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    Um homem de fraque e bigodebalana um relgio de bolso nasua frente, repetindo monoto-namente as mesmas frases:Voc est ficando relaxado...Seus olhos esto se fechan-do.... Em poucos minutos, voc

    imita uma galinha, dana mambo ou faz algumaoutra bizarrice na frente de uma plateia e no selembra de nada depois. Se assim a sua imagemda hipnose, voc no o nico. A prtica milenarainda tem uma aura mstica e associada por mui-tos submisso ao outro.

    Nas palavras da psiquiatra e neurocientista C-lia Cortez, pesquisadora da Universidade do Esta-do do Rio de Janeiro (Uerj) e atual presidente daAssociao Brasileira de Hipnose (ASBH), a hipno-se nada mais do que um estado de alta concen-trao mental, no qual a percepo das sensaessofre alteraes em nveis variados, sem que o in-divduo perca a conscincia do aqui e agora. Naprtica, isso significa que: no se fica inconscien-te, lembra-se de tudo o que aconteceu e, mais im-portante, no se faz nada que no se faria em esta-do de alerta. A ideia de que basta o hipnotista man-dar o paciente realizar alguma atividade para ele

    Por sculos associada a shows, mgica e misticismo, a hipnose agora

    se revela como uma tcnica eficaz em variados procedimentos mdicos,

    psicolgicos e laboratoriais. Seja no alvio da dor, no controle de ansiedade

    e estresse ou no tratamento de fobias e outros problemas psquicos,

    os benefcios e as propriedades da hipnose tm sido validados por uma srie

    de estudos cientficos, que buscam tambm entender como sua atuao

    no crebro. Ainda h muitas questes em aberto, mas uma tendncia clara:

    a hipnose deve abandonar o palco para se inserir cada vez mais

    nos consultrios e laboratrios de pesquisa.

    Isabela Fraga

    Cincia Hoje/RJ

    fora do palco

    pnose

    ROGER-VIOLET/GLOWIMAGES

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    de fato faz-la uma falcia: o senso crtico nodesaparece, nem os valores morais e ticos. A hip-nose no uma atividade autoritria, mas colabo-rativa, frisa Cortez.

    Em um estado de conscincia modificado como o da hipnose , tambm os processos cognitivos

    so alterados. Por isso, nas ltimas dcadas, pes-quisas cientficas tm revelado que essa prtica bastante til nos mais variados ambientes: mdi-co, psiquitrico, odontolgico e tambm em salasde cirurgia e laboratrios de pesquisa neste lti-mo, como forma de ajudar a conhecer o crebro hu-mano. A hipnose regulamentada pelos conselhosfederais de medicina, odontologia e psicologia.

    Na psicologia, a hipnose usada no tratamentode fobias, traumas, ansiedade, depresso, angs-tia, disfunes sexuais e outros problemas psqui-cos. Na medicina, a chamada hipnose clnicapode

    ter papel coadjuvante no tratamento de disfunesneuromusculares, doenas autoimunes, psicosso-mticas e no alvio de dores, principalmente as fi-briomilgicas (musculares) e as causadas por cnce-

    res. um recurso potente para otimizar os efeitosdos medicamentos, afirma Cortez. No Hospital SoCamilo, em So Paulo, por exemplo, a hipnose anes-tsica j utilizada para acalmar e sedar pacientesantes de procedimentos e exames que podem cau-sar estresse, como ressonncias magnticas.

    No entanto, se as aplicaes clnicas da hipno-se vm sendo vastamente estudadas h dcadas, osprocessos cerebrais que a envolvem eram um com-pleto mistrio. Pesquisas nesse sentido, principal-mente nos ltimos 10 anos, tornaram possvel teruma melhor ideia de quais regies cerebrais soativadas e desativadas durante a sua ocorrncia.Assim, confirma-se uma dvida que ainda pairavamesmo no meio cientfico e acadmico: a hipnose,afinal, no apenas imaginao frtil ou atuaoteatral. Ela de fato altera os processos bioqumicosdo crebro.

    Essa constatao apontou duas direes princi-pais para os estudos sobre o fenmeno: a primeira,chamada pesquisa intrnseca, busca entender osmecanismos da hipnose e da sugesto no crebro

    ALBUM/AKG-IMAGES/AKG-IMAGES/LATINSTOCK

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    para compreender sua atuao. A segunda, deno-minada pesquisa instrumental, utiliza a hipnosecomo uma forma de estudar processos cognitivosespecficos, uma vez que o sujeito hipnotizado podeser sugestionado a ativar reas isoladas do crebro.

    Feche seus olhosProvavelmente, no ser nos primeiros minutos deuma induo a um estado hipntico que voc con-seguir alterar seus processos cognitivos a pontode ter alucinaes como enxergar a cor vermelhaem um quadro azul se assim lhe disserem. Comoo sono, a hipnose tem vrios estgios de profundi-dade. Segundo o psiclogo Paulo Madjarof Filho,membro do Grupo de Estudos de Hipnose, ligado

    Universidade Federal de So Paulo (Unifesp), socinco os nveis de profundidade frequentementereferendados no Brasil para avaliar os estgios dotranse hipntico.

    No primeiro, chamado de hipnoidal, as plpe-bras do paciente pesam e a respirao fica lenta ecompassada o primeiro passo do relaxamento.Em seguida, no nvel leve, a sensao mais percep-tvel a de que o corpo est to relaxado que che-ga a parecer pesado (ver No consultrio). No es-

    tgio mdio, dependendo das sugestes do profis-sional, a pessoa pode deixar de sentir certas sensa-es como toques, presses e dores. No quartoestgio, o profundo, essa potencialidade fica maisaguada. Nesses quatro estgios, a pessoa hipnoti-zada pode responder a perguntas e conversar. Noquinto estgio, chamado de sonamblico, fenme-nos de amnsia e de alucinao so observados. A,segundo Madjarof, o fenmeno da anestesia ple-namente possvel, mas sem o paciente perder aconscincia ou o controle do que faz. Para a con-duo teraputica, no entanto, no necessrio que

    o paciente atinja o estgio sonamblico. As res-postas nos nveis leve ou mdio do estado hipn-tico j so suficientes para esse fim, acrescenta opsiclogo.

    No consultorioNo havia nenhum relgio de bolso vista, era um consultrio normal e as roupas de ningum eram ex-

    travagantes. Ainda assim, quando a hipnoterapeuta Clia Cortez comeou a repetir voc est ficando re-

    laxada, no pude deixar de pensar que ainda havia alguns clichs associados hipnose resistentes ao

    tempo provavelmente porque eram eficientes. Era minha primeira sesso de hipnose, e isso, somado

    ao temperamento desconfiado desta reprter, tornava tudo mais difcil: a voz monotnica, as repeties e

    a msica suave ao fundo s faziam ativar o meu senso crtico.

    Fechei os olhos e tentei relaxar. Cortez ento continuou a aplicar a tcnica, chamada de relaxamento

    progressivo, focando minha ateno em partes do corpo, desde os dedos dos ps at a cabea. Enfim, a curio-

    sidade venceu e me deixei levar: o relaxamento veio respirao compassada e corao mais lento. Cortez

    ento pediu para eu me imaginar em frente a uma escada rolante que ia para um nvel abaixo, para pisar

    nela e descer. Depois de repetir essa imagem trs vezes, minha sensao era a de estar num torpor de qua-

    se sono, mas ainda plenamente consciente do que ela falava.Como o objetivo daquela sesso era tratar meu problema de falar em pblico (causado principalmente

    pela timidez), Cortez comeou a pedir para eu me lembrar de situaes da infncia que tivessem relao

    com pblico. Parecia que ela falava bem no meu ouvido. Fui lembrando: 12 anos. Antes, dizia ela. Oito anos.

    Mais para trs... Cinco anos! No sabia que me lembrava de alguma situao dos meus cinco anos, mas

    parece que sim. Cortez ento usou sugestes para mudar minha imagem daquelas situaes. (Eu havia sido

    criticada, feito alguma besteira? No!) O passo seguinte foi imaginar um cenrio tranquilo para, ali, me pre-

    parar para subir novamente as escadas rolantes e, depois de trs suspiros, abrir os olhos. Acordei como

    se antes estivesse dormindo. No acho que tenha ido muito a fundo nos estgios da hipnose, mas ela de fato

    um relaxamento profundo que lembra aquele limiar entre a viglia e o sono. Os resultados? Cortez disse

    que eles viro, mas ainda no tive a oportunidade nem o pblico devido para comprovar.

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    Ainda assim, possvel que mesmo aps horasvoc no consiga ter essas alucinaes: algumaspessoas no conseguem passar do estado de rela-xamento superficial durante a hipnose. Para Mad-jarof, o grau de suscetibilidade de um pacienteest, acima de tudo, ligado a uma circunstncia

    favorvel e a um contexto especfico. Mas algunsestudiosos do assunto associam a suscetibilidadede ser hipnotizado habilidade de ficar absorvidoem leituras, filmes, msicas ou devaneios. A hip-nose similar ao estado de ficar to absorvido emum bom filme ou livro que se entra em um mun-do imaginado e se suspende a ateno ao mundocomum, explica o psiquiatra David Spiegel, daUniversidade Stanford. Spiegel autor de vriosartigos sobre hipnose e neurocincia, uma verten-te de estudos ainda recente, mas com enorme po-tencial.

    Na dcada de 1950, os psiclogos Andr Weit-zenhoffer e Ernest Hilgard, tambm da Universi-dade Stanford, desenvolveram uma escala de sus-cetibilidade hipntica para medir a capacidade deuma pessoa ser hipnotizada. Uma das verses daescala tem 13 atividades que devem ser feitas peloprofissional junto ao paciente para testar a profun-didade do estado de hipnose. Por exemplo, um dositens consiste em induzir o paciente a ver duascaixas sua frente, quando na verdade h trs. Emoutro, o condutor da hipnose deve sugestionar queo brao do paciente est to pesado que impos-

    svel de ser levantado. Esses efeitos alucinatrios,no entanto, s so alcanados por cerca de 10% dapopulao mundial os chamados virtuosos.

    Voc est vendoa corvermelhaUma das formas de se provar que a hipnose no apenas fingimento e de explorar suas aplicaesclnicas potenciais estud-la a partir de imagenscerebrais. Spiegel, juntamente com o psiclogo Ste-phen Kosslyn, da Universidade Harvard, utilizou atomografia por emisso de psitrons para analisaras imagens cerebrais de oito pessoas com alto graude suscetibilidade hipntica. Os participantes fo-ram sugestionados a enxergar cor em um quadrocolorido, cor em um quadro cinzento e apenas cin-za em um quadro colorido tanto hipnotizadoscomo em estado de alerta.

    Os resultados foram instigantes: quando hipno-tizados e sugestionados a enxergar cores em qua-dros de fato coloridos e nos cinzentos, os partici-pantes ativaram as reas do crebro relativas per-cepo de cor. A atividade cerebral era considera-velmente mais baixa quando os participantes eramsugestionados a enxergar tons de cinza novamen-te, isso se deu quando o quadro era cinzento e tam-bm quando era colorido. No entanto, a rea rela-tiva percepo de cor do hemisfrio esquerdo tevemudana apenas quando os participantes estavamhipnotizados. J o hemisfrio direito registrava oque os participantes eram sugestionados a ver e,por isso, independia do seu estado de ateno. O

    hemisfrio direito parece responder imagem emsi, enquanto o esquerdo precisa de um estmuloadicional, provido pela hipnose, contam os pes-quisadores no artigo, publicado em 2009.

    A brincadeira com cores e hipnose tambm temoutras possibilidades interessantes. Um exemplo:se voc for dizer em qual cor est escrita a palavraverde, provavelmente dir que vermelha s vaidemorar um pouco mais que o habitual, pois o c-rebro confunde a cor da palavra com o seu signifi-cado semntico. Esse efeito, chamado stroop, podeser atenuado (ou suprimido) se voc estiver hipno-

    tizado, como demonstraram dois estudos da Uni-versidade Columbia, em 2005. Parecem bobos, masestudos desse tipo explicitam a capacidade da hip-nose de ativar e desativar reas cerebrais especfi-cas a partir de sugestes um prato cheio para ou-tros estudos neurocientficos. O neurocientista ca-nadense Amir Raz, da Universidade de Montreal,

    HULTON-DEUTSCHCOLLECTION/CORBIS/CORBIS(DC)/LATINSTOCK

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    apontou, em uma pesquisa, que a supresso do efei-to stroop era associada a uma reduo de atividadeno crtex cingulado anterior e em reas corticaisvisuais ver figura acima possivelmente relacio-nadas ao reconhecimento de palavras. Esses estu-dos mostram a possibilidade de usarmos a hipnosepara investigar outras condies de desenvolvimen-to cognitivo alm do efeito stroop, como disgrafia,dislexia e dispraxia, atentam os psiclogos DavidOakley e Peter Halligan, da Universidade CollegeLondon e da Universidade Cardiff, em um artigopublicado na revista Trends in Cognitive Sciencesem 2009.

    O crtex cingulado anterior tambm mostrou al-teraes durante a hipnose em outros estudos. Umdeles foi conduzido pelo psiclogo Pierre Rainvil-le, da Universidade de Montreal. Por meio de tes-tes com tomografia por emisso de psitrons em 10pessoas, Rainville igualmente percebeu maior flu-xo sanguneo no crtex cingulado anterior, mastambm no tlamo, localizado na parte interna docrebro, e no tronco cerebral, que liga o encfalo coluna vertebral.

    As tcnicas de obteno de imagens cerebrais como a tomografia por emisso de psitrons, umadas mais modernas so as mais utilizadas para secompreender a atuao da hipnose sobre a ativida-de cerebral. Uma pesquisa ainda em andamento,conduzida por Cortez e em colaborao com o neu-rologista Luciano Horta, do Hospital Universitrio

    Pedro Ernesto, da Uerj, utiliza aeletroencefalogra-fia (EEG) durante sesses de hipnoterapia para mo-nitorar a atividade cerebral dos pacientes. Um dosobjetivos dessa pesquisa pioneira no Brasil correlacionar as alteraes do EEG com os eventosrelatados durante a sesso e com as mudanas ob-servadas nos indivduos sob hipnose.

    Embora ainda no tenha sido finalizado, o estu-do j aponta resultados promissores. Foi interes-sante observar a capacidade da hipnose para man-ter todos os participantes em um padro de EEG t-pico dos estados iniciais do sono durante 60 minu-tos, comenta Cortez. Em condies normais, umapessoa no consegue permanecer nesse padro portanto tempo.

    Apenas umformigamentoEm 1846, um cirurgio escocs chamado James Es-daile relatou a utilizao de hipnose para anestesiacirrgica em 80% dos casos de amputaes na n-dia. Se ainda hoje a tcnica vista com certa des-confiana, fcil imaginar como Esdaile deve tersido recebido pela comunidade cientfica ocidental poca. Sabe-se que a palavra trapaa foi usadacom frequncia para descrever seu trabalho mdico.

    A hipnose pode ativarou desativar reasespecficas do crebroa partir de sugestes.Estudos neurolgicossobre a supressohipntica de um efeitodenominadostroopconfirmaram reduode atividade no crtexcingulado anteriore em reas visuais

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    Hoje, admite-se que Esdaile no era um trapacei-ro. A utilizao da hipnose no controle da dor emcirurgias, no tratamento de cncer e em dores mus-culares, por exemplo um dos assuntos relativos prtica mais estudados e abalizados. As pessoas mu-dam o processamento de percepes a partir de ins-trues hipnticas, afirma Spiegel. Elas no apenasreagem dor de forma diferente, mas de fato a per-cebem de forma diferente.

    Em 2007, o oncologista Guy Montgomery, da Es-cola de Medicina de Monte Sinai (Estados Unidos),coordenou um teste clnico com 200 pacientes decncer de mama escolhidas aleatoriamente. Antes derealizar cirurgias de bipsia do seio ou de remoodo tumor, as pacientes do grupo controle eram enca-minhadas para anestesia comum, enquanto as pa-cientes escolhidas para o teste passavam por umasesso de 15 minutos de hipnose, durante a qual eraminduzidas a relaxar os msculos e ouviam sugestesespecficas para amenizar os efeitos cola terais da ope-rao e do ps-cirrgico. Apenas essa rpida sessofoi suficiente para reduzir signifi cativamente a quan-

    tidade de lidocana e propofol (substncias anestsi-cas) ministrada nas pacientes. Alm disso, elas rela-taram reduo tanto de dor quanto de nusea, cansa-o, desconforto e perturbaes emocionais nas sema-nas seguintes interveno. A tcnica foi benficaainda para os bolsos do hospital: economizaram-seUS$ 772,71 por paciente, principalmente graas aomenor tempo gasto na sala de cirurgia.

    Para quem acha que o efeito da hipnose o mes-mo de um placebo ou seja, bastaria sugerir ao pa-ciente que ele no est sentindo dor , um estudo co-ordenado por Spiegel sugere que no. A hipnose, naverdade, mostrou-se nesse e em outros estudos maisforte que o placebo e to eficiente quanto alguns anal-gsicos.

    A hipnose age sobre a sensao de dor da mes-ma forma como age sobre outras formas de aten-o: preciso prestar ateno na dor para senti--la, resume Spiegel. No por acaso, algumas pes-quisas associam a ativao do crebro pela hipno-se dopamina, uma substncia importante na sen-sao de ateno.

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    Sugestes para leitura

    NASH, Michael & BENHAM, Grant. The truth and hype of hypnosis. Scientifc American,maio de 2005.

    OAKLEY, David & HALLIGAN, Peter. Hypnotic suggestion and cognitive neuroscience.Trends in Cognitive Science. Vol. 13, n 6, 2009.

    SCOPEL, Evanea. Eeitos da hipnose na percepo de dor em mulheres com sndrome dafbromialgia. Tese de mestrado apresentada ao Departamento de Ps-Graduao emPsicologia da Universidade Federal de Santa Catarina, 2008.

    SPIEGEL, David. The mind prepared: Hypnosis in surgery.Journal o the National CancerInstitute. Vol. 99, n 17, 2007.

    Na internetPgina da Sociedade Brasileira de Hipnose e Hipnatria: www.sbhh.org.brReportagem no jornal britnico TheGuardian sobre o assunto: http://is.gd/fKm4D

    Lembre-seda sua infnciaUm aspecto bastante atraente e polmico da hip-

    nose sua capacidade de facilitar o acesso a me-mrias esquecidas ou lembradas com dificuldade.Na hipnoterapia so comumente tratados distrbioscomo traumas, fobias, insnia, dependncia de dro-gas, disfunes sexuais e compulso. O hipnotera-peuta sugestiona o paciente hipnotizado a lembrarsituaes do seu passado que pudessem ter relaocom o problema a ser tratado e busca, tambm porsugestes, mudar a forma como o paciente encaraaquela situao ou lhe d importncia. No entan-to, a hipnose no deve ser usada antes da investi-gao das queixas e da obteno do estado de sa-

    de fsico e mental do paciente, alerta Cortez. Casocontrrio, ela pode tratar os sintomas e camuflarsuas origens.

    A recordao de memrias por meio da hipnosetambm pode ser til na investigao de crimes,por exemplo. Uma vtima de um assalto, homicdioou estupro pode, por meio da tcnica, lembrardetalhes a placa de um carro, um trao marcanteno rosto do criminoso que em estado de alertano conseguiria. Em Curitiba (Paran), existedesde 1983 o Laboratrio de Hipnose Forense, cria-do pelo psiquiatra e psiclogo Rui Fernando Sam-paio, atual diretor do Departamento de Psicologiada ASBH, e ligado ao Instituto de Criminalstica doestado. A tcnica usada apenas com vtimas e tes-temunhas de crime com amnsia total ou parcialdo acontecimento.

    Na linha de hipnose e memria, alguns estu-dos tm testado a possibilidade de pessoas hip-notizadas suprimirem respostas afetivas a eventossignificativos de suas vidas sem influenciar suacapacidade de lembr-los. o caso de duas pesqui-sas coordenadas pelo psiclogo Richard Bryant, daUniversidade de South Wales (Austrlia). Em umadelas, 29 pacientes com alto grau de hipnotizabi-lidade foram sugestionados, durante uma sesso,a suprimir emoes e em seguida a lembrar de even-tos neutros ou que lhes causavam sofrimento.Bryant registrou que esses pacientes demonstra-ram menor resposta emocional tanto em seus re-latos quanto nos exames de eletromiografia, quemonitoram a atividade eltrica dos msculos es-quelticos. Esses resultados apontam a capacida-de de a inibio emocional hipntica influenciarcomponentes afetivos e semnticos da respostaemocional, conta Bryant, no artigo publicado narevista International Journal of Clinical and Ex-

    perimental Hypnosis, uma das publicaes maisimportantes voltadas para a tcnica. Alguns crti-cos, no entanto, questionam a possibilidade de oseventos lembrados por pacientes em uma sesso dehipnose serem imaginados, como as lembranas

    dos primeiros meses de vida. Vrios artigos cient-ficos das ltimas dcadas relatam a criao de me-mrias falsas durante sesses, como publicado narevista Science, em 1983. Nada na hipnose possi-bilita ao sujeito transcender as limitaes naturaisda memria humana, afirmam os psiclogos Mi-chael Nash e Grant Benham, em artigo da revistaScientific American em 2005.

    Muitas vezes, um filme assistido na infncia esonhos ocorridos nessa mesma fase, que tenhamimpressionado muito a criana, podem ser confun-didos com fatos realmente vividos, pela carga emo-cional que movimentaram, conta Cortez. Ela afir-ma que lembranas de fases muito precoces da vida por exemplo, antes dos trs anos de idade nor-malmente aparecem na hipnose como relatos defortes sensaes corpreas e emocionais, que po-dem ser acompanhadas ou no de sensao visual.A anlise dessas sensaes e da emoo, por meioda interpretao do adulto hipnotizado, que podelevar ao entendimento do que teria acontecido comele naquele momento passado, explica ela.

    Desde o seu comeo formal com o mdico aus-traco Franz Mesmer (1734-1815), que entendia ahipnose (ainda no batizada) como uma forma dealterar os campos magnticos de pessoas at hoje,a prtica da hipnose mudou significativamente seulugar na sociedade. Passou por shows grotescos, cir-cos, mgicos, seriados de televiso e filmes para seembrenhar nos hospitais e consultrios mdicos,onde encontrou respaldo cientfico. Embora algunsaspectos ainda sejam polmicos e suas potenciali-dades no tenham sido totalmente exploradas, po-demos dizer que a hipnose hoje considerada umaprtica clnica com utilizao cada vez maior. n