ISSN 0873-3295 Boletim de Pastoral Litúrgica ·  · 2009-12-30Catequese sobre o Salmo 47, ... O...

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Publicação trimestral – Ano XXVII – Nº 105 – Janeiro / Março 2002 – Preço 2,25 Boletim de Pastoral Litúrgica ISSN 0873-3295 105

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Boletim dePastoral LitúrgicaIS

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BOLETIM DE PASTORAL LITÚRGICAPropriedade do Secretariado Nacional de Liturgia

Director: Pedro Lourenço FerreiraRedacção e Administração: Secretariado Nacional de LiturgiaSantuário de Fátima – Apartado 31 — 2496-908 FÁTIMATel. 249 533 327 – Fax 249 533 343 – E-mail: [email protected]

Publicação registada na SGMJ nº 118776ISSN 0873-3295

Assinatura anual: Portugal: 9 € (IVA incl.) — Outros países: 13 €

G.C. – GRÁFICA DE COIMBRA

Depósito Legal Nº. 88 990/95

A glória de Deus, Pedro Lourenço Ferreira ........................................................... 1

Catequese sobre o Cântico de Jeremias, João Paulo II ......................................... 3

Catequese sobre o Salmo 47, João Paulo II ........................................................... 5

Catequese sobre o Salmo 50, João Paulo II ........................................................... 7

Catequese sobre o Cântico de Isaías, João Paulo II .............................................. 9

Catequese sobre o Salmo 99, João Paulo II ........................................................... 11

Catequese sobre o Salmo 118, 145-152, João Paulo II ......................................... 13

Catequese sobre o Cântico do Êxodo, João Paulo II ............................................. 15

Catequese sobre o Salmo 116, João Paulo II ......................................................... 17

Catequese sobre o Salmo 117, João Paulo II ......................................................... 19

A liturgia da palavra, José Ferreira ........................................................................ 21

Curso para Acólitos – 5. O Altar, José de Leão Cordeiro ...................................... 25

O sacramento da penitência, Pierre-Marie Gy ....................................................... 29

O sacramento da reconciliação não deve ser confundido com uma prática .........psicoterapêutica , João Paulo II .................................................................... 32

Contributo de Carlos Silvapara o enriquecimento litúrgico da oração da Igreja, Manuel Frade ......... 33

A obra musical de Carlos Silva, António Cartageno .............................................. 38

Dois Congressos de Liturgia – Crónica romana, Ângelo Cardita ......................... 39

Crónica litúrgica de tempos idos– O regresso à concelebração eucarística, D. Manuel Falcão .................... 46

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A glória de Deus

EDITORIAL

A encarnação do Verbo estabeleceu amorada de Deus entre os homens: “Levan-tou uma tenda para o sol” (Sal 18 A, 6).

O profeta Isaías já tinha anunciado aglória desta tenda: “Contempla Sião, acidade das nossas festas, vê com teusolhos Jerusalém, habitação tranquila,tenda inabalável, cujas estacas jamaisserão arrancadas nem as cordas partidas.Aí manifesta o Senhor a sua glória emnosso favor” (Is 33, 20-21).

A tenda é a Igreja prefigurada naVirgem Maria e o sol que habita na tenda éJesus Cristo. “Vindo ao mundo para co-municar aos homens a vida divina, o Ver-bo que procede do Pai como esplendor dasua glória, «Sumo Sacerdote da Nova eEterna Aliança, Cristo Jesus, ao assumir anatureza humana, introduz nesta terra deexílio o hino que eternamente se canta nocéu»(SC 83). Desde aquele momento, res-soa no coração de Cristo o louvor divinoexpresso em termos humanos de adora-ção, propiciação e intercessão” (IGLH 3).A liturgia é o ministério exercido nestatenda da glória de Deus ao serviço doshomens. As celebrações dos tempos deAdvento e de Natal proclamam o mistériode Cristo como ministério redentor. A En-carnação é o fundamento e o início daliturgia nova e eterna: é acção de Deus emfavor do seu povo. A liturgia do templo deJerusalém dava lugar a um novo culto emespírito e em verdade. A beleza do templotinha alcançado a sua perfeição no tempo edava lugar a um novo templo erguido por

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Deus para todos os povos. O carisma donovo templo de Deus e a novidade destaliturgia permanece referência para toda aliturgia cristã: a imagem da tenda e do solsão decisivas para o agir litúrgico. A tendapermite ser vista de dia e de noite, porquede dia permanece ao sol e de noite recolheo sol para se tornar luz nas trevas.

A tradição litúrgica dos dois primeirosmilénios do cristianismo coloca-nos àprocura do verdadeiro culto. Os verdadei-ros adoradores hão-de ser em espírito everdade: assim os quer o Pai (cf. Jo 4, 23).E Jesus Cristo, instituindo o novo culto noseu próprio corpo, transferiu para o co-ração do homem a nova e eterna aliança.Todas as reformas da liturgia tiveram porobjectivo o coração do homem e da Igreja.A reforma litúrgica em curso não podeperder o sentido da interioridade e do co-ração do homem, que permanece oculto nomistério de Deus. A história humana deJesus, desde Belém ao Calvário, revela aopção de Deus pelo coração do homem,em prejuízo dos lugares comuns. A re-denção é obra de Deus no mais íntimo dohomem e a liturgia é o exercício do mi-nistério sacerdotal de Cristo. Não se tratadum rito, mas duma vida feita comunhão.A sedução do rito, que regista maior pro-cura nesta sociedade de consumo,constrasta com a cegueira da sede deCristo a pedir de beber a uma samaritana.A liturgia da Igreja começa na sede deCristo pela fé dos crentes e termina nafonte da água viva que Ele estabelece no

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coração dos que saciam com a sua fé asede do amor divino. A lógica da liturgia éa sede de Cristo e não a devoção dos ho-mens, a vontade do Pai acima da tradiçãodos homens. Celebrar a liturgia é dar cum-primento à vontade do Pai que quer salvartodos os homens por meio do seu Filho.

O coração da Igreja bate ao ritmo destaconsciência. O Santo Padre abordou esteassunto na recente mensagem à Congrega-ção para o Culto Divino e a Disciplina dosSacramentos por ocasião da Plenária da-quele Dicastério (26-29 Set 2001). Destamensagem extraímos alguns excertos queindicam a sensibilidade e a solicitude pas-toral da Igreja:

“A Sagrada Liturgia, que a Constitui-ção Sacrosanctum Concilium qualificacomo o cume da vida eclesial, não podeser reduzida a uma simples realidade esté-tica, nem pode ser considerada como uminstrumento com finalidades meramentepedagógicas ou ecuménicas. A celebraçãodos santos mistérios é, acima de tudo, ac-ção de louvor à soberana majestade deDeus, Uno e Trino, e expressão queridapelo próprio Deus. Mediante a celebra-ção, em modo pessoal e comunitário,apresenta-se diante de Deus para lhe dargraças, consciente de que o seu ser nãopoder encontrar a sua plenitude sem Olouvar e realizar a sua vontade, na cons-tante procura do Reino que já veio, masque virá definitivamente no dia da Parusiado Senhor Jesus. A Liturgia e a vida sãorealidades indissociáveis. Uma Liturgiaque não tivesse um reflexo na vida tornar--se-ia vazia e certamente não agradável aDeus.

A celebração litúrgica é um acto davirtude de religião que, coerentementecom a natureza, deve caracterizar-se porum profundo sentido do sagrado. Nessao homem e a comunidade devem ter cons-ciência de estar em modo especial diante

d’Aquele que é três vezes santo e trans-cendente. Por conseguinte, a atitude re-querida não pode deixar de ser cheia dereverência e do sentido da admiração quebrota da consciência da presença damajestade de Deus. Não quereria Deusexprimir isto ao mandar a Moisés quetirasse as sandálias diante da sarça ar-dente? Não teria nascido deste conheci-mento a atitude de Moisés e de Elias, quenão ousaram olhar a Deus face a face?

O povo de Deus tem necessidade dever nos sacerdotes e nos diáconos umcomportamento cheio de reverência e dedignidade, capaz de ajudar a penetrar ascoisas invisíveis, mesmo sem tantas pala-vras e explicações. No Missal Romano,dito de S. Pio V, como em diversas litur-gias orientais, existem belas orações comas quais o sacerdote exprime o maisprofundo sentido de humildade e de reve-rência perante os santos mistérios, o querevela a própria substância de qualquerliturgia.

A celebração litúrgica presidida pelosacerdote é uma assembleia orante, reuni-da na fé e atenta à Palavra de Deus. Temcomo fim primário a apresentação à divi-na Majestade do Sacrifício vivo, puro esanto, oferecido sobre o Calvário uma vezpor todas pelo Senhor Jesus, que se tornapresente cada vez que e Igreja celebra aSanta Missa para exprimir o culto devidoa Deus em espírito e verdade.

Tenho conhecimento do interessedesta Congregação pela promoção, junta-mente com os Bispos, do aprofundamentoda vida litúrgica na Igreja. Ao exprimir omeu apreço, desejo que tão preciosa obracontribua para que as celebrações sejamsempre mais dignas e frutuosas”.

A renovação litúrgica reclama homense mulheres zelosos da glória de Deus.

PEDRO LOURENÇO FERREIRA

A VOZ DO PAPA

DEUS LIBERTA E REÚNEO SEU POVO NA ALEGRIA

Catequese sobre o Cântico de Jeremias

1. “Nações, ouvi a palavra do Senhor!Levai a notícia às ilhas longínquas” (Jr 31,10). Qual é a notícia que está para seranunciada com estas solenes palavras deJeremias, que ouvimos no cântico que hápouco proclamámos? Trata-se de umanotícia confortadora, e não é ocasional queos capítulos que a contêm (cf. 30-31), se-jam qualificados como “Livro da consola-ção”. O anúncio refere-se directamente aoantigo Israel, mas já deixa de algumaforma entrever a mensagem evangélica.

Eis o centro deste anúncio: “Porqueo Senhor resgatou Jacob e o libertou dasmãos do seu dominador” (Jr 31, 11). Oquadro histórico destas palavras é cons-tituído por um momento de esperançaexperimentado pelo povo de Deus, acerca de um século desde quando o Nor-te do País, em 722, fora ocupado pelopoder assírio. Agora, no tempo do profe-ta, a reforma religiosa do rei Josias ex-prime a volta do povo à aliança comDeus e faz surgir a esperança de que otempo do castigo tenha terminado. Co-meça a delinear-se a perspectiva de queo Norte possa voltar à liberdade e Israele Judá se recomponham na unidade. To-dos, também as “ilhas mais distantes”,deverão ser testemunhas deste aconteci-mento religioso: Deus, pastor de Israel,

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está para intervir. Ele, que permitiu adispersão do seu povo, agora vem reuni-lo.2. O convite à alegria é desenvolvidocom imagens que empenham profunda-mente. É um oráculo que faz sonhar!Delineia um futuro em que os exilados“virão e cantarão”, e encontrarão não sóo templo do Senhor, mas também todosos bens: o trigo, o vinho, o azeite, o pe-queno rebanho e o gado. A Bíblia nãoconhece um espiritualismo abstracto. Aalegria prometida não se refere apenasao íntimo do homem, porque o Senhorcuida da vida humana em todas as suasdimensões. O próprio Jesus não deixaráde realçar este aspecto, convidando osseus discípulos a terem confiança naProvidência também para as necessida-des materiais (cf. Mt 6, 25-34). O nossoCântico insiste sobre esta perspectiva: Deus quer fazer com que todos os homenssejam felizes. A condição que ele prepa-ra para os seus filhos é expressa pelosímbolo do “jardim bem regado” (Jr 31,12), imagem de vigor e fecundidade. Oluto converte-se em festa, ficamos sacia-dos de delícias (cf. v. 14) e repletos debens, a ponto que é espontâneo cantar edançar. Será uma alegria irreprimível,uma alegria do povo.

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3. Os acontecimentos históricos di-zem-nos que este sonho não se realizounaquela época. Mas, não certamente porDeus não ter cumprido a sua promessa:desta desilusão foi responsável maisuma vez o povo, com a sua infidelidade.O mesmo livro de Jeremias encarrega-sede o mostrar com o desenvolvimento deuma profecia que se torna difícil e dura,e leva progressivamente a algumas dasfases mais tristes da história de Israel.Não só os exilados do Norte não volta-rão, mas a própria Judeia será ocupadapor Nabucodonosor em 587 a. C.. Entãocomeçarão dias amargos, quando, juntodos rios da Babilónia, se deverão suspen-der as harpas (cf. Sl 136, 2). Não poderáhaver no coração qualquer disposiçãopara cantar para satisfazer os algozes;não se pode rejubilar, se somos arranca-dos à força da pátria, a terra onde Deusestabeleceu a sua habitação.

4. Mas, todavia, a alegria que caracte-riza este oráculo não perde o seu signifi-cado. De facto, permanece firme a moti-vação última sobre a qual se baseia, eque é expressa sobretudo por algunsversículos significativos, que precedemos que são propostos pela Liturgia dasHoras. É necessário tê-los bem presen-tes, quando se lêem as expressões dealegria do nosso Cântico. Descrevemem termos vibrantes o amor de Deuspelo seu Povo. Indicando um pacto irre-vogável:

“Amei-te com um amor eterno” (Jr31, 3). Cantam a alegria paterna de umDeus que chama a Efraim seu primogé-nito e o cobre de ternura: “Partiram emlágrimas, conduzi-los-ei em grande con-solação, por caminhos direitos em quenão tropeçarão; porque sou como um paipara Israel” (Jr 31, 9). Mesmo se a pro-messa não pôde ser então realizada por

falta de empenho da parte dos filhos, oamor do Pai permanece na sua total ecomovedora ternura.

5. Este amor constitui o fio de ouro querelaciona as fases da história de Israel,com as suas alegrias e tristezas, com osseus êxitos e fracassos. Deus não deixade ser amoroso, e o próprio castigo é asua expressão, assumindo um significa-do pedagógico e salvífico.Na rocha firme deste amor, o convite àalegria do nosso Cântico evoca um futu-ro de Deus que, mesmo se é adiado, virámais cedo ou mais tarde, apesar de todasas fraquezas do homem. Este futuro rea-lizou-se na Nova Aliança com a morte eressurreição de Cristo e com o dom doEspírito. Contudo, ele terá a sua realiza-ção plena na volta escatológica do Se-nhor. À luz destas certezas, o “sonho”de Jeremias permanece uma oportunida-de histórica real, condicionada pela fi-delidade dos homens, e sobretudo umameta final, garantida pela fidelidade deDeus e já inaugurada pelo seu amor emCristo.

Por conseguinte, ao ler este oráculode Jeremias, devemos deixar ressoar emnós o evangelho, a bonita notícia pro-mulgada por Cristo, na sinagoga de Na-zaré (Cf. Lc 4, 16-21). A vida cristã échamada a ser uma verdadeira “alegria”,que só pode ser ameaçada pelos nossospecados. Ao fazer-nos recitar estas pala-vras de Jeremias, a Liturgia das Horasconvida-nos a apoiar a nossa vida emCristo, o nosso Redentor (cf. Jr 31, 11) ea procurar nele o segredo da verdadeiraalegria na nossa vida pessoal e comuni-tária.

JOÃO PAULO II

10 de Outubro de 2001Transcrito de L'Osservatore Romano

ACÇÃO DE GRAÇASPELA SALVAÇÃO DO MUNDO

Catequese sobre o Salmo 471. O Salmo que foi proclamado é umcântico em honra de Sião, “a cidade dogrande Soberano” (Sl 47, 3), que nessaépoca era sede do templo do Senhor elugar da sua presença entre a humani-dade. A fé cristã já o aplica à “Jerusalém,lá do alto”, que é “nossa mãe” (Gl 4, 26).

A tonalidade litúrgica deste hino, aevocação de uma procissão de festa (cf.vv. 13-14), a visão pacífica de Jerusalémque reflecte a salvação divina, fazem doSalmo 47 uma oração para iniciar o dia efazer dele um cântico de louvor, mesmo seno horizonte se condensam algumas nu-vens.

Para compreender o sentido do Salmo,servem-nos de ajuda três aclamações colo-cadas no início, no centro e no final, quenos oferecem como que a chave espiritual

A VOZ DO PAPA

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da composição e nos introduzem no seuclima interior. Eis as três invocações: “Grande é o Senhor e digno de louvor, nacidade do nosso Deus” (v. 2); “Revive-mos, ó Deus, as vossas graças, no meio dovosso templo” (v. 10); “Este é o Senhor, onosso Deus pelos séculos sem fim; Ele éque nos guia” (v. 15).

2. Estas três aclamações, que exaltam oSenhor mas também “a cidade do nossoDeus” (v. 2), enquadram duas partes gran-des do Salmo. A primeira é uma jubilosacelebração da cidade santa, a vitoriosaSião, contra os assaltos dos inimigos, sere-na sob o manto da protecção divina (cf. vv.3-8). Tem-se quase uma litania de defini-ção desta cidade: é uma altura admirávelque se ergue como um farol de luz, umafonte de alegria para todos os povos da ter-ra, o único verdadeiro “Olimpo” onde océu e a terra se encontram. É para usar umaexpressão do profeta Ezequiel a cidade--Emanuel, porque “Deus está ali” presentenela (cf. 48, 35). Mas em redor de Jerusa-lém estão a agrupar-se as tropas em cerco,como um símbolo do mal que atentacontra o esplendor da cidade de Deus. Oconfronto tem um êxito previsto e quaseimediato.

3. De facto, os poderosos da terra, ao as-saltar a cidade santa, provocaram tambémo seu Rei, o Senhor. O Salmista mostracomo o orgulho de um exército poderosose dissolve com a imagem sugestiva dasdores de parto: “foram colhidos pelo

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terror, um terror como o da mulher em par-to” (v. 7). A arrogância transforma-se emfragilidade e fraqueza, o poder em queda ederrota.

O mesmo conceito é expresso com ou-tra imagem: o exército em marcha é com-parado a uma frota naval invencível, sobrea qual cai um furacão causado por um ter-rível vento do oriente (cf. v. 8).

Por conseguinte, permanece uma cer-teza incontestável para os que estão sob aprotecção divina: a última palavra não éconfiada ao mal mas ao bem; Deus triunfasobre as potências adversas, mesmo quan-do parecem ser grandiosas e invencíveis.

4. Então o fiel, celebra precisamente notemplo o seu agradecimento ao Deus liber-tador. O seu é um hino ao amor misericor-dioso do Senhor, expresso com a palavrahebraica hésed, típica da teologia da alian-ça. Chegamos assim à segunda parte doSalmo (cf. vv. 10-14). Depois do grandecântico de louvor a Deus fiel, justo e salva-dor (cf. vv. 10-12), realiza-se uma espéciede procissão à volta do templo e da cidadesanta (cf. vv. 13-14). Contam-se as torres,sinal da protecção certa de Deus, obser-vam-se as fortalezas, expressão da estabi-lidade oferecida a Sião pelo seu Fundador.Os muros de Jerusalém falam e as suas pe-dras recordam os factos que devem sertransmitidos “às gerações futuras” (v. 14)através da narração que os pais farão aosseus filhos (cf. Sl 77, 7). Sião é o espaço deuma cadeia ininterrupta de acções salvífi-cas do Senhor, que são anunciadas na cate-quese e celebradas na liturgia, para que oscrentes continuem a ter esperança na inter-venção libertadora de Deus.

5. É maravilhosa na antífona conclusivauma das mais nobres definições do Senhorcomo pastor do seu povo: “Ele é que nosguia” (v. 15). O Deus de Sião é o Deus doÊxodo, da liberdade, da proximidade aoseu povo escravo no Egipto e peregrino no

deserto. Agora que Israel se estabeleceu naterra prometida, sabe que o Senhor não oabandona: Jerusalém é o sinal da sua pro-ximidade, e o templo é o lugar da sua espe-rança.

Voltando a ler estas expressões, o cris-tão eleva-se à contemplação de Cristo, otemplo de Deus novo e vivo (cf. Jo 2. 21),e dirige-se para a Jerusalém celeste, quejá não precisa de um templo e de uma luzexterior, porque “o Senhor, Deus Todo--Poderoso, é o seu Templo, assim como oCordeiro... porque é iluminada pela glóriade Deus e a sua luz é o Cordeiro” (Ap 21,22-23).

Santo Agostinho convida-nos a fazerde novo esta leitura “espiritual”, convenci-do de que nos livros da Bíblia “não se en-contra nada que se refira apenas à cidadeterrena, mas tudo o que dela se refere, oupara ela se realiza, simboliza algo que poralegoria se pode também referir à Jerusa-lém celeste” (Cidade de Deus, XVII, 3, 2).Faz-lhe eco São Paulino de Nola, queprecisamente ao comentar as palavras donosso Salmo, exorta a rezar a fim de que“possamos ser como pedras vivas nas mu-ralhas da Jerusalém celeste e livre” (Carta28, 2 a Severo). E ao contemplar arobustez e solidez desta cidade, o mesmoPadre da Igreja prossegue: “De facto,todo aquele que habita nesta cidade reve-la-se como o Uno em três pessoas... DelaCristo foi constituído não só fundamento,mas também torre e porta... Funda-se por-tanto sobre Ele a casa da nossa alma e so-bre ele se eleva uma construção digna deuma base assim tão grande, e a porta deentrada para a sua cidade será para nósprecisamente Aquele que nos orientarános séculos e nos levará ao lugar das suaspastagens” (ibid.).

JOÃO PAULO II

17 de Outubro de 2001Transcrito de L'Osservatore Romano

1. Escutámos o Miserere, uma das ora-ções mais célebres do Saltério, o Salmopenitencial mais intenso e repetido, o cân-tico do pecado e do perdão, a meditaçãomais profunda sobre a culpa e a graça. ALiturgia das Horas faz-nos repeti-lo nasLaudes de cada sexta-feira. Desde há mui-tos séculos numerosos corações de fiéisjudeus e cristãos elevam aos céus comoque um suspiro de arrependimento e de es-perança dirigido a Deus misericordioso.

A tradição judaica colocou o Salmonos lábios de David, convidado pelaspalavras severas do profeta Natan a fazerpenitência (cf. vv. 1-2; 2 Sam 11, 12), oqual lhe reprovava o adultério cometidocom Betsabé e o homicídio de seu marido,Urias. Mas o Salmo enriquece-se nos sé-culos seguintes, com a oração de muitosoutros pregadores, que retomam os temasdo “coração novo” e do “Espírito” de Deusinfundido no homem redimido, segundo oensinamento dos profetas Jeremias e Eze-quiel (cf. v. 12; Jr 31, 31-34; Ez 11, 19; 36,24-28).

2. São dois os horizontes que o Salmo 50delineia. Em primeiro lugar, está a regiãotenebrosa do pecado (cf. vv. 3-11), na qualse encontra o homem desde o início da suaexistência: “Eis que eu nasci na culpa, e aminha mãe concebeu-me no pecado” (v.7). Mesmo se esta declaração não pode ser

SENHOR, TENDE PIEDADE DE MIMCatequese sobre o Salmo 50

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assumida como uma formulação explícitada doutrina do pecado original como foidelineada pela teologia cristã, não há dúvi-da de que ela lhe corresponde: de facto,exprime a dimensão profunda da inata de-bilidade moral do homem. O Salmo, nestaprimeira fase, apresenta-se como uma aná-lise do pecado, feita diante de Deus. Sãotrês as palavras hebraicas usadas para defi-nir esta triste realidade, que provém da li-berdade humana mal empregue.

3. A primeira palavra, hattá, significa li-teralmente “não atingir o alvo”: o pecado éuma aberração que nos afasta de Deus,meta fundamental das nossas relações, epor conseguinte também do próximo.

A segunda palavra hebraica é “awôn,que remete para a imagem de “torcer”,“curvar”. Por conseguinte, o pecado é umdesvio sinuoso do caminho recto; é a in-versão, a deturpação, a deformação dobem e do mal, no sentido declarado porIsaías: “Ai dos que ao mal chamam bem, eao bem, mal, que têm as trevas por luz e aluz por trevas” (Is 5, 20). Precisamente poreste motivo, na Bíblia, a conversão é indi-cada como um “voltar” (em hebraicoshûb) ao caminho recto, corrigindo o per-curso.

A terceira palavra que o salmista usapara falar do pecado é peshá. Ela exprimea rebelião do súbdito em relação ao so-

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berano e, por conseguinte, é um desafioaberto dirigido a Deus e ao seu projectopara a história humana.

4. Mas se o homem confessa o seu peca-do, a justiça salvífica de Deus está prontapara o purificar radicalmente. Desta formapassa-se para a segunda parte espiritual doSalmo, a acção luminosa da graça (cf. vv.12-19). De facto, através da confissão dasculpas abre-se para quem reza um hori-zonte de luz no qual Deus actua. O Senhornão age apenas negativamente, elimi-nando o pecado, mas regenera a humani-dade pecadora através do seu Espíritovivificante: infunde no homem um “co-ração” novo e puro, ou seja, um conheci-mento renovado, e abre-lhe a possibili-dade de uma fé límpida e de um cultoagradável a Deus.

Orígenes fala a este propósito de umaterapia divina, que o Senhor realizaatravés da sua palavra e mediante a obraregeneradora de Cristo: “Assim comoDeus predispôs para o corpo o remédio daservas terapêuticas misturadas com sabedo-ria, assim também preparou remédios paraa alma com as palavras que infundiu,distribuindo-as nas divinas Escrituras...Deus também deu outra actividade mé-dica, cujo arquiatra é o Salvador, o qualdiz de si mesmo: “não são os sadios queprecisam do médico, mas os doentes”.Ele era o médico por excelência capaz decurar qualquer debilidade, qualquer enfer-midade” (Homilias sobre os Salmos, Flo-rença, 1991, pp. 247-249).

5. A riqueza do Salmo 50 mereceria umaexegese cuidadosa de cada uma das suaspartes. É o que faremos quando ele voltara ressoar nas várias sextas-feiras dasLaudes. O olhar de conjunto, que agoradirigimos a esta grande súplica bíblica, já

nos revela algumas componentes funda-mentais de uma espiritualidade que devereflectir-se na existência quotidiana dosfiéis. Em primeiro lugar, há um profundosentido do pecado, entendido como umaescolha livre, conotada negativamente anível moral e teologal: “Contra Vós ape-nas é que eu pequei, pratiquei o mal pe-rante os vossos olhos” (v. 6). Depois, veri-fica-se também no Salmo um profundosentido da possibilidade de conversão: opecador, sinceramente arrependido (cf. v.5), apresenta-se em toda a sua miséria edespojamento a Deus, suplicando-lhe quenão o afaste da sua presença (cf. v. 13).

Por fim, no Miserere, vê-se uma ra-dicada convicção do perdão divino que“apaga, lava e purifica” o pecador (cf. vv.3-4) e chega até a transformá-lo numacriatura nova que tem espírito, língua,lábios e coração transformados (cf. vv.14-19). “Mesmo se os nossos pecados,afirmava santa Faustina Kowalska, fossemescuros como a noite, a misericórdia di-vina é mais forte do que a nossa miséria.É necessária uma só coisa: que o pecadorabra pelo menos um pouco da porta do seucoração... o resto fá-lo-á Deus... Tudo seiniciou com a tua misericórdia e tudoterminará com a tua misericórdia” (M.Winowska, O ícone do Amor misericor-dioso. A mensagem da Irmã Faustina,Roma, 1981, pág. 271).

JOÃO PAULO II24 de Outubro de 2001Transcrito de L'Osservatore Romano

1. “Na verdade, vós sois um Deus escon-dido” (Is 45, 15). Este versículo, que intro-duz o Cântico proposto para as Laudes desexta-feira da primeira semana do Salté-rio, é tirado da meditação de Isaías sobre agrandeza de Deus, manifestada na criaçãoe na história: um Deus que se revela, em-bora permaneça escondido na impenetra-bilidade do seu mistério. Por definição,Ele é o “Deus absconditus”. Nenhumpensamento o pode compreender. O ho-mem só pode contemplar a sua presençano universo, como que seguindo os seuspassos, prostrado diante dele na oração eno louvor.

O contexto histórico, a partir do qualnasce esta meditação, é o da surpreendentelibertação que Deus ofereceu ao seu povo,no tempo do exílio babilónico. Quem éque teria pensado que, um dia, os exiladosde Israel podiam voltar para a sua pátria?Olhando para o poder babilónico, eles sópodiam desesperar. Todavia, eis o grandeanúncio, a surpresa de Deus, que vibra naspalavras do profeta: como no tempo doÊxodo, Deus há-de intervir. E se então ti-nha derrotado a resistência do faraó comcastigos tremendos, agora escolhe um rei,Ciro da Pérsia, para vencer o poderbabilónico e restituir a liberdade a Israel.

2. “Vós sois um Deus escondido, o Deusde Israel, o Salvador” (Ibidem). Com estas

TODOS OS POVOSSE CONVERTAM AO SENHORCatequese sobre o Cântico de Isaías

A VOZ DO PAPA

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palavras, o profeta convida a reconhecerque Deus age na história, mesmo quandonão se manifesta na linha de vanguarda.Dir-se-ia que se encontra “nos bastidores”.Ele é o criador misterioso e invisível querespeita a liberdade das suas criaturas mas,ao mesmo tempo, tem nas suas mãos odestino das vicissitudes do mundo. A cer-teza da acção providencial de Deus é fontede esperança para o crente, que sabe quepode contar com a presença constante da-quele “que formou a terra e a consolidou”(Ibid., v. 18).

Com efeito, o acto criativo não é umepisódio que se perde na noite dos tempos,de maneira que o mundo, depois daqueleinício, se deva considerar como que aban-donado em si mesmo. Deus tira constante-mente do ser a criação que saiu das suasmãos. Reconhecê-lo é também confessar asua unicidade: “Não fui Eu, o Senhor?Não há outro Deus fora de mim” (Ibid., v.21). Por definição, Deus é o Único. Nadalhe pode ser comparado. Tudo lhe é subor-dinado. Daqui, também a rejeição da ido-latria, em relação à qual o profeta anunciapalavras severas: “Nada disto compreen-dem os que trazem o seu ídolo de madeirae dirigem as suas súplicas a um deus inca-paz de os salvar” (Ibid., 20). Como é quenos podemos pôr em adoração, diante deum produto realizado pelo homem?

10 BOLETIM DE PASTORAL LITÚRGICA

3. À nossa sensibilidade contemporânea,esta polémica poderia parecer excessiva,como se visasse as imagens consideradasem si mesmas, sem compreender que lhespode ser atribuído um valor simbólico,compatível com a adoração espiritual doúnico Deus. Sem dúvida, aqui entra emjogo a sábia pedagogia divina que, atravésde uma rígida disciplina de exclusão dasimagens, salvaguardou Israel das contami-nações politeístas. Partindo do rosto deDeus, que se manifestou na encarnação deJesus Cristo, a Igreja reconheceu, duranteo segundo Concílio de Niceia (a. 787), apossibilidade de recorrer às imagens sa-gradas, contanto que estas sejam com-preendidas no seu valor essencial derelação.

Todavia, subsiste a importância destaadmoestação profética em relação a todasas formas de idolatria, com frequência dis-simuladas mais do que no uso imprópriodas imagens, nas atitudes com que os ho-mens e as coisas são considerados comovalores absolutos e substitutos do próprioDeus.

4. Sob o ponto de vista da criação, o hinoleva-nos para o terreno da história, ondeIsrael pôde experimentar muitas vezes opoder benéfico e misericordioso de Deus,a sua fidelidade e a sua providência. Emparticular, na libertação do exílio manifes-tou-se uma vez mais o amor de Deus peloseu povo, e isto aconteceu de maneira tãoevidente e surpreendente, que o profetachama os próprios “sobreviventes de entreas nações” a testemunhar. Convida-os adiscutir, se podem:

“Congregai-vos, vinde, aproximai-vostodos juntos, sobreviventes de entre asnações” (Ibidem). A conclusão a que oprofeta chega é de que a intervenção doDeus de Israel é inquestionável. Então,manifesta-se uma magnífica perspectivauniversalista. Deus proclama: “Convertei-

-vos a mim e sereis salvos, confins todosda terra, porque Eu sou Deus e não há ou-tro” (Ibid., v. 22).

Assim, torna-se evidente que a predi-lecção com que Deus escolheu Israelcomo seu povo não significa um acto deexclusão mas, pelo contrário, um acto deamor de que toda a humanidade é destina-da a beneficiar.

Desta forma delineia-se, já no AntigoTestamento, aquela concepção “sacra-mental” da história da salvação, que vê naeleição especial dos filhos de Abraão e, emseguida, dos discípulos de Cristo na Igreja,não um privilégio que “fecha” e “exclui”,mas o sinal e o instrumento de um amoruniversal.

5. O convite à adoração e a oferta da sal-vação dizem respeito a todos os povos: “Todo o joelho se dobrará diante de mim,toda a língua jurará por mim” (Ibid., v.23). Ler estas palavras numa perspectivacristã significa ter no pensamento a revela-ção completa do Novo Testamento que,em Cristo, indica “um Nome que estáacima de todo o nome” (Fl 2, 9), de talmaneira que, “ao nome de Jesus, todo ojoelho se dobre nos Céus, na Terra e nosInfernos, e toda a língua confesse queJesus Cristo é o Senhor, para a glória deDeus Pai” (Ibid., vv. 10-11).

Através deste Cântico, as nossasLaudes matutinas adquirem proporçõesuniversais, dando voz também a quantosainda não receberam a graça de conhecerCristo. Trata-se de um louvor que se faz“missionário”, levando-nos a percorrertodos os caminhos, anunciando que Deusse manifestou em Jesus como o Salvadordo mundo.

JOÃO PAULO II

31 de Outubro de 2001Transcrito de L'Osservatore Romano

1. A tradição de Israel impôs ao hino delouvor agora proclamado o título de“Salmo para a todáh”, isto é, para a acçãode graças no cântico litúrgico, e por issoadapta-se bem à entoação das Laudesmatutinas. Nos poucos versículos destealegre hino podem identificar-se trêselementos significativos, de forma quetornam espiritualmente frutuoso o seu usopor parte da comunidade orante cristã.

2. Antes de tudo, encontra-se o apelopremente à oração, claramente descrita nasua dimensão litúrgica. É suficiente enu-merar os verbos usados no imperativo quemarcam o Salmo e são acompanhados porindicações de ordem cultual: “Aclamai...,servi ao Senhor com alegria, vinde à suapresença com cânticos de júbilo! Sabeique o Senhor é Deus... Entrai nos seus pór-ticos com acção de graças, entrai nos seusátrios com louvores, glorificai e bendizei oseu nome” (vv. 2-4). Uma série de convi-tes não só para entrar na área sagrada dotemplo através dos seus pórticos e átrios(cf. Sl 14, 1; 23, 3.7-10), mas também acantar hinos jubilosos a Deus.

É uma espécie de fio constante delouvor que nunca se interrompe, exprimin-do-se numa contínua profissão de fé e de

A ALEGRIADOS QUE ENTRAM NO TEMPLO

Catequese sobre o Salmo 99

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A VOZ DO PAPA

amor. Um louvor que se eleva da terra paraDeus, e que ao mesmo tempo alimenta aalma do crente.

3. Desejaria reservar outra pequenaobservação ao início do cântico, onde oSalmista chama toda a terra a aclamar oSenhor (cf. v. 1). Sem dúvida, o Salmo de-dicará depois toda a sua atenção ao povoeleito, mas o horizonte envolvido nolouvor é universal, como acontece muitasvezes no Saltério, sobretudo nos chama-dos “hinos ao Senhor e Rei” (cf. Sl 95-98).O mundo e a história não estão nas mãosdo destino, da confusão, de uma necessi-dade cega. Pelo contrário, são governadospor um Deus que é ao mesmo tempo mis-terioso, mas que também deseja que a hu-manidade viva, de modo estável, relaçõesjustas e autênticas. Ele “fixou o orbe, nãovacilará, governa os povos com equida-de... governará a terra com justiça, e ospovos na Sua fidelidade” (Sl 95, 10.13).

4. Por conseguinte, estamos todos nasmãos de Deus, Senhor e Rei, e todos o ce-lebramos, confiantes de que Ele não nosdeixará cair das suas mãos de Criador e dePai. A esta luz, pode apreciar-se melhor oterceiro elemento significativo do Salmo.

12 BOLETIM DE PASTORAL LITÚRGICA

No centro do louvor que o Salmista colocanos nossos lábios, encontra-se de factouma espécie de profissão de fé, expressamediante uma série de atributos que de-finem a realidade íntima de Deus. Estecredo fundamental contém as seguintesafirmações: o Senhor é Deus, o Senhor é onosso criador, nós somos o seu povo, oSenhor é bom, o seu amor é eterno, a suafidelidade não tem fim (cf. vv. 3-5).

5. Tem-se, em primeiro lugar, uma reno-vada confissão de fé no único Deus, comonos é pedido pelo primeiro mandamentodo Decálogo; “Eu sou o Senhor, teuDeus... não terás outro Deus além deMim” (Êx 20, 2.3). E como se repete mui-tas vezes na Bíblia: “Reconhece, agora, egrava no teu coração, que só o Senhor éDeus e que não há outro” (Dt 4, 39). De-pois, é proclamada a fé em Deus criador,fonte do ser e da vida. Segue-se a afirma-ção, expressa através da chamada “fórmu-la da aliança”, da certeza que Israel tem daeleição divina: “pertencemos-Lhe, somoso Seu povo e as ovelhas do Seu rebanho”(v. 3). É uma certeza que os fiéis do novoPovo de Deus fazem sua, na consciênciade constituírem a grei que o Pastor supre-mo das almas conduz aos prados eternosdo céu (cf. 1 Pd 2, 25).

6. Depois da proclamação do Deus uno,criador e fonte da aliança, o retrato do Se-nhor cantado pelo nosso Salmo continuacom uma meditação de três qualidades di-vinas, muitas vezes exaltadas no Saltério:

a bondade, o amor misericordioso (hésed),e a fidelidade. São as três virtudes quecaracterizam a aliança de Deus com o seupovo; elas exprimem um vínculo que ja-mais será violado, dentro do fluxo dasgerações e apesar do rio lamacento dos pe-cados, das rebeliões e das infidelidadeshumanas. Com confiança serena no amordivino que nunca virá a faltar, o povo deDeus encaminha-se na história com assuas tentações e debilidades quotidianas.

E esta confiança far-se-á cântico, aoqual por vezes as palavras já não bastam,como observa Santo Agostinho: “Quantomais aumentar a caridade, tanto mais tedarás conta do que dizias e não dizias.Com efeito, antes de saborear determina-das coisas, pensavas que podias utilizarpalavras para indicar Deus; ao contrário,quando começaste a saboreá-lo, aperce-beste-te de que não és capaz de explicaradequadamente aquilo que sentes. Mas sete aperceberes de que não sabes exprimircom as palavras o que sentes, deverás, porisso, permanecer calado e não louvar?...Não, certamente. Não serás tão ingrato. AEle devemos a honra, o respeito, o maiorlouvor... Ouve o Salmo: “Terra inteira,louva o Senhor!”. Compreenderás a ale-gria de toda a terra, se tu mesmo te alegrasno Senhor” (Exposições sobre os SalmosIII/1, Roma 1993, pág. 459).

JOÃO PAULO II

7 de Novembro de 2001Transcrito de L'Osservatore Romano

PROMESSA DEOBSERVAR A LEI DE DEUS

Catequese sobre o Salmo 118, 145-152

A VOZ DO PAPA

1. O que a liturgia de Laudes nos propõeno sábado da primeira semana é uma únicaestrofe tirada do Salmo 118, uma monu-mental oração de vinte e duas estrofes,tantas quantas são as letras do alfabeto he-braico. Cada estrofe se caracteriza poruma letra do alfabeto, com que começacada um dos versículos; a ordem das estro-fes segue a do alfabeto. A que proclamá-mos agora é a estrofe número dezanove,correspondente à letra qof.

Esta premissa, um pouco superficial,permite-nos compreender melhor o signi-ficado deste cântico em honra da Lei di-vina. Ele é semelhante a uma músicaoriental, cujas modulações sonoras pare-cem nunca mais ter fim e elevam-se ao céunuma repetição que envolve a mente e ossentidos, o espírito e o corpo daquele quereza.

2. Numa sequência que se desenvolve do‘alef ao tau, isto é, da primeira à últimaletra do alfabeto do A ao Z, diremos nóscom o alfabeto italiano aquele que rezaexpande-se no louvor da Lei de Deus, queadopta como lâmpada para os seus passosno caminho, tantas vezes obscuro, da vida(cf. v 105).

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Diz-se que o grande filósofo e cien-tista Blaise Pascal recitava diariamenteeste Salmo, que é o maior de todos, en-quanto o teólogo Dietrich Bonhoeffer,assassinado pelos nazistas em 1945, otransformava numa oração viva e actual,escrevendo: “Indubitavelmente, o Salmo118 é pesado pela sua extensão e monoto-nia, mas nós devemos avançar palavra porpalavra, frase por frase, muito lenta epacientemente. Descobriremos então queas aparentes repetições são, na relidade,aspectos novos de uma só e mesmarealidade: o amor pela palavra de Deus.Como este amor não pode ter fim, tambémnão o terão as palavras que o confessam.Elas podem acompanhar-nos ao longo detoda a nossa vida, e na sua simplicidadetornam-se oração da criança, do adulto edo idoso” (Rezar os Salmos com Cristo,Brescia, 1978³, p. 48).

3. O facto de repetir, além de ajudar amemória no canto coral, é ainda um modode estimular a adesão interior e o aban-dono confiante nos braços de Deus, in-vocado e amado. Entre as repetições doSalmo 118, queremos assinalar uma muitosignificativa. Cada um dos 176 versículos

de que é composto este louvor à Torah,isto é, à Lei e à Palavra divina, contém,pelo menos, uma das oito palavras comque se define a própria Torah: lei, palavra,testemunho, juízo, prescrição, decreto,preceito, ordem. Celebra-se assim a Reve-lação divina, que é manifestação do misté-rio de Deus, mas também guia moral paraa existência do fiel.

Deus e o homem estão, deste modo,unidos por um diálogo composto de pala-vras e de obras, de ensino e escuta, de ver-dade e de vida.

4. Voltemos, agora, à nossa estrofe (cf.vv. 145-152), que se adapta bem à atmos-fera das Laudes matutinas. De facto, acena, que é posta no centro deste conjuntode oito versículos, é nocturna, mas abertaao novo dia. Depois de uma longa noite deespera e de vigília de oração no templo,quando a aurora aparece no horizonte e secomeça a liturgia, o fiel está certo de que oSenhor ouvirá aquele que passou a noite arezar, esperar e a meditar a Palavra divina.Confortado por esta consciência, perante ajornada que se abre diante dele, não te-merá mais os perigos. Sabe que não seráarrastado pelos seus perseguidores que,traiçoeiramente, o atacam, (cf. v. 150),porque o Senhor está a seu lado.

5. A estrofe exprime uma intensa ora-ção: “Invoco-Vos com todo o coração: ouvi-me, Senhor... Pela manhã apresso-mea invocar-Vos; nas Vossas palavras euespero...” (vv 145.147). No Livro dasLamentações lê-se este convite: “Levan-ta-te, grita durante a noite ao começo dasvigílias; derrama o teu coração como águaante a face do Senhor; ergue para Ele asmãos” (Lam 2, 19). Santo Ambrósio repe-tia: “ Não sabes, ó homem, que em cadadia deves oferecer a Deus as primícias doteu coração e da tua voz? Apressa-te, aoalvorecer, para levar à igreja as primíciasda tua piedade” (Exp. in ps. CXVIII: PL15, 1476A).

Ao mesmo tempo, a nossa estrofe éainda, a exaltação de uma certeza: nós nãoestamos sós, porque Deus escuta e inter-vém. Di-lo aquele que reza: “Vós, Senhor,estais perto” (v. 151). Também o dizemoutros Salmos: “Aproximai-Vos de mim esalvai-me, respondei aos meus inimigos,resgatando-me” (Sl. 68, 19); “O Senhorestá perto dos aflitos do coração e salva osde espírito torturado” (Ps 33, 19).

JOÃO PAULO II

14 de Novembro de 2001Transcrito de L'Osservatore Romano

O Santo Padre dedica as audiências das quartas-feiras acatequeses sobre os salmos de Laudes e de Vésperas.São um convite à formação para a oração. Divulgamosestas catequeses para dar voz à voz do Papa e colaborarneste projecto pastoral.

14 BOLETIM DE PASTORAL LITÚRGICA

A VOZ DO PAPA

HINO DE VITÓRIAPELA TRAVESSIA DO MAR VERMELHO

Catequese sobre o Cântico do Êxodo

1. Este hino de vitória (cf. Êx 15, 1-18),proposto para as Laudes do sábado daprimeira semana, conduz-nos a um mo-mento-chave da história da salvação: aoacontecimento do Êxodo, quando Israelfoi salvo por Deus numa situação huma-namente desesperada. Os factos são co-nhecidos: depois de uma longa escravidãono Egipto, já a caminho para a terra pro-metida, os Hebreus tinham sido alcança-dos pelo exército do faraó, e nada ossubtrairia à destruíção, se o Senhor nãotivesse intervindo com a sua mão pode-rosa. O hino tarda a descrever a arrogânciados desígnios do inimigo armado: “Corra-mos, alcancemo-los! Repartamos osdespojos!...” (Êx 15, 9).

Mas que poder tem o maior dosexércitos, diante da omnipotência divi-na? Deus ordena que o mar abra umcarreiro para deixar passar o povo ataca-do e que o feche quando passam osagressores: “Mandaste o teu sopro. Ooceano engoliu-os: afundaram-se comoo chumbo nas águas majestosas” (Ibid.15, 10).

São imagens fortes, que queremmostrar a medida da grandeza de Deus,enquanto exprimem a admiração de umpovo que quase não acredita no que vê,e se abandona em uníssono num cânticocomovido: “O Senhor é a minha força ea minha glória, foi Ele que me salvou.

Ele é o meu Deus, glorificá-Lo-ei; é oDeus de meu pai, louvá-Lo-ei” (Ibid.,15, 2).2. O cântico não fala apenas da liberta-ção obtida; indica também a sua finali-dade positiva, ou seja, a entrada na casade Deus para viver em comunhão comEle: “Tu guias, pela Tua misericórdia,este povo que libertaste; e com o Teupoder o diriges para a Tua santa mora-da” (Ibid., 15, 13).

Compreendido desta forma, esteacontecimento não esteve só na base daaliança entre Deus e o seu povo, mastornou-se o “símbolo” de toda a históriada salvação. Em muitas outras ocasiõesIsrael conhecerá situações análogas, e oÊxodo actualizar-se-á pontualmente. Demaneira especial, aquele acontecimentoprefigura a grande libertação que Cristorealizará com a sua morte e ressurrei-ção.

Por isso o nosso hino é cantado demodo especial na liturgia da Vigília pas-cal, para ilustrar com a intensidade dassuas imagens o que se realizou em Cris-to. N’Ele fomos salvos não só de umopressor humano, mas daquela escravi-dão de satanás e do pecado, que desde asorigens pesa sobre o destino da humani-dade. Com Ele a humanidade põe-se denovo a caminho, pelas estradas que con-duzem à casa do Pai.

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3. Esta libertação, já realizada no mis-tério e presente no Baptismo como umasemente de vida destinada a crescer, alcan-çará a sua plenitude no fim dos tempos,quando Cristo voltar glorioso e entregar“o Reino a Deus Pai” (1 Cor. 15, 24). ALiturgia das Horas convida-nos a olharprecisamente para este horizonte final,escatológico, introduzindo o nosso Cân-tico com uma citação do Apocalipse: “osque venceram a Besta... cantavam o cân-tico de Moisés, servo de Deus” (Ap 15,2.3).

No final dos tempos, realizar-se-áplenamente para todos os que foram sal-vos aquilo que o acontecimento do Êxodoprefigurava e a Páscoa de Cristo reali-zou de maneira definitiva, mas aberto aofuturo. De facto, a nossa salvação é reale profunda, mas situa-se entre o “já” e o“ainda não” da condição terrena, comonos recorda o apóstolo Paulo: “Porquena esperança é que fomos salvos” (Rm 8,24).

4. “Cantemos ao Senhor, que é solene-mente grande” (Êx 15, 1). Pondo nosnossos lábios estas palavras do antigohino, a Liturgia das Laudes convida-nosa orientar o nosso dia para o horizonteda história da salvação. Esta é a formacristã de compreender o passar do tem-po. Nos dias que se acumulam não háuma fatalidade que nos oprime, mas umdesígnio que se desvenda lentamente, eque os nossos olhos devem aprender aler como em filigrana.

Os Padres da Igreja eram particular-mente sensíveis a esta perspectiva históri-co-salvífica, e gostavam de ler os factosrelevantes do Antigo Testamento do di-lúvio do tempo de Noé à chamada deAbraão, da libertação do Êxodo ao re-gresso dos Hebreus depois do exílio emBabilónia como “prefigurações” deacontecimentos futuros, reconhecendonaqueles factos um valor “arquétipo”:

neles eram prenunciadas as característi-cas fundamentais que se iriam repetir,de certa forma, durante toda a históriahumana.

5. Contudo, já os profetas tinham lidoos acontecimentos da história da salvação,mostrando o seu sentido sempre actual eindicando a sua realização plena no fu-turo. Desta forma, ao meditar sobre omistério da aliança estabelecida porDeus com Israel, eles falam de uma“nova aliança” (Jr 31, 31; cf. êx 36, 26-27), na qual a lei de Deus teria sido es-crita no próprio coração do homem. Nãoé difícil ver nesta profecia a nova aliançaestabelecida no sangue de Cristo e reali-zada através do dom do Espírito. Ao re-citar este hino de vitória do antigo Êxodoà luz do Êxodo pascal, os fiéis podemviver a alegria de se sentirem Igreja pere-grina no tempo, rumo à Jerusalém celeste.

6. Por conseguinte, trata-se de contem-plar com admiração sempre renovadatudo o que Deus dispôs para o seuPovo: “Tu o introduziste e o estabele-ceste no monte da Tua herança, no lugarque reservaste para Tua morada, Se-nhor! Santuário preparado pelas Tuasmãos, ó meu Deus!” (Êx 15, 17). O hinode vitória não exprime o triunfo do ho-mem, mas o triunfo de Deus. Não é umcântico de guerra, é um cântico de amor.

Deixando que os nossos dias sejaminvadidos por este estremecimento delouvor dos antigos Hebreus, nós cami-nhamos pelas estradas do mundo, cheiasde insídias, de perigos e de sofrimentos,com a certeza de estarmos envolvidospelo olhar misericordioso de Deus: nada pode resistir ao poder do seu amor.

JOÃO PAULO II

21 de Novembro de 2001Transcrito de L'Osservatore Romano

16 BOLETIM DE PASTORAL LITÚRGICA

A VOZ DO PAPA

CONVITE A LOUVAR A DEUSPELO SEU AMOR

Catequese sobre o Salmo 116

1. Este é o Salmo mais curto, compostono original hebraico apenas por dezassetepalavras, das quais nove são particular-mente relevantes. É uma pequena doxolo-gia, isto é, um cântico essencial de louvor,que em pensamento poderia fazer as vezesde fecho a orações hínicas mais amplas.Assim se verificou por vezes na liturgia,um pouco como acontece com o nossoGloria Patri, com o qual concluímos a re-citação de qualquer Salmo.

Na verdade, estas poucas palavras deoração revelam-se significativas e profun-das para exaltar a aliança entre o Senhor eo seu povo, no âmbito de uma perspectivauniversal. Nesta luz, o primeiro versículodo Salmo é tomado pelo apóstolo Paulopara convidar todos os povos do mundo aglorificar Deus. De facto, ele escreve aoscristãos de Roma: “os gentios dão glória aDeus, pela sua misericórdia, como estáescrito... Nações, louvai todas ao Senhor;e que todos os povos o celebrem” (Rm 15,9.11).2. Por conseguinte, o breve hino queestamos a meditar começa, como acontecemuitas vezes a este género de Salmos, comum convite ao louvor, que não se destinasó a Israel, mas a todos os povos da terra.Um alleluia deve brotar dos corações detodos os justos que procuram e amamDeus com o coração sincero. Mais uma

vez o Saltério reflecte uma visão de amploalcance, provavelmente alimentada pelaexperiência vivida por Israel durante oexílio na Babilónia no sexto século a.C.: opovo hebraico encontrou então outrasnações e culturas e sentiu a necessidade deanunciar a própria fé àqueles entre osquais ele vivia. Encontra-se no Saltério aconsciência de que o bem floresce emtantos terrenos e pode ser como que cana-lizado e dirigido para o único Senhor eCriador.

Por isso, poderíamos falar de um “ecu-menismo” da oração, que inclui num únicoabraço povos diferentes por origem, histó-ria e cultura. Encontramo-nos na linha dagrande “visão” de Isaías que descreve “nofinal dos tempos” a afluência de todas asnações para “o monte do templo do Se-nhor”. Então, cairão das mãos as espadas eas lanças, e serão transformadas em relhasde arados e foices, para que a humani-dade viva em paz, cantando o seu louvorao único Senhor de todos, ouvindo a suapalavra e observando os seus mandamen-tos (cf. Is 2, 1-5).3. Israel, o povo da eleição, tem neste ho-rizonte universal uma missão a cumprir.Deve proclamar duas grandes virtudes di-vinas, que conheceu ao viver a aliançacom o Senhor (cf. v. 2). Estas duas virtu-des, que são as duas feições fundamentais

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do rosto divino, o “bom binómio” deDeus, para dizer com São Gregório deNissa (cf. Sobre os títulos dos Salmos,Roma 1994, p. 183), são expressas comigual número de palavras hebraicas que,nas traduções, não conseguem brilhar emtoda a sua riqueza de significado.

A primeira é hésed, uma palavra usadarepetidas vezes pelo Saltério e sobre a qualjá falei noutra ocasião. Ela indica a rededos sentimentos profundos que existementre duas pessoas, ligadas por um vínculoautêntico e constante. Por isso, abraçavalores como o amor, a fidelidade, a mise-ricórdia, a bondade, a ternura. Por conse-guinte, existe entre nós e Deus uma rela-ção que não é fria, como a que pode existirentre um imperador e o seu súbdito, maspalpitante, como a que se desenvolve entredois amigos, entre dois esposos, entre paise filhos.4. A segunda palavra é emét que é quasesinónimo da primeira. Também ela é que-rida ao Saltério, que a repete quase metadede todas as vezes em que ressoa no restodo Antigo Testamento.

Em si, a palavra exprime a “verdade”,ou seja, a genuinidade de uma relação, asua autenticidade e lealdade, que se con-serva apesar dos obstáculos e das provas; éa fidelidade pura e jubilosa que não conhe-ce faltas. Não é sem motivo que o salmistadeclara que ela “dura eternamente” (v. 2).O amor fiel de Deus nunca faltará e nãonos abandonará a nós próprios ou à obscu-ridade do contra-senso, de um destinocego, do vazio e da morte.

Deus ama-nos com um amor incondi-cionado, que não se cansa, que nunca es-morece. Eis a mensagem do nosso Salmo,breve como uma ladainha, mas intensocomo um cântico grande.

5. As palavras que ele nos sugere sãocomo um eco do cântico que ressoa na Je-rusalém celeste, onde uma grande multi-dão de todas as línguas, povos e nações,canta a glória divina diante do trono deDeus e do Anjo (cf. Ap 7, 9). A este cânticoa Igreja peregrina une-se com infinitas ex-pressões de louvor, muitas vezes moldadaspelo génio poético e pela arte musical.Pensamos dando um exemplo no TeDeum, do qual se serviram gerações decristãos ao longo dos séculos, para louvaro Senhor e agradecer-Lhe: “Te DeumLaudamos, te Dominum confitemur, teaeternum Patrem omnis terra veneratur”.Por seu lado, o pequeno Salmo que hojeestamos a meditar é uma síntese eficaz daperene liturgia de louvor com que a Igrejase faz voz no mundo, unindo-se ao louvorperfeito que o próprio Cristo dirige ao Pai.Por conseguinte, louvamos o Senhor!Louvamos sem nos cansarmos. Mas o nos-so louvor exprime-se com a vida, mais doque com as palavras. De facto, seríamosmuito pouco credíveis, se com o nossoSalmo convidássemos os povos a glorifi-car o Senhor, e não levássemos a sério aadmoestação de Jesus: “Brilhe a vossa luzdiante dos homens de modo que, vendo asvossas boas obras, glorifiquem o vossoPai, que está nos Céus” (Mt 5, 16). Ao can-tar o Salmo 116, como todos os Salmosdirigidos ao Senhor, a Igreja, Povo deDeus, esforça-se por se tornar, ela mesma,um cântico de louvor.

JOÃO PAULO II

28 de Novembro de 2001Transcrito de L'Osservatore Romano

18 BOLETIM DE PASTORAL LITÚRGICA

A VOZ DO PAPA

CÂNTICO DE ALEGRIA E DE VITÓRIA

Catequese sobre o Salmo 117

1. Quando o cristão, em sintonia com avoz orante de Israel, canta o Salmo 117que acabamos de ouvir entoar, sente den-tro de si um particular frémito. De facto,ele encontra neste hino que se caracterizapor uma grande marca litúrgica duas frasesque se repetem no Novo Testamento comuma nova tonalidade. A primeira é consti-tuída pelo versículo 22: “A pedra que osconstrutores rejeitaram, tornou-se pedraangular”. Esta frase é citada por Jesus, quea aplica à sua missão de morte e de glória,depois de ter narrado a parábola dos vi-nhateiros (cf. Mt 21, 42). A frase é citadatambém por Pedro nos Actos dosApóstolos: “Ele é a pedra que vós, osconstrutores, desprezastes e que se trans-formou em pedra angular. E não há salva-ção em nenhum outro, pois não há debaixodo céu qualquer outro nome dado aos ho-mens que nos possa salvar” (Act 4, 11-12).Cirilo de Jerusalém comenta: “Um só é oSenhor Jesus Cristo, para que a filiaçãoseja única; proclamamos um só, para quenão penses que haja outro... Com efeito, échamado pedra, não inanimada nem corta-da por mãos humanas, mas pedra angular,porque aquele que crê nela não ficará de-siludido” (Catequeses, Roma 1993, pp.312-313).

A segunda frase que o Novo Testa-mento extrai do Salmo 117 é proclamada

pela multidão na solene entrada messiâni-ca de Cristo em Jerusalém: “Bendito sejaAquele que vem em nome do Senhor!”(Mt 21, 9; cf. Sl 117, 26). A aclamação éenvolvida por um “Hossana” que retoma ainvocação hebraica hoshiana, “Ó Deus,salvai-nos!”.2. Este maravilhoso hino bíblico está si-tuado no âmbito da pequena recolha deSalmos, do 112 ao 117, chamada o “Hallelpascal”, ou seja, o louvor salmódico usadopelo culto hebraico para a Páscoa e tam-bém para as principais solenidades do anolitúrgico. O fio condutor do Salmo 117pode ser considerado o rito da procissão,talvez marcado por cânticos para o solistae para o coro, tendo como fundo a cidadesanta e o seu templo. Uma bonita antífonaabre e encerra o texto: “Louvai o Senhorporque Ele é bom, porque é eterno o Seuamor” (vv. 1. 29).

A palavra “misericórdia” traduz a pa-lavra hebraica hesed, que designa a fideli-dade generosa de Deus em relação ao seupovo aliado e amigo. São três as categoriasde pessoas que cantam esta fidelidade: Is-rael inteiro, a “casa de Aarão”, isto é, ossacerdotes, e “quem teme Deus”, uma ex-pressão que indica os fiéis e sucessiva-mente também os prosélitos, ou seja, osmembros das outras nações desejosos deaderir à lei do Senhor (cf. vv. 2-4).

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3. Parece que a procissão se desenrolapelas ruas de Jerusalém, porque se fala das“tendas dos justos” (cf. v. 15). Contudo,eleva-se um hino de agradecimento (cf.vv. 5-18), cuja mensagem é fundamental: mesmo quando estamos angustiados é ne-cessário manter alta a chama da confiança,porque a mão poderosa do Senhor conduzo seu fiel à vitória sobre o mal e à salva-ção.

O poeta sagrado usa imagens fortes evivazes: os adversários cruéis são compa-rados com um enxame de abelhas ou auma frente de chamas que progride redu-zindo tudo a cinzas (cf. v. 12). Mas a reac-ção do justo, apoiado pelo Senhor, é vee-mente; é repetida três vezes: “No nome doSenhor esmagá-las-ei” e o verbo hebraicoevidencia uma intervenção destruidora emrelação ao mal (cf. vv. 10.11.12). De facto,na base encontra-se a direita poderosa deDeus, ou seja, a sua obra eficaz, e, indubi-tavelmente, não a mão débil e incerta dohomem. E é por isto que a alegria pela vi-tória sobre o mal se abre a uma profissãode fé muito sugestiva: “O Senhor é a mi-nha fortaleza e o meu cantar, é a minhasalvaçao” (v. 14).4. Parece que a procissão chegou ao tem-plo, às “portas da justiça” (v. 19), à portasanta de Sião. Entoa-se aqui um segundocântico de agradecimento, que é aberto porum diálogo entre a assembleia e os sacer-dotes para serem admitidos ao culto.“Abri-me as portas da justiça, desejo en-trar para dar graças ao Senhor”, diz o solis-ta em nome da assembleia em procissão.“Esta é a porta do Senhor; por ela entramos justos” (vv. 19-20), respondem outros,provavelmente os sacerdotes.

Depois de terem entrado, podem darvoz ao hino de gratidão ao Senhor, que notemplo se oferece como “pedra” estável ecerta sobre a qual se edifica a casa da vida(cf. Mt 7, 24-25). Desce uma benção sacer-dotal sobre os fiéis, que entraram no

templo para exprimir a sua fé, elevar a suaoração e celebrar o culto.5. O último cenário que se apresenta aosnossos olhos é constituído por um rito ju-biloso de danças sagradas, acompanhadaspor um festivo agitar de ramos: “Ordenai ocortejo com ramos de palmeiras, até aosângulos do altar” (v. 27). A liturgia é ale-gria, encontro de festa, expressão de toda aexistência que louva o Senhor. O rito dosramos faz pensar na solenidade hebraicados Tabernáculos, memória da peregrina-ção de Israel no deserto, solenidade naqual se realizava uma procissão com ra-mos de palmeiras, murta e salgueiro.

Este mesmo rito evocado pelo Salmo éreproposto ao cristão com a entrada de Je-sus em Jerusalém, celebrado na liturgia doDomingo de Ramos. A Cristo são elevados“Hossanas” como “filho de David” (cf. Mt21, 9) pela multidão que, “veio à Festa...tomou ramos de palmeira e saiu ao seu en-contro, clamando: «Hossana! Benditoseja Aquele que vem em nome do Senhor, oRei de Israel!»” (Jo 12, 12-13). Naquelacelebração de festa que, contudo, anunciao momento da paixão e morte de Jesus,realiza-se e compreende-se em sentidopleno também o símbolo da pedra angular,proposta na abertura, adquirindo um valorglorioso e pascal.

O Salmo 117 encoraja os cristãos areconhecer no acontecimento pascal deJesus “o dia que o Senhor fez”, em que“a pedra que os construtores rejeitaram,tornou-se pedra angular”. Por conseguin-te, eles podem cantar com o Salmo cheiosde gratidão: “O Senhor é a minha fortalezae o meu cantar, é a minha salvação” (v.14); “O Senhor actuou neste dia, cantemose alegremo-nos n’Ele” (v. 24).

JOÃO PAULO II

5 de Dezembro de 2001Transcrito de L'Osservatore Romano

20 BOLETIM DE PASTORAL LITÚRGICA

A LITURGIA DA PALAVRA

MISSA

“A parte principal da liturgia da pala-vra da Missa é constituída pelas leituras daSagrada Escritura com os cânticos interca-lares. São seu desenvolvimento e conclu-são a homilia, a profissão de fé e a oraçãouniversal ou oração dos fiéis.” (IGMR 55[33], OLM 11)*

O esquema ou a estrutura da liturgia daPalavra é o seguinte:

1. Leitura2. Salmo responsorial(3. Leitura)4. Aclamação antes do Evangelho5. Leitura do Evangelho6. Homilia7. Profissão de fé (Credo)8. Oração universal ou dos fiéis

Neste ordenamento dos vários ele-mentos, há uma lógica que é, até certoponto, simultaneamente cronológica e teo-lógica: cronológica no que se refere à rela-ção entre o Antigo Testamento e o Novo: oAntigo Testamento aparece sempre antesdo Novo; teológica, porque o ponto departida de toda a liturgia da palavra é aproclamação dessa mesma Palavra, e as-sim Deus fala, o homem ouve e responde.Daí que tudo parte de Deus em revelação eem Deus culmina em oração. O homemnão poderia dirigir-se a Deus em oração,se Deus não Se tivesse aproximado pri-meiro do homem em revelação.

* Estas citações referem-se à Instrução Geral do Missal Romano (IGMR). Os números entre parêntesis rectosreferem-se à nova edição. O outro documento citado é o Ordenamento das Leituras da Missa (OLM).

A LEITURA

1. “A mesa da palavra”(IGMR 57 [34])

“Nas leituras põe-se aos fiéis a mesada palavra de Deus e abrem-se-lhes ostesouros da Bíblia” (IGMR 59 [34]).Convém por isso conservar a disposiçãodas leituras bíblicas, por meio da qual semanifesta a unidade dos dois Testamentose da história da salvação; e não é lícitosubstituir as leituras e o salmo responso-rial, que contêm a palavra de Deus, poroutros textos não bíblicos” (IGMR 57[34]; OLM 12).

“Nas leituras, comentadas pela homi-lia, Deus fala ao seu povo, revela-lhe omistério da redenção e salvação e ofere-ce-lhe o alimento espiritual. Pela sua pala-vra, o próprio Cristo está presente no meiodos seus fiéis”.

“O povo faz sua a palavra divina pormeio do silêncio e com os cânticos e a elaadere com a profissão de fé (credo)”

“A leitura do Evangelho constitui oponto culminante da liturgia da palavra eas outras leituras, na ordem tradicional,isto é, passando do Antigo ao Novo Testa-mento, preparam a assembleia para esseponto culminante” (OLM 13).

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22 BOLETIM DE PASTORAL LITÚRGICA

2. O ministro da leitura(IGMR 59 [34])

“Segundo a tradição, a leitura dostextos não é função presidencial, masministerial. Por conseguinte, as leiturassão proferidas por um leitor, o Evangelhoporém é anunciado por um diácono ou poroutro sacerdote; se todavia não estiverpresente um diácono ou outro sacerdote,leia o Evangelho o próprio sacerdote ce-lebrante; e se não estiver presente outroleitor, o sacerdote presidente lê também asoutras leituras.” (ib.)

3. O rito da leitura(IGMR 60 [35]; OLM 13-18)

“A leitura do Evangelho constitui ocume da liturgia da palavra. Assim omostra a própria Liturgia, distinguindoesta leitura com honras especiais, quer daparte do ministro encarregado de aanunciar e pela bênção e oração com quese prepara para o fazer, quer por parte dosfiéis que, com as suas aclamações, reco-nhecem e confessam que é Cristo presenteno meio deles quem lhes fala, e por issoescutam a leitura de pé, quer ainda pelossinais de reverência ao próprio evangeliá-rio.” (IGMR 60 [35])

“Quando se dispõe de um Evangeliá-rio, este nos ritos iniciais é levado proces-sionalmente um pouco elevado (IGMR172) pelo diácono ou pelo leitor (OLM 17)e colocado sobre o altar” (IGMR 173[129]), de onde é tomado pelo diácono ou,na sua ausência, pelo presbítero, e, prece-dido dos ministros com os círios e o incen-so, ou outros sinais de veneração, se forcostume, é levado ao ambão para a procla-mação do Evangelho. Os fiéis estão de pée, aclamando o Senhor, veneram o livrodos Evangelhos. (OLM 17)

O diácono que há-de proclamar oEvangelho, inclinado diante de quem pre-side, pede e recebe a bênção.

O presbítero, quando não há diácono,inclinado diante do altar, diz em secreto, aoração: “Munda cor meum...”; “Deus todopoderoso, purificai o meu coração...”

4. O lugar da leitura

“A dignidade da palavra de Deus re-quer na Igreja um lugar próprio para a suaproclamação. Durante a liturgia da pala-vra, é para lá que deve convergir esponta-neamente a atenção dos fiéis.”

Em princípio, este lugar deve ser umambão estável e não uma simples estantemóvel. Tanto quanto a estrutura da igreja opermita, o ambão deve estar disposto demodo que os ministros ordenados e os lei-tores possam facilmente ser vistos e ouvi-dos pelos fiéis.

Do ambão são proferidas unicamenteas leituras, o salmo responsorial e o precó-nio pascal; podem também fazer-se doambão a homilia e as intenções da oraçãouniversal ou oração dos fiéis. “A dignida-de do ambão exige que a ele somente subao ministro da palavra” (IGMR 309 [272]).

“Convém que o ambão novo seja ben-zido, antes de ser destinado ao usolitúrgico, segundo o rito descrito no RitualRomano das bênçãos.” (IGMR 900-918)

“As leituras, na celebração da Missacom participação do povo, devem procla-mar-se sempre do ambão.” (IGMR 58;OLM 16)

5. As aclamações

Sinais bem significativos da venera-ção prestada à palavra de Deus são asaclamações que acompanham a sua pro-clamação e o modo de a proclamar, sobre-tudo a do Evangelho.

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“Depois de cada leitura aquele que aleu profere uma aclamação, a que a assem-bleia do povo responde tributando assimhonra à palavra de Deus recebida na fé ena acção de graças.” (IGMR 59)

A leitura do Evangelho, que é o cumeda liturgia da palavra, deve ser acompa-nhada com a maior veneração. Com assuas aclamações, os fiéis reconhecem econfessam que é Cristo, presente no meiodeles, quem lhes fala (IGMR 60 [35]).

Por que se trata de aclamações, con-vém que elas sejam cantadas, particular-mente as do Evangelho, tanto no princípiono anúncio da leitura, como no fim, paraque a assembleia possa aclamar, ainda quea leitura seja apenas lida. Deste modo,não só se põe em relevo a importância dapalavra evangélica, no caso do Evangelho,mas se estimula a fé dos ouvintes (cf.OLM 17). A conclusão Palavra do Senhore Palavra da salvação no final das leituraspode também ser cantada por um cantordistinto do leitor que proclamou a leitura,respondendo todos com a aclamação (cf.IGMR 59 [34]) e OLM 17-18.

Outro sinal de veneração ao Evange-lho é a incensação do livro (IGMR 132-134 [93-95]), e o sinal da cruz sobre olivro e sobre si próprio, o leitor e todos osfiéis (IGMR 134).

“Na liturgia da palavra, antes dasleituras, especialmente da primeira, po-dem fazer-se admonições breves e apro-priadas. Deve atender-se com cuidado aogénero literário destas admonições.Convém que sejam simples: fiéis ao texto,breves, preparadas com diligência eadaptadas, de forma variada, ao textoque devem introduzir.” (OLM 15; cf.IGMR 31 [11])

OS CÂNTICOS INTERCALARES

Os cânticos intercalares poderão ser:

1. o salmo responsorial (IGMR 61 [36])2. a aclamação antes do Evangelho:

(IGMR 62 [37])3. a sequência, que fora dos dias da Pás-coa e do Pentecostes é facultativa, canta-sedepois do Aleluia (IGMR 64 [40])

1. O salmo responsorial

O nome de responsorial, dado aosalmo da Liturgia da Palavra da Missa,não significa que ele é resposta à leituradepois da qual é cantado, mas a maneiracomo ele é cantado, que consiste em a as-sembleia responder com um refrão aosversículos que o salmista vai cantando.Este modo de cantar os salmos é o maisfácil, sobretudo se a assembleia não tem otexto diante dos olhos, o que é o maisfrequente e até o mais normal.

Há outro modo de cantar salmos numaassembleia, que é dialogá-los entre duaspartes da assembleia: entre um pequenocoro e a restante assembleia ou mesmoentre duas partes de toda a assembleia.Este modo é usado na Liturgia das Horas epoderia chamar-se antifonado, isto é, vozcontra voz. Há ainda outro modo queconsiste em um cantor cantar sozinho todoo salmo e a assembleia escutá-lo em si-lêncio. Não é este um uso frequente, mas épossível, e os antigos usavam-no. É umaforma de o meditar em oração silenciosa.Aliás, o salmo é sempre uma forma deoração comunitária. Os salmos não costu-mam ser usados como leitura com sentidodidáctico, embora também o pudessemser.

24 BOLETIM DE PASTORAL LITÚRGICA

2. A aclamação antes do Evangelho(IGMR 62-63 [37-38])

Depois da leitura que precede imedia-tamente o Evangelho, canta-se o Aleluiaou outro cântico estabelecido pelas ru-bricas, conforme o tempo litúrgico. Estaaclamação constitui um rito ou um acto emsi mesmo, por meio do qual a assembleiados fiéis acolhe e saúda o Senhor que lhevai falar no Evangelho e professa a sua fépor meio do canto. É cantado por todos depé, começando-o a schola ou um cantor,e, se for caso disso, repete-se: o versículoporém é cantado pela schola ou por umcantor.a) O Aleluia canta-se em todos os temposfora da Quaresma. Os versículos to-mam-se do Leccionário ou do Graduale.b) “No tempo da Quaresma, em lugar doAleluia, canta-se o versículo antes doEvangelho que vem no Leccionário. Podetambém cantar-se o outro salmo ou tracto,como se encontra no Graduale”.N.B.: Ao falar-se do Graduale, supõe-senaturalmente a edição latina. O Gradualeé o livro oficial dos cânticos da Missa, emcanto gregoriano e, portanto, em latim.

O tracto é um cântico igualmente sópresente no Graduale Romanum, trans-crito no Liber Usualis; é um salmo que,como o nome indica, foi, na origem,cantado seguido, sem refrão; actualmentea sua apresentação supõe dois coros emdiálogo, mas com canto bastante desen-volvido; o tracto não vem no Leccionário;só no Graduale, portanto só em latim.

Quando há uma só leitura antes doEvangelho:a) nos tempos em que se diz o Aleluia,pode escolher-se ou o salmo aleluático, ouo salmo e o Aleluia com o seu versículo;

b) nos tempos em que se não deve dizer oAleluia, pode escolher-se ou o salmo e oversículo antes do Evangelho ou somenteo salmo.c) O Aleluia ou o versículo antes doEvangelho, se não se cantam, podem omi-tir-se.

3. A Sequência

A Sequência é uma composição poé-tica que, na Idade Média, foi muitofrequente e tinha um carácter de cantopopular. Das muitas sequências que ou-trora existiram, hoje apenas restam comoobrigatórias as sequências da Páscoa e doPentecostes. As outras, a do Corpo deDeus, a da Senhora das Dores e a dosDefuntos são facultativas. A Sequênciacanta-se depois do Aleluia (IGMR 64[40]).

Esta última indicação de que a Se-quência se canta depois do Aleluia é umregresso ao que anteriormente se fazia eque está de acordo com a sua origem. ASequência, como o próprio nome indica,cantava-se utilizando a melodia do jubilusdo Aleluia, como ainda se pode verificarna Sequência do Pentecostes que começacom o tema melódico com que termina omelisma do jubilus do Aleluia.

A Sequência da Páscoa, o Victimaepaschali laudes é um pequeno quadro tea-tral, que a Idade Média encenava na pró-pria celebração. As estrofes respondem-seduas a duas, mas a última acabou por sersuprimida, porque não muito elogiosa parao povo judeu, Judeorum turba fallaci, cujafalta de fé se apresentava em contrastecom a fé de Maria: Mariae veraci.

JOSÉ FERREIRA

CURSO PARA ACÓLITOS

5

O ALTAR

1. Tempo de oração

• Acolhimento• Sinal da cruz• Pequena oração

2. O que é o altar?

Na terceira lição do nosso curso fize-mos a apresentação do interior de umaigreja e dissemos que, no presbitério, ha-via vários objectos importantes. Um delesé o altar. Será esse o assunto desta quintalição.

Dizem os Evangelhos que, na sua últi-ma Ceia, Jesus, depois de Se sentar à mesacom os Apóstolos (Lc 22, 14), tomou o pãoe, dando graças, partiu-o e deu-o aos seusdiscípulos, dizendo: Tomai, todos, e co-mei: isto é o meu Corpo. No fim da Ceia,tomou o cálice e, dando graças, deu-o aosseus discípulos, dizendo: Tomai, todos, ebebei: este é o cálice do meu Sangue. Fa-zei isto em memória de Mim.

Os primeiros cristãos chamaram mesado Senhor (1 Cor 10, 21) à mesa onde ce-lebravam a Ceia que Jesus lhes recomen-dara que fizessem em sua memória.

De facto o altar cristão é, em primeirolugar, a mesa da Ceia do Senhor, e em se-gundo lugar o centro da celebração da mis-sa, como diz o missal: «O altar, em que se

ACÓLITOS

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ACÓLITOS

torna presente sob os sinais sacramentaiso sacrifício da cruz, é também a mesa doSenhor, na qual o povo de Deus é chama-do a participar quando é convocado paraa missa..., e ainda o centro da acção degraças celebrada na Eucaristia».

É no altar que se depõe o pão e o vinhoque se tornarão Corpo e Sangue de Cristo.É desta mesa que se aproximam os quedesejam receber o pão da vida e o cálice dasalvação. O altar é, portanto, uma mesa,mas mesa muito especial que deve ser tra-tada com muito respeito e carinho. Maistarde diremos outras coisas acerca do altar.Por agora ficamos apenas com esta noçãoque é importante. O altar é a mesa da Ceiade Cristo. É nele que se celebra a Euca-ristia.

Questões práticas:

— O que é o presbitério da igreja?— Que coisas ou objectos encontramosno presbitério (recordar o que se disse naterceira lição)?— Qual desses objectos é o mais impor-tante?— Como lhe chamaram os primeiroscristãos?— Porque é que essa mesa da Ceia doSenhor é muito importante para nós?

26 BOLETIM DE PASTORAL LITÚRGICA

3. Um só altar

Quando as reuniões dos cristãos se fa-ziam nas casas de alguns deles, como vi-mos na segunda lição, a mesa da Ceia doSenhor era colocada na sala só no momen-to em que se trazia o pão e o vinho para acelebração da Eucaristia.

Ao começarem a construir-se as pri-meiras igrejas, o altar passou a ser fixo,isto é, a estar sempre no mesmo lugar. Jánão se punha e tirava como até então. Mascontinuou a haver um só altar em cadaigreja. Para quê? Para mostrar melhor queJesus tinha feito uma única última Ceia, eque é nela que todos os cristãos, que for-mam um só povo, comungam o corpo e osangue do seu único Senhor, que é tambémo único Salvador que morreu e ressuscitoupor todos os homens e mulheres.

Mais tarde, passou a haver muitos alta-res nas igrejas. Isso não foi bom, porque àsvezes, numa mesma igreja, à mesma horae em diversos altares, havia vários padresque celebravam missa para vários grupi-nhos de fiéis. Estamos a ver os resultadosque daí nasceram: cada grupinho dizia quetinha estado na sua missa. Até parecia quenão pertenciam todos a um só povo cris-tão, ou então que Jesus não tinha feito umaúnica última Ceia.

As normas litúrgicas actuais dizemque, em cada igreja, construída de novo, émelhor haver um altar: «É preferível quenas novas igrejas a construir se levanteum só altar, para que na assembleia unados fiéis o altar único signifique que háum só Cristo e uma única Eucaristia daIgreja».

Nas igrejas antigas, com muitos alta-res, nada se deve fazer sem estudar muitobem cada caso: «Nas igrejas já construí-das, quando nelas existir um altar antigoque torne difícil a participação do povo, e

que não se possa transferir sem detrimen-to do seu valor artístico, construa-se outroaltar de forma artística e devidamente de-dicado, e realizem-se apenas nele as cele-brações sagradas. Para não desviar aatenção dos fiéis, não se adorne de modoespecial o altar antigo».

Questões práticas:

— No princípio, o altar cristão era fixoou móvel?— Quantos havia em cada igreja?— Depois as coisas mudaram: sabes di-zer porquê?— Quantos altares deve haver nas igre-jas construídas de novo?— Quantos altares há na nossa igrejaparoquial?

4. As coisasque se colocam no altar

Hoje em dia, quando está junto do al-tar, o presidente volta-se para a assem-bleia. Mas ainda não há muitos anos quenão era assim. Quando o sacerdote cele-brava missa, fazia-o de costas voltadaspara os fiéis. Foi o Concílio Vaticano IIque restaurou o costume primitivo, ao di-zer que, «nas igrejas novas, o altar deveser construído afastado da parede, demodo a permitir andar à volta dele e cele-brar a missa de frente para o povo». Nasigrejas antigas também se fez essa adapta-ção. Hoje, todos os bispos e presbíteroscelebram a missa voltados para os fiéis.

O altar pode ser de pedra, de madeira,ou de outros materiais sólidos, e as suasdimensões não precisam de ser muitograndes. Por ser no altar que se celebra aEucaristia e se distribui o Corpo e oSangue de Cristo aos fiéis, está semprecoberto com uma toalha branca. Isso mos-

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tra bem que a missa é uma festa. Em nossacasa, nos dias de festa, também se cobre amesa do almoço ou do jantar com uma to-alha bonita.

Em cima do altar ou à volta dele colo-cam-se os castiçais com velas acesas, masde maneira que os fiéis possam ver bem oque se realiza nele. Porque pomos nós ve-las acesas junto do altar ou em cima dele?Para recordar que Cristo é a luz do mundo,e que essa luz continua a brilhar na Igrejapara iluminar toda a família humana. Alémdisso, as velas acesas são sinal de festa.

Na igreja também deve haver umacruz com a imagem de Jesus crucificado.Deve ser uma cruz proporcional às dimen-sões da igreja e bem visível a toda a as-sembleia. Não deve, portanto, ser umacruz pequenina. Onde colocá-la? Junto doaltar ou noutro lugar conveniente.

Sobre o altar, fora da celebração,não se devem pôr outras coisas. Ele é amesa da Ceia do Senhor, e essa mesa me-rece-nos muito respeito. Por isso, quandonela se colocam flores, devem ser poucas,e postas num dos lados do altar, para nãodificultarem a visibilidade: «A ornamenta-ção com flores deve ser sempre moderada,e em vez de as pôr sobre a mesa do altar,disponham-se perto dele».

Questões práticas:

— Como deve ser construído o altar nasigrejas novas?— De que materiais pode ele ser feito?— Porque cobrimos o altar com uma toa-lha e acendemos velas para a missa?— Deve haver muitas flores sobre o al-tar? Porquê?

5. Outras coisasque se põem no altardurante a missa

Para poder celebrar-se a Eucaristia sãoprecisas outras coisas no altar. Vamos falardelas e vê-las com os nossos olhos, paralhes fixarmos melhor os nomes e as saber-mos distinguir umas das outras.

Quando a missa começa, o leitor, quetraz o Evangeliário na procissão de entra-da, coloca-o sobre o altar, e aí fica até àproclamação do Evangelho, onde o presi-dente o vai buscar e o leva para o ambão.No fim da liturgia da palavra, quando opresidente vai para o altar, o acólito leva oMissal para lá. Depois vai entregando nasmãos do presidente várias coisas, e todassão colocadas no altar pelo presidente: ocorporal, a patena e a píxide com o pão, ocálice e o sanguinho (à medida que se forfalando em cada um destes objectos, de-vem mostrar-se aos acólitos, para elesirem aprendendo os seus nomes).

Também pode ser o acólito a colocarno altar o corporal, o sanguinho e o cálice.Mas é mais bonito que ele entregue tudonas mãos do presidente.

Se no altar houver um microfone, deveser de pequenas dimensões.

Questões práticas:

— Quantas coisas são precisas no altarpara celebrar a missa?— Quem coloca no altar o Evangeliáriotrazido na procissão de entrada?— Até quando fica o Evangeliário sobreo altar?— Quem coloca o Missal no altar?— O que é mais bonito: que o acólito co-loque as coisas para a missa no altar ouque as entregue ao presidente?— Como se faz na tua terra?

JOSÉ DE LEÃO CORDEIRO

28 BOLETIM DE PASTORAL LITÚRGICA

Peregrinação Nacionaldos Acólitos

Fátima – 1 de Maio de 2002

1 de Maio de 2001

No dia 1 de Maio, os trabalhadores do altarreunem-se em Fátima para comemorar S.José e dar início ao mês de Maio. Apresen-tam-se com as suas túnicas de trabalho ejuntos fazem a festa nacional dos acólitos.

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PENITÊNCIA

O SACRAMENTO DA PENITÊNCIANA PERSPECTIVA DO VATICANO II1

versamente, a expressão «sacramento daconversão» exprime bem duas coisas im-portantes, a primeira das quais diz respeitoà origem da palavra paenitentia, e a se-gunda à teologia do sacramento. Comefeito, desde o aparecimento do latim cris-tão, em Roma, no século II, escolheu-se apalavra paenitentia para traduzir o gregometanóia, isto é, o convite de João Bap-tista e de Jesus à conversão, ao mesmotempo do baptismo e da penitência. Sob oaspecto teológico, a palavra «conversão»ajuda-nos a ver que o sacramento da peni-tência e da reconciliação prolonga a com-ponente de conversão do baptismo, no seuaspecto de conversão e no seu valor sacra-mental. Se me é permitido dizê-lo, comoque a sacramentaliza em si mesma.

Ao evocar a articulação entre os doissacramentos do baptismo e da conversão,se é que assim me posso exprimir, comeceia abordar uma segunda questão: a doreequilíbrio entre os sacramentos, a quenos convida o ensinamento do Vaticano II.Não é agora o momento de considerartodos os aspectos deste reequilíbrio,como, por exemplo, o lugar da confirma-ção na unidade da iniciação cristã ou a di-mensão do sacramento dos enfermos. Masdevo, pelo menos, mencionar, por um ladoaquilo a que chamo o princípio da comuni-cabilidade dos sacramentos, e por outrolado o reequilíbrio entre baptismo e peni-tência, e entre baptismo e sacramento daOrdem.

Antes de tratar do assunto que o títuloanuncia, quero fazer uma observaçãoprévia às três palavras: «penitência»,«reconciliação» e «conversão», às quaispodemos acrescentar uma quarta, «con-fissão». Todas continuam a ser familiaresa muitos católicos do nosso país e todassão verdadeiras. Mas cada uma delas é en-riquecida pelas outras e tem necessidadede ser completada por elas. Outrora, os pe-nitentes falavam sobretudo de «confis-são», e os confessores de «penitência».Cada um, ao fim e ao cabo, denominava osacramento a partir do que nele realizava,isto é, confessar os seus pecados ou dar apenitência, e os interlocutores não tinhamdificuldade em compreender-se. É verda-de que a palavra reconciliação, que figurano título da tradução francesa do OrdoPaenitentiae2 , exprime bem o aspecto dosacramento pelo qual o penitente é recon-ciliado com Deus e com a Igreja; mas nãoé menos verdade que o termo é demasiadoforte para corresponder, adequadamen-te, ao meu recurso ao sacramento parafortificar, de maneira sacramental, a mi-nha conversão no seio da Igreja, semprea caminho da purificação e procurandoatrair os seus membros à santidade3 . In-

1 Este artigo foi publicado no boletim «Prêtresdiocésains», com o título: «Le prêtre et le ministère dela pénitence et de la réconciliation des pénitents». Foi opróprio autor que sugeriu o título desta tradução.

2 «Celebrar a Penitência e a Reconciliação».3 Cf. Lumen gentium, 8.

30 BOLETIM DE PASTORAL LITÚRGICA

Por comunicabilidade dos sacramen-tos quero exprimir o que a história daIgreja nos faz constatar, ou seja, que esteou aquele sacramento conheceu, em certasépocas, disfunções, e que é impossível queo mau estado de um sacramento deixe in-tactos os outros sacramentos. Penso, porexemplo, com outros historiadores, que omau estado da penitência pública no sécu-lo IV teve, em certos casos (como no de S.Agostinho), o efeito de retardar o baptis-mo das crianças de pais cristãos. É possí-vel que, na época moderna, um excesso deautoridade dos confessores tenha prejudi-cado a frequência do recurso à confissão.Hoje é possível perguntar se o mau estadoda penitência não faz mal ao sentido daEucaristia. Não evocarei aqui os proble-mas análogos que podem pôr-se a respeitodo sacramento do matrimónio, em África enoutros lugares.

No que se refere ao baptismo, é claroque a doutrina do Vaticano II, que voltou aser bebida no Novo Testamento e na cate-quese dos Padres da Igreja, restaurou, en-tre os cristãos, uma consciência baptismalmais forte. Tal consciência tornou-se, aomesmo tempo, fonte de identidade cristã,de exigência de conversão de vida e deresponsabilidade na Igreja e no mundo, aopasso que, nos tempos de cristandade, aconsciência da conversão baptismal pôdeesfumar-se por ser compensada pela inten-sidade da conversão penitencial. Aliás, oensinamento do concílio afirma a existên-cia, ao lado do sacerdócio ministerial, dosacerdócio baptismal, por sua naturezadistinto daquele. Para serem verdadeira-mente fecundos, um e outro destesreequilíbrios têm necessidade de se articu-lar com uma consciência clara dos sacra-mentos da Ordem e da penitência.

Depois de evocar este contexto, voutentar ir até à fonte do ministério sacra-

mental da penitência ou, se me é permitidofalar assim, do «ministério sacramental da«metanóia», ou seja, da conversão. Fá-lo-ei apoiando-me em S. Ambrósio e em S.Agostinho, e comparando, uma com a ou-tra, as duas imagens do apóstolo Pedro:por um lado a imagem, que nos é familiar,de S. Pedro, detentor das chaves do Reino,e por outro lado a imagem patrística de S.Pedro e do canto do galo.

Se alguém perguntasse a um cristão deRoma, do tempo de Ambrósio e de Agosti-nho, como é que ele reconhecia uma repre-sentação de S. Pedro, talvez respondesse:«Reconheço-a no galo que canta pertodele». S. Ambrósio fala dela várias vezes,quer no hino que ainda faz parte daLiturgia das Horas, quer quando comentaaquela passagem do Evangelho segundoS. Lucas na qual se diz que, imediatamenteapós a negação de Pedro, um galo cantou,e que o Senhor, voltando-Se, fixou o seuolhar em Pedro, e que este último, saindopara fora, chorou amargamente4 . ParaAmbrósio, o olhar de Jesus e o canto dogalo são, atrevo-me a dizê-lo, o sacra-mento que faz chorar Pedro e que actua emtoda a contrição. Para ser validamente mi-nistro do sacramento, é preciso ter choradocomo Pedro, o que equivale a dizer, paranós sacerdotes de hoje, que um bom mi-nistro do sacramento tem necessidade deser um seu bom utilizador. A respeito dopróprio Ambrósio, o diácono e biógrafoPaulino descreve a intensidade da suacompaixão e uma espécie de contágio dearrependimento que faz pensar no Curad’Ars. Poderá dizer-se, a este respeito, queo sacerdote deve ser ministro da conversãosacramental e, ao mesmo tempo, da absol-vição?

4 Lc 22, 60-62.

JANEIRO – MARÇO 2002 31

O sacerdote também é ministro daabsolvição, do perdão sacramental. Evo-carei, a esse respeito, uma palavra da filhado pintor Maurício Dinis, Noëlle Denis--Boulet, uma das melhores liturgistasfrancesas dos meados do século XX.Quando foi publicada a tradução francesadas palavras da absolvição sacramental:«E eu te perdoo todos os teus pecados, emnome do Pai e do Filho e do EspíritoSanto»5 , a senhora Denis-Boulet fez-me,respeitosamente e com delicadeza, a se-guinte observação: «Não há dúvida que sepretendeu evitar o “Eu te absolvo”, talvezpor ser difícil de compreender. Mas per-mita-me que lhe faça notar que a palavra“absolver” significa “ser ministro do per-dão de Deus”. Para falar com rigor, sóDeus perdoa e mais ninguém». A observa-ção estava certa. Podemos compará-lacom o que disse S. Tomás de Aquinoacerca do perdão de Deus e – o que vem adar no mesmo – da justificação (no sentidopaulino de fazer de um pecador um justo).Tomás pensa que é impossível a Deusperdoar a alguém de modo só exterior: aoperdoar, Deus põe necessariamente a suacaridade no coração do pecador e faz deleseu amigo. Por outro lado, mudar o cora-ção de alguém é, certamente, a acção maisimportante do poder de Deus, mais pode-rosa, em certo sentido, do que a própriaCriação, e Tomás lembra-se, a esse propó-sito, da Colecta de um domingo:6 «Senhor,que dais a maior prova do vosso poderquando perdoais e Vos compadeceis...»7 .

Vou completar esta recordação comuma outra. Muito tempo depois, um coló-quio de historiadores do direito acercado acto da confissão ajudou-me a com-preender a dimensão da palavra absolvi-ção, na época em que esta foi adoptadapara designar o perdão sacramental de queo sacerdote é ministro. Segundo o direitoromano, absolutio quer dizer liquidação(de uma dívida). Se o réu confessa que éculpado, o juiz passa imediatamente à exe-cução da sentença. Se, no fim do proces-so, se vier a descobrir que o acusado éinocente, o juiz pronuncia a absolutio, aliquidação (da dívida). No tribunal sa-cramental, o ministro absolve-o sacramen-talmente, apaga a sua falta pelo poder dosacramento.

Acabo de utilizar as expressões julga-mento e tribunal. Pode haver situaçõesculturais onde estas expressões tenhamuma carga demasiado negativa para pode-rem servir bem a mensagem cristã. Mas émuito importante compreender o lugarque elas ocupam na mensagem da salva-ção, nesta Boa Nova absoluta que é oEvangelho. O Evangelho não seria a BoaNova por excelência, a Boa Nova abso-luta, se não fosse, inseparavelmente, amais exigente de todas, aquela à qual, todoo que se converte, deve submeter a suavida, e a cuja luz deve julgá-la. O ministrodo Evangelho tem de ser, indissociavel-mente, aquele que faz descobrir a BoaNova absoluta, a exigência de Deus sobrea nossa vida, e a misericórdia do Senhor. Énestes três aspectos do mistério de Deusque o sacramento da conversão nos faz en-trar.

Para concluir, quero aproximar destemistério uma palavra de S. Agostinho eoutra de S. Ambrósio. A palavra de Agosti-nho pode aplicar-se a Cristo, apesar de elea ter dito a respeito da Igreja: «Não há pe-

5 A tradução portuguesa é esta: «E eu te absolvo de todosos teus pecados, em nome do Pai e do Filho e do Espíri-to Santo», o que está em perfeita consonância com achamada de atenção a que o autor deste artigo se refere(Nota do tradutor).

6 Actualmente o domingo XXVI do tempo comum.7 Qui omnipotentiam tuam parcendo maxime et miserando

manifestas.

32 BOLETIM DE PASTORAL LITÚRGICA

cados nenhuns que lhe façam perder assuas entranhas de Mãe»8 . A de Ambrósiovem no seu sermão sobre a criação do ho-mem. Os rabinos pensavam que o sétimodia era o da relação do homem com Deuse, por isso, da maneira de o homem estarno mundo. Ambrósio diz: «Deus fez o céu,e não leio que tenha repousado. Fez aterra, e também não leio que tenha repou-sado. Fez o sol, a lua e as estrelas, econtinuo a não ler que tenha repousado.Por fim, leio que Ele fez o homem, e queentão repousou, por ter encontrado al-guém a quem podia perdoar os seus pe-cados»9 . O perdão dos pecados leva-nos adescobrir que a Paixão, na qual actua operdão de Deus, faz parte do mistério deDeus, ou ainda, que o principal segredo daparábola do filho pródigo é o coração doPai.

PIERRE-MARIE GY

(Tradução autorizada pelo autor para oBoletim de Pastoral Litúrgica).

O SACRAMENTO DARECONCILIAÇÃO

NÃO DEVESER CONFUNDIDOCOM UMA PRÁTICAPSICOTERAPÊUTICA

Mediante o Baptismo, o ser humano éassemelhado a Cristo com uma configu-ração ontológica indelével. Mas, a suavontade permanece exposta ao fascínio dopecado, que é rebelião à vontade santíssi-ma de Deus. Isto tem como consequência aperda da vida divina da graça e, nos casoslimite, até a ruptura do vínculo jurídico evisível com a Igreja: esta é a trágica cau-salidade do pecado.

Mas Deus, “Dives in misericordia”(cf. Ef 2, 4), não abandona o pecador aoseu destino. Mediante o poder concedidoaos Apóstolos e aos seus sucessores, tornaactuante nele, se se arrepende, a redençãoadquirida por Cristo no mistério pascal.Eis a admirável eficácia do Sacramento dareconciliação, que saneia a condição pro-duzida pelo pecado e restabelece a verda-de do cristão como membro vivo da Igreja,corpo místico de Cristo.

O sacerdote, como ministro do Sacra-mento, age in persona Christi, no auge daeconomia sobrenatural. O penitente aspirapela paz interior, e deseja também legiti-mamente a psicológica. Contudo, não sedeve confundir o Sacramento da reconcili-ação com uma técnica psicoterapêutica.Práticas psicológicas não podem substituiro Sacramento da penitência, e muito me-nos ser impostas em seu lugar.

JOÃO PAULO II

31 de Março de 2001Transcrito de L'Osservatore Romano

8 Sermão 352.9 Habens cui peccata dimitteret.

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Por ocasião das bodas de ouro sacer-dotais do Senhor Cónego Carlos Silva,aconteceram algumas manifestações de in-teresse musical. Para além do livro – ORAR

CANTANDO – que recolhe as obras escritasaté ao presente, houve discursos e até estu-dos sobre a sua pessoa e a obra musical.

CÓN. CARLOS SILVA50 anos de sacerdócio a orar com o canto

Destacamos duas exposições apresen-tadas no Auditório do Orfeão de Leiria nodia 6 de Dezembro de 2001 por ocasião daapresentação da obra do Cón. Carlos Silva– ORAR CANTANDO. A primeira exposição édo P. Dr. Manuel Frade e a segunda do P.Dr. António Cartageno.

Contributo do CónegoDr. Carlos Silva

para o enriquecimento litúrgicoda oração da Igreja

O Cón. Carlos Silva é um bem conhe-cido e estimado sacerdote da diocese deLeiria- Fátima! Sabemos que a quantidadede cânticos que escreveu em honra de NªSenhora (cerca de 50) nos fala da sua fer-vorosa devoção mariana. Fátima entrou-lheno coração. E a sua alma, inundada por estaluz vinda do Céu, transbordou em cantosde alegria, de contemplação, de súplica, delouvor e acção de graças. Muitos delescertamente foram compostos a pensar na-quele Santuário, onde, a pedido de Mons.Luciano Guerra, Reitor, durante mais de 30anos, preparou e dirigiu multidões de pe-

regrinos que ali acorriam, sobretudo emdias de peregrinação aniversária. A Covada Iria é local de recolhimento e oração.Era necessário que alguém encaminhasseos peregrinos para uma participação ani-mada, mas orante, nas celebraçõeslitúrgicas. Imagino que, aliado à sua devo-ção mariana, talvez tenha sido esta presen-ça de multidões de peregrinos o factor quemais o estimulou a compor novos cânticose a modelar-lhes a forma: quase sempre auma voz, fáceis de aprender, em estilo sim-ples e expressivo, mas dignos do louvor deDeus e da Virgem Maria.

MÚSICA

34 BOLETIM DE PASTORAL LITÚRGICA

Não podemos também esquecer que,depois de ter regressado dos estudos emRoma, sempre tem vivido no SeminárioDiocesano. Ali se tem dedicado, desde1955, à formação litúrgico-musical decentenas de jovens candidatos ao sacerdó-cio. Ali, no seu gabinete de trabalho ou naCapela, tem sido elaborada a maior partedas suas composições sacras, nascidas daoração sobre os textos, para atender às ne-cessidades ocorrentes do Seminário, doSantuário de Fátima, dos Encontros do Cle-ro diocesano, da Pastoral diocesana e dasSemanas de Espiritualidade ou a algum pe-dido directo. E dali têm voado milhares defotocópias para diversas partes do País eaté do estrangeiro.

O alcance deste serviço à Igreja dioce-sana (e não só) e o valor da sua dedicação àcausa da renovação e do incremento damúsica sacra em Portugal não se podemavaliar em parâmetros humanos. Umacoisa é certa: talvez por influência dascelebrações de Fátima, os portugueseshabituaram-se a apreciar os seus cânticos;entram-lhes na alma e são cantados em todoo Portugal e até nas comunidades lusas noestrangeiro. Esta aceitação, o uso que de-les se faz nas celebrações e a própria vidadas comunidades cristãs é que poderãotestemunhar o valor da sementeira feita.

Se quisermos apreciar melhor o con-tributo do Dr. Carlos Silva (e de outrosautores seus contemporâneos) para o de-senvolvimento da música sacra em Portu-gal, penso que vem a propósito recordar,ainda que sumariamente, como era celebra-da a Liturgia até aos anos 60 do séc. XX.

1. Para todo o cristão, provavelmente jádesde o séc. VI, havia o preceito de «ou-vir» Missa inteira aos domingos e diassantos. Ouvir, note-se...

Então, o povo ia à igreja, nesses dias,para «ouvir» ou «assistir» à Missa. Era alinguagem daquele tempo. O pároco é que«rezava» ou «dizia» ou «celebrava» a Mis-sa. Nalguns lugares, ainda hoje, é ele quem«dá» a Missa!...

2. Nos dias feriais, a Missa era simples-mente «rezada».

Em dias de festa, havia Missa cantada:O Próprio em Canto Gregoriano e o Or-dinário em Canto Gregoriano ou polifonia.Como o Canto Gregoriano não tinhacantores à altura (exceptuando alguns Se-minários e Casas religiosas), nas MissasSolenes apenas se cantava o Ordinário(Kýrie, Gloria, Credo, Sanctus/Benedictuse Agnus Dei). Actuava um Grupo Coral,mais ou menos preparado, ou uma Filar-mónica, no coro alto da igreja. Foi assimaté quase aos anos 60! E foi assim na mi-nha Missa Nova, em 1959! Apenas um cân-tico em português durante o beija-mão!

Isto acontecia apesar de, em 1903, PioX ter publicado um documento célebre(Motu proprio “Tra le sollecitudini”) co-nhecido por «Carta Magna da Música Sa-cra», com que pretendia reformar atitudes.Nela dizia que “a participação plena dosfiéis na Sagrada Liturgia é a fonte primá-ria e indispensável do verdadeiro espíritocristão”. O povo não devia apenas “assis-tir”, mas participar, embora em latim, res-pondendo ou cantando alguma coisa.

Em 1925, Pio XI lança a Acção Católi-ca e com ela, entre nós, se introduziu o can-to da, assim chamada, Missa dos Anjos.

E em todo esse tempo, perguntareis vós,não se cantava nada em português?!

Sim, na primeira metade do séc. XX,havia já algum reportório em português,publicado em obras bastante divulgadas,como:

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Lyra Sacra (P. António de Menezes, S.J.)– Lisboa 1924

Cantai ao Senhor (org. pelo P. José AlvesCorreia, S. Sp.) – 11925

Devocionário Musical (org. P. Luiz Gon-zaga Mariz, S. J.) – 1926

Saltério Mariano / Cânticos a Nª Senho-ra (P. Alexandre dos Santos, ofm) –Braga 1927

Jubilate (org. P. Inácio Aldasoro, CC.SS)– Seminário dos Olivais, Lisboa 1939. Nestas edições, a percentagem de cân-

ticos em português era inferior a 50% dototal e estes destinavam-se principalmenteao culto devocional (Bênção do Santíssi-mo, Horas de Adoração, Coração de Jesus,Nossa Senhora, e outras ocasiões).

A meio do séc. porém, com Pio XIIverificou-se uma abertura. Depois da refor-ma da Semana Santa, publicou a Encíclica«Musicae Sacrae disciplina», em25.12.1955, onde, na sua III parte, reco-nhece o valor do «canto religioso popular»em vernáculo e permite o seu uso nas Mis-sas celebradas de forma não solene, desdeque se adapte bem aos vários momentos,«a fim de que os fiéis assistam ao SantoSacrifício não como espectadores mudos equase inertes, mas, acompanhando a ac-ção sagrada com a mente e com a voz,unam a própria devoção às orações dosacerdote...». E, em 3.09.1958, uma Ins-trução da S.C.R. (De Musica Sacra) regu-lamenta este desejo de Pio XII (14 b, 30,33 e 51), abrindo assim o caminho às ditas«Missas solenizadas com cânticos», enten-de-se, em vernáculo.

E os compositores de música sacrasentiram-se estimulados a dar asas à suainspiração. Começou a formar-se um novoreportório, autenticamente português. Sãodesta época, por exemplo:

Missa Jubilar da Imaculada Conceição,de Benjamim Salgado (1954)

Missa Breve em Português, de ManuelSimões (1958)

10 Cânticos sobre os Salmos, de ManuelLuís (1958)

Cânticos de Glória (Advento, Natal eEpifania), de Manuel Luís (1960)

20 Cânticos para a Missa, de Manuel Fa-ria (1965?). Com o advento do Concílio Vaticano

II (1962-1965) desceu sobre a Igreja umalufada de ar fresco e purificador. A sua pri-meira atenção foi para a Liturgia da Igrejae o primeiro documento promulgado (aConstituição Sacrosanctum Concilium –1963) ordenou uma reforma litúrgica.

Terminado o Concílio (1965) e sendo

admitido o vernáculo também como língualitúrgica, notou-se a ânsia de procurar uma“nova música” para a “nova liturgia”. Sur-giram colectâneas particulares de cânticos(em Seminários, Casas Religiosas, gruposda Acção Católica ou movimentos de apos-tolado laical) que, muitas vezes, não pas-savam de adaptações dos textos novos amelodias importadas de cânticos francesese espanhóis. A pressa e a falta de critério,ou competência para tal, prejudicaram aqualidade.

Os anos a seguir ao Concílio até à pu-blicação do Missal Romano (1970) foramtempos de “experiências”, de uma certaturbulência; música ligeira, pouco ou nadacondizente com a dignidade da liturgia, in-vadiu muitas igrejas.

Entretanto, em 1967, a Sé Apostólicafez publicar a Instrução (Musicam Sacram)que trata expressamente do problema daMúsica Sacra. Em Portugal, desde então,um bom grupo de compositores começou

36 BOLETIM DE PASTORAL LITÚRGICA

a lutar por esta causa: Manuel Faria, Ma-nuel Simões, Manuel Luís, Carlos Silva,A. Ferreira dos Santos, Joaquim Santos, J.Fernandes da Silva, António Cartageno,Azevedo Oliveira, Mário Silva e outros...

E, para dar corpo à letra e espírito dareferida Instrução, nasceram, em Portugal,2 revistas em que também o Dr. Carlos Sil-va tem colaborado: em Braga, a Nova Re-vista de Música Sacra (1971) e, no Porto,o Boletim de Música Litúrgica (1973).

São da época pós-conciliar estas obras:

Cânticos a Nossa Senhora, de ManuelLuís (1963)

Eucaristia, de Manuel Luís (1963)

Cânticos Quaresmais, de Manuel Luís(1963)

Missa Simples em português, de Celesti-no Borges de Sousa (1966)

Missa Popular em honra de S. Francis-co de Assis, de Manuel Faria (1970)

Salmos Responsoriais, de Manuel Luís(1977, 1978 e 1983) A necessidade da formação litúrgica

do povo de Deus levou o SecretariadoNacional de Liturgia a organizar os bemconhecidos Encontros Nacionais dePastoral Litúrgica que, desde 1975, sevêm realizando anualmente e muito têmcontribuído para dilatar o reportório damúsica litúrgica portuguesa.

Alguns cânticos do Dr. Carlos Silva,deste mesmo período, têm sido publicadosnos Guiões Litúrgicos destes Encontros;outros foram aparecendo em colectâneaspolicopiadas : os 4 volumes de Música eVida (publicados pelo Sec. Dioc. da Cate-quese – Leiria, de 1971-1979); nas 3 co-lectâneas organizadas pela Comissão Dio-cesana para a Pastoral do Domingo (1979-1980): Nos Dias do Senhor – Advento,

Natal e Epifania (1979), O Senhor sal-vou-me – Quaresma e Semana Santa(1980) e Cristo Ressuscitou – Vigília Pas-cal e Domingos da Páscoa (1980); nos 4cadernos por ele próprio organizados comoum serviço à comunidade diocesana, nadécada de 90: Advento, Natal, Quaresmae Páscoa; muitos outros... andavam por aí,em folhas soltas, como já referi.

Em resumo: foi sobretudo a partir dadécada de 60 que se começou a formar umreportório de música sacra e litúrgica, emvernáculo, de acordo com as intenções dosRomanos Pontífices e do Conc. VaticanoII, expressas em vários documentos ofi-ciais e que apontam na direcção de uma«participação animada e consciente dopovo de Deus na Sagrada Liturgia». É nesteperíodo que se enquadra a maior parte daobra musical do Dr. Carlos Silva, compos-ta ao longo dos anos, não de uma formasistemática, mas à medida das necessida-des de ocasião ou a pedido de alguém. E oque andava disperso por muitas folhas epublicações foi agora felizmente reunidoem um só volume, graças à intervenção devárias entidades: o Santuário de Fátima, oSNL e a Comissão Diocesana do Clero deLeiria-Fátima. As suas bodas de ouro sa-cerdotais foram ocasião propícia. Parabénsao Dr. Carlos Silva. Parabéns a quem pro-moveu, organizou e editou o livro “ORARCANTANDO”.

Esta obra já teve uma primeira apre-sentação na Casa Nª Sª do Carmo, no pas-sado dia 10 de Outubro e está, desde então,nas livrarias.

A que agora vou fazer será, por isso,dedicada a quem porventura ainda a des-conheça.

Este novo livro de cânticos de 576 pág,divide-se essencialmente em 3 partes.

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A I parte ocupa 270 páginas de Cânti-cos para os diversos momentos da Cele-bração Eucarística, nos vários temposlitúrgicos, nas memórias e festas de algunsSantos, incluindo solenidades da VirgemMaria. São 222 cânticos dispostos porordem alfabética dos seus títulos.

[C. de Entrada, Salmos Responsoriais,Sequências, C. de “Ofertório”, C. de Co-munhão e de pós-Comunhão, C. Finais eCânticos para diversas circunstâncias].

A II parte, de 247 páginas, é dedicada

à Liturgia das Horas. Encontramos aí: Hi-nos, Antífonas, Salmos e Cânticos Evan-gélicos para Laudes e/ou Vésperas.

As primeiras 100 págs., contêm algu-mas Horas do Ofício, completas, dos Tem-pos Litúrgicos: Advento, Natal, Quaresma,Tempo Pascal e Tempo Comum.

As 65 págs. seguintes são dedicadas aalgumas Horas, completas, de Solenidades,Festas e Memórias:– Apresentação do Senhor– Cristo-Rei– Imaculada Conceição– Nª Sª de Fátima– Santa Teresa de Jesus– Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo– S. João da Cruz– S. João Baptista– S. Martinho– Transfiguração do Senhor.

Vêm depois 30 págs. de alguns OfíciosComuns (pela ordem com que aparecem naLiturgia das Horas):– Dedicação de uma igreja,– Nossa Senhora,– Santos– Defuntos.

E esta parte termina com um Apêndicede 50 páginas que inclui diversos Hinos,Cânticos Evangélicos (para Laudes e Vés-peras) e Antífonas com o respectivo Salmo

para diversas celebrações, isolados do seucontexto próprio.

A III e última parte são 15 páginascom 18 cantos do Ordinário da Missa.

No fim do livro há dois bons Índices:um geral, alfabético, e outro temático;ambos facilitam imenso a procura dos cân-ticos desejados.

Que mais poderei dizer?O livro fala por si. Os seus 436 cânti-

cos são o fruto do esforço do autor e da suadedicação à Igreja, ao longo de mais de 50anos. Se tivermos em conta o modo comoera celebrada a Liturgia até aos anos 60 doséc. XX; se atendermos ao que se cantavanas “Missas solenizadas com cânticos” nopós-Concílio até aos anos 70, então po-deremos compreender melhor o valor ealcance desta obra: mais um precioso con-tributo, a acrescentar ao de outros autores,para a renovação do canto litúrgico emPortugal. É como um espelho que reflectea sensibilidade musical e a fé do seu autor,o cuidado com que tratou os textos paraque a música não escondesse mas, antes,exaltasse o seu significado e profundida-de, com o desejo de que o povo de Deusviesse a orar melhor, cantando...

Oxalá este “alimento” seja devida eoportunamente aproveitado.

Leiria, 6 de Dezembro de 2001

P. M. AUGUSTO FRADE

38 BOLETIM DE PASTORAL LITÚRGICA

Como ponto de partida e pano de fun-do para um comentário à obra de CarlosSilva, indico algumas características docompositor sacro, da música em geral e damúsica sacra em particular.

Ao contrário do compositor “profano”que, ao tratar a Palavra de Deus, a utilizaapenas como pretexto, como sedução so-nora inicial, o compositor “sacro” reco-nhece a prioridade absoluta da Palavra, dequem se faz ministro e a quem serve,transpondo-a em melodia, em ritmo, emcanto, em sons.

O povo aprende mais facilmente umcanto de frases breves e bem caracteriza-das, o que supõe uma técnica compositivade procedimentos simples, tais como: ouso da repetição, da imitação ou contrastede incisos, de células melódicas, núcleosgeradores, etc.

A melodia é o elemento mais impor-tante. Uma melodia não é um amontoadode notas. É uma estrutura melódico/rítmi-ca organizada, com princípio, meio e fim,isto é, com um sentido musical completo,em que podem perfeitamente coexistirsimplicidade, elegância e originalidade.

Lembrei algumas características damúsica litúrgica – música para rezar, músi-ca servidora do texto, música factor de co-munhão e música de boa qualidade formal– e disse que ela, se bem conseguida, exer-ce um misterioso fascínio, penetrando fun-do no coração dos fiéis: comove e exaltaquem a canta e quem a escuta, como bemtestemunha S. Agostinho: “Como eu cho-rei ao ouvir os vossos hinos, os vossoscânticos, as suaves harmonias que ecoa-vam pela vossa Igreja! Que emoção mecausavam!” (Confissões, 9. 6, 14).

Com estas breves reflexões como panode fundo, aqui resumidas, referi-me, de-pois, em concreto, a alguns aspectos daobra musical de Carlos Silva. De facto,

muitas destas características encontramo--las, em maior ou menor grau, nos seuscânticos. Ele sabe, de facto, construir boasmelodias. Muitos dos cânticos do livro“Orar cantando” têm uma grande fluidezmelódica e intuição popular. Eis algunsexemplos bem elucidativos:Jerusalém, louva o teu Senhor (p.142); Omeu espírito exulta (p.172); Ó sagradobanquete (p. 175); Louvado sejais, Senhor(p. 154); Vós, Senhor, sois o nosso Pai(p.278); Senhora, um dia descestes (p.242); Kýrie II (p.531); Meu Deus, eu creio(p.156), etc. etc. (A assistência foi convi-dada a entoar algumas destas melodias).

De entre outros cânticos destaquei oSanto IV (p. 539) e O Senhor salvou-me(p. 189), como melodias marcadas pelaamplidão, pensadas para a multidão.

Continuando a análise das melodias,referi o uso bastante frequente da modali-dade gregoriana pelo autor: mais de umquarto das melodias do livro são modais,com destaque para o protus (modo de ré),mas aparecendo também o deuterus(modo de mi) e o tetrardus (modo de sol).A propósito, referi também o aproveita-mento, no todo ou em parte, de melodiasgregorianas, (cerca de dezena e meia), al-gumas vezes bem conseguido, outras tal-vez não tanto.

Outro dado salientado foi o uso da re-petição de frases melódicas com uma for-ma bem estruturada, por exemplo, do tipoABA, como acontece em: Feliz és tu (p.116); Formamos um só corpo (p. 125);Grande é o teu coração (p.132), etc, ou dotipo ABCA, em: Cantemos à porfia (p. 59)e Ó verdadeiro Corpo do Senhor (p. 196).Para terminar foi ainda feita uma referên-cia especial a alguns interessantes cânticospara crianças insertos no livro.

ANTÓNIO CARTAGENO

A obra musical de Carlos Silva

DOIS CONGRESSOS DE LITURGIA

Crónica romana

O início deste ano académico no Pon-tifício Ateneu de Santo Anselmo ficoumarcado por dois congressos internacio-nais: o primeiro, “Giustificazione,Chiese, Sacramenti”, organizado pelaFaculdade de Teologia em colaboraçãocom a “Facoltà Valdese di Teologia diRoma”, decorreu de 29 a 31 de Outubro noMosteiro de Santo Anselmo, tendo en-cerrado na Aula Magna da FaculdadeEvangélica co-organizadora; o segundocongresso, “Liturgia, Opus Trinitatis:epistemo-logia liturgica”, sob a respon-sabilidade do Pontifício Instituto Litúrgico(PIL) que celebra o seu 40° aniversário,prolongou-se desde a tarde do dia 31 deOutubro, com o doutoramento honoriscausa conferido a Mons. Pere TenaGarriga, bispo auxiliar de Barcelona eactual director do Instituto Superior deLiturgia de Barcelona, até 3 de Novembro.Os trabalhos decorreram no auditório“Giovanni Paolo II” da Pontifícia Univer-sidade Urbaniana.

Justificação, Igrejas, sacramentos

Dois anos depois da Declaração con-junta católico-luterana sobre a justificação

CONGRESSOS

JANEIRO – MARÇO 2002 39

(DCJ), 1 a secção de teologia sacramentalde Santo Anselmo e a Faculdade de Teo-logia Evangélica de Roma decidiramanalisar teologicamente as perspectivasecuménicas que dali decorrem para umateologia e práxis ecuménica dos sacramen-tos cristãos. O título do congresso é elo-quente por si mesmo, evidenciando que naclarificação da relação entre a justificaçãopela fé e a celebração sacramental estátambém em jogo a Igreja, ou melhor, asIgrejas que celebram os sacramentos da fécomo momentos de reconhecimento eaceitação da obra da graça na vida doshomens.

Este congresso foi sem dúvida muitomais do que uma actividade académica.A sua própria estrutura evidenciou a inten-ção de dar um passo em frente no diálogoecuménico, apoiado no consenso já conse-guido. Com efeito, os trabalhos abriramcom um diagnóstico da realidade sacra-mental da responsabilidade de AndréBirmelet, protestante, e de BernardSesboüé, católico, e encerraram com oregisto das perspectivas abertas, tambémpor estes dois teólogos. Perspectivas teo-lógicas que se viram confrontadas e en-riquecidas pelas perspectivas eclesiais

1 A Declaração conjunta sobre a doutrina da Justificação foi assinada no dia 31 de Outubro de 1999, em Augsburg. Parao texto do documento, as suas principais fontes e comentário, cf. A. MAFFEIS (ed.), Dossier sulla giustificazione. Ladichiarazione congiunta cattolico-luterana, commento e dibattito teologico, (Giornale di Teologia 276) Brescia,Queriniana, 2000.

apresentadas pelo bispo católico deAugsburg, Viktor Dammertz, e pela presi-dente da “Commisione per le RelazioniEcumeniche” da Igreja Evangélica emItália, Maria Sbaffi Girardet.

O confronto dialogante e aberto entrea teologia católica e a protestante foi umaconstante. Os sacramentos analisadosem pormenor foram o matrimónio, a euca-ristia e o ministério ordenado, em trêssessões que terminavam sempre com umdebate.

A primeira sessão, depois da sessãoinaugural, na tarde do dia 29 de Outubro,versou sobre matrimónio e justificação.Roberto Tagliaferri apresentou uma felizreflexão desde o ponto de vista católico.Recorrendo à psicobiologia evolutiva,pôde revisitar aspectos como a fidelidadeconjugal e a indissolubilidade do matri-mónio. A questão da justificação emergeda relação do anthropos com a história. Ajustificação pode entender-se como o pon-to de partida, garantido por Cristo, de umprogressivo submergir do homem na vidanova, na nova criação em Cristo.Tagliaferri sublinhou oportunamente queo rito proporciona esta “passagem de gra-ça” do matrimónio “natural” ao matrimó-nio em Cristo. O rito é o contexto religiosoonde o mútuo consenso dos nubentes sesubtrai ao nível ético (transcendental) paraganhar um sentido religioso ao nívelcategorial, portanto cristológico. Ateóloga protestante Susanne Heine, porsua vez, mostrou, a partir de textos de Lu-tero, como a ideia generalizada de que aReforma reduziu o matrimónio a umasimples realidade humana não correspon-de à intencionalidade teológica luterana.Heine afrontou a difícil relação que a reali-dade sacramental supõe entre ontologia ehistória. Cristo representou na história onovo ser feito por Deus; mas, pode alguma

realidade “actualizar” este novo ser na his-tória, ou seja, na dimensão existencial davida dos homens? Só uma calibrada rela-ção da ontologia com a história permitirácompreender que o pacto invisível deDeus em Cristo se possa manifestar emvários tipos de pactos históricos. Esta é abase para compreender a sacramentalida-de do matrimónio cristão, mas tambémpara a revisão doutrinal e ética da indisso-lubilidade matrimonial, origem, muitasvezes, de uma vida angustiada quando ajustificação é precisamente a boa-nova davida agraciada e feliz. Neste sentido, adoutrina da justificação deveria ajudar aremover também as dificuldades das Igre-jas no que respeita ao divórcio e ao reco-nhecimento sacramental das segundasnúpcias.

No segundo dia, Paolo Ricca, pro-testante, discursou sobre justificação e eu-caristia, a partir da declaração conjunta.Tendo como premissa geral a afirmação deque é possível um acordo sobre a verdadefundamental da justificação (DCJ 5),Ricca viu no carácter não meritório dajustificação a dominante fundamental dotexto da declaração: só pela graça na fé, enão pelos nossos méritos, somos salvos(DCJ 38). “La grazia diventa «grazie»”,afirmou ao referir-se explicitamente à eu-caristia, num significativo jogo de pala-vras. A realidade da “graça da fé” sublinhacom força o poder de Cristo, em detrimen-to do poder do ministro, e a comunhãocom o dom, o Corpo dado e o Sangue der-ramado, e não com as suas interpretaçõesteológicas. Deus é aquele que justifica opecador. As ceias de Jesus – vai à casa dospecadores e come com eles – é expressãodo acolhimento do pecador por parte deDeus, na justificação. A Ceia é o banquetede Jesus com os pecadores que o traem,negam, fogem e abandonam. Um ponto

40 BOLETIM DE PASTORAL LITÚRGICA

débil da Declaração é não aclarar este as-pecto, a partir do qual só se pode concluirque a mesa que institui a comunhão éaberta a todos! Paolo Ricca perguntou-seainda pela oportunidade do termo “sa-crifício” referido à eucaristia. Em con-creto, a questão é: onde é que acontece ajustificação, na cruz ou na mesa eucarís-tica? O Concílio de Trento falou da eu-caristia como meio de graça, em termos de“repraesentatio”, sem identificar aeucaristia com o sacrifício de Cristo.Finalmente, o teólogo italiano abriu paraa temática da ministerialidade da Igreja.Da justificação pela fé nasce a realidadedo sacerdócio comum; o sacerdócio minis-terial deve compreender-se no interiordesta realidade e não ao revés.

O ponto de vista católico foi apresen-tado por Dorothea Sattler. Depois de umareflexão preliminar, esta teóloga referiu-seà relação “graciosa” de Deus com as cria-turas, à morte de Cristo como sacrifício e àcomunhão convivial com Jesus comoaliança de Deus com a humanidade comofundamentos teológicos da temática. Asperspectivas abertas, na sequência de umareferência explícita à DCJ, incidiram so-bre a questão do “sacrifício eucarístico”, aadmissão à eucaristia e a relação ministé-rio-eucaristia. A dimensão sacrificial daeucaristia é iluminada a partir da memóriade Cristo (anamnése) que o Espíritomantém viva na vida da sua Igreja e con-firmada, por assim dizer, na oração pelosdefuntos como elemento integrante daoração eucarística. A mútua admissão àeucaristia deve ser repensada pelas Igrejasa partir da realidade da comunhão dossantos e da comunhão das várias Igrejas. Areflexão sobre o problema do ministério eeucaristia deve implicar a distinta compre-ensão por parte de católicos e protestantesda sucessão apostólica.

A terceira sessão sobre justificação eministério ordenado contou com as inter-venções de Kevin Irwin, católico, e deHans-Martin Barth, protestante. Se oprimeiro destes conferencistas não semostrou convincente, já Martin Barthinsistiu no facto de que a realidade da jus-tificação leva a pensar o ministério a partirda eucaristia e não ao revés, como é aindaa tendência católica.

Das perspectivas teológicas que seabrem na sequência deste congresso refe-rimos apenas duas que nos parecem asmais promissoras. Em primeiro lugar,como referiu Sesboüé, a temática justifica-ção e sacramentos reclama um aprofunda-mento no sentido de uma “antropologiacristã do rito” precisamente porque ossacramentos constituem a dimensão cor-poral da justificação. Depois, a novidademagisterial que a DCJ representa, segun-do Birmelé: esta Declaração conjuntaabre para um dizer a (mesma) fé seguin-do um magistério que não é o magistériocatólico. Para além do consenso explícitoalcançado com esta declaração, é possívelreconhecer que, na sua língua, o “outro”diz a mesma realidade fundamental da fé,ou seja: a necessidade da constante refe-rência da(s) Igreja(s) de Cristo à Palavra eao sacramento.

A celebração ecuménica na IgrejaEvangélica da Piazza Cavour em Romacom que acabou o congresso pôs em evi-dência o profundo desejo de re-união dasIgrejas, marcadas pela divisão, e, aomesmo tempo, foi uma oportunidade paraque juntos, católicos e protestantes, pudes-sem juntos celebrar a fé que justifica, pois«pela graça fostes salvos, por meio da fé, eisso não vem de vós, é o dom de Deus»(Ef. 2, 8).

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Liturgia,“opus Christi, opus Trinitatis”:a lição doutoralde Mons. Pere Tena

O VI Congresso Internacional organi-zado pelo PIL abriu com a cerimónia dodoutoramento honoris causa do teólogoliturgista Mons. Pere Tena Garriga, naIgreja do Mosteiro de Santo Anselmo,conferido no acto académico comemorati-vo do 40° aniversário da fundação do Ins-tituto Litúrgico do Ateneu beneditino, natarde do dia 31 de Outubro. A cerimóniafoi presidida pelo Abade primaz, N. Wolf,pelo Reitor Magnífico do Ateneu, A.Schmidt, e pelos decanos das Faculdadesde Teologia e Liturgia de Santo Anselmo,Mark Sheridan e Juan Javier Flores, res-pectivamente. Assistiram, além do corpodocente e estudantil de Santo Anselmo, al-guns bispos catalães, professores e alunosdo Instituto Superior de Liturgia de Barce-lona e, da Congregação do Culto Divino,os cardeais A. Mayer, E. Martínez, A.Maria Javierre e Virgilio Noè.

Depois da apresentação do candidatoao doutoramento pelo prof. Gabriel Ramise da sua solene proclamação como Doctorin Sacra Liturgia, este pôde pronunciar asua “lição doutoral”.

Foram palavras simples, mas carrega-das de emoção e, principalmente, de “sen-tido litúrgico”. Sem qualquer pretensão defare scientiam, Mons. Pere Tena mostrouclaramente que, a partir das suas “intui-ções”, outros o poderão vir a concretizar.

Pere Tena partiu de uma passagem dojá clássico livro de Romano Guardini, Oespírito da Liturgia, onde, da própria natu-reza individual e social do homem que é ofundamento da sua inserção na unidadesuperior da Igreja através da liturgia,aquele autor apresenta a Igreja como su-jeito da liturgia. Esta ideia fundamental

esteve sempre presente ao longo do dis-curso que se estruturou no paralelo esta-belecido por Pere Tena entre os alvoresdo Movimento Litúrgico e os nossos dias,com uma especial referência à Carta Apos-tólica Novo Millenio Ineunte do Papa JoãoPaulo II.

Em concreto, Pere Tena referiu-se aquatro aspectos da vida cristã que naliturgia encontram a sua origem e o seucumprimento (fons et culmen): a santida-de, unida à realidade da iniciação cristã eradicada na oração litúrgica da Igreja; aconsciência da Igreja como realidade li-túrgica, isto é, como Povo de Deus, ou,segundo as imagens do Novo testamento,como Templo, Esposa, Corpo de Cristo,reunido na celebração da Aliança. Comoaspecto particular da dimensão eclesioló-gica da liturgia, Pere Tena referiu-se ao“bom uso” dos livros litúrgicos como li-vros da Igreja, mas com esta expressãoquis recordar que os livros litúrgicos espe-ram ainda um trabalho de revisão e actua-lização que se deve levar a cabo à luz daexperiência feita e principalmente que sóum trabalho de mistagogia e assimilaçãopor parte de ministros e fiéis pode configu-rar liturgicamente a espiritualidade cristã.O terceiro aspecto apresentado fezcontraponto com a inicial perspectiva tri-nitária de Pere Tena: nós cristãos sabemos,quase por intuição, que quando se fala daliturgia se fala de Cristo pois nela está pre-sente e age, e se fala da Trindade porque aliturgia é bênção do Pai, memorial do Fi-lho e invocação do Espírito Santo. Mas, sea liturgia cristã não manifesta religiosa-mente a fé dos crentes, não poderá sercredível para os interlocutores não cris-tãos. O diálogo inter-religioso implica as-sim a redescoberta da “base comum” daritualidade e o “contraponto” da originali-dade da fé cristã. A actual experiência depluralismo religioso e cultural desafia o

42 BOLETIM DE PASTORAL LITÚRGICA

modo de pensar a fé cristã prescindindodos símbolos religiosos e leva, pelo con-trário, a seguir a via da sua valorização. Fi-nalmente, o bispo catalão recordou que,também hoje, a linguagem e a experiênciados mártires possuem uma clara referêncialitúrgica.

Se, em 1951-1954, o então neo-pres-bítero Pere Tena não via cumpridos osseus desejos de especializar os estudosteológicos no âmbito litúrgico, agora,como ele mesmo reconheceu, o título deDoctor honoris causa constitui uma ines-perada resposta àquele antigo desejo. Porisso, as suas palavras foram também dehomenagem ao director da sua tese dedoutoramento, o prof. Hermann Schmidt(jesuíta que, com os beneditinos CiprianoVagaggini, Salvatore Marsili, Jordi Pinell,foi um dos fundadores do PIL) e um con-vite a continuar a servir a Igreja, por meiodos estudos litúrgicos.

Epistemologia litúrgica

Este Congresso marcou um interes-sante momento de reflexão teológico-li-túrgica. O debate sobre o lugar da liturgiacomo disciplina teológica, os seus méto-dos de estudo e ensino, a sua importânciapara a vida da Igreja, etc., iniciado pelospioneiros do movimento litúrgico moder-no (Casel, Guardini, Festugière, Beaudu-in, Vagaggini, Marsili) foi aqui objecto deestudo atento.

Cada sessão pretendeu responder auma pergunta fundamental: “che cosa è laliturgia?”, “come studiare la liturgia?”,“come insegnare la liturgia?”.

Na resposta à primeira pergunta, CarloBraga mostrou como, desde Guéranger, aevolução na compreensão teológica daliturgia seguiu a tendência de valorizartemas como o sacerdócio de Cristo, a di-

mensão eclesial da liturgia, a presença deCristo, etc., contra a noção “pré-teológica”da liturgia como exercício da virtude dareligião e como rito externo. Os dois mo-mentos magisteriais, embora de valor di-verso, neste percurso foram a encíclicaMediator Dei de Pio XII, de 1947, e aconstituição conciliar SacrosanctumConcilium. Na tarde deste segundo dia,Pierre-Marie Gy, referindo-se ao Cate-cismo da Igreja Católica, completou o per-curso e pôs em evidência a “novidade” dacompreensão da liturgia como opusTrinitatis. O especial papel do dominica-no Jean Corbon, recentemente falecido,para esta visão não deixou de ser subli-nhado pelo liturgista francês. A análiseepistemológica da ciência litúrgica foi otema tratado por Damásio Medeiros. Estarecente disciplina nasceu e estruturou-seno confronto com a tripla perspectivateológica, histórica e pastoral. O diálogocom a teologia fundamental mostra a ne-cessidade de um método litúrgicointerdisciplinar. Medeiros insistiu na situ-ação de “fragmentariedade” epistemoló-gica que caracteriza as várias propostas,levantando a questão do sujeito/destinatá-rio da ciência litúrgica com o objectivode delimitar o campo da “razão litúrgica”.

Na resposta à segunda questão, já noterceiro dia, Giorgio Bonaccorso ofereceuuma excelente reflexão metodológica eepistemológica que ultrapassou em muitoa simples “rassegna storica”. A mistagogiaconstitui o modelo para o estudo daliturgia na medida em que a catequese/re-flexão teológica, decorrente do evento his-tórico-salvífico, é interna à acção ritual:trata-se de um saber (método) unido ao seuobjecto, segundo o “modo litúrgico”. Aposterior evolução separaria método eobjecto. O método histórico, filho doiluminismo e do romantismo, que carac-terizou os estudos litúrgicos desde o iní-

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44 BOLETIM DE PASTORAL LITÚRGICA

cio é o exemplo mais evidente desta“esquizofrenia”. Procurar um métodointerno à liturgia significa levar a sério aacção (rito) na sequência da passagem dalógica à fenomenologia em que o objectonão é decidido antes do método, mas éeste que deriva do objecto. Na referên-cia a autores como Casel, Dalmais,Guardini, Marsili, Vagaggini, entre outros,Bonaccorso sublinhou que, na revaloriza-ção da liturgia como acção religiosa (rito),o movimento litúrgico evitou reduzir a fé asimples “teoria” e a “práxis” moral. A es-truturação de uma teologia litúrgica para onosso tempo deve pautar-se por uma duplapreocupação: constituir-se numa formateológica que seja semelhante à acção, demodo a que a teologia litúrgica surja de-pois da acção, também para a poder cor-rigir. Desenvolvendo a intuição deSchleiermacher de que o culto é a razão deser da teologia, Bonaccorso mostrou comoo princípio fundamental da teologia li-túrgica como ciência deve ser o amor quefaz da assembleia a epifania da Igrejauniversal e não o pensamento que con-funde a Igreja universal com o conceitouniversal de Igreja. Esta reivindicaçãoprofundamente teológica é ainda uma exi-gência do confronto da teologia com após-modernidade que declina o ser comoacção e movimento. Assim, a teo-logia nãopode deixar de aparecer também como“teo-urgia”. Juan Javier Flores Arcas quisabrir possíveis caminhos depois de Cipria-no Vagaggini e Salvatore Marsili, os dois“fundadores” da teologia litúrgica e, decerta maneira, do próprio PIL. Voltou a re-ferir-se às propostas de alguns autores, jámencionadas tanto por Damásio Medeiroscomo por Giorgio Bonaccorso, para apre-sentar também as suas próprias “leis” dateologia litúrgica, terminando por acenarpara uma articulação desta disciplina comoutras áreas da teologia, em especial a teo-

logia fundamental e a teologia sacramen-tal, numa perspectiva ecuménica.

Na parte da tarde, as duas comunica-ções de Silvano Maggiani e Renato DeZan concretizaram os métodos de estudoda liturgia como acção e, em particular,dos ordines e dos textos litúrgicos nessecontexto. Crispino Valenziano recordou osprotagonistas da primeira hora do PIL,num interessante “interfacce” com o Con-cílio Vaticano II e com os trabalhos da re-forma litúrgica que se lhe seguiram.

Para responder à última questão, fo-ram apresentados de forma crítica e lúcidaos principais manuais da ciência litúrgicano âmbito europeu e americano: L’Égliseen prière2 (P. De Clerck); Handbuch derLiturgiewissenschaft3 (A. Gerhards); TheStudy of Liturgy4 (M. Witczak); Lacelebración en la Iglesia5 (D. Borobio);Celebrare il Mistero di Cristo6 (A.

2 A.-G. MARTIMORT (ed.), L’Église en prière.Introductiona la liturgie. I : Principes généraux. II: L’Eucharistie.III: Les sacrements. IV: La liturgie et le temps. Tournai,Desclée & C., 1961, 21962, 31965, 41983/1984.

3 H.B. MEYER et al. (ed.), Gottesdienst der Kirche.Handbuch der Liturgiewissenschaft. Teil 1(a publicar).Teil 2 (a publicar). Teil 3: Gestalt des Gottesdienstes.Sprachliche und nichtsprachliche Ausdrucksformen,Regensburg, Verlag Friedrich Pustet, 1987. Teil 4:Eucharistie. Geschichte, Theologie, Pastoral,Regensburg, Verlag Friedrich Pustet, 1989. Teil 5:Feiern im Rhytmus der Zeit I. Herrenfeste in Woche undJahr, Regensburg, Verlag Friedrich Pustet, 1983. Teil 6:Feiern im Rhytmus der Zeit II/1, Regensburg, VerlagFriedrich Pustet, 1994. Teil 7,1: Sakramentliche FeiernI, Regensburg, Verlag Friedrich Pustet, 1989. Teil 7,2:Sakramentliche Feiern I/2, Regensburg, VerlagFriedrich Pustet, 1992. Teil 8: Sacramentliche Feiern II,Regensburg, Verlag Friedrich Pustet, 1984.

4 C. JONES et al. (ed.), The Study of Liturgy, London/NewYork, SPCK/Oxford University Press, 1978, 21992.

5 D. BOROBIO (ed.), La celebración en la Iglesia. I:Liturgia y sacramentología fundamental, (Lux Mundi57) Salamanca, Sígueme, 1985. II: Sacramentos, (LuxMundi 58) Salamanca, Sígueme, 1988. III: Ritmos ytiempos de la celebración, (Lux Mundi 59) Salamanca,Sígueme, 1990.

6 ASSOCIAZIONE PROFESSORI DI LITURGIA (ed.), Celebrare ilmistero di Cristo. Manuale di Liturgia. I: Lacelebrazione: introduzione alla liturgia cristiana,(B.E.L. Subsidia 73) Roma, C.L.V. – EdizioniLiturgiche, 1993. II: La celebrazione dei sacramenti,

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Meneghetti); Scientia Liturgica7 (E.Carr); La celebración del MisterioPascual8 (R. Russo). No seguimento destamesa redonda, abriu-se o debate aos parti-cipantes no congresso, sendo de destacar aintervenção do professor Scicolone deSanto Anselmo que recordou a importân-cia do Nuovo Dizionario di Liturgia paraos estudos litúrgicos, também a chamadade atenção de Silvano Maggiani para umaespécie de “curto-circuito” presente nomanual da “Associazione Professori diLiturgia”, Celebrare il Mistero di Cristo,que chega ao “como celebrar?” sem apro-fundar a relação com o “porquê cele-brar?”, e ainda a pergunta de uma jovemprofessora de liturgia sobre qual apertinência, a nível metodológico, da deci-são de dirigir o manual do CELAM, Lacelebración del Misterio Pascual, aos se-minaristas e a cristãos especialmente im-plicados na celebração e pastorallitúrgicas, pois esta parece ser uma restri-ção contrária ao próprio espírito daliturgia. Outras intervenções sublinharama necessidade de uma abertura da ciêncialitúrgica a novos temas, tais como a eco-logia, a inculturação litúrgica, aspectossociológicos, etc., que se referem à proble-mática existencial do homem actual.

No discurso de síntese final, MatiasAugé resumiu e apresentou de forma siste-mática os resultados alcançados, segundo

as três perguntas de fundo, e, além dospontos firmes, referiu-se ainda às questõesabertas que apresentamos sinteticamente:– a liturgia é, antes de mais, acção. Estadimensão exige um método adequado àsua natureza;– a redução do rito a acessório parece es-tar ligada a uma cristologia em que a natu-reza humana é simplesmente instrumentoda natureza divina;– falta saber como integrar o rito num dis-curso teológico integral;– não se pode afirmar que o reconheci-mento de um lugar da teologia litúrgica nadogmática seja pacífico;– o contributo das ciências humanas espe-ra uma melhor definição, havendo muitosautores com dificuldade em articular omomento antropológico com o momentoteológico;– o momento antropológico não se refereao homem de forma geral e indefinida,mas ao homem concreto, a este homem;– o discurso epistemológico da ciência li-túrgica é ainda frágil, devido à diversidadede propostas metodológicas e concepçõesda própria teologia litúrgica.

O vigor teológico manifestado por es-tes dois congressos internacionais nãopode deixar de provocar diante da passivi-dade e desatenção que a teologia litúrgicae sacramental padecem noutras latitudes.A publicação das actas não poderá certa-mente substituir a efectiva participaçãonestes eventos (de que esta breve crónica éum pálido reflexo), mas fornecerá umabundante material para prosseguir o diá-logo, o estudo e a investigação apenascomeçados nestes dias de intenso trabalhoque o Ateneu beneditino de Santo Ansel-mo proporcionou.

ÂNGELO CARDITA

(B.E.L. Subsidia 88) Roma, C.L.V. – EdizioniLiturgiche, 1996. III: La celebrazione e i suoilinguaggi. Tempo, spazio, parole, canto e gesto (a pu-blicar). IV: Testi e fonti (a publicar).

7 A. J. CHUPUNGCO (ed.), Scientia Liturgica. Manuale diLiturgia, I: Introduzione alla liturgia. II: Liturgiafondamentale. III: L’Eucaristia. IV: Sacramenti esacramentali. V: Tempo e spazio liturgico, CasaleMonferrato (AL), Piemme, 1998.

8 Manual de Liturgia. La celebración del MisterioPascual. I: Introducción a la celebración litúrgica. II:Fundamentos teológicos y elementos constitutivos de lacelebración litúrgica. III: Los sacramentos: signos delMisterio Pascual, CELAM, Bogotá, 2001.

CRÓNICA LITÚRGICADE TEMPOS IDOS

O regresso à concelebração eucarística

CRÓNICA

Ao terminar a minha primeira crónicalitúrgica de tempos idos, referi a infor-mação dada no encontro do Consilium dareforma litúrgica com os representantes derevistas de liturgia (Roma, 13-14.Nov.1964), de que a primeira das comis-sões técnicas desse órgão a terminar o seutrabalho, foi a Comissão 16, encarregadade estabelecer o rito da concelebração.

Antes de retomar o que então aponteisobre o assunto, permito-me recordar umacontecimento passado dez anos antes,mais precisamente no dia 18 de Novembrode 1954.

Nesse dia começou a celebrar-se ojubileu patriarcal e cardinalício de D. Ma-nuel Gonçalves Cerejeira, o Patriarca deLisboa que me tinha ordenado presbíteroem 1951 e me iria ordenar bispo em 1967.De facto, foi a 18 de Novembro de 1929que o até então Arcebispo de Mitilene foitransferido para a Sé Patriarcal de Lisboa,sendo dias depois, a 6 de Dezembro, feitoCardeal.

O primeiro acto das comemoraçõesjubilares, quis Sua Eminência dedicá-lo aoseu presbitério, celebrando a Missa con-juntamente com todos os bispos e padrespor ele ordenados. A Sé de Lisboa en-cheu-se de pequenos altares improvisados,

46 BOLETIM DE PASTORAL LITÚRGICA

tantos quantos os necessários para os 5bispos e os quase 200 presbíteros saídosda imposição das mãos do saudoso Pre-lado. Eu celebrei num deles. Todos oscelebrantes procuraram acompanhar ameia voz e em perfeita sincronia a celebra-ção do Cardeal Patriarca.

Passo a transcrever, do V volume dasObras Pastorais de Sua Eminência, a se-guinte passagem da sua homilia: «Nestecomovente acto de celebração simultâneaem redor do altar do Patriarca que vos co-municou o sacerdócio de Cristo, foi vossaintenção tornar manifesta a unidade do sa-cerdócio católico. Mais manifesto seriaainda o sinal, atrever-me-ia a dizer, o sa-cramento desta unidade, se nos fosse pos-sível concelebrar, numa só Missa, comono dia da vossa sagração e ordenação.Mais manifesto o sinal, não seria maisreal, porém, a unidade.»

Este desejo da concelebração eucarís-tica manifestava-se também, como pudeobservar, entre os participantes nos cé-lebres congressos do Centro de PastoralLitúrgica de França. Num deles, realizadono Seminário de Versailles, também searmaram numerosos altares para umacelebração em simultâneo, mais avançada,porém, que a da Sé de Lisboa, pois os diá-

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logos rituais se passavam entre o celebran-te principal e os outros, e estes escutavamas leituras feitas por um só leitor.

Passo a reproduzir o que, sobre a con-celebração, escrevi na minha 3ª crónicapastoral escrita a 23 de Novembro de1964 para as Novidades: «O trabalho daComissão 16 encarregada de estabelecer orito da concelebração foi dado por termi-nado no dia 26 de Julho, dia em que o Con-selho o aprovou e enviou ao Santo Padrepara o apreciar e aprovar.»

«Este rito está a ser experimentado em6 abadias e na casa dos Dominicanos de“Le Saulchoir”, à razão de uma vez porsemana e não mais de 20 concelebrantesde cada vez, com a obrigação de relatar aoConselho, nomeadamente com documen-tação fotográfica, todas as observações esugestões que permitam aperfeiçoar o es-quema da concelebração.»

«Acrescente-se finalmente a notícia deque o Presidente do Conselho já tem facul-dade de autorizar pro singulis casibus aconcelebração, bem como a comunhãosob as duas espécies. De facto, muitos(inumerabiles) Bispos e comunidadesreligiosas têm pedido e obtido estes pri-vilégios, nomeadamente, quanto à con-celebração, nas ordenações sacerdotais,aniversários, festas do Patrono, dedicaçãode uma igreja, exercícios espirituais, reu-niões de A. C., recolecções mensais doclero, no caso de um sacerdote doente quesó assim possa celebrar, etc.»

Que me conste, a primeira concele-bração autorizada nos referidos termos emPortugal sucedeu no dia 14 de Janeiro de1965. Dela tenho, além da notícia publica-da nas Novidades de 18 desse mês, umlongo relato de Adriano Duarte Rodrigues,do “Regnum Dei” ao tempo aluno do Se-minário de Évora, o qual se desculpava da

demora em m’o enviar com os trabalhosda Semana de Pastoral Litúrgica que de-correu em Évora de 17 a 21 de Fevereiro,com a participação do perito brasileiro doConcílio P. Vanderlein.

Transcrevo das Noviades: «A paró-quia de Viana do Alentejo levou, no dia14, a efeito uma festa de homenagem aoseu pároco Rev. Padre Venceslau de Al-meida Gil, aproveitando a circunstância depassar o 25º aniversário da celebração dasua missa nova (...)»

«A Santa Sé, já conforme o espírito danova Constituição Litúrgica, autorizou,pela primeira vez em Portugal, uma con-celebração em que tomaram parte 13 sa-cerdotes e em que o homenageado foi oprincipal oficiante.»

«Esta concelebração de um esplendorlitúrgico extraordinário efectuou-se naigreja matriz de Viana do Alentejo, templo

48 BOLETIM DE PASTORAL LITÚRGICA

de puro estilo manuelino, pelas 18 horasdo dia 14, tendo a cerimónia sido fotogra-fada e filmada propositadamente para ficarcomo documento nos Arquivos do Vatica-no. Foi mestre de cerimónias o sr. PadreAmaro, coadjutor de Viana.»

No acima referido relato, fazem-sediversas críticas à maneira com decorreuesta concelebração, desde o arranjo doespaço da celebração até ao seu encerra-mento com a exposição e bênção doSantíssimo, passando pela ausência dehomilia e mistura de cânticos popularescom recitação de partes rituais que deviamser cantadas. Mais importantes, porém,que tais pertinentes críticas, era a sensibili-dade já adquirida para as fazer.

Na minha colecção de recortes dejornais, que está longe de ser exaustiva,encontrei outra referência a primeiras con-celebrações eucarísticas em Portugal. NasNovidades de 20 de Abril de 1965, dá-se anotícia de que, no dia l9, «na matriz deVila Praia da Vitória, pela primeira vez naIlha Terceira e pela segunda nos Açores, amissa foi concelebrada, tendo sido conce-lebrantes o Bispo de Angra, sr. D. ManuelAfonso de Carvalho, o actual pároco deSanta Luzia da Praia e todos os sacerdotesque tiveram anteriormente a seu cargoaquela paróquia, entre os quais o sr. D.José Vieira Alvarnaz, Patriarca das ÍndiasOrientais e Arcebispo de Goa.»

Entretanto chegou a autorização geralpara a concelebração nas duas missas deQuinta-Feira Santa de 1965 (15 de Abril).Na minha agenda registei que, pela pri-meira vez se concelebrou na Sé de Lisboa.Na Missa Crismal, concelebraram 27 sa-cerdotes (as Novidades só referem 20) e naMissa da ceia, 14 (as Novidades só refe-rem 13). Participei em ambas, mas na pri-meira exerci as funções de diácono, pelo

que não concelebrei (!), mas comungueinas duas espécies.

De facto, o nº 2-A do Boletim de Infor-mação da Comissão de Liturgia e MúsicaSacra do Patriarcado, depois de dizer que«a concelebração é a celebração normalda Eucaristia numa assembleia em queestão vários sacerdotes» e que «não éuma sincronização de missas, mas a acçãolitúrgica comunitária em que o sacerdotepresidente da assembleia associa a si vá-rios outros sacerdotes», esclarece, no nº 3:«Se a função de diácono ou de subdiáconofor desempenhada por um sacerdote, estenão pode concelebrar», «mas pode co-mungar sob as duas espécies» (nº 4).

Embora hoje possa parecer inconce-bível, na Missa Crismal desse ano, nem ossimples fiéis nem os sacerdotes porventurapresentes mas não concelebrantes pude-ram comungar, de acordo com as Normaspublicadas pelo Patriarcado no dia 11.Escusado será dizer que, na altura, o usodo português se limitava às leituras.

Apesar de todas as limitações, estasprimeiras concelebrações foram acolhidasem geral com alegria e esperança. Tudotem e tudo faz o seu tempo.

! MANUEL FRANCO FALCÃO

PUBLICAÇÕES DO SNL

A celebração do Tempo do Natal (2ª ed.) .................................................... € 3,50A Religiosidade Popular e a Celebração da Fé ........................................... € 2,00Adaptação das Igrejas segundo a Reforma Litúrgica ................................ € 3,50Akathistos ...................................................................................................... € 2,00As bênçãos ..................................................................................................... € 3,50Bênçãos da Família ....................................................................................... € 3,50Cânticos de Entrada e de Comunhão I

(Advento, Natal, Quaresma e Páscoa) ............................................... € 6,00Cânticos de Entrada e de Comunhão II (Tempo Comum) ......................... € 6,00Cânticos instrumentados para Banda ............................................................. € 10,00Directório para as celebrações dominicais na ausência do presbítero ........... € 0,50Directório Litúrgico 2002 ............................................................................. € 4,50Agenda – Directório Litúrgico 2002............................................................ € 6,00Enquirídio dos Documentos da Reforma Litúrgica .................................... € 25,00Guião do XXVI Encontro Nacional Pastoral Litúrgica .............................. € 5,00Guião do XXVII Encontro Nacional Pastoral Litúrgica ............................ € 5,00Introduções aos Salmos e Cânticos de Laudes e Vésperas ........................ € 4,00Instrução Geral do Missal Romano (6ª ed.) ................................................ € 5,00Instrução Geral sobre a Liturgia das Horas (2ª ed.) ................................... € 2,00Liturgia das Horas – Edição para canto (Tempo Comum) ......................... € 10,00O Ministério do Leitor .................................................................................. € 5,00O Tríduo Pascal ............................................................................................. € 2,50O Tempo Pascal (2ª ed.) ................................................................................ € 3,50Orar cantando – Carlos da Silva .................................................................. € 12,50Ordenamento das Leituras da Missa ............................................................ € 2,50Ritual do Ministro Extraordinário da Comunhão (4ª ed.) .......................... € 4,00Salmos Responsoriais – Organista – (2ª ed.) – P. Manuel Luís ................. € 17,50Salmos Responsoriais – Salmista – (2ª ed.) – P. Manuel Luís .................. € 14,00

EM PREPARAÇÃO:Colectânea de textos litúrgicos antigos

Liturgia das Horas – Ed. para canto (Advento, Natal, Quaresma e Páscoa)

Secretariado Nacional de LiturgiaSantuário de Fátima – Apartado 31 — 2496-908 FÁTIMATel. 249 533 327 Fax 249 533 343Sítio: www.ecclesia.pt/liturgiaE-mail: [email protected]

SE C R E TA R I A D O NAC I O N A L D E LI T U RG I A

A Liturgia é simultaneamentea meta

para a qual se encaminha a acção da Igrejae a fonte

de onde promana toda a sua força.(SC 10)