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1828 LIVROS NO COFRE E FORD NA ESTANTE: ELEMENTOS DE SUBVERSIVIDADE E DESESTABILIZAÇÃO POLÍTICA NO ADMIRÁVEL MUNDO NOVO BOOKS IN THE COFFER AND FORD IN THE SHELF: ELEMENTS OF SUB- VERSITY AND POLITICAL DISSTABILITY IN THE BRAVE NEW WORLD Fernando Soares Gomes¹ Elton Dias Xavier² ¹Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES Curso de Direito [email protected] ²Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Social – PPGDS [email protected] RESUMO O Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, propõe reflexões que transcendem a literatura. Foi concebido numa dimensão na qual os seres humanos não são mais visualizados em sua in- dividualidade, mas sim como integrantes de um sistema hierarquizado, pautado num discurso racionalista de valorização da tecnologia, de repulsa ao passado e de percepções acríticas das conjunturas sociais. Em um universo distópico, planos artísticos, religiosos, históricos e cien- tíficos podem assumir posições de contraponto ideológico. O objetivo do texto é analisar os elementos subversivos e desestabilizadores da ordem política e social na obra de Huxley, com enfoque para a arte, sem evitar a discussão de como, na atualidade, tais construções podem ser contextualizadas nos regramentos que a modernidade legou. Utilizamos a metodologia qua- litativa fundada em pesquisa bibliográfica. Observamos que, no regime distópico de Huxley, as instituições e regramentos sociais constituem-se de forma a impossibilitar a resistência e a desalienação do corpo social, logo impedindo que o indivíduo perceba o processo de controle em que encontra-se inserido. Assim, arte, religião, história e ciência, entendidas, neste estudo, como instrumentos de reflexão e percepção do ser humano na sua individualidade, não são compatíveis com as máquinas e a engenharia genética do Admirável Mundo Novo. Palavras-Chave: Distopia; Huxley; Arte; Controle; Modernidade. ABSTRACT The Brave New World, by Aldous Huxley, proposes reflections that transcend literature. It was conceived in a dimension in which human beings are no longer visualized in their individual-

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LIVROS NO COFRE E FORD NA ESTANTE: ELEMENTOS DE SUBVERSIVIDADE E DESESTABILIZAÇÃO POLÍTICA NO

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO

BOOKS IN THE COFFER AND FORD IN THE SHELF: ELEMENTS OF SUB-VERSITY AND POLITICAL DISSTABILITY IN THE BRAVE NEW WORLD

Fernando Soares Gomes¹Elton Dias Xavier²

¹Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTESCurso de Direito

[email protected]

²Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTESPrograma de Pós-graduação em Desenvolvimento Social – PPGDS

[email protected]

RESUMOO Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, propõe refl exões que transcendem a literatura. Foi concebido numa dimensão na qual os seres humanos não são mais visualizados em sua in-dividualidade, mas sim como integrantes de um sistema hierarquizado, pautado num discurso racionalista de valorização da tecnologia, de repulsa ao passado e de percepções acríticas das conjunturas sociais. Em um universo distópico, planos artísticos, religiosos, históricos e cien-tífi cos podem assumir posições de contraponto ideológico. O objetivo do texto é analisar os elementos subversivos e desestabilizadores da ordem política e social na obra de Huxley, com enfoque para a arte, sem evitar a discussão de como, na atualidade, tais construções podem ser contextualizadas nos regramentos que a modernidade legou. Utilizamos a metodologia qua-litativa fundada em pesquisa bibliográfi ca. Observamos que, no regime distópico de Huxley, as instituições e regramentos sociais constituem-se de forma a impossibilitar a resistência e a desalienação do corpo social, logo impedindo que o indivíduo perceba o processo de controle em que encontra-se inserido. Assim, arte, religião, história e ciência, entendidas, neste estudo, como instrumentos de refl exão e percepção do ser humano na sua individualidade, não são compatíveis com as máquinas e a engenharia genética do Admirável Mundo Novo.

Palavras-Chave: Distopia; Huxley; Arte; Controle; Modernidade.

ABSTRACTThe Brave New World, by Aldous Huxley, proposes refl ections that transcend literature. It was conceived in a dimension in which human beings are no longer visualized in their individual-

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ity, but as members of a hierarchical system, based on a rationalist discourse of valorization of technology, of repulsion to the past and of uncritical perceptions of social conjunctures. In a dystopic universe, artistic, religious, historical, and scientifi c plans may assume positions of ideological counterpoint. The aim of the text is to analyze the subversive and destabilizing ele-ments of the political and social order in Huxley’s book, focusing on art, without avoiding the discussion of how, at present, such constructions can be contextualized in the regulations that modernity bequeathed. We use the qualitative methodology based on bibliographic research. We observe that, in Huxley’s dystopic regime, social institutions and regulations are consti-tuted in such a way as to render impossible the resistance and disalienation of the social body, thus preventing the individual from perceiving the process of control in which he is inserted. Thus, art, religion, history and science, understood in this study as instruments of refl ection and perception of the human being in his individuality, are not compatible with the machinery and genetic engineering of the Brave New World.

Keywords: Dystopia; Huxley; Art; Control; Modernity.

INTRODUÇÃO

O gênero literário da distopia mostra-se, diante do desenvolvimento dos estudos em Li-teratura e suas interdisciplinaridades, como um importante instrumento de análise das relações estabelecidas e estudadas pelas Ciências Sociais.

Aparentemente, o termo distopia foi utilizado pela primeira vez em 1868 por Greg We-bber e John Stuart Mill, em um discurso no Parlamento Britânico1.

O discurso dos ingleses, proferido diante da visualização de um Estado inimaginavel-mente ruim, surge em contraponto ao alcunhado de “utopia”, título da alegoria do inglês Tho-mas More, que idealizou um lugar no qual todos fossem iguais e onde não houvesse mais con-fl itos por bens materiais de qualquer espécie.

Nesse sentido, temos que o prefi xo grego dys signifi ca “doente”, “mal” e “anormal”, perpassando a ideia de uma utopia às avessas, ou uma má utopia. As sociedades imaginárias distópicas, dessa forma, perpetuam-se em condições de existência piores do que as das socie-dades reais (MATOS, 2013).

Ao longo da construção do pensamento literário, diversos autores trataram de se debru-çar sobre o universo distópico, desde clássicos até contemporâneos. Levantamos, a título de exemplo, George Orwell com a obra “1984”, Anthony Burgess com “Laranja Mecânica”, Ray Bradubury com “Fahrenheit 451”, Evgueny Zamiatin com “Nós”, Suzanne Collins com “Jogos Vorazes” e Aldous Huxley com “O Admirável Mundo Novo”.

Regimes totalitários e repressivos, gangs juvenis futuristas, que praticam sem nenhum receio a chamada “ultraviolência”, a extinção do conceito de amor e família, a privação de aces-1 “It is, perhaps, too complimentary to call them Utopians, they ought rather to be called dys-topians, or caco-topians. What is commonly called Utopian is something too good to be practicable; but what they appear to favour is too bad to be practicable”. (Oxford English Dictionary. Disponível em: http://www.oed.com/)

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so ao conhecimento, a visualização do livre-arbítrio como responsável por provocar a infelici-dade na vida das pessoas e a desarticulação da população de um país por meio de competições nas quais os jovens lutam até a morte são temas recorrentes em tais obras.

Contudo, por mais diversas que tais temáticas sejam, quase todas convergem em um ponto: suas sociedades distópicas se caracterizam pela inexistência de direitos e garantias fun-damentais, sendo altamente autoritárias, quando não totalitárias.

Ocorre que os limites da atividade estatal sobre o indivíduo foram delineados na história à medida que os direitos fundamentais ganharam contornos jurídico-positivos (MATOS, 2012). Assim, para moldar o coletivo nos sistemas distópicos, tem-se como essencial a descaracteri-zação desses direitos.

Diante dessa perspectiva, observamos que as relações sociais, políticas e econômicas da contemporaneidade estão, cada vez mais, se aproximando do espectro do distópico.

Isso porque num contexto de desumanização das ordens jurídicas, de tecnicização do Direito2, de ascensão de discursos extremistas e do baixo grau de interesse da população em geral pela discussão de temas político-jurídicos, a análise de textos como os supramencionados não encerra-se em si, mas transcende como desmitifi cação e crítica das camadas ideológicas que recobrem a racionalidade humana (MATOS, 2013).

Acrescentamos que a literatura expressa a linguagem humana sem restrições e coloca o ser humano em uma montanha-russa de grandezas e misérias, essencial para a compreensão dos cenários que nos sucederão.

Como objeto específi co do presente texto, temos a narrativa de Aldous Huxley, O Ad-mirável Mundo Novo, publicada em sua primeira edição no ano de 1932.

Baseado num futuro onde os seres humanos são gerados em laboratórios e condiciona-dos a seguir as normais sociais pré-estabelecidas pelo Estado, a obra traduz a dominação por intermédio de mecanismos pacífi cos, ou melhor, silenciosos, mas que, por tal fato, demonstram uma vulnerabilidade ante refl exões que colocam o indivíduo em sua individualidade, ou seja, uma discordância ao coletivismo extremista.

O ADMIRÁVEL MUNDO NOVO

Para se analisar os elementos subversivos e desestabilizadores da ordem política e social na obra de Huxley, objetivo do estudo, faz-se necessário tecer breves considerações sobre o Admirável Mundo Novo.

Longe de pretender estabelecer uma pesquisa histórica, pontuamos, sucintamente, que a referida obra foi escrita em uma época na qual a Europa vivia uma assustadora ascensão de ideias nacionais extremistas, a exemplo do fascismo e do nazismo.

Soma-se, ainda, a expansão do mercado industrial, em consonância com o vivenciado

2 Matos (2013) considera a chamada tecnicização do direito como a progressiva redução do direito a mera técnica de controle social. Apresenta, ainda, a manifestação de tal redução em fenômenos como a desconsideração das fi nalidades últimas das normas jurídicas por parte de seus aplicadores, em especial o Poder Judiciário, a paulatina indiferenciação entre o espaço público e o privado, com a consequente invasão da esfera individual por entidades governamentais ou não e a impossibilidade real de o Estado fazer valer normas jurídicas contrárias a interesses de grupos sociais poderosos, sejam eles legais ou não.

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pelos Estados Unidos da América, pautado na produção em massa na linha de montagem e em grande escala, inaugurando não somente um sistema de produção como uma ideologia (NAS-CIMENTO, 2005).

Nessa linha, a sociedade descrita no Admirável Mundo Novo é a de um Estado mundial no qual a guerra foi eliminada e onde o principal objetivo dos que o conduzem é tolher a todo custo que os seus súditos causem quaisquer perturbações.

Conseguem isto pela (entre outros métodos) legalização de um relativo grau de liberda-de sexual (tornada possível pela abolição da família) que assegura praticamente os habitantes do Admirável Mundo Novo de qualquer forma de tensão emocional destrutiva (ou criadora) (HUXLEY, 2000).

O Admirável Mundo Novo apresenta um quadro fi ctício e um pouco grosseiro de uma sociedade em que a tentativa de recriar seres humanos à semelhança de térmites foi levada qua-se até as raias do possível (HUXLEY, 2000).

Aliás, no Admirável Mundo Novo, todas as outras drogas foram banidas, como o tabaco, o uísque, a cocaína; sendo permitido somente o uso de Soma e vinho (NASCIMENTO, 2005).

Consumida como um poderoso calmante, o Soma não tem a função de libertar o ho-mem, de elevar seu usuário a um estado superior de consciência e compreensão do mundo em que vive, mas sim o torna num indivíduo conformado e apático.

O Soma permite ao indivíduo entrar em um estado de quase torpor, produzindo um efeito temporário de alegria pueril e tranquilidade, porém não se revela mais do que um anesté-sico, privando as pessoas de sentirem emoções confl itantes ou contraditórias (NASCIMENTO, 2005).

Nas camadas inferiores da sociedade o consumo de Soma é mais estimulado do que nas camadas superiores, já que os primeiros precisam ser controlados, mantidos conformados den-tro de sua posição hierárquica e não se manifestarem contrariamente ao regime em que vivem.

Outro ponto de relevância para visualização do contexto da obra é a questão da liberda-de – ou a falta dela –, nesse sentido aduz (NASCIMENTO, 2005):

O controle social exercido pela camada dominante (denominados de Betas, Alfas e Alfas Positivos) sob as castas inferiores (Ípsilons e Gamas) é condicionada desde o nascimento dos fetos in vitro. Ministrando espermas inferiores em condições climá-ticas desfavoráveis ao perfeito estado do desenvolvimento dos fetos em laboratórios, obtinha-se a camada de seres menos evoluídos e mais inferiores da sociedade. Prati-camente subumanos incapazes de realizarem tarefas complexas que exijam um Q.I. elevado, são destinados a fazerem as tarefas menos desejáveis pelos seres superiores. O controle social feito a essa casta torna-se praticamente perfeito, já que soma - se a sua incapacidade intelectual as várias maneiras de entretenimento (esportes, cinema) proporcionadas pela sociedade, como o sexo em abundância e grandes doses diárias de Soma, tornando-os apáticos de rebelarem-se contra seus governantes.

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OS ELEMENTOS DE SUBVERSIDADE E DESESTABILIZAÇÃO POLÍTICA NO AD-MIRÁVEL MUNDO NOVO

Segundo Huxley (2000, p.47), em sua obra “Regresso ao Admirável Mundo Novo”3, “a sobrevivência da democracia depende da capacidade de grandes maiorias para fazerem esco-lhas de modo realista à luz de uma informação sólida”.

O autor afi rma, em consequência, que “uma ditadura, pelo contrário, mantém-se cen-surando ou deturpando os fatos, e apelando, não para a razão, não para o interesse próprio esclarecido, mas para a paixão e para o convencionalismo, para as poderosas “forças ocultas” (idem, p.48).

Destarte, é de se inferir que, partido do pressuposto anteriormente explicitado de que os regimes distópicos são vistos por um espectro do absurdo e do controle social, cabe, por con-seguinte, buscar o que Huxley chamou de “forças ocultas”, entendidas neste estudo como os instrumentos e mecanismos utilizados pelos regimes distópicos para que o sistema de controle seja instaurado e mantido ao longo do tempo.

É importante considerar, que, conforme visualizado no subtítulo anterior, o controle do Estado, no Admirável Mundo Novo, só existe em função do bem-estar dos indivíduos e da harmonia social. Ou seja, a forma de dominação estatal se dá por meio de armas silenciosas, capazes de não só manter o corpo social alienado, mas, também, de promover uma espécie de lavagem cerebral, na qual os indivíduos vão, aos poucos, perdendo a capacidade de crítica e o sistema se instaura de forma quase absoluta.

Essa é uma construção que diverge, por exemplo, do que pode ser visualizado na obra 1984 de George Orwell.

Na referida obra, o cenário é um pouco mais nefasto. A sociedade descrita no 1984 é uma sociedade controlada quase exclusivamente pelo castigo e pelo receio do castigo (HUX-LEY, 2000).

É o que percebemos pelas palavras de O’Brien, personagem da história:

Começas a distinguir que tipo de mundo estamos criando? É exatamente o contrá-rio das estúpidas utopias hedonísticas que os antigos reformadores imaginavam. Um mundo de medo, traição e tormentos, um mundo de pisar ou ser pisado, um mundo que se tornará cada vez mais impiedoso, à medida que se refi na. O progresso em nosso mundo será o progresso no sentido de maior dor. As velhas civilizações proclamavam-se fundadas no amor ou na justiça. A nossa funda-se no ódio. Em nosso mundo não haverá outras emoções além de medo, fúria, triunfo e autodegradação. Destruiremos tudo mais, tudo. Já estamos liquidando os hábitos de pensamento que sobreviveram de antes da Revolução. Cortamos os laços entre fi lho e pai, entre homem e homem,

3 Nas palavras de (NASCIMENTO, 2005) o Regresso ao Admirável Mundo Novo é uma autocrí-tica feita por Aldous Huxley ao Admirável Mundo Novo. Escrito duas décadas depois da publicação da obra, apre-senta um balanço do que ele considera como as principais qualidades (que seriam as concretizações de algumas de suas profecias) e suas maiores falhas (como a omissão da bomba atômica e da guerra nuclear). O livro é dividido em 12 capítulos, onde em cada um deles, Huxley analisa os principais aspectos presentes no Admirável Mundo Novo, tais como a superpopulação, superorganização, a propaganda numa sociedade democrática e a propaganda sob uma ditadura, lavagem cerebral, persuasão química, persuasão subconsciente e hipnopédia (termo que descre-ve sessões de terapia comportamental feitas durante o sono dos pacientes).

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mulher e homem. Ninguém mais ousa confi ar na esposa nem nos amigos. As crianças serão tomadas das mães ao nascer, como se tiram os ovos da galinha. O instinto sexual será extirpado. A procriação será uma formalidade anual como a renovação de um ta-lão de racionamento. Aboliremos o orgasmo. Nossos neurologistas estão trabalhando nisso. Não haverá lealdade, exceto lealdade ao Partido. Não haverá amor, exceto amor ao Grande Irmão. Não haverá riso, exceto o riso de vitória sobre o inimigo derrotado. Não haverá nem arte, nem literatura, nem ciência. Quando formos onipotentes, não teremos mais necessidade de ciência. Não haverá mais distinção entre a beleza e a feiura. Não haverá curiosidade, nem fruição do processo da vida.Todos os prazeres concorrentes serão destruídos. Mas sempre... não te esqueças, Winston... sempre ha-verá a embriaguez do poder, constantemente crescendo e constantemente se tornando mais sutil. Sempre, a todo momento, haverá o gozo da vitória, a sensação de pisar um inimigo inerme. Se queres uma imagem do futuro, pensa numa bota pisando um rosto humano, para sempre (ORWELL, 2009, p.255).

Em contrapartida, Huxley (2000, p.7) assevera que “no mundo fi ctício da minha própria imaginação, o castigo não é frequente e é, de um modo geral, brando”.

Dessa forma, percebe-se que, no universo criado por Huxley “o controle quase perfeito exercido pelo governo é executado pelo reforço metódico de comportamento desejável, por inúmeras variações de manipulação quase não-violenta, tanto física como psicológica, e pela estandardização genética” (2000, p.7).

É nesse ponto específi co que conseguimos visualizar o papel dos elementos subversivos e desestabilizadores da ordem política e social no contexto do Admirável Mundo Novo.

Ocorre que, para a manutenção do regime instaurado, teve-se como necessário o contro-le seletivo de experiências e produções humanas capazes de levantar refl exões acerca do papel do indivíduo da sociedade e, até mesmo, dos direitos e garantias que podem ser exigidos de um Estado. Falamos aqui, nesses moldes, da arte, da ciência, da história e da religião.

Proclamando o lema “Comunidade, Identidade, Estabilidade”, o Estado Mundial – fi gu-ra estatal criada por Huxley – precisou remodelar e atribuir novas funções aos referidos tópicos, tendo em vista o poder de contraponto político e ideológico que eles podem tomar.

Nas próximas páginas, tomaremos como discussão os tópicos, considerados neste estu-do como elementos de subversividade e desestabilização política e social no Admirável Mundo Novo, e o como percebe-se a remodelação de tais elementos para que se adequem aos interesses do regime distópico.

A ARTE

Na tentativa de traçar uma conceituação para o que chamamos de arte (DALMAU, 2014, p.4) pontua que tal forma de expressão constitui-se como uma “manifestação da atividade humana por meio da qual se expressa uma visão pessoal e desinteressada que interpreta o real ou imaginado com recursos plásticos, linguísticos ou sonoros 4”.

Adorno (2004) apud Rosauro (2012), pontua que “a importância radical da arte deve-se 4 “(...) manifestación de la actividad humana mediante la cual se expresa una visión personal y desinteresada que interpreta lo real o imaginado con recursos plásticos, lingüísticos o sonoros”. arte (DALMAU, 2014)

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fundamentalmente à sua capacidade de tornar visíveis os confl itos que povoam a esfera política e que muitas vezes passam despercebidos entre as lutas ideológicas”.

Rosauro (2012) ainda ressalta que Adorno defendeu o valor político da arte que orienta uma possível práxis, isto é, um modo de se comportar, pelo qual se assumem plenamente as ex-periências históricas concretas, bem como a expectativa de transformação social que é gerada.

É diante da visualização da arte pelo seu viés político que se torna possível o entendi-mento dessa manifestação humana no Admirável Mundo Novo.

Cabe ressaltar que para o presente estudo, entendeu-se como arte as produções de lite-ratura, música e as artes cênicas. Por não se objeto de nosso estudo, preferiu-se partir de uma abordagem que considera os pontos mais evidentes – e que se relacionam com a arte – na obra de Huxley.

Dessa forma, estabelece-se um entendimento de arte, dentro do Admirável Mundo Novo, na qual não é só importante controlar aquilo que é divulgado aos indivíduos da sociedade, mas também é preciso evitar que estes tenham algum desejo, criatividade ou a sensibilidade neces-sária para perceber as experiências humanas por intermédio da arte.

Tal percepção fi ca evidente no contexto em estudo, pelo condicionamento realizado nas crianças do Estado Mundial, no qual elas são induzidas a terem repugno às formas de arte. É o que se extrai pelo fragmento:

Os livros e os ruídos aterradores, as fl ores e as Odescargas eléctricas, formavam já no espírito das crianças pares ligados de maneira comprometedora; no fi m de duzentas repetições da mesma lição ou de outra semelhante, estariam ligados indissoluvelmen-te. Aquilo que o homem uniu, a Natureza é impotente para separar. - Eles crescerão com aquilo a que os psicólogos chamam um ódio «instintivo» aos livros e às fl ores. Refl exos inalteravelmente condicionados. Nada quererão com a literatura e com a botânica durante toda a vida. - O Director voltou-se para as enfermeiras: - Podem levá-los (HUXLEY, 2014, p.17).

Além do potencial político instituído pela arte nas relações sociais, vale levantar que, dentro da fi losofi a do Estado Único, não seria possível a manutenção de um regime no qual as pessoas são intensamente incentivas à consumir, quando os indivíduos podem ter acesso à for-mas de entretenimento de baixo custo ou que só dependem das habilidades humanas. É o que se percebe em: “O regresso à cultura. Sim, autenticamente à cultura. Não se pode consumir muito se se fi ca tranquilamente sentado a ler livros” (p.33).

O universo criado por Huxley não só tratou de censurar e evitar que os cidadãos pensem de forma artística, diante do potencial político que ela tem, mas, também, de reduzir tal poten-cial à proporção que ele não possa interferir na ordem regimental estabelecida.

É o caso específi co da música. No Admirável Mundo Novo, a música é repensada de forma a se tornar apenas uma propiciadora de experiências sensíveis superfi ciais e alienadoras. Todo o poder de questionamento social, intrínseco à música, é sufocado.

O órgão dos perfumes tocava um Capricho das Ervas, deliciosamente fresco, harpejos saltitantes de tomilho e de alfazema, de alecrim, manjerico, murta e estragão- uma série de modulações audaciosas, passando por todos os tons das especiarias, até ao

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âmbar cinzento, e uma lenta marcha invertida, pelos bosques de sândalo, de cânfora, de cedro e de feno fresco ceifado (com tonalidades subtis, por momentos, e notas discordantes -, uma baforada de pastel de rins, uma remota suspeita de estrume de porco), para regressar aos aromas simples com os quais a melodia tinha começado. O último acorde de tomilho desvaneceu-se; houve um ruído de aplausos e as luzes acenderam-se. Na máquina de música sintética, o cilindro de impressão sonora come-çou a girar. Ouviu-se um trio para hiperviolino, supervioloncelo e pseudo-oboé, que encheu então a atmosfera com a sua agradável languidez. Trinta a quarenta compas-sos, e depois, sobre esse fundo instrumental, uma voz bem mais que humana começou a vibrar; ora voz de garganta, ora voz de cabeça, ora sibilante como uma fl auta, ora pesada de harmonias prenhes de desejo, passava sem esforço do registo de baixo de Gaspar Foster aos extremos limites dos sons musicais, até ao trinado agudo como o grito do morcego, muito acima do dó mais elevado que deu uma vez (em 1770, na ópera Ducal de Parma e perante o espanto de Mozart) Lucrezia Ajugari, única cantora que a história registou (HUXLEY, 2014, p.96).

Nesse sentido, Napolitano (2007), ao estabelecer refl exões sobre o papel da música na sociedade, aponta para uma nova forma de pensar a relação entre música, sociedade e ideologia, numa perspectiva em que a obra de arte não era mero refl exo das estruturas sociais, nem ex-pressão direta da história das ideias e das ideologias. A obra, nesta perspectiva, era uma espécie de feixe de tensões de problemas e de séries culturais, muitas vezes contraditórias e, por isso mesmo, expressão dos projetos e lutas culturais de uma determinada época.

No Admirável Mundo Novo de Huxley, foi necessário lidar com uma música num pris-ma puramente sensitivo, e não refl exivo. A experiência musical se tornou sintética, controlada por Escritórios de Propaganda, que objetiva transformá-la num mecanismo intimamente atra-ente.

Huxley (2000), ao abordar a propaganda dentro da sua obra e estabelecer conexões com às artes, nos diz que para o prapagandista comercial, como para os seus companheiros da políti-ca e da religião, a música possui ainda outra vantagem. Os absurdos que seria vergonhoso para um ser humano escrever, dizer ou ouvir dizer, podem ser cantados ou ouvidos pelo mesmo ser humano, com prazer, e até com uma certa convicção intelectual.

Podemos nós aprender a isolar o prazer de cantar ou de ouvir cantar e a propensão de-masiado humana para crer na propaganda que a canção encobre? Eis novamente o problema (HUXLEY, 2000).

A CIÊNCIA

Em um dos principais diálogos da obra, o Administrador máximo do Estado Mundial, Mustafá Mond assevera ao Selvagem, personagem que teve a sua criação numa reserva que mantém os moldes de sociedades reais, que “não é apenas a arte que é incompatível com a felicidade. Há também a ciência. A ciência é perigosa; somos obrigados a mantê-la cuidadosa-mente acorrentada e amordaçada” (HUXLEY, 2014, p.129).

Qualquer mudança é uma ameaça para a estabilidade. Aqui está uma outra razão para que estejamos tão pouco inclinados a utilizar invenções novas. Qualquer descoberta da ciência pura é potencialmente subversiva; qualquer ciência tem de ser, às vezes,

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tratada como um possível inimigo. Sim, mesmo a ciência. A ciência? O Selvagem franziu os sobrolhos. Conhecia a palavra. Mas o que realmente signifi cava, John não o sabia. Nem Shakespeare nem os velhos do pueblo tinham mencionado a ciência e de Linda recebera apenas indicações muito vagas: a ciência é qualquer coisa com que se fazem os helicópteros, qualquer coisa que faz que nós zombemos das Danças do Trigo, qualquer coisa que nos impede de criar rugas e de perder os dentes. Fez um esforço desesperado para entender o que o Administrador queria dizer. - Sim - dizia Mustafá Mond -, esta é outra parcela no passivo da estabilidade (HUXLEY, 2014, p.129).

No Admirável Mundo Novo de Huxley, a ciência é vista como um dos principais instru-mentos da estabilidade social. O campo científi co só é percebido diante de um prisma utilitário. Ou seja, as pesquisas e inovações do Estado Mundial não tem o escopo de promover o avanço social e a melhora na qualidade de vida das pessoas e do planeta, mas sim de garantir ao regime o amparo necessário para que este consiga desenvolver suas atividades de controle e opressão.

Explico. A ciência, na história de Huxley, é devidamente controlada para prover à socie-dade aquilo que é obrigada a satisfazer. Não existe, aqui, qualquer abertura para o pensamento científi co incondicionado, tendo em vista que “o tema do Admirável Mundo Novo não é o pro-gresso da ciência propriamente dita - é o progresso da ciência no que diz respeito aos indivíduos humanos” (HUXLEY, 2000).

Os triunfos da química, da física e da arte do engenheiro são considerados tacitamente como progredindo com normalidade. Os únicos progressos científi cos que são explicitamente descritos são aqueles que interessam à aplicação aos seres humanos das futuras pesquisas em biologia, fi siologia e psicologia (idem, 2000)

A HISTÓRIA

São dos diálogos e dilemas vividos pelo personagem Selvagem que se extraem os mais evidentes contornos dados por Huxley ao estudo da história no Admirável Mundo Novo.

No contexto em questão, verifi ca-se uma campanha contra o passado, pelo encerramento dos museus, pela destruição dos monumentos históricos e pela supressão de todos os livros publicados antes do ano 150 (HUXLEY, 2014).

O Selvagem do Admirável Mundo Novo espanta e aterroriza as pessoas com demonstra-ções de alegria, afeto, raiva e tristeza, emoções que aprendeu com a leitura das obras de Shakes-peare e eram então desconhecidas e temíveis na asséptica realidade de Huxley.

A leitura de Shakespeare, proibida no mundo distópico de Huxley, representa uma ode ao passado, à sociedade em sua constituição prévia ao Estado Mundial, na qual as pessoas perce-biam o presente e, muitas vezes, o futuro por meio de uma concepção histórica.

Acontece que, dentro da nova dinâmica constituída no Admirável Mundo Novo, não há espaço para valorização do passado – ou sequer o estudo dele -, tendo em vista a constante necessidade de signifi cação do presente e da estabilidade do Estado Mundial frente à nostalgia e capacidade de percepção das transformações políticas, econômicas e sociais advindas da his-tória.

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A RELIGIÃO

Com o escopo de visualizar a roupagem dada por Huxley à religião no Admirável Mundo Novo, faz-se importante a leitura de um trecho da obra Nós, do autor russo Yevgeny Zamyatin (2017, p.60) 5:

A julgar pelas descrições que até nós chegaram, devia ser semelhante à emoção que os antigos sentiam durante os Serviços Divinos. Eles, porém, celebravam-nos em honra de um Deus absurdo, desconhecido, ao passo que os nossos se dirigem a um Deus coerente e perfeitamente conhecido em toda a sua perfeição; o Deus deles só lhes dava inquietações eternas, torturantes, e a coisa mais brilhante que lhe passou pela ideia foi oferecer-se a si próprio em sacrifício, sabese lá por que motivos; o sacrifício que nós ofertamos ao nosso Deus, que é o Estado Único, é um sacrifício profundamente ponderado, racional. Sim, foi solene a cerimonia que celebramos em louvor do Estado Único, uma comemoração dos dias e dos anos cruciais da Guerra dos Duzentos Anos, uma majestosa festividade ao triunfo de todos sobre o um, da soma sobre a unidade. (...) Os nossos deuses estão aqui em baixo no meio de nós: nos Gabinetes, na cozinha, na ofi cina, no lavabo… Os deuses passa-ram a ser como nós; ergo, nós passámos a ser como os deuses. E vamos agora ter convosco, leitores planetários desconhecidos, vamos até vós para tornarmos a vossa vida tão divinamente racional e regular como a nossa (grifo nosso).

Percebe-se que a religião, de forma geral, na obra de Zamyatin é vista ante um crivo ra-cionalista, no qual a fi gura objeto de culto é o próprio Estado, tendo em vista ser esse o detentor de todo triunfo e glória da civilização.

No Admirável Mundo Novo é possível se traçar a mesma linha de pensamento. Isso por-que, nas palavras do próprio Mustafá Mond - administrador do Estado Mundial – “Deus não é compatível com as máquinas, a medicina científi ca e a felicidade universal” (HUXLEY, 2014, p.135)

Tal pensamento torna-se justifi cável, considerando que a religião como sistema parece, geralmente, consensual, por comportar “padrões atuais de relações sociais formados em ins-tituições sociais e coletividades interdependentes”, produzidos e reproduzidos com base em estruturas (regras e recursos) próprias (COUTINHO, 2012).

Deste sistema participam crenças, práticas, símbolos, visões do mundo, valores, coleti-vidades e experiências. Logo, a religião pode ser vista como a visão do mundo, associada ao sentido da vida, e a ética, normas, regras ou valores (COUTINHO, 2012).

Contudo, na leitura de Huxley, não é possível se admitir tais normas sociais, primeiro porque as construções de cunho religioso tem o potencial de dividir o culto que pode ser dire-cionado à “grandiosidade” do Estado Mundial e, depois, porque o sentimento de pertencimento religioso, na concepção dos fundadores fi ctícios do regime de Huxley, advém de um condicio-namento social que não compõe os interesses estatais, já que esse tem seus próprios condicio-

5 George Orwell, em resenha à edição do livro Nós, afi rmou que “a primeira coisa que qualquer um notaria a respeito de Nós é o fato de que o Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, deve, em parte, origi-nar-se dele. A atmosfera dos dois livros é semelhante, e, em linhas gerais, é o mesmo tipo de sociedade que está sendo descrito, embora o livro de Huxley demonstre menos consciência política”.

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namentos. É o que se percebe no seguinte trecho:

Você poderia perguntar da mesma forma se é natural fechar as calças com um fecho éclair - disse o Administrador, sarcasticamente. Você faz-me lembrar um outro desses antigos, um tal Bradley. Ele defi nia a fi losofi a como a arte de encontrar uma má razão para aquilo em que se acredita instintivamente. Como se se acreditasse, seja no que for, instintivamente! Acredita-se nas coisas porque se foi condicionado para acreditar nelas. A arte de encontrar más razões para aquilo em que se crê, em virtude de outras más razões, isso é fi losofi a. Crê-se em Deus porque se foi condicionado para crer em Deus (HUXLEY, 2014, p.135)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observamos que, no regime distópico de Huxley, as instituições e regramentos sociais constituem-se de forma a impossibilitar a resistência e a desalienação do corpo social, logo impedindo que o indivíduo perceba o processo de controle em que encontra-se inserido.

Assim, a arte, a religião, a história e a ciência, entendidas, neste estudo, como instrumen-tos de refl exão e percepção do ser humano na sua individualidade, não são compatíveis com as máquinas, a engenharia genética e a felicidade do Admirável Mundo Novo.

Por derradeiro, ressaltamos que a grande ironia de Huxley encontra-se na idealização de um sistema no qual as características que o tornam distópico são, guardadas as devidas propor-ções, semelhantes às que permeiam as aspirações e desejos da sociedade contemporânea.

REFERÊNCIAS

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