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    TEORIA SOCIEDADE n 16.1 janeiro-junho de 2008 p. 232-255E

    INSTITUIES EACCOUNTABILITYNA

    TEORIA DEMOCRTICA CONTEMPORNEA

    Leon Victor de Queiroz

    RESUMO

    Neste trabalho, fao uma reviso da teoria poltica

    contempornea acerca do desenho institucional e

    seus impactos na accountability. Com base nos es-

    tudos mais recentes sobre democracia e instituies

    polticas, analiso a correlao entre desenho institu-

    cional e a existncia de corrupo; as conseqncias

    institucionais sobre o desenvolvimento econmico;

    os impactos dos sistemas presidencialistas e parla-mentaristas na decisiveness e resolutiveness; e os

    determinantes dos sistemas eleitoral e partidrio

    em relao ao controle dos eleitores sobre seus

    incumbents. Tambm discuto os sistemas propor-

    cionalistas e majoritrios e o por qu de a regra

    majoritria ser desejada, afinal.

    PALAVRAS-CHAVE

    desenho institucional

    accountability

    controle eleitoral

    sistema majoritrio

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    INTRODUO

    O presentepaperfaz uma reviso da literatura contempornea acerca do dese-

    nho institucional e os impactos que ele causa na accountability.Os temas vo

    desde o interesse coletivo e agregao de preferncias at a questo da corrupo,

    passando pelo desenvolvimento econmico, a questo da capacidade decisiva

    e dificuldade de mudana do status quo, separao de poderes e sistemas de

    controle dos eleitores sobre seus incumbents.

    No ponto 1, analiso o interesse coletivo e a agregao de preferncias nas

    teorias ps-schumpeterianas, fazendo uma breve referncia teoria de Schum-

    peter onde a democracia um mtodo. Insiro referncias de Dahl e Przeworski

    acerca do tema, incluindo a argumentao de Powell. Em seqncia exponho

    as crticas de Riker e a contra-argumentao de McGann para finalmente dizerporque a regra majoritria desejvel, afinal.

    No ponto 2, inicio a discusso dos modelos institucionais de democracia

    focando na questo da accountabilitycomo um problema da delegao, utili-

    zando a anlise de Cox e McCubbins e os estudos de Shugart, Crisp e Moreno.

    Em seqncia utilizo Powell e Samuels para analisar a questo das pr-condies

    institucionais para uma accountability efetiva. Arato e Ackerman do a direo

    dos resultados dos modelos institucionais de poderes separados ( non-fusion

    powers) e seus efeitos em relao accountability .

    No ponto 3, abordo a questo da corrupo colocando o clientelismo como

    forte relao de accountability , embora no seja desejvel por estabelecer

    comportamentos privatistas entre representantes e um pequeno segmento dos

    representados, contrariando a coletividade. Ainda neste ponto abordo a funo

    dos partidos como agregadores dos interesses do eleitorado.

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    1. O INTERESSE COLETIVO E O PROBLEMA DA AGREGAO DE PREFERNCIAS: ADISCUSSO PS-SCHUMPTERIANA

    Para Schumpeter (1976), a concepo de democracia no significa governo do povo

    e sim governo aprovado pelo povo. Entretanto, necessrio definir quem o povo e

    como ele ir governar. O autor admite que esse argumento no suficiente e apresenta

    uma definio de democracia como sendo um procedimento para se chegar a uma

    definio poltica, pois a democracia no um fim em si mesmo. Para ele, o mtodo

    democrtico um sistema institucional para tomada de decises polticas, no qual o

    indivduo adquire o poder de decidir mediante luta competitiva das lideranas da so-

    ciedade pelos votos do eleitor. Essa competio precisar ser livre e o menos prejudicial

    possvel, onde os arranjos institucionais permitam a qualidade dos lderes, uma buro-

    cracia eficiente, autocontrole democrtico e a livre concorrncia entre os lderes.

    Dentro dessa concepo minimalista de democracia como mtodo para se

    chegar a uma definio poltica atravs de eleies de lderes que representaro

    liderados, surge a discusso sobre a representao poltica, como captar o inte-

    resse coletivo e agregar preferncias. O autor afirma que sempre que as vontades

    dos indivduos esto muito divididas, no apenas se pode conceber, mas muito

    provvel que as decises polticas produzidas no se conformem ao que o povo

    realmente quer (Schumpeter 1976: 319).

    Para Przeworski (cf. Shapiro & Cordn-Hacker 1999), a funo do voto agre-

    gar preferncias do eleitor para eleger o governo, alm de punir governantes quese distanciam dos anseios da maioria da populao, criando um incentivo ao bom

    comportamento dos polticos. De acordo com Dahl (1956), a chave da democracia

    a resposta/reao do governo em relao preferncia dos cidados.

    Powell (2007) afirma que a agregao de preferncias o processo de analisar

    e escolher dentre as polticas favorecidas pelos membros do grupo. Tal agregao

    abarca todas as preferncias ao desenvolver as polticas pblicas, onde eleies

    competitivas iro tentar agregar as preferncias, embora os resultados das polticas

    pblicas nem sempre correspondam s escolhas dospolicymakers.

    O autor procura mostrar que as preferncias so agregadas dentro de uma

    escala direita-esquerda e supe que o eleitor mediano tenha uma viso comum da

    dimenso poltica. Logo, se a agregao de preferncias estiver em um extremoou outro, tal eleitor mediano pode derrubar qualquer outra na disputa entre duas

    posies. O autor faz uma ressalva alegando que essa anlise til em sociedades

    onde a representao de fato acontece, mas em sociedades onde no haja uma

    dimenso dicotmica entre direita e esquerda, o argumento torna-se uma simpli-

    ficao inadequada ao contexto de alguns pases.

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    1.1. A Crtica de RikerRiker (1983) vai basear sua argumentao atravs da Teoria da Escolha Social.

    Segundo ele, essa teoria a forma onde gostos, preferncias e valores individuais

    so unidos e somados na escolha de um grupo coletivo ou sociedade. Como o voto

    um mtodo de agregao de valor, a teoria da escolha social deve incluir, entre

    outros elementos, a teoria da votao.

    O paradoxo da votao a coexistncia de valores individuais coerentes e uma

    escolha coletiva incoerente atravs da regra majoritria, havendo transitividade das

    preferncias, pois no possvel haver um vencedor claro e justo de uma disputa

    eleitoral. Havendo mais de trs propostas para mais de trs eleitores, ser neces-

    srio que um dos eleitores mude sua preferncia ou uma das propostas para que

    haja uma deciso. Ele cita o paradoxo da votao, descoberto por Condorcet, para

    afirmar que a votao falha para produzir um ganhador distinto. Riker concorda

    com Schumpeter e diz que a Democracia um mtodo, mas vai alm e argumenta

    que tambm um ideal. Riker questiona se o mtodo democrtico capaz de fa-

    zer com que os ideais democrticos sejam atingidos. Para ele, a teoria da escolha

    social permite, ao menos em parte, a viabilidade de se atingir fins democrticos

    atravs de mtodos democrticos.

    O sistema majoritrio tambm criticado, onde se questiona a adequao

    da forma como as maiorias so constitudas. Elas so, na verdade, coalizes de

    minorias segundo Dicey e Downs (apudRiker 1983). Riker ir centrar suas crti-

    cas rejeitando o populismo. Ele afirma que a vontade popular mostrada apenasenquanto as dimenses dos assuntos so restritas. Uma vez que a dimenso desses

    assuntos se multiplica, a vontade popular irresoluta. Pequenas mudanas nas

    dimenses induzem desequilbrio. Por isso, difcil falar em vontade popular to

    estreitamente explicada, e por isso que o populismo uma interpretao vazia

    da votao e porque o ideal popular literalmente insustentvel.

    Riker argumenta que no h como identificar as preferncias dos cidados

    e nem se eles fazem julgamentos justos e precisos sobre o voto que fazem, e que

    na verdade eles votam mais ao acaso ou em conseqncia da manipulao de

    informao ou deturpaes do sistema eleitoral.

    A rejeio ao populismo uma rejeio ao populismo como puro procedi-

    mento de eqidade. Esse populismo refutado admite que os resultados da regra

    majoritria constituem, por si s, a vontade popular. A regra majoritria no

    normativamente privilegiada sobre qualquer outra instituio que ocasionalmente

    remova governos, mesmo que utilize mtodos injustos de votao.

    Riker define populismo como sendo as proposies que as polticas governa-

    mentais deveriam ser o que o povo quer, e que as pessoas so livres quando seus

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    desejos so regulamentados. A rejeio ao populismo ocorre porque os resultadosda escolha social mostram que a regra majoritria no pode dizer o que a vontade

    do povo. Dessa maneira, o contedo normativo do populismo (onde o governo

    deve fazer o que o povo deseja) no desafiado: no h como se saber o que o povo

    quer, pois sistemas diferentes de votao produzem resultados distintos e o mesmo

    sistema de votao pode produzir resultados diferentes em tempos diferentes.

    Riker continua com o dogma crucial de que o liberalismo e o populismo

    esgotam todas as possibilidades em relao teoria democrtica. Dessa forma,

    liberalismo (definido como a doutrina de que votao no faz mais que prover

    um meio de remover os representantes eleitos e prevenir tirania) a nica opo

    remanescente.

    O liberalismo sobrevive aos resultados da escolha social porque ela deman-

    da menos votaes, se preocupando apenas com quais votaes removero os

    representantes do gabinete periodicamente, e possivelmente de forma perversa.

    Ele identifica a idia de que a regra majoritria tem valor normativo com o popu-

    lismo, ento quando o populismo derrubado, tambm derrubada a prioridade

    normativa da regra majoritria.

    Riker defende que a nica justificativa que as eleies tm (dados os resultados

    da escolha social), uma colaborao liberal em checar as tendncias opressivas

    do governo. Segundo ele, os resultados da regra majoritria so totalmente ar-

    bitrrios.

    O populismo insustentvel porque a regra majoritria no pode dizer o que a vontade popular. Para ele, uma democracia populista no se sustenta, pois no

    existe interesse comum. E mesmo se existisse no poderia ser identificado. Riker

    defende uma democracia liberal, pois essa no requer do voto um papel normativo,

    as eleies so importantes porque servem para retirar do poder aqueles que so

    to ineficientes que no conseguem a maioria do eleitorado para se reeleger. En-

    tretanto, reafirma que as eleies tm anomalias; uma delas a existncia de ciclos

    no governo, onde um governante pode ser retirado sempre que h eleies. Riker

    enxerga a ciclicidade como algo nocivo estabilidade do sistema. Riker afirma que

    a ciclicidade aleatria e no tem efeitos benficos em relao ao alinhamento do

    comportamento do governo em relao vontade popular.

    1.2. A Contra-argumentao de McGann: ciclicidade e deliberao

    McGann (2006) inicia sua contra argumentao afirmando que a regra majoritria

    estrutura o processo deliberativo, onde ela no um procedimento que produz o

    resultado democrtico correto diretamente das preferncias (que so transitivas)

    dos legisladores. A regra democrtica define um jogo no qual os legisladores barga-

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    nham, negociam, deliberam, persuadem e trocam, em relao aos requerimentosno qual o acordo final recebe suporte da maioria.

    A regra majoritria justificada normativamente porque procedimental-

    mente justa, e porque h razo para esperar que o jogo, ao final, ligado regra

    majoritria, ir produzir resultados justos. Segundo o autor, necessrio, para

    que a regra majoritria satisfaa a eqidade poltica, que o controle da agenda

    seja democrtico. Se a agenda fixada, ento algumas alternativas estaro em

    vantagem. Se um jogador controla a agenda, ento, ele est em vantagem.

    Essa argumentao de McGann se coaduna com sua afirmao que a regra

    majoritria democrtica porque o resultado fruto de um jogo justo onde nenhum

    votante ou nenhuma alternativa est indevidamente em vantagem. A deliberao

    atravs da regra majoritria serve como um meio efetivo para identificar uma

    seleo do jogo oculto. Logo, a regra majoritria produz uma maneira prtica de

    identificar resultados aceitveis. Portanto, a regra majoritria no pode mostrar

    o melhor resultado, mas uma grande quantidade de informaes acerca de quais

    alternativas so, e de quais no so, escolhas razoveis.

    Segundo o autor, a ciclicidade (potenciais mltiplas coalizes vencedoras su-

    cessivas) fortalece a regra majoritria, deixando de ser algo danoso democracia,

    j que d oportunidade a diversas maiorias de participarem do poder, pois a exis-

    tncia de mltiplas coalizes em potencial cria fortes incentivos para construo

    de coalizes juntamente com a deliberao. McGann defende a regra da maioria

    como uma regra democrtica, pois a trata como regra estrutural do processo de-liberativo, no a considerando como um procedimento apto a produzir resultados

    diretamente desejveis em relao s preferncias dos legisladores.

    1.3. Porque a Regra Majoritria Seria Desejvel Anal?

    Como no sistema winner-takes-all oufirst-past-the-post, o ganhador representa

    a maior minoria, o sistema proporcional, segundo McGann seria o que melhor

    identificaria os eleitores com os incumbents.O sistema proporcionalista implica

    em uma maior representao das minorias.Entretanto, segundo Melo:

    as regras tpicas de sistemas majoritrios distrito uninominal e frmula

    first-past-the-post implicam em menos representao de minorias

    ou grupos, embora produzam mais eficincia governativa pela maior

    facilidade de formao de maiorias.

    O requisito da maioria considerado apenas como um requisito m-

    nimo. A viso proporcionalista afirma que as regras institucionais devem

    promover a participao e o alargamento das maiorias. Em contraste, no

    ideal majoritrio busca-se assegurar que a vontade da maioria prevalea

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    sobre minorias. Nesse sentido, o majoritarismo busca assegurar que avontade da maioria prevalea sobre minorias. Nesse sentido, o majori-

    tarismo representa um ideal e no apenas a regra eleitoral ou de mtodo

    de agregao de interesses (Melo 2007).

    A regra majoritria no capaz de dizer o que a vontade popular , mas um

    procedimento de tomada de decises onde, havendo eqidade poltica atravs de

    um sistema que garanta representatividade com maior preciso, cria um procedi-

    mento justo no qual os legisladores podem negociar e formar coalizes (embora

    a maioria seja formada por minorias agregadas). O resultado final contar com a

    legitimidade de ter sido aceito pela maior parte dos jogadores, pois a regra majo-

    ritria permite que haja um vencedor sempre, no permitindo o empate.

    2. O PROBLEMA DA ACCOUNTABILITYNOS DISTINTOS MODELOS INSTITUCIONAIS DE

    DEMOCRACIA

    Delegao e accountability so relaes do tipo principal-agente. A depender do

    desenho institucional, essas relaes podem ser enfraquecidas. A accountability

    produz resultados diversos a partir de uma srie de desenhos institucionais.

    Aqueles onde h um jogo hierrquico oculto, como no parlamentarismo puro

    (modelo de Westminster) em que o Gabinete accountableao Parlamento, ondeos Membros do Parlamento so fiscalizados pelos partidos, e estes por sua vez pelo

    eleitor mediano, estabelecendo entre eles uma relao principal-agente, geram

    um resultado diferente do modelo americano onde h duas esferas de poder elei-

    tas diretamente pelo povo (Presidncia e Congresso), onde h mais veto players

    devido ao fato de o Parlamento ter duas Casas Legislativas com iguais poderes

    alm de outros veto gatescomo grupos polticos regionais (em decorrncia do

    federalismo).

    2.1. O Problema Geral da Accountability como Problema de Delegao: Mo-

    reno, Shugart, Crisp e McCubins/Cox

    Cox e McCubbins (2001) afirmam que as instituies democrticas definem umaseqncia de relao principal-agente, mostrando que em democracias repre-

    sentativas h 3 passos em amplas delegaes: pela soberania popular aos Poder

    Legislativo e Executivo nacionais; pelo Executivo a ministrios, comits; pelo

    Legislativo (ou seus lderes) a agncias, onde estas possuem o papel de agentes.

    Segundo os autores, essa estrutura de relao entre principal-agente determina em

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    ampla medida a forma de poltica pblica. Se no houver accountabilityem relaoqueles que delegam o poder, ento toda essa cadeia de delegaes ir falhar.

    Os autores acrescentam o que o dilema democrtico das instituies est na

    correspondncia de quem est no poder com o interesse pblico. Para isso, segundo

    os autores, os institucionalistas acreditam que o trade off pode ser estabelecido via

    desenho constitucional, onde separao de poderes, bicameralismo, federalismo

    e a diviso do Legislativo em cmeras temticas so remdios para assegurar a

    responsabilidade com o interesse pblico. O equilbrio entre eficincia decisria e

    correspondncia aos interesses pblicos aparece em pequenas arenas de debates

    sobre a estrutura eleitoral, defendendo que sistemas proporcionais multipartid-

    rios so menos estveis em relao s decises tomadas e que o sistema majoritrio

    tende a diminuir pequenos partidos, onde os remanescentes so menos diferentes

    que no sistema proporcional.

    Dependendo do desenho institucional, poder haver maior indeciso e menos

    resolutibilidade1. A falha de delegao ou enfraquecimento da relao principal-

    agente entre delegantes e delegados, pode diminuir a responsividade do governo

    e torn-lo menos accountable, criando incentivos para relaes privadas, clien-

    telistas e rentistas. Por isso, um Estado com alto grau de decisividade significa

    um governo federal centralizado e que corresponda menos a interesses privados.

    A depender do nmero de pontos de veto (maior em sistemas proporcionalistas),

    poder haver menos decisividade e a resolutividade ficar enfraquecida.

    Shugart, Moreno e Crisp (2003) defendem a idia de que accountability umarelao vertical

    2entre principal-agente, onde a responsabilizao sobretudo um ato

    de delegao (Melo 2007), e que os sistemas presidencialistas so nicos a produzir

    mltiplos agentes a partir de um nico principal: o eleitorado. Os autores mostram

    que o desenho constitucional da accountabilityvaria entre sistemas presidencialis-

    tas e parlamentaristas, e tocam na questo do difcil equilbrio entre accountability

    vertical e trocas horizontais em sistemas presidencialistas, focando nas fontes de

    independncia dos poderes, funes sobrepostas e ambies contrapostas.

    A noo da relao principal-agente baseada na economia e est longe de ser

    perfeita. A autoridade efetiva na poltica governada pelo agente, no pelo prin-

    1Para Cox e McCubbins (2001) o presidencialismo desenhado para ser menos decisivo e

    mais resoluto.2Os autores criticam a expresso accountabilityhorizontal de ODonnell, argumentando

    que, por ser uma relao principal-agente, portanto, uma relao vertical, no poderia haver

    uma responsabilizao horizontal. Para suprir o termo em relao a instituies em mesmo

    nvel, os autores utilizam o termo transaes horizontais que representa as trocas entre

    instituies onde no haja relao principal-agente entre si.

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    cipal. O desenho constitucional extremamente importante para evitar relaesprincipal-agente fracas, sendo, inclusive, mais custosas e difceis em poltica do

    que em economia, pois o governo no pode simplesmente ser demitido. Outros

    mecanismos, a depender do sistema constitucional, sero criados para evitar que

    os polticos-agentes no oprimam os cidados-principais. Tais mecanismos so

    o jogo hierrquico (no parlamentarismo) e as transaes horizontais (presiden-

    cialismo).

    O jogo hierrquico depender do tipo de sistema empregado. No parlamen-

    tarismo, os eleitores votam nos partidos que escolhero os representantes, que

    selecionaro os ministros do gabinete, agentes do Parlamento (principal). Todo

    esse sistema hierrquico tem como base os eleitores. Nesse caso, o alarme de

    incndio acionado pelos partidos da oposio que expem aos eleitores os

    erros dos agentes.

    As transaes horizontais esto atreladas ao presidencialismo, onde no h

    relao principal-agente entre os poderes. O Executivo independente e direta-

    mente conectado ao eleitorado. Entretanto, para que no haja uma sobreposio

    de poderes, os mecanismos de trocas e as atribuies tendero a equilibrar as

    foras. No presidencialismo h 3 principais (quando o Parlamento bicameral)

    em relao burocracia. Essas relaes entre poderes acarretam em mais publi-

    cidade, exercendo funo de alarme de incndio onde partidos da oposio iro

    utilizar os erros para dentar derrubar o governo nas eleies. No presidencialismo

    a publicidade dos erros do governo maior do que no parlamentarismo, por exporas transaes entre Executivo e Legislativo.

    Em sistemas de hierarquia pura (parlamentarismo) o Judicirio apenas parte

    da burocracia, responsvel por aplicar as leis. No sistema de transaes horizontais

    (presidencialismo), os Tribunais possuem tipicamente a autoridade de sobrepor o

    corpo legislativo, inclusive controlando seus atos na seara constitucional.

    As agncias autnomas tambm funcionam como mecanismo institucional de

    controle da burocracia, sendo parte dela; o mandato fixo, gozando de autonomia

    e independncia. Elas possuem uma funo parecida com a dos Tribunais: no

    aplicam as leis mas resolvem os conflitos em determinada rea de atuao.

    2.2. As Pr-condies Institucionais para uma Accountability Efetiva emPowell e Samuels

    A eleio de representantes por diversos setores da sociedade cria incentivos

    para os cidados influenciarem nas polticas de acordo com suas preferncias, de

    forma que, os incumbentspossam abarcar um amplo nmero de fragmentaes

    da sociedade. J eleitos, os representantes engajam-se nas alianas e coalizes, na

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    defesa de interesses e por vezes, cedendo aos interesses dos aliados, dificultandoassim a accountabilityeleitoral na medida dificulta para o eleitor a certeza de que

    representante apoiou determinada poltica.

    Os sistemas majoritrios de governo, entretanto, favorecem a classificao

    das eleies como um sistema de controle. Para Powell (2000), as eleies, como

    um instrumento de accountabilityvertical, podem funcionar como um sistema

    de controle ou de influncia. No caso do sistema de influncia, dada a menor

    clareza de responsabilidade sobre a implementao de polticas, o eleitor pode

    exercer pouco controle efetivo sobre os representantes, exercendo algo que mais

    se aproxima de uma influncia. Ou seja, o eleitor manifesta uma preferncia, in-

    fluenciando o representante na conduo de suas polticas, mas no prendendo-o

    atravs do mandato.

    A concentrao de poder em gabinetes de partido nico permite ao eleitor

    perceber qual partido e qual representante responsvel ou no pelas polticas bem

    sucedidas ou no. Essa clareza de responsabilidade permite s eleies um grau

    de controle maior nos sistemas democrticos de que nos sistemas consensuais.

    O sistema presidencialista, por outro lado, tem uma vantagem sobre o parlamen-

    tarismo, porque maximiza ambas as representaes nacionais e locais e accountabi-

    lityao mesmo tempo3. Para presidencialismo puro, Shugart e Carey sugeriram que

    formatos institucionais diferentes podem encorajar ou desencorajar a accountability

    eleitoral. Samuels empiricamente explora essa noo afirmando que quando eleies

    para o Executivo e Legislativo no so realizadas simultaneamente (o que no podeocorrer no parlamentarismo), a poltica econmica enfraquece.

    Empiricamente, eleitores tendem a atribuir relativamente, grande responsa-

    bilidade aos representantes em eleies executivas diretas em relao s eleies

    parlamentares, to logo as eleies so competitivas com eleies legislativas

    (presidencialismo puro), ou as eleies so feitas unificadamente (semi-presiden-

    cialismo). Sob certas condies, os eleitores atribuem grande responsabilidade para

    partidos com representao do Legislativo no presidencialismo, semi-presiden-

    cialismo e parlamentarismo. Logo, sob algumas circunstncias comuns, uma forte

    accountabilityeleitoral pode existir no presidencialismo, semi-presidencialismo

    e at mesmo no parlamentarismo. Essa constatao questiona dos argumentos

    crticos de que presidencialismo geralmente permite relativamente, uma menoraccountabilitydo que em outras formas de governo.

    Para Moreno, Shugart e Crisp (2003), a accountability vertical uma funo

    dos incentivos institucionais com os quais os polticos se deparam. As estruturas

    3Samuels (2007) cita o trabalho de Shugart & Carey (2004)

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    de incentivos que produzem variaes em accountability vertical so aquelas quedefinem a ligao entre eleitores e seus representantes seleo de candidatos ao

    estgio geral de eleies. Uma combinao bem desenhada de carter institucional

    pode produzir poderosos incentivos aos legisladores para apoiarem um sistema

    de freios e contrapesos.

    Segundo os autores, no sistema presidencialista, Presidente e Parlamento no

    representam necessariamente os mesmos segmentos da sociedade. Enquanto o

    Chefe do Executivo votado em mbito nacional, os parlamentares representam

    demandas de outros distritos. Nesse sentido, o sistema partidrio e o sistema eleito-

    ral exercem grande influncia na accountability vertical, principalmente no que diz

    respeito s listas partidrias. importante dizer que a estrutura interna dos partidos

    inerente a eles, no ao sistema poltico. O sistema eleitoral condiciona as estruturas

    partidrias internas, mas no as determina. A questo est em reformas as regras

    internas dos partidos e do sistema eleitoral, principalmente no que diz respeito ao

    processo de eleio dos candidatos e o sistema eleitoral. Para que se mantenha a

    accountabilty necessrio que haja uma estrutura propcia para que isso ocorra.

    2.3. Separao de Poderes e Accountability: Arato e Ackerman

    Ackerman e Arato analisam os resultados da accountabilityatravs do estudo da

    separao dos poderes.

    Ackerman faz uma anlise do sistema de poderes separados (presidencialismo)

    e de poderes fundidos (parlamentarismo). Ele alega que muitos pases no estoaptos a serem governados dentro das regras do presidencialismo, principalmente

    do presidencialismo americano, e que o modelo de Westminster(Parlamento so-

    berano) tambm no o mais oportuno. Ackerman sugere um parlamentarismo

    controlado e limitado por mecanismos que minorem as falhas do presidencialismo

    (impasse) e do parlamentarismo de Westminster(autoridade legiferante plena),

    de acordo com o contexto de cada pas, propondo um Parlamento onde a Casa

    Popular no seja to poderosa quanto a do modelo britnico, e que a Cmara

    Alta no possua poderes equiparados Cmara Baixa, como o Senado americano.

    Ackerman chama isso de one-and-a-half house solution.

    Para Ackerman, a separao dos poderes deve impedir o auto-governo, possuir

    leis democrticas, burocracia e Judicirio bem preparados, capazes de implementarleis com relativa imparcialidade bem como, a promoo dos direitos fundamentais

    (evitando mecanismos de tirania).A reviso judicial um mecanismo importante

    para incentivar a maioria a no rejeitar o que fora definido anteriormente.

    Nesse sentido, o autor pontua quantas eleies so necessrias para se atingir

    a plena autoridade legiferante (auto-governo). Enquanto que no modelo de brit-

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    243INSTITUIES EACCOUNTABILITY NA TEORIA DEMOCRTICA CONTEMPORNEA Leon Victor de Queiroz

    nico, basta apenas uma eleio (os eleitores elegem os Membros do Parlamentoe estes definem o Gabinete), no modelo presidencialista em geral so necessrias

    vrias eleies para que haja plena autoridade legiferante (eleies presidenciais

    e legislativas nacionais, eleies para o comando de ambas as casas em havendo

    bicameralismo). Por isso, na pea central do modelo de Ackerman, no Parlamen-

    tarismo Limitado h uma Cmara democraticamente eleita e encarregada de

    escolher um governo e articular uma legislao ordinria. O poder deste centro

    controlado e equilibrado por uma srie de propsitos especiais.

    Tais propsitos especiais visam garantir um equilbrio entre o impasse (gerado

    pelo no alinhamento do Executivo com o Legislativo) e a plena autoridade do

    modelo britnico. Ackerman argumenta que o Presidente pode chegar a ter total

    autoridade, introduzindo na ordem jurdica4as bases idelogicas de suas decises

    por um longo perodo. Isso no ocorre no modelo de Westminster, onde pode-se

    rever totalmente a poltica adotada, nas prximas eleies. Os mecanismos do

    desenho institucional so importantes, pois a depender do nmero de elies e do

    tempo do mandato, poder haver uma maior ou menor probabilidade de impasse,

    estagnao, plena autoridade e at mesmo crise de governabilidade.

    Ackerman demonstra que o modelo britnico funciona como um contraste para

    a separao de poderes. Ele mostra que nem todos gabinetes possuem a estabili-

    dade que os sistemas britnico e alemo possuem. O Autor aponta para a questo

    do sistema eleitoral. Segundo ele, a representao proporcional causa o apareci-

    mento de partidos menores, e surgimento acarreta em incessantes mudanas nogabinete. Diversos partidos acarretam em uma negociao mais abrangente onde

    o Premier se comprometer com um nmero maior de jogadores, aumentando a

    probabilidade de crises e de impasses. Mas, segundo Ackerman, algo pode ser feito.

    Ele chama ateno para que esses partidos fragmentados devam ser negados de

    entrar no Parlamento atravs das clusulas de barreira, onde estes tenham de ter

    um mnimo de representao popular para ter acesso ao Legislativo.

    Algo que tambm pode estabilizar o sistema parlamentarista o voto de des-

    confiana. De acordo com essa engenharia constitucional, a ameaa de dissoluo

    do gabinete minora consideravelmente a probabilidade de haver uma crise de

    governabilidade. Ackerman no objetiva descrever a melhor forma de governo

    4Ackerman chama ateno para a questo do Poder Judicirio, alegando ser este um Poder

    importante quando autnomo e independente, no sentido de resolver o impasse atravs da

    interpretao clara e objetiva das normas. Ele critica o Conselho Constitucional Francs por

    no haver uma estabilidade nessa Corte devido ao tempo curto do mandato de apenas 3 anos,

    onde um tero do Tribunal renovado.

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    TEORIA SOCIEDADE n 16.1 janeiro-junho de 2008E244

    parlamentar, mas considerar as condies sob as quais um sistema de poderesmais separados pode ser superior. O argumento de Ackerman, nesse ponto, foca

    a questo do sistema de representao proporcional. Segundo ele se um sistema

    de representao proporcional desejvel, uma separao de poderes americana

    no porque os potenciais custos da representao proporcional em termos

    da estabilidade do regime so bem maiores sob o presidencialismo do que sob o

    parlamentarismo.

    Em relao ao culto personalidade Ackerman aborda a questo de como o

    prestgio do Premier e do Presidente interfere na sua relao com o Poder Legislati-

    vo, considerando-se o desenho institucional. Segundo o autor, no parlamentarismo

    a conduta do primeiro ministro constantemente fiscalizada, pois diferentemente

    do presidente, que foi eleito pelo voto direto da populao, o primeiro ministro

    depende de seus pares para permanecer no cargo, e dever ter uma boa relao

    com os lderes. Um grande escndalo no Parlamentarismo pode derrubar imediata-

    mente o Premier devido estrutura de prestgio e de confiana entre ele, os lderes,

    os partidos e os membros do Parlamento. Perdendo apoio popular, dificilmente

    o Premier manter-se- no cargo, pois os membros do Parlamento e os partidos

    que sofrero as conseqncias nas prximas eleies distritais. No modelo de

    Wesminstero partido exerce grande importncia, diferentemente do Presidencia-

    lismo, onde o partido um mero veculo para o candidato a presidente.

    Ainda dentro desse ponto, Ackerman questiona o tempo do mandato. No pre-

    sidencialismo, o mandato deve ser limitado pois como ele fixo, um governo dem qualidade, durar todo o mandato. No parlamentarismo diferente. A relao

    do Premier com os lderes extremamente profunda e sua conduta constante-

    mente fiscalizada. Ackerman exemplica seu argumento citando os exemplos de

    Margareth Tactcher e Helmut Kohl.

    Brandamente, o governo que emerge da separao de poderes no muito

    atrativo. No apenas pelas crises de governabilidade, mas o exerccio da plena

    autoridade tambm perigoso (caso seja atingido). Pior, a separao bloqueia

    srias consideraes da representao proporcional, uma forma que tem aspec-

    tos atrativos de outra maneira. O separacionismo tambm convida os cidados a

    investirem suas paixes na personalidade de um nico lder, deixando de lado os

    princpios que deveriam governar a todos.Ackerman aponta neste ponto a necessidade de controles constitucionais rgidos,

    controlando o Parlamento alm de mecanismos populares de participao, como o

    referendo. Segundo o autor, trazer a populao de volta ao debate importante, mas

    ele no ingnuo de achar que os cidados de hoje so como os da Grcia Antiga.

    Mesmo com a internet, dificilmente a populao se voltar a um frum sobre poltica.

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    245INSTITUIES EACCOUNTABILITY NA TEORIA DEMOCRTICA CONTEMPORNEA Leon Victor de Queiroz

    Ackerman argumenta que o referendo importante, desde que haja mecanismosconstitucionais que limitem seu uso, evitando a m utilizao pelos demagogos,

    populistas e pela situao, interessada em limitar a atuao da oposio. O Autor

    sugere que, em vez de dividir a autoridade legislativa em duas casas e o presidente,

    ela ser divida entre o Parlamento e o Povo, nos moldes constitucionais e dentro

    de mecanismos que de fato, tornem o instrumento de consulta popular eficaz e o

    mais livre possvel de degeneraes tirnicas e anti-democrticas.

    Outro mecanismo que Ackerman aponta como instrumento de controle o

    Poder Judicirio. Este funcionaria como operacionalizador das consultas populares.

    A reviso judicial um importante mecanismo para incentivar a maioria a no

    rejeitar ou modificar os resultados obtidos com a consulta popular. Entretanto,

    argumenta o Autor, s um forte Tribunal Constitucional ser capaz de garantir

    essa operacionalizao. Entretanto, ele aponta para uma questo cultural, se

    juzes e advogados iro interpretar as regras de forma sria. Um ponto delicado

    na engenharia constitucional a forma como os membros da Suprema Corte

    so nomeados (necessitando ou no de ratificao pelo Parlamento com maioria

    qualificada), e na prtica como so nomeados (em fim de carreira, perto de se

    aposentar etc.)

    Ackerman procura mostrar como esse desenho at aqui traado se mostra

    na prtica. Ele cita o parlamentarismo alemo cujos poderes do Chanceler so

    ilimitados quando ele possui ampla maioria do Bundestag. Entretanto, um Tri-

    bunal Constitucional forte limita esses poderes. Um elemento ausente no modeloalemo a consulta popular. Desde o nazismo, os alemes tm evitado a deciso

    direta do povo. Isso no ocorre na Espanha, cujo instrumento de consulta aos

    cidados digno de nota.

    Ackerman eliminou at aqui um fator de complicao: o federalismo. Para

    ele, o federalismo mostrou-se um fator de separao de poderes no mundo. Os

    fundadores da Unio, geralmente lderes polticos das unidades que sero agrega-

    das, sempre procuram garantir na Constituio sua participao no poder central

    atravs do Senado, obrigando o Legislativo a ter ao menos duas casas. Ackerman

    questiona se o federalismo tem profunda ligao com a separao dos poderes no

    que diz respeito representao das unidades federativas no poder central. Ele

    argumenta que no, citando o Canad e a ndia como exemplo de pases onde hum federalismo saudvel mas sem uma cmara federalista no centro. O Autor

    chama ateno para a questo da formao do federalismo. Enquanto Canad

    e ndia o processo se deu de forma centrfuga, nos Estados Unidos ele se deu de

    forma centrpeta. Ackerman aponta que mais fcil construir uma slida segunda

    cmara em modelos no federalistas.

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    TEORIA SOCIEDADE n 16.1 janeiro-junho de 2008E246

    O Senado americano antes de 1913 no era eleito pelo voto popular. Trans-plantar esta sistemtica para um sistema parlamentarista e federalista quebraria

    a legitimidade do governo, devido participao de parlamentares da Cmara

    federativa que no foram eleitos pelo povo. O argumento principal neste ponto

    o de que, se os federalistas querem realmente uma Casa forte (e no apenas meia

    casa) eles devem tambm aceitar uma presidncia forte. Nesse sentido, a igualdade

    das casas tolervel, pois elas no esto envolvidas na formao do Executivo.

    Completando, o Autor afirma que uma repblica constitucional deveria manifes-

    tar seus compromissos federalistas atravs de uma adequada modificao do seu

    sistema de referendo, onde houvesse uma participao regional, havendo maior

    distribuio de votos, ocasio em que, para que um referendo seja aprovado, seja

    necessria a aprovao da maioria dos estados constituintes.

    Ackerman aponta distores quando o Senado no composto atravs do voto

    popular, sendo formado por representantes dos governos estaduais, designados

    pelos governadores para atuar no Poder Central de acordo com os interesses do

    estado que representa. assim que funciona na Alemanha e no Conselho da Unio

    Europia. Entretanto, ele mostra que paradoxalmente, os federalistas esto mais

    propcios ao deslocamento de funcionrios locais para papis diretos no Poder

    Central. Mas se for para ter um Senado, um corpo legislativo, que este seja com-

    posto por Senadores eleitos diretamente pelo povo, diretamente fiscalizados.

    O federalismo enfatizado por Ackerman por uma razo simples: ele o mais

    importante instrumento poltico de justificao do bicameralismo no mundo. Pa-ses unitrios tm administrado bem suas contendas com assemblias unicamerais.

    O Autor questiona porque h cmaras altas em Estados unitrios? A resposta,

    segundo ele, simples: para proteger as classes superiores. O exemplo maior a

    Cmarados Lordes no modelo de Westminster.

    Ackerman faz um contraponto da necessidade de uma segunda cmara em

    pases no federalistas. Ele aponta a importncia do Senado como instrumento

    importante para a tomada de decises. Entretanto, a questo da assimetria da

    composio partidria da Cmara e do Senado pode gerar impasse. Para resolver

    esse problema ele cita o modelo italiano onde o sistema eleitoral garante uma

    equiparao partidria na representatividade das duas casas. Ackerman aponta

    que um bicameralismo simtrico pode atuar eficazmente, ampliando o debatedentro da sociedade.

    A resposta pergunta: Quantas eleies so necessrias para se atingir a

    plena autoridade legiferante, vem agora. Ackerman aponta a resposta com base

    na separao de poderes. No no modelo americano de trs instituies e com um

    Judicirio interventivo, nem no modelo Westminstercom um Judicirio no inter-

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    247INSTITUIES EACCOUNTABILITY NA TEORIA DEMOCRTICA CONTEMPORNEA Leon Victor de Queiroz

    ventivo. Ele centra seus argumentos no Parlamentarismo de Constrangimentos(controles institucionais) onde no h um monoplio do poder de legislar, cujo

    modelo de Constituio objetiva imunizar uma srie de atores institucionais a

    partir do controle parlamentar. Os poderes separados incluem: as pessoas (agindo

    atravs de referendos), Tribunal Constitucional forte e um Senado Federal fraco

    ou Senado Nacional forte.

    Ackerman questiona se deveria criar um espao isolado das polticas diretas de

    interveno em que juizes e burocratas deveriam implantar seu julgamento tcnico

    a servio dos objetivos legislativos? Ele argumenta que no, pois s interveno

    poltica irrestrita ir causar efeitos danosos ao estado de Direito. Os constitucio-

    nalistas precisam reconhecer que a elaborao de decises algo importante e

    frequentemente desvalorizado pelo uso excessivo. As decises no so tomadas

    por estadistas experientes ou burocratas que conhecem a mquina, mas por inex-

    perientes bajuladores ansiosos para trocar favores com seus patres.

    Ackerman mostra a importncia de uma burocracia tcnica, extremamente es-

    pecializada e treinada imbuda do esprito pblico, com imparcialidade profissional.

    A burocracia no pode funcionar se as decises so excessivamente burocrticas.

    preciso garantir constitucionalmente a autonomia e a independncia do Poder

    para que este possa ser exercido de forma imparcial e livre das interferncias de

    outros poderes.

    Ackerman argumenta que a regulao deve basear-se na teoria da legitimidade

    democrtica, mas parlamentares no possuem tempo nem conhecimento para isso.O autor tambm aponta para a utilizao do poder regulador como instrumento

    de intimidao poltica, citando exemplo de fiscais como instrumentos partidrios

    de guerra.

    A questo fundamental a de legitimidade de atuao da burocracia tcnica

    e especializada quando interferir nas polticas pblicas. Essa questo, segundo o

    Autor, resolvida pela vinculao desses tecnocratas lei, elaborada pelo Parla-

    mento (fonte de legitimao poltica). Da a importncia de um estado democr-

    tico de direito e de um Tribunal Constitucional forte limitando a atuao dessa

    tecnocracia ao restrito cumprimento dos pressupostos legais.

    At aqui, Ackerman chega concluso de que a separao de poderes entre

    Cmara, Senado e Presidente no s incentiva crises de governo em situaesde impasse, como tambm o desespero na luta contra o tempo em situaes de

    plena autoridade no s vai contra a representao proporcional como encoraja

    oculto personalidade.

    Como a separao dos poderes protege os Direitos Fundamentais? Nesse

    sentido Ackerman trabalha dois pontos: O Poder Democrtico e a Garantia dos

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    TEORIA SOCIEDADE n 16.1 janeiro-junho de 2008E248

    direitos fundamentais. Os direitos fundamentais decorrem diretamente da noode democracia e significam um ncleo duro e intocvel dentro da Constituio.

    Esses direitos englobam no s os direitos polticos como tambm os direitos civis,

    as liberdades e garantias fundamentais e os direitos difusos e coletivos.

    Um perodo de plena autoridade legislativa pode ir de encontro aos direitos

    fundamentais, se isso for do interesse dos que possuem tal autoridade. Ackerman

    sugere no apenas uma proteo maior desses direitos dentro da Constituio (no

    caso das mais positivas e analticas), mas tambm um Tribunal Constitucional forte,

    capaz de garantir os direitos fundamentais atravs da reviso judicial.

    Segundo o Autor, a partir da legitimidade democrtica, o centro est limitado

    pelas decises anteriores do povo atravs de peridicos referendos e executado por

    um Tribunal Constitucional. Pode tambm ser verificado por um Senado Federal

    subalterno ou uma poderosa segunda cmara organizada em linhas nacionais. A

    partir da especializao funcional, o centro limitado, no s atravs de um sistema

    judicial independente, mas tambm atravs de um Poder ntegro que observa a

    corrupo e abusos similares do governo, bem como um Poder regulador, forando

    a burocracia a explicar como que o seu suplemento de rulemakingrealmente vai

    melhorar os resultados gerados. Em relao aos direitos liberais, o centro limitado

    por um Poder Democrtico visando a salvaguardar direitos do cidado participativo,

    uma justia distributiva centrada na oferta econmica mnima para esses cidados

    menos capazes de defender os seus direitos polticos, e um Tribunal Constitucional

    dedicado proteo dos direitos humanos fundamentais para todos.Arato (2002) prope um modelo institucional normativo, um tipo ideal de

    accountabilitypura, que em princpio pode ser o objetivo de todos os esforos

    em termo de modelo institucional. O autor defende o modelo parlamentarista

    unicameral, rejeitando o federalismo, e advogando que o modelo presidencialis-

    ta permite em princpio, a atribuio de culpa a um outro poder com o qual

    necessrio fazer um acordo para alcanar certos objetivos.

    O regime proposto incompatvel com governo de coalizo, onde a culpa pode

    se dissipar entre os aliados. O autor defende uma maioria mais forte, evitando a

    maioria simples e por conseqncia, as coalizes. Para ele, a oposio tem de ser

    forte (no necessariamente supermajoritria) e deve haver uma maior disciplina

    partidria, onde os partidos votassem em bloco. O que se defende um modelo derepresentao majoritria mais forte onde pudesse haver maior similitude entre

    representantes e representados, rejeitando a regra proporcional e a de maioria

    simples para alocao das cadeiras. O autor rejeita o instituto da reeleio e ar-

    gumenta que legislaturas menores poderiam eliminar que os erros dos governos

    fossem esquecidos ou compensados.

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    249INSTITUIES EACCOUNTABILITY NA TEORIA DEMOCRTICA CONTEMPORNEA Leon Victor de Queiroz

    Em relao ao Gabinete e o Parlamento (modelo de Westminster), h umadupla accountabilityonde o Executivo responde ao Parlamento, e este responde

    aos eleitores. Como o Gabinete pode ser destitudo a qualquer momento pelo

    Parlamento, o autor rejeita esse mecanismo em relao aos eleitores e seus in-

    cumbents, por haver incompatibilidade entre a atividade parlamentar e eterna

    campanha pela reeleio. Entretanto, fica claro que um o poltico que no possa

    se reeleger fica livre de ser avaliado pelo seu ltimo mandato, e por isso prope

    limites s reeleies.

    Arato defende que um regime de accountabilitypura, seria diferente do mo-

    delo de Westminster, sendo unicameral, com uma regra eleitoral que exigisse

    mais maioria, talvez uma constituio escrita, mandatos mais curtos e regras ainda

    mais estritas de financiamento de campanha. Segundo o autor, no modelo de

    Westminsterh uma oposio leal no Parlamento, pois sem esse monitoramento

    crtico o processo de accountabilityno poderia existir. Segundo o autor um re-

    gime geral de accountabilitys pode funcionar em consonncia com a sociedade

    civil e a esfera pblica.

    3. A REPRESENTAO E SEUS DESVIOS: CLIENTELISMO E CORRUPO EM KITSCHELT

    Segundo Kitschelt (2000), grande parte da literatura afirma que polticas cliente-

    listas so personalistas e reduzem a accountabilitydemocrtica, em contrapontos polticas programticas. O autor se posiciona de forma totalmente contrria a

    essa vertente. Para ele, polticas clientelistas so capazes de estabelecer um forte

    acordo, aumentando a accountability e a responsividade, devido clareza das

    regras e troca direta entre polticos e seus favorecidos.

    Outro ponto levantado o de que o personalismo no atributo exclusivo do

    clientelismo, pois relaes clientelistas face a face s ocorrem em um tipo tradi-

    cional de clientelismo e embora essas relaes envolvam trocas entre indivduos

    e pequenos grupos organizados, pode haver um alto grau de institucionalizao,

    tornando-se uma relao impessoal.

    A corrupo envolve o uso de cargo pblico para fins particulares (pessoais

    ou grupos polticos). A corrupo surge nos mais diversos desenhos institucionais,mas o ambiente mais propcio para que ela se desenvolva onde haja clientelismo.

    Tanto no liberalismo quanto no socialismo, h uma inibio da ao de grupos

    de interesses, pois os pontos principais de um programa poltico so guiados por

    princpios universais, enquanto que as prticas clientelistas se voltam alocao

    informal de recursos.

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    TEORIA SOCIEDADE n 16.1 janeiro-junho de 2008E250

    Baseando-se na anlise de Huntington (1968), onde os partidos passam aser mais comprometidos com um programa poltico em naes desenvolvidas,

    Kitschelt contra-argumenta mostrando que, embora seja difcil precisar a relao

    entre clientelismo e corrupo, onde, de acordo com a modernizao econmica,

    os cidados quanto mais pobres e mais ignorantes, suas preocupaes se voltaro

    solues de curto prazo com vantagens diretas, naes desenvolvidas como Japo,

    Itlia e ustria iro mostrar prticas clientelistas.

    Outro ponto levantado diz respeito representao e clientelismo a questo

    da relao Executivo e Legislativo. A separao de poderes no sistema presidencia-

    lista estimula o presidente a empregar seus poderes para promover incentivos se-

    letivos aos parlamentares com o objetivo de constituir maiorias para governar5.

    Para evitar prticas clientelistas, faz-se necessria a adoo de um sistema

    eleitoral de lista fechada. Segundo o autor, tanto em pases com amplo setor eco-

    nmico pblico quanto naqueles que o desregularam, h grandes oportunidades

    de clientelismo.

    Segundo Kitschelt o clientelismo fortalece a accountability,pois cria uma co-

    nexo responsiva entre o poltico e seus beneficirios. No entanto embora isso possa

    parecer algo salutar (como por exemplo grupos tnicos-culturais que conseguem

    polticas de apoio s suas causas graas prtica clientelista), do ponto de vista da

    representatividade esse argumento apresenta uma pequena falha. Depois de toda

    a discusso no incio deste texto acerca do que vem a ser democracia, qual a regra

    seria a mais adequada para agregar as preferncias dos eleitores, qual o melhormodelo institucional para uma accountabilitymais efetiva, a prtica clientelista,

    mesmo fortalecendo a relao representante-representados, desvirtua a idia de

    representatividade pelo fato dos incubentsestarem diretamente ligados a pequenos

    grupos de interesses, esquecendo-se do interesse coletivo.

    3.1. O Papel dos Partidos na Agregao de Interesses

    Como o problema da escolha social diz respeito complexidade da tomada de de-

    ciso sobre diversas alternativas polticas, que so enfrentadas tanto por polticos

    quanto por eleitores, Kitschelt argumenta que os eleitores no sabem como suas

    5Samuels (2007) cita um estudo de Otvio Amorim Neto, onde no presidencialismo o tamanhoda coalizo ou o nmero de membros da coalizo podem no ser as variveis mais importantes.

    As variveis-chave em termos de gabinete, e em termos de resultados da governana, inclui

    a proporo ministrios cedidos aos partidos da coalizo. Uma distribuio proporcional

    deveria equiparar a proporo que cada partido tem na coalizo em relao ao nmero de

    ministrios.

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    251INSTITUIES EACCOUNTABILITY NA TEORIA DEMOCRTICA CONTEMPORNEA Leon Victor de Queiroz

    preferncias podero afetar os resultados do processo decisrio. Segundo ele, aformao de partidos soluciona esse problema articulando um rankingde prefe-

    rncias. Isso possibilita a antecipao da escolha dos eleitores entre programas

    polticos diferentes, influenciando dessa forma, o processo decisrio.

    H trs tipos ideais que resultam da resoluo de nenhum, de um ou de am-

    bos os problemas de ao coletiva (por meio da organizao partidria) e escolha

    social (por meio da construo de uma coeso programtica). Estes tipos so: a)

    Autoridade Carismtica quando os polticos decidem no resolver nenhum

    dos problemas, mantendo a autoridade atravs do carisma pessoal, onde eles

    tendem a prometer tudo a todos para manterem-se no poder mantendo o mximo

    de discrio sobre as estratgias de seus partidos; b) Clientelismo quando no

    investem em formas de agregao de interesses, criando relaes pessoais e re-

    compensas materiais em dois nveis: nvel econmico, onde os que detm recursos

    financiam polticos em troca de favores materiais; nvel de influncia (prestgio);

    e c) Contedo Programtico quando buscam solucionar ambos os problemas,

    onde partidos oferecem um programa de polticas, prometendo implement-lo

    caso sejam eleitos.

    Em relao a esses tipos ideais acima descritos, o autor distingue os partidos

    compromissados com um programa poltico (troca indireta) dos partidos clien-

    telistas (troca direta). Segundo ele, a diferena entre esses dois de natureza

    procedimental em relao s trocas.

    O autor indaga se difcil combinar clientelismo e compromisso com umprograma poltico. Se os eleitos se comprometem a recompensar eleitores e

    colaboradores financeiros, eles no poderiam ser fiis a um programa poltico?

    Vrios argumentos se contrapem a essa possibilidade. Primeiro porque pontos

    principais de um programa poltico que permitam a resoluo de problemas de

    escolha social so guiados por princpios universais, que fogem s prticas infor-

    mais de alocao de recursos. Segundo porque uma vez que os polticos tenham

    assegurado seu cargo poltico por meio de clientelismo, eles podem no ter mais

    incentivos para solucionar problemas de ao coletiva. Pesquisas empricas

    apontam para uma associao negativa entre clientelismo e coeso programtica

    dentro dos partidos. Elas apontam que os vrios grupos de interesse dentro de

    um partido podem ter preferncias programtica to divergentes, que os custosde uma coeso so extremamente altos.

    Clientelismo e compromisso programtico so dois mecanismos incompa-

    tveis com uma poltica baseada no carisma poltico. Entretanto, o autor aponta

    que essas incompatibilidades no so absolutas, havendo possibilidade de que os

    polticos se envolvam intensamente em um dos mecanismos.

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    TEORIA SOCIEDADE n 16.1 janeiro-junho de 2008E252

    4. CONCLUSES

    Schumpeter afirma que a democracia um mtodo para se chegar a uma defini-

    o poltica atravs de eleies livres e competitivas de lderes. Nesse sentido,

    preciso analisar qual o melhor mtodo que traduza a agregao de preferncias e

    qual o desenho institucional seria capaz de promover tal mtodo, capaz de captar

    as preferncias dos eleitores. No se sustenta a argumentao de que o paradoxo

    da votao no permite que haja um vencedorjustoe claro. Pois os resultados da

    regra majoritria no podem dizer o que o povo quer.

    No entanto, a regra majoritria estrutura o processo deliberativo onde no capaz

    de produzir o resultado democrtico correto diretamente das preferncias, por estas

    serem transitivas. A regra majoritria sempre capaz de produzir um resultado, no

    havendo empate (dentro de um jogo em que haja eqidade poltica e nenhum dos

    jogadores ou propostas esteja em vantagem). Logo a regra majoritria, atravs da

    deliberao, permite identificar os resultados aceitveis, onde a ciclicidade (potenciais

    mltiplas coalizes vencedoras sucessivas) ir fortalecer a regra majoritria.

    A regra majoritria desejvel afinal, no por dizer o que a vontade do povo

    (pois ela no diz), mas por ser um procedimento de tomada de decises, onde

    cria um procedimento justo e o resultado final contar com a legitimidade de ter

    sido aceito pela maior parte dos jogadores, havendo um vencedor sempre.

    Delegao e accountabilityso relaes do tipo principal-agente, onde sero

    fortes ou fracas dependendo do desenho institucional adotado. Dependendo dodesenho institucional poder haver maior decisividade e melhor resolutibilidade.

    A falha de delegao ou o enfraquecimento da relao principal-agente pode

    tornar o governo menos accountable, criando incentivos para relaes privadas,

    clientelistas e rentistas.

    No h dvidas de queAccountability uma relao vertical principal-agente,

    onde seu desenho constitucional varia de acordo com o sistema adotado. Esse jogo

    hierrquico depender do regime adotado. No parlamentarismo h uma hierarquia

    oculta onde o Primeiro Ministro fiscalizado pelos Membros do Parlamento, que

    por sua vez so fiscalizados pelos partidos e estes, pelos eleitores. No executivo essa

    sistemtica no se reproduz por haver dois corpos eleitos diretamente pelo povo,

    sendo ambos agentes de um mesmo principal. Por no haver hierarquia, eles seequilibram atravs de transaes horizontais que dependero de outros mecanis-

    mos como bicameralismo, veto presidencial, reviso judicial e impeachment6.

    6nico caso em que o Poder Legislativo no Presidencialismo pode dispensar o Presidente

    da Repblica.

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    253INSTITUIES EACCOUNTABILITY NA TEORIA DEMOCRTICA CONTEMPORNEA Leon Victor de Queiroz

    Os sistemas majoritrios de governo favorecem a classificao das eleiescomo um sistema de controle, onde sendo um instrumento de accountability

    vertical, pode funcionar como um sistema de controle e quase influncia, pois o

    eleitor manifesta uma preferncia, influenciando o representante na conduo

    de suas polticas mas, no prendendo-o atravs do mandato. O sistema presiden-

    cialista tem uma vantagem em relao ao parlamentarista, pois maximiza ambas

    as representaes nacionais e locais. Formatos institucionais diferentes podem

    encorajar ou no a accounbatilityeleitoral.

    Os modelos de poderes fundidos (parlamentarismo) e no fundidos (presi-

    dencialismo) tero resultados diferenciados em relao accountability. O que

    se defende um sistema com menos veto playersonde haja menos impasse e que

    a autoridade legiferante no seja plena, fazendo-se o controle atravs da reviso

    judicial. Esse modelo de Ackerman se diferencia do de Arato, pois este defende

    um modelo ideal onde o Parlamento unicameral (em vez de onde-and-a-half-

    house solution) e critica o instituto da reeleio. Tambm sugere mudanas no

    modelo de alocao de cadeiras sugerindo uma regra majoritria que evitasse a

    maioria simples.

    Dependendo do modelo institucional, pode haver uma maior propenso para o

    desenvolvimento de relaes clientelistas e at mesmo corruptas. H clientelismo

    sem corrupo, mas esta encontrada em modelos institucionais que permitam

    relaes clientelistas.

    Embora o clientelismo seja defendido por Kitschelt como uma forma de ac-countability, essa prtica no deve ser desejvel, pois atinge a setores particulares

    e pequenos segmentos que no representam a vontade da coletividade.

    Como os eleitores no sabem como suas preferncias podero afetar os re-

    sultados do processo decisrio, a formao de partidos soluciona esse problema

    articulando um ranking de preferncias. Os representantes procuram cativar os

    eleitores atravs do carisma poltico, de relaes clientelistas ou de um contedo

    programtico. Este seria o desejvel, pois haveria uma maior identificao dos

    eleitores com a agremiao poltica, evitando relaes privatistas de clientelismo

    e corrupo (pork barrel erent-seeking). A conexo do eleitor com o contedo

    programtico de um partido fortalece as relaes principal-agente favorecendo a

    accountabilityeleitoral prospectiva e retrospectiva.

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    TEORIA SOCIEDADE n 16.1 janeiro-junho de 2008E254

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    255INSTITUIES EACCOUNTABILITY NA TEORIA DEMOCRTICA CONTEMPORNEA Leon Victor de Queiroz

    ABSTRACT

    In this work, I review the contemporary political

    theory in respect to institutional design and its

    impacts on accountability. Based on recent studies

    about democracy and political institutions, I ana-

    lyze the correlation between institutional design

    and the existence of corruption; the institutional

    consequences of the economic development; the

    impacts of the presidential and parliamentary

    systems on decisiveness and resolutiveness; and

    the determinants of the electoral and party sys-

    tems in relation to the electors control over their

    incumbents. I also discuss the proportional and

    majority systems and why the majority rule is

    desired, after all.

    KEY WORDS

    institutional design

    accountability

    electors control

    majority system

    RECEBIDO EM

    julho de 2008

    APROVADO EM

    novembro de 2008

    LEON VICTOR DE QUEIROZ

    Pesquisador do Ncleo de Opinio Pblica e Polticas Pblicas NePPu, da Universidade Federal de

    Pernambuco UFPE, instituio em que cursa seu Mestrado em Cincia Poltica.