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INSTITUTO A VEZ DO MESTRE GIOVANNA MASSARA DE MENEZES DÓRIA NOVOS HORIZONTES DA PROTEÇÃO DA FAMÍLIA PELO BENEFÍCIO DE PENSÃO POR MORTE.

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INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

GIOVANNA MASSARA DE MENEZES DRIA

Novos horizontes da proteo da Famlia pelo benefcio de Penso por morte.

SO PAULO

2013

GIOVANNA MASSARA DE MENEZES DRIA

Novos horizontes da proteo da Famlia pelo benefcio de Penso por morte

Projeto apresentado ao Instituto A VEZ DO MESTRE, como requisito para habilitao diplomao no Curso de Ps-Graduao de Direito.

Orientador: Professor

SO PAULO

2013

DEDICATRIA

agradecimentos

RESUMO

O presente trabalho tem como escopo demonstrar como se opera a proteo da famlia no Direito Previdencirio, a partir da contingncia morte do segurado, eleita constitucionalmente como pressuposto da concesso de benefcio previdencirio de penso por morte. Aqui, a Previdncia vislumbrada como uma tcnica pblica securitria que protege no propriamente o trabalhador, mas os seus dependentes reunidos em famlia. O estudo justifica-se, pois, face o discurso dogmtico de Direito Previdencirio que no pode, por sua estrutura inclusiva, deixar de se remeter teoria mmina dos direitos fundamentais e hermenutica constitucional de proteo pblica de valores cardeais de bem-estar social, mormente em face dos desdobramentos do direito das famlias que reconhece e tutela novas formas de convivncia interpessoal.

Palavras-chave: Direito Previdencirio, Penso por Morte, Famlia, Constituio, Direitos fundamentais

ABSTRACT

The present work aims to demonstrate how it operates to protect the family in the Social Security Law, from the death of the insured contingency, constitutionally elected as a precondition for granting pension benefit of survivorship. Here, the pension is envisioned as a security technique that protects public hardly the worker, but their dependent family gathered. The study is justified because, given the dogmatic discourse of Social Security Law which can not, in its inclusive structure, fail to submit to mimina theory of fundamental rights and constitutional hermeneutics public protection cardinal values of social welfare, especially in view of the developments of the right of families that recognizes and protects new forms of interpersonal relations.

Keywords: Social Security Law, Pension for Death, Family, Constitution, Fundamental Rights

SUMRIO

INTRODUO A proteo da famlia no Direito previdencirio 08

CAPTULO 1 Previdncia e Seguridade Social aproximao histrico-legislativa10

1.1 Dados histricos da Previdncia Social11

1.2 Experincia histrica da Previdncia Social no Brasil13

1.3 A seguridade social na ordem jurdica posta pela Constituio de 198817

CAPTULO 2 A Seguridade Social como tcnica de proteo19

2.1 - Os princpios previdencirios22

2.1.1 Princpio da Solidariedade22

2.1.2 O Princpio da Universalidade de Cobertura e Atendimento23

2.1.3 O Princpio da Uniformidade e Equivalncia de Prestaes entre as Populaes Urbana e Rural.24

2.1.4 Princpio da Seletividade e da Distributividade na Prestao de Benefcios e Servios24

2.1.5 Princpio da Irredutibilidade do Valor dos Benefcios25

2.1.6 Princpio da Equidade na Forma de Participao no Custeio26

2.1.7 Princpio da Diversidade da Base de Financiamento27

2.1.8 Princpio Democrtico e Descentralizado da Administrao27

CAPTULO 3 Noes gerais sobre a penso por morte no rgps 29

3.1 O texto posto na lei29

3.2 Segurados, partio do benefcio e dependncia econmica31

CAPTULO 4 a expanso de direitos previdencirios com a ampliao subjetiva do conceito de famlia 36

4.1 Direitos familiares?36

4.2 O reconhecimento constitucional de outras famlias43

CAPTULO 5 - A cobertura previdenciria da concubina no regime geral da previdncia social46

5.1 - Quando os fatos da vida interpelam o texto legal46

5.2 Jurisprudncia em atrito48

CONCLUSO55

REFERNCIAS57

INTRODUO A proteo da famlia no Direito previdencirio

O presente trabalho monogrfico tem por objetivo buscar elementos de compreenso da proteo da famlia no Direito Previdencirio, a partir da contingncia morte do segurado, eleita constitucionalmente como pressuposto da concesso de benefcio previdencirio de penso por morte. Aqui, a Previdncia vislumbrada como uma tcnica pblica securitria que protege no propriamente o trabalhador, mas os seus dependentes reunidos em famlia.

Mas, que famlia essa? O artigo 16 da lei 8213/91 tenta oferecer um rol de possveis beneficirios: cnjuge, companheiro, filho menor de 21 no emancipado ou invlido de qualquer idade ou irmo no emancipado... So personagens possveis do construto sociolgico famlia, acolhido e positivado pelo Direito. No entanto, surge a indagao sero eles os nicos?

A modernidade e a ps-modernidade vem pondo em questo um modelo tradicional de famlia, monogmico e heterossexual, institucionalizado pelo registro cartorial ou pela celebrao sacramental. O Direito vem trazendo baila situaes existenciais de grupos pessoais e famlias que buscam reconhecimento de direitos subjetivos. Alguns destes ganharam status jurdico de proteo no texto legislativo assim se d com os companheiros ou por construo jurisprudencial assim se d com os homoafetivos. Papel da presente pesquisa ser, inicialmente, examinar o movimento de ampliao dos beneficirios da penso por morte, considerando que o legislador poderia inovar mais ainda.

Reformula-se, aqui, a questo: possvel expandir a proteo previdenciria, cogitando de outros sujeitos que, verificados os demais elementos normativos do tipo legal previdencirio, poderiam fazer jus penso por morte? Antes de mais nada, bom que se desconfie at que ponto o direito previdencirio no est imune a preconceitos morais que esquecem o amante pblico, o amasiado no to notrio, o av e o neto, o pai que abandonou ou maltratou a prole, a famlia pluriparental mais do que esteretipos, parte-se do pressuposto de que tambm so sujeitos de direitos, so realidades familiares busca de acolhida, mormente num momento de maior vulnerabilidade social a morte de uma pessoa referencial em suas vidas.

Todo discurso em Direito Previdencirio no pode deixar de se remeter teoria mmina dos direitos fundamentais e hermenutica constitucional de proteo pblica de valores cardeais de bem-estar social. O Estado Constitucional no mais se volta para descrever seu funcionamento orgnico, mas busca ampliar garantias de subsistncia e vida; no entanto, no se pode ignorar que este estado se defronta com problemas de alocao de recursos e formulao de polticas eficazes.

Em outros termos, um dos princpios do direito previdencirio, que se alberga no texto constitucional, dispe sobre a universalidade de cobertura e atendimento da seguridade social. Princpios, certo, no ocorrem isoladamente, havendo de ser lidos em correlao harmnica ou dramtica com outros tantos, pensando por certo nas limitaes deduzidas pelo poder pblico a partir da noo de seletividade e distributividade na prestao dos benefcios e servios.

Esta tenso dramtica, uma das tantas que se espalham no texto constitucional, examinada a partir da releitura de textos pesquisados, que buscam sustentar um discurso possvel de incluso de outros sujeitos ao rol dos dependentes do art. 16 da lei 8213/91. Colher-se-o trechos da jurisprudncia federal, que denotam decises do Poder Judicirio favorveis pretenso de famlias paralelas, maiores de 21 anos no incapazes. O discurso, certamente, no unvoco e contrape avanos a retrocessos, ao no ignorar outro conjuntos de manifestaes judiciais que cerram a possibilidade de concesso de penses para pessoas que no se quadrem no texto legal.

CAPTULO 1

Previdncia e seguridade Social aproximao histrico-legislativa

A morte pertence estrutura essencial da existncia; todos ns somos de existncia limitada, finita. E ela est presente, tambm, na Constituio Federal, que, ao trazer disposies sobre o sistema previdencirio brasileiro, diz que a previdncia social ter carter contributivo e, dentre as variadas situaes s quais oferece proteo, encontra-se o evento morte. [footnoteRef:1] [1: Esta intuio depreende-se j deste trecho do discurso de apresentao do projeto da que viria a ser a Lei 4.682, de 24/01/1923, tal qual proferido pelo deputado federal Eloi Chaves em 06/10/1921: O homem no vive s para si e para a hora fugaz, que o momento de sua passagem pelo mundo. Ele projeta sua personalidade para o futuro, sobrevive a si prprio em seus filhos. Seus esforos, trabalhos e aspiraes devem visar, no fim da spera caminhada, o repouso, a tranquilidade. Os espinhos, as angstias, s so suportados com a esperana do prmio final, seja este embora incerto e quase inatingido. Apud OLIVEIRA, Antonio Carlos de. Direito do trabalho e previdncia social: estudos. So Paulo: LTr, 1996, p.95.]

A penso por morte existe para dar efetividade proteo garantida constitucionalmente. o benefcio pago famlia do trabalhador quando ele morre. Para a concesso do benefcio, no h tempo mnimo de contribuio, mas necessrio que o bito tenha ocorrido enquanto o trabalhador tinha qualidade de segurado.

Incumbe ao Direito Previdencirio descrever os elementos normativos mnimos previstos pelo legislador para a concesso da penso por morte. Tal desiderato no dispensa tecermos algumas informaes, referentes Previdncia Social, reputadas imprescindveis para a compreenso do direito ao benefcio em estudo.

Por certo que qualquer investigao em Direito Previdencirio no dispensa o estudo da evoluo histrica da seguridade social, vale dizer, do conjunto de fatos histricos que levam o legislador a produzir a norma previdenciria, segundo acepo empregada pelos professores Andr Studart Leito e Augusto Grieco SantAnna Meirinho.[footnoteRef:2] Ao contrrio do que se costuma pensar ao se estudar a Teoria Geral do Estado e dos Direitos Humanos, o Estado nacional moderno est longe de ser a primeira e nica organizao na histria humana que se interessa pelo bem-estar das pessoas. O estudo da histria essencial em qualquer seara cientfica, pois somente por meio do entendimento do desenvolvimento das idias que se consegue analisar com preciso os problemas atuais e propor solues razoveis. Quanto ao marco cronolgico decisivo para configurar a existncia de um instituto nuclear bsico, h sensveis divergncias, para as quais h que se reportar aos estudos dogmticos em seguridade social[footnoteRef:3]. [2: Remete-se a LEITO, Andr Studart e Meirinho, Augusto Grieco SantAnna. Manual de Direito Previdencirio. So Paulo: Saraiva, 2013.] [3: Por todos, confira-se MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princpios de direito previdencirio. 4 edio. So Paulo: LTr, 2001, pp. 33-37]

1.1 Dados histricos da Previdncia Social

O marco da criao da Previdncia Social encontra-se, segundo alguns pesquisadores, na Inglaterra e data de 1601, com a edio da Lei dos Pobres (Poor Relief Act), que regulamentou a instituio de auxlios e socorros pblicos aos necessitados.[footnoteRef:4] [4: o que pensa, por exemplo, MELLO, Jeane de. O Benefcio da Penso por Morte no Regime Geral de Previdncia Social no Brasil. Trabalho de Concluso de Curso (Graduao em Direito) - Centro de Cincias Jurdicas E Sociais - CEJURS Universidade do Vale do Itaja UNIVALI, Itaja, 2007, pp. 19-20.]

Outra linha de estudiosos estabelecem como ponto de partida os acontecimentos da Revoluo Francesa, atravs dos seus ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, comearam a eclodir manifestaes dos trabalhadores a reivindicar melhores condies de trabalho e subsistncia, atravs de greves e revoltas, o que acarretou a interveno estatal, a fim de coibir revolues. Parece haver certo consenso em identificar os antecedentes de polticas previdencirias na atuao de Chanceler Otto Von Bismarck.

A Confederao Alem, liderada pelo Imprio Prussiano, tornou-se no incio do sculo XIX a segunda potncia industrial do mundo, seguindo a Inglaterra. Este processo de industrializao, frente situao de miserabilidade e dependncia da populao rural, provocou grandes transformaes sociais na Prssia. Quem bem explica um desses processos LUDWIG VON MISES, ao trata da "fuga do campo" ou Landfluch, em alemo[footnoteRef:5]. [5: MISES, Ludwig Von. As seis lies. 6 edio. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1998]

Explica o autor que, na Alemanha, os aristocratas prussianos perderam muitos trabalhadores para as indstrias capitalistas, uma vez que estas ofereciam melhor remunerao. Essa seria a causa dessa fuga do campo e a conseqente urbanizao da populao alem. Essa movimentao era vista como um mal pela aristocracia rural, sendo a discusso pela busca de seu fim levada ao Parlamento alemo.

O prprio prncipe Bismarck teria dito em um discurso: "Encontrei em Berlim um homem que havia trabalhado em minhas terras. Perguntei-lhe: 'Por que deixou minhas terras? Por que deixou o campo? Por que vive agora em Berlim? " E, segundo Bismarck, o homem respondeu: "Na aldeia no se tem, como aqui em Berlim, um Biergarten to lindo, onde nos podemos sentar; tomar cerveja e ouvir msica." Mises observa que este dilogo foi contado do ponto de vista do prncipe Bismarck, o empregador, no do de seus empregados. muito mais razovel que estes corriam indstria porque ela lhes pagava salrios mais altos e elevava seu padro de vida a nveis sem precedentes.

Assim, a histria da industrializao prussiana, a unificao dos estados alemes e o Chanceler Otto Von Bismarck (1815-1898) entrelaam-se perfeitamente, de modo que somente entendendo este processo ser possvel vislumbrar como Bismarck transformou o Imprio Alemo no dito primeiro Estado Social do mundo e origem do Direito Previdencirio.

Nas palavras do governante alemo, justificando a adoo das primeiras normas previdencirias: Por mais caro que parea o seguro social, resulta menos gravoso que os riscos de uma revoluo. Bismarck, em 1883, na Alemanha, inseriu sociedade institutos protetores para a classe trabalhadora da indstria, os quais a seguir relacionados: seguro-doena obrigatrio, seguro contra acidente do trabalho, criado no ano de 1884 e o seguro de invalidez e velhice posto no ordenamento jurdico da poca 5 (cinco) anos mais tarde (1889). Note-se que foram sucessivas criaes objetivando proteger aqueles que tanto lutavam para o desenvolvimento econmico e social poca.

Por esta lei no somente os empregados beneficirios do sistema prottico deveriam contribuir para com o sistema mas tambm seus empregados. A esta participao o custeio do sistema pelo empregador se denominou patrocnio. Ele entrou como patrocinador dos benefcios previstos nas normas aos trabalhadores. O Estado tambm deveria contribuir. Essa contribuio se dava com a administrao dos valores vertidos ao sistema e a garantia do pagamento dos benefcios, mesmo na falta de reserva financeira do sistema. A designao dada pela doutrina a essa trade de contribuio foi trplice forma de custeio ou forma tripartite de custeio do sistema (trabalhadores, empregados e Estados).

Defrontado com estes fatos, possvel concluir que Bismarck, tendo em vista seu objetivo de consolidar a unificao alem e seu desenvolvimento econmico, precisava tomar atitudes polticas que agradassem grande parcela operria da populao alem, alm de incentiv-la a no emigrar, para que trabalhassem nas indstrias nacionais e no nas americanas. O discurso social-democrata e o novo papel que o governo Bismarck atribua ao Estado foram extremamente bem sucedidos. Com a aprovao das leis sociais de Bismarck, a emigrao alem rapidamente diminuiu, uma vez que os jovens alemes comearam a ver os benefcios sociais como compensao pelos menores salrios pagos pelas indstrias prussianas quando comparadas com as americanas.

No auge da 2 Guerra Mundial, em 1942, foi escrito na Inglaterra o Relatrio Beveridge, criando um novo sistema previdencirio, rivalizando com o bismarckiano. Esse Plano foi elaborado por uma comisso interministerial de seguro social e servios afins, nomeado em julho de 1941, para trazer alternativas para os problemas da reconstruo do perodo ps-guerra.

Essa comisso realizou o primeiro grande e minucioso estudo do universo do seguro social e servios conexos, e de seus estudos foram elencados alguns princpios muito importantes para a Previdncia Social moderna. Entre eles, importante citar a universalizao da proteo estatal, pensamento esse materializado na mxima from the cradle to the grave, isto ,o Estado deve proteger a sociedade de todos os infortnios, do nascimento morte. Tambm nasceu a idia de cooperao entre indivduo e Estado, o aumento na idade para as aposentadorias e a criao da Assistncia Social para completar as lacunas do Seguro Social.

Para concretizar esses objetivos principiolgicos, o relatrio final concluiu ser necessrio o estabelecimento de um seguro social compulsrio, determinando que todas as pessoas participem do sistema protetivo, garantindo aos necessitados um mnimo para sua manuteno. Foi determinado a adoo de uma trplice fonte de custeio, isto , o Estado, as empresas e os trabalhadores deveriam manter o sistema e a unificao do seguro de acidentes com o seguro social, como forma de facilitar a proteo do trabalhador frente aos seus interminveis litgios com o patro.

Para simplificar o custeio, o relatrio props unificar as contribuies, separar a sade do contexto previdencirio, fornecer auxlio para o aprendizado, algo alm da ajuda pecuniria e mais profissional, alm de se incentivar a permanncia em atividade dos trabalhadores no mercado, para que contribuam por mais tempo.

1.2 Experincia histrica da Previdncia Social no Brasil

Tendo visto a evoluo dos principais modelos de Previdncia Social e seu contexto histrico, importante acompanhar como esse processo se deu no Brasil. A exemplo do ocorrido na Europa, os vestgios mais antigos de proteo social no Brasil advieram das atividades beneficentes da Igreja Catlica, na forma de suas Santas Casas, logo no incio da colonizao, em 1543. Em 1795, foi criado um plano de Benefcios dos rfos e Vivas dos Oficiais da Marinha. Em 1808, foi previsto um montepio para a guarda pessoal do Rei Dom Joo VI.

Dom Pedro I, em outubro de 1821, concedeu aposentadoria aos mestres e professores aps 30 anos de servio, alm de assegurar abono de dos ganhos aos que continuassem em atividade. Ao contrrio do que tem ocorrido na Repblica, o Imprio brasileiro j se iniciava demonstrando grande apreo pela educao. Na Constituio Imperial de 1824, seu art. 179, preconizava-se a instituio de socorros pblicos, sendo a competncia para legislar a respeito das Assemblias Legislativas.

Em 1835, foi criado o MONGERAL (Montepio Geral dos Servidores do Estado) primeira entidade privada a funcionar no pas. Aqui interessante fazer uma observao detalhada, uma vez que se est quase 50 anos antes da primeira lei previdenciria bismarckiana. Esse sistema funcionaria mutualisticamente, isto , os vrios associados cotizam-se para a cobertura de certos riscos por eles estipulados, repartindo os encargos com o grupo. Observa-se, portanto, um sistema que seria classificado como bismarckiano, entretanto, seus membros pactuam por espontnea vontade, havendo, de fato, verdadeira solidariedade entre eles.

Em 1850, ainda antes de Bismarck, a legislao brasileira, de carter protetivo, previa em seu art. 79 do Cdigo Comercial que os acidentes imprevistos e inculpados que impedirem aos prepostos o exerccio de suas funes no interrompero o vencimento de seu salrio, contanto que a inabilitao no exceda trs meses contnuos. O Decreto n 2.711, de 1860, regulamentou o financiamento de montepios e sociedade de socorros mtuos.

Em 1888, apresenta-se uma fase de concesso de aposentadorias aos servidores pblicos, basicamente, os ferrovirios, conforme se ver a seguir. O Decreto n 9.912-A, de 26 de maro de 1888, passou a conceder aposentadoria aos empregados dos Correios, necessitando uma idade mnima de 60 anos e 30 anos de servio. O Decreto 3.397/1888 criou a Caixa de Socorro para o pessoal das estradas de ferro do Estado. O Decreto 9.212/1889 estatuiu o montepio obrigatrio para os empregados dos Correios. O Decreto n 10.269/1889 estabeleceu um fundo especial de penses para os trabalhadores das Oficinas da Imprensa Rgia. O Decreto 221/1890 estabeleceu aposentadoria para os empregados da Estrada de Ferro Central do Brasil. J o Decreto 565/1890 estendeu o benefcio a todos os empregados das estradas de ferro gerais da Repblica.

Essa idia de aposentadoria aos servidores pblicos ficou consagrada de vez na primeira Constituio da Repblica, a de 1891, onde lia-se, em seu art. 75, que a aposentadoria s poder ser dada aos funcionrios pblicos em caso de invalidez no servio da nao. Interessante o uso do verbo dar aqui, pois o que de fato acontecia, tendo em vista no se falar em contribuio compulsria nem em carncia na poca.

Em 1892 houve uma inovao com a Lei 217 que determinava a aposentadoria por invalidez e a penso por morte dos operrios do Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro. J em 1919, a Lei 3.724 tornou obrigatrio o pagamento de indenizao pelos empregadores em decorrncia dos acidentes de trabalho sofridos por seus empregadores. Alm disso, estabeleceu o seguro para acidentes do trabalho, seguro este que deveria ser pago s empresas privadas e no Previdncia Social.

Interessante observar que at aqui, os benefcios previdencirios eram privilgios concedidos pelo Estado brasileiro a alguns de seus funcionrios. possvel concluir, portanto, que a idia de Previdncia social, em formato estatal, j comeou distorcida no Brasil, de maneira completamente diferente do que se viu na Era Bismarckiana. A diferena to grande, que com essa Lei 3.724, que estabeleceu o seguro acidente de trabalho, o Estado no quis se imiscuir na questo, deixando que a iniciativa privada lidasse com os pormenores. Pode-se inferir, igualmente, que a Previdncia social ainda no era vista na Repblica Velha como um capital eleitoral a ser explorado, j que a grande maioria da populao era estritamente rural, ao contrrio do que ocorria na Europa que j tinha grandes parcelas da populao urbanizada.

S em 1923 que foi promulgada a famosa Lei Eloy Chaves, instituindo, de vez, a Previdncia Social, com a criao das Caixas de Aposentadorias e Penses para os ferrovirios, de nvel nacional, por empresa[footnoteRef:6]. Ocorreram, ento, manifestaes gerais dos trabalhadores ferrovirios da poca e a necessidade de apaziguar um setor estratgico e importante da mo-de-obra daquele tempo fez com que fossem criados benefcios, como a aposentadoria por invalidez, por tempo de servio, penso por morte e a assistncia mdica para o setor, enquanto as vrias outras categorias de trabalhadores permaneceram sem nenhum benefcio. A partir de 1930, o sistema previdencirio deixou de ser estruturado por empresa, passando a abranger categorias profissionais. [6: Em termos de legislao nacional, a doutrina majoritria considera como marco inicial da Previdncia Social a edio da lei Eloy Chaves. Cito, como representativo, CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, Joo Batista. Manual de Direito Previdencirio. 2 ed. So Paulo: LTr, 2001, p. 46.]

Com a criao da Lei Eloy Chaves, outras categorias de trabalhadores passaram a reivindicar a nova forma de proteo social, o que provocou uma rpida extenso dos benefcios previdencirios pelo pas. Em 1933, foi criado o Instituto de Aposentadorias e Penses dos Martimos (IAPM), que foi seguido por outros institutos de aposentadorias e penses, sempre estruturados por categorias profissionais e no mais por empresas. Em 1934, foi criado o IAP dos Comercirios e dos Bancrios e depois, ainda, o dos Industririos (1936), Estivadores e Transportadores de Carga (1937) e o dos Ferrovirios e Empregados em Servios Pblicos (1938).

A Constituio de 1934 foi a primeira a estabelecer a forma trplice da fonte de custeio previdencirio, com contribuies do Estado, do empregador e do empregado, alm de ser a primeira a utilizar a palavra previdncia sem o adjetivo social94. Em seu art. 170, 3 percebe-se que a maior preocupao jurdica com a previdncia ainda era em relao aos funcionrios pblicos, onde se previa a aposentadoria compulsria para os funcionrios pblicos que atingissem 68 anos de idade. Com 30 anos de trabalho era assegurado ao funcionrio pblico uma aposentadoria por invalidez com salrio integral.

A Constituio de 1937 nada evoluiu em relao s anteriores, a no ser o uso da palavra seguro social como sinnimo de previdncia social. A Constituio de 1946 foi a que usou, pela primeira vez, a expresso Previdncia social, substituindo a antiga expresso seguro social.

A Lei 3.807/1960 unificou toda a legislao securitria e ficou conhecida como a Lei Orgnica da Previdncia Social LOPS. Sob sua gide foram criadas leis importantes como a 4.214/1963, que criou o Fundo de Assistncia ao Trabalhador Rural (FUNRURAL), a 4.266/1963 que criou o salrio-famlia e a Lei 4.281, que criou o abono anual. A Emenda Constitucional n 11 definiu o Princpio da Precedncia da Fonte de Custeio ao determinar que nenhuma prestao de servio de carter assistencial ou benefcio compreendido na previdncia social poder ser criada, majorada ou estendida sem a correspondente fonte de custeio.

A Constituio de 1967 no inovou em matria previdenciria, em relao de 1946. Conferiu descanso remunerado gestante antes e depois do parto; seguro obrigatrio do empregador contra acidentes de trabalho; aposentadoria mulher aos 30 anos de trabalho, com salrio integral. Foi tambm a primeira a prever o seguro-desemprego. Em 1969, o Decreto-Lei n 564 estendeu a previdncia social ao trabalhador rural, especialmente ao setor agrrio da agroindstria canavieira. Com a Emenda n1/1969, tambm conhecida como a Constituio Federal de 1969, foi repetido praticamente toda a redao da Constituio de 1967 em relao Previdncia social.

O sistema de seguro de acidente de trabalho foi integrado no sistema previdencirio por meio da Lei 5.316/1967 e neste mesmo ano que nosso sistema deixa de ser de risco social para ser de seguro social, abandonando-se, de vez, a idia de contrato do Direito Civil. O Decreto-Lei 564/1969 estendeu a Previdncia Social ao trabalhador rural, especialmente aos empregados do setor agrrio da agroindstria canavieira. J com o Decreto-lei 959/1969, as empresas passaram a recolher a contribuio previdenciria sobre o trabalho autnomo. O Decreto 68.806/1971 criou a Central de Medicamentos (CEME), que tinha por objetivo distribuir medicamentos a baixo custo enquanto a Lei 5.859/1972 incluiu os empregados domsticos como segurados obrigatrios da Previdncia Social.

A Lei Complementar 11/1971 instituiu o Programa de Assistncia ao Trabalhador Rural (PRORURAL), de natureza assistencial, cujo principal benefcio era a aposentadoria por velhice, aps 65 anos de idade, equivalente a 50% do maior salrio mnimo do pas.

A Lei 6.025/1974 criou o Ministrio da Previdncia e Assistncia Social. A Lei6.136/1974 criou o amparo previdencirio para os maiores de 70 anos ou invlidos, no valor de meio salrio mnimo. O benefcio era devido a quem tivesse contribudo por determinado perodo de tempo com a Previdncia social ou exercido, mesmo sem contribuir, atividade vinculada Previdncia. A Lei 6.260/1975 instituiu benefcios e servios previdencirios para os empregados rurais e seus dependentes. A CLPS (Consolidao das Leis da Previdncia Social) foi editada pela primeira vez pelo Decreto 77.077/1976. A Lei 6.435/1977 restabeleceu a possibilidade de criao de institutos de previdncia complementar.

1.3 A seguridade social na ordem jurdica posta pela Constituio de 1988

A Constituio Federal de 1988, no seu Ttulo VIII, trata da Ordem Social. L-se no art. 193 que A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justia sociais. No captulo II, os artigos dispem sobre a Seguridade Social e a forma trinria por meio da qual atua, isto , na forma de Sade, Previdncia Social e Assistncia Social.

Srgio Pinto Martins define o Direito da Seguridade Social como o conjunto de princpios, de regras e de instituies destinado a estabelecer um sistema de proteo social aos indivduos contra contingncias que os impeam de provar suas necessidades pessoais bsicas e de suas famlias, integrando por aes de iniciativa dos Poderes Pblicos e da sociedade, visando assegurar os direitos relativos sade, previdncia e assistncia social[footnoteRef:7]. [7: MARTINS, Srgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 23 edio. So Paulo: Atlas, 2006.]

A Seguridade Social visa amparar os segurados nas hipteses em que no possam prover suas necessidades e as de seus familiares, por seus prprios meios. O Estado vai atender s necessidades que o ser humano vier a ter nas adversidades, dando-lhe tranqilidade quanto ao presente e, principalmente, quanto ao futuro, mormente quando o trabalhador tenha perdido sua remunerao, de modo a possibilitar um nvel de vida aceitvel. Este , pelo menos, o fim a que se destina, ainda que atualmente isto ainda no seja realidade, tendo em vista os baixos valores da maioria dos benefcios.

Percebe-se que o termo Direito da Seguridade Social e Direito Previdencirio so ambos utilizados para se referir ao mesmo conjunto normativo. Entretanto, o termo Seguridade Social passa uma idia de maior amplitude que o termo previdncia, uma vez que seguridade social gnero, do qual so espcies, conforme previso constitucional, a Previdncia Social, a Assistncia Social e a Sade.

A Previdncia Social o conjunto normativo-institucional que por meio de contribuies, vai cobrir as contingncias decorrentes de doena, invalidez, velhice, desemprego, morte e proteo maternidade, na forma de aposentadorias, penses e seguros. Essas aposentadorias, penses e seguros, pagos pelo Estado brasileiro aos que dele necessitam so chamados de benefcios.

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) pessoa jurdica de direito pblico interno, autarquia subordinada ao Ministrio da Previdncia e Assistncia Social. Aps a promulgao da Lei 11.457/2007, reservou sua atribuio esfera dos benefcios, tendo a funo de conceder e manter as prestaes continuadas e servios previstos no Regime Geral de Previdncia Social (RGPS).

A Assistncia Social, um dos braos da Seguridade Social brasileira, organizada pela Lei 8.742, de 8 de dezembro de 1993. Ela tem o Estado na qualidade de gestor-provedor que promove a distribuio, mediante regras legais, de benefcios e servios em favor dos hipossuficientes que habitam o pas. Justamente por lidar com a hipossuficincia, a Assistncia Social dispensa o critrio da carncia para a concesso de seus servios. Seus servios incluem o pagamento de pequenos benefcios como a renda mensal vitalcia e o benefcio assistencial. Importante frisar que os benefcios previdencirios so distintos dos benefcios assistenciais, mas ambos so controlados e concedidos pelo INSS.

J a Sade um direito pblico subjetivo, que pode ser exigido do Estado, que, por contrapartida, tem o dever de prest-lo. Assim, a Sade o conjunto normativo-institucional que pretende oferecer uma poltica social e econmica destinada a reduzir os riscos de doenas e outros agravos, proporcionando aes e servios para a proteo e recuperao do indivduo. O sistema de sade deve envolver trs espcies de categorias: preveno, proteo e recuperao. Isso porque a ao do Estado deve ser preventiva e curativa, visando recuperar a pessoa por meio de servios sociais e pela reabilitao profissional, sempre visando a reintegrao social.

CAPTULO 2

a seguridade social como tcnica de proteo

Os diplomas bsicos da Seguridade Social so as Leis 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991. Aquela dispe sobre o Plano de Custeio e Organizao da Seguridade Social enquanto esta, sobre o Plano de Benefcios da Previdncia Social, revogando, assim, totalmente a LOPS.

O Regulamento da Previdncia Social dado pelo Decreto 3.048/99, que apresenta disposies relativas ao custeio da seguridade e aos benefcios da previdncia social

A noo de previdncia, portanto, guarda esse sentido de uma atitude que se toma no presente pensando num acontecimento futuro, segundo expe Jefferson Daibert Previdncia o ato ou qualidade do que previdente, sendo este aquele que prev, que prudente. Sendo prudente aquele que previne, previdncia o ato pelo qual se prev ou se antecipa determinado fato, no sentido deevitar-lhe as conseqncias, dano ou mal. a maneira deantecipar-se,precaver-se contra um futuro que poder trazer, a cada um de ns, resultados no queridos.[footnoteRef:8] [8: DAIBERT, Jefferson. Direito previdencirio e acidentrio do trabalho urbano. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 14.]

As medidas de previdncia, em termos genricos, tm como elementos caracterizadores a proteo (visa-se, com o ato previdente, proteger-se; ato que buscam a proteo, motivados, to s, pela iniciativa da pessoa ou grupos de pessoas; a vontade o elemento propulsor da prtica do ato), diante de contingncias (eventos futuros e incertos que atingem o ser humano), a fim de debelar necessidades (carncia ou escassez do que se precisa para viver).

Mas o que distinguiria essa tcnica de proteo denominada previdncia social em relao s demais tcnicas de previdncia (poupana individual, mutualismo, seguro privado)? Noutros termos: quais os elementos caracterizadores (distintivos) da tcnica de proteo social denominada previdncia social?

Nesta linha, h que se anotar a interferncia do adjetivo social quando posposto ao substantivo previdncia; o qualificativo social determina a peculiaridade inerente aos elementos caracterizadores da previdncia socialquanto ao estabelecido em relao previdncia concebida de modo genrico.

A primeira interferncia acontece quanto ao elemento proteo. A nova viso de mundo captada pela sociedade ps Revoluo Industrial permitiu a evoluo de um Estado absentesta para um Estado intervencionista, ou seja, o Estado Liberal, emergente da Revoluo Francesa e apenas preocupado em assegurar direitos civis e polticos, foi substitudo por um Estado Social, interessado em amenizar as graves distores geradas na sociedade pela prtica do laissez faire. Gradativamente, ento, o Estado interferiu na vida do cidado, buscando diminuir as desigualdades e assegurar garantias mnimas para as pessoas no detentoras do poder econmico. Esta prtica se refletiu na iniciativa estatal de editar normas protetivas para o trabalhador quando apto para o exerccio do trabalho ou quando impossibilitado de desempenh-lo. Ento, a partir da intervenincia do Estado, garantindo ao trabalhador e aos seus familiares, em situao de desamparo, meios para a subsistncia que se pde cogitar de previdncia social.

O segundo elemento contingncias tambm se mostra especfico quanto previdncia social, porquanto no so os fatos futuros e incertos, interessantes previdncia genrica, que se mostram pertinentes previdncia social; para esta ltima, certo elenco de fatos que assume relevncia. Quais? Aqueles que interferem na capacidade de subsistncia do trabalhador e, conseqentemente, dos seus respectivos dependentes, ou seja, as contingncias interessantes para a previdncia social so aquelas que repercutem, sob o aspecto econmico, na vida do trabalhador, gerando uma situao de necessidade no superada pelo esforo individual. Da porque interfere o Estado, buscando suprir ou amenizar a necessidade gerada pela contingncia.

A ausncia de interveno do Estado ocasionaria uma repercusso da necessidade gerada pela contingncia na prpria sociedade, razo pela qual as contingncias inerentes previdncia social so denominadas contingncias sociais. Nesta viso, portanto, as contingncias causadoras das necessidades no atingem somente o indivduo, mas tambm toda a comunidade ou parte dela. O corpo social sofre as conseqncias do desamparo do indivduo e do seu ncleo familiar, no somente em virtude de valores ticos e religiosos, mas, tambm, em face da anomia social que se estabelece, gerando a misria e a violncia. Objetivamente, portanto, interessa previdncia, qualificada como social, o conjunto de eventos que atingem a capacidade laborativa do trabalhador, repercutindo economicamente sobre ele e sua respectiva famlia. Destacam-se, portanto, da generalidade dos fatos aqueles que dizem respeito relao de trabalho.

Nesta linha, considerando que as contingncias no mbito da previdncia social, so qualificadas como sociais, as necessidades por elas geradas possuem, tambm, este qualificativo, ou seja, as medidas concretas adotadas pela previdncia social se destinam a amenizar ou eliminar necessidades sociais; o adjetivo social se vincula s necessidades, qualificando-as, na exata medida em que estas so geradas por contingncias que repercutem na sociedade.

As medidas protetoras em relao s contingncias deixaram, portanto, de ter conotao individualista e passaram a ser responsabilidade do Estado, mormente com a assuno do chamado Estado Social e a derrocada do Estado Liberal (passagem do Estado Liberal para o Estado Social). A presena do Estado, portanto, se materializa como trao caracterstico da previdncia social, assumindo carter de direito pblico subjetivo. Nas demais formas de previdncia, o Estado no o artfice da proteo social.

Para ter efetividade, a proteo social exige a participao solidria de toda a comunidade. Somente o esforo conjunto de todos tornar a proteo social um meio eficaz de debelar as necessidades advindas das contingncias sociais. Da o ltimo trao caracterstico da previdncia social: a participao compulsria do protegido, instituindo- se, desse modo, um seguro obrigatrio. No haveria que se falar, pois, em previdncia social, caso ausente a contribuio do prprio destinatrio da proteo previdenciria.

caracterstica complementar fundamental da previdncia social, portanto, a forma de seguro obrigatrio, ou seja, no tem o beneficirio da previdncia social a liberdade de contribuir, ou no, para o sistema que o protege; desempenhando uma atividade laborativa, a pessoa no tem liberdade sobre a filiao e a conseqente contribuio.

Delineados os traos distintivos da previdncia social, podemos conceitu-la, tomando de emprstimo a formulao desenvolvida por Eduardo Rocha DIAS e Jos Leandro Monteiro de MACEDO, como uma tcnica de proteo social destinada a debelar as necessidades sociais dos seus beneficirios decorrentes de contingncias sociais que reduzem ou eliminam a sua capacidade de subsistncia e de sua famlia, instituda pelo Estado por meio de um sistema de seguro social obrigatrio, de cuja administrao e custeio normalmente participam o prprio Estado, os segurados e as empresas[footnoteRef:9]. [9: DIAS, Eduardo Rocha; MACEDO, Jos Leandro Macedo de. Curso de Direito Previdencirio. 2 edio. Rio de Janeiro: Forense; So Paulo: Mtodo, 2010, p. 36.]

Ao contrrio das tcnicas de proteo social at ento existentes, a previdncia social caracteriza-se por ser um direito subjetivo pblico (fruvel em face do Estado). No se trata de favor do Estado, mas de um dever que pode ser exigido pelos beneficirios da previdncia social. Segundo a teoria dos direitos fundamentais, afirma-se que a previdncia social um direito fundamental de segunda gerao (dimenso), vez que previsto constitucionalmente (Captulo II do Ttulo VIII da Constituio Federal) e visa implementar a igualdade material, por meio de exige prestaes positivas do Estado.

Acresa-se que a previdncia social no o ltimo estgio da evoluo da proteo social. Dita proteo provida pelo Estado foi cada vez mais se ampliando, aspirando cobrir todas as contingncias sociais e atender toda a comunidade, independentemente da existncia ou no de contribuio. Esta proteo crescente e generalizada recebeu o nome de seguridade social.

Dentro dessa perspectiva, o legislador constituinte de 1988 disps que a seguridade social compreende um conjunto integrado de aes de iniciativa dos Poderes Pblicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos sade, previdncia e assistncia social (art. 194 da CF/88). A seguridade social, assim, segundo o direito positivo brasileiro, abrange a sade, a previdncia social e a assistncia social, constituindo-se em conceito mais abrangente do que previdncia social (a previdncia social uma das tcnicas de proteo social adotada pela seguridade social).

2.1 - Os princpios previdencirios

Como todo ramo autnomo do Direito, o Direito Previdencirio revela um conjunto de princpios amparados pela Constituio Federal de 1988, a saber: Princpio da Solidariedade; Princpio da Universalidade de Coberturas e Atendimento; Princpio da Uniformidade e Equivalncia de Prestaes entre as populaes Urbana e Rural; Princpio da Seletividade e Distributividade na Prestao de Benefcios e Servios; Princpio da Irredutibilidade do Valor dos Benefcios; Princpio da Equidade na Forma de Participao no Custeio; Princpio da Diversidade da Base de Financiamento e o Princpio do Carter Democrtico e Descentralizado da Administrao Securitria.

2.1.1 Princpio da Solidariedade.

Apesar de o termo solidariedade aludir a uma escolha voluntria e individual, a solidariedade social refere-se a uma das formas encontradas pelo constituinte de diminuir as desigualdades sociais quando alguns, os mais abonados, so compelidos a contribuir, financeiramente ou por meio de prestao de servios, para que outros, sem condies financeiras, tambm estejam cobertos pela Seguridade social.

Fbio Zambitte IBRAHIM entende que este o princpio securitrio de maior importncia, pois traduz o verdadeiro esprito da Previdncia Social: a proteo coletiva, na qual as pequenas contribuies individuais geram recursos suficientes para a criao de um manto protetor sobre todos, viabilizando a concesso de prestaes previdencirias em decorrncia de eventos preestabelecidos[footnoteRef:10]. [10: IBRAHIM, Fbio Zambitte. Curso de direito previdencirio. 14 edio. Rio de Janeiro: Impetus, 2009, pp. 65-66]

Wladimir Novaes MARTINEZ entende que como princpio tcnico, a solidariedade significa a contribuio de certos segurados, com capacidade contributiva, em benefcio dos despossudos. J socialmente, este princpio trata da colaborao marcadamente annima, mesmo obrigatria, dos indivduos enquanto que cientificamente, solidariedade tcnica imposta pelo custeio e exigncia do clculo atuarial[footnoteRef:11]. [11: MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princpios de direito previdencirio. 4 edio. So Paulo: LTr, 2001, p. 75.]

Pois bem, por causa deste princpio que se permite e justifica uma pessoa poder ser aposentada por invalidez em seu primeiro dia de trabalho, sem ter qualquer contribuio recolhida pelo sistema e deixar aos seus dependentes a receber a penso por morte decorrente desta aposentadoria, nos termos da lei. Tambm a solidariedade que justifica a cobrana de contribuies pelo aposentado que volta a trabalhar.

2.1.2 O Princpio da Universalidade de Cobertura e Atendimento

A universalidade da cobertura est relacionada s necessidades dos atingidos por um evento. Este o princpio constitucional que determina que se garanta aos que estiverem em situao de risco (aspecto subjetivo) uma cobertura contra o maior nmero de riscos sociais (aspecto objetivo) possvel. A clientela protegida no Seguro social dos beneficirios, determinados pela legislao brasileira como os segurados e os seus dependentes. Ou seja, todos os residentes no pas faro jus a seus benefcios, no devendo existir distines. Os segurados facultativos, se recolherem a contribuio, tambm tero direito aos benefcios da Previdncia Social.

Na sade e na assistncia social a universalidade de fato a regra. J na Previdncia social, que funciona no regime contributivo, s tero direito aos benefcios e s prestaes aqueles que tiverem contribudo conforme for disposto em lei se a Lei no previr certo benefcio ou se este no for estendido a determinada pessoa, no haver direito a tal vantagem. Tambm importante observar que para a plena realizao desse princpio, necessrio que os recursos financeiros sejam obtidos suficientemente. No haveria como se criarem diversas prestaes sem custeio respectivo, de modo que a universalidade s ser alcanada dentro das possibilidades do sistema.

2.1.3 O Princpio da Uniformidade e Equivalncia de Prestaes entre as Populaes Urbana e Rural.

Com este princpio, que determina deverem ser as prestaes securitrias idnticas para trabalhadores urbanos e rurais, o legislador buscou resguardar um tratamento isonmico e pr fim ao tratamento diferenciado que existia antes da Constituio de 1988. Importante esclarecer que equivalncia no sinnimo de igualdade.

Srgio Pinto MARTINS faz uma crtica interessante a esse princpio quando ele determina que a uniformidade e equivalncia de benefcios e servios seja entre populaes urbanas e rurais, ao invs de determinar uma uniformidade e equivalncia entre todos, servidores civis, militares e congressistas, inclusive. Entretanto, estes possuem regime prprio, em que os benefcios so prestados em valore muito superiores aos pagos pelo RGPS[footnoteRef:12]. [12: MARTINS, Srgio Pinto. Op. cit, p. 53.]

2.1.4 Princpio da Seletividade e da Distributividade na Prestao de Benefcios e Servios.

Tendo em vista o problema bsico da economia, isto , como lidar com a escassez de recursos, este princpio constitucional autoriza que o legislador efetue as chamadas escolhas trgicas, isto , definir na lei oramentria onde aplicar os recursos limitados frente s ilimitadas demandas da sociedade. Com base na doutrina da reserva do possvel este princpio autoriza o legislador a eleger os benefcios e servios que melhor atendam aos mais necessitados. Seletividade implica escolha, assim j se verifica que nem todos os segurados sero atendidos por todos os benefcios. Distributividade implica que medida em que as necessidades forem surgindo, as rendas iro sendo distribudas, sempre visando diminuir as desigualdades sociais.

Por seleo de prestaes se h de entender a escolha, por parte do legislador, de um plano de benefcios compatvel com a fora econmico-financeira do sistema nos limites das necessidade do indivduo. Assim, o rol dos benefcios deve otimizar as coberturas imprescindveis com vistas na proteo possvel, arredando-se a criao de um sem-nmero de direitos capazes de distorcer a tcnica protetiva adotada.

Assim, este princpio se mostraria como um contraponto ao princpio da universalidade da cobertura e do atendimento, pois enquanto no houver condies materiais de atender a todos de forma plena, devem ser priorizados os benefcios e servios que garantam cobertura mais eficaz aos anseios atuais da sociedade. Estaria fornecido, assim, ao legislador uma pauta mnima a indicar quais os possveis e provveis beneficirios da prestao previdenciria, conforme os casos definidos em lei, sendo que qualquer ampliao de sujeitos implicaria a ruptura das condies de equilbrio do sistema.

O seguinte julgado resume bem a compreenso que a jurisprudncia federal tem a respeito do assunto:

Ementa:PREVIDENCIRIO. SENTENA CONDENATRIA PROFERIDA NA VIGNCIA DA LEI N 9.469 /97 -REMESSAOFICIAL, TIDA POR INTERPOSTA. PENSO POR MORTE. ESPOSA SEPARADA DE FATO. ARTIGO 76 , PARGRAFO 2 , DA LEI N 8.213 /91 - INTERPRETAO LITERAL - OBEDINCIA AOPRINCPIODASELETIVIDADE.

I.Remessaoficial tida por interposta, tendo por fundamento a aplicao do artigo 10 da Lei n 9.469 /97. II. A interpretao, a contrario sensu, do artigo 76 , pargrafo 2 , da Lei 8.213 /91, faz concluir que o cnjuge divorciado ou separado, judicialmente ou de fato, que no recebia penso alimentcia, no beneficirio da penso por morte. III. A interpretao da legislao previdenciria, no que concerne enumerao do rol de benefcios e servios, bem como dos seus beneficirios, h de ser sempre literal, no se admitindo a criao de beneficirios que a lei no selecionou. IV. A obedincia aoprincpiodaseletividade,que a Constituio Federal denomina de objetivo da seguridade social, faz com que o legislador escolha as contingncias protegidas pelo sistema, bem como os beneficirios dessa proteo. V. Conforme o disposto no artigo 16, inciso I, e 4 da Lei n 8.213 /91, presume-se a dependncia econmica da esposa em relao ao segurado enquanto mantida a relao conjugal. VI. Em funo da orientao adotada, a apelao da autora, em que pleiteia a majorao de honorrios advocatcios, perdeu seu objeto. VII.Remessaoficial, tida por interposta, e apelao do INSS providas. Apelao da autora prejudicada.

(TRF-3 - APELAO CVEL AC 45176 SP 1999.03.99.045176-2)

2.1.5 Princpio da Irredutibilidade do Valor dos Benefcios.

Este princpio diz respeito correo monetria dos benefcios. Os valores dos benefcios pagos aos filiados do sistema j eram reduzidos no momento de seu recebimento, na medida em que calculados com base numa mdia dos salrios percebidos. Alm disso, o processo inflacionrio dos anos de 1988 tornou visvel a influncia e a preocupao que causou no constituinte, uma vez que esse processo achatava o valor das aposentadorias e penses. Assim, o princpio veio determinar que o valor dos benefcios devesse ser atualizado de acordo com a inflao do perodo. Se no fosse essa garantia, em um curto espao de tempo, dependendo das taxas inflacionrias, o poder aquisitivo dos beneficirios seria comprometido drasticamente.

No mnimo, o princpio significa duas coisas: os benefcios no podem ser onerados; e, devem manter o poder aquisitivo do valor original, atravs de parmetro a ser definido segundo Lei Ordinria e com vistas s circunstncias de cada momento histrico[footnoteRef:13]. Tambm por causa deste princpio que os benefcios previdencirios so insuscetveis de penhora, arresto e seqestro, com as excees do art. 115 da Lei 8.213/91, raciocnio vlido para a penso por morte, cujas prestaes fundamentam a subsistncia de muitas familiares e cuja supresso as deixaria ao desamparo. [13: VIEIRA, Marco Andr Ramos. Manual de Direito Previdencirio. 3 edio. Rio de Janeiro: Impetus, 2003, p. 27]

2.1.6 Princpio da Equidade na Forma de Participao no Custeio

Esse princpio atribui queles que se beneficiarem do sistema a obrigao de participar do seu custeio. Ele tambm implica em um critrio de justia: quem pode mais, paga mais, no se confundindo, portanto, com a igualdade. A equidade procura tratar desigualmente os desiguais. Apenas aqueles que esto em igualdade de condies devem contribuir de forma igual.

Isso sugere a necessidade de uma contribuio coercitiva por parte de todos, exceto aqueles que tenham comprovada a condio de miserabilidade. Assim, repousa este princpio na diferenciao da base de clculo e de alquotas das pessoas eleitas para custear a aflio dos necessitados. da essncia da base de financiamento as pessoas jurdicas contriburem de forma diferenciada das pessoas fsicas.

Esta idia especialmente aplicada na prestao do seguro de acidentes de trabalho, no qual h majorao de alquota em razo do maior risco de acidentes de trabalho e de exposio a agentes nocivos quanto maiores os riscos ambientais, maior dever ser a contribuio. Com este princpio, o legislador pode alterar a hiptese de incidncia de contribuies das empresas em razo de diversos fatores, como a atividade econmica.

2.1.7 Princpio da Diversidade da Base de Financiamento

Trata-se de uma constatao histrica transformada em preceito ao legislador ordinrio. Desde a Lei Eloy Chaves (1923), a Previdncia Social busca a pluralidade de recursos, na tentativa de definir o seguro social com participao do indivduo e da sociedade.

Esse princpio sugere que a base de financiamento da Seguridade Social seja a mais variada possvel, de modo que as oscilaes setoriais no comprometam a arrecadao, permitindo sua evoluo. Por meio dele busca-se garantir que a Seguridade social no seja financiada por apenas uma grupo de contribuintes, mas que possua base ampla. Essa diversidade observada uma vez que a Previdncia social custeada ou financiada com contribuies de trabalhadores, de empregadores, de produtores rurais, de trabalhadores autnomos, da Unio Federal e etc.

com base neste princpio que se uma empresa no possuir empregados, dever ela, mesmo assim, contribuir para com a seguridade social. At parte da receita de concurso de prognsticos (loteria) direcionada seguridade.

2.1.8 Princpio Democrtico e Descentralizado da Administrao

A importncia dada gesto democrtica dos fundos da Seguridade social decorre, inicialmente, dos valores da Constituio de 1988 e da adoo, no Brasil, dos valores beveridgianos. O princpio assegura o reconhecido pelo constituinte, isto , que os trabalhadores-contribuintes so os titulares da Previdncia social, seus legtimos proprietrios, ainda que historicamente a gesto da Previdncia social tenha sido entregue ao Estado146. razovel, portanto, a lgica de democratizao ao assegurar a possibilidade de que as pessoas diretamente interessada participem de sua administrao. A participao das empresas tambm se justifica, pois so responsveis, em parte, pelo custeio securitrio.

Atualmente, essa participao realizada por meio do Conselho Nacional de Previdncia Privada (CNPS), que tem seus membros e suplentes nomeados pelo Presidente da Repblica. Os representantes dos trabalhadores em atividade, dos aposentados, dos empregadores e respectivos suplentes sero indicados pelas centrais sindicais e confederaes nacionais.

Na criao de rgo ou rgos com vasta institucionalizao burocrtica, como o caso da Previdncia social no Brasil, cria-se, correlatamente, grande dificuldade administrativa. Assim a democratizao e a descentralizao visam a dar segurana e moralidade administrao previdenciria, contribuindo para afastar possveis fraudes. A descentralizao, por vez, a distribuio de poderes entre vrios centros de competncia, como ocorre com o Sistema nico de Sade (SUS).

CAPTULO 3 Noes Gerais sobre a penso por morte NO RGPS

3.1 O TEXTO POSTO NA LEI

A penso por morte um benefcio devido aos dependentes do segurado em virtude de seu falecimento, sua previso constitucional encontra-se tipificada no artigo 201 da Magna Carta, sendo disciplinada nos artigos 74 a 79 da Lei n 8.213/91 que dispe sobre os planos de benefcios da Previdncia Social.

Danilo Cruz Madeira afirma que a penso por morte uma verba paga pelo INSS aos dependentes do segurado que vier a falecer, substituindo a renda antes advinda de seu trabalho.[footnoteRef:14] Nessa linha de pensamento Wladimir Novaes Martinez, ao debater sobre a natureza jurdica do benefcio, aduz que a penso por morte prestao dos dependentes necessitados de meios de subsistncia, substituidora dos seus salrios, de pagamento continuado, reeditvel e acumulvel com aposentadoria. Sua razo de ser ficar sem condies de existncia quem dependia do segurado. No deriva de contribuies aportadas, mas dessa situao de fato, admitida presuntivamente pela lei.[footnoteRef:15] [14: MADEIRA, Danilo Cruz. Da penso por morte no regime geral de previdncia social. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2875, 16 maio 2011. Disponvel em: . Acesso em: 28/12/2013.] [15: MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdencirio. 5 edio. So Paulo: LTr, 2013, p.896.]

A funo deste benefcio possibilitar ao dependente um meio para que este possa suprir sua existncia, visto que antes possua meio de executar sua subsistncia, pois contava com a renda mensal do segurado, aps o falecimento deste, viu-se em situao de excepcionalidade. A penso por morte considerada um benefcio de carter permanente, de prestao continuada, substitutivo da remunerao mensal, paga obrigatoriamente e automaticamente na rede bancria autorizada, obedecendo disciplina do art. 41, 4, da lei 8213/91

Conforme o caput do artigo 74 da Lei 8.213/91, in verbis: A penso por morte ser devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou no, a contar da data do bito ou da deciso judicial, no caso de morte presumida.

Podemos ver que os requisitos que se fazem necessrios para que o benefcio seja concedido so: a existncia de beneficirios na condio de dependentes do falecido e a condio de segurado do de cujus.

Apesar de parecer evento nico, a Lei dos Benefcios prev dois tipos de morte que originam o dever de pagamento da penso: a efetiva ou real e a presumida. Esses tipos distintos de morte ocasionam algumas diferenas na concesso desse benefcio, conformese depreende da leitura do art. 74 e seus incisos, da Lei 8.213:

Art. 74. A penso por morte ser devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou no, a contar da data:

I - do bito, quando requerida at trinta dias depois deste;

II - do requerimento, quando requerida aps o prazo previsto no inciso anterior;

III - da deciso judicial, no caso de morte presumida.

Como o nome sugere, a morte real aquela verificada pelo efetivo falecimento do segurado, sendo que a prova perante a autoridade administrativa faz-se por meio de uma certido de bito, expedida pelo cartrio de registro civil. Esta certido importante, uma vez que dela depende a DIB da penso almejada. Quando a morte real, a penso ser devida a partir do bito, em sendo requerida at 30 dias depois deste. Esta regra de extrema importncia, uma vez que se esses 30 dias transcorrerem, a penso somente ser devida a partir da data de entrada do requerimento (DER), no retroagindo data do bito.

J a morte presumida pode ocorrer em duas modalidades: a primeira a simples ausncia do segurado e a segunda d-se quando ocorre o desparecimento do segurado num acidente, desastre ou catstrofe, em que no possvel localiz-lo.

As mortes presumida por ausncia e por desaparecimento so tratadas no art. 78 da Lei 8.213/91, transcrito in verbis:

Art. 78. Por morte presumida do segurado, declarada pela autoridade judicial competente, depois de 6 (seis) meses de ausncia, ser concedida penso provisria, na forma desta Subseo.

1 Mediante prova do desaparecimento do segurado em conseqncia deacidente, desastre ou catstrofe, seus dependentes faro jus penso provisria independentemente da declarao e do prazo deste artigo.

2 Verificado o reaparecimento do segurado, o pagamento da penso cessar imediatamente, desobrigados os dependentes da reposio dos valores recebidos, salvo m-f.

Interessante observar que, em se tratando de penso e de segurado com elenco nas Leis 8.212/91 e 8.213/91, no importa onde tenha ocorrido o evento morte, o desaparecimento ou a ausncia devidamente comprovada, seja em territrio nacional, seja em rea internacional: nascer, de qualquer forma, o direito percepo do benefcio

3.2 Segurados, partio do benefcio e dependncia econmica

Para fazer jus ao benefcio, o dependente no precisa estar vinculado a Previdncia Social, basta apenas ser dependente do segurado, segundo o artigo 16 da Lei n 8.213/91, h trs classes de dependentes do segurado, a saber:

I o cnjuge, a companheira, o companheiro e o filho no emancipado, de qualquer condio, menor de 21 anos ou invalido;

II os pais;

III o irmo no emancipado, de qualquer condio, menor de 21 anos ou invalido.

Jos Ernesto de Aragons Vianna ao dissertar sobre a relao de dependncia preceitua que: A relao de dependncia no Direito Previdencirio no se confunde com o trato da mesma relao no Direito Civil, pois aquele tem regras prprias; por isso, em nada foi alterada a relao de dependncia na previdncia social pela modificao do Cdigo Civil, em 2002, no sentido de por termo menoridade aos 18 anos completos.[footnoteRef:16] . [16: VIANNA, Joo Ernesto Aragons.Curso de Direito Previdencirio. 3. Edio. So Paulo: Atlas, 2010, p. 415.]

Podemos ver que no Direito Previdencirio leva-se em considerao apenas a dependncia econmica das pessoas arroladas no artigo 16 da supramencionada em relao ao segurado.

O cnjuge, o companheiro e o filho, possuem dependncia econmica presumida, o que no acontece com os demais dependentes, portanto os demais dependentes devem comprovar o vnculo de dependncia econmica.

A renda recebida pelos dependentes no poder ser inferior a um salrio mnimo, pois este benefcio possui natureza remuneratria por ter pretenso de substituir a renda laboral do segurado. Em caso de existir mais de um dependente, o valor aferido ser rateado entre os mesmos.

Duas regras se fazem de grande importncia para a partilha da penso por morte, so elas: a) a existncia de dependente na classe anterior exclui os da posterior; b) os dependentes da mesma classe, concorrem de forma igualitria ao rateio do benefcio.

Vejamos este caso hipottico, Caio e Tcio so filhos de Maria e Joo, Maria est divorciada de Joo e j est novamente casada, enquanto Joo permaneceu na condio de divorciado, aps sua morte, Maria no ter direito a nada j que no possui vnculo de dependncia econmica com o segurando, no entanto, seus filhos Caio e Tcio possuem, devendo o benefcio ser rateado entre os dois de forma igualitria, independentemente de idade, neste caso os pais de Joo ainda so vivos, conforme a regra citada anteriormente, estes no podero concorrer com os netos para fazerem jus a penso devida pelo segurado.

Entende-se que o segurado que tiver adquirido algum tipo de aposentadoria, mesmo que com a perda da qualidade de segurado, a penso estar garantida aos dependentes, o enteado e o tutelado por mais que figurem na classe I, no possuem dependncia presumida.

O cnjuge o dependente que se mantm em uma relao conjugal com o segurado ou se dele estiver separado ou divorciado, recebendo penso de alimentos, perder o status de dependente nos casos decorrentes de separao judicial ou divrcio, sem a penso de alimentos, anulao do casamento, bito ou por sentena judicial transitada em julgado. Ao cnjuge separado de fato, desde que mantenha a dependncia econmica, ser considerado dependente para fins previdencirios, nos termos dos pargrafos primeiro e segundo do artigo 76 da Lei 8.213/90.

O momento que deve ser efetivamente comprado o vnculo de dependncia econmica a poca do bito, pois inexiste dependncia com o segurado j falecido. Exceo a essa regra se faz com o teor da smula n 336 do Superior Tribulam de Justia, fixando que:A mulher que renunciou aos alimentos na separao judicial tem direito penso previdenciria por morte do ex-marido, comprovada a necessidade econmica superveniente.

Por companheiro entendemos que o ser que mantm unio estvel com o segurando nos moldes do artigo 226 pargrafo terceiro da Constituio Federal Brasileira. O Decreto n 3.048/99 que dispe sobre o regulamento da previdncia social, considera unio estvel aquela que verificada como entidade familiar quando ambos, segurado e a pessoa que com ele viva, forem solteiros, separados judicialmente, divorciados ou vivos; ou tiverem prole em comum.

A legislao impe bastante dificuldade na comprovao de dependncia econmica na unio estvel, mas a jurisprudncia bem sensvel a essa situao, veja-se:

PREVIDENCIRIO. PENSO POR MORTE. ART. 74 E SEGUINTES DA LEI 8.213/91. BITO, CONDIO DE SEGURADO E DEPENDNCIA ECONMICA COMPROVADAS.

1. As provas colhidas nos autos indicam que o "de cujus" era segurado da Previdncia Oficial ao tempo de seu bito, embora laborasse sem o devido registro do contrato de trabalho, o que resta provado por incio de prova documental, ao teor da Smula n 149, do E.STJ.

2. Tratando-se de segurado empregado, as contribuies previdencirias devem ser cobradas do empregador, que responsvel tributrio pelos seus descontos e recolhimentos, no sendo possvel exigi-las de quem reclama penso por morte, j que a obrigao cabia a outra pessoa.

3. As disposies do art. 24, nico, da Lei 8.213/91, so inaplicveis penso por morte, tendo em vista que esse benefcio independe de carncia, ao teor do art. 26, I, da mesma lei.

4.Pelo que consta dos autos, verifica-se que a parte-requerente e o "de cujus" viviam maritalmente, em coabitao e formando uma unidade familiar, na qual verificava-se dependncia econmica mtua, do que resulta unio estvel para fins do art. 226, 3, da Constituio Federal e da lei previdenciria.

5.Conforme o art. 16, I, e 4, da Lei 8.213/91, presume-se dependncia econmica da companheira em relao ao segurado falecido, mesmo que essa dependncia no seja exclusiva, pois a mesma persiste ainda que os dependentes tenham meios de complementao de renda. Smula 229, do extinto E.TFR. Tambm possvel acumular penso e aposentadoria, ante inexistncia de vedao na Lei 8.213/91, proibindo-se apenas o pagamento de mais de uma penso a um nico beneficirio.

6.Esse benefcio devido ao conjunto de dependentes do "de cujus" que renam as condies previstas nos art. 77 da Lei 8.213/91, no obstando o pagamento a constatao de ausncia de filho ou cnjuge, assegurado o direito eventual habilitao posterior.

7.A penso deve ser calculada segundo a legislao vigente ao tempo do bito (independentemente da data de seu requerimento ou de seu termo inicial), incidindo reajustes na forma das normas previdencirias, rateando-se o montante igualmente entre todos os dependentes, revertendo em favor dos demais a parte daquele cujo direito penso cessar na forma do 2 do art. 77 da Lei 8.213/91. tambm devido o abono anual.

8.Tendo o bito ocorrido antes da vigncia da MP 1.596-14, de 10.11.97, que resultou na Lei 9.528 (DOU de 11.12.97), h que se emprestar interpretao conforme a constituio nova redao dada ao art. 74 da Lei 8.213/91, para assegurar direito adquirido concesso da penso desde a data do bito, sendo os valores em atraso acrescidos de correo monetria (na forma do art. 1, II, da Portaria DFSJ/SP n 92, de 23.10.2001 - DOE de 1.11.2001, Caderno 1 - Parte II, pg. 02/04, e da Smula 08 desta Corte), e juros 0,5% (meio) ao ms a partir da citao vlida (calculados de forma global sobre o valor atualizado de cada prestao vencida anterior citao, e decrescente aps a citao, observada a Smula 204 do E.STJ).

9. O INSS isento de custas, mas no de honorrios advocatcios, fixados em 15% do valor da condenao, excludas as parcelas vincendas em conformidade com a Smula 111 do E.STJ.

10. Apelao da parte-requerente qual se d provimento.(TRF3 - 3 T AC 199903990611819, Rel. JUIZ CARLOS FRANCISCO, DJU DATA: 18/11/2002 PGINA: 653).

Filho o descendente direito de primeiro grau de qualquer condio: legtimo legitimado, adulterino, adotivo etc., igualados em direitos pelo 6 do art. 226 da CRFB. Equiparados a filhos, sero os enteados e os tutelados, o enteado o filho do cnjuge ou do companheiro com terceiro, que convive com o segurado, enquanto o tutelado o considerado na forma da legislao civil, mediante declarao judicial, desde que no possua meios para manter a sua subsistncia. Por seu turno, o segurado a pessoa fsica que est filiada ao Regime Geral da Previdncia Social, ou seja, estar efetivamente vinculado Previdncia, e uma vez perdido esse elo no h como se pretender que seja devido o benefcio.

A filiao automtica decorrncia natural da compulsoriedade do sistema protetivo. Em virtude desta condio, caso o segurado deixe de exercer a atividade remunerada, como em virtude de desemprego, deveria, automaticamente, perder sua filiao ao RGPS. Entretanto, em razo da natureza protetiva do sistema previdencirio, e pelo fato de, na maioria das vezes, o segurado encontrar-se sem atividade por fora das circunstancias (desemprego etc.), no deve permanecer desamparado em tal momento. Por isso, a lei prev determinado lapso temporal, no qual o segurado mantm esta condio, com cobertura plena, mesmo aps a interrupo da atividade remunerada e mesmo sem contribuio, da justificando o nome de perodo de graa.

Neste perodo o segurado mantm seu vnculo com a previdncia social, conserva sua qualidade de segurado, este perodo de manuteno mera extenso previdenciria com fito de dar oportunidade ao trabalhador de conseguir novo labor.

Nesse perodo, no h contribuies, mas permanece, por fico legal, a qualidade de segurado pelo lapso previsto no artigo 15 da Lei n 8.213/91, que diz:

Art.15.Mantm a qualidade de segurado, independentemente de contribuies:

I - sem limite de prazo, quem est em gozo de benefcio;

II - at 12 (doze) meses aps a cessao das contribuies, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdncia Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remunerao;

III - at 12 (doze) meses aps cessar a segregao, o segurado acometido de doena de segregao compulsria;

IV - at 12 (doze) meses aps o livramento, o segurado retido ou recluso;

V - at 3 (trs) meses aps o licenciamento, o segurado incorporado s Foras Armadas para prestar servio militar;

VI - at 6 (seis) meses aps a cessao das contribuies, o segurado facultativo.

1O prazo do inciso II ser prorrogado para at 24 (vinte e quatro) meses se o segurado j tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuies mensais sem interrupo que acarrete a perda da qualidade de segurado.

2Os prazos do inciso II ou do 1 sero acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situao pelo registro no rgo prprio do Ministrio do Trabalho e da Previdncia Social.

3Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdncia Social.

4A perda da qualidade de segurado ocorrer no dia seguinte ao do trmino do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuio referente ao ms imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus pargrafos.

A morte do segurado deve ocorrer enquanto o mesmo estiver efetivando as contribuies a previdncia social ou, se estiver sem contribuir, permanecer como segurado enquanto durar o perodo de graa, que em regra de doze messes, salvo as excees conforme o dispositivo supracitado.

Entretanto se o segurado na data de seu bito, no possuir mais a qualidade de segurado, a penso por morte no ser mais devida aos seus dependentes, salvo se comprovarem que o mesmo possua direito, enquanto vivo de aposentar-se, sob qualquer modalidade prevista no RGPS, pois dessa forma mantm a qualidade de segurado, porm no usou esse direito por motivos pessoais.

4 a expanso de direitos previdencirios com a ampliao subjetiva do conceito de famlia

4.1 Direitos familiares?

Portanto, a possibilidade de pensar a ampliao do leque de possveis contemplados pelo benefcio de penso por morte impende definir em que termos o legislador pensou a famlia do segurado como seu dependente. Mas, famlia conceito sociolgico, antes que jurdico. Na verdade, nem mesmo compete sua definio ao Direito da Seguridade Social, Sua qualificao como elemento de suporte ftico de atribuio de direitos previdencirios, vem associado a um conjunto de evolues no discurso dos direitos humanos e fundamentais da famlia, segundo entende Sergio Resende de Barros[footnoteRef:17]. [17: BARROS, Sergio Resende de. Palestra proferida em 3 de dezembro de 2003, no II Encontro de Direito de Famlia do IBDFAM/AM, realizado em Manaus. Disponvel em: . Acesso em: 28/12/2013]

O direito de famlia o mais humano dos direitos. No entanto, apesar disso, ele no tem sido correlacionado com os direitos humanos. Para essa omisso deve haver uma justificao. Algo dificulta enxergar como direitos humanos os direitos subjetivos relativos famlia. preciso remover esse empecilho. Mas, onde encontr-lo?

J que a linguagem condiciona o pensamento, para ela que de pronto se volta a ateno. De fato, o que se exprime melhor num idioma entendido melhor por quem o fala. A lngua portuguesa fornece um exemplo clssico: o termo saudade traduz um sentimento que, embora universal, no bem compreendido seno por quem fala portugus. Realmente, a linguagem pode incrementar ou no o pensamento de um objeto pelo sujeito.

em face desse condicionamento que se verifica no linguajar jurdico um fato: h uma peculiar dificuldade de expresso afetando o direito de famlia. Noutros campos, como no direito constitucional e no direito de autor, a linguagem facilita perceber os direitos subjetivos agasalhados no direito objetivo. Fluentemente se fala em direitos constitucionais e direitos autorais para designar os direitos subjetivos. O mesmo no se passa com o direito de famlia. Como designar os direitos subjetivos referidos famlia? Seriam direitos de famlia, direitos familiares, ou direitos familiais? Nenhuma dessas expresses soa adequada. Direitos de famlia poderia tambm se referir a diversos direitos de famlia, como o brasileiro, o portugus, o espanhol, o francs, etc. Direitos familiares evoca uma indesejvel idia de intimidade. E direitos familiais um dizer ainda estranho ao uso comum.

Sem dvida, falta um nome geral para os direitos reconhecidos pela legislao da famlia. Isso embaraa sua visualizao. Mas no deve obstruir o intuito de relacion-los com os direitos humanos. Com esse intuito, na esteira do pensamento de Sergio Resende de Barros cham-los direitos humanos familiais. preciso insistir em dizer direitos familiais, a fim de que essa locuo deixe de ser estranha. Ela faz falta ao direito de famlia. Diga-se, pois, direitos humanos familiais, para designar os direitos humanos que derivam dodireito fundamental famliapara concretiz-lo.

H quem separe direitos humanos de direitos fundamentais. Mas os direitos humanos e os direitos fundamentais no constituem institutos jurdicos distintos, cuja diferena especfica estaria no fato de serem os direitos fundamentais a positivao dos direitos humanos na Constituio. Esse critrio traz como corolrio inevitvel um estigma positivista: sem positivao constitucional, os direitos humanos no seriam fundamentais. O que retiraria humanidade ao fundamental e fundamentalidade ao humano. Contra isso se opem a prtica e a teoria dos direitos humanos, em cujo movimento histrico e lgico eles constituem um todo dialtico, formado de direitos mais gerais, principais ou principiais, que interagem com direitos mais particulares, instrumentais ou operacionais. Ou seja, o princpio e a sua atuao se apiam reciprocamente, sem separar-se um do outro, formando um todo fundamental para a eficcia dos direitos humanos.

Dessa maneira, conjugando direitos principiais com direitos operacionais, entra em ao um s e mesmo instituto jurdico os direitos humanos para um s e mesmo fim: realizar toda a essncia humana em toda a existncia humana, ou seja, realizar o ser humano nos indivduos humanos, nas condies de dignidade condizentes com o momento presente da histria da civilizao. Em verdade, no s realizar, mas tambm garantir a humanidade assim realizada.

Foi no incio da era contempornea que se comeou a falar em direitos fundamentais do homem e do cidado. Eram os direitos humanos que despontavam. Ento eles surgiram de forma absoluta para combater a monarquia absoluta. Absoluto contra absoluto. Eram direitos absolutos do indivduo, opondo-se a poderes absolutos do rei. Para tanto, as revolues liberais declararam direitos naturais e universais, imprescritveis e inalienveis, ou seja, realmente, direitos absolutos.Direitos individuais, mas abstratamente genricos: de todo indivduo humano, de todo o gnero humano. Tais como o direito vida, liberdade, igualdade, fraternidade, felicidade, segurana e outros igualmente abstratos e gerais.

A eles, convm chamar direitos humanosprincipiais, ou fundamentais principalmente ditos, porque so princpios de outros direitos mais particulares, que neles vo se fundamentar para lhes dar concretude, operacionalizando-os em situaes mais determinadas. A estes direitos mais concretos e particulares, instrumentos de realizao daqueles mais abstratos e gerais, convm chamar direitos humanosoperacionaisou instrumentais. Estes atuam e efetivam os direitos humanos que lhes so principiais.

Sucede, assim, um constante e contnuo desdobramento dos direitos humanos em um plexo de interaes, em cujo contexto o mais fundamental ganha operacionalidade na mesma proporo em que o mais operacional ganha fundamentalidade, completando-se um ao outro, integrando-se um com o outro: um d princpio quele que lhe d acabamento. A operao realiza o princpio na mesma proporo em que o princpio enforma a operao. Nessa exata proporo sem perder a humanidade do fundamental, nem a fundamentalidade do humano os direitos humanos so ponderados numa escala de fundamentalidade, ao longo da qual tanto se vai de principiais para operacionais, quanto se volta destes para aqueles, em graus sucessivos, mas contnuos. Desse modo, nessecomplexo de correlaes, todo o humano continua a ser fundamental, como todo o fundamental continua a ser humano, sem separar direitos humanos de direitos fundamentais.

H situaes em que o direito operacional brilha de per si. Como que incandesce. Sua fundamentalidade se torna evidente. Por exemplo, de noite, perto do Aeroporto de Congonhas, em So Paulo, basta a fundamentalidade do direito ao sono para justificar a proibio de pousos e decolagens. Com efeito, a sade e a prpria vida no subsistem sem o sono. Assim, por ser operacional e inseparvel dos direitos sade e vida, aos quais se liga por uma necessidade natural e irresistvel, o direito ao sono nem sequer precisa ser declarado como fundamental ou imposto como norma para, mesmo sem autorizao especfica de lei ou da Constituio, legitimar uma resoluo administrativa que restrinja outros direitos, como o de propriedade, o de locomoo, o de livre empresa e outros. Para tanto, suficiente a evidncia de sua fundamentalidade como direito humano.

Outras vezes, convm declarar. Exemplo: o direito de amamentar tambm operacional do direito vida e sade, aos quais tambm se liga por uma necessidade natural, mas resistvel. Como neste caso possvel resistir necessidade natural, uma vez que a vida pode subsistir e at com sade sem o aleitamento materno, o direito amamentao vinha sendo objeto de resistncia nos presdios brasileiros. O que tornou conveniente culturalmente necessrio inclu-lo entre os direitos individuais declarados pela Constituio de 88, cujo artigo 5o, inciso L, determina que s presidirias sero asseguradas condies para que possam permanecer com seus filhos durante o perodo de amamentao. Por certo, continuar sendo conveniente declarar na sua Constituio esse direito de amamentao. Isso no banalizar os direitos fundamentais, mas sim garanti-los na proporo do necessrio.

Dos exemplos se v que, como os operacionais implementam os principiais, eles so igualmente fundamentais, porque sem eles os principiais seriam meros ideais, sem eficcia prtica. H um condicionamento mtuo em que o operacional e o principial interagem como fundamentais para a eficcia dos direitos humanos, o que ilide a possibilidade de separar um do outro pelo peso da fundamentalidade. Tanto verdadeira essa inseparabilidade, que ela se verifica na prtica histrica.

De fato, desde as primeiras declaraes, no fim do sculo XVIII, nos Estados Unidos e na Frana, os direitos mais principiais j vieram acompanhados de outros mais operacionais. Assim, o direito liberdade j apareceu implementado pelos direitos de manifestar opinies pela imprensa, de promover reunies pacficas, de exercer livremente os cultos e at por direitos operacionais polticos, como o direito de reformar a Constituio e o de resistir opresso. No curso do sculo XIX, o capitalismo selvagem, propiciado pela revoluo liberal acoplada com a revoluo industrial, desencadeou uma desmedida explorao das massas sociais pelo poder econmico. Premidos pela misria gerando a revolta, os operrios desencadearam uma enorme questo social.

O eclodir da questo social deixou evidente a necessidade histrica de melhorar a condio social de exercer concretamente os direitos individuais que haviam sido declarados abstratamente pelo Estado liberal, de forma to alienada do meio social, que acabaram por constituir privilgios da burguesia, sucessivos aos privilgios feudais da nobreza, no descendo da elite para a base da sociedade. Assim, a principiar de direitos do operariado, vieram como ainda esto surgindo direitos de cunho social para proteger as categorias mais fracas em face das mais fortes, nas relaes sociais que mantm entre si.

No direito de postura liberal, todos os indivduos so tratados igualmente pela lei, sem levar em conta sua condio social e at sua condio fsica. Mas, tentando resolver essa questo social propiciada pelo direito liberal, o direito social surgiu com direitos subjetivos de teor econmico, social e cultural, sucintamente ditos direitos sociais, em que os desiguais vieram a ser tratados desigualmente, na proporo em que se desigualam. Embora novos, os direitos gerados pelo Estado Social so consecutivos: visam consecuo de meios materiais para dar aos indivduos igualdade de condies de fruir dos direitos individuais advindos do Estado Liberal.

Tm sido vistas a duas geraes de direitos humanos: os direitos individuais e os direitos sociais. Mas facilmente se nota um fato: os direitos declarados no Estado Social so operacionais dos direitos principiais declarados no Estado Liberal. Houve uma continuao em busca de uma concreo que implica difuso. Os direitos sociais continuam direitos individuais, dos quais so conseqentes e instrumentais, tendendo a difundi-los cada vez mais. Em vez de geraes, h uma continuidade de gerao de direitos subjetivos, para dar cada vez mais eficcia a direitos individuais mediante direitos sociais tendentes a ser direitos difusos. Assim se alonga uma caudal de direitos, que hoje tende a desaguar em direitos de todos os indivduos, gerando e assegurando a solidariedade entre eles para construir e defender a sua prpria humanidade.

O fim dessa tendncia despontou com a dita terceira gerao: a dos direitos de solidariedade, que embora principiada na ordem internacional hoje atrai o todos os direitos humanos para uma universalizao efetiva e real, e no meramente discursiva e ideal. Por isso que os direitos humanos devem ser definidos teoricamente pelo que tendem a ser praticamente: poderes-deveres de todos os sujeitos em relao a todos os sujeitos sobre todos os objetos, mas na proporo razovel para edificar e preservar a humanidade. a expanso maior a que propendem os direitos humanos: a difuso.

Dessa maneira se vem inovando passando de absolutamente individual para sempre mais relativamente social a funo em que os direitos subjetivos so considerados no direito objetivo. Justamente para no serem negados, mas afirmados concretamente, no s a propriedade, mas todos os objetos do direito at mesmo a liberdade vm sendo cada vez mais postos em funo social, moderadora de sua funo individual. Essa inovao social dos direitos comeou na relao de trabalho. Mas se veio como se vai difundindo por outras e outras relaes sociais. Hoje, com uma fora redobrada pela atual Constituio e pelo novo Cdigo Civil, alcana as relaes de famlia.

Tambm no direito de famlia se verifica o desdobrar contnuo e conseqente dos direitos em principais e operacionais em processo de difuso. Cada qual, a seu modo, como princpios ou como meios, os direitos familiais so fundamentais para a eficcia dos direitos humanos. Mas isso leva a perguntar: qual no direito de famlia o direito humano fundamental de todos os outros direitos familiais? A resposta : o prprio direito famlia.

Ao falar de direitos humanos, logo vem mente o direito vida. Mas no se pode pensar na vida humana sem pensar na famlia. O direito vida implica e funda o direito famlia como o primeiro na ordem jurdica das entidades familiares, o mais fundamental dos direitos familiais. Mas tambm outros direitos humanos levam a pensar na famlia. Liberdade, igualdade, fraternidade, felicidade, segurana, sade, educao e outros valores humanos bsicos se relacionam com o direito famlia e remetem ao lar, onde eles se concretizam em direitos familiais. Mas, a partir do lar e a principiar do direito famlia, os direitos familiais s se realizam plenamente se estiverem envolvidos e sustentados pelo afeto.

Da famlia, o lar o teto, cuja base o afeto. Lar sem afeto desmorona. Por isso, os direitos ao afeto e ao lar se associam entre si, bem como se ligam aos demais direitos operacionais da famlia, pelos quais devem ser assegurados em seus vrios aspectos: o fsico, o social, o econmico, o cultural e o psquico.

Da famlia, h direitos que garantem a infra-estrutura fsica, como o direito moradia e ao bem de famlia. H direitos que lhe promovem a estrutura social, como o direito ao parentesco, o direito de contrair casamento ou de permanecer em unio estvel, o direito igualdade entre os cnjuges, o direito ao planejamento familiar, o direito ao poder familiar, o direito obedincia filial, o direito paternidade, maternidade e adoo. H direitos cujos objetos se voltam para a estrutura econmica da famlia, como o condomnio patrimonial, a herana, a sucesso, os alimentos, as penses. H direitos pertinentes superestrutura cultural, como o direito vivncia domstica e convivncia familiar, o direito ao apoio da famlia. Enfim, h direitos que zelam pela intra-estrutura psquica da famlia: o direito a conhecer o pai ou a me, o direito ao respeito entre os familiares, e outros mais.

Eis um elenco de direitos humanos familiais. Todos, postos e dispostos em funo da solidariedade humana, que comea na solidariedade interna famlia. A humanidade se constri pela fora maior da solidariedade humana, em cuja origem est a solidariedade familiar, fomentada pelo afeto culminando no amor. O amor faz do indivduo humano um ser humano. Identifica uns com os outros e gera em todos ns a solidariedade entre todos ns. Se a famlia a matriz, a solidariedade a motriz dos direitos humanos. Um homem trabalhando vinte horas no ergue um peso que vinte homens erguem trabalhando juntos solidariamente durante uma hora. A solidariedade gera uma fora maior: a fora da sociedade humana. a nica fora capaz de construir com dignidade a humanidade em toda a sociedade humana, o que historicamente partiu e, portanto, eticamente deve partir do seu ncleo inicial: a famlia. Nesses termos, o direito famlia se liga ao maior dos direitos humanos: o direito humanidade.

Essa macroviso situa os direitos familiais como direitos tendentes difuso, que no podem ser negados a nenhum sujeito humano a respeito de nenhum objeto humano. No toleram excluso ou detrimento. Sob nenhum pretexto. Mesmo se faltar o suporte do afeto ou do lar. Congruente com essa viso ntegra, que a de sua poca, o regime jurdico instaurado pelo Constituinte de 88 exige a isonomia. Por esta, devem primar os princpios e as regras do direito de famlia. O que d causa a freqentes inconstitucionalidades.

Assim, por princpio, so inconstitucionais os tratamentos que desigualam ou descartam a filiao afetiva em funo da biolgica ou vice-versa adota-se, aqui, o entendimento de Sergio Resende de Barros[footnoteRef:18]. Seja porque nascidos do afeto, seja porque nascidos sem o afeto, os filhos no podem sofrer, s por isso, nenhum detrimento. Em face desse princpio so inconstitucionais, pois, as regras vertidas no fim do caput e no pargrafo nico do art. 1601 do Cdigo Civil de 2002, timbrando de imprescritvel a ao do marido para impugnar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher e facultando aos herdeiros do impugnante a continuao da ao. Tais regras vm premiar o pai negligente e seus herdeiros. Prestam-se ao vilipndio da dignidade da mulher e degradao da maternidade. Ignoram e desrespeitam a convivncia familiar e comunitria. Enfim, constituem uma forma discriminao, violncia, crueldade e opresso baseada na superada distino entre filhos legtimos e ilegtimos. Tudo, ao contrrio dos princpios que com absoluta prioridade a Constituio firma no caput e no 6 do art. 227. [18: BARROS, Sergio Resende de. Palestra proferida em 3 de dezembro de 2003, no II Encontro de Direito de Famlia do IBDFAM/AM, realizado em Manaus. Disponvel em: . Acesso em: 28/12/2013.]

Tambm carece de constitucionalidade o inciso II do art. 1.641 do mesmo Cdigo, ao vedar aos maiores de sessenta anos a liberdade de fixar o regime de bens. Igualmente, por ferir a isonomia, fere a Constituio o caput do artigo 1.790 do Cdigo, ao limitar a sucesso dos companheiros aos bens adquiridos onerosamente durante a unio estvel. Se a Constituio inclui a unio estvel entre as formas de entidade familiar que considera igualmente vlidas, no constitucional desigualar o que ela igualou. A frase devendo a lei facilitar sua converso em casamento, no 3 do art. 226 da Constituio, tem sido mal interpretada. Facilitar no quer dizer incentivar. Apenas significa no dificultar. A, o Constituinte apenas ps uma cautela, a fim de evitar que o casamento seja dificultado em seqncia ou por conseqncia da unio estvel. Em vez de desigualar, buscou manter a igualdade entre essas duas formas de entidade familiar que admitiu. No erigiu superioridade. No disps hierarquia. Ao invs, garantiu a equivalncia e, portanto, a isonomia entre duas entidades familiares igualmente freqentes na sociedade brasileira.

Por corolrio, sob pena de contradio irremedivel, a garantia de isonomia se estende logicamente aos membros de ambas as entidades, no se admitindo desigualar os companheiros por unio estvel em cotejo com os cnjuges por casamento. Assim, tambm so inconstitucionais os incisos do art. 1.790 do Cdigo, no que desfavoream os companheiros quanto s condies especficas em que participam da sucesso um do outro, em confronto com as condies que, para igual fim, o art. 1.829 brinda aos cnjuges. Por exemplo, se no casamento o cnjuge sobrevivente prefere aos colaterais, igual preferncia deve ser dada aos companheiros por unio estvel. O que impe adaptar a prpria terminologia: no h mais por que chamar sucesso legtima apenas a que decorre da lei no mbito do casamento.

4.2 O reconhecimento c