INDICIAMENTO

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Lei 12.830/2013 – Comentários – Investigação Criminal pelo Delegado de Polícia RESUMO: Trata o presente artigo acerca de lei 12.830/2013, que disciplina a investigação criminal realizada pelo delegado de polícia. ABSTRACT: This article talks about 12.830/2013 law, which governs the criminal investigation conducted by the police chief or police commissioner. Palavras-chave: PEC – 37 – 12.830 – investigação – Delegado Key- words: PEC – 37 – 12.830… Artigos, Atualidades do Direito, Posts 3730 RESUMO: Trata o presente artigo acerca de lei 12.830/2013, que disciplina a investigação criminal realizada pelo delegado de polícia. ABSTRACT: This article talks about 12.830/2013 law, which governs the criminal investigation conducted by the police chief or police commissioner. Palavras-chave: PEC – 37 – 12.830 – investigação – Delegado Key-words: PEC – 37 – 12.830 – investigation – police commissioner SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. POLÍCIA INVESTIGATIVA x POLÍCIA JUDICIÁRIA ; 3. A NATUREZA JURÍDICA DAS ATIVIDADES DA POLÍCIA JUDICIÁRIA E DA APURAÇÃO DE INFRAÇÕES PENAIS EXERCIDAS POR DELEGADOS DE POLÍCIA; 4. O CARÁTER ESSENCIAL DADO À APURAÇÃO DE INFRAÇÕES PENAIS POR DELEGADOS DE POLÍCIA; 5. EXCLUSIVIDADE DE ESTADO DAS ATIVIDADES DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E POLÍCIA JUDICIÁRIA EXERCIDAS PELO DELEGADO DE POLÍCIA; 6. A PROBLEMÁTICA DO TERMO “CONDUÇÃO” PREVISTO NO § 1º DO ARTIGO 2º DA LEI 12.830/2013 – DUVIDOSA CONSTITUCIONALIDADE; 7. PREVISÃO DE

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Lei 12.830/2013 – Comentários – Investigação Criminal pelo Delegado de Polícia

RESUMO: Trata o presente artigo acerca de lei 12.830/2013, que disciplina a investigação criminal realizada pelo delegado de polícia. ABSTRACT: This article talks about 12.830/2013 law, which governs the criminal investigation conducted by the police chief or police commissioner. Palavras-chave: PEC – 37 – 12.830 – investigação – Delegado Key-words: PEC – 37 – 12.830…

Artigos, Atualidades do Direito, Posts 3730

RESUMO: Trata o presente artigo acerca de lei 12.830/2013, que disciplina a investigação criminal realizada pelo delegado de polícia.

ABSTRACT: This article talks about 12.830/2013 law, which governs the criminal investigation conducted by the police chief or police commissioner.

Palavras-chave: PEC – 37 – 12.830 – investigação – Delegado

Key-words: PEC – 37 – 12.830 – investigation – police commissioner

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. POLÍCIA INVESTIGATIVA x POLÍCIA JUDICIÁRIA ; 3. A NATUREZA JURÍDICA DAS ATIVIDADES DA POLÍCIA JUDICIÁRIA E DA APURAÇÃO DE INFRAÇÕES PENAIS EXERCIDAS POR DELEGADOS DE POLÍCIA; 4. O CARÁTER ESSENCIAL DADO À APURAÇÃO DE INFRAÇÕES PENAIS POR DELEGADOS DE POLÍCIA; 5. EXCLUSIVIDADE DE ESTADO DAS ATIVIDADES DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E POLÍCIA JUDICIÁRIA EXERCIDAS PELO DELEGADO DE POLÍCIA; 6. A PROBLEMÁTICA DO TERMO “CONDUÇÃO” PREVISTO NO § 1º DO ARTIGO 2º DA LEI 12.830/2013 – DUVIDOSA CONSTITUCIONALIDADE; 7. PREVISÃO DE O DELEGADO DE POLÍCIA PODER REQUISITAR DILIGÊNCIAS INVESTIGATIVAS – MERA REPETIÇÃO DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL OU TENTATIVA DE EVITAR A INTROMISSÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO?; 8. O VETADO § 3º DO ARTIGO 2º DA LEI 12.830/2013; 9. PREVISÃO DO INDICIAMENTO COMO ATO PRIVATIVO DO DELEGADO DE POLÍCIA; DA IMPOSSIBILIDADE DA REQUISIÇÃO DE INDICIAMENTO; E DA NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO NO INDICIAMENTO;10.  AVOCAÇÃO, REDISTRIBUIÇÃO E REMOÇÃO – NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO; 11. DA NÃO PREVISÃO DA GARANTIA DA INAMOVIBILIDADE; 12. DO TRATAMENTO PROTOCOLAR – DELEGADOS AGORA DEVEM SER TRATADOS POR “VOSSA EXCELÊNCIA”; BIBLIOGRAFIA.

 

1. INTRODUÇÃO

A lei 12.830/2013, conforme seu artigo 1º, dispõe sobre a investigação criminal “conduzida” pelo delegado de polícia.

 

2. POLÍCIA INVESTIGATIVA x POLÍCIA JUDICIÁRIA

O artigo 2º da referida lei traz que as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.

Por primeiro, verifica-se que o referido artigo (em seu início), seguindo a linha da Constituição Federal, trata, de maneira acertada, as funções de polícia judiciária e a atividade de apuração de infrações penais como sendo conceitos distintos.

Como bem aponta o ilustre professor Renato Brasileiro de Lima: “as funções de polícia investigativa devem ser compreendidas as atribuições ligadas à colheita de elementos informativos quanto à autoria e materialidade das infrações penais” (Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro: Editora Impetus. 2013. p. 75).

Já as funções de polícia judiciária “está relacionada às atribuições de auxiliar o Poder Judiciário, cumprindo ordens judiciárias relativas à execução de mandados de prisão, busca e apreensão, condução coercitiva de testemunhas etc” (Lima, Renato Brasileiro de. Idem. p. 75-76).

3. A NATUREZA JURÍDICA DAS ATIVIDADES DA POLÍCIA JUDICIÁRIA E DA APURAÇÃO DE INFRAÇÕES PENAIS EXERCIDAS POR DELEGADOS DE POLÍCIA

A segunda parte do artigo 2º aduz que as atividades de polícia judiciária e de apuração de infrações penais exercidas por delegados polícia são de natureza jurídica, vale dizer, necessitam de formação jurídica como requisito essencial para que alguém possa ingressar na carreira de delegado de polícia.

4. O CARÁTER ESSENCIAL DADO À APURAÇÃO DE INFRAÇÕES PENAIS POR DELEGADOS DE POLÍCIA

O texto do artigo 2º da lei, in fine, traz ainda que as atividades de polícia judiciária e apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são essenciais.

Tal qualificação dando essencialidade à investigação conduzida pelo delegado de polícia pode levar à interpretação de que o inquérito policial não seria mais mera peça informativa, mas sim peça imprescindível para a apuração de crimes e sua autoria.

Das justificativas da lei ainda enquanto projeto, faz-se importante citar o seguinte trecho:

 “Vale lembrar a importância do inquérito policial no mundo jurídico, como garantia do direito do cidadão, fato expresso na exposição de motivos do próprio Código de Processo Penal, onde se firma que o inquérito policial é “uma garantia contra apressados e errôneos

juízos, formados quando ainda persiste a trepidação moral causado pelo crime ou antes que seja possível uma visão de conjunto dos fatos, nas suas circunstâncias objetivas e subjetivas(…) mas o nosso sistema tradicional, como o inquérito preparatório, assegura

uma justiça menos aleatória, mais prudente e serena”.

Muito embora sejam pertinentes as justificativas para dar caráter de essencialidade ao inquérito, deve-se levar em conta, no caso concreto, o princípio da eficiência (que se tornou um direito em sede constitucional com a Emenda Constitucional nº 45/2004) e fazer interpretação sistemática da nova lei com o Código de Processo Penal (artigos 12; 27; 39, § 5º; 46, § 1º – hipóteses de dispensa do inquérito policial) e com o artigo 28 do Código de Processo Penal Militar (artigo 28 do CPPM: “o inquérito policial poderá ser dispensado, sem prejuízo de diligência requisitada pelo Ministério Público, quando o fato e sua autoria já estiverem esclarecidos por documentos ou outras provas materiais). Nesse caminho, há quem entenda (grande parte da doutrina) que não há motivos para se exigir a instauração de inquérito policial, qualificando-o como dispensável (ou seja: não essencial), se o titular da ação penal já possuir elementos de informação quanto à infração penal e sua autoria. A indispensabilidade do inquérito policial ocuparia indevidamente o aparato policial com questões já resolvidas, atrapalhando a polícia investigativa (ou judiciária – como alguns preferem) na apuração de crimes que precisam ser solucionados.

5. EXCLUSIVIDADE DE ESTADO DAS ATIVIDADES DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E POLÍCIA JUDICIÁRIA EXERCIDAS PELO DELEGADO DE POLÍCIA

 O artigo 2º, caput, in fine, da lei em comento, elege as atividades de investigação e polícia judiciária exercidas pelo delegado de polícia como exclusivas de Estado, ou seja, são serviços que só o Estado pode realizar.

O Plano Diretor de Reforma do Estado aprovado em novembro de 1995 criou terminologias para definir setores do Estado, que são 4 (quatro):

 a)    Núcleo Estratégico (onde se inserem Poderes Legislativo e Judiciário, ao Ministério Público e,no poder executivo, ao Presidente da República, aos ministros e aos seus

auxiliares e assessores diretos, responsáveis pelo planejamento e formulação das políticas públicas);

b)    Atividades exclusivas (setor em que são prestados serviços que só o Estado pode realizar – exemplos: a cobrança e fiscalização dos impostos, a polícia, a previdência social básica, o serviço de desemprego, a fiscalização do cumprimento de normas sanitárias, o

serviço de trânsito, a compra de serviços de saúde pelo Estado, o controle do meio ambiente, o subsídio à educação básica, o serviço de emissão de passaportes, etc);

c)    Serviços não exclusivos – Corresponde ao setor onde o Estado atua simultaneamente com outras organizações públicas não-estatais e privadas. As instituições desse setor não possuem o poder de Estado. São exemplos deste setor: as universidades, os hospitais, os

centros de pesquisa e os museus;

d)    Produção de bens e serviços para o mercado – Corresponde à área de atuação das empresas. É caracterizado pelas atividades econômicas voltadas para o lucro que ainda permanecem no aparelho do Estado como, por exemplo, as do setor de infra-estrutura. Estão no Estado seja porque faltou capital ao setor privado para realizar o investimento, seja porque são atividades naturalmente monopolistas, nas quais o controle via mercado não é possível, tornando-se necessário no caso de privatização, a regulamentação rígida.

Assim, o artigo em comento somente trouxe a previsão de que as atividades desempenhadas pelo delegado de polícia nele elencadas estão enquadradas no setor de atividade exclusiva de Estado, conforme Plano Diretor citado.

 

6. A PROBLEMÁTICA DO TERMO “CONDUÇÃO” PREVISTO NO § 1º DO ARTIGO 2º DA LEI 12.830/2013 – DUVIDOSA CONSTITUCIONALIDADE

Temos no § 1º do artigo 2º da lei 12.830/2013 a seguinte redação:  “Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais”.

A redação é aparentemente inofensiva aos interesses do Ministério Público (titular da ação penal pública). Contudo, em uma análise mais acurada constata-se que a redação retro é totalmente perniciosa aos interesses da instituição Ministerial.

Veja-se que os artigos 1º e 2º, § 1º da lei 12.830/2013 fazem questão de inserir respectivamente as palavras “conduzidas” e “condução”.

Repare que a própria Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 em seu artigo 144, § 1º, inciso I, assegurou a tarefa à autoridade policial de “apurar infrações penais” tão somente, e não a “condução” da investigação criminal.

Como bem apontou o digníssimo Deputado Luiz Albuquerque Couto em seu voto na Comissão de Constituição, de Justiça e de Cidadania, ainda quando a referida lei era um projeto (Projeto de lei nº 7.193/2010):

  “há que se fazer absoluta distinção entre os vocábulos ‘apurar’ e ‘conduzir’. Apurar significa examinar minuciosamente, averiguar. Com efeito, é indiscutível que a autoridade policial deve coletar todas as informações sobre o crime, bem como seu possível autor;

algo bem diverso é, porém, incumbi-lo da condução da investigação criminal”.

Mesmo que tal trocadilho possa parecer inofensivo e apropriado à atividade investigatória desempenhada pela autoridade policial, é cediço que a investigação criminal é atividade coordenada, conjunta entre o responsável pela coleta das informações relativas à autoria e materialidade do delito (delegado de polícia) e aquele a quem se incumbe a avaliação desse acervo, para o fim de propor a ação penal (a exemplo do Ministério Público).

 Aliás, a própria Constituição Federal escolheu não mencionar a expressão “conduzir” / “condução” em nenhum dos dispositivos que versam sobre a matéria, justamente por entender mais adequada a necessidade de cooperação e não de disputa entre as carreiras.

Todavia, não se pode aqui abstrair que o modelo constitucional estipulou que o Ministério Público não é mero destinatário das apurações, mas efetivo gestor das diligências, na medida em que, para formar sua convicção, tem ele a palavra final sobre a necessidade de execução daquelas, de medidas cautelares e até mesmo sobre a imprescindibilidade do relatório final concebido pelo delegado.

Neste diapasão, o próprio artigo 129, VIII, da Constituição Federal, determina que são funções institucionais do Ministério Público requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais. Veja-se também o artigo 13, inciso II, do Código de Processo Penal, que dispõe que incumbe à autoridade policial realizar diligências requisitadas pelo Ministério Público (vide também o artigo 26, inciso IV, da lei 8.625/93).

Afinal, acaso reputada inútil determinada diligência ou medida cautelar no entendimento do parquet, de nada vale sua execução; isto, aliás, apenas acarretaria o retardamento na apuração do crime.

Os artigos 1º e 2º-§1º da lei 12.830/2013 são de duvidosa constitucionalidade, tendo em vista os fundamentos ora elencados.

Pretendeu a referida lei, portanto, de maneira capciosa, impedir o Ministério Público de se imiscuir na condução do inquérito policial.

 

7. PREVISÃO DE O DELEGADO DE POLÍCIA PODER REQUISITAR DILIGÊNCIAS INVESTIGATIVAS – MERA REPETIÇÃO DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL OU TENTATIVA DE EVITAR A INTROMISSÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO?

A que tudo indica, a pretensão do § 2o do artigo 2º não foi só reforçar a possibilidade de o delegado de polícia, durante a investigação criminal, requisitar perícias, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos (tais requisições já possuem previsão no Código de Processo Penal afinal!), mas sim evitar intromissões por parte do Ministério Público. Contudo, embora pareça que o intuito deste parágrafo tenha sido o de permitir somente ao delegado de polícia fazer tais requisições, é certo que além de não ter feito qualquer vedação nesse sentido, a própria Constituição Federal (artigo 129, VIII) e o Código de Processo Penal (artigo 13, inciso II) permitem que o Ministério Público requisite diligências investigatórias à autoridade policial, sendo que incumbe à autoridade policial o dever de realizá-las.

 

8. O VETADO § 3º DO ARTIGO 2º DA LEI 12.830/2013

O § 3º do artigo 2º da lei dizia que “O delegado de polícia conduzirá a investigação criminal de acordo com seu livre convencimento técnico-jurídico, com isenção e imparcialidade” , mas foi corretamente vetado sob a motivação que “da forma como o dispositivo foi redigido, a referência ao convencimento técnico-jurídico poderia sugerir um conflito com as atribuições investigativas de outras instituições, previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Desta forma, é preciso buscar uma solução redacional que assegure as prerrogativas funcionais dos delegados de polícias e a convivência harmoniosa entre as instituições responsáveis pela persecução penal”.

O vetado §3º do arigo 2º permitiria que a autoridade policial pudesse conduzir a investigação criminal de acordo com o seu livre convencimento técnico-jurídico, ou seja, tornaria a requisição do Ministério Público um mero requerimento, sem força obrigatória, o

que contrariaria a própria Carta Magna., por isso, conforme razões do veto, faria com que surgisse um conflito de atribuições investigativas.

O Senador Pedro Taques (PDT-MT), por exemplo, manifestou preocupação quanto à possibilidade de os delegados se recusarem a praticar determinados atos, como aqueles requisitados pelo Ministério Público.

 

9. PREVISÃO DO INDICIAMENTO COMO ATO PRIVATIVO DO DELEGADO DE POLÍCIA; DA IMPOSSIBILIDADE DA REQUISIÇÃO DE INDICIAMENTO; E DA NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO NO INDICIAMENTO

O § 6º do artigo 2º da lei ora estudada diz que: “O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias”.

Na lições de Eugênio Pacelli: “indiciamento é ato de convencimento pessoal da autoridade investigante” acerca da autoria ou participação de algum delito (Curso de Processo Penal. 17ª ed. São Paulo: Editora Atlas. 2013. p. 63).

O legislador ao tratar o indiciamento como ato exclusivo do delegado de polícia exterminou por completo a possibilidade de ocorrer a denominada “requisição de indiciamento” (a doutrina praticamente unânime já caminhava contrariamente à referida requisição de indiciamento). Assim, resta reforçada a tese de que há impossibilidade de o promotor ou o juiz exigir, através de requisição, que alguém seja indiciado pela autoridade policial. Entendemos que o novo dispositivo não é violador de nenhuma norma constitucional ou infraconstitucional, coadunando-se com o posicionamento de Guilherme de Souza Nucci que diz que: “não cabe ao promotor ou ao juiz exigir, através de requisição, que alguém seja indiciado pela autoridade policial, porque seria o mesmo que demandar a força que o presidente do inquérito conclua ser aquele o autor do delito” (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 10ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2013. p. 170).

A solução dada pelo brilhante doutrinador Guilherme de Souza Nucci no caso de ocorrência de tal conflito quanto ao indiciamento do suspeito pelo delegado de polícia e Parquet é a seguinte: “Ora, querendo, pode o promotor denunciar qualquer suspeito envolvido na investigação criminal, cabendo-lhe, apenas, requisitar do delegado a ‘qualificação formal’, a identificação criminal e o relatório sobre sua vida pregressa” (idem. p. 170).  A mesma solução é adotada pelo professor Norberto Avena.

Outro ponto em questão diz respeito à determinação de motivação pela autoridade policial no ato do indiciamento. Como bem lecionou Nucci (antes da lei) não se exigia que a autoridade policial, providenciando o indiciamento do suspeito, esclarecesse , nos autos de inquérito, as razões que a levaram àquela eleição (idem. p. 170).

No Estado de São Paulo, a Portaria 18, de 25 de novembro de 1998, expedida pela Delegacia Geral de Polícia já estabelecia que o indiciamento devia ser precedido de despacho fundamentado da autoridade, indiciando, com base nos elementos probatórios reunidos na investigação, os motivos de sua convicção quanto à autoria delitiva e à classificação infracional atribuída ao fato (artigo 5º, parágrafo único).

A instrução Normativa nº 11, de 27/06/2011, da Polícia Federal, também impõe o dever de fundamentação do indiciamento à autoridade policial.

Entendemos pertinente a exigência de motivação da autoridade policial no ato do indiciamento, tendo em vista que tal ato é constrangedor, e pode gerar consequências sérias na vida do indiciado, a exemplo do que ocorre na lei de lavagem de capitais (recentemente modificada pela lei 12.683/2012), que prevê no seu novo artigo 17-D: “Em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno” (embora o novel dispositivo da lei de lavagem de capitais seja de duvidosa constitucionalidade, pois tal previsão violaria o princípio do contraditório, da ampla defesa e do estado de inocência – com entendimento semelhante: BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pirpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: aspectos penais e processuais penais – comentários à lei 9.613/1998, com as alterações da lei 12.683/2012. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 360).

O mesmo dispositivo informa que a fundamentação do indiciamento será feita por meio de análise técnico-jurídica do fato, indicando a autoria, materialidade e suas circunstâncias.

 

10.  AVOCAÇÃO, REDISTRIBUIÇÃO E REMOÇÃO – NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO

O § 4º  do artigo 2º da lei 12.830/2013 diz que: “O inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei em curso somente poderá ser avocado ou redistribuído por superior hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da investigação”.

E o § 5º do artigo 2º da lei 12.830/2013 acrescenta que: “A remoção do delegado de polícia dar-se-á somente por ato fundamentado”.

Os §§ 4º e 5º do artigo 2º impedem o afastamento do Delegado de uma investigação em particular, sem motivo justo ou legal, o que é uma prática nefasta que ocorre em muitas unidades policiais, prejudicando sobremaneira a eficiência da persecução criminal. Lamentavelmente, muitas das vezes, o delegado de polícia sofre indevida ingerência do Executivo, sendo afastado de determinada investigação, no intuito de atender interesses estranhos à Administração.

Com tais medidas, a investigação ganhará em agilidade, qualidade e imparcialidade, pois o Delegado de Polícia não sofrerá interferências escusas na condução do inquérito policial ou do termo circunstanciado.

Destaque-se que o estabelecimento das garantias em questão não gerará qualquer descontrole nas investigações, considerando que, a qualquer tempo, os autos do inquérito poderão – desde que justificadamente – ser avocados pelo dirigente do órgão do servidor e, além disso, sofrerão contínua fiscalização por parte do Ministério Público e do Poder Judiciário.

A avocação, prevista no § 4º do artigo 2º da lei em estudo, ocorre quando um superior hierárquico subtrai parte da competência atribuída originariamente ao seu subordinado.

A redistribuição ocorre quando há o remanejamento dos inquéritos para delegados de polícia com idêntica competência e mesma hierarquia.

Já a remoção ocorre quando há o deslocamento do delegado de polícia, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede. É certo que a fundamentação só será exigida neste caso se houver remoção de ofício (aquela feita de maneira compulsória). Nas hipóteses da remoção a pedido, a critério da administração; e a pedido, independentemente do interesse da administração inexigem fundamentação, pois há nesses casos vontade de deslocamento do delegado de polícia.

A avocação e a redistribuição dos inquéritos policiais só serão possíveis mediante despacho fundamentado do superior hierárquico indicando o motivo de interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da investigação.

 

11. DA NÃO PREVISÃO DA GARANTIA DA INAMOVIBILIDADE

Importante salientar que a lei não trouxe previsão da garantia da inamovibilidade do delegado de polícia, mas tão somente a não possibilidade de remoção da autoridade policial. Se houvesse a garantia da inamovibilidade só seria possível que o delegado fosse removido ou promovido por vontade (iniciativa) própria. Só há, contudo, previsão de remoção,sendo possível que a autoridade policial seja removida por ato fundamentado da autoridade hierarquicamente superior.

 

12. DO TRATAMENTO PROTOCOLAR – DELEGADOS AGORA DEVEM SER TRATADOS POR “VOSSA EXCELÊNCIA”

Dentre as conquistas materializadas na nova lei pelos Delegados de Polícia, temos no artigo 3º, in fine da lei 12.830/2013  o almejado direito ao tratamento protocolar comum ao das demais carreiras jurídicas, isto é, “Vossa Excelência, Excelentíssimo Senhor”, e suas variações, que ao longo dos anos, seja por falta de cortesia ou mesmo por preconceito ou discriminação, não era usado em correspondências oficiais a eles dirigidas , nem mesmo quando estes se tratavam dos Diretores da Polícia Civil.

Não se trata aqui de uma mera vaidade. Trata-se, sim, do reconhecimento legal a uma isonomia protocolar que foi discutida, aprovada e editada por ato do Poder Legislativo para, de uma vez por todas, constituir àqueles que detêm uma parcela significativa da autoridade estatal e que pelo teor e relevância de suas responsabilidades merecem distinção e respeito formal no exercício de suas funções, a outorga do mesmo status oficial dispensado, com semelhante mesma justiça, aos magistrados, procuradores, membros do Ministério Público, etc.

A lei em estudo entrou em vigor na data da sua publicação (conforme seu artigo 4º), ou seja: 20 de junho de 2013.

 

BIBLIOGRAFIA

 

BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pirpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: aspectos penais e processuais penais – comentários à lei 9.613/1998, com as alterações da lei 12.683/2012. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.

 

LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro: Editora Impetus. 2013.

 

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 10ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2013.

 

PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 17ª ed. São Paulo: Editora Atlas. 2013.

NOVA LEI CRIMINAL – LEI Nº 12.830, DE 20 DE JUNHO DE 2013

A primeira vista a referida lei parece apenas ter confirmado tudo aquilo que nos já sabíamos sobre a atuação do delegado de polícia, apenas com algumas modificações. No entanto, vale destacar por hora aquela que de longe é de fato a mais importante mudança que pode tanto por um fim como esquentar ainda mais a…

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A primeira vista a referida lei parece apenas ter confirmado tudo aquilo que nos já sabíamos sobre a atuação do delegado de polícia, apenas com algumas modificações.

No entanto, vale destacar por hora aquela que de longe é de fato a mais importante mudança que pode tanto por um fim como esquentar ainda mais a discussão sobre a possibilidade do delegado de policia aplicar o princípio da insignificância na fase inquisitorial.

O artigo 2º da referida lei disciplinou a matéria fazendo constar no seu § 6o:

§ 6o O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.

Em prima análise, deve-se dizer que a verificação da materialidade passa a ser um dever do delegado de policia e um direito daquele que estiver sendo investigado.

Ademais, o que se extrai de tal redação é que caso o delegado verifique haver ausência de tipicidade material envolvendo determinado delito, como por exemplo, um furto onde claramente se vislumbra a aplicação do princípio da insignificância, poderá desde logo fazer constar esse dado em seu relatório final, como justificativa para não se indiciar alguém por um fato materialmente atípico.

Entendia-se até a entrada da lei 12.830, que o papel do delegado, enquanto presidente do IP, era tão somente de verificar as questões formais de um delito. Ao que parece, com o advento da referida lei, o delegado deverá fazer uma análise completa da prática do crime, verificando em especial tanto a tipicidade formal como também a material.

Importante dizer que a referida lei cuidou apenas das funções do delegado, ainda que ele faça a análise dita, isso em anda prejudicará o trabalho do ministério público, que poderá, segundo suas convicções próprias, fazer aquilo que julgue melhor, podendo inclusive ir contra ao relatório do presidente do Inquérito.

Desta forma, devolvo uma pergunta que já fiz em outros momentos: pode o delegado de policia reconhecer o principio da insignificância e deixar de lavrar um flagrante????

Segue a lei na integra:

 

 Presidência da RepúblicaCasa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 12.830, DE 20 DE JUNHO DE 2013.

Mensagem de veto Dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o  Esta Lei dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia.

Art. 2o  As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.

§ 1o  Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.

 § 2o  Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos.

 § 3o  (VETADO).

 § 4o  O inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei em curso somente poderá ser avocado ou redistribuído por superior hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da investigação.

 § 5o  A remoção do delegado de polícia dar-se-á somente por ato fundamentado.

 § 6o  O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.

 Art. 3o  O cargo de delegado de polícia é privativo de bacharel em Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados.

 Art. 4o  Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

 Brasília, 20 de junho de 2013; 192o da Independência e 125o da República.

 DILMA ROUSSEFFJosé Eduardo CardozoMiriam BelchiorLuís Inácio Lucena Adams

Este texto não substitui o publicado no DOU de 21.6.2013

O cuidado com o indiciamento na lei que dispõe sobre a investigação criminal por delegados de polícia

Hoje foi publicada a Lei 12.830 que dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de

polícia.

Dentre outras questões, está a regular em seu artigo 2º, §6º, matéria de suma importância, até então

omissa no plano legal, qual seja, como deve a autoridade policial proceder em relação ao indiciamento

dos investigados.

Fê-lo nos seguintes termos: “o indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato

fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e

suas circunstâncias”.

Embora já vicejasse jurisprudência da Suprema Corte no sentido de que “o indiciamento de alguém, por

suposta prática delituosa, somente se justificará, se e quando houver indícios mínimos, que, apoiados em

base empírica idônea, possibilitem atribuir-se, ao mero suspeito, a autoria do fato criminoso” (Inq. 2.041-

MG, Min. Celso Mello), certo é que na prática, até mesmo por falta de amparo legal, os indiciamento se

davam sem qualquer justificativa por parte das autoridades policiais.

Se antes da Lei 12.830/13 era escusado realizar o ato de indiciamento divorciado de ato fundamentado, a

despeito da brilhante redação do artigo 5º, parágrafo único da Portaria DGP 18, de 25/11/1998(1), mas

que sempre foi sonelemente olvidado pelas autoridades policiais, fato é que agora a determinação legal

não deixa qualquer margem para se deixar de fundamentar o ato de indiciamento.

Bem pudera. Aliás, como adverte o eminente ministro Celso de Mello da Suprema Corte brasileira: “[...] o

indiciamento não pode, nem deve, constituir um ato de arbítrio do Estado, especialmente se se

considerarem as graves implicações morais e jurídicas que derivam da formal adoção, no âmbito da

investigação penal, dessa medida de Polícia Judiciária, qualquer que seja a condição social ou funcional

do suspeito” (Inq. 2.041-MG).

E, por isso mesmo, sustenta a prodigiosa doutrina de Sylvia Helena F. Steiner (“O Indiciamento em

Inquérito Policial como Ato de Constrangimento – Legal ou Ilegal”, “in” Revista Brasileira de Ciências

Criminais, vol. 24/305-308, 307): “(...) levando-se em conta que a Constituição Federal centra o rol de

direitos e garantias individuais no princípio da dignidade do ser humano, não temos dúvidas em apontar a

ilegalidade do ato de indiciamento antes da definição da materialidade delitiva e antes que suficientes os

indícios de autoria”.

Em tempos de afirmação do Estado Democrático de Direito, deve ser reverenciada a nova disciplina legal

que vem a suprir nebulosa lacuna da legislação penal brasileira.

Oxalá a lei seja respeitada e o “habeas corpus”, sem qualquer barateamento(2), possa servir de remédio

para combater sua violação.

(1)Artigo 5º - Logo que reúna, no curso das investigações, elementos suficientes acerca da autoria da

infração penal, a autoridade policial, procederá o formal indiciamento do suspeito, decidindo, outrossim,

em sendo o caso, pela realização da sua identificação pelo processo datiloscópico.

Parágrafo Único – O ato aludido neste artigo deverá ser precedido de despacho fundamentado, no qual a

autoridade policial pormenizará, com base nos elementos probatórios objetivos e subjetivos coligidos na

investigação, os motivos de sua convicção quanto a autoria delitiva e a classificação infracional atribuída

ao fato, bem assim, com relação à identificação referida, acerca da indispensabilidade da sua promoção,

com a demonstração de insuficiência de identificação civil, nos termos da Portaria DGP – 18, de 31.1.92.

(2)O Supremo Tribunal Federal, pela sua Primeira Turma, passou a adotar orientação no sentido de não

mais admitir habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Precedentes: HC 109.956/PR, Rel. Ministro

Marco Aurélio, DJe de 11.9.2012 e HC 104.045/RJ, Rel. Ministra Rosa Weber, DJe de 6.9.2012, dentre

outros. Este Superior Tribunal de Justiça, na esteira de tal entendimento, tem amoldado o cabimento do

remédio heróico, sem perder de vista, contudo, princípios constitucionais, sobretudo o do devido processo

legal e da ampla defesa. Nessa toada, tem-se analisado as questões suscitadas na exordial a fim de se

verificar a existência de constrangimento ilegal para, se for o caso, deferir-se a ordem de ofício. A

propósito: HC 221.200/DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, DJe de 19.9.2012. Configura constrangimento ilegal

o indiciamento formal da acusada após o rcebimento da denúncia. Habeas corpus não conhecido. Ordem

concedida de ofício para revogar a decisão que determinou o indiciamento formal da paciente, sem

prejuízo do prosseguimento da Ação Penal. (STJ, 5ª Turma, HC 167215/SP, rel. Min. Marilza Maynard,

DJe 13/03/2013)

PROCESSO PENAL A Lei nº 12.830, de 20 de junho de 2013 e a investigação criminal feita pela autoridade policial

24/06/2013 por Válter Kenj i I sh ida

Na quinta-feira passada foi sancionada pela Presidenta da República, a Lei nº 12.830 que trata da

investigação criminal presidida pela autoridade policial.

A matéria não foi tão assim inovadora, já que se não tratada na sua inteireza pelo Código de

Processo Penal, já era interpretada pela doutrina e pela jurisprudência. Talvez teria sido melhor

promover a alteração no próprio Código de Processo Penal face à similitude da matéria tratada e

até aproveitar para revogar expressamente o artigo 21 que trata da incomunicabilidade do

indiciado e que serve apenas para intermináveis discussões teóricas diante do texto constitucional.

Também preferiu o legislador a expressão leiga de “delegado de polícia”, ao invés do termo

doutrinário “autoridade policial”. Talvez seja uma tendência legislativa do legislador de caminhar

no sentido de eleger expressões mais acessíveis como ocorreu na Lei nº 11.343/2006 que utilizou a

expressão “drogas”, e não “substância entorpecente”.

O artigo 2º, caput, da referida Lei se refere à função da Polícia Judiciária, mencionando a sua

essencialidade e exclusividade por parte do Estado (e não de Estado). Essa essencialidade da Polícia

Judiciária já era explicitada pelo artigo 4º do CPP. Já a exclusividade estatal já era demonstrada

pelo princípio da oficialidade, atribuindo ao Estado o monopólio nas investigações criminais.

O parágrafo primeiro trata do próprio conceito de inquérito policial. Esse conceito já possuía

previsão legal no artigo 4º, caput, do CPP, tendo o inquérito como escopo a busca da materialidade

da infração penal e a autoria das infrações penais.

O parágrafo 2º da nova lei explicita as diligências cabíveis da autoridade policial, repetindo a regra

do artigo 6º do CPP, que por sinal, é mais minucioso.

O parágrafo 3º foi vetado e previa o seguinte texto: “O delegado de polícia conduzirá a investigação

criminal de acordo com seu livre convencimento técnico-jurídico, com isenção e imparcialidade.”

As razões de sua Excelência promover o veto foram as seguintes: ““Da forma como o dispositivo foi

redigido, a referência ao convencimento técnico-jurídico poderia sugerir um conflito com as

atribuições investigativas de outras instituições, previstas na Constituição Federal e no Código de

Processo Penal. Desta forma, é preciso buscar uma solução redacional que assegure as

prerrogativas funcionais dos delegados de polícias e a convivência harmoniosa entre as instituições

responsáveis pela persecução penal” Não entendemos dessa forma. O referido parágrafo 3º

apenas explicita princípios de condução da autoridade policial. Mas o veto pode ser visto com bons

olhos com a menção à atribuição investigativa de outras instituições. Às vésperas de uma possível

votação da PEC 37, o fundamento acima utilizado deixa claro que outras instituições, incluindo o

Ministério Público, podem e devem investigar, com fundamento no próprio texto constitucional.

O parágrafo 4º da referida lei trata da chamada “avocação” do inquérito policial. A

investigação do crime por outra autoridade policial, como o caso de investigação de crime de

competência estadual pela Polícia Federal é possível e não foi vedada pela lei. Todavia, a alteração

a posteriore, conhecida como avocação só será admitida se ocorrer por decisão fundamentada do

Superior Hierárquico por dois motivos: (1) Interesse público. Signfica que deve haver deslocamento

do inquérito policial para outra autoridade em razão do interesse da coletividade. Ex: caso de

grande repercussão que exija maiores recursos de uma Delegacia. (2) inobservância de

procedimentos previstos em regulamento. Nesse caso, a autoridade policial desrespeita regra

procedimentais e a alteração possui um caráter sancionatório. Existem duas formas de alteração da

atribuição: (a) Avocação: ordem de remessa do inquérito para o superior hierárquico imediato, que

passará a conduzir as investigações. Ex: o delega seccional avoca o inquérito do delegado titular de

determinada delegacia de polícia.(b)Redistribuição. Nessa hipótese, autoridade policial do mesmo

nível hierárquico passa a comandar as investigações. Trata-se aqui de uma alteração saudável pois

evita arbitrariedades na alteração de atribuição de investigações. Tal parágrafo pode servir até

fundamento de impetração de mandado de segurança e de habeas corpus de averiguados ou

indiciados que se julguem prejudicados com essa alteração.

O parágrafo 5º trata da necessidade de fundamentação do ato de remoção. Infelizmente não

tendo a inamovibilidade que possuem os magistrados e membros do Ministério Público, os

delegados de polícia ficam passíveis de alteração, muitas vezes para outros lugares longes do seu

domicílio. Nesse caso, a decisão deverá ser fundamentada, isto é, deverá explicitar os motivos de

interesse público que levaram o Superior Hierárquico a decidir pela remoção. Deve haver até

publicidade dessa remoção, devendo ser encaminhado ao Diário Oficial.

O parágrafo 6º trata de importante assunto no âmbito do inquérito policial: o indiciamento

decidido pela autoridade policial. Talvez pela humilhação ou vexame que tal ato imprima ao

averiguado, a matéria foi sempre debatida, inclusive em sede de habeas corpus. A Lei menciona

que o ato de indiciamento é privativo do delegado de polícia e deverá ser fundamentado. A análise

exigida é a técnico-jurídico do fato. Assim, deve adotar a autoridade policial um raciocínio

silogístico fundamentado para o indiciamento. O indiciamento, sem desejar ser redundante, é

aquele originário da existência dos indícios. No caso de prova direta, a matéria não causa tanta

polêmica. Mas é na prova indireta que há necessidade de um maior cuidado. O mestre Nicola

Framarino Dei Malatesta (A lógica das provas em matéria criminal, p. 1086) ensina que “indício é

aquele argumento probatório indireto que deduz o desconhecido do conhecido por meio da

relação de causalidade”. E arremeta o mestre com a utilização do raciocínio silogístico: “Sua forma

lógica, dissemos, é o raciocínio. Reuni todos os indícios possíveis, fazei sua análise lógica e vos

encontrareis sempre diante de uma premissa maior, que tem por conteúdo um juízo específico, de

causalidade; a uma premissa menor, que afirma a existência de um sujeito particular, contido o

sujeito específico da maior e de uma conclusão, que atribui ao sujeito particular em questão o

predicado atribuído na premissa maior ao sujeito específico.” Ressalte-se que este nexo, esta

vinculação devem ser feitos com elementos coerentes, razoáveis e não podem ser originários de

um ato arbitrário.

Fecha a lei com o artigo 3º exigindo para o delegado de polícia, o mesmo tratamento protocolar

dado aos magistrados, membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e aos advogados,

devendo-os ser denominado de “doutor”. Outrossim, referido dispositivo também exige o curso

superior de Direito, excluindo antigo prática de se nomear pessoas sem essa titulação.

Modelo de despacho de indiciamento em crimes de violência doméstica, conforme a Lei 12.830

Data de publicação Sexta, 19 Julho 2013 00:41

 

 

 

“A lei 12.380/2013, em seu artigo 2º, parágrafo 6º determina que o formal indiciamento de alguém, por meio de ato fundamentado, é privativo do Delegado de Polícia. O indiciamento “é a imputação, a alguém, no inquérito policial, da prática da infração.”

 

Com esses predicados, o delegado Tristão Carvalho, do Paraná, inicia seu valoroso despacho de indiciamento em um caso de violência doméstica. Importante material a ser usado como ferramenta essencial pelo delegado para caracterizar a nova forma legal de indiciamento no inquérito

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DESPACHO DE INDICIAMENTO

A lei 12.380/2013, em seu artigo 2º, parágrafo 6º determina que o formal indiciamento de alguém, por meio de ato fundamentado, é privativo do Delegado de Polícia. O indiciamento “é a imputação, a alguém, no inquérito policial, da prática da infração Penal que está sendo apurada”(MIRABETE, Júlio Fabbrini, Código de Processo Penal Interpretado, 8ª ed. São Paulo, Atlas, 2001, p. 100). São consequências do indiciamento: interrogatório, qualificação, pesquisas da vida pregressa, comunicação do indiciamento ao Instituto de Identificação, juntada de folhas de antecedentes e realização de identificação criminal e fotográfica. Segundo a jurisprudência, o simples indiciamento em inquérito policial não importa constrangimento ilegal reparável por habeas corpus, mormente quando a fumaça do bom direito ampara a investigação criminal” (RT 562/331). Para o indiciamento, basta existência de prova semiplena, de menor poder persuasivo,”só cabe falar em indiciamento , se houver um lastro mínimo de prova vinculada à prática delitiva” (TÁVORA, Nestor e ALENCAR, Rosmar Rodrigues, Curso de Direito Processual Penal, 6ª ed. Salvador, Juspodivm, 2011, p. 118). Vicente Greco leciona que “o Código de Processo Penal, às vezes, utiliza o termo 'indícios' como sinônimo de elemento de prova, direta ou indireta e lhe dá um qualificativo, para significar maior ou menor grau de convicção. Assim, o Código para determinados efeitos processuais, exige ora indícios, ora indícios suficientes, ora indícios veementes, ora prova, com isso querendo dizer que no primeiro caso, bastam alguns elementos de prova. No segundo são exigidos elementos razoáveis para aquele estágio processual, no terceiro deve existir convicção consistente e, no último, haver certeza sobre determinado fato” (Manual de Processo Penal, 6ª ed. São Paulo, Saraiva, 1999, p. 209). Considerando que nesta fase inquisitorial, contenta-se com indícios para a formalização do indiciamento, porque passa do juízo de possibilidade para o juízo de probabilidade, porquanto nesta fase, vigora o brocardo “in dubio pro societate”. No vertente caso, estão presentes os requisitos esculpidos nos artigos 5º e 7º da lei 11340/2006. Ou seja, ficou patenteado emprego de violência, contra mulher, em situação doméstica/familiar/íntima de afeto. Há motivação de gênero. Formam-se os três requisitos de aplicação da LEI MARIA DA PENHA: (i) Violência física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral, dentre outras, praticada contra a mulher (A lei Maria da

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Penha é um exemplo de implementação pra a tutela do gênero feminino, devendo ser aplicada aos casos em que se encontram as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar STJ, cc 90767/MG, Rel. Min. Jane Silva, Des. Convocada, Terceira Seção, p – DJ 19.12.08); (ii) baseada no gênero (representa uma relação de poder de dominação do homem e de submissão da mulher, demonstrando que os papéis opostos às mulheres e aos homens, consolidados ao longo da história e reforçados no patriarcado e sua ideologia, induzem relações violentas entre os sexos. Segundo a doutrinadora Alice Bianchini na Obra Lei Maria da Penha, Saraiva, 2013, coleções saberes monográficos, página 38, toda a violência de gênero é violência contra a mulher, mas nem toda a violência contra a mulher é de gênero, pois somente será se baseada na determinação sociais dos papéis feminino e masculino, com pesos e importâncias diferenciadas em que o masculino é supervalorizados. Assim, se a mulher é baleada pelo companheiro porque iria delatá-lo para a polícia não aplica da Lei Maria da Penha pois não há

questão de gênero (iii) praticada no âmbito doméstico, familiar ou relação íntima de afeto (a agressão do namorado contra a namorada, ainda que tenha cessado o relacionamento, mas que ocorra em decorrência deste, caracteriza violência doméstica RT 882/558). O sujeito ativo pode ser homem ou mulher (STJ – HC 175816, Rel Min. Hamilton Carvalhido, Dje 13.8.10, também no mesmo sentido TJRJ – 8ª C. CC 2009.055.00401, Rel. Gilmar Augusuto Teixeira, j. 30.09.2009). A ação penal sobre lesões corporais no âmbito doméstico e familiar (pode haver aplicação da lei ainda que não morem juntos STJ, Resp 1.239.850-DF, Re. Min Laurita Vaz, Quinta Turma, l. 16.2.2012) é pública incondicionada, mas nos demais casos em que o CP determina, como ameaça, a ação penal é pública condicionada à representação. “A materialidade do delito de lesões corporais está provada através de ficha clínica de atendimento ambulatorial. Em se tratando de crime praticado no âmbito doméstico, como na espécie, a Lei Maria da Penha – Lei 11.340/2006 – em seu artigo 12§3º, admite como meios de prova da materialidade os laudos ou prontuários médicos por hospitais e postos de saúdo. Outrossim, o próprio artigo 158 do CPP mitiga a exigência de exame de corpo de delito, ao autorizar que ele seja procedido de forma indireta. Veredicto condenatório mantido (TJRS, Ap 70040550006, j. 20.10.2011, rel. Francesco Conti). “Se as provas dos autos são seguras a confirmar a ocorrência de lesão corporal cometida contra a mulher e também a ameaça, o decreto condenatório deve ser

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mantido. Para caracterização do crime de lesões corporais o laudo de exame de corpo de delito pode ser também evidenciada por outros elementos probantes idôneos, quais seja, relatórios médicos e, os depoimentos das vítimas e testemunhas” (TJDF, Ap 20091210018714, j. 03.12.2011, rel. João Timóteo de Oliveira).TJSP: “Para a perfeição do flagrante, não se impõe a concomitante mostra pericial da infração. Aliás, seria inviável efetivar-se o exame em apreço no mesmo momento. Basta, pois, a presença de fundada suspeitas do crime para que a metida seja autorizada por lei” (RT 383/173). Em casos de violência doméstica, em que ocorre na clandestinidade, a palavra da vítima, quando coesa e harmônica assume especial relevo probatório, conforme a jurisprudência: “ ausente qualquer motivação injusta para acusar, entre a versão da vítima e negativa do acusado, prevalece o relato das vítimas (TJMG, APCrim 1.0479.06.121463-7, j. 05.06.2007, rel. Antônio Carlos Cruvinel, publicada em 06.07.2007 e TJRS, ApCrim 71001343433, j. 13/8/2007, rel. Angela Maria Silveira, DJ 16/8/2007),. Por conta disso, DETERMINO A FORMALIZAÇÃO DO INDICIAMENTO DO AUTOR.

Comentários à Lei 12.830/2013, que dispõe sobre a investigação

criminal conduzida por Delegado de Polícia.

Márcio André Lopes Cavalcante

Juiz Federal Substituto (TRF da 1ª Região).

Foi Defensor Público, Promotor de Justiça e Procurador do Estado.

Foi recentemente publicada a Lei n.° 12.830, de 20 de junho de 2013, que

dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia

Vamos conhecer um pouco mais sobre esta importante inovação legislativa.

Considerando que o assunto é extremamente polêmico, ressalto, desde já, que

a presente exposição tem fins meramente didáticos, sem o objetivo deliberado

de encampar ou criticar qualquer das diversas posições institucionais

existentes.

Contexto em que foi editada a Lei

A investigação criminal tem sido um tema bastante discutido, atualmente, por

conta da tramitação da PEC 37, no Congresso Nacional. Esta proposta de

emenda constitucional acrescenta o § 10 ao art. 144 da CF/88, prevendo que a

apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo

incumbem privativamente às Polícias Federal e Civil.

Há um acalorado debate envolvendo, de um lado, os Delegados de Polícia e, de

outro, os membros do Ministério Público, conforme vocês já devem ter

acompanhado pela imprensa ou nas redes sociais.

No contexto desta discussão, foi aprovada a Lei n.° 12.830/2013, que não retira

a possibilidade de investigação de crimes por parte do Ministério Público (até

porque se o fizesse, por meio de lei, seria inconstitucional), mas tinha como

objetivo firmar a tese de que a decisão final das diligências a serem realizadas

no inquérito policial seria do Delegado de Polícia.

Objetivos da Lei n.° 12.830/2013

Examinando o texto da Lei, parece-me que as entidades de classe dos

Delegados de Polícia (que lutaram pelo projeto) tinham dois objetivos principais

com a sua aprovação:

1) Obter o reconhecimento de que as funções exercidas pelo Delegado de

Polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado, devendo,

portanto, a classe ser equiparada, para todos os efeitos, com as demais

carreiras de Estado (Magistratura, Ministério Público, Defensoria Pública etc.).

2) Fazer constar, no texto legal, a tese institucional de muitos membros da

classe de que a decisão final sobre a realização ou não das diligências no

inquérito policial pertence ao Delegado de Polícia.

Conforme será demonstrado à frente, o primeiro objetivo foi conseguido.

Quanto ao segundo, no entanto, não se obteve êxito, considerando que o

dispositivo que poderia sinalizar no sentido desta conclusão foi vetado pela

Presidente da República.

Vejamos cada um dos artigos da nova Lei:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo

delegado de polícia.

Segundo o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência, a

investigação de crimes não é uma atividade exclusiva das Polícias Civil e

Federal.

A investigação criminal pode ser realizada por meio de outros órgãos, como por

exemplo: Comissões Parlamentares de Inquérito, Conselho de Controle de

Atividades Financeiras (COAF), Banco Central, Conselho Administrativo de

Defesa Econômica (CADE), IBAMA, Ministério Público.

A investigação criminal promovida pela Polícia é feita por meio do inquérito

policial (ou TCO), que tramita sob a presidência do Delegado de Polícia.

Vale ressaltar, para que não fique nenhuma dúvida, que o art. 1º não está

afirmando que a investigação criminal somente pode ser realizada pelo

Delegado de Polícia. De forma alguma. O que diz este artigo é que a presente

Lei regula a investigação feita pelo Delegado (inquérito policial ou TCO).

Art. 2º As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações

penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica,

essenciais e exclusivas de Estado.

Natureza jurídica

Consiste em uma importante conquista para a classe de Delegados de Polícia.

Havia alguns entendimentos no sentido de que as funções desempenhadas pelo

Delegado não poderiam ser classificadas como jurídicas, considerando que

seriam atividades materiais de segurança pública, conforme previsão do art.

144 da CF/88.

Tratava-se, contudo, de conclusão muito estreita, tendo em vista que o cargo

de Delegado de Polícia é privativo de bacharel em Direito e muitas das funções

por ele desempenhadas são atividades de aplicação concreta das normas

jurídicas aos fatos apresentados, como é o caso do indiciamento, da

representação por medidas cautelares e da elaboração do relatório.

Essenciais e exclusivas

A atividade policial é essencial em um Estado de Direito, sendo também

exclusiva do Poder Público, considerando que, mesmo em sistemas liberais com

modelos de Estado mínimo, não se chegou ao ponto de conceber a

possibilidade de transferência das funções policiais para a iniciativa privada.

O art. 2º da Lei veda a investigação de crimes por parte de particulares, como

no caso da “investigação criminal defensiva”?

Não. Quando o art. 2º utiliza a palavra “exclusivas”, ele não está afirmando que

a apuração de infrações penais, por qualquer meio, é uma atribuição apenas do

Estado. O que se preconiza é que a função de apuração de infrações penais

exercida por meio do aparato estatal e conduzida por Delegado de Polícia não

pode ser transferida à iniciativa privada. Em suma, veda-se a “terceirização” ou

“privatização” da atividade investigativa estatal.

Não se pode concluir, ao extremo, que somente o Poder Público possa apurar

crimes. A imprensa, os órgãos sindicais, a OAB, as organizações não

governamentais e até mesmo a defesa do investigado também podem

investigar infrações penais. Qualquer pessoa (física ou jurídica) pode investigar

delitos, até mesmo porque a segurança pública é “responsabilidade de todos”

(art. 144, caput, da CF/88).

Obviamente que a investigação realizada por particulares não goza dos

atributos inerentes aos atos estatais, como a imperatividade, nem da mesma

força probante, devendo ser analisada com extremo critério, não sendo

suficiente, por si só, para a edição de um decreto condenatório (art. 155 do

CPP). Contudo, isso não permite concluir que tais elementos colhidos em uma

investigação particular sejam ilícitos ou ilegítimos, salvo se violarem a lei ou a

Constituição.

Registre-se que o projeto do novo Código de Processo Penal (Projeto de Lei n.°

156/2009) prevê, expressamente, o instituto da “investigação criminal

defensiva” que, mesmo sem estar ainda regulamentado, é plenamente possível

pelas razões acima expostas, bem como por ser um corolário da garantia

constitucional da ampla defesa.

Qual é a abrangência da expressão “polícia judiciária”?

As Polícias Civil e Federal exercem duas funções principais:

a) Investigar infrações penais, coletando provas sobre autoria e materialidade;

b) Auxiliar o Poder Judiciário, cumprindo ordens judiciais, como o mandado de

prisão, a busca e apreensão, a condução coercitiva, entre outros.

Para uma primeira corrente da doutrina, a expressão “polícia judiciária”

abrange as Polícias Civil e Federal no exercício da investigação de infrações

penais ou no auxílio do Poder Judiciário. Em suma, polícia judiciária é a Polícia

Civil ou Polícia Federal desempenhando quaisquer de suas atribuições.

Esta posição está baseada na interpretação do art. 4º, caput, do CPP, que não

faz distinção ao utilizar o termo:

Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território

de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações

penais e da sua autoria.

Para uma segunda corrente, a Polícia Civil e a Polícia Federal podem ser “polícia

judiciária” ou “polícia investigativa”, a depender da função que estejam

exercendo. Assim, a expressão “polícia judiciária” não abrange todas as

atribuições da Polícia, mas apenas parte delas. É preciso, portanto, diferenciar:

“polícia judiciária” é a Polícia Civil ou Polícia Federal quando estiver praticando

atos no auxílio do Poder Judiciário. Por outro lado, quando a Polícia atuar na

investigação e coleta de provas sobre a autoria e materialidade de infrações

penais, ela é “polícia investigativa” (e não “polícia judiciária”).

Esta posição encontra fundamento no art. 144, § 1º, I, da CF/88, que, diferencia

a função de “polícia judiciária” da atribuição da Polícia de apurar infrações

penais. Veja:

Art. 144 (...)

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e

mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:

I - apurar infrações penais (...)

IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

A primeira posição é majoritária na doutrina e na jurisprudência (vide, por

exemplo, a redação da Súmula Vinculante n.° 14-STF). No entanto, percebe-se,

claramente, que o art. 2º da Lei n.° 12.830/2013 adotou a segunda corrente,

que representa o entendimento prevalente entre os Delegados de Polícia.

§ 1º Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a

condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou

outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração

das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.

O Código de Processo Penal e a legislação processual extravagante utilizam, em

várias oportunidades, a expressão “autoridade policial”. Vale ressaltar que até

mesmo a CF/88 emprega esta terminologia em uma oportunidade (art. 136, §

3º, I).

Quem é considerado “autoridade policial”?

Existem duas correntes sobre o assunto:

1ª) Para uma primeira posição, autoridade policial é o Delegado de Polícia (Civil

ou Federal) e, no caso de investigações militares, o Oficial militar responsável

pelo inquérito.

2ª) Em um segundo entendimento, autoridade policial não seria

necessariamente o Delegado de Polícia, mas sim o agente público estatal

designado para exercer as funções de autoridade policial, podendo ser um

policial civil ou militar, por exemplo. É a tese defendida por alguns para que os

policiais militares possam lavrar termo circunstanciado de ocorrência no caso

de infrações de menor potencial ofensivo (art. 69 da Lei n.° 9.099/95).

Feita a ressalva quanto à existência desta discussão, deve-se deixar claro que a

posição amplamente majoritária é no sentido de que a autoridade policial é,

realmente, apenas o Delegado de Polícia, sendo importante que assim o seja,

pois as atividades por ele desempenhadas exigem conhecimentos jurídicos e

responsabilidade proporcional a este cargo.

A previsão deste § 1º reforça os argumentos da 1ª corrente acima exposta,

tendo em vista que o termo circunstanciado de ocorrência é um procedimento

previsto em lei que tem como objetivo apurar uma infração penal.

Este § 1º proíbe que sejam realizadas investigações criminais por outros

órgãos?

Não. Deve-se esclarecer que este § 1º não veda que investigações criminais

sejam conduzidas por outros órgãos. Isso porque este dispositivo deverá ser

interpretado sistematicamente com o art. 4º, caput e parágrafo único, do CPP,

que continuam em vigor.

Assim, a correta exegese do § 1º é a de que o Delegado de Polícia é a

autoridade policial, de forma que, no inquérito policial e nos demais

procedimentos de investigação realizados pela polícia, é ele o responsável pela

condução.

Em suma, a Lei confirma aquilo que a doutrina já ensinava: é possível a

investigação realizada por meio de outros órgãos, no entanto, a presidência do

inquérito policial (ou de outros procedimentos investigatórios da polícia) é

incumbência do Delegado de Polícia.

O fato do Delegado de Polícia possuir a prerrogativa da condução do inquérito

policial significa dizer que ele pode se negar a cumprir as diligências

requisitadas pelo Ministério Público?

Não. O inquérito policial possui como característica o fato de ser um

procedimento discricionário, ou seja, o Delegado de Polícia tem liberdade de

atuação para definir qual é a melhor estratégia para a apuração do delito.

Justamente por conta disso, a legislação previu que a autoridade policial pode

indeferir diligências requeridas pelo indiciado ou pela vítima (art. 14 do CPP).

Este indeferimento, por óbvio, está sujeito ao controle jurisdicional, podendo ser

revisto caso irrazoável. Isso porque discricionariedade não se confunde com

arbitrariedade.

A discricionariedade do IP, no entanto, é mitigada em se tratando de

requisições formuladas pelo Ministério Público. Considerando que o Parquet é o

titular da ação penal e que uma das finalidades do IP é coletar elementos

informativos para a formação do convencimento (opinio delicti) do membro do

MP, nada mais lógico que este tenha a prerrogativa de requisitar (com força de

obrigatoriedade) a realização de diligências que, para ele, irão ser de

fundamental importância na construção do seu convencimento.

Além de lógico e coerente com o sistema, a prerrogativa de requisição de

diligências pelo Ministério Público é prevista expressamente no CPP e na própria

CF/88:

Código de Processo Penal

Art. 13. Incumbirá ainda à autoridade policial:

II - realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público;

Constituição Federal

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial,

indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

Vale ressalvar, no entanto, que, se a requisição do membro do Ministério

Público for manifestamente ilegal, a autoridade policial não é obrigada a

atendê-la, devendo, de forma motivada, recusar o cumprimento.

§ 2º Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de polícia a

requisição de perícia, informações, documentos e dados que

interessem à apuração dos fatos.

Para que o Delegado de Polícia possa realizar a atividade investigatória é

indispensável que detenha meios de coleta das provas. O CPP traz, em seus

arts. 6º e 7º, um rol de diligências investigatórias que podem ser determinadas

pela autoridade policial (Delegado de Polícia).

Como o CPP é antigo e foi idealizado tendo como alvo crimes violentos,

patrimoniais e sexuais, o elenco dos arts. 6º e 7º encontra-se há muito tempo

desatualizado, especialmente diante das novas formas de criminalidade (crimes

de escritório, cibernéticos etc.). Justamente por isso, a doutrina e a

jurisprudência afirmam, de forma uníssona, que as diligências ali previstas são

exemplificativas.

Na verdade, sempre se defendeu que o Delegado pode, diretamente, requisitar

quaisquer provas necessárias à investigação, ressalvadas aquelas diligências

cuja CF/88 exige autorização judicial (cláusula de reserva de jurisdição), tais

como interceptação telefônica, quebra de sigilo bancário e fiscal, busca

apreensão etc.

Desse modo, o dispositivo apenas reforça o entendimento da doutrina e da

jurisprudência, não consistindo propriamente uma inovação no mundo jurídico.

Este § 2º proíbe que o Ministério Público requisite, ao Delegado de Polícia,

diligências investigatórias?

Não. Os arts. 13 e 16 do CPP continuam em vigor e não foram afetados por este

§ 2º. Como já exposto acima, a prerrogativa do Ministério Público de requisitar

diligências investigatórias encontra fundamento constitucional (art. 129, VIII),

de sorte que não poderia ser abolida por lei infraconstitucional.

§ 3º O delegado de polícia conduzirá a investigação criminal de acordo

com seu livre convencimento técnico-jurídico, com isenção e

imparcialidade. (PARÁGRAFO VETADO)

O § 3º do art. 2º foi vetado pela Presidente da República.

A chefe do Poder Executivo apresentou as seguintes razões para o veto:

“Da forma como o dispositivo foi redigido, a referência ao convencimento

técnico-jurídico poderia sugerir um conflito com as atribuições investigativas de

outras instituições, previstas na Constituição Federal e no Código de Processo

Penal. Desta forma, é preciso buscar uma solução redacional que assegure as

prerrogativas funcionais dos delegados de polícias e a convivência harmoniosa

entre as instituições responsáveis pela persecução penal.”

O dispositivo vetado era o que mais gerava polêmica no projeto e o que recebia

as maiores críticas por parte dos membros do Ministério Público que, por meio

de suas associações, trabalharam pela sua rejeição.

Na prática forense, observa-se, com alguma frequência, a divergência de

opiniões entre o Delegado que preside o inquérito policial e o Promotor de

Justiça/Procurador da República que atua no caso sobre a pertinência ou não de

determinadas diligências.

O Delegado de Polícia conclui o inquérito, faz o relatório e envia para

apreciação do Ministério Público. Este, nos termos do art. 16 do CPP, entende

que é necessária a realização de novas diligências e faz a requisição nesse

sentido. Sucede que, em algumas oportunidades, o Delegado reputa que tais

diligências são dispensáveis, inócuas ou mesmo inadequadas, recusando-se a

cumprir a requisição e devolvendo o IP. O Ministério Público, como regra, não

concorda com este juízo de valor feito pela autoridade policial e insiste nas

diligências, surgindo, assim, um incômodo e improdutivo impasse.

Como já explicado linhas atrás, para a maioria da doutrina e da jurisprudência,

não há discricionariedade do Delegado de Polícia na condução do IP no que

tange às requisições formuladas pelo Ministério Público. Assim, para a posição

majoritária, a autoridade policial não pode se recusar a cumprir a requisição

ministerial de novas diligências, salvo em caso de flagrante ilegalidade.

O § 3º do art. 2º do projeto aprovado tinha como objetivo mudar este

entendimento majoritário, fazendo com que constasse, de forma expressa em

lei, que a condução da investigação criminal seria feita pelo Delegado de Polícia

conforme o seu livre convencimento técnico-jurídico. Em outras palavras, o

objetivo era fazer com que a decisão final sobre a realização ou não das

diligências investigatórias no inquérito policial ficasse a cargo do Delegado de

Polícia.

O outro propósito deste § 3º era o de reafirmar a tese expressa na PEC 37, qual

seja, o de que a investigação criminal é atribuição da Polícia, sob a condução do

Delegado.

O veto presidencial pode ser feito por duas razões:

•        Quando a norma aprovada contraria o interesse público (veto político);

•        Quando a norma aprovado é inconstitucional (veto jurídico).

No caso concreto, a Presidente vetou o § 3º alegando “contrariedade ao

interesse público” (veto político). Apesar disso, penso que, mesmo se tivesse

sido sancionado, este § 3º somente poderia ser considerado válido se não

provocasse mitigação do poder de requisição do Ministério Público. Em outras

palavras, se o veto for derrubado, este § 3º deverá ser interpretado conforme a

Constituição (art. 129, VIII), no sentido de que o Delegado de Polícia conduzirá a

investigação criminal de acordo com seu livre convencimento técnico-jurídico,

não podendo, contudo, negar cumprimento às requisições do Ministério Público,

considerando que estas possuem previsão em norma constitucional de eficácia

plena, que não pode ser restringida por lei.

Vejam agora que interessante: mesmo o dispositivo tendo sido vetado, o

Delegado de Polícia continua conduzindo a investigação criminal policial

(inquérito policial e termo circunstanciado) de acordo com seu livre

convencimento técnico-jurídico, com isenção e imparcialidade. Isso porque,

como já afirmado, o livre convencimento técnico-jurídico do Delegado decorre

da característica do IP de ser discricionário. Esta discricionariedade, contudo,

não é absoluta, conforme também explicado, não podendo a autoridade policial

recusar cumprimento às diligências requisitadas pelo Ministério Público. A

isenção e imparcialidade, por seu turno, são consequências dos princípios da

impessoalidade e moralidade, insculpidos no art. 37, caput, da CF/88.

Atenção, contudo, no caso de provas de concurso público: se a alternativa da

questão afirmar que o Delegado de Polícia possui livre convencimento técnico-

jurídico na condução da investigação criminal, tal assertiva é INCORRETA,

considerando que o examinador estará apenas querendo saber se o candidato

conhece o fato de que o dispositivo que previa isso foi vetado.

Observação final: apesar de não estar explícito, as razões de veto divulgadas

sinalizam que a Presidência da República concorda com a tese de que o

Ministério Público detém o poder de investigação. De qualquer modo,

juridicamente, a opinião do Poder Executivo quanto ao tema pouco importa,

considerando que a questão será dirimida, de forma definitiva, pelo Plenário do

Supremo Tribunal Federal ou pelo Congresso Nacional, se aprovada a PEC 37.

§ 4º O inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei em

curso somente poderá ser avocado ou redistribuído por superior

hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de

interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos

procedimentos previstos em regulamento da corporação que

prejudique a eficácia da investigação.

Inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei:

Atualmente, as duas únicas formas típicas de investigação criminal previstas

em lei e conduzidas por Delegado de Polícia são o inquérito policial e o termo

circunstanciado.

Avocar: ocorre quando o superior hierárquico retira o Delegado da condução do

IP ou do TC e passa ele próprio a dirigir o procedimento.

Redistribuir: ocorre quando o superior hierárquico retira o Delegado da

condução do IP ou do TC e designa outro Delegado para dirigir o procedimento.

Superior hierárquico:

É definido pela lei orgânica de cada Polícia e pelos demais atos normativos

internos.

Em linhas gerais, pode-se apontar o seguinte:

•        Polícia Civil: o superior hierárquico com poderes para avocar ou

redistribuir os procedimentos é o Delegado-Geral.

•        Polícia Federal: esta função de superior hierárquico é exercida pelo

Superintendente-Regional.

Instrumento por meio do qual o procedimento pode ser avocado: despacho

fundamentado exarado pelo superior hierárquico.

Hipóteses nas quais poderá haver a avocação ou a redistribuição:

a) Motivo de interesse público;

b) Se o Delegado descumprir os procedimentos previstos em regulamento da

corporação que prejudique a eficácia da investigação.

A avocação ou a redistribuição do procedimento investigatório viola a CF/88?

Não, desde que fundamentada. Isso porque tanto o IP como o TC são

procedimentos administrativos, submetidos, portanto, às regras aplicáveis aos

atos administrativos. Os atos administrativos podem ser avocados, delegados

ou redistribuídos, desde que não haja previsão legal em sentido contrário.

Trata-se de uma decorrência do poder hierárquico e, como a estrutura da

Polícia é hierarquizada, a ela se aplica esta característica.

Análise crítica da previsão

Rigorosamente, este § 4º seria dispensável, considerando que todo ato

administrativo precisa ser motivado. No entanto, é salutar a previsão para que

haja uma disciplina mais nítida ao tema, garantindo maior segurança jurídica.

Ademais, existe corrente (minoritária) que sustenta que alguns atos

administrativos não precisam ser motivados. Desse modo, repita-se, foi

acertada a previsão.

O que se lamenta é a utilização de expressões tão vagas na definição das

hipóteses nas quais é possível a avocação e a redistribuição do procedimento.

Isso enfraquece o controle que poderia ser exercido sobre tais atos, a fim de

evitar avocações ou redistribuições casuísticas.

§ 5º A remoção do delegado de polícia dar-se-á somente por ato

fundamentado.

É extremamente salutar a previsão expressa de que a remoção do Delegado

precisa ser um ato fundamentado como forma de minimizar favorecimentos e

perseguições decorrentes do trabalho de tais profissionais.

Critica-se o fato de a lei não ter elencado hipóteses nas quais seria permitida a

remoção do Delegado de Polícia, o que certamente seria muito mais relevante

sob o ponto de vista da segurança jurídica. Isso porque, muitas vezes, a

remoção ex officio de um Delegado que incomode o Governante ou a direção

da Polícia para outra Delegacia pode ser motivada por argumentos como

“necessidade do serviço” sem que a veracidade de tal fundamentação possa,

em muitos casos, ser controlada de forma satisfatória pelo Poder Judiciário.

A remoção de que trata este § 5º abrange apenas a transferência para cidades

diferentes?

Não. O objetivo da norma é o de resguardar o Delegado de Polícia de remoções

motivadas por razões espúrias. Esta previsão traz a garantia de que a

autoridade policial não será afastada das atividades que está exercendo sem

que haja um motivo justificado. Assim, a transferência do Delegado de uma

Delegacia para outra deverá também ser fundamentada.

Com esta nova previsão, o Delegado de Polícia passou a gozar da garantia da

inamovibilidade?

Não. A inamovibilidade é uma garantia constitucional, conferida aos membros

da Magistratura (art. 95, II), do Ministério Público (art. 128, § 5º, I, “b”) e da

Defensoria Pública (art. 134, § 1º), por meio da qual se assegura aos

integrantes dessas carreiras que eles não serão removidos do juízo ou ofício

ondem atuam nem afastados dos processos em que funcionam, salvo se, por

vontade própria, ou por motivo de interesse público.

Quando é assegurada a inamovibilidade aos membros de determinada carreira,

isso significa que a regra é a impossibilidade de remoção ex officio.

Excepcionalmente, admite-se por motivo de interesse público.

No caso dos Delegados de Polícia, não há uma regra constitucional impedindo a

remoção ex officio. A previsão do § 5º simplesmente afirma que a remoção do

Delegado de Polícia, seja voluntária ou de ofício, deve ser motivada (como,

aliás, todos os atos administrativos).

Lamenta-se o fato dos Delegados de Polícia ainda não gozarem de

inamovibilidade, devendo ser esta realidade alterada como forma de resguardar

o interesse público das investigações.

§ 6º O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato

fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá

indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.

A previsão deste § 6º faz constar, em lei, algumas características do

indiciamento que já eram consagradas na doutrina:

“O indiciamento é o ato resultante das investigações policiais por meio do qual

alguém é apontado como provável autor de um fato delituoso. Cuida-se, pois,

de ato privativo da autoridade policial que, para tanto, deverá fundamentar-se

em elementos de informação que ministrem certeza quanto à materialidade e

indícios razoáveis de autoria.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo

Penal. Niterói: Impetus, 2013, p. 111).

Houve, no entanto, uma evolução no tratamento do tema ao se exigir, de forma

textual, que o ato de indiciamento seja motivado, o que não era feito em uma

grande quantidade de casos. Veja o que afirma o membro do MP paulista Mário

Sérgio Sobrinho:

“A legislação brasileira deveria evoluir, adotando a regra da explicitação das

razões para a classificação do fato em determinado tipo penal, (...) ao mesmo

tempo em que a lei deveria fixar a obrigatoriedade da motivação do ato de

indiciamento. É inegável que o ato de indiciamento exige juízo de valor, o qual,

nos meandros do inquérito policial, é exercitado pela autoridade policial que

preside a investigação. Por isso, dever-se-ia exigir desta a explicitação de suas

razões, ao determinar o indiciamento, as quais deveriam ser apresentadas no

inquérito policial para que fossem conhecidas pelo indiciado e seu defensor,

pelo órgão do Ministério Público e, quando necessário, pelos juízes e tribunais.”

(A identificação criminal. São Paulo: RT, 2003, p. 100).

Vale ressaltar que, mesmo antes desta previsão legal, alguns Estados possuíam

atos normativos infralegais determinando que o ato de indiciamento, realizado

pela autoridade policial, deveria ser fundamentado. É o caso, por exemplo, da

Portaria n.° 18/98 da Delegacia Geral de Polícia do Estado de São Paulo. No

âmbito da Polícia Federal, mesmo antes da Lei, o ato de indiciamento já era

obrigatoriamente motivado, por força da Instrução Normativa n.° 11/2001.

Cumpre mencionar, por fim, que, sendo o ato de indiciamento privativo do

Delegado de Polícia, é equivocado e inadmissível que o juiz, o membro do

Ministério Público ou a CPI requisitem o indiciamento de qualquer suspeito. Esse

era o entendimento da doutrina antes da Lei e que agora é reforçado com este

§ 6º. Confira o que há anos já ensinava Nucci:

“(...) não cabe ao promotor ou ao juiz exigir, através de requisição, que alguém

seja indiciado pela autoridade policial, porque seria o mesmo que demandar à

força que o presidente do inquérito conclua ser aquele o autor do delito. Ora,

querendo, pode o promotor denunciar qualquer suspeito envolvido na

investigação criminal (...)” (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo

Penal e execução penal. São Paulo: RT, 2006, p. 139).

Art. 3º O cargo de delegado de polícia é privativo de bacharel em

Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar

que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do

Ministério Público e os advogados.

O Delegado de Polícia deverá receber o mesmo tratamento protocolar que

recebem os Magistrados, membros da Defensoria Pública, do Ministério Público

e os Advogados. Assim, por exemplo, o pronome de tratamento a ser utilizado

quando em correspondências oficiais aos Delegados passa a ser “Vossa

Excelência”.

Alegação de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa

A presente lei resultou de um projeto apresentado por um Deputado Federal.

Diante disso, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR)

defendeu, em nota técnica, que haveria uma inconstitucionalidade por vício de

iniciativa tendo em vista que a lei dispõe sobre o regime jurídico de servidores

públicos e a iniciativa para esta matéria pertenceria ao chefe do Poder

Executivo, nos termos do art. 61, § 1º, II, “c”, da CF/88:

§ 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

II - disponham sobre:

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de

cargos, estabilidade e aposentadoria;

Com o devido respeito, penso que a tese não prospera. A Lei n.° 12.830/2013 não versa sobre o regime jurídico dos Delegados de Polícia, ou seja, direitos, deveres, responsabilidades, remuneração. A Lei versa sobre a atuação do Delegado de Polícia na investigação criminal. Mesmo quando a Lei impõe requisitos e prerrogativas para a carreira de Delegado, como no caso do art. 3º, o que se observa é que tais aspectos estão relacionados com a atuação da autoridade policial na investigação, não havendo o propósito de regular a relação jurídica existente entre os Delegados de Polícia e o Poder Público. A Lei n.° 12.830/2013 versa, portanto, sobre matéria atinente ao direito processual penal (art. 22, I, da CF/88), sendo de iniciativa concorrente (iniciativa concorrente significa que não apenas o Presidente da República pode propor projeto de lei sobre o tema, podendo o processo legislativo ser de iniciativa parlamentar).

Bibliografia

LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Niterói: Impetus, 2013.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e execução penal. São Paulo: RT, 2006.

SÉRGIO SOBRINHO, Mário. A identificação criminal. São Paulo: RT, 2003.

Artigo elaborado em 23/06/2013