Land Art na Arquitectura Patrimonial
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Land Art na arquitectura patrimonialInterface entre arquitectura e interveno efmera
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TEMA 5
A versatilidade funcional do espao pblico em reas urbanas
TTULO
Land Art na arquitectura patrimonialInterface entre arquitectura e interveno efmera
AUTORES
Andr Magalhes Camelo, Arqto.Hlder Cardoso, Arqto.Samuel Barbedo, Arqto.
DISCIPLINA
Reabilitao do espao pblicoFEUPSetembro de 2006
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1.2
2
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2.2
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3.1
3.2
3.2.1
3.2.2
3.2.2
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ndice
Introduo
PATRIMNIO
Conceito e evoluo
Cristalizao e desfuncionalizao do patrimnio
LAND ART
Conceito e evoluo
Land Art como catalizador da animao do espao
LAND ART NO PATRIMNIO
Arquitectura histrica/patrimonial e a interveno efmera
Anlise de casos prticos:
Interveno em Vilarinho das Furnas
(o retorno da memria)
Sur la vie - Evreux
(Interveno de Tadashi Kawamata)
Interveno de Christo e Jeanne-Claude em Paris e Berlim
(dessacralizao dos land marks da cidade)
CONCLUSO
2
3
3
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ndice e origem das figuras
A valorizao do ambiente urbano, segundo um desenho de Giovannoni
Giovannoni, Gustavo Vecchie citt ed edilizia nuova, edizione cittastudio, Milano, 1995
O Duomo de Florena e a cpula de Brunelleschi a presena de uma imagem que domina e enquadra a cidade.
Postal turstico de Florena
Siena a memria como cenrio escala da cidade
Fotografia tirada no local
Asia Circle Stones, de Richard Long, Monglia - crculo, como forma de evidenciar uma identidade entre ns e a natureza
http://www.richardlong.org/sculptures.htm
Stonehenge. Salisbury Plain, Wiltshire, Inglaterra - monumentos megalticos como referncia Land Art
http://kmail5.free.fr/page%2006%20-%20Stonehenge.jpg
lightning field de Walter De Maria - fenmenos meteorolgicos como matria moldvel da Land Art
http://img.timeinc.net/popsci/images/science/sci0204light_485x500.jpg
Leitura do conjunto sujeita interveno, na paisagem
BARRIAS, Jos - Jos Barrias, etc, Fundao Calouste Gulbenkian-Centro de Arte Moderna Jos de Azevedo Perdigo,
Lisboa, 1996
Leitura do conjunto sujeita interveno, na paisagem
BARRIAS, Jos - Jos Barrias, etc, Fundao Calouste Gulbenkian-Centro de Arte Moderna Jos de Azevedo Perdigo,
Lisboa, 1996
Introduo de plano de tecido branco nos vos das runas granticas
BARRIAS, Jos - Jos Barrias, etc, Fundao Calouste Gulbenkian-Centro de Arte Moderna Jos de Azevedo Perdigo,
Lisboa, 1996
Perspectiva interior a partir de uma antiga casa o limite da porta reinventado.
BARRIAS, Jos - Jos Barrias, etc, Fundao Calouste Gulbenkian-Centro de Arte Moderna Jos de Azevedo Perdigo,
Lisboa, 1996
Sur la vie, Tadashi Kawamata, Evreux - confronto entre o efmero da instalao e o urbano tectnico http://www.exporevue.
com/magazine/fr/kawamata.html
Sur la vie, Tadashi Kawamata, Evreux - (re)encontro da populao com a cidade
http://www.exporevue.com/magazine/fr/kawamata.html
Sur la vie, Tadashi Kawamata, Evreux - (re)encontro da populao com a cidade
http://www.exporevue.com/magazine/fr/kawamata.html
Sur la vie, Tadashi Kawamata, Evreux - encontro passado futuro
http://www.exporevue.com/magazine/fr/kawamata.html
Maquete da instalao Sur la vie, Tadashi Kawamata, Evreux
http://www.annelyjudafineart.co.uk/artists/kawamata/tk203.htm
sidewalk, instalao de Tadashi Kawamata - ligao do tempo e da memria
http://www.dade.at/sidewalk/text-vincent.htm
Reichstag e a Porta de Brandemburgo separados pelo muro
VAIZEY, Marina Christo, Academy Editions, London, 1991
Manifestao em 1948, com Reichstag destrudo pela guerra
VAIZEY, Marina Christo, Academy Editions, London, 1991
A fluncia da populao Platz der Republik, dominada pelo Wrapped Reichstag
VAIZEY, Marina Christo, Academy Editions, London, 1991
Reichstag e a vizinha porta de Brandemburgo
VAIZEY, Marina Christo, Academy Editions, London, 1991
Envolvimento da populao na montagem da obra
VAIZEY, Marina Christo, Academy Editions, London, 1991
Diferenas cromticas ao longo do dia - Reichstag iluminado
VAIZEY, Marina Christo, Academy Editions, London, 1991
Pont Neuf Wrapped, Jeanne-Claude e Christo, - O (re)descobrir de um smbolo da cidade
http://www.popartshop.de/Detail.php?ID=684&PopArt=fd3e95f32a89f804eb8a055bb0375e01
Pont Neuf Wrapped, Jeanne-Claude e Christo, - O (re)descobrir de um smbolo da cidade
http://christojeanneclaude.net/
The Gates, Jeanne-Claude e Christo - A recriao e dinamizao do espao pblico
http://christojeanneclaude.net/
Fig. 1
Fig. 2
Fig. 3
Fig. 4
Fig. 5
Fig. 6
Fig. 7
Fig. 8
Fig. 9
Fig. 10
Fig. 11
Fig. 12
Fig. 13
Fig. 14
Fig. 15
Fig. 16
Fig. 17
Fig. 18
Fig. 19
Fig. 20
Fig. 21
Fig. 22
Fig. 23
Fig. 24
Fig. 25
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01 | 02
Introduo
A preservao do patrimnio condio sine qua non para manter viva a cultura e identidade de um
povo. para isso absolutamente necessrio reabilitar o patrimnio de forma integrada com o espao que o
envolve, as funes que lhe do vida e todo o contexto em que se insere, social, econmico e cultural. No
reabili-tando apenas os edifcios, isoladamente que se consegue preservar o patrimnio de reas histricas.
urgente revitalizar o patrimnio, manter e promover a sua utilidade, reabilitando as suas funes ou
prepar-lo para novas utilizaes. Para alm de versatilizar o seu carcter utilitrio, necessrio igualmente
actualizar ou acrescentar novos significados vivenciais, promover a reflexo de modo a que seja absorvido
pelas pessoas que com ele coabitam, para que possa ser vivido sem a carga intimidatria que muitas vezes
afasta as pessoas das reas histricas. es-sencial dar vida a estes espaos, reinvent-los, anim-los.
Este trabalho pretende averiguar de que forma a Land Art pode contribuir para versatilidade do espao
p-blico em zonas histricas.
Nos trs captulos que se seguem procura-se desvendar as realidades distintas do patrimnio enquanto
conceito sujeito a diferentes interpretaes e metodologias de interveno; Land Art movimento artstico
as-sociado paisagem (natural ou transformada), na fronteira com a arquitectura; e intercepo das duas
realidades, concretizada em casos prticos analisados.
Ao fomentar o usufruto ldico do espao pblico, promovendo a reflexo crtica do indivduo sobre a
nova realidade com que se depara, a interveno Land-Art confere uma nova densidade espacial e temporal
a locais previamente encarados como realidades consumadas e estticas, estimulando a observao e
interpretao da realidade que nos rodeia.
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Patrimnio
Conceito e evoluo Patrimnio, no seu sentido lato, corresponde a um bem a preservar. No universo da arquitectura, enquanto
actividade dinmica, associa-se memria de elementos construdos que resistem na paisagem, que nos
recordam a nossa condio efmera, integrante e operante na evoluo da sociedade.
Diferentes elementos singulares, com diferentes formas de permanncia, desenham depsitos de significa-
dos, elementos de ressonncia cultural, de valncia documental, evocativa ou artstica. Mas a definio do
estatuto de valor de uma obra cultural histrica requer uma seleco. Nem todo o histrico , apenas pela sua
condio, parte do patrimnio, e consequentemente, matria a preservar. Por outro lado concorrem entre si
o gosto pelo antigo e a vontade pelo novo, pelo moderno, consequncia das diferentes sensaes e percep-
es distintas produzidas no indivduo. O reconhecimento do (s) valor (es) de um edifcio/conjunto de interesse
histrico e patrimonial associa-se a um conceito de qualidade; que pode ser original (intrnseca ao objecto) ou
adquirida (certas qualidades do objecto resultam agregadas em sucessivos momentos histricos associados a
diferentes transformaes formais, susceptveis a serem descobertas, valorizadas e reconhecidas).
Por outro lado, o efeito inovador, que se destaca face a uma certa normalidade e tradio num momento
histrico concreto, um dos valores fundadores da qualidade evocativa (em determinados casos, este efeito
associa-se a elementos transgressivos face ao campo cultural da poca - como no caso da torre Eiffel, hoje
um reconhecido smbolo parisiense). A objectividade com que o elemento patrimonial encarado enquanto
entidade, pode ser afectada, consequncia de uma vida material que o objecto original acusa (natural e cul-
tural), que o degrada, transforma e altera. precisamente devido a essa insustentabilidade do objecto puro,
que se desenvolveram diferentes perspectivas valorativas e que em parte contm as polmicas modernas
face interveno em edifcios de interesse histrico e patrimonial. O patrimnio arquitectnico constituiu el-
emento resistente e significativo na imagem da cidade; recordando Kevin Lynch: A imaginabilidade, , para
um objecto fsico, a qualidade atravs da qual este possui grandes hipteses de provocar uma imagem forte
em qualquer observador (1). O carcter simblico do monumento tradicional reforou-se na actualidade,
reactivando-se tambm o conceito de ambiente, caracterizado nos centros histricos, na relao entre con-
struo e monumentos, de acordo com as consideraes de Giovannoni.
A evoluo dos conceitos interventivos no preexistente constitui um exerccio importante para a descodi-
ficao da problemtica abordada, espelhando uma crescente preocupao das sociedades de diferentes
pocas na preservao do patrimnio que as caracteriza e enquadra, revelando novos caminhos.
Durante o perodo helnico, at ao final da idade mdia, a arquitectura sofreu intervenes, essencial-
mente com a inteno de restaurar a sacralidade do lugar, mas no Renascimento que pela primeira vez
se adquire uma conscincia do passado desenvolvendo-se o estudo e anlise de monumentos clssicos por
meio de escritos, desenhos e levantamentos. Leon Batista Alberti articula uma primeira teoria de actuao
em preexistncias segundo necessidades fundamentalmente econmicas, mas para as quais foi capaz de
conceber solues estticas.
1 LYNCH, Kevin - A imagem da cidade - Ed. Dunot, Paris, 1976
1
1.1
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S a partir dos finais do sculo XVIII a sociedade comea a apreciar historicamente a arquitectura
com uma valorizao independente ao seu destino. No sculo XIX, a sensibilidade romntica invoca nos
monumentos o estado de esprito que preconiza, o da beleza desalentada, de ndole triste e de gestos
largos. Posteriormente, novas abordagens problemtica da interveno no existente suscitaram posies
diferentes e at opostas, que procuro desvendar nos seus nomes mais emblemticos, e no debate alargado
que suscitou. De facto, no sculo XIX, como consequncia do despertar do interesse sobre o tema enunciado,
o debate alarga-se a uma dimenso europeia, opondo-se duas doutrinas: a do no intervencionismo, do
imobilismo arquitectnico face aos testemunhos do passado, lgica dominante em Inglaterra, e por outro
lado, uma outra perspectiva, mais alargada, que defende a interveno e restauro. Este debate est balizado
nas duas grandes figuras, Eugne Viollet-le-Duc (1814-1879) restauro estilstico, e John Ruskin (1819-1900)
movimento anti-restauro.
Durante as ltimas dcadas do sculo XIX, os arquitectos e tericos italianos reagem aos excessos
produzidos pela escola Violletiana na Europa e em Itlia e contra o fatalismo passivo da escola Inglesa, propondo
essencialmente a conservao e procurando uma dialctica entre o antigo e o novo na inevitabilidade de
interveno. Como consequncia deste debate surgiram duas orientaes, expressas por Luca Beltrami e
Camilo Boito.
Com Luca Beltrami (1854-1933), o mtodo histrico proposto procurava contrariar as arbitrariedades
da concepo estilstica - que no recorria a critrios unitrios para cada interveno - e que deveria ser
distinta e de tratamento especfico, defendendo a procura da realidade histrica original do monumento,
encarando-o como um documento cujas diferentes fases construtivas devem ser reconhecidas, documentadas
e consequentemente, respeitadas e conservadas.
Fig. 1 - A valorizao do ambiente urbano, segundo um desenho de GiovannoniFig. 2 - O Duomo de Florena e a cpula de Brunelleschi a presena de uma imagem que domina e enquadra a cidade.
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Paralelamente difuso das teorias de Beltrami, desenvolve-se em Itlia a articulao de outra
corrente, definida por Camilo Boito (1836-1914), que ter maior impacto na Europa. A chave do seu conceito
de interveno consistia em se conseguir um critrio suficientemente hbil que defendesse a memria
histrica do monumento e recuperasse a imagem antiga do mesmo, evitando os excessos dos seguidores de
Viollet-le-Duc. Defendia primordialmente a conservao do edifcio, atravs de um esforo de continuada
manuteno, aproximando-se das consideraes anti-restauradoras de Ruskin.
Gustavo Giovannoni (1873-1947) integra uma nova gerao de restauradores europeus que trata
de levar s ltimas consequncias os postulados de Boito. Atribui maior significado s estruturas, aos espaos,
aos volumes e s tcnicas construtivas apoiadas na anlise dos materiais antigos e em levantamentos
arquitectnicos. Como princpio bsico, Giovannoni defendia fecundar-se do sentido da arte o sentido
histrico desta afirmao emana a sua teoria conservacionista e cientfica. Classifica os monumentos de
mortos, aqueles cujo uso original desapareceu e que carecem de utilidade prtica e de monumentos vivos,
aqueles que mantm as suas funes originais ou que podem ser reutilizados para outras semelhantes, razes
pelas quais a sua adaptao possvel recorrendo a intervenes mnimas. Mas onde verdadeiramente surge
a modernidade em Giovannoni na sua capacidade em definir com os critrios actuais, os problemas da
defesa dos centros histricos, a afirmao do conceito de respeito ambiental e a valorizao das arquitecturas
menores. Giovannoni no fala apenas no valor pitoresco ou na vetustez de um espao urbano; atribuindo
importncia capital aos volumes que se geraram nas ruas com os tempos, s suas cores, e hierarquia
patente na percepo do valor da perspectiva, assumida e reconhecvel por entre as ruas e casario; refere as
arquitecturas menores que desaparecem dos centros histricos, afectando as tramas originais.
Paralelamente difuso das grandes teorias da interveno no existente, a constatao de
problemas graves associados s cidades ps-revoluo industrial (crescimento demogrfico explosivo
e xodo rural para um modelo de cidade que no comporta as crescentes solicitaes e onde a misria,
a doena e a insalubridade se difundem), associada a uma notria evoluo tecnolgica a que se alia
uma nova mentalidade, conduzem a um novo esprito de concepo da cidade, expresso num tratado
inovador, regulador do planeamento da cidade, do territrio e da criao arquitectnica: a Carta de Atenas
(1931). Embora esteja patente uma preocupao com os valores arquitectnicos representativos de outras
culturas, alguma ansiedade em se manifestar essa nova vontade conduziu a ambiguidades e lacunas no
documento valores como o da individualidade da histria e da diversidade da criao arquitectnica no
foram devidamente respeitados, defendendo-se a mxima que considera que a manuteno dos valores
referidos no deve nunca sobrepor-se ao combate insalubridade, enfatizando-se a ideia de evoluo
contnua expressa pela modernidade e opondo a vanguarda estabilidade de valores associado ao passado
histrico.
A Carta de Veneza, redigida em 1964, constituiu um documento preconizador da valorizao dos
conceitos expressados na obra arquitectnica (no seu ambiente, incluindo em tal conceito, centros histricos,
stios arqueolgicos, espaos naturais,...) sujeita a interveno, recorrendo a todos os meios cientficos e
interdisciplinares mais avanados, respeitando a documentao histrica, no descurando conceitos como o
as reversibilidade, e valorizando a estrutura no seu sentido mais amplo, visto que as suas caractersticas plano-
volumtricas, murarias, de sustentamento, tipolgicas e compositivas se relacionam entre si e so fruto de uma
concepo original e autntica em cada uma das suas fases projectuais e construtivas. Preconiza o recurso a
materiais e tcnicas novas, desde que os valores previamente apontados no sejam lesados.
Depois da Segunda Guerra, difundiu-se o conceito de reutilizao, assente num discurso funcional
que procura garantir o usufruto dos edifcios do passado.
Fig. 3 - Siena a memria como cenrio escala da cidade
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Em 1975, desponta um novo termo, o da conservao integrada, princpio enunciado na Carta Europeia
do Patrimnio Arquitectnico e na declarao de Amesterdo, e mais recentemente (2000), um conjunto de
recomendaes sobre a conservao e restauro do patrimnio integram a Carta de Cracvia, patrocinada
pela EU, Iconos e UNESCO. A conscincia actual face ao problema enquadra a interveno no existente
como acto crtico e criativo, valorizando os valores artsticos e preterindo os mtodos generalistas, por oposio
aos particulares invocados em cada obra com as suas caractersticas singulares, individuais e intrnsecas. A
interveno efmera no universo patrimonial constitui um exerccio de caracterizao e reinterpretao
neste domnio, que embora no almeje uma soluo perene de conservao e re-funcionalizao no sentido
estrito, introduz novas variveis na sua caracterizao, favorecendo a reflexo e o debate sobre a relao
que estabelece com o espao circundante e com quem o frequenta.
05 | 06
-
Cristalizao e desfuncionalizao do patrimnio
Hoje em dia constata-se um progressivo fenmeno de abandono e cristalizao de conjuntos e
edifcios patrimoniais, fruto de uma acelerada mudana nos parmetros caracterizadores da sociedade,
nomeadamente os econmicos, que influenciam directamente os sociolgicos e os antropolgicos. Zonas
rurais desertificadas, centros histricos em processo de abandono, edifcios monumentais com elevados
custos de reabilitao/manuteno, constituem uma parte integrante da paisagem contempornea. O
projecto arquitectnico e o de interveno/instalao nesta realidade deve alicerar-se numa hiptese
crtica fundamentada na constatao de casos no inserveis em categorias pr-estabelecidas, e invocar
um estudo aliado sensibilidade histrico-crtica e conhecimentos tcnicos. no entanto necessrio no
enfatizar excessivamente a tendncia histrica (incorrendo no risco de congelamento da obra), face aos
valores arquitectnicos, nem vice-versa, evitando ainda a transformao dos edifcios em contentores
inertes, desprovidos de real significado. Urge projectar para o futuro a informao que cada obra particular
possui, torn-la evidente e compreensvel, procurar no desvirtuar o seu valor arquitectnico; se necessrio,
efectuar readaptaes a novos usos, novas interpretaes, procurando-se manter vivo o edifcio, num esforo
interdisciplinar capaz de agregar conhecimentos e reflexes desde a fase de investigao, de valorizao do
objecto arquitectnico e de definio final do projecto de interveno.
As regras so simples, pois so inexistentes. Cada caso nico, cada situao particular. O
precedente , por diversas ocasies, um guia incerto, o julgamento mais importante que a justia... Os
edifcios vivem em conjunto, como as pessoas, com disputas ocasionais, compromisso constante, respeito pelo
indivduo, aliado a um estranho sentimento de orgulho. Para se desvendar, analisar e enriquecer este padro
necessrio um grau invulgar de precauo e conhecimento sofisticado. (2).
O projecto de interveno, nomeadamente nos elementos consolidados pela histria influenciado
por uma srie de movimentos de ndole diversa, nomeadamente a incidncia de um pensamento neo-
acadmico de recomposio e reconciliao com a histria e o desenvolvimento de uma crtica econmica
e cientfica, em particular no que diz respeito cidade consolidada (sobretudo nos centros onde se verifica
a maior concentrao de monumentos e conjuntos, obsoletos face a novas condies de mobilidade
e comunicao). O reconhecimento do heterogneo, do diverso, associado a um sucessivo recurso
memria caracteriza o projecto arquitectnico actual, diversificando-se a tendncia para a reciclagem, do
acontecimento histrico, das suas imagens e formas, relativamente interveno no patrimnio formador e
integrante no ambiente urbano. O projecto de arquitectura sobre o existente pressupe uma reflexo que
precede a transformao de um determinado edifcio ou conjunto habitacional, com as suas referncias
mais circunstanciais relacionam-se com a escala dos edifcios, os seus materiais e com a teoria compositiva
que conduzir o projecto. Os seus factores mais diferenciados englobam a integrao de novos elementos e
atribuio de novos usos e consequentemente, a necessidade de uma reflexo consciente sobre o construdo
urgente no universo interventivo.
2 - CASSON, Hugh - the future of the past - Ed. Fane Fawcett, Londres, 1976
1.2
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Contemplando-o na sua materialidade, um edifcio patrimonial apresenta-se como um suporte de
acontecimentos (novos valores de uso, de interaco tecnolgica, funcional, de estrutura, de originalidade
e estado de conservao.), que se dever enunciar sem determinaes formais prvias. Indagar de forma
vigorosa a realidade que se apresenta, os problemas expressos na matria e nos espaos intersticiais, interiores
e exteriores, conduzem o projecto para rumos determinados por diferentes sensibilidades, sem descurar
os aspectos tcnicos. O edifcio ou conjunto patrimonial sob o qual incide a interveno inscreve-se num
determinado territrio delineado por limites, possui um valor cultural preciso e definido, e uma histria que o
caracteriza e interessa revelar, pelo que a compreenso de estes elementos essencial na anlise de projectos
de actuao. Adjectivar elementos de cariz sensorial e subjectivo incentiva a reflexo sobre possveis rumos a
seguir, evitando-se protagonismos que liquidem o tempo e espaos originais, orientando-se a alternativa no
sentido de um trabalho interdisciplinar que contempla toda a complexidade da obra, dos seus novos valores de
uso (de interaces tecnolgicas e funcionais), da estrutura, dos cdigos simblicos que acolher, qualidade
patrimonial e avaliao dos custos do processo, e em que o projecto se revela como uma representao
de um processo elaborado, de um pensamento ou viso subjectiva de um cosmos. O universo construdo,
de natureza complexa e sedimentada, possui uma matriz que deve ser preservada e revelada, facilitando
uma leitura mais clara da sua complexidade. Contrariando a mumificao da arquitectura, o projecto de
interveno deve provir de um pensamento elaborado e como consequncia de uma prvia descodificao
do objecto, procurar interpretar a sua carga semntica, com a conscincia do perfil biogrfico do objecto
em questo, de todas as suas vicissitudes temporais e dos seus elementos aparentes ou por revelar. Intervir no
patrimnio no significa imobilidade, e se a interveno desejvel, deve encontrar um compromisso para
com a segunda natureza sobre a qual actua e modifica, o que supe um conhecimento objectivo dessa
realidade.
-
Land Art
Conceito e evoluo A Land Art situa-se na fronteira da ps-modernidade, no final da dcada de 60. Posterior ao expressionismo
abstracto, que durante os anos 50 era a corrente artstica mais valorizada, onde a tcnica se transforma em
veculo para expresso de emoes, registadas na tela, como resduos de uma experincia vivencial. No
seguimento da pop art na qual o artista j no exalta a sua conscincia interior, e vira-se para a sociedade
de consumo, tirando partido de imagens publicitrias e da cultura popular, enfatizando e criticando essa
sociedade de rpido desenvolvimento.
A Land Art e a arte minimal surge como contraponto desta cultura suscitada pelas imagens provenientes
do expressionismo abstracto, e da relao com os fenmenos sociais da pop art, concentrando-se na relao
com a natureza atravs de uma sistemtica reduo da forma, procurando estruturas primordiais, reduzindo
as imagens ao mnimo com o mximo de significados, percepcionando uma relao entre o ser e a existncia
das coisas, caminhando no sentido da origem.
No seu caminho at a origem, a Land Art referencia-se em manifestaes artsticas primitivas como os
monumentos megalticos, ou as formas primrias das civilizaes antigas. Richard Long
ao recorrer linha e ao crculo, como formas abstractas fundamentais na sua representao, evidencia
uma identidade entre ns e a natureza, exprimindo a inteligncia humana na lgica da geometria.
Ao exprimir as nossas ideias com formas geomtricas existentes na natureza, esta transportada para
o nosso imaginrio pondo em evidncia nossa proximidade com ela.
Essa expresso do pensamento domesticado, existe desde os primrdios da civilizao. Os monumentos
megalticos representam uma vontade de dominar e controlar a natureza. A mente domesticada impe
ordem e forma no ambiente natural.
A paisagem ocupa o lugar central na Land Art, assumindo o papel de protagonista, ao contrrio dos
pintores naturalistas do sculo XIX, onde a paisagem temtica, na Land Art a paisagem matria, objecto,
sujeito, no servindo apenas como mero cenrio para a instalao de uma escultura, ela prpria objecto
de interveno.
Ao assumir a paisagem como sujeito da Land Art, o conceito de espao expositivo (re)equacionado. As
obras de arte deslocam-se dos espaos encerrados dos museus, para espaos pblicos abertos, possibilitando
a sua observao e experimentao por todos, e no por uma elite habitual. Esta democratizao da arte
consequente da necessidade de deslocalizao para a realizao das intervenes, e no um objectivo
inicialmente proposto.
A natureza est incorporada nas manifestaes de Land Art, no apenas como base onde estas
assentam, mas fundindo-se com ela, englobando os fenmenos prprios da natureza, como os meteorolgicos.
Desta forma a chuva, o vento e as tempestades, em diversas situaes, so encaradas como matria moldvel,
contribuindo de forma efectiva para a materializao de algumas manifestaes Land Art, como acontece
na obra lightning field de Walter De Maria, na qual o artista instala uma grade com 400 vigas de pontas
afiadas em ao inoxidvel, organizadas em 16 colunas, num terreno semi-rido de 1600 m2, tendo como
consequncia do clculo metrolgico e geomtrico, uma estimativa mensal de trs dias de relmpagos em
pocas de tempestades.
2
2.1
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A Land Art valoriza o espao, a natureza, a histria e o contexto social especfico do lugar, assumindo
uma responsabilidade social, (re)equacionando, (re)interpretando, e (re)inventando-o, intervindo no domnio
da memria, salientando a sua carga simblica.
A memria humana funciona por associao. O poder de associao da nossa memria est
directamente relacionado com o significado subjectivo da lembrana.
A construo da memria, resultante da conservao fugaz de um determinado momento,
encaminhada pela efemeridade declarada da Land Art, e do desejo humano de apego ao efmero,
tentando congelar no tempo essas memrias, atribuindo-lhe uma presena material, assentando no propsito
da arte como experincia vivencial e corporal.
Fig. 4 - Asia Circle Stones, Monglia - crculo, como forma de evidenciar uma identidade entre ns e a natureza Fig. 5 - Stonehenge. Salisbury Plain, Wiltshire, Inglaterra - monumentos megalticos como referncia Land Art
-
Land Art como catalizador da animao do espao
A obra de arte expressa um dialogo prximo com o lugar, utilizando a matria prpria do domnio da
arquitectura o espao.
A relao entre arte e arquitectura uma temtica que tem suscitado inmeras reflexes, sendo o seu
interface, muitas vezes, difcil de definir.
Bruno Zevi afirma que () o carcter essencial da arquitectura o que faz distingui-las das outras
actividades artsticas - est no modo como ela funciona, com o vocabulrio tridimensional que inclui o
homem. (3)
A Land Art incorpora o homem nas suas manifestaes, revelando-se numa experincia vivencial e
corporal, reequacionando a fronteira entre arte e arquitectura, no que concerne organizao do espao,
como base da arquitectura.
O homem que refere Bruno Zevi no pode ser entendido como sujeito fsico, ele dever ser encarado
na sua plenitude social e cultural, afirmando que Dizer que o espao interior a essncia da arquitectura, no
significa efectivamente afirmar que o valor de uma obra arquitectnica se esgota no valor espacial. Cada
edifcio caracteriza-se por uma pluralidade de valores: econmicos, sociais tcnicos, funcionais, artsticos,
espaciais e decorativos () a realidade do edifcio consequncia de todos estes factores () (4)
Esta multiplicidade de factores que condicionam e referenciam a arquitectura, vai ao encontro de
Montaner, que caracteriza a arquitectura como disciplina de sntese, referindo relaes do tipo disciplinar,
onde cada nova proposta no campo das artes e pensamento impulsiona a arquitectura, aludindo ao
processo ou mtodo, que consiste na passagem da anlise de contedos das diferentes reas para a sntese
o projecto. (5)
3 - ZEVI, Bruno Saber ver a arquitectura, Martins Fontes, So Paulo, 19984 - Idem-Ibidem5 - MONTANER, Josep Maria La modernidad superada arquitectura, arte y pensamiento del siglo XX, Gustavo Gili, Barcelona, 1997Fig. 6 - lightning field de Walter De Maria - fenmenos meteorolgicos como matria moldvel da Land Art
2.2
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11 | 12
A Land Art assume-se como experincia corporal, onde o lugar e o homem surgem como geradores
da criao artstica.
O lugar, torna-se assim elemento de referncia na criao artstica, assumindo o papel de contentor
da memria. Robert Smithson investiga o lugar como retorno s origens, aos materiais ainda por transformar,
concebendo uma estreita relao entre espao interior e espao exterior. Um dos princpios-base centra-se
na nossa noo de horizonte, que aparentemente infinito, mas na realidade se encerra e limita na nossa
conscincia. O seu conceito de no lugar no idealista, mas sim dialctico, um lugar dentro desse mesmo
lugar, como se o seu limite nos colocasse novamente no ponto central (no lugar), como reflexo entre o
dentro e o fora, o fechado e aberto, o central e a periferia. (6)
Para Richard Long () um caminho um lugar; tambm uma situao que remarca os seus vice
versas, um percurso de ida e volta a origem a meta,() (7)
O caminho como lugar de Richard Long possui um sentido histria e cultural, desde os peregrinos,
aos poetas errantes japoneses, aos romnticos ingleses e aos contemporneos caminhantes de longas
distncias.
O lugar no se define pela sua condio fsica, ele incorpora a memria, associada identidade, ao
qual atribumos significados, carcter simblico. Marc Auge caracteriza-o como sendo ()necessariamente
histrico, na medida em que, conjugando identidade e relao, se define por uma estabilidade mnima, e
desde que os que nele vivem possam reconhecer pontos de referncia que no tm de ser, obrigatoriamente,
objectos de conhecimento. (8)
A Land Art ao estabelecer um dilogo prximo com o lugar, o stio, a paisagem, o homem, moldando
a matria prpria do domnio da arquitectura o espao situando-se na sua fronteira, articulando-se com
ela de forma clara, utilizando os seus cdigos, possibilita introduzir carcter ldico ao espao, revitalizando-o,
permitindo na efemeridade da sua manifestao (re)equacion-lo, (re)interpret-lo, reinvent-lo, atribuindo-
lhe significado simblico (re)construindo a nossa memria do lugar.
A qualidade e sucesso do espao pblico, no apenas fruto da sua dimenso fsica resultante do
desenho, ele essencialmente consequente da pluralidade de nveis de significado (histrico, econmico,
tico, social, psicolgico, etc.) (9) tornando-se no lugar definido por Marc Aug, na medida em que se
caracteriza como ()identitrio, relacional e histrico()(10). Michel de Certeau v no lugar o reencontro
com ns prprios, salientando a sua dimenso identitria, escrevendo que pratic-lo ()repetir a experincia
regozijante e silenciosa da infncia a experincia da primeira viagem, do nascimento enquanto experincia
primordial da diferenciao, do reconhecimento de si como si prprio e como outro, que as experincias
da caminhada, enquanto prtica primeira do espao, e do espelho enquanto primeira identificao com a
imagem de si, reiteram. (11)
As intervenes de Land Art salientam a identidade do lugar onde se manifestam, transfigurando de
forma fugaz a sua imagem, num continuado processo de reinveno e recriao, onde o homem e espao
so actores principais, envolvendo-se corporal e sensorialmente com a criao artstica.
6 - CONSIGLIERI, Victor As significaes da arquitectura 1920-1990, editorial estampa, Lisboa, 2000 7 - BARRO, Bruno A origem como meta palavras e silncios no caminho de Richard Long, Galeria Mrio Sequeira, Braga, 20048 - AUG, Marc No-lugares introduo a uma antropologia da sobremodernidade, Bertrand editores, Venda Nova, 19949 - ALVES, Fernando M. Brando Avaliao da qualidade do espao pblico urbano. Proposta metodolgica, Fundao Calouste Gulbenkian: Funda-o para a Cincia e a Tecnologia, Lisboa, 200310 - AUG, Marc, cit. 811 - Idem-IbidemFig. 6 - lightning field de Walter De Maria - fenmenos meteorolgicos como matria moldvel da Land Art
-
Land Art no patrimnio
Arquitectura patrimonial e a interveno efmera
Dois universos diversificados cruzam-se na dinamizao do espao. No territrio da arquitectura patrimo-
nial, e paralelamente ao valor artstico, a densidade temporal uma varivel presente e associada ao valor
histrico e ao valor evocativo (enunciados por Alois Riegl). Antagonicamente, o factor tempo esbate-se na
fugacidade da interveno efmera, a visualizao objectiva da interveno artstica voltil e permite ap-
enas a fixao de uma memria.
Porm, quando nos debruamos sobre a varivel lugar, os dois universos aproximam-se na vertente proces-
sual que acarreta uma reflexo sobre o suporte (natural ou transformado). Nesta perspectiva, a interveno
da Land Art no patrimnio actua sobre uma segunda natureza (uma prvia transformao do lugar), adjecti-
vando-a, baralhando valores sedimentados, introduzindo ou enfatizando a vertente ldica, que transporta-
da para o utilizador, favorece a reflexo sobre o objecto original, consequncia da sua metamorfose.
Nos casos prticos a apresentar no captulo seguinte, procurou-se identificar de forma abrangente trs situ-
aes distintas da realidade patrimonial e da interveno produzida no seu contexto: monumento destacado
na cidade (mais prximo ao objecto tipo sujeito a interveno segundo os enunciados de Viollet-le-Duc, John
Ruskin, Camilo Boito e Luca Beltrami); centro histrico enquanto tecido sedimentado na cidade (na sequncia
da valorizao, introduzida por Giovannoni, das arquitecturas menores e do ambiente urbano); e patrimnio
enquanto sedimentao histrica de um aglomerado humano integrado na paisagem, segundo uma viso
mais contempornea. Objecto, ambiente urbano e integrao na paisagem, realidades distintas, mas integ-
rando densidade histrica e artstica.
3
3.1
-
Anlise de casos prticos
Interveno em Vilarinho das Furnas o retorno da memria
Enquadramento histrico e caracterizao
Vilarinho das Furnas era uma pequena aldeia da Freguesia de S. Joo do Campo, localizada no extremo
nordeste do Concelho de Terras do Bouro, distrito de Braga, na Peneda-Gers. A sua origem perde-se no tempo,
mas um facto apresenta-se incontornvel, o da sua romanizao. Comprovam-no as duas vias calcetadas que
garantiam acesso povoao e ainda, as trs vetustas pontes que se encontram na cercania da povoao:
a ponte do Eido, a ponte do Couo e a ponte Nova. O trao mais marcante deste povoado seria, a par da
paisagem natural que a rodeia, o da sua velha organizao comunitria, que apesar de no constituir caso
isolado, era pelo menos invulgar. O condicionalismo imposto pela agreste paisagem a uma comunidade
isolada, sedentria e pastoril, permitiu a persistncia deste modelo de organizao independente at ao
terceiro quartel do sculo passado. A base desta organizao assentava numa assembleia de representantes
das famlias da povoao, liderada por um Juiz apontado rotativamente de entre os membros da assembleia.
Aqui eram tomadas todas as decises significativas face aos problemas particulares e gerais com que a
comunidade se deparava, delineando-se solues a adoptar. Entre 1969 e 1970 verifica-se o xodo forado
da comunidade aqui residente, consequncia do prenncio de subida das guas que acompanharam a
construo e tapamento da barragem ento erigida. Perdeu-se um modo de estar, um acervo etnogrfico,
um testemunho vivo de interaco entre o homem e a paisagem particular que o rodeia.
13 | 14
3.2
3.2.1
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Barragem, de Jos Barrias
Barragem (1980), um conjunto de fotografias e vdeo de uma instalao realizada pelo autor nas runas
temporariamente emersas de Vilarinho das Furnas, constitui um documento potico vibrante e invulgar, assente
na interpretao desse lugar ermo em que se encontram os vestgios de um povoado assente nas agrestes
montanhas granticas da Serra Amarela. Em alguns vos das edificaes ptreas que compem aquele
espao, Jos Barrias introduz planos de tecido branco que, atravs do seu movimento provocado pelo vento
ocasional, enfatizam a estaticidade tectnica das casas e da restante paisagem, monumental e agreste. O
plano branco em movimento evidncia o cinzento granito recm emerso, comunica, esbraceja, solta, por
um instante, a sua histria. Do romantismo implcito das runas, emerge atravs da interveno de Barrias,
uma aluso intemporal realidade daquela antiga comunidade, sua memria, e mais ainda, segundo o
autor, () beleza para colher no esplendor do abandono e da inrcia aquele movimento irrepetvel em
que se perdem os vestgios dos esforos humanos e o estado selvagem ganha o terreno perdido()(12) A
sua inteno no a da denncia ou lamento, a da realidade objectiva com que se depara, e atravs da
sua interveno, da sua transformao/enfatizao. As runas de Vilarinho expostas na paisagem so uma
segunda natureza que caminham no sentido na natureza original. O tempo e o abandono humano avanam
no territrio previamente transformado e esbatem-lhe o hiato entre suporte natural e transformao. Essa
memria associada ao local, e sua histria, inevitvel. Realidade fixada no momento da interveno e
memria, coexistem. A interveno de Barrias torna-se um fugaz sopro de vida nesse territrio que reverte
ao seu estado original, inverte-lhe esse sereno e ininterrupto caminho por um instante, dialoga por oposio,
caracteriza-o, e pretexto para o retorno da memria a latente.
Esta interveno de Land Art, inserida num cenrio de forte identidade, constitui um documento de
reinterpretao de um conjunto patrimonial de memria colectiva, inserida no parque natural Peneda-Gers,
propicia uma reflexo sobre a sua realidade, fixa-a, animando-a no universo onrico da memria, do tempo
que se esbate entre as runas de Vilarinho das Furnas e agora, que idade tem?
E se a memria tudo o que temos,
Mais ampla liberdade de lembrana,
Te tornar,
Teu dono. lvaro de Campos
12 BARRIAS, Jos - Jos Barrias, etc, Fundao Calouste Gulbenkian-Centro de Arte Moderna Jos de Azevedo Perdigo, Lisboa, 1996Fig. 7 e 8 - Leitura do conjunto sujeito interveno, na paisagemFig 9 - Introduo de plano de tecido branco nos vos das runas granticasFig. 10 - Perspectiva interior a partir de uma antiga casa o limite da porta reinventado.
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15 | 16
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Sur la vie, Evreux
Os lugares, os stios, a paisagem e as pessoas, so protagonistas na obra de Tadashi Kawamata,
tornando-se materia moldvel no universo da memria. A sua obra tem origem e fim nas pessoas, assumindo-
se como experincia corporal, construtora de memrias dos momentos fugazes gerados pela efemeridade
da sua arte.
Para mim, no h arte solitria ou narcisista. Trabalho com as pessoas e para as pessoas () o fim
da arte no fabricar objectos para serem expostos, mas estabelecer uma relao entre os homens e as
mulheres durante um trabalho que se constri conjuntamente, dia aps dia (13)
Sempre que Tadashi Kawamata responde solicitao de uma comunidade, sempre que se deixa
inspirar por um stio, uma paisagem, uma cidade, a sua arte toma um novo rumo decisivo.
Kawamata sabe penetrar na essncia de um lugar, sentindo o seu drama que advm da disposio
arquitectnica herdada do passado, assinalando as necessidades latentes de um lugar pblico, que busca a
sua verdadeira identidade.
Antes de intervir, Kawamata explora o lugar, caminhando durante horas at perder-se. O seu mtodo
comea por uma descoberta escala do seu corpo, estuda os usos e as ligaes entre corpos e os lugares,
os dois pensando no movimento. A maior parte das suas intervenes, prope-nos uma experincia dos stios,
alterando a nossa posio fsica sobre a cidade, acentuando a dissonncia revelada entre o efmero e o
urbano tectnico.
Uma interveno de Tadashi Kawamata no comea na inaugurao para terminar no encerramento,
o processo de construo e desmontagem decisivo para a apreenso da obra. O envolvimento da
comunidade em torno dos seus projectos nestes momentos determinante para a partilha de emoes,
seguindo-se a disperso como se nada tivesse ocorrido, permanecendo a obra materializada na memria.
Nos ltimos quinze anos, Tadashi Kawamata realizou diferentes projectos urbanos em importantes
cidades como Nova Iorque, Tquio, Paris, Viena, Grenoble, Metz, Sach, Marselha e Evreux.
O projecto de Sur la vie em Evreux talvez o mais importante destinado a espao pblico concebido
por Tadashi Kawamata em Frana.
No ano anterior instalao, Kawamata visitou Evreux para incorporar a cidade e deixar-se atravessar
pelo esprito do lugar. Vendo as cicatrizes da Segunda Guerra Mundial, as antigas construes em redor do
lugar central, observar o hotel da cidade, o teatro e a casa das artes que durante o sculo XIX levaram beleza
aos habitantes de Evreux. Estas construes esto cercadas de habitaes sem imaginao construdas no
ps-guerra.
13 - KAWAMATA, Tadashi Entrevistado por Michel Ellenberger, artpress n. 238, Setembro de 1998Fig. 11 - Sur la vie, Tadashi Kawamata, Evreux - confronto entre o efmero da instalao e o urbano tectnicoFig. 12 e 13 - Sur la vie, Tadashi Kawamata, Evreux - (re)encontro da populao com a cidade
3.2.2
-
Na sua instalao Kawamata refora o ncleo histrico duro de Evreux, concebendo uma passerele
estreita que o envolve cinco metros acima do solo. A ponte articula-se em torno da memria do espao pblico,
possibilitando comunidade um (re)descobrir da sua histria, um (re)encontro com a sua identidade.
Ao estabelecer uma ponte no tempo, nos acontecimentos histricos e polticos que marcaram a cidade,
convida-nos a pr um outro olhar sobre ela, recordando a sua histria, o seu passado, mas simultaneamente
interrogar-nos obrigando a atravessar um outro tempo, o da reflexo, a tomada de conscincia do territrio,
onde somos, onde construmos cada dia a nossa prpria histria. A imensa escultura de madeira e metal,
permite aproximar as construes, perceber as suas marcar, mas tambm as cicatrizes deixadas pela histria,
apreender a presena do passado na experincia do presente.
Este ponto de vista atravs do tempo e espao possibilita aos habitantes de Evreux, e as que faro
a viagem, trocar e debater ideias, melhorar o olhar em seu redor e sobretudo enriquecer o dilogo sobre a
cidade.
No momento da inaugurao, a populao tomou de assalto a passerele, observando-se velhos, jovens
e crianas a saltar sobre as tbuas cinco metros acima do solo, demonstrando o sucesso da interveno,
no sentido do envolvimento da populao. Estes no se cansavam de descobrir o corao da cidade,
apreendendo-a numa nova perspectiva.
Na rdio ouviam-se ecos de rejubilo provenientes da populao em festa com a cidade:
- Descubro Evreux, tenho a impresso de estar numa nova cidade.
- Graas ponte estreita v-se rigorosamente a fonte do lugar e os detalhes da fachada do teatro.
incrivelmente bonito.
- Observam-se os vestgios de granadas. Datam combates de libertao. Espero que os jovens o
observaro e os far reflectir.
- 45 anos que habito aqui, e nunca tinha observado o busto de Boieldieu Sobre a fachada do
teatro!
Fig. 14 - Sur la vie, Tadashi Kawamata, Evreux - encontro passado futuroFig. 15 - Maquete da instalao Sur la vie, Tadashi Kawamata, Evreux
17 | 18
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Ao dirigir a obra declaradamente para o pblico, para que esta seja usufruda, incorporada,
vivnciada, Kawamata d lugar a que ela seja interpretada de formas distintas, deixando de ser um objecto
fsico mensurvel, para se tornar memria, nos diferentes modos de ver. Como escreve Umberto Eco na sua
obra a definio de arte, () Ao dar vida a uma forma, o artista torna-a acessvel s infinitas interpretaes
possveis. Possveis, frisamos bem, porque a obra vive apenas nas interpretaes que dela se fazem; () A
pessoa torna-se rgo de acesso obra e, revelando a obra na sua natureza, exprime-se ao mesmo tempo a
si prpria; torna-se, por assim dizer, conjuntamente a obra e o seu modo de ver a obra. (17)
14 - ECO, Umberto A definio de Arte, Edies 70, Lisboa, 1986Fig. 16 - sidewalk, instalao de Tadashi Kawamata - ligao do tempo e da memriaFig. 17 - Reichstag e a Porta de Brandemburgo separados pelo muroFig. 18 - Manifestao em 1948, com Reichstag destrudo pela guerra
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19 | 20
Anlise de casos prticos
Wrapped Reichstag, Berlim 1971-95 Enquadramento histrico
Quando Bismarck recriou o imprio alemo, em 1871 quis estabelecer o Reichstag, algures em Berlim,
na capital do renovado imprio. O Reichstag foi concebido e construdo durante o seu governo para ser
a assembleia do imprio (do alemo antigo: reich imprio; stag assembleia ou conselho), de modo a
satisfazer as funes de parlamento e simultaneamente simbolizar a nova Alemanha unificada.
Ao contrrio da maioria dos pases na poca, o imperador alemo era eleito e no um cargo
hereditrio. Na Alemanha havia uma longa tradio de se realizarem assembleias parlamentares em diversos
locais para se tomarem as decises e medidas importantes. A partir de cerca de 1500 a palavra Reichstag
passa a ser usada para designar estas assembleias. Em 1663, passam a ser instaladas numa nica cidade,
passando a exigir o edifcio fsico com o carcter que ainda hoje tem. O processo da concepo e
construo do edifcio tambm foi democrtico, tendo sido constituda uma comisso para a escolha do
local e organizao do concurso internacional para a elaborao do projecto, o que era pouco usual na
poca. Projectado pelo arquitecto alemo Paul Wallot foi inaugurado em 1894. O edifcio desde cedo sofreu
diversas correces e alteraes, antecipando a sua atribulada existncia e as vrias reabilitaes de que
seria objecto. Parcialmente destrudo por duas vezes, a sua reabilitao ou demolio foi frequentemente
discutida. Em 1933, com Hitler acabado de chegar ao poder sofreu um grave incndio. Reabilitado com
pouca convico, depois de questionada a sua reabilitao, nunca foi usado por Hitler para o seu governo,
tendo em vez disso, sido usado para realizao de exposies de propaganda e como maternidade. A sua
localizao coincidia com o centro da idealizada capital do seu imprio Germania. Com a Segunda Guerra
Mundial ficou muito destrudo, no tanto por ser um alvo fcil para bombardeamentos, mas por ter sido
intensamente atingido pela artilharia Sovitica, no final da guerra, marcado com o hastear da sua bandeira
no cimo do Reichstag. Em 1954, a cpula em risco de cair foi removida. O edifcio manteve-se em runas
at ser reabilitado nos anos 60, depois de, mais uma vez, ter sido ponderada a sua demolio. Sem ter tido
funes concretas, mantiveram-se as interrogaes sobre o seu destino, foi proposto para museu da histria
da Alemanha e para assembleia municipal.
Com a queda do bloco sovitico, em 1989, e a reunificao alem, em 1990, ganhou novamente
sentido a sua funo original. Em 1991 foi decidido mudar a capital para e Berlim e que o Reichstag voltaria a
ser o parlamento nacional.
O edifcio foi mais uma vez objecto de novo concurso internacional para o projecto de reabilitao,
desta vez ganho por um arquitecto britnico Norman Foster.
3.2
3.2.1
-
Wrapped Reichstag
O Reichstag, localizado no centro de Berlim, prximo do antigo ncleo da cidade, est implantado no
limite Nascente de um grande parque Tiergarten com uma praa que se estende sua frente Platz der
Republik e lhe serve de antecmara, funcionando como um adro ou um palco em que o edifcio o centro das
atenes. por isso uma praa dominada segundo o conceito de Paul Zucker (12). Ao contrrio de praas de
importncia equivalente de muitas cidades, uma praa sem construes envolventes, nem o bulcio urbano
caracterstico de um centro de cidade com comrcio, servios e trfego. Esta praa limitada, timidamente,
por vias, as duas laterais sem trnsito automvel, e rodeada por espaos verdes, tendo como nico limite
edificado, o parlamento. Funciona por isso como uma praa sem limites fsicos claros, com caractersticas
da praa amorfa de Camilo Sitte, podendo comportar quantidades de pessoas aparentemente ilimitadas.
o Reichstag que d sentido praa e sobretudo o monumental edifcio que se sente quando nela se
est, funcionando como pivot e marco urbano. Constituindo-se num ponto de referncia, num elemento
marcante, segundo o conceito de Kevin Lynch (13). Por tudo isto, este conjunto, praa e edifcio, constituem
um importante ponto de encontro de manifestaes colectivas, com um importante significado urbano.
Em 1948, a quando da diviso da cidade e da Alemanha, em Ocidental e Oriental, a praa em frente ao
Reichstag Platz der Republik foi local de uma gigantesca manifestao de protesto. Com o muro de Berlim,
a concretizao fsica desta diviso, a passar-lhe por trs a escassos metros e a separa-lo da vizinha Porta de
Brandenburgo Brandenburger Tor manteve-se com o seu significado latente espera da reunificao.
neste contexto, ainda em plena Guerra-fria que Christo e Jeanne-Claude, em 1971, comeam
a idealizar o seu projecto, um dos maiores que at ento teriam idealizado, ao qual no ter sido alheia a
dimenso e significado do edifcio, a diviso da cidade e do pas e o prprio muro tambm ele lentamente
transformado num cenrio para arte pblica e felizmente efmera.
Christo comeou a usar objectos embrulhados como forma de arte em 1958, passou progressivamente
a trabalhar objectos cada vez maiores transitando da obra de arte convencional, de galeria ou museu, para
a Land Art, com obras em grande escala, tendo embrulhado os primeiros edifcios histricos em 1968. Em 1974,
em Roma, embrulhou uma muralha, junto Via Veneto e Villa Borghese, que escandalizou o pblico. Em 1985,
depois de 9 anos de negociaes, concluiu o seu projecto Pont Neuf, em que embrulhou esta emblemtica
ponte parisiense, deixando-a a funcionar, permitindo que se lhe passasse por cima e por baixo. Esta instalao
foi um xito de pblico.
No caso do Reichstag, o processo durou 24 anos, desde a ideia inicial instalao da obra. O contexto
foi mudando ao longo do processo, e mesmo o cenrio mudou, deixando de ter a sombra do polmico
muro. Atravessou vrios governos, muito lobbying poltico e reunies tcnicas. Foi a primeira obra de arte cuja
permisso teve que ser votada num parlamento nacional. Mas como Christo e Jeanne-Claude afirmam, tudo
o que acontece durante o processo faz parte da sua obra e contribuem para a sua definio, incluindo os
processos polticos por que muitas das suas obras tm que passar. As suas obras, dizem, comeam com a sua
idealizao e s acabam com a desmontagem completa da instalao.
Esta obra, realizando-se no momento imediatamente anterior reabilitao do edifcio, serve para
celebrar a despedida do velha edifcio antes da sua nova cara.
15 - ALVES, Fernando M. Brando, cit. 916 - LYNCH, Kevin, cit. 1Fig. 19 - Afluncia da populao Platz der Republik, dominada pelo Wrapped Reichstag
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-
Esta experincia surpreende pela escala e pelo contraste entre o objecto original e a obra instalada,
pela aparncia do objecto final, com seu aspecto de pequeno objecto embrulhado como um simples presente
de aniversrio. Impressiona pela quantidade dos meios implicados e no fim ficar instalada to pouco tempo,
14 dias. Joga com a escala a vrios nveis. Em como possvel reduzir um monumento to grande, com to
srio significado politico e histrico a simples objecto cnico e ao mesmo tempo como uma obra de arte pode
adquirir tamanha dimenso e ser vista de to longe. Por outro lado, por ser to facilmente pblica, instalada
num cenrio to quotidiano e ser presenciada pelo incrvel nmero de visitantes que atraiu, estimado em
cerca de 5.000.000. notoriamente um exemplo conseguido de como uma obra de arte trazida para fora
dos museus e pode ser vista pelo grande pblico.
Christo e Jeanne-Claude evitam sempre explicar ou justificar teoricamente as suas obras, permitiro
assim que elas falem por si e que cada pessoa as veja, ou no veja, e as sinta sua maneira. O Wrapped
Reichstag no foge a esta regra. Deste modo atrairo algumas crticas, evitaro outras, mas sobretudo
procuram no alimentar os carroceis de polmicas que normalmente envolvem as suas obras mais pblicas.
Enquadrados normalmente pelos crticos algures entre a conceptual art e os happenings, Christo
e Jeanne-Claude auto-intitulam-se, depois de desvalorizarem estes rtulos, como environmental artists (14).
Muito fustigados pela crtica, as suas obras so muitas vezes consideradas no arte mas sim produo. E
de certa forma, pelos meios que empregam e pelas condies que requerem, os seus trabalhos obrigam a
funcionamento de verdadeiras produes, como se de um filme de Hollywood se tratasse, com vastas equipas
tcnicas, exigente suporte legal e complexos projectos de engenharia civil, sendo muitas vezes, como foi o
caso do Wrapped Reichstag, criada uma empresa para realizar a obra.
17 - Christo and Jeanne-Claude, entrevistados por James Pagliasotti, em 2002-01-04 - http://christojeanneclaude.net/eyeLevel.htmlFig. 20 - Reichstag e a vizinha porta de BrandemburgoFig. 21 - Envolvimento da populao na montagem da obra
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Independentemente da sua substncia intrnseca como obra de arte, esta obra que no deixa as
pessoas indiferentes, provoca inevitavelmente reaces. Faz com que as pessoas um dos principais smbolos
do pas e da cidade de uma forma completamente nova e que far com que provavelmente, mesmo depois
de desmontada a instalao, passem a ver o edifcio e praa de outra maneira, consciencializando que no
se manteve sempre igual e pode voltar a surpreender.
Com o seu ar de castelo insuflvel, esta obra, oculta o ar pesado e srio do edifcio descontextualizando-
o, tornando-o mais leve e enigmtico, susceptvel de uma percepo mais ldica, que transposta por
inerncia para a vivncia da prpria praa.
A plasticidade completamente diferente e as variaes de cor ao longo do dia que a nova pele
proporciona, desenham novas imagens que potenciam a imaginao de cada observador. A imaginabilidade
enunciada por Kevin Lynch (15).
Esta nova textura, cromatismo e homogeneidade transmitida silhueta familiar, destacam o edifcio
em relao envolvente criando com esta novas relaes e a percepo das dimenses de to grande
volume comparado com a escala das pessoas que o observam.
Por outro lado, esta instalao ao esconder o edifcio torna-o, temporariamente, num no monumento,
na anttese do que antes era e sugerindo a perspectiva da sua ausncia.
Simultaneamente e de forma inevitvel, o acontecimento enche o espao circundante de vida,
provando que estes edifcios tambm foram concebidos para serem vividos a partir do exterior, so mesmo
dependentes do espao que os envolve.
Esta interveno possibilitou uma viso diferente do cansado monumento. Proporcionou uma forma
menos vulgar de experimentar a arte. E por ltimo, mas no menos importante, teve um grande impacto e
enchendo de pblico e de animao, com msicos a tocar espontaneamente e festas pela noite dentro,
todo o espao volta do Reichstag, sobretudo a indissocivel Platz der Republik.
18 - LYNCH, Kevin, cit. 1Fig. 22 - Diferenas cromticas ao longo do dia - Reichstag iluminado
-
Concluso A realidade que nos circunda acarreta uma memria, um universo que a caracteriza, nomeadamente
na arquitectura, caminhando esta conscincia no sentido da frase de Heidegger: a linguagem da arquitectura
linguagem de memria. Compreender a sua essncia torna-se condio necessria para o aparecimento
de objectos de qualidade.
Os trs casos prticos que se apresentaram, pelas suas diferenas de cenrios, contedos e intercepo
com o espao pblico, constituem exemplos substantivos de como a Land Art pode trabalhar de forma
diversa e original em reas histricas, inventando novas imagens, contextos e reflexes, e conferindo, a estes
lugares de memria, uma inovadora e imaginativa actualizao. No caso de Barragem em Vilarinho das
Furnas, interveno na memria reencontrada em pleno processo de regresso natureza original; no caso
do projecto Sur la vie em Evreux, animao do centro histrico, proporcionando um percurso original sobre
uma paisagem familiar, sugerindo novas perspectivas e formas de sentir os lugares quotidianos, e em Berlim,
festejando o monumento transformado em cenrio, que se constitui actor reinventativo da paisagem em que
se insere. Eclipsando-se o objecto real, concretiza-se o monumento virtual. Os trs casos tm em comum uma
interaco ldica com o lugar evocativo da memria, e mais alm de uma interpretao contempornea
da histria contida nos espaos, convidam reflexo e imaginao para que esta seja feita pelo indivduo.
So obras de arte com significado e valor intrnseco, constituem, como tal, patrimnio cultural, criando e
revertendo-se em novas memrias, na constante procura da reinveno do seu tempo, tema essencial ao
universo da Arte. Atravs da compreenso das imagens estabelece-se uma linguagem, uma expresso que
nos permite a transformao de experincias em memrias, na perspectiva em que a memria nos conecta
com o nosso universo pessoal, podendo este ser partilhado, garantindo-nos a integrao no contexto do
lugar.
De tanto ter sido j repetido, nem vale a pena insistir no facto de o verdadeiro (e nico) protagonista
de Procura do Tempo Perdido, de Marcel Proust, ser o Tempo e a sua recuperao pela Arte, mais ainda
do que pela Memria; ou ento, sim, pela memria, mas uma vez que ela prpria seja transfigurada em
Arte.(...)(19)
Porque, para Marcel Proust, a recuperao do tempo passado, a nica possvel para que no seja
tempo perdido, obtm-se exclusivamente pela recriao transfiguradora que o converte em presente.
A interveno Land Art no patrimnio no constitui, por si s, um meio ou mtodo definitivo para reabilitar
ou revitalizar uma rea histrica, mas promove de forma ldica e verstil a reflexo e (re)interpretao do
espao pblico na sua relao com o patrimnio.
Pelos caminhos e possibilidades que inventa, pode ser um complemento importante para a regenerao
das reas histricas, potenciando novas formas de intervir, para que se recupere o Tempo Perdido e este se
converta em Presente.
19 - TAMEN, Pedro Proust, Tempo, Arquitectura, Jornal Arquitectos, n. 213 , Novembro/Dezembro 2003, Ordem dos Arquitectos, Lisboa, 2003
4
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No que remete mais especificamente para o espao pblico, a consequncia da interveno efmera,
diversificada. A transformao do suporte que constitui a base da interveno, conduz `a alterao da
percepo que as pessoas tinham como dado adquirido, induzindo-as a reflectirem sobre essa realidade
fsica subitamente j no dominada nenhum espao se domina de forma definitiva.
Como se constata nos casos prticos analisados, a animao do espao pblico atravs da interveno
Land Art constitui um motivo dinamizador que levou as populaes redescoberta sensorial e interpretativa
de uma realidade subitamente dinmica.
na forma como interfere com as pessoas que a anlise da interveno relevante, e no na parametriza-
o da sua metodologia de projecto - que deriva da conscincia crtica e subjectiva do artista. Constitui um
exemplo representativo da versatilidade do espao pblico, evidenciado nos casos prticos abordados; de
facto, este tipo de interveno efmera, pode ser usada de forma sistemtica e sempre imprevisvel na sua
formalizao, incentivando a utilizao do espao pblico e descodificao das suas novas variveis.
Por oposio a algo consumado e esttico, conceitos como o da metamorfose (patente na interveno de
Christo no Reichtag, nas variaes de luz e cor da pele do edifcio), escala e perspectiva (baralhadas pela
alterao dos percursos no centro histrico de Evreux) so instrumentos de trabalho, garantindo-se um dina-
mismo que no aniquila o tempo e espao originais.
Fig. 23 e 24 - Pont Neuf Wrapped, Jeanne-Claude e Christo, - O (re)descobrir de um smbolo da cidade
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De acordo com Carr, a ligao individual de cada indivduo a um espao especfico remete para recorda-
es sedimentadas, e a possibilidade de as confrontar com diferentes abordagens ao lugar introduz uma
nova perspectiva que garante maior densidade de informao sobre essa realidade. Outras formas de
ligao ao espao so matria presente na interveno Land Art: a relao a locais de significado poltico
ou culturalmente relevantes (como o caso do Reichtag), transportados para uma realidade onrica, mais
prxima a conceitos como o a fantasia e imaginao do individuo.
A arquitectura uma inveno permanente e contnua. O dia da sua inveno definitiva ser o dia da sua
morte, o seu fim, e nessa dinmica, a arte e a criao transmitem-se, propagam-se incessantemente.
A arquitectura no pode ser emoldurada como objecto para pura contemplao, mas deve ser encarada
como uma construo para a aco. Recebe-nos sem nos ver, e so os participantes que proporcionam
arquitetura essa aco. Testemunho dessa dinmica a interveno/interaco Land Art, manifestao
transformadora em que as populaes, pela sua dinmica de contacto com o espao transformado, pas-
sam igualmente a integrar e a contituirem-se como sujeito da aco que a se desenrola.
Embora pouco vulgarizada, a interveno Land Art no patrimnio matria instrumental para a dinamiza-
o da vida nas cidades, e mais especificamente, nos centros histricos e na relao e imagem que estes
promovem nas populaes.
Fig. 25 - The Gates, Jeanne-Claude e Christo - A recriao e dinamizao do espao pblico
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