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ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1320 AS DESAPROPRIAÇÕES NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO PARA A OLÍMPIADA DE 2016: UMA NOVA ERA DE INTERESSES PÚBLICOS 1319 Expropriations in the municipality of Rio de Janeiro for the 2016 Olympic Games: A new era of public interest Marina Fernandes de Carvalho 1320 Sumário Resumo; 1 - introdução 2- interesse público nos eventos esportivos. 3 - Direito de propriedade e função social 4- a maquiavélica utilidade pública. 5 - Conclusão. Referências bibliográficas Resumo O presente rabalho busca tecer breves considerações sobre as desapropriações efetuadas pelo Município do Rio de Janeiro para a realização de eventos esportivos, especialmente a Olimpíada de 2016, analisando, para tanto, a relativização do direito de propriedade em face da supremacia do interesse público. É feita uma análise do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, revelando o papel do princípio no Estado Brasileiro e na concretização dos Direitos Fundamentais, bem como na real necessidade de sua aplicação. Mostrará a legitimidade de referido princípio no ordenamento brasileiro e as consequências que seu uso indiscriminado pode causar à coletividade, como o que vem ocorrendo com as populações que estão sendo afastadas de suas casas para dar lugar ao Parque Olímpico. Ao final será empenhado esforços para demonstrar que o Poder Público, sob o argumento de interesse público, desvirtuou-se do povo, agindo autorreferencialmente, às expensas de uma população que está arcando com consequências não assumidas. 1319 Artigo submetido em 08/04/2016, pareceres de aprovação em 27/04/2016 e 30/04/2016, aprovação comunicada em 17/05/2016. 1320 Advogada Pública. Pós graduanda em Direito Constitucional. [email protected]

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ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1320

AS DESAPROPRIAÇÕES NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO PARA A OLÍMPIADA DE 2016: UMA NOVA ERA DE INTERESSES PÚBLICOS1319

Expropriations in the municipality of Rio de Janeiro for the 2016 Olympic Games: A new era of public interest

Marina Fernandes de Carvalho1320

SumárioResumo; 1 - introdução 2- interesse público nos eventos esportivos. 3 - Direito

de propriedade e função social 4- a maquiavélica utilidade pública. 5 - Conclusão.Referências bibliográficas

Resumo

O presente rabalho busca tecer breves considerações sobre as desapropriações efetuadas pelo Município do Rio de Janeiro para a realização de eventos esportivos, especialmente a Olimpíada de 2016, analisando, para tanto, a relativização do direito de propriedade em face da supremacia do interesse público. É feita uma análise do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, revelando o papel do princípio no Estado Brasileiro e na concretização dos Direitos Fundamentais, bem como na real necessidade de sua aplicação. Mostrará a legitimidade de referido princípio no ordenamento brasileiro e as consequências que seu uso indiscriminado pode causar à coletividade, como o que vem ocorrendo com as populações que estão sendo afastadas de suas casas para dar lugar ao Parque Olímpico. Ao final será empenhado esforços para demonstrar que o Poder Público, sob o argumento de interesse público, desvirtuou-se do povo, agindo autorreferencialmente, às expensas de uma população que está arcando com consequências não assumidas.

1319 Artigo submetido em 08/04/2016, pareceres de aprovação em 27/04/2016 e 30/04/2016, aprovação comunicada em 17/05/2016.

1320 Advogada Pública. Pós graduanda em Direito Constitucional. [email protected]

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Palavras-chave: desapropriação; Olimpíada; interesse público; direitos fundamentais; desvio de finalidade.

Abstract

The purpose of this paper is to make some points on the expropriations made by the Municipality or Rio de Janeiro to host sporting events, particularly the 2016 Olympic Games, and to analyze the relativization of property rights vis-à-vis the supremacy of public interest. We discuss the principle of the supremacy of public interest over private interest, revealing the role of this principle in the Brazilian State and in the realization of Fundamental Rights, as well as the real need for its application. We show the legitimacy of the aforementioned principle in the Brazilian legal system and the consequences for the collectivity that may result from its indiscriminate use, as is the case with the populations that are being taken away from their homes to give room to the Olympic Park. At the end, we try to show that the State, under the argument of public interest, disregarded people, acting for its own good, at the expense of a population that is bearing unwanted consequences.

Keywords: expropriation; Olympic Games; public interest; fundamental rights; misuse.

1 Introdução A desapropriação é um instituto do Direito Administrativo, previsto na

Constituição Federal, que relativiza o direito à propriedade e está pautado no princípio da supremacia do interesse público sobre o privado.

O presente artigo trata das desapropriações que o Município do Rio de Janeiro executou com a finalidade de realizar obras para a Olimpíada de forma desmedida e fugindo ao interesse público que deve nortear toda a atividade do gestor público, observando inclusive as consequências que o uso indiscriminado da desapropriação pode causar à coletividade.

O antagonismo entre indivíduo e Estado causa uma tensão que, por vezes, acaba sendo rompida, com resultados catastróficos, inclusive no poder político, que tem seu poder colocado em “xeque” por utilizar a seu a bel prazer da supremacia do interesse público para satisfazer interesses políticos e pessoais.

O artigo, neste contexto, trabalha qual é a utilidade pública e o interesse público presentes nos eventos esportivos. Qual a aplicação dos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito perante os megaeventos esportivos.

A pesquisa é fundamental para o estado brasileiro, que tem como princípio o regime democrático, do qual decorre a necessidade de políticos agindo em

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conformidade com o poder obediencial, respeitando a coletividade e atuando em conformidade com os anseios dos povos. Os abusos por parte do Poder Público devem sempre serem reprimidos e não podem jamais prevalecer sob a pecha de que o interesse público está acima de tudo. Afinal, deve-se esclarecer qual o real limite deste interesse público nas desapropriações para a Olimpíada, se é que de fato este limite existe.

Assim, dentro das sensíveis mudanças que se verificam no mundo e em nosso país, e da necessidade de redimensionamento das atuações estatais, o que se propõe é uma análise crítica do uso indiscriminado da supremacia do interesse público, um dos principais pilares do direito administrativo, bem como da desapropriação.

2 O interesse público nos eventos esportivos

O jurista RUDOLF VON JHERING, ao tratar da relação entre Estado e indivíduo, afirma que “A natureza, o Estado e o indivíduo, firmam o seu império sobre o egoísmo pela identificação dos fins e dos interesses opostos1321”. O mesmo jurista falando da relação entre sociedade e Estado idealiza que nesta relação deve-se considerar que os Estados só intervêm naquela quando absolutamente necessário para “preservar certos ataques a ordem que os seus fins traçaram a si próprios1322”.

A par desta relação ambígua e histórica entre indivíduo e sociedade NORBERTO BOBBIO explica que no governo democrático a grande tarefa é a conciliação de dois contrastes: liberdade e poder1323. Assim, só haverá democracia se tivermos um Estado organizado e eficiente e os indivíduos

vivenciarem a liberdade. A dificuldade da democracia, explica BOBBIO, é encontrar uma solução entre a liberdade e o poder de um Estado organizado.

Neste contexto que se insere a supremacia do interesse público, um princípio que em tese “inspira o legislador e vincula a autoridade administrativa em toda a sua atuação1324” além de estar presente tanto no momento da elaboração da lei como na execução desta pela Administração Pública.

Visto por este ângulo, a supremacia do interesse público é incontestável, sendo fundamento dos Estados e do poder político. Não obstante, é necessário trabalhar para desfazer referido dogma, pois os dogmas são utilizados com o intuito de subverter a sociedade com discursos pragmáticos.

1321 JHERING, Rudolf Von. A evolução do Direito. Lisboa: Antiga Casa Bertrand, [19--]. p. 43.1322 JHERING, Rudolf Von. A evolução do Direito. Lisboa: Antiga Casa Bertrand, [19--]. p. 73.1323 BOBBIO, Norberto. Qual Democracia? São Paulo: Edições Loyola, 2010. p. 36.1324 PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. 19. ed. Atlas: São Paulo, 2006. p. 68.

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A ciência não tem dogmas, a ciência não pode ser feita de dogmas. O conhecimento jurídico deve nos levar a enxergar além e não causar uma cegueira generalizada.

Ao tratar a supremacia do interesse público como um dogma, pode-se analogicamente compará-lo aos princípios absolutos, criticados por ROBERT ALEXY, “pois se um princípio tem precedência em relação a todos os outros em casos de colisão, até mesmo em relação ao princípio que estabelece que as regras devem ser seguidas, nesse caso, isso significa que sua realização não conhece nenhum limite jurídico, apenas limites fáticos1325”

Esta definição de princípios absolutos explanada por ROBERT ALEXY e a definição do conceito de dogma, demonstram que a supremacia do interesse público, em não raros casos, é aplicada desta maneira, sobrepondo-se a todo o ordenamento jurídico, desvirtuando demais direitos fundamentais e invalidando regras1326.

Nesta mesma linha de raciocínio, CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, ao iniciar suas considerações sobre o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, o caracteriza como “verdadeiro axioma reconhecível no moderno Direito Público1327”, garantindo inclusive sua existência com a finalidade de garantir os interesses privados e complementa dizendo que o princípio é “pressuposto de uma ordem social estável1328”.

A despeito do princípio não ser absoluto e como já demonstrado também não ser um dogma, em que pese o entendimento acima de BANDEIRA DE MELLO de que o princípio é um axioma, deve-se analisar a legitimação de referido princípio e sua relação com o poder político. ENRIQUE DUSSEL explica que a vontade-de-vida é a tendência originária de todo ser humano e essas vontades unidas em seus objetivos,

1325 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 110.1326 Nesta linha de raciocínio, ROBERT ALEXY segue demonstrando os motivos de inexistirem

princípios absolutos: “É fácil argumentar contra a existência de princípios absolutos em um ordenamento jurídico que inclua direitos fundamentais. Princípios podem se referir a interesses coletivos ou a direitos individuais. Se um princípio se refere a interesses coletivos e é absoluto, as normas de direitos fundamentais não podem estabelecer limites jurídicos a ele. Assim, até onde o princípio absoluto alcançar não pode haver direitos fundamentais. Se o princípio absolute garante direitos individuais, a ausência de limtes desse princípio levaria à seguinte situação contraditória: em caso de colisão, os direitos de cada indicíduo, fundamentados pelo princípio absolute, teriam quecederm em favor dos direitos de todos os indivíduos, também fundamentados pelo princípio absoluto. Diante disto, ou os princípios absolutos não são compatíveis com direitos individuais, ou os direitos individuais que sejam fundamentados pelos princ;ipios absolutos não podem ser garantidos a mais de um sujeito de direito.”. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2012.

1327 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 69

1328 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 69.

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propósitos estratégicos, alcançam maior potência, formando uma vontade-de-viver-comum. Quando os cidadãos se unindo dessa maneira chegam a consensos1329, não necessariamente intencionais, mas por tradição, produzem a convergência das vontades para um bem comum. Isto é o que DUSSEL chama de poder político.

Assim, para DUSSEL o próprio conceito de poder político é interligado à legitimação da supremacia do interesse público, porque esta convergência de vontades para o bem comum nada mais é do que o motor para que o político e a lei possam impor a supremacia do interesse público.1330

No que tange ao poder político, importante análise recai sobre sua legitimação e correlação com o “interesse público” implicando a análise de em que contexto se inseriu a supremacia do interesse público e se houve alguma relação com o poder político na sua legitimação. Para tanto deve primeiro resgatar o conceito de poder que CARLOS ARI SUNDFELD descreve como a força que produz as regras e que exige seu cumprimento.1331

Em consonância com os conceitos acima NORBERTO BOBBIO ensina que o importante é diferenciar o poder político de todas as outras formas de poder e complementa que o poder político se vai assim identificando com o exercício da força e passa a ser definido como aquele poder que, para obter os efeitos desejados tem o direito de se servir da força, embora em última instância, como extrema ratio. Se o uso da força é condição necessária do poder político, apenas o uso exclusivo deste poder lhe é também a condição suficiente1332.

Ainda na seara do poder político, ENRIQUE DUSSEL metaforicamente explica com perfeição o funcionamento dos princípios políticos implícitos, que são estes,

como as regras gramaticais que uma mãe ensina a seu filho, embora não saiba nada de gramática, quando o corrige exclamando: ‘Não se diz casa avermelhado, mas sim avermelhada!’ – a mãe sabe implicitamente as regras de concordância dos gêneros do substantivo e dos adjetivos. Da mesma maneira, todos os políticos sabem implicitamente os princípios.1333

Os princípios, principalmente os direitos fundamentais, como normas jurídicas são impostos pelo Estado o que leva a refletir sobre como se procede quando o próprio

1329 Para DUSSEL Enrique. 20 teses de política. São Paulo: Expressão Popular, 2007. p. 27., “O consenso deve ser um acordo de todos os participantes, como sujeitos, livres, autonomos, racionais, com igual capacidade de intervenção retórica, para que a solidez da união das vontades tenha consistência para resistir aos ataques e criar as intituições que lhe deem permanência e governabilidade.”

1330 DUSSEL Enrique. 20 teses de política. São Paulo: Expressão Popular, 2007. p. 25-27.1331 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. Malheiros: São Paulo, 1992. p. 20.1332 BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade. São Paulo, Editora Paz e Terra S/A, 2007. p.

78-80 e 81.1333 DUSSEL Enrique. 20 teses de política. São Paulo: Expressão Popular, 2007. p. 75-76.

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Estado, impositor e fiel guarda da norma, os descumpre. Parece ilógico, mas é o próprio Estado que constrange a si mesmo.

Contudo, deve-se observar o interesse público sobre outro ângulo, fazendo uma releitura deste. Ao tratar da crise teórica do Direito Administrativo GUSTAVO BINENBOJM explica que os paradigmas do passado já não resistem ao confronto com o novo e com isso os velhos dogmas são devolvidos ao debate zetético. Portanto, as discussões dogmáticas estão dando espaço às discussões zetéticas, ao invés de se discutir o que o Direito é, começa-se a analisar o que ele deve ser1334.

Assim, o mote deste texto é entender de que modo a política se apropria e transforma conceitos da dogmática jurídico-constitucional, possibilitando a emergência de uma política autoritária de realização constitucional1335. Desta forma, inicialmente já pode-se conceber que a grande celeuma do princípio da supremacia do interesse público não é a sua existência, mas sim a forma que é aplicado pelo político, nas suas atribuições de representante do povo.

Neste compasso, um dos grandes clamores do mundo contemporâneo é buscar equilíbrio, encontrar o “meio termo” e seguir nele é o primeiro grande passo para a solução dos problemas da Administração Pública e da sua legitimidade perante a sociedade. Aristóteles bem colocou que “a perfeição é o meio-termo entre dois vícios: um por excesso, e outro por falta1336”.

Com relação ao interesse Público SUNDFELD explica que o interesse público não está acima da ordem jurídica, mas inserido nela, recebendo sua proteção inclusive. O autor ainda explica que o interesse público tem apenas prioridade em relação ao privado, não é, porém, supremo frente a este1337”.

Por tudo isto é que a distinção entre mundo real e o que o direito se propõe a ser deve sempre ser levada em consideração, não podendo o administrador aplicar o direito de maneira destemperada e literal, quando na verdade deve-se buscar o interesse público da maneira mais pura e simples. A Administração Pública é um instrumento à serviço da sociedade e não um mal a ser utilizada contra esta, jamais pode ser um fim em si mesmo.

1334 BINENBOJM, Gustavo. Um novo direito administrativo para o século XXI. In: Temas de direito administrativo e constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

1335 SARMENTO, Daniel (Org.). Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. 3. tir. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2010. p. 218.

1336 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 273.1337 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. Malheiros: São Paulo, 1992. p. 147.

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Na mesma linha de raciocínio, PAULO ROBERTO SCHIER leciona sobre o princípio da supremacia do interesse público que “a práxis administrativo-constitucional o tem erigido a uma espécie de cláusula geral de restrição dos direitos fundamentais1338”

Desta maneira, para que haja uma equação entre os interesses individuais, os direitos fundamentais, mais propriamente, no caso do estudo, o direito à propriedade, e o interesse público deve o gestor público fazer um diagnóstico da realidade, da necessidade de seus atos e das consequências práticas de suas decisões perante os indivíduos que ele representa.

Para o gestor público, em sentido lato sensu, alcançar o equilíbrio necessário para a convivência dos direitos fundamentais com a supremacia do interesse público não pode se ter conceitos fechados, prontos e acabados, visto que o interesse público não é um fim em si mesmo, mas sim mais um instrumento a serviço da Administração Pública para movimentar todo o Estado com eficiência.

Por esta razão tem-se que qualquer forma de regulação estatal não comprometida com a proteção de um núcleo de direitos fundamentais (e, logo, com o ser humano e o cidadão), não comprometida com a ética da modernidade e sua racionalidade, não é, propriamente, uma Constituição. Esses (direitos fundamentais) é que justificam a criação e desenvolvimento de mecanismos de legitimação, limitação, controle e racionalização do poder.1339

O Estado não pode esquecer da sua principal função que é garantir os direitos fundamentais e o Estado como garantidor destes direitos não pode exceder-se, nem interferir no autorregramento da vontade, que deve sempre ser livre de quaisquer interferências.

O interesse público portanto, tem sua legitimidade no ordenamento jurídico, mas não pode ser desvirtuado e o gestor público deve buscar o equilíbrio entre o interesse público e os direitos constitucionais da população. Assim, adentrando ao tema específico deste artigo, o direito de propriedade não pode ser excluído e subjugado pela Administração Pública, devendo ser respeitado, sob pena do ato do administrador ser anulado, tendo em conta o desvio de finalidade ou excesso de poder.

3 Direito de propriedade e função socialO direito de propriedade é um direito consagrado pela Carta da República

do Brasil de 1988 e que os contratualistas estudaram como um instituto fundamental

1338 SARMENTO, Daniel (Org.). Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. 3. tir. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2010. p. 218.

1339 SARMENTO, Daniel (Org.). Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. 3. tir. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2010. p. 221-222.

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para o fim do estado de natureza. John Locke dizia que a propriedade é preexistente à sociedade civil, portanto é um direito natural do indivíduo que não pode ser violado pelo Estado1340.

Em que pese este direito constitucional, ele não é absoluto, pois também sofre restrições, chamadas pelo Excelentíssimo Ministro Celso de Mello de hipoteca social1341, que nada mais é do que a obrigação de se respeitar a função social, que uma vez descumprida, autoriza o procedimento de expropriação de bens do patrimônio privado.

Como afirma o Ministro Celso de Mello no julgamento do MS 32.752, não se pode desconsiderar o fato relevantíssimo de que vivemos sob um regime constitucional cujos fundamentos, estruturados em bases democráticas, garantem a intangibilidade do direito de propriedade (embora este não possua caráter absoluto), ao mesmo tempo em que disciplinam o procedimento de expropriação dos bens pertencentes ao patrimônio privado1342.

O direito de propriedade portanto, está pautado na Constituição Federal, que estabelece uma forma de governo democrática, que tem como um de seus fundamentos a intangibilidade daquele direito, porém esta pode ser relativizada pelo instituto da desapropriação nas suas variadas formas estabelecidas.

A desapropriação nasceu para atender o interesse público, servindo à Administração nos casos determinados por lei, num justo equilíbrio entre direitos, entre pessoas e coisas, entre o que é de um e o que é de todos, para quando, havendo previsão, possa o Estado realizar serviços realmente indispensáveis1343.

A desapropriação pode se dar por diversas formas, para este estudo importa tratar da desapropriação por utilidade pública, procedimento regulamentado pelo Decreto-Lei 3.365, de 21 de junho de 1941, sendo o procedimento através do qual o Poder Público, tendo como pressuposto a declaração da utilidade ou necessidade pública, ou ainda, interesse social, transfere para si a propriedade particular, mediante justa indenização, prévia e em dinheiro, conforme inciso XXIV do art. 5º da CF/88.

1340 WEFFORT, Francisco (org.). Os clássicos da política. São Paulo: Ática, 2000, v. 1. p. 85.1341 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Mandado de Segurança nº 32.752/

DF. Relator: Ministro Celso de Mello. Pesquisa de Jurisprudência, Acórdãos, 21 de fev de 2014. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp >. Acesso em: 30 de mar de 2016.

1342 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Mandado de Segurança nº 32.752/DF. Relator: Ministro Celso de Mello. Pesquisa de Jurisprudência, Acórdãos, 21 de fev de 2014. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp >. Acesso em: 30 de mar de 2016.

1343 FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. Desapropriação. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. P. 92.

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E mais, a declaração de utilidade pública é ato do Poder Executivo, independe de autorização legislativa, sendo ato discricionário que não está sujeito à revisão do Poder Judiciário1344.

O Município do Rio de Janeiro então, vem utilizando-se do instituto para desapropriar bens em função da construção e preparo da Cidade do Rio de Janeiro para a Olimpíada de 2016, mais precisamente da construção do Parque Olímpico.

De acordo com FRANCO SOBRINHO a garantia constitucional que excepciona o direito de propriedade, submete a Administração a observar a norma e a lei, assim como o interesse público, sendo imprescindível a fixação concreta deste interesse1345.

Como um adendo, cabe esclarecer que se a desapropriação é um instituto bom ou ruim não é o intuito deste artigo, pois a análise do mundo sobre a perspectiva do modelo binário de Franz Kafka de solucionar conflitos não pode prevalecer, o axioma latino “da mihi factum dabo tibi jus” (dá-me o fato, dou-te o direito) é ultrapassado e não respeita a realidade. Como Miguel Reale lecionou há necessidade de se ver o mundo por uma visão tridimensionalista, fato-valor-norma, não apenas fato-norma, porque há uma necessidade atual de pesar, axiologicamente, os fatos, buscando-se assim um equacionamento, com mais prudência e flexibilidade em cada caso.

A respeito do apresentado elucida-se que se quer neste artigo é questionar a forma como é utilizada a desapropriação, se a Olímpiada é realmente um norte para que pessoas percam sua residência e se ela justifica, por si só, a desapropriação por utilidade pública.

Deste modo, não podemos ver a o princípio da supremacia do interesse público sob esta ótica binária, ele não é bom ou mau, o que deve-se fazer na verdade é achar o seu meio-termo, aquele da perfeição de Aristóteles citado anteriormente. Portanto deve-se abandonar o esquematismo binário, que reduz os objetos jurídicos a duas possibilidades, para fazer uma análise valorativa. Além disso, é imprescindível para buscar o meio termo, que o político não atue em auto referência, mas sim como delegado, respeitando o poder obediencial e ainda que exerça a política como vocação e não como profissão, conforme explicado por ENRIQUE DUSSEL1346.

É preciso ter presente, que o processo de desapropriação no Brasil não pode ser conduzido de maneira arbitrária nem de modo ofensivo à garantia constitucional da propriedade, sendo imprescindível analisar a presença do interesse público nestes casos.

1344 CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à lei de desapropriação.: Constituição de 1988 e leis ordinárias. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. XVIII.

1345 FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. Desapropriação. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1996.1346 DUSSEL Enrique. 20 teses de política. São Paulo: Expressão Popular, 2007. p. 38-40.

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4 A maquiavélica utilidade pública

O primeiro ponto deste artigo que fez uma explanação sobre o princípio da supremacia do interesse público justifica-se pelo fato de que a desapropriação está umbilicalmente ligada a este princípio. Nas palavras de FRANCO SOBRINHO:

Nas desapropriações há de estar sempre presente o interesse público, quer denominado necessidade, quer utilidade, quer interesse social. O primado do interesse público, abrangente de várias situações, domina o instituto expropriatório. Inexistindo, desaparecem os indicativos legais.1347

No mesmo sentido expõe Celso Antônio Bandeira de Mello “o fundamento político da desapropriação é a supremacia do interesse coletivo sobre o individual, quando incompatíveis.1348” Com este pensamento lança-se as seguintes indagações:

Existe utilidade pública no preparo da cidade do Rio de Janeiro, necessário à eficiência dos Jogos Olímpicos?

A construção de um Parque Olímpico pode estar pautada no interesse público? É de fato uma questão de utilidade pública?

Pois bem, responder tais perguntas exige primeiramente que se faça uma reflexão sobre os requisitos da lei para que ocorra a desapropriação. Como ensina JOSÉ CRETELLA JÚNIOR “A expressão utilidade pública não se define. Exemplifica-se”1349. O art. 5º do Decreto-Lei 3.365/41 é taxativo, poia a letra ‘p’ do referido dispositivo indica os demais casos previstos em leis especiais, ou seja, deve haver previsão legal para desapropriar1350.

E mais, argumentar que o artigo 5º do Decreto de desapropriação é exemplificativo é o mesmo que deixar ao arbítrio, único e exclusivo do Poder Executivo, uma área extensa para ilegalidades, abuso, excesso ou desvio de poder1351.

Nesta seara, as desapropriações para as Olimpíadas estão sendo pautadas nas letras ‘i’ e ‘p’ que dispõe que:

Art. 5o Consideram-se casos de utilidade pública: i) a abertura, conservação e melhoramento de vias ou logradouros públicos;

1347 FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. Desapropriação. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1996.1348 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 25. ed. São Paulo:

Malheiros, 2008. p. 8861349 CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à lei de desapropriação.: Constituição de 1988 e leis

ordinárias. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 153.1350 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 25. ed. São Paulo:

Malheiros, 2008. p. 8891351 CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à lei de desapropriação.: Constituição de 1988 e leis

ordinárias. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 154.

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a execução de planos de urbanização; o parcelamento do solo, com ou sem edificação, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a construção ou ampliação de distritos industriais;

p) os demais casos previstos por leis especiais. Com relação a alínea ‘i’ a abertura de vias ou logradouros públicos aplica-

se quando é necessário ligar dois lugares por meio de uma via de comunicação ou a construção de uma praça ou jardim e pode-se também inserir nesta alínea a conservação ou o melhoramento das vias. Com relação a execução de planos de urbanização são um conjunto de providencias que possibilitem o desenvolvimento estético, humano e racional das aglomerações. O loteamento do solo ocorre para melhor utilização econômica, higiênica ou estética. E, por fim, a construção ou ampliação de distritos industriais é a criação de bairros destinados a industrias1352.

Desta forma, o governo municipal do Rio de Janeiro está enquadrando a construção de um Parque Olímpico como urbanização da cidade. Inconteste é o poder discricionário da Administração neste caso, porém retirar milhares de pessoas de sua casa, pagando indenização aquém ao valor real, não pode ser justificativa para tal.

Deve-se ressaltar que a construção do Parque Olímpico não está sendo feita com o intuito de urbanizar a cidade, nem de abrir vias ou logradouros, muito menos de construir um distrito industrial, a finalidade é unicamente servir a eventos esportivos, hipótese que não está expressa na lei, a qual é taxativa.

O princípio da razoabilidade deve nortear o interesse público e não pode estar desconectado da finalidade do ato expropriatório. Nada justifica, o emprego ilegítimo do instrumento expropriatório, quando utilizado pelo poder estatal com evidente transgressão aos princípios e normas que regem e disciplinam as relações entre as pessoas e o Estado. 1353

No Estado Democrático de Direito os fins não justificam os meios, utilizar-se de princípios “maquiavélicos” em uma democracia, faz mais parecer que estamos sob um governo absoluto e tirano do que sob um Estado Republicano.

Como DANIEL WUNDER HACHEM ensina, por vezes, o interesse público sofre distorções no momento de sua aplicação, tendo manipulações distorcidas1354, que é o que se vê no presente caso.

1352 CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à lei de desapropriação.: Constituição de 1988 e leis ordinárias. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 174-182.

1353 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Mandado de Segurança nº 32.752/DF. Relator: Ministro Celso de Mello. Pesquisa de Jurisprudência, Acórdãos, 21 de fev de 2014. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp >. Acesso em: 30 de mar de 2016.

1354 HACHEM, Daniel Wunder. Princípio constitucional da supremacia do interesse público. Belo Ho-rizonte, Fórum, 2011. p. 29.

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Chamada de Trabalhos para oXII Simpósio Nacional de Direito Constitucional da Academia Brasileira

de Direito Constitucional

O XII Simpósio Nacional de Direito Constitucional da Academia Brasileira de Direito Constitucional – ABDConst a ocorrer dias 26 a 28 de maio de 2016, realiza chamada para a submissão de trabalhos para apresentação em Grupo de Trabalho do evento. Os trabalhos aprovados serão apresentados nos Grupos de Trabalho do Simpósio e terão seu texto final completo publicados nos anais do evento.

I – Submissão de trabalhos

Art. 1º. Pesquisadores, acadêmicos, docentes e demais interessados poderão submeter trabalhos para apresentação nos Grupos de Trabalho do XII Simpósio Nacional de Direito Constitucional da ABDConst, que serão publicados nos Anais do evento.

Art. 2º. As submissões dos trabalhos completos poderão ser realizadas até 04/04/2016 (prazo final).

Art. 3º. As submissões deverão ser realizadas pelo preenchimento de formulário completo no site da ABDConst (http://abdconst.com.br/simposios_apresentacao.php).

Art. 4º. A submissão de trabalhos não assegura a participação no XII Simpósio Nacional de Direito Constitucional, sendo que os participantes devem realizar sua inscrição no evento pelo site: http://abdconst.com.br/simposio/

II – Grupos de Trabalho para apresentação

Art. 5º. No ato da submissão do Trabalho o acadêmico deverá optar por um dos Grupos de Trabalho abaixo elencados, devendo o grupo escolhido guardar pertinência temática com o trabalho apresentado pelo participante.

Art. 6º. Os Grupos de Trabalho disponíveis serão:

I – Relações privadas no Estado Constitucional II – Novos desafios das famílias: entre autonomia e direitos fundamentais III – Instituições e Relações Constitucionais na História IV – Garantias no Processo e Direito penal V – Processo Constitucional: efetividade, direitos fundamentais e democracia VI – Fundamentos do Estado Democrático de Direito

Art. 7º. Os trabalhos serão previamente avaliados por comissão composta de professores doutores e sua publicação é condicionada à participação e apresentação no evento.

Parágrafo Único: Os trabalhos aprovados serão divulgados em 03/05/2016.

III – Normas editoriais e formataçãoArt. 8º. Deverão ser submetidos na inscrição os textos completos a serem

apresentados, em formato de artigo científico, seguindo as regras metodológicas e editoriais a seguir expostas.

Art. 9º. As normas editoriais e de formatação do texto final serão:

I - Os trabalhos serão redigidos em português, espanhol ou inglês e digitados em processador de texto Word.

II - Fonte para o corpo do texto: Times New Roman tamanho 13; III - Fonte para as notas de rodapé e citações longas de mais de 3 linhas:

Times New Roman tamanho 11; IV - Entrelinhamento para o corpo do texto: 1,5; V - Entrelinhamento para as notas de rodapé e citações longas:1,0; VI - Preferência ao uso da terceira pessoa do singular; VII - Estilo utilizado nas palavras estrangeiras: itálico; VIII - Estilo utilizado para destacar palavras do próprio texto: negrito; IX - Número de páginas: no mínimo 10 e no máximo 30 páginas, justificado

e com páginas não numeradas, podendo a juízo do Avaliador ser aceito artigo com mais de 30 páginas.

Art. 10. As normas editorias de estrutura do texto final serão:

I - Cabeçalho: título, subtítulo, nome do(s) autor(es) – o número máximo de autores é três;

II - Título: deve ser claro e objetivo, podendo ser complementado por um subtítulo separado por dois pontos, em fonte maiúscula e minúscula, em negrito e centralizado;

Os governantes, em uma “sangria desatada” de finalizar as obras para apresentação dos eventos esportivos, estão relativizando sobremaneira o direito de propriedade. Eventos esportivos que ocorrem uma única vez na cidade não podem ter primazia sobre os direitos dos indivíduos. O interesse público não pode ser direcionado ao bel prazer do gestor público, sob o risco de adentrarmos na desordem.

Neste mesmo sentido SCHOPENHAUER ensina que “pela lógica, cada um deveria apenas se esforçar para emitir opiniões verdadeiras, sólidas, para o que seria preciso primeiro pensar e depois falar. Mas à vaidade congênita, se juntam a verborragia da maioria e a doentia desonestidade do homem.1355 ”

É imperioso lembrar ao gestor público a necessidade de garantir as salvaguardas adequadas para as pessoas forçadas a se mudarem para dar lugar a projeto de construção.

Na busca pelo equilíbrio os princípios quando em colisão não se anulam, eles convivem entre si. E esta convivência não deve ser aplicada apenas pelo Judiciário, mas o Executivo também deve buscar sempre esta equação que não é perfeita, mas pode e deve ser buscada. Deve ser afastado o modo positivista de analisar as situações, acreditando que é possível ser imparcial e agir somente com a razão, até porque esta visão na Administração Pública pode causar enormes rombos e falhas para o gestor público. O pensamento kelseniano deve ser posto à prova, ele é errôneo quando aplicado na Administração Pública, deve o gestor observar a realidade e a ela se adequar, a isenção no Poder Público é impossível.

O gestor, neste aspecto, está em descompasso com o interesse público e com os direitos e garantias individuais. A esse respeito a Organização das

Nações Unidas emitiu relatório dizendo que o Brasil faltou com transparência e pagou indenizações insuficientes pelas desapropriações para obras da Olimpíada, possivelmente cometendo violações aos direitos humanos1356.

A relatora especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU Raquel Rolnik pediu que o país interrompa as desapropriações até que essas questões sejam resolvidas.

Além do problema do valor, a relatora alerta para as baixas indenizações pagas e a probabilidade de formação de novas favelas e mais famílias sem teto, porque

1355 SCHOPENHAUER, Arthur. Como vencer um debate sem precisar ter razão: em 38 estratagemas: (dialética erística). Rio de Janeiro: Topbooks, 1997. p. 47.

1356 ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS. Preparação para Copa e Olimpíada no Brasil pode estar violando direito à moradia, alerta especialista. Disponível em <https://nacoesunidas.org/preparacao-para-copa-e-olimpiada-no-brasil-pode-estar-violando-direito-a-moradia-alerta-especialista> Acesso em 02 de abril de 2016.

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pouca atenção é dada ao acesso à infraestrutura, serviços e meios de subsistência nos locais propostos para realocação.

Desta forma, o relatório da ONU só vem a comprovar que o interesse público não está sendo o norte da ação do administrador neste caso, pois o interesse público jamais legitima pessoas a ficarem sem teto.

Voltando as perguntas lançadas no início do texto, seguramente pode-se responder que se há utilidade pública esta vem sendo supervalorizada. E mais, por meio de Decretos expropriatórios, a utilidade pública vem sendo distorcida e utilizada com intuito político muito mais do que social. A construção do Parque Olímpico não é, nem pode ser, superior ao direito à moradia, pois mais do que o direito à propriedade, aqui se fala no direito fundamental a um lar, um local de se resguardar a sua família.

Parque Olímpico não é justificativa para autoritarismo, não pode relativizar o que a lei não relativizou. Afinal, qual será o legado das Olímpiadas? Talvez internacionalmente, politicamente, diga-se que foi a reforma da cidade, a construção de obras públicas, ora, tudo isto realmente é legado, principalmente eleitoreiro. Mas e as famílias que perderam suas casas? Este legado também não pode ser esquecido. As pessoas que sofreram um processo de desapropriação e não tem para onde ir, também são um legado das Olímpiadas.

Neste contexto, sempre imperiosa a advertência de CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO que as prerrogativas inerentes à supremacia do interesse público só podem ser manejadas legitimamente para o alcance do interesse público e não para satisfazer interesses ou conveniências do aparelho estatal e dos agentes governamentais1357.

Assim, deve-se ver que talvez o maior legado das Olímpiadas seja a necessidade de se rever o princípio do interesse público, fazer uma releitura do instituto da desapropriação que é regida por um decreto-lei editado em 1941.

Portanto, ainda que presente o interesse público, sob a forma de utilidade pública, este não é absoluto e não pode dar margem a atitudes autoritárias. O interesse público jamais será argumento à atos que envaidecem o gestor, não pode ser usado com fins eleitoreiros ou para privilegiar uma parte da população. Por isto que a desapropriação, apesar de ser um instituto presente na Constituição Federal, deve sempre buscar o interesse da coletividade. Olimpíada é um evento importante para o país e para a cidade do Rio de janeiro sem sombra de dúvidas, porém não dá razão à desapropriações em bloco, nem autoriza famílias a perderem sua casa, sem um real e verdadeiro motivo.

1357 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 73.

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III – Título em outra língua: nos textos em português, espanhol, italiano, francês e alemão, será apresentado um título em inglês. Nos textos em língua inglesa, será apresentado um título em português;

III - Nome do(s) autor(es): indicação por extenso depois do título, alinhado à esquerda; Créditos: qualificação e endereço eletrônico (e-mail) do(s) autor(es), informados abaixo do nome;

IV - Resumo: síntese do conteúdo do artigo de 100 a 250 palavras, incluindo tabelas e gráficos, em voz ativa e na terceira pessoa do singular e localizado antes do texto (ABNT – NBR 6028); expressar na primeira frase do resumo o assunto tratado, situando no tempo e no espaço; dar preferência ao uso da terceira pessoa do singular; ressaltar os objetivos, métodos, resultados e as conclusões do trabalho;

V - Resumo em outra língua: nos textos em português, espanhol, italiano, francês e alemão, será apresentado um resumo em inglês. Nos textos em língua inglesa, será apresentado um resumo em português;

VI - Palavras-chave: até 5 (cinco) palavras significativas que expressem o conteúdo do artigo, escritas em negrito, alinhamento à esquerda, separados por ponto e vírgula ou ponto;

VII - Palavras-chave em outra língua: nos textos em português, espanhol, italiano, francês e alemão, serão apresentadas palavras-chave em inglês. Nos textos em língua inglesa, serão apresentadas palavras-chave em português.

VIII - Sumário: informação das seções que compõem o artigo, numeradas progressivamente em algarismo arábico;

IX - Texto do artigo: deverá apresentar como partes uma introdução, desenvolvimento e conclusão, antecedida pelo resumo, resumo em outra língua (português e espanhol), palavras-chave e palavras-chave em outra língua (português e espanhol);

X - Citação, notas de rodapé e referências bibliográficas: deve-se seguir a ABNT – NBR 10520. As referências bibliográficas completas devem ser apresentadas no final do texto;

XI - Anexo: material complementar ao texto, incluído ao final apenas quando indispensável;

XII - Tabelas ou gráficos: devem ser adotadas as “normas de apresentação tabular” publicadas pelo IBGE.

Art. 11. Poderão ser submetidos trabalhos em língua portuguesa e estrangeira (inglês, espanhol, italiano, alemão e francês). Sugere-se que os trabalhos sejam remetidos em língua inglesa.

Art. 12. A comissão de editoração dos Anais do evento poderá realizar alterações formais e tradução de partes do texto para publicação final.

IV – Avaliação e aprovação dos trabalhos

A desapropriação deve ser mostrar imprescindível e essencial, deve haver uma motivação idônea, caso contrário estria se partindo do pressuposto de Nicolau Maquiavel de que os fins justificam os meios, fato este que não pode ocorrer no Estado Democrática que é o Brasil.

5 conclusão A desapropriação é um instituto de grande valia para o país, mas deve sempre

que aplicado estar pautado no interesse público, nas suas mais diversas formas.

Nenhum instituto previsto constitucionalmente pode ser utilizado pela Administração Pública de maneira individual, nem pode ser desvirtuado. O gestor público não pode lançar mão de atos “constitucionais” para privilégios de poucos ou para auto promoção, como um poder auto referencial.

Os eventos esportivos no Brasil estão dando muita visibilidade para o país, fomentando o comercio e o turismo, estimulando o esporte, tudo isto é inegável. Não obstante, por trás destes benefícios paira o direito à propriedade, que está sendo relativizado em massa pelo governo da cidade do Rio de Janeiro.

Importante concluir que este artigo não busca descaracterizar todas as desapropriações realizadas neste contexto, mas quer analisar que o interesse público está se fundindo com o interesse em realizar as Olimpíada e isto não pode ocorrer. O evento esportivo não pode ser prioridade a ponto de deixar uma família sem teto, muito menos pode o governo priorizar pagamentos de indenizações para a construção de um Parque Olímpico sem antes realizar um estudo pormenorizado da situação financeira da cidade.

Conclui-se que a desapropriação está sendo utilizada de maneira excessiva, sem o governo se atentar ao interesse público que deve reger os atos da Administração, pois apesar da declaração de utilidade pública ser discricionária e não ser objeto de análise judicial, os princípios da moralidade, impessoalidade, razoabilidade e proporcionalidade devem e podem ser revistos pelo Poder Judiciário quando não respeitados pela Poder Executivo.

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Art. 13. Após o recebimento dos trabalhos a comissão avaliadora fará uma análise prévia dos trabalhos para excluir aqueles que não cumpriram as regras editoriais ou apresentarem outros vícios ou incompatibilidades acadêmicas.

Art. 14. Os trabalhos serão avaliados por ao menos dois doutores, sem identificação do autor, sendo aprovados após parecer favorável de dois pareceristas doutores.

Art. 15. Em caso de submissão de um parecer de aprovação e um parecer de rejeição o trabalho poderá ser enviado para um parecer de desempate por parecerista doutor.

V – Apresentação e publicação dos trabalhosArt. 16. Os trabalhos aprovados e apresentados no Simpósio serão publicados

em Anais, que terá formato eletrônico com acesso livre.Parágrafo Único: Os trabalhos publicados nos anais serão veiculados nas

línguas remetidas pelos pesquisadores, podendo o Coordenador de Pesquisa da ABDConst, nos trabalhos de grande excelência, promover a tradução e a publicação do texto em língua inglesa.

Art. 17. Os trabalhos aprovados serão apresentados no Grupo de Trabalho do Simpósio que foi escolhido pelo autor

§ 1º - Os Grupos de Trabalhos serão coordenados por membros do Comitê Julgador composto de docentes doutores.

§ 2º - As apresentações dos trabalhos serão realizadas entre os dias 26/05/2016 a 28/05/2016. Maiores informações sobre horários e ensalamento serão divulgadas posteriormente em edital próprio.

§ 3º - Cada Grupo de Trabalho proporcionará amplo espaço para debates e críticas acadêmicas.

VI – Disposições finaisArt. 18. Os autores, no ato de submissão, cedem gratuitamente e sem ônus

todos os direitos autorais à ABDConst.

Art. 19. Em caso de dúvidas sobre a submissão dos trabalhos o participante deverá entrar em contato por meio do e-mail: [email protected].

Art. 20. Todas as omissões e questões resultantes deste Edital serão resolvidas pela Comissão Organizadora do XII Simpósio Nacional de Direito Constitucional.

Curitiba, 16 de dezembro de 2015

Ilton Norberto Robl FilhoCoordenador de Pesquisa da ABDConst

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