso, operrios, doravante de vocs", proclama um dos pri-meiros apelos do Soviete dos comissrios dopovo.

    O marxismo, pretensamente depurado dooportunismo da social-democracia, revela, con-tudo, seu velho pendor, prprio a todos os pero-radores socialistas, a nutrir os operrios comfbulas e no com po. O marxismo revolucio-nrio, comunista, retirado da poeira acumuladadesde longas dcadas, defende sempre a mesmautopia democrtica: o poder absoluto do povo,conquanto este esteja mergulhado na servido,na ignorncia e na escravido econmica.

    Tendo obtido sua ditadura e decidido a rea-lizar um regime socialista, o marxismo bolche-vista no se desfez do velho costume marxistade sufocar a "economia" operria pela "pol-tica", distrair os operrios da luta econmica esubordinar os problemas econmicos s ques-tes polticas. Bem ao contrrio, tendo feliz-mente criado sua "obra-prima", os bolcheviquesno deixaram de desgarrar as massas operrias,

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    prodigalizando elogios sem moderao ao "go-/ A "verno operano~campones .

    Seria apenas porque os bolcheviques apo-deraram-se do poder, que a Rssia burguesa de-veria imediatamente desaparecer e deveria nas-cer a Rssia socialista, a "ptria socialista" russa,e isso a despeito do fato de at ao presente a "di-tadura do proletariado" no ter conseguido - enem mesmo pensa nisso, aparentemente - so-cializar as usinas e as fbricas?

    Os capitalistas perderam suas fbricas, ain-da que nem todas tivessem-lhes sido retiradas;j no possuem seus capitais, conquanto vivamquase na mesma condio de antes. Desde Ou-tubro o operrio que seria o senhor de todasas riquezas, aquele mesmo cujo salrio, tendoem vista a alta contnua do custo de vida, tor-na-se um salrio de fome; aquele mesmo "pro-prietrio das fbricas" que, na mnima greve dostransportes, encontra-se condenado ao pavorde um desemprego como nunca se viu na Rssia.

    Sim, a ditadura bolchevique verdadeira-mente miraculosa! Ela d o poder ao operrio,d- lhe a emancipao e a dominao, ao mes-mo tempo conservando sociedade burguesatodas as suas riquezas.

    Todavia, afirma a cincia comunista-mar-xis ta, a histria no conhece outro meio de

  • o GOLPE DE ESTADO DE OUTUBRO 41

    emancipao; at ao presente todas as classesliberavam-se por meio da conquista do poderde Estado. assim que a burguesia teria obtidosua hegemonia na poca da Revoluo francesa.

    Os eruditos comunistas negligenciaram umpequeno detalhe: todas as classes que se libera-ram na histria eram classes possuidoras, en-quanto a revoluo operria deveria garantir ahegemonia de uma classe de no-possuidores.A burguesia s se apoderou do poder de Estadodepois de ter acumulado, no transcurso dossculos, riquezas cuja amplitude nada deviaquelas de seu opressor, a nobreza; e apenaspor essa razo que a conquista direta do poderaparecia-lhe como a instituio efetiva de suadominao, como o fortalecimento de seu im-prio.

    A classe operria no pode seguir o cami-nho que liberou a burguesia. Para ela, a acumu-lao das riquezas impensvel; nesse terreno,ela no pode superar a fora da burguesia. Aclasse operria no pode tornar-se proprietriadas riquezas antes de realizar sua revoluo. por isso que a conquista do poder de Estado,conduzida por qualquer partido, por mais revo-lucionrio e arquicomunista que ele seja, nadapode dar por si mesma aos operrios, fora dopoder fictcio da dominao ilusria que a dita-

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    dura bolchevique no cessou de simbolizar atagora.

    Os bolcheviques no avanam na resolu-o desse problema essencial, e as massas ope-rrias, que comearam desde h muito a perdersuas iluses em relao a isso, reconhecem do,ravante que a ditadura bolchevique comple-tamente intil para elas, e afastam-se deles,assim como o fizeram com os mencheviques e ossocialistas-revolucionrios. Revela-se que essepoder no aquele da classe operria, que eleno defende seno os interesses da "demo,cracia", das camadas inferiores da sociedadeburguesa: da pequena burguesia citadina erural, da intelligentsia, qualificada de "popu-lar", bem como de desclassificados do meio bur-gus e operrio, convocados pela repblica so-vitica direo do Estado, da produo e detoda a vida do pas. Revela-se que a ditadurabolchevique no ter sido seno um meio revo-lucionrio extremo, indispensvel para esmagara contra, revoluo e para instaurar as conquis-tas democrticas. Revelar-se- igualmente queos bolcheviques suscitaram a insurreio deOutubro a fim de salvar da completa runa oEstado burgus deliquescente pela criao deuma "ptria operria e camponesa", a fim desalvaguardar da devastao no mais as mora,

  • o GOLPE DE ESTADO DE OUTUBRO 43

    das senhoriais, mas cidades e regies inteirasameaadas, de um lado, pelas massas famintasda cidade e do campo, e do outro, pelos milhesde soldados que fugiam do front.

    Tudo o que resta da revoluo bolcheviquepouco difere dos modestos planos elaboradospelos bolcheviques dois a trs meses antes dogolpe de estado de Outubro. Em sua brochura,As Lies da Revoluo, Lnin declara vriasvezes que a tarefa dos bolcheviques consiste emrealizar o que querem, mas no sabem pr emprtica, os ministros socialistas-revolucionrios:salvar a Rssia do desastre - e que s os calu-niadores burgueses podem atribuir aos bolche-viques a aspirao a instaurar na Rssia umaditadura socialista e operria.

    Em duas brochuras, escritas posteriormente,Os bolcheviques conservaro o poder? e A cats~trofe que ameaa, Lnin explica que a tarefa daditadura bolchevique e do controle operrioser substituir o velho mecanismo burocrticopor um novo aparelho popular de Estado; eletambm preconiza modos de emprego dos maisfantsticos, como, por exemplo, obrigar a bur-guesia a submeter-se e a servir o novo Estadopopular, sem contudo retirar-lhe suas riquezas!

    A ditadura bolchevique foi concebida comouma ditadura democrtica que no devia de

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    modo algum solapar os fundamentos da socie-dade burguesa. Aps Outubro, vrias empresasforam declaradas nacionalizadas por um decretocuja execuo, sabemo-lo, no garantida. V-rias dezenas de banqueiros foram privadas desuas riquezas, mas em geral as riquezas da Rs-sia permanecem com a burguesia, e fundam suafora e sua dominao.

    Acantonados atrs das posies conquista-das, os comunistas, recm-chegados, desernpe-nharo o papel dos democratas franceses dapoca da Grande Revoluo, o papel dos cle-bres jacobinos, cuja carreira seduz tanto os diri-gentes bolcheviques, a ponto de eles no seoporem absolutamente a copi-los, seja em suaspessoas, seja em suas instituies.

    Os jacobinos franceses haviam instauradouma "ditadura dos pobres" to ilusria quantoaquela dos bolcheviques russos. A fim de asse-gurar ao povo o esmagamento dos "aristocratas"e outros "contra-revolucionrios", a fim de mos-trar que a capital e o Estado encontravam-se nasmos dos pobres, os jacobinos haviam colocadoos ricos e os aristocratas sob a vigilncia das mas-sas, e haviam eles prprios organizado repres-ses sangrentas contra os inimigos do povo.

    Os "tribunais revolucionrios" dos suns-culottes parisienses condenavam cotidianamente

  • o GOLPE DE ESTADO DE OUTUBRO 45

    morte vrias dezenas de inimigos do pOVO,edesviavam a ateno dos pobres pelo espetculodas cabeas tombando do cadafalso enquantoestes estavam sempre to famintos e subjuga-dos; da mesma forma, hoje, na Rssia, adorrne-cem as massas operrias com as prises de bur-gueses, sabotadores, com o confisco de palcios,com o estrangulamento da imprensa burguesa eos espetculos terroristas semelhantes quelesdos jacobinos.

    A despeito dos horrores do terror jacobino,a burguesia instruda havia muito rpido com-preendido que era precisamente esse rigor ex~tremo que a havia salvado, que ela havia conso-lidado as conquistas da burguesia revolucio-nria, salvado a revoluo burguesa e o Estadoda presso da Europa contra-revolucionria, eao mesmo tempo inspirado um devotamento atoda prova do povo "ptria da liberdade, daigualdade e da fraternidade".

    Ser intil os bolcheviques glorificarem a"ptria socialista" e inventarem formas de go-verno as mais populares possveis; enquanto asriquezas permanecerem nas mos da burguesia,a Rssia no cessar de ser um Estado burgus.

    Tudo o que realizaram at aqui s um tra-balho de jacobinos: o reforo do Estado demo-crtico, a tentativa de impor s massas a grande

  • 46 MARXISMO E DITADURA

    mentira segundo a qual desde Outubro teriasido posto fim dominao dos exploradores, eque todas as riquezas doravante pertenceriamao povo laborioso; alm disso, eles suscitaram naRssia democrtica o patriotismo dos suns-culottes franceses.

    com isso que sonhavam os bolcheviquesantes de Outubro, enquanto ainda estavam ven-cidos, quando declaravam que eram os nicosa poder provocar o entusiasmo necessrio de-fesa da ptria (Lnin, A catstrofe iminente). Elesno cessaram de pensar nisso, uma vez no poder,conquanto no tivessem podido conseguir fazerflamejar o fogo patritico no seio do exrcito"enfermo"; eles ainda pensam nisso agora, pro-clamando uma nova "guerra patritica".

  • BAKUNINE A DITADURA DO PROLETARIADO

    Anatol Gorelik

    Os partidrios da ditadura tratam com re-qncia de apoiar-se em suas afirmaes, nasidias de Bakunin, indicando que, conquantoem teoria Bakunin negasse o Estado e a autori-dade, na realidade no combateu o perodo detransio nem a ditadura do proletariado, por-que ele foi sempre partidrio da ao organizadadas prprias massas operrias e do direito queelas tinham de dirigir a revoluo econmica esociaL E muitos dos que se denominam anarco-sindicalistas e apregoam a idia do inevitvel daditadura do trabalho, a ditadura das organiza-es operrias etc., afirmam que eles so os fiisportadores das idias desse gigante do pensa-mento revolucionrio, os verdadeiros herdeirosde Bakunin.

    impossvel tratar, em um artigo de rela-tiva extenso, de todas as idias e conceitos deBakunin, nem mesmo aclarar por completo sua

  • 48 MARXISMO E DITADURA

    interpretao do papel do Estado na sociedadee na vida, nem seus conceitos sobre as relaesentre a sociedade e o indivduo.

    Bakunin afirmava, e demonstrou uma infi-nidade de vezes, que "a verdadeira escola parao povo e para as pessoas adultas a vida". Diziaainda que a sociabilidade no conseqnciada unio artificial dos homens nem da imposi-o dos governantes, mas um estado natural daespcie humana.

    A fora do sentimento coletivo ou doesprito de sociabilidade ainda agora umassunto muito srio ...

    Um nmero infinito de dados e fatos da vidadiria so, segundo Bakunin, ndices inequvo-cos "da solidariedade natural e inequvoca queune todos os homens".

    Repito que a vida, e no a cincia, quecria a vida; a atividade espontnea do pr-prio povo a nica capaz de criar a liber-dade. Seria, indubitavelmente, um caso muitofeliz se a cincia pudesse desde j iluminar amarcha espontnea da humanidade rumo asua liberao. Mas prefervel a ausncia deluz a uma luz vacilante e incerta, que s fazconfundir aqueles que a seguem.

  • BAKUNIN E A DITADURA DO PROLETARIADO 49

    E, de fato, ningum como ele atacou toacerbamente os pscudo-saccrdotes da cincia,aqueles que queriam subjugar as massas labo-riosas, quando os sacerdotes divinos mostraramser impotentes para deter o fluxo que comeoua iluminar os crebros e os sentimentos dasmassas. As massas buscam meios de sair, porseus prprios esforos, do atoleiro em que ascolocaram e que no as deixam sair o Estado eo Capital. Os que tm mais noo de si mesmosbuscam esses meios constantemente, os menosconscientes, ainda que nos perodos de reaoe calma caiam na apatia, recuperam nimos nosmomentos de despertar geral e introduzem-seimpetuosamente, nos perodos revolucionrios,na torrente da vida e trabalham; e mediantesua experincia da vida logram conhecer o pa-pel da autoridade e da coero na vida social.So cada vez menos numerosos agora os ho-mens que vivem exclusivamente a vida de seucrculo, sua fbrica ou seu bairro. Mas tam-pouco existe esta conscincia universal quepermitiria a cada um elucidar, ele mesmo, todosos problemas da vida. E aqui onde surgem asprofundas divergncias entre os revolucion-rios. Uns, vendo a falta de preparao das mas-sas para passar imediatamente total recons-truo da sociedade e convivncia livre e re-

  • 50 MARXISMO E DITADURA

    cproca, consideram que isso tem de ser assim,que isso natural e normal. Baseando-se nessasconsideraes, pregam que as massas tm desofrer, agentar em nome da fatalidade hist-rica. Outros afirmam que esses so fenmenosantinaturais, anormais, e que so conseqnciada vida que levam atualmente as massas sob aopresso constante do capitalismo e da autori-dade. E insistem que a destruio dessas forasestranhas sociedade, impostas com artifciosaos homens, libertar a personalidade humanae dar incio a uma nova sociedade, livre e pro-gressiva.

    Estas idias so as que Bakunin sustentoudurante toda a sua vida, com toda a fora de suavontade.

    Compreende-se por que, com semelhanteconceito da revoluo, no poderia deixar dehaver um abismo intransponvel entre Bakunine Marx, tanto em seus temperamentos quantoem suas idias. Diz Bakunin em Deus e o Estado:

    J expressei em vrias oportunidadesminha profunda averso teoria de Lassallee de Marx, que recomenda aos trabalha-dores - se no como seu ideal definitivo,pelo menos como o objeto mais imediato -a fundao de um Estado popular, o qual, tal

  • BAKUNIN E A DITADURA DO PROLETARIADO 51

    como eles o explicam, no ser outra coisaseno "o proletariado elevado categoria declasse dominante.

    E, em poucas pginas de uma beleza incom-parvel, Bakunin faz o comentrio desse horr-vel absurdo universal, o significado da ditadurado proletariado e o papel que ela desempenhana vida real. Escreve Bakunin:

    Pergunto se o proletariado for a classedominante, a quem dominar? Isso significaque restar algum outro proletariado, o qualestar submetido a esse novo senhor, o no-vo Estado ...

    Se h Estado, inevitvel a dominao,e, por conseguinte, a escravido; Estado semescravido, aberta ou oculta, impossvel,eis por que somos inimigos do Estado.

    Mas Bakunin no se contenta com isso.Examina a idia da ditadura do proletariado,expe sua essncia estatista e o papel que a di-tadura do proletariado desempenhar na vidareal.

    o que significa o proletariado elevado condio de classe dominante? Estaria todoo proletariado, por acaso, frente do go-vemo? H cerca de 40 milhes de alemes.

  • 52 MARXISMO E DITADURA

    Por acaso todos eles seriam membros dogoverno? Todo o povo ser diretor e nohaver governo, no haver Estado. Mastoda vez que houver Estado, haver dirigi-dos, existiro escravos.

    Este dilema resolve-se na teoria marxistade um modo muito simples. Por governo dopovo eles entendem o governo sobre essemesmo povo de um pequeno nmero derepresentantes eleitos pelo povo ...

    Assim, sob qualquer ngulo que se estejasituado para considerar esta questo, chega-se ao mesmo resultado execrvel: o governoda imensa maioria das massas populares poruma minoria privilegiada. Esta minoria, po-rm, dizem os marxistas, compor-se- deoperrios. Sim, com certeza, de antigos ope-rrios, mas que, to logo se tornem gover-nantes ou representantes do povo, cessarode ser operrios e por-se-o a observar omundo proletrio de cima do Estado, nomais representaro o povo, mas a si mesmose a suas pretenses a govern-lo. Quem du-vida disso no conhece a natureza humana.

    Esses eleitos sero, em compensao,socialistas convictos e, alm do mais, doutos.Os termos "socialista cientfico", "socialismocientfico", que esto sempre presentes nos es-critos dos lassallianos e dos marxistas, pro-vam por si que o pseudo- Estado popular

  • BAKUNIN E A DITADURA DO PROLETARIADO 53

    nada mais ser do que o governo despticodas massas proletrias por uma nova e muitorestrita aristocracia de verdadeiros ou pre-tensos doutos. No tendo o povo a Cincia,ele ser de todo libertado das preocupaesgovernamentais e integrado por inteiro norebanho dos governados. Bela libertao!

    Os marxistas do-se conta desta contra-dio e, ainda que admitindo que a direogovernamental dos dou tos, a mais pesada, amais vexatria e a mais desprezvel quepossa existir, ser, quaisquer que possam seras formas democrticas, uma verdadeira Di-tadura, consolam-se com a idia de que estaDitadura ser temporria e de curta durao.Eles sustentam que sua nica preocupaoe seu nico objetivo ser dar instruo aopovo, elev-lo, tanto econmica quantopoliticamente, a um tal nvel que todo go-verno no tardar a tornar-se intil; e o Es-tado, aps ter perdido seu carter poltico, isto, autoritrio, transformar-se- por si mesmoem organizao de todo livre dos interesseseconmicos e das comunas.

    Eis a uma flagrante contradio. Se seuEstado de fato um Estado popular, por quemotivos dever-se-ia suprimi-lo? E se, poroutro lado, sua supresso necessria para aemancipao real do povo, como se poderiaqualific-lo de Estado popular?

  • 54 MARXISMO E DITADURA

    Deste excerto depreende-se que Bakuninj conhecia o marxismo em sua essncia e de;nota a atitude de Marx em relao ditadurado proletariado e ao perodo de transio.

    J naquele momento era grande a luta en-tre esses dois conceitos da vida social: o con-ceito anarquista e o marxista, e j havia entreambos um profundo abismo. por isso que Marx,Engels, Liebknecht e Bebel- como agora PIe;khanov, Lnin, Trtski, Bukharin e os comunis-tas - no se detinham ante qualquer meiopara enlodar, denegrir e apresentar Bakunin eseus companheiros como confidentes e agentesdo governo. A histria agora se repete. E seMarx e Engels no podiam matar Bakunin eseus companheiros mais do que moralmente, oque j era muito, Lnin e Trtski, Kamenev eZinoviev no se contentam em matar moral;mente Liev Chorny e os anarquistas russos emgeral, matam-nos tambm fisicamente paramaior segurana.

    Vemos que Bakunin j previra os frutos quedariam a ditadura do proletariado e o perodode transio, e sustentara contra essas idias aluta mais feroz.

    Com nossa polmica ns os fizemos com;preender (aos marxistas) que a liberdade ou

  • BAKUNIN E A DITADURA DO PROLETARIADO 55

    a anarquia, ou seja, a livre organizao dasmassas operrias de baixo para cima, o elofinal da evoluo da sociedade, e que todogoverno, sem excluir o proletrio que elespregam, um jugo que, de um lado cria odespotismo, e do outro, a escravido.

    Eles dizem que esse jugo da ditadura doEstado um meio transitrio imprescindvelpara conseguir a liberao integral do povo;a anarquia ou a liberdade o fim, o governoou a ditadura o meio. Da se deduz que,para emancipar as massas trabalhadoras, necessrio antes subjug-Ias.

    Vemos, ento, que os problemas da dita-dura do proletariado e do perodo de transio,uma vez expostos, Bakunin rebate-os com todasimplicidade e clareza, de modo que sua opinioa respeito no possa prestar-se a interpretaesdistorcidas nem dar lugar a dvidas quanto sua atitude como anarquista, em relao a essesproblemas de vital importncia para os momen-tos que atravessamos.

    Os marxistas afirmam que s a ditadura- a deles, claro - pode dar a liberdadeao povo, ao que lhes respondemos: nenhu-ma ditadura pode ter outro objeto senoeternizar-se, e que capaz de fazer germinar

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    e enraizar no povo que a suporta senti-mentos de escravido, e que a liberdade spode ser fruto da liberdade, ou seja, da re-belio das massas e da livre organizao dostrabalhadores de baixo para cima.

    A resposta de Bakunin sobre sua atituderelativa ditadura do proletariado e ao perodode transio to clara que de se espantarque possa haver anarquistas que atribuem aeste anarquista e revolucionrio intransigentealguma simpatia em relao a qualquer formade governo, e especialmente ditadura do pro-letariado. Os renegados do anarquismo ou osanarco-bolcheviques, que tm todo o direito demanter sua opinio a respeito, no podem apoiar-se em Bakunin ou em qualquer outro precursordo anarquismo. Podem apoiar-se unicamente emdistintos economistas burgueses partidrios dateoria de classes e em Marx e Engels.

    Mas Bakunin opunha- se no apenas dita-dura poltica do proletariado: era inimigo detoda ditadura - daquela das organizaes ope-rrias e at da ditadura da Internacional, se aesta fosse incumbido encarregar-se do governoe convertesse-se em Estado.

    Se a Internacional pudesse converter-seem Estado, ns nos converteramos, de adep-

  • BAKUNIN E A DITADURA DO PROLETARIADO 57

    tos convictos e entusiastas que somos, emseus inimigos mais encarniados.

    E ento Bakunin mantinha a luta contra atendncia dos chefes e dos eleitos de predomi-nar sobre as massas na Primeira InternacionaLEscreve Bakunin no artigo "A Protestao daAI "lana:

    Dizem-nos que nem todos os operrios,conquanto sejam membros da Internacio-na I, podem ser doutos; e no basta que hajana Internacional um grupo de homens quedominam perfeio, na medida que issoseja possvel em nossos dias, a cincia, a fi-losofia e a poltica do socialismo, para que amaioria - as massas que integram a Interna-cional-, confiando-se sua direo e a seuspreceitos fraternos", saia do caminho que hde conduzi-Ia liberao total do proleta-riado?

    Estas so as reflexes que amide ouvi-mos pronunciar em voz baixa ... Sempre lu-tamos decididamente contra este racioc-nio, porque estamos convencidos de que sea Associao Internacional dos Trabalha-dores estiver dividida em dois grupos: um,composto pela imensa maioria dos mern-bros, cujo saber consistir em ter uma f cega

  • 58 MARXISMO E DITADURA

    na sabedoria terica e prtica de seus chefes,e o outro, composto por umas poucas deze-nas de dirigentes, esta instituio, que tem amisso de emancipar a humanidade, con-verter-se- numa espcie de governo oligr-quico, o pior dos governos. Esta minoria,perspicaz, cientfica e hbil, que ser reves-tida de toda a respeitabilidade e de todos osdireitos do governo, ainda mais absolutoporque seu despotismo oculta-se cuidadosa-mente sob a mscara do respeito pela von-tade e pelas decises, embora sempre por elesditadas, mas aparentemente pelas massas dopovo, esta minoria, repito, obedecendo necessidade e s condies de sua situa-o privilegiada, e sofrendo o destino detodos os governos, far-se- paulatina-mente cada vez mais desptica, prejudi-cial e reacionria.

    E Bakunin conclui seu artigo "A Protesta-o da Aliana";

    A Associao Internacional dos Traba-lhadores s poder converter-se em instru-mento de emancipao da humanidade quan-do ela prpria tiver antes se emancipado; eela s o ser quando, cessando de estar divi-dida em dois grupos - a maioria dos instru-

  • BAKUNIN E A DITADURA DO PROLETARIADO 59

    mentos cegos e a minoria dos maquinistasdou tos -, tiver feito penetrar na conscin-cia refletida de cada um de seus membros acincia, a filosofia e a poltica do socialismo.

    Eis a que chegava Bakunin em sua negaodo autoritarismo e da coero. No ficava con-tente em atacar o Estado e a ditadura social.Era o lutador mais intransigente contra a servi-do dentro das prprias organizaes operriasnas quais defendia a autonomia completa decada indivduo e seu direito auto-atividade.

    Bakunin era um adversrio encarniado detoda autoridade, mesmo nas organizaes ope-rrias. Na organizao no deve haver mqui-nas nem maquinistas. Todos so iguais e todostm o direito de julgar a conduta dos eleitos edos chefes. Bakunin, o anarquista, opunha-se atoda subjugao do homem pelo homem. E suasrazes permanecero inclumes e sem refuta-o at hoje.

    Os partidrios de todo tipo de ditadura,no apenas estatista, mas tambm dentro dasorganizaes operrias, deveriam meditar sobreo excerto de Bakunin que aparece no final, sendopossvel, talvez, que compreendessem que oanarquismo e a imposio so incompatveis sobtodas as formas.

  • 60 MARXISMO E DITADURA

    S a liberdade, a tolerncia mtua e a re~nncia dos dirigentes a toda imposio podetirar o movimento operrio do atoleiro em queo meteram diversos partidrios da ditadura, dadireo e dos "preceitos fraternais". Esses mes-mos companheiros deveriam compreender queesto distantes do anarquismo, e que so muitomais herdeiros de Marx que de Bakunin.

    Bakunin era anarquista e adversrio abso-luto de toda coero e ditadura; e no deixa deser estranho que as diversas classes de adeptosda ditadura do bolchevismo e do anarquismo"obreiro" etc. atrevam-se, em suas atitudesantianarquistas, a apoiar-se no incansvel e in-transigente lutador pela liberdade de cada indi-vduo em todas as organizaes sociais e na vida,no anunciador da Revoluo Social- Bakunin.

    Assim como Bakunin e Marx no puderamconviver, assim tambm no puderam nem po~dero conviver a liberdade e a coero, a anar-quia e a ditadura. Ou Marx ou Bakunin. Ou aAnarquia e a Liberdade ou a ditadura e a coer-o.

    La Antorcha, n'' 155, 31 de outubro de 1924.

  • A CONDENAO DO "COMUNISMO"AUTORITRIO POR BAKUNIN

    Oaniel Gurin

    Nossa dvida para com Mikhail Bakunin mltipla. Mas uma delas mais importante doque as demais. Os comunistas libertrios dofinal do sculo XX devem-lhe sobretudo - paraalm de suas polmicas com Marx, superando-asamplamente - por ele ter sabido prever commuita antecedncia o que viria a ser um dia obolchevismo. Decerto, para isso, ele mostrou-seexcessivo, s vezes injusto, em relao a seucontemporneo, o fundador do socialismo ditocientfico, em que pese os traos autoritrios emanchados de estatismo observveis em Marx,manifestando-se em estado embrionrio. O golpedesferido no Congresso de Haia, em 1872, ex-cluindo Bakunin da Internacional, agravou essasveleidades. Bakunin, em sua polmica, atacamenos o seu rival do que o Estado popular(Volksstaat) dos lassallianos e social-democra-

  • 62 MARXISMO E DITADURA

    tas que Marx e Engels levaram muito tempopara reprovar.

    Todavia, tendo revelado o embrio, Bakuninteve a genial clarividncia de sua excrescnciafutura. De tal forma que sua crtica severa e umpouco tendenciosa ser justificada a posterioriquando for aplicada aos epgonos abusivos deMarx. A prescincia de Bakunin quanto aosdesvios perversos, antes de se tornarem mons-truosos, daquilo que assumir impropriamenteo nome de "marxismo", merece, de nossa parte,rasgados elogios.

    Antes mesmo de querelar contra o inspira;dor da Primeira Internacional, o profeta russohavia advertido contra o "comunismo" autori-trio. Desde 19 de julho de 1866, em uma cartaa Alexandre Herzen e a Nicolai Ogarev, tutean-do seus dois correspondentes como se tratassede uma nica pessoa, Bakunin escrevia:

    Tu que s um socialista sincero e devo-tado, seguramente, estarias pronto a sacrifi-car teu bem-estar, toda a tua fortuna, tuaprpria vida, para contribuir destruiodesse Estado cuja existncia no compa-tvel nem com a liberdade, nem com o bem-estar do povo. Ou, ento, fazes socialismo deEstado e s capaz de reconciliar-te com essa

  • A CONDENAO DO "COMUNISMO" AUTORITRIO 63

    mentira, a mais vil e a mais temvel que onosso sculo engendrou: o democratismooficial e a burocracia vermelha. 1

    No que concerne ao "comunismo" autorit-rio, Bakunin retomava as imprecaes de seumestre Proudhon. No segundo congresso da Ligada Paz e da Liberdade, em Berna, no final de se-tembro de 1868, antes de romper com essa ema-nao do liberalismo burgus, ele clamava:

    Detesto o comunismo [autoritrio], por-que ele a negao da liberdade, e no possoconceber nada de humano sem liberdade.No sou em absoluto comunista porque ocomunismo concentra e absorve todas asforas da sociedade no Estado, porque eledesemboca necessariamente na centraliza-o da propriedade nas mos do Estado. [...]Desejo a organizao da sociedade e da pro-priedade coletiva ou social de baixo paracima, pela via da livre associao, e no decima para baixo por meio de qualquer auto-ridade que seja. Eis em que sentido sou cole-tivista e de maneira alguma comunista.'

    Assim, Bakunin tomou-se membro local,em Genebra, da Associao Internacional dosTrabalhadores a partir de julho de 1868, e es-

  • 64 MARXISMO E DITADURA

    creveu a Gustave Vogt, presidente da Liga daPaz e da Liberdade, em setembro:

    No podemos nem devemos desconhe-cer o imenso e til alcance do congresso deBruxelas [da Primeira Internacional]. umgrande, o maior acontecimento de nossosdias, e, se somos sinceros democratas, deve-mos no apenas desejar que a Liga Interna-cional dos Operrios acabe por abarcar to-das as associaes operrias da Europa e daAmrica, mas devemos nela cooperar comtodos os nossos esforos, porque ela podeconstituir hoje a autntica fora revolucio-nria que deve mudar a face do mundo.'

    Nesse embalo, Bakunin escreve a Marx, em22 de dezembro de 1868:

    No conheo mais outra sociedade, ou-tro meio seno o mundo de trabalhadores.Minha ptria agora a Internacional daqual tu s um dos principais fundadores.Como vs, caro amigo, sou teu discpulo eestou orgulhoso de s-Ia.

    Marx comunica imediatamente a um deso-nesto para silenciar sobre essa carta. Abro, en-to, um parntese para tech-lo logo a seguir.

  • A CONDENAO DO "COMUNISMO" AUTORITRIO 65

    Ao retornar Europa ocidental, aps seuslongos anos de priso e exlio, na Rssia e na Si-bria, Bakunin fizera suas as idias anarquistas,emprestadas de Proudhon, conquanto desen-volvidas em um sentido mais revolucionrio.Mas essa nova convico sobrepusera-se nele aum gosto inveterado pela clandestinidade dasconspiraes. Extraiu-o, de um certo modo, daherana babouvista, do carbonarismo, do blan-quismo, e mais ainda das atividades revolucio-nrias secretas apropriadas luta contra o des-potismo czarista. Internacionalista na alma, elehavia orquestrado uma aps outra vrias "Fra-ternidades" internacionais nas quais recrutavaos seguidores em vrios pases latinos.

    A ltima dessas iniciativas ter sido, em 1868,na ps-ruptura com a Liga da Paz e da Liber-dade, a Aliana Internacional da DemocraciaSocialista, organizao, segundo dizia, "meiosecreta, meio pblica", e que servia de fato decobertura a uma sociedade mais restrita e se~ereta: a Organizao revolucionria dos irmosinternacionais. Alm disso, Bakunin, sincera-mente atrado pelo movimento operrio, solici-tou a adeso de sua Aliana Internacional(A.I.T.). A desconfiana de Marx e de seu n-cleo do Conselho Geral de Londres no era com-pletamente descabida. Com efeito, a candida-

  • 66 MARXISMO E DITADURA

    tura da Aliana, nova verso das sociedadessecretas fomentadas por Bakunin, podia apare-cer como "destinada a tornar-se uma Interna-cional na Internacional"."

    Como Bakunin conseguia conciliar suasopes ferozmente antiautoritrias com essatentativa mal-disfarada de "limpeza"? Eis ajustificativa exposta nos estatutos secretos daAliana, cujo exemplar caiu nas mos do Con-selho Geral da A.I.T. controlado por Marx:

    Essa organizao exclui toda idia deditadura e poder dirigente tutelar. Mas parao prprio estabelecimento dessa aliana re-volucionria e para o triunfo da revoluocontra a reao, necessrio que no meio daanarquia popular que constituir a prpriavida e toda a energia da revoluo, a uni-dade do pensamento e da ao revolucion-ria encontre um rgo (...), uma espcie deestado-maior revolucionrio composto deindivduos devotados, enrgicos, inteligen-tes e sobretudo amigos sinceros - e noambiciosos nem vaidosos - do povo, capa-zes de servir de intermedirios entre a idiarevolucionria e os instintos populares. [...]Para a organizao internacional em toda aEuropa, bastam cem revolucionrios forte eseriamente aliados.?

  • A CONDENAO DO "COMUNISMO" AUTORITRIO 67

    A dissonncia entre democracia direta eelitismo revolucionrio j era surpreendenteentre os babouvistas.? Ns a encontraremosatualmente em certas controvrsias comunis-tas libertrias.

    Fechado esse parntese, retomemos ao pe-dido de adeso da Aliana A.I.T. O ConselhoGeral de Londres comea reagindo muito desta-voravelmente. Em sua sesso de 22 de dezembrode 1868, ele considera "que a presena de umsegundo corpo internacional funcionando den-tro e fora da Associao Internacional dos Tra-balhadores seria o meio mais infalvel da desor-ganizao e, em conseqncia, declara que aAliana Internacional da Democracia Socialistano admitida como ramo da Associao Inter-nacional dos Trabalhadores. A sentena redi-gida pelo prprio Marx. Todavia, alguns mesesdepois, o Conselho Geral, reavaliando a sua po-sio, no v mais obstculo "converso dassees da Aliana em sees da Internacional".A Aliana aceita essas condies e admitida."

    Bakunin assiste ao Congresso de Basilia daInternacional, em setembro de 1869, e formaum bloco com os partidrios de Marx contra osepgonos degenerados de Proudhon que susten-tam a propriedade individual contra a proprie-dade coletiva.

  • 68 MARXISMO E DITADURA

    Somente dois anos depois as relaes ficarotensas; na Conferncia de Londres, que comeaem 17 de setembro de 1871, Marx desvela umautoritarismo incompatvel com as opes liber-trias de Bakunin. Em resumo, Marx tenta au-mentar os poderes do Conselho Geral de Lon-dres, Bakunin gostaria de reduzi-los. Um quercentralizar, o outro descentralizar. A ltimaconseqncia disso ser o Congresso de Haia,no incio de setembro de 1872, no qual Marx,por procedimentos desleais e com a ajuda demandatos fictcios, consegue excluir Bakunin eseu amigo [ames Guillaume, depois, relegar oConselho Geral da Internacional aos EstadosUnidos.

    ento que Bakunin, revoltado contra essegolpe, pe~se em clera contra Marx e o "co-munismo" autoritrio. Essa clera vale-nos asimprecaes que hoje nos parecem profticas,visto que para alm das intrigas marxianas elape em causa e denuncia todo um processo que,bem aps a morte de Bakunin e de Marx, re ~veste-se de singular atualidade.

    De incio, Bakunin pressente o que ser umdia, sob a expresso enganadora de "ditadura doproletariado", a ditadura do partido bolchevi-que. Em uma carta ao jornal La Libert de Bru~xelas, escrita em Zurique, em 5 de outubro de

  • A C01\DENAO DO "COMUNISMO" AUTORITRIO 69

    1872, ele troveja contra o confisco do movi-mento revolucionrio por uma dique de chefes:

    Sustentar que um grupo de indivduos,inclusive os mais inteligentes e os mais bemintencionados, ser capaz de tornar-se opensamento, a alma, a vontade dirigente eunificadora do movimento revolucionrio eda organizao econmica do proletariadode todos os pases de tamanha heresia con-tra o senso comum e contra a experinciahistrica que ns nos perguntamos, comperplexidade: como um homem to inteli-gente como o Sr. Marx pde conceb-lar"

    E Bakunin continua a vaticinar:

    No admitimos, nem mesmo como tran-sio revolucionria, as Convenes Nacio-nais, as Assemblias Constituintes, os go-vernos provisrios ou as ditaduras preten-samente revolucionrias; porque estamosconvictos de que a revoluo [...] quando seencontra concentrada nas mos de algunsindivduos governantes, torna-se inevitvele imediatamente reao.

    A fatal experincia de uma poderosa Inter-nacional aniquilada pela vontade arbitrria de

  • 70 MARXISMO E DITADURA

    um nico homem conduz Bakunin a desconfiarde um internacionalismo autoritrio como ser,bem mais tarde, aquele da Ill Internacional soba conduo bolchevique.

    [...] o que dizer de um amigo do proletaria-do, de um revolucionrio que declara dese-jar seriamente a emancipao das massas eque, ao se colocar como diretor e rbitro su-premo de todos os movimentos revolucio-nrios que podem eclodir em diferentes pa-ses, ouse sonhar com a subjugao do prole-tariado de todos esses pases a um pensa-mento nico, gerado em seu prprio crebro?

    Bakunin no recua. A cegueira de Marx pa-rece-lhe inconcebvel:

    [...] pergunto-me como ele faz para no en-xergar que o estabelecimento de uma dita-dura universal, coletiva ou individual, dita-dura que faria, de certa forma, o trabalho deum engenheiro-chefe da revoluo mun-dial, regulando e dirigindo o movimento in-surrecional das massas, em todos os pases,como se dirige uma mquina, - que o esta-belecimento de semelhante ditadura basta-ria por si s para matar a revoluo, paralisare falsear todos os movimentos populares?

  • A CONDENAO DO "COMUNISMO" AUTORITRIO 71

    E o tipo de ditadura exercida por Marx desdeo Conselho Geral de Londres conduz Bakunina temer que tal exemplo amplie-se e assuma pro-pores aberrantes:

    E o que pensar de um congresso interna-cional que, no pretenso interesse dessa re-voluo, impe ao proletariado de todo omundo civilizado um governo investido depoderes ditatoriais, com o direito inquisito-rial e pontfical de suspender federaes re-gionais, proibir naes inteiras em nome deum princpio pretensamente oficial, queoutro no seno o prprio pensamento doSr. Marx, transformado pelo voto de umamaioria fictcia em verdade absoluta?

    No ano seguinte, em 1873, ainda escaldadopela desventura de Haia, Bakunin redige um li-vro sob o ttulo Estatismo e Anarquia, no qualaprofunda suas reflexes e precisa suas vitupe-raes." O fio condutor de seu raciocnio ,sem dvida alguma, fIde gnrale de la Rvolutionau XIX" siecle de seu mestre Proudhon. Com ele,e depois dele, Bakunin pergunta:

    Se o proletariado se torna a classe domi-nante, quem, perguntar-se-, dominar? [...]

    Quem diz Estado, diz necessariamentedominao e, em conseqncia, escravido;

  • n MARXISMO E DITADURA

    um Estado sem escravido, declarada ou dis-farada, inconcebvel; eis por que somosinimigos do Estado. [... ]

    Assim, sob qualquer ngulo que se estejasituado para considerar esta questo, chega-se ao mesmo resultado execrvel: o governoda imensa maioria das massas populares poruma minoria privilegiada. Esta minoria, po-rm, dizem os marxistas, compor-se- deoperrios. Sim, com certeza, de antigos ope-rrios, mas que, to logo se tornem gover-nantes ou representantes do povo, cessarode ser operrios e colocar-se-o a observar omundo proletrio de cima do Estado, nomais representaro o povo, mas a si mesmose a suas pretenses a govern-lo.

    E Bakunin vai guerra contra a pretensodo socialismo autoritrio de ser "cientfico":

    No ser nada alm de um governo des-ptico das massas proletrias por uma novae muito restrita aristocracia de verdadeirosou pretensos doutos. No tendo o povo acincia, ele ser de todo libertado das preo-cupaes governamentais e integrado porinteiro no rebanho dos governados. J J

    Alhures, Bakunin compraz-se em descreverpor expresses particularmente rebarbativas esse

  • A CONDENAO DO "COMUNISMO" AUTORITRIO 73

    Estado futuro de pretenso cientfica, e que seassemelha a um irmo daquele da U.R.S.S.:

    Haver um governo excessivamentecomplicado, que no se contentar em go-vernar e administrar as massas politica-mente, como o fazem hoje todos os gover-nos, mas que ainda as administrar econo-micamente, concentrando em suas mos aproduo e ajusta repartio das riquezas, acultura da terra, o estabelecimento e o de-senvolvimento das fbricas, a organizao ea direo do comrcio, enfim, a aplicaodo capital produo pelo nico banqueiro,o Estado. Tudo isso exigir uma cincia imensae muitas cabeas transbordantes de crebronesse governo. Ser o reino da intelignciacientfica, o mais aristocrtico, o mais desp-tico, o mais arrogante e o mais desprezvelde todos os regimes. 12

    Mas o despotismo em questo ser durvel?Para Bakunin:

    Os marxistas [...] consolam-se com a idiade que esta ditadura ser temporria e decurta durao. [...] Segundo eles, esse jugoestatista, essa ditadura uma fase de transi-o necessria para chegar emancipao

  • 74 MARXISMO E DITADURA

    total do povo: sendo, a anarquia ou a liber-dade, o objetivo, e, o meio, o Estado ou aditadura. Assim, portanto, para libertar asmassas populares, dever-se-ia comear porsubjug-Ias. [...] A isso respondemos que ne-nhuma ditadura pode ter outro objetivo se-no o de durar o mximo de tempo pos-svel."

    Crer-se-ia, por antecipao, numa refuta-o libertria de O Estado e a Revoluo do "ca-marada" Lnin! 14

    Bakunin chegou inclusive a pressentir o rei-nado dos apparatchiks. Em um texto de maro de1872, antes mesmo do golpe do Congresso deHaia, ele anuncia o nascimento

    de uma burguesia pouco numerosa e privi-legiada, aquela dos diretores, representantese funcionrios do Estado pretensamente po-pular,"

    Enfim, num escrito de novembro-dezembrode 1872, que utilizaremos como concluso, Ba-kunin acusar Marx de ter "quase assassinadoa Internacional por sua criminosa tentativa deHaia", e deitar como condio para ser admi-tido na Internacional dita antiautoritria, quesurgir do golpe de Haia, a seguinte condio:

  • A CONDENAO DO "COMUNISMO" AUTORITRIO 75

    Compreender que, visto que o prolet-rio, o trabalhador manual, o homem dotrabalho o representante histrico da lti-ma escravido sobre a terra, sua emancipa-o a emancipao de todo o mundo, seutriunfo o triunfo final da humanidade; eque, em conseqncia, a organizao dafora do proletariado de todos os pases [...]no pode ter como objetivo a constituiode um novo privilgio, de um novo mono-plio, de uma nova classe ou de uma novadominao. [...] 16

    Bakunin era um comunista libertrio avantIa leure

  • 76 MARXISMO E DITADURA

    Notas:

    1 Correspondancc de Mikhail Bakounine, lettres Herzen et Ogarev, ed. Perrin, 1896; in Archives Bakounine.

    2 Sob a direo de Jacques Freymond, La premire Internatio-nale, op. cit., 1, p. 451.

    3Ibidem 1, p. 450.

    4 Ibidem, I, p. 451. E. Kaminski, Bakounine, Ia vie d'un rvo-lutionnaire, op. eu.

    5 "Les prtendues scissions dans l'Internationale", in Bakou-nine, Oeuvres compltes, Champ Librc, v.VI, p. 271.

    6 'TAlliance de Ia dmocratie socialiste et l'AssociationInternationale des Travailleurs", in Frcymond, op. cit, 11, pp.474-475.

    7 Cf. Bourgeois et bras nus, 1792-1795, Gallimard, 1973, pp. 312-313; Les Nuits rouges, 1998.

    B Proccs-verbaux du Conseil Gnral de Ia 1e Intcrnationalc,1868-1870, in Freymond, op. cit, 11, pp. 262-264 e 272-273.

    9 Lettre au journal La Libert, 5 octobre 1872, in Bakouninc, v.IlI,p.147.

    10 Bakounine, tatisme et Anarchie, 1873, in Oeuvres completes,v. IV.

    11 Lettre au journal La Libert, op. cit.

    12 Bakouninc, Ecrits contre Marx, in Oeuvres completes, v. lU, p.204.

    13 tatisme etAnarchie, op. cit, pp. 346-347.

    14 Lnine, I'Etat et Ia Rvolution, op. eu.15 "LAllemagne et le communisme d'tat", in Bakounine,Oeuvres Completes, v. IlI, p. 118.

    16 crit contre Marx, op. cit., pp. 182-183.

  • ANARQUISMO E TROTSKISMO

    Joel Gochot

    Ao ler Ma Vie, Trtski, 1930, compreendemosfacilmente suas aspiraes autoritrias,

    sua tcnica para escalar os patamares do poder,sua concepo da "revoluo" e sua excluso,aps a morte de Lnin, por algum mais feroz

    e mais astuto que ele: Stlin.

    Atualmente o movimento libertrio en-contra-se confrontado (e um pouco despojado)no mais com os puristas do marxismo, nemcom os quadros dos partidos comunistas. Porseu recrutamento atual, como potencial- es~tudantes, sobretudo em nvel secundrio e jo-vens operrios -, sua principal lacuna expri-me-se em relao s utopias esquerdistas. Isso,em dois planos:

    - a ausncia de uma crtica terica dosgrandes textos pontificais dos futuros ditadoresdo povo;

  • 78 MARXISMO E DITADURA

    - a ausncia de uma crtica exata de suasprticas militantes em relao a suas proposi-es tericas.

    Isso porque os netos de Marx, em virtudedo Esprito Santo da dialtica histrica, revi-sam, melhoram, criticam, a seu modo, as an-lises desmistificadoras atacando seu ancestral.Todavia, uma vez apresentado o balano nega-dor de seu pseudo-socialismo cientfico, cabe-nos desenvolver, fazendo-os conhecer, nossasidias e nossas prticas libertrias. Creio ser ne-cessrio apoiar-se nesse ltimo ponto; precisoquerer suscitar no nvel dos grupos ou das indi-vidualidades dos movimentos exprimindo aspossibilidades espontneas de dinmica de umacorrente revolucionria embasada na auto-organizao, na auto-emancipao, nas livres fe-deraes dos livres conselhos dos trabalhadorese provido de um esprito antiautoritrio, em suamais elevada expresso, antiestatista.

    O movimento anarquista ainda ignora commuita freqncia, infelizmente, a existncia deuma forte corrente libertria, ou simpatizante,na juventude trabalhadora e estudantil, quandoat mesmo os socialistas, os esquerdistas, nodissimulam mais a rejeio das historietas mar-xizantes e a perspectiva de uma forte expansolibertria. No que concerne aos meus nume-

  • ANARQUISMO E TROTSKISMO 79

    rosos contatos em nvel estudantil, s possoconstatar a generalizao desse fenmeno: an-timilitarismo, antiautoritarismo srio, recusadas imposies ideolgicas-de-ferro, descon-fiana em relao a grupsculos, partidos, orga-nizaes polticas.

    * -'.-t- *Das ideologias castristas, guevaristas, trots-

    kistas, maostas etc., ao trotskismo que seconfrontar especialmente este artigo. Por qu?Porque a progresso do "pensamento" de seucriador, porque sua teoria e sua prtica, como ohistrico da origem do desenvolvimento daatual IV Internacional, e sua demarcao vo-luntria do esquerdismo, fazem dele um animalde laboratrio exemplar e desconhecido.

    A leitura de Trtski logo desperta a des-confiana devido ao que se poderia denominarmessianismo hipertrofiado. Trtski "no tem"mestre; sua busca pessoal e lgica [eva-o a con-cluses que se revelam juntar-se sucessiva-mente quelas de Marx- Engels, depois Lnin.Nascido em 1879, conhece sua primeira organi-zao "revolucionria" em 1896: a Unio Ope-rria da Rssia meridional, de tendncia social-democrata. Dois anos depois preso. Sua es-

  • 80 MARXISMO E DITADURA

    tada na priso permite-lhe escrever um volu-moso estudo sobre a maonaria, manuscrito"infelizmente destrudo". "Resistiu longamenteao materialismo histrico", mas suas descober-tas confirmaram-se em seguida em Marx, En-gels, Plekhanov, Mehring. Deportado a Usr-Kut, l que se esboa sua primeira compreenso dopoltico: "Durante minha estada ... chegaramgrevistas ... amide pouco instrudos. Para eles adeportao foi uma escola de poltica e culturageral que nada teria podido compensar" (Mawe, p. 156). Diz claramente que essa escola erapopulista ou marxista. Bronstein (alis Trtski)torna-se revolucionrio proletrio criticando o"revisionismo" de Bernstein. Debuta por "umacrtica do oportunismo econmico na social-democracia", em seguida faz "a crtica do socia-lismo econmico de Marx". Num terceiro ca-derno, acrescenta "no esprito do anarco-sindi-calismo, a negao da luta poltica", e seus tra-balhos chamaram a ateno dos deportados doLena. Esse autor, no dizer "lcido" de nosso re~volucionrio, "foi um potente soro contra o anar-quismo". De fato, na priso de Moscou queele encontra "pela primeira vez um anarquistaem carne e osso"; um professor, de nome Lu-zin, tendo "uma queda acentuada pelos crimi-nosos ... no gostando de engajar-se em discus-

  • f'

    ANARQUISMO E TROTSKISMO 81

    ses tericas". S uma vez conseguiu acu-lo,perguntando-lhe como, num conjunto de co-munas autnomas, seriam administradas as fer-rovias. Resposta (7) de Luzin: "Ao diabo! Por queem Anarquia eu iria viajar de trem?" Comen-trio de Sua Santidade Trtski: "essa respostabastou-me completamente". A questo anar-quis ta est resolvida!

    Na Sibria, Trtski ganha profissionalmentesuas credenciais de jornalista. Foge e entra emcontato com a Iskra, esboo de um partido cen-tralizado, cujo Grande Estado-maior reside noestrangeiro, "assegurando a estabilidade ideo-lgica da organizao que se recrutava entre osprofissionais e visava tomada do poder."

    Trtski, cada vez mais graduado, torna-seindispensvel ao Partido; enviam-no ao estran-geiro: Zurique, Paris, Londres onde se encontraenfim com Lnin e demasiado tarde com Tcher-kesov; sentiu-se "sinceramente surpreso comos argumentos infantis dos quais se serviam ve-nerveis ancios para demolir o marxismo".Devemos observar a maneira como o apstolodo trotskismo combate a ideologia libertria.Ele seu inimigo; quanto ao mtodo, diz, e pro-nuncia- se pelo Partido no congresso de Lon-dres, em 1903; "centralismo revolucionrio em princpio duro, autoritrio e exigente ...

  • 82 MARXISMO E DITADURA

    amide assume formas impiedosas" (Ma Vie, p.194).

    em 1904 que se encontra com Parvus emMunique. Parvus o inspirador, o mestre doselementos principais da "Revoluo perrna-nente", cavalo de batalha de nosso futuro co-missrio.

    A REVOLUO PERMANENTE?AXIOMAS INVERIFIC VEIS!

    10 "A revoluo russa uma revoluo bur-guesa. Mas a burguesia russa anti-revolucio-nria. Por conseqncia, a vitria da revoluos possvel como vitria do proletariado. Ora,o proletariado vitorioso no se deter no pro-grama da democracia burguesa, ele passar aoprograma do socialismo. A revoluo russa sera primeira etapa da revoluo socialista inter-nacional" (conferir A Revoluo Russa) .

    lU "A vitria completa da revoluo demo-crtica na Rssia inconcebvel de outra formaque no seja a de uma ditadura do proletariadoembasada no campesinato". (Conferir Trs con-ceitos da Revoluo, 1940).

    3 "A revoluo iniciada na Rssia no po-de ria parar enquanto no se tivesse chegado a

  • ANARQUISMO E TROTSKISMO 83

    um regime socialista aps a derrubada do capi-talismo" (Svertchkov: Na aurora da Revo-luo).

    intil avanar na autobiografia de Trtski.Ao ler Ma Vie, 1930, compreendemos facil-mente suas aspiraes autoritrias, sua tcnicapara escalar os patamares do poder, sua concep-o da "revoluo" e sua excluso, aps a mortede Lnin, por algum mais feroz e mais astutoque ele: Stlin. expulso da U.R.S.S. em 1929com a sombra da O.EU. seguindo seus passos.No era Lnin que se aprazia em dizer: "sou afavor da existncia de todos os partidos; o meuno poder e os outros na priso."?

    O homem da revoluo permanente, esselenificador falsamente socialista reconhecia cer-tas idias libertrias, para melhor aambarcar aingenuidade do povo.

    - "Em 1917 a massa (?) apoderava-se do quelhe era imposto pela situao." (Ma Vie, p. 289).

    - "Na desordem revolucionria comeaimediatamente a formar-se uma nova ordem: aspessoas e as idias repartem-se naturalmentesobre novos eixos".

    Os chefes do social-autoritarismo do-se odever de introduzir a noo de partido sem queisso parea algo de policial; Trtski refere-se Comuna:

  • 84 MARXISMO E DITADURA

    - "A Comuna mostra-nos ... a incapacidadedas massas."

    - "O proletariado parisiense no tinha nemum partido, nem chefes."

    - "O partido operrio ... a expresso acu-mulada e organizada do proletariado." ("As li-es da Comuna", 4 de fevereiro de 1921).

    Utilizando sempre a axiomtica inverific-vel e vaga:

    - "o partido do proletariado devia inevita-velmente (?) apoderar-se do poder no segundoestgio da revoluo russa".

    E O QUE A "DITADURADO PROLETARIADO"?

    Escutemos Trtski (Conferir Ma Vie, p.339~340)

    "Tornei-me presidente do Soviete de Petro-grado (em 1917) ... estvamos cada vez mais cer-cados por uma muralha de hostilidade e dio.A situao tornava-se cada vez mais intoler-vel." - ora, um dia todos sorriem-lhe - "Mar-kin viera com um grupo de marujos. Ele deveter encontrado palavras persuasivas. Foi assimque, antes de outubro, uma ditadura do prole-tariado estabelecia-se em nossa casa". O mes-

  • ANARQUISMO E TROTSKISMO 85

    mo Markin estabelecer essa mesma "demo-cracia" em toda a Petrogrado.

    O PARTIDOERA A EXPRESSO DO POVO?

    - "A propsito do caso Kornilov, o mpetorevolucionrio das massas era to poderoso quea rebelio do general fundiu-se por si mesma,volatilizou-se. No sem utilidade: tudo se deuem proveito dos bolcheviques". (Ma Vie, p. 370).

    - Quando se torna presidente do Sovietede Petrogrado, Trtski proclama: "Caminhamosrumo ao poder." (p. 372).

    - E quanto insurreio de outubro, "ogolpe de Estado dar aos chefes o lugar que lhescabe de direito."

    UM GOLPE DE ESTADO REVOLUCIONRIO?

    - "Em toda a parte os comissrios velam.Em plena noite, sem resistncia, sem batalha,sem vtima, tomamos o poder".

    Concluiremos essa questo por duas passa-gens inteiramente contraditrias e situadas aduas pginas uma da outra:

  • 86 MARXISMO E DITADURA

    - "O habitante dormia tranqilamente eno sabia que, enquanto isso, um poder era subs-titudo por um outro." (p. 379).

    - "O que se produziu foi uma insurreio eno um compl, a insurreio das massas popu-lares no precisa ser justificada ... forjamos aber-tamente a vontade das massas para a insurrei-o." (p. 381).

    O marxismo no cr no indivduo, cr noschefes, iluminados; esses chefes devem suscitarum partido, organizao centralizada disciplinade ferro, que reivindica pertencimento ao pro-letariado.

    Ora, o proletariado a condio do prole ~trio. Os marxistas falam de ditadura da condi-o dos proletrios; h algo de mais explcito?

    Duas possibilidades igualmente vs; es~colha: estupidez ou autoridade.

    - a condio dos proletrios que faz a TC>voluo?

    - Ou se exerce uma ditadura sobre essacondio?

    o INDIVDUO PARA TRTSKI

    "A batalha travada diretamente pela possedo poder; trata-se, nessa luta, de vida ou morte,

  • ANARQUISMO E TROTSKISMO 87

    nisso que consiste a revoluo. Para que anoo da personalidade torne-se real e a noopejorativa da "massa" cesse de ser a anttese danoo do "indivduo", tal como se a v numafilosofia de privilegiados, preciso que a prpriamassa eleve-se a um grau superior na histria".(Ma Vie, p. 545).

    S h massas, parvos, incapazes que se obrigado a dirigir! Eis a bela concepo do ma-terialismo histrico!

    QUEM SOOS COMISSRIOS DO POVO?

    preciso citar essa passagem da obra Lnin,de Trtski, reveladora quanto ao sentido do vo-cabulrio utilizado e daquilo que ele deseja tra-vestir:

    " necessrio formar o governo. Somosalguns membros do Comit central."

    - "Como denomin-lo? - pensa alto L~nino - De maneira alguma ministros; o ttulo abjeto. Foi usado em toda parte.

    - Pode-se dizer "comissrio", propus; mash hoje comissrios em demasia ... talvez "AltosComissrios", no, "Altos Comissrios" soa ruim ...e se chamssemos "Comissrio do povo"?

  • 88 MARXISMO E DITADURA

    - "Comissrio do povo"?, perfeito, parece~me ser muito bom - respondeu Lnin. - E ogoverno em seu conjunto?

    - Um soviete, evidentemente, um soviete ...o soviete dos comissrios do povo, no ?

    - O soviete dos comissrios do povo?, in-terroga-se Lnin. perfeito. Isso cheira terri-velmente a revoluoL .."

    Eis a tcnica da prestidigitao. Podemosobservar que, at o presente, todas as iniciati-vas emanam de novos chefes: escolha da orien-tao da guerra, da economia; escolha da eco-nomia; escolha dos nomes, dos delegados etc.Os chefes bolcheviques so verdadeiros m-diuns; quanto aos bolcheviques da massa, elesso os paus-mandados.

    O Conselho (soviete) ou Assemblia geraltomou-se o tapa-sexo de um governo. Os comis-srios do povo, falsos delegados, falsos repre ~sentantes do povo, so autnticos ministros. Ogoverno muda de nome, maquia-se, mas o Es-tado permanece em sua essncia. Vivo, vai per-petuar, com uma nova administrao, a aliena-o e a escravido do homem pelo homem. Esta-mos longe da emancipao do trabalhador por elemesmo! "Isso cheira terrivelmente a revoluo"!

    Trtski j no oculta sua sujeio a Lnin:"um jovem marujo, secretrio de Lnin, corria

  • ANARQUISMO E TROTSKISMO 89

    constantemente para trazer-me os comunica-dos (ordcnsl) do chefe."

    DITADURA DO PROLETARIADO= DITADURA DO PARTIDO?

    ''1\ ditadura do partido foi instaurada porStlin" (Trrski, Ma Vie, p. 592). "O Partido ces-sou de ser um Partido" acrescenta, raciocnioque peca por infidelidade a esse outro axioma:"a ditadura do proletariado deve ser exercidapelo partido, organizao centralizada disci-plina de ferro", que contradiz sua prpria con-vico: "era preciso fazer com que o maior n-mero possvel de monumentos revolucionriosfosse colocado (bustos, placas comemorativas)para fixar a imaginao das massas", dixit Trtski,enquanto que, excludo do poder, ele critica oculto idolatria de Lnin, promovido sob a insti-gao de Stlin.

    STLIN-TRTSKI JANUS!

    O que sobressai das dicotomias suscitadas que o stalinismo j existia em germe nas pr-ticas leninistas. Trtski desempenharia o papel

  • 90 MARXISMO E DITADURA

    de Stlin e vice-versa. A conquista do poder a conservao do Estado, o Estado permaneceo Estado. uma cmoda: tirem o fascismo, po-nham a repblica, o bolchevismo, o catolicismo,vocs acharo sempre a cmoda. Os marxistassempre defenderam a necessidade de um Esta-do, "proletrio", verdade, mas a histria dodefinhamento do Estado, aquela do perodops-revolucionrio, uma operao do EspritoSanto dialtico. Lnin, Moiss moderno, apontatodos os novos "mandamentos" constituindo oessencial dos decretos. Lnin: autoridade emnvel do imprio social e par da religio quantoao grau moral