Fundamentos Estéticos da Educação

67
FUNDAMENTOS ESTETICOS DA EDUCAc;:AO JOAO- FRANCISCO DUARTE JR. COL E (AO E D U CA(AO COnTEmPORAnEA Fundamentos Esteticos da E d u c a ~ a o Joao-Francisco Duarte Junior Ul timamente a e d u c a ~ o tern mereddo uma infinidade de textos, muitos dos quais apresentan- do determinadas formulas e tecnicas, com o in- tuito de torna-la mais "atraente", para o edu- cando, ou mais segura a sua aprendizagem. De certa forma tais eseritos se assemelham muito aos famosos "como fazer" ("how to make"} norte-americamos, e acabam pecando pela au- sencia de uma reflexao em torno dos fundamen- tos da educa.;ao; fundamentos esses de ordem fi- losofica e ate politica. Este, porem, nao e urn texto assim. Justamen- te o que nele niio cxiste sao as formulas e reeeitas para se melhorar o ensino. 0 autor procura situar-se nas premissas basicas do conhecimento humano, o sentir eo pensar, e em torno del as de- senvolvcr o seu tema: a importdneia da Arte na formacao do hornem. Procura, atraves de uma linguagem propositalmente simples, pensar a e d u c a ~ a o e o processo do conhecimento - situa- dos em urn contexto cultural - , numa reflexao em q ue estao envolvidos elementos da Antropo- J ogia Filos6fica, da Psicologia, da Filosofia da .Educac;ao e da Arte. Aqui o que se pretende e, de certa rnaneira, ampliar os dominios da e d u c a ~ i l o , que vern sendo sistematicamehte es t reitados pela visao da escola como simples transmissora de co- nhecimentos "objetivos" e agencia formadora de mao·de-obra para o mundo tecnol6gico. A Art e nao leva a p r o d u ~ a o de autom6veis mais velozes, nem de detergentes mais eficazes, e por isso ela e relegada a ser quase nada nos curri- culos de nossas escolas. Contudo. ela pode con- duzir a f o r m a ~ a o de i ndividuos mais sensiveis. Mais sensiveis a sua c o n d i ~ a o hu"\ana e a eati- dade a sua volta, Jevando-os, conseqilcntemente, a pensarem d e forma critica o contexto onde es- tao. Desta forma, a Arte possui tambem. elemen- tos pedag6gicos libercadores, que ajudam a que- brar as cadeias do pensamento pre-fixado e das abstracoes muitas vezes escamoteadoras da vida concretamente vi vida. Como diz o proprio au or, nao e sua n t e n ~ a o "afirmar que sobre a ar te re- pousam todas as s o l u ~ o e s para os problemas criados por nossa cind ida civilizacao e sua educa- cao impositiva". Ele apenas quer "crer que a ar - te e urn fator i mpona nte na vida humana, name- dida em que permi te o acesso a dimensoes nao re- veladas pela 1 6gica e pelo pensamento discursivo. Na medida em que, at raves dela, se opera a edu-

Transcript of Fundamentos Estéticos da Educação

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 1/67

 

FUNDAMENTOS ESTETICOS

DA EDUCAc;:AO

JOAO- FRANCISCO DUARTE JR.

COLE(AO EDUCA(AO COnTEmPORAnEA

Fundamentos Esteticos da

E d u c a ~ a o Joao-Francisco Duarte Junior

Ultimamente a e d u c a ~ o tern mereddo uma

infinidade de textos, muitos dos quais apresentan-do determinadas formulas e tecnicas, com o in-tuito de torna-la mais "atraente", para o edu-cando, ou mais segura a sua aprendizagem. Decerta forma tais eseritos se assemelham muitoaos famosos "como fazer" ("how to make"}norte-americamos, e acabam pecando pela au-sencia de u ma reflexao em torno dos fundamen-tos da educa.;ao; fundamentos esses de ordem fi-losofica e ate politica.

Este, porem, nao e urn texto assim. Justamen-te o que nele niio cxiste sao as formulas e reeeitaspara se melhorar o ensino. 0 autor procurasituar-se nas premissas basicas do conhecimentohumano, o sentir eo pensar, e em torno delas de-senvolvcr o seu tema: a importdneia da Arte na

formacao do hornem. Procura, atraves de uma

linguagem propositalmente simples, pensar ae d u c a ~ a o e o processo do conhecimento - situa-dos em urn contexto cultural - , numa reflexaoem q ue estao envolvidos elementos da Antropo-Jogia Filos6fica, da Psicologia, da Filosofia da

.Educac;ao e da Arte. Aqui o que se pretende e, decerta rnaneira, ampliar os dominios da e d u c a ~ i l o , que vern sendo sistematicamehte estreitados pelavisao da escola como simples transmissora de co-nhecimentos "objetivos" e agencia formadorade mao·de-obra para o mundo tecnol6gico.

A Arte nao leva a p r o d u ~ a o de autom6veismais velozes, nem de detergentes mais eficazes, epor isso ela e relegada a ser quase nada nos curri-culos de nossas escolas. Contudo. ela pode con-duzir a f o r m a ~ a o de individuos mais sensiveis.Mais sensiveis a sua c o n d i ~ a o hu"\ana e a eati-dade

asua volta, Jevando-os, conseqilcntemente,

a pensarem de forma critica o contexto onde es-tao. Desta forma, a Arte possui tambem.elemen-tos pedag6gicos libercadores, que a judam a que-brar as cadeias do pensamento pre-fixado e das

abstracoes muitas vezes escamoteadoras da v idaconcretamente vivida. Como diz o proprio au or,nao e sua n t e n ~ a o "afirmar que sobre a ar te re-pousam todas as s o l u ~ o e s para os problemascriados por nossa cindida civilizacao e sua educa-cao impositiva". Ele apenas quer "crer que a ar-te eurn fato r imponante na vida hum ana, name-

dida em que per mite o acesso a dimensoes nao re-

veladas pela 16gica e pelo pensamento discursivo.Na medida em que, at raves dela, se opera a edu-

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 2/67

 

Joao-Francisco Duarte Junior

Ultimamente a e d u c a ~ a o tem merecido umainfrnidade de textos, muitos dos quais apresentan-do determinadas formulas e tecnicas, com o in-tuito de torna-ta mais "atraente", para edu-cando, ou mais segura a sua aprendizagem. Decerta forma tais escritos se assemelham muitoaos famosos "como fazer" ("how to make")

norte-americamos, e acabam pecando pela au-sencia de uma reflexao em torno dos fundamen-tos da e d u c a ~ a o ; fundamentos esses de o rdem fi-los6fica e ate politica.

Este, porem, nao eum texto assim. Justamen-te o que nele nao existe sao as formulas e receitaspara se melhorar o ensino. 0 autor procurasituar-se nas premissas basicas do conhecimentohumano, o sentlr eo pensar, e em torno delas de-senvolver o seu tema: a importlincia da Arte na

f o r m a ~ a o do homem. Procura, atraves de umalinguagem propositalmente simples, pensar ae d u c a ~ a o eo processo do conhecimento - situa-dos em urn contexto cultural -, numa reflexaoem que estao envolvidos elementos da Antropo-Jogia Filos6fica, da Psicologia, da Filosofia da

. E d u c a ~ a o e da Arte. Aqui o que se pretende e, de

certa maneira, ampliar os dominios da educacao,que vem sendo sistematicamente estreitados pelavisao da escola como simples transmissora de co-nhecimentos "objetivos" e a g ~ n c i a formadorade mao-de-obra para o mundo tecnologico.

A Arte nao leva a p r o d u ~ a o de autom6veismais velozes, nem de detergentes mais eficazes, epor isso eta e elegada a ser quase nada nos curri-

culos de nossas escolas. Contudo, eta pode con-duzir a formacao de indivlduos mais sensiveis.Mais sensiveis a sua condicao hu"'ana e a eali-dade asua volta, levando-os, conseqUentemente,a pensarem de forma critica o contexte onde es-tao. Desta forma, a Arte possui tam bern elemen-tos pedag6gicos libertadores, que ajudam a que-brar as cadeias do pensamento pre-fixado e dasabstracoes muitas vezes escamoteadoras da vidaconcretamente vivida. Como diz o proprio autor,nao e ua intencao "afirmar que sobre a arte re-pousam todas as soluciies para os problemascriados por nossa cindida civilizacao e sua educa-cao impositiva". Ele apenas quer "crer que a ar-te eum fator importante na vida humana, na me-

dida em que permite o acesso a dimensOes nao re-veladas pela 16gica e pelo pensamento discursive.Na medida em que, at aves del a, se opera a edu-

._ l l ' ~ i · l _ i r s r u a d ~ feder al ce Pel

I.e.;So de Controle Patrlm

N u ; ~ ~ - de .f.JJ,_ 83 '-1COLE(.RO EDUCA(.RO c o n T E m P O A - ~ J 4 ~ ~ ~ r ~ \ E " " ' A ~ - - -

JOAO-FRANCISCO DUARTE JR.

FUNDAMENTOS ESTETICOS DA EDUCAQAO

Obra publicada com a· co labora!raO daUniversidade Federal de Uberlfmdia

Reitor: Prof. Ataulfo Marques Martins da Costa

Pr6-Reitor Academico: Prof. Antonino Martins da Silva Jr.

~ C O R T E L $ to iTORA

ff'

·(.I)UNIVUSIDADE fEDERAl DE UIULANDIA

AUTORES IQ\ASSOCIADOS ~ I

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 3/67

 

Consellzo editorial

Antonio Joaquim Severino, Casemiro dos Reis Filbo, Dermeval Savianl,Gilberta S. de Martino ~ a n n u z z i , Joel Martins, Mauricio T ragtenberg, Moacir

Gadotti, Miguel de La Puente, Milton de Miranda e Walter F. Garcia.

Produfiio editorial: Helen Diniz

Revisiio: Marlene Crespo

CIP-Brasil. C a t a l o g a ~ l l . o - n a - F o n t e Cllrnara Brasileira do Livro, SP

Duarte Junior, Joll.o-Francisco.D875f Fundarnentos esteticos da e d u c a ~ l l . o I Joll.o-Francisco

81 -1131

Duarte Jr . - Silo Paulo : Cortez : Autores Associados ;[Uberlandia, MG) : Universidade de Uberlandia, 1981.

( C o l ~ l l . o e d u c a ~ l l . o contemporanea)

Bibliografia.

I . Arte 2. Arte - Estudo e ensino 3. E d u c a ~ l l . o - File-sofia I. Titulo.

CDD-370.1-701

indices para catatogo sistematico:I. Arte e e d u c a ~ l l . o : Filosofia da e d u c a ~ l l . o 370.12. E d u c a ~ l l . o : Fundarnentos esteticos : Filosofia da e d u c a ~ l l . o 370.13. Educacll.o artistica 7074 Educacilo e ar te : Filosofia da educacilo 370.1

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada

sem a a u t o r i z a ~ a o ·expressa do autor e dos editores.

Copyright © do autor

Direitos para esta e d i ~ a o CORTEZ E DI TORA/AUTORES ASSOCIADOS

Rua Bartira, 387 - Tel. (011) 864-011105009 - Sao Paulo - SP

1981

Impresso no Brasil

I

C lass. ----·-·----J.:lP ... .......................... .

.........: ...-....~ ...... >-...~ . 1 . & ....f. ..........................-t X- d

·································-··················-·················· ····

Reglstr o - - - - ~ - - ~ / : n 3 . ...........~ ...... ..........D a ta ..

J./L.J ...i..0. ... !. ....8.J.. ....L i v rar ia .J1a ..Ll:JIY...9. .. f . ~ ~ Y . J . . ~ c . . r 2 . C r$ .... 3.6..{};-.(2.0 ............................ .......... .

Ao RUBEM, que me ajudou a descobrir que afilosofia e, sobretudo, urn exerciciode beleza

eAo REGIS, amigo e incentivador constante.

 

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 4/67

"Lo que puede el sentimientoNo lo ha podido el saber"

(Violeta Parra)

 

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 5/67

. I

SUMARIO

A utilidade e o prazer: um conflito educacional 9

INTRODU<;;::A.O . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

Capitulo I - APRENDIZAGEM E CRIA<;;::A.O DO SIGNI-FICADO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

1. 0 processo do conhecimento: sentir es i m b o l i z a ~

. . . . . . . . 192. A linguagem e a c o n s t r u ~ a o do rear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

Capitulo II - CONCRETIZA<;;::A.O E TRANSMISSA.O DOSSIGNIFICADOS: CULTURA E EDUCA<;;::.AO : . . . . . . . . . 45

1. 0 jogo da cultura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

2. E d u c a ~ a o e r e l a ~ 6 e s interculturais .· . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54

Capitulo III - NOS DOMlNIOS DO SENTIMENTO: ARTE

E EXPERI:BNCIA ESttTICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67

1. Algumas r e l a ~ 6 e s sentimerito-compreensao

2. A " s i m b o l i z a ~ a o " .dos sentimentos: a arte

67

72

3. A experiencia estetica .................. . . . . . . . . . . : . ·82

.Capitulo IV- COMO A ARTE EDUCA? . . . . . . . . . . . . . . 87.

1. Algumas palavras sobre o ato .da c r i a ~ a o . . . . . . . .. . . . : . . . 87

2. A arte e o adulto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93

3. A arte e a c r i a n ~ a ........... . . . . . .. . . . . . .. : . . . . . . . 102

Capitulo V - BREVE VIS.AO DA ARTE NO ENSINO BRA-- SILEIRO . . . . . . . . . . · . · · · . . . . . .. .·. · · . . . . . 109

Bibliografia . . . .. . .......... . .. : . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126

 

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 6/67

~ - · ·

A UTILIDADE E 0 PRAZER: UM CONFLITO EDUCACIONAL

Para que voce nao seja enganado ao c o m e ~ a r a ler este livro,aqui vai a minha advertencia: ele defende uma causa altamente improvtivel, possivelmente derrotada . ..

E esta e, precisamente, a razao porque escrevo este prefacio.As s o l u ~ o e s triunfantes me causam certo mal-estar. Talvez porque,historicamente, os vitoriosos tenham sempre arrastado consigo umadose de crueldade. Pode ser, inclusive, que a verdade seja o oposto:niio que a vit6ria gere a crueldade, mas que a crueldade seja mais

vocacionada para o triunfo que a mansidiio. A p r e s e r v a ~ i i o do Indioe suas culturas, a harmonia do homem com a natureza, a s a l v a ~ i i o das florestas, rios e mares, a recusa a violencia, a o p ~ i i o pelo pacifismo - todas estas sao causas derrotadas. Elas niio tem chancealguma frente ao poder economico e ao poder das armas. E aquiesta alguem que sugere que a e d u c a ~ a o seja pensada a partir dabeleza - 0 que equivale a ajirmar que 0 poeta e 0 musico sao maisimportantes que o banqueiro e o fabricante de armas, o que semduvida provocara sorrisos tanto nos vencedores quanto nos vencidos.Esta e, de forma sintetica, a linda proposta fraca que este trabalhooferece como tema para nossa m e d i t a ~ a o .

Seria compreensivel e mesmo defensavel um apelo para que os

valores esteticos fossem incluidos em nossos currlculos. Ninguemnegaria que a beleza tenha sido deles banida de forma espantosamente radical. Por b'oas razoes, e claro. Afinal de contas a sensibilidade a r ~ i s t i c a parece niio oferecer c o n t r i b u i ~ a o algu,ma, seja aodesenvolvimento, seja a s e g u r a n ~ a do pais. . . Bem diz o ditadopopular que "beleza nao poe mesa". Claro que coisas uteis siio maisimportantes que coisas belas. Mas mesmo o mais endurecido materialista estaria disposto a concordar em que a arte, as vezes, temcertas utilidades. Por bem ou por mal o fato e que vivemos numac i v i l i z a ~ i i o que cultivou e cultiva a a p r e c i a ~ i i o de valores esteticos,niio sendo possivel ignorar que a arte e bom assunto para conver-

9

 

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 7/67

saroes a mesa, boa ideia para presentes, quando niio se constituiem diversiio t e r a p e u ~ i c a : a alienariio estetica produz sonos maisrepousantes . . .

. Niio haveria problema algum em se propor uma presenra maissensivel da arte em nossas praticas educativas. Na verdade isto niiointerferiria em coisa alguma. Niio provocaria confusoes institucionaisou politicos. Pelo contrario, propiciaria o desenvolvimento de umafunfiiO a mais.

-/)Todo mundo sabe que a sociedade industrial, capitalista ou

com_nista, depende da divisiio do trabalho. As pessoas sao especializadas. Fazem somente um coisa. Pilotos, ascensoristas, engenheirosnucleares, agronomos, meteorologistas, pedicuros, pediatras, e assimpor diante. Mas acontece que ela niio separou simplesmente aspessoas em grupos que desempenham as mesmas funroes. Fez conosco o que um esquartejador faz com um corpo: desmembrou-nos,desmontou-nos numa serie de funfoes independentes e freq.Uentemente contrat/.it6rias. Assim, nada impede que uma pessoa trabalhenuma fabrica de a r m a s ~ freq.Uente grupos de orariio, leve seus filhosao parque de diversoes, jogue na balsa de valores, contribua paraorfanatos, cultive o gosto pelo canto gregoriano, alem de fazer partede uma sociedade ecol6gica cujos membros plantam legumes no

fundo de seus quintals. Fragmentam-se as funroes, fragmentam-se .os olhos, fragmenta-se o pensamento: as pessoas se tomam incapazesde perceber sua condi9ii0 como totalidade. 0 desenvolvimento dasfunfoes esteticas estaria bern em harmonia com esta tendencia. Niioatrapalharia coisa alguma.

Mas niio e isto que se propoe. .- - - \ 1 _ 4 . . 9 ~ i i o niio e in_£/uir a arteJJ,a_etj,UC(JfiiO. .(- ) • 'A questiio e repensar a educafiiO sob a perspectiva da arte.

Educariio como atividade estetica . . .

E e entiio que as coisas se complicam. Porque educariio, comoatividade e ~ t e t i c a , colide com tudo o que esta. ai, solidificado comopratica, fincado como instituiriio,. batizado como politica.

A come9ar pelo fato de que a atividade estetica niio pode nuncaser considerada .como meio. Ela e sempre um fim em si mesma. Enisto se parece muito com o brinquedo. Interessante que o inglese o alemiio usem um mesmo verba para se referir ao brinquedo eao ato de tocar um instrumento: to play, spielen . ..

Que e que 0 brinquedo produz?Que objeto novo se encontra no fim da concentrada atividade

dos musicos de uma orquestra?Tudo tiio diferente da linha de montagem.Aqui a atividade se justifica apenas em funriio daquilo que apa

rece no fim. No brinquedo e na arte niio aparece coisa alguma no

10

,,

fim. E pode-se entiio perguntar: "Mas comq justificar estas atividadescuriosas, inuteis, improdutivas?" E que elas produzem prazer: ·atividades que siio um fim em si mesmas. Niio existem em funfiiO decoisa alguma a niio ser elas mesmas e a alegria que faz'em nascer.

E ao olhar para a educafiiO pela perspectiva da arte somasentiio forrados a nos perguntar se cada crian9a nao e urn fim em simesmo, e se_ ada momenta a ocasiiio de uma experiencia que deveser avaliada pelo prazer que produz . . . Mas niio sera verdade quetoda a nossa pratica educacional se assenta sobre o pressuposto de

que a crianra e apenas um meio para se tornar adulto, e que cadacorpo ip,fantil brincante deve ser reprimido para vir a ser um cidadiioeconomicamente produtivo? 0 prazer gratuito da experiencia esteticae ludica foi banido das nossas escolas. E se alguem duvida que olhepara os rostos amedrontados dos nossos mOfOS, assombrados pelofantasma do vestibular, atormentados pela e ~ i g e n c i a da eficacia,fazendo coisas sem en ender e sem rir. . . Dizer que a educariio eatividade irmii do brinquedo e da arte e denunciar. a repressiio, relembrar o paraiso perdido, anunciar a possibilidade da alegria, rejeitaras experiencias fragmentadas, .buscar a experiencia perdida da cultura, dilacerada pela sistematica administrafiiO centralizada da vidaque, em nome da eficacia, quer gerenciar todas as coisas.

E o brinquedo tern que comerar agora. Porque, no espirito doJoiio-Francisco que o escreveu, e necessaria pegar o texto da mesmaforma como se pega uma flauta, pra acordar o artista que dorme emnos, ou como quem pega uma pipa, fazendo voar os pensamentos.E sempre. assim com a arte e o brinqu'edo: o prazer s6 vern quandoo corpo se poe a danrar.

Rubem Alves

11

 

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 8/67

INTRODUQ.AO

Ao se falar em educac;ao esta sempre implicita urna determinadateoria do conhecimento, isto e, uma teoria que fundamenta e explicaa maneira e o processo pelos quais o homem vern a conhecer omundo. 0 como o homem conhece, o como ele encontra um sentidopara sua vida n o mundo, passa a ser a pedra angular de qualquerprocesso educativo. Se educar e levar a conhecer, e necessaria quese defina eotao como se da o ato de conhecimento, para que aeducac;ao se fundarnente nesse processo. A capacidade humana de

atribuir significac;6es - em outros termos, a consciencia do homem- decorre de sua dimensiio simb6lica. Por intermedio dos sfmboloso homem transcende a sim ples esfera fisica e biol6gica, tomando omuodo e ·a si proprio como objetos de compreensao. Pela palavra, ouniverso adquire urn seotido, e o homem pode vir a conhece-lo,emprestaodo-lhe significac;6es. Portanto, na raiz de todo conhecimentosubjazem a palavra e os demais processos simb6Iicos empregadospelo homem.

"A linguagem e o nosso mais profunda e, possivelmente, meoosvisivel meio ambiente", afirmam Postman e Weingartner.1 '£ precisoque se compreenda o processo lingiifstico para que se entenda o quesignifica conhecer. 0 sentido da linguagem no mundo humano deveser elucidado, a fim de que se possa perceber os mecanismos designificac;ao de que se vale o homem. Niio ha conhecimento semsfmbolos. Esta e uma afirmac;ao basica, que norteara nossas conside-rac;6es ao Iongo das paginas seguintes. 0 esforc;o humano paracompreender e o esforc;o para encontrar sfmbolos que representeme signifiquem o objeto conhecido. A conscieocia e a razao humanas,como se demonstrara, nascem com a linguagem e s6 se dao atravesdeJa. Toda compreeosao 16gica e racional somente e possivel atravesda linguagem e de seus derivativos (como a 16gica formal e a"linguagem" m a t e m ~ h i c a ) .

I. C o n t e s t a ~ i i o - nova formula de ensino. p. 123.

13

 

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 9/67

Porem, antes que o pensamento possa tomar qualquer experienciac.omo _seu objeto, ocorre ja urn certo "colo.car-se" e ~ rela<;:ao aSitua<;:ao, que envolve aspectos para alem da consciencia simb6lica.Este experienciar compreende entao urn envolvimento mais abran-gente do homem com o mundo, em que se incluem percep<;:6es eestados afetivos, anteriores as simboliza<;:6es do pensamento. P a r a ~ fraseando Merleau-Ponty, podemos dizer que o mundo nao e s6o que pensamos, mas o que vivemos. Porque a dimensao vividaanterior a sirnboliza<;:ao, nao se esgota jamais no pensamento. H ~ sempre uma regiao que permanece fora do alcance do pensamento eda hnguagem. E esta regiao e o sentimento humano. Por sentimento,entenda-se, assim, a apreensao da situa<;:ao em que nos encontramos,que precede qualquer Significa<;:ao que OS sfmbolos dao. 0 sentir eanterior ao pensar, e compreende aspectos perceptivos (intemos eextemos) e_ aspectos e m o ~ i o n a i s . Por isso pode-se afirmar que, antesde ser razao, o homem e emo<;:ao.

0 conhecimento do mundo advem, desta forma, de urn processoonde o sentir e o simbolizar se articulam e se completam. Contudonao M linguagem que explicite e aclare totalmente os s e n t i m e n t o ~ humanos. Nao se pode, nunca, descrever com palavras como e ador de dente ou como e a temura que estamos sentindo. 0 conheci-

m ~ ~ t o _dos s e n ~ i m e n t o s e a sua expressao so podem se dar pela .utihza<;:ao de s1mbolos outros que nao os lingtiisticos; so podemse dar atraves de uma consciencia distinta da que se poe no pensa-mento ~ a c i o n a l . , Uma yonte que nos leva a conhecer e a expressaros senhmentos e, entao, a arte, e a forma de nossa conscienciaapreende-los e atraves da experiencia estetica. Na arte busca-sec o n c r ~ t i z a r ?s sentimentos numa forma, que a consciencia capta de

maneua ma1s global· e abrangente do que no pensamento rotineiro.Na arte sao-nos apresentados aspectos e maneiras de nos sentirmosno mundo, que a linguagem nao pode conceituar.

· Este e, portanto, o nucleo de nossas considera<;:6es: a arte comoforma de conhecimento humano. Isto e: atraves da arte o homemencontra sentidos que nao podem se dar de outra maneira senaopor ela propria. Em torno desta asser<;:ao central pretendemos, pois,desenvolver nosso problema, qual seja: a .dimensao estetica daeduca<;:ao. Dit_o ~ e o ~ _ t r a maneira, e ~ r e c i s o que se verifique comoa arte se conshtUI num elemento educat1vo; como ela prove elementospara que o. hotnem d e s e n v o l v ~ sua atividade _ignificadora, ampliandoseu conhecimento_ a r.egi6es que ? s i m b ~ I i s m o conceitual nao alcan<;:a.

Contudo, nao 1remos aqUI focahzar nossa aten<;:ao sobre otrabalho (B: pr_axis) do artista. ~ processo especffico de cria<;:ao na

arte necess1tana urn estudo particular, centrado na figura do criadore em suas rela<;:6es com a sociedade. Ta.mpouco nos preocuparemoscom as obras de arte enquanto objetos para uma reflexao de ordem

14

estetica; isto e, nao e nosso intuito discutir aquilo que faz com queuma obra seja boa ou rna, do ponto de vista estetico. Nossaposi<;:ao sera muito mais a do espectador, do publico para quem sedirige o trabalho artfstico. N a pessoa do fruidor da arte e quebuscaremos compreender seus efeitos educativos; no conhecimentoque ela possibilita ao espectador e que iremos procurar sua dimensaoeducacional - com exce<;:ao da arte infantil, na medida em que, paraa crian<;:a, a arte e uma atividade, urn fazer. ·

Isto envolve a conceitua<;:ao da educa<;:ao de uma perspectiva

mais abrangente que a simples transmissao de conhecimentos. Envolvea considera<;:ao 'da educa<;:ao como urn processo formativo do humano,como urn processo pelo qual se auxilia o homem a desenvolversentidos e significados que orientem a sua a<;:ao no mundo. Nestesentido, o termo educafiio transcende os Iimites dos muros da escola,para se inserir no proprio contexto cultural onde se esta.

A questao da educa<;:ao gira sempre em tomo da cria<;:ao e da

criatividade: ao aprender, estamos criando um esquema de significadosque permite interpretar nossa situa<;:ao e desenvolver nossa a<;:aonuma certa dire<;:ao. E, como assinala Alain Beaudot: 2 " •••oambiente cultural de urn pais deve influir largamente sobre o desen-volvimento - ou sufocamento - da criatividade dos indivfduos."

A educa<;:ao, dessa maneira, compreende tambem o ambiente culturalno qual o indivfduo vive, na medida em que !he possibilite ou lhevete a constitui<;:ao de urn sentido (o mais amplo possfvel) parasua existencia .A circula<;:ao de ideias, significados e sentidos, nointerior de um a cultura, e o acesso a essa circula<;:ao compreendempois o contexto foirnativo (educacional) mais amplo no qual estamosinseridos. Os metodos pelos quais se permite ou se veta a participa<;:aodos indivfduos nos produtos culturais sao, em ultima analise, metodoseducativos. Na afirma<;:ao de Herbert Read: a "A diferen<;:a entreo ideal de cidadania em uma democracia livre e o ideal de servi<;:onum estado totalitario e tao absoluta que desde a infancia ate aidade adulta implica uma completa divergencia em objetivos e meto-dos epucativos."

A arte e sempre produto de uma cultura e de urn determinadoperiodo hist6rico. Nela se expressam os sentirnentos de urn povocom rela<;:ao as quest6es humanas, como sao interpretadas e vividasem seu ambiente e em sua epoca. Atraves da arte temos acesso aessa dimensao da vida cultural nao explicitamente formulada nasdemais constru<;:6es "racionais" (ciencia, filosofia). Por outro lado,quando se pensa na dimensiio estetica da educafiio, esta expressaoenvolve urn sentido para alem dos dominios da propria arte. Porque

2. A criatividade na escola, p. 96.3. Educaci6n por el arte, p. 223.

15

 

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 10/67

o termo estetica sup6e uma certa harmonia, urn certo equilibriaLie elementos. E, em nossa civilizac;ao, vern sendo sobremaneiradificil o encontro de ·urn equilibria entre os sentidos que damos a

vida e anossa ac;ao concreta no cotidiano. Talvez se possa considerarque nas culturas ditas "primitivas" a vida seja mais esteticamentevivida, na medida em que cada ac;ao do indivfduo faz parte de urnuniverso de valores e sentidos, do qual ele tern uma visao abrangente.Enquanto que n6s, civilizados, estamos rnergulhados num oceano designificac;6es, entre as quais devemos eleger aquelas que pautem onosso agir diario; e nem sempre e possfvel que este agir diario se

c o ~ d ~ n e com nosso esquema de valores e significados. Assim, apropna educac;ao possui uma dimensao estetica: levar o educandoa criar os sentidos e valores que fundamentem sua ac;ao no seuambiente cultural, de modo que haja coerencia, harmonia, entre osentir, o pensar e o fazer. Caso contrario, estamos frente a endencia"esquiz6ide" de nossos tempos: a dicotomia entre o falar e o fazer,entre o pensar e o agir, entre o sentir e o atuar.

Em resumo, nossa proposta aqui e buscar a importancia daarte no prooesso educativo, entendendo-o de maneira mais amplaque o simples ensino escolar. Devemos tentar estabelecer como aarte participa na formac;ao do homem: qual a sua significac;ao noprocesso de conhecimento humano. Portan to, foge a nossos prop6sitos

o estabelecimento de uma pedagogia artfstica ou a demarcac;ao demetodos para a utilizac;ao da arte como veiculo educacional. Estassao quest6es mais pertinentes aos artistas ou aos e s p e c i a l i s t a ~ emarte-educac;ao do que ao psic6logo o u ao fil6sofo educacional.Pretendemos somente articular o processo do conhecimento (e aa p r ~ n d i z a g e m ) c;_om. a arte, inserindo-os num contexto cultural. Apenasa titulo de apend1ce, trac;amos algumas considerac;6es de como aarte foi e vern sendo encarada pelo ensino oficial brasileiro . Restrin-gimos tais reflex6es ao ensino oficial porque a considerac;ao da artena cultura brasileira e tambem assunto por demais amplo, e maisa f ~ i t ~ ao campo da hist6ria da arte. Enquanto que o acesso aosobjetJvos e ao processo concreto de nosso ensino e mais facilmenteevidenciavel, mesmo por fazer parte de nosso trabalho cotidiano.

Ainda com relac;ao a expressiio artfstica deve-se trac;ar umadiferenciac;ao nem sempre aclarada: aquela entre os conceitos decomunicat;iio e expressiio. A comunicac;ao, como se vera, diz respeitoa transmissiio de significados explicitos, atraves da linguagem. En-quanta a expressiio subentende a indicat;iio, o desvelamento desentimentos, nao passfveis de significac;ao conceitual. Esta e umadistinc;ao importante, especialmente no ambito da psicologia. Lainge Cooper, os iniciadores da chamada antipsiquiatria, tern freqiiente-mente trac;ado uma critica a postura "cientificista" da psicologia epsiquiatria "tradicionais", que tern a ver com es . diferenciac;ao.

16

Le-se em muitos textos sobre psicopatologia que o "doente mental"(especialmente o esquizofrenico) apresenta uma linguagem incongruentee incompreensivel. Contudo, dizem OS autores citados, ela apenas eincongruente do ponto de vista da linguagem conceitual com que o"espirito cientificista" desses senhores pretende compreender opaciente. Nao se pode pensar que as falas do esquizofrenico preten-dam comunicar significados conceituais. Antes, ele esta totalmenteimerso na dimensao dos seus sentimentos, os quais procura expressaratraves de Simbolos lingiiisticos mais pr6ximos da poesia. 0 esquizo-frenico nao diz, mas exprime-,se por meio de Sfmbolos que devemser compreendidos como se "compreende" a arte: sentindo-os, muitomais que interpretando-os apenas racionalmente . Por isso Cooper 4

chega a afirmar que " . .. os esquizofrenicos sao os poetas estrangu-lados de nossa epoca".

Procuramos entao, no decorrer de nossas argumentac;oes econsiderac;6es, inserir no presente texto uma serie de versos e expres-s6es poeticas. Queremos crer que elas possam permit ir uma com-preensao mais ampla de nossas reflex6es, por expressarem elementospara alem da simples comunicac;ao conceitual. 0 que confere tambemao trabalho uma certa "abertura", isto e, permite ao leitor a desco-berta e a criac;ao de sentidos outros que nao estejam conceitualmentecolocados. Porque, no seio da reflexao sobre arte e criatividade,

restringir a compreensao apenas ao ambito 16gico ou cientificotalvez seja empobrecer os sentidos encontrados. Segundo GeorgeF. Kneller, 5 "as abordagens cientificas e intuitivas tern de comple-tar-se mutuamente, nao apenas agora, quando a ciencia da criatividadeesta ainda na infancia, mas permanentemente. Proscrever uma delassera dogmatismo alheio ao sadio espirito de ambas ( . . . ). Alemdisso, a psicologia encarregou-se de provar que ela e instrumentolimitado para a explorac;ao do processo criador. Por umas tantasraz6es os psic6logos conseguiram s6 poucas conclus6es definitivas".

Por fim, desejamos afirmar que uma preocupac;ao central aoelaborar este trabalho se referiu a linguagem nele empregada. Pro-curamos reduzir a urn mfnimo os termos tecnicos e demais express6es

tao caras a urn sem-numero de cientistas e pensadores. Isso porac:reditar que o conhecimento produzido .no interior de uma Universi-dade ou Instituto de Pesquisas pertence a comunidade, e nao e deuso exclusivo de uma serie de "iniciados". Pode-se elaborar umapesquisa e urn texto conclusivos numa linguagem "objetivamente"tecnica e hermetica. Todavia, " . . . o conhecimento assim obtido . . .

4. Psiquiatria e antipsiquiatria, p. 140. A esse respeito, vejam-se ainda asoutras obras do autor: A morte da familia, Gramtitica da vida e A linguagemda loucura. Bern como Ronald D. LAING, 0 eu dividido, A politica da familia eA politica da experiencia e a ave do paraiso .

5. Arte e ciencia da criatividade, p. 30 e 28.

17

 

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 11/67

e entregue nao aos homens sobre os quais se fala, mas a outroshomens. Como se o cientista dissesse ao seu objeto: 'Eu te estudo.Mas o meu conhecimento a teu respeito, eu o ocultarei de ti, atravesdo meu estilo'". 6 Especialmente no interior da filosofia e dasciencias humanas a linguagem empregada e de suma importancia."Meu pensamento sobre a natureza nao altera a natureza. Mas, omeu pensamento sobre a sociedade altera a sociedade. Por isto alinguagem, ela mesma, e uma ferramenta para interferencia diretanum mundo social. Uma linguagem cientifica que nao se articula

com a linguagem falada no cotidiano, portanto, corre o risco deser semelhante a uma tecnica de laborat6rio que nao tern meios deinteragir como objeto que esta sendo investigado". 7 Assim, queremoscrer que esta preocupa<;ao com a linguagem possa permitir o acessoas nossas reflex6es ao maior numero possivel de pessoas, que seinteressem pela arte e pela educa<;ao. Dois fenomenos profundamentehumanos. E interpenetrantes.

6. Rubem ALVES, Pesquisa: para que?, Ref/exiio, I (1):39-40.7. Ibid., p. 40.

18

CAP1TULO I

APRENDIZAGEM E C ~ I A Q A . O DO SIGNIFICADO

0 ideal pedag6gico do 16gico se ap6ia sobre a falsa sliposi!;iiO deque 0 pensamento 16gico produtivo opera devido as leis da 16gicae tei:n nelas sua base psicol6gica, pois opera de acordo com elas,e com elas concordam seus resultados.(Herbert Read, Educaci6n por el arte, p. 78.)

Assim como a consciencia humana difere da ·dos animais,

assim tambem, e claro, diferem o sentir e a emo91io hu-manos. Como o nosso meio ambiente e urn mundo, teritossentimentos relativamente ao mundo - nao e x c i t a ~ e s trimsit6rias mas uma atitude emocional permanente emr e l a ~ r a o a urn "universo" permanente.(Susanne K. Langer, Ensaios fi/os6ficos, p. 136.)

Por meu destino o c o r a ~ r a o e quem responde .. .(Renato Teixeira)

1 . 0 Processo•do Conhecimento: Sentir e Simbolizar

·Ha alguns instailtes, ao perceber que havia alguem oeste comodo,o cachorro da casa empurrou a porta com o focinho e veio deitar-se

sobre o tapete. Mas.olio sem antes fazer alguma "festa", abanandoa cauda, e depois dando varias voltas sobre o lugar onde se deitaria.Este ,e urn comportamento que ele aprendeu rapidamflnte: empurrara porta quando ouve rufdos ou ve as luzes acesas na biblioteca.Porem, as voltas sobre o local de . descanso, nlio podemos dizerpropriamente que ele as tenha aprendido. Tra ta-se de ·uma atitudecomum a todos os clies, em qualquer parte do mundo. Grosso modo,diriamos . que aqui estamos frente a urn instinto; a mesma especiede impulso que leva o passaro a tecer o seu ninho, ali na arvore emfrente a janela. 0 que significam, contudo, tais comporta1Jlentos?Qual a fun<;lio desses atos, comuns a todos os animais da mesmaespecie? Como .surgiram, e por que sao transmitidos, geneticamente,

19

 

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 12/67

de gerac;ao a gerac;ao? Sera que em algum momento da evoluc;aoeles tambem nao tiveram de ser aprendidos, e se fixaram no orga-nismo animal?

V a m o ~ tentar pensar nestas quest6es, comec;ando pela ultima.Antes, porem, p ~ e c i s a m o s relembrar que a vida tende para a morte.Que cada ato VItal demanda uma certa quantidade de energia quedeve ser reposta, a fim de que a vida se mantenha. Que em ultimaa ~ a l i s e , as a c ; ~ e s dos organismos visam sempre a man'utenc;ao davtda: a sobrevzvencia. Assim, deve o anirilal organizar sua ac;ao de

forma que ela se tome eficaz na satisfac;ao desse imperativo basico9ue. e ~ e manter v i ~ o . , Entao notamos que o chamado c o m p o r t a m e n t ~ mstmtJvo nada mats e que uma atividade que por ter se mostradouti! n ~ s o ? r e v i v e n c ~ a , foi m a ~ t i d a .ao Iongo d ~ evoluc;ao da especie.Ou seja: ~ uma ac;ao aprendzda e mcorporada na memoria biol6gicados o r g a r u s ~ o s . Especies que nao conseguiram desenvolver e preser-var mecamsmos de sobrevivencia se extinguiram. Portanto, emalgum ponto de sua hist6ria evolutiva, a especie incorporou a siestes comportamentos que hoje chamamos instintivos, justamentepor eles terem s.: ~ o s t r a d o uteis a s,ua sobrevivencia. "Aprender:~ r e s e r v a r a e x p e r ~ e n c 1 a testada, para usa-la no futuro. A aprendizageme a transformac;ao de uma experiencia que se poderia perder no

passado numa ferramenta para conquistar o futuro".1

Aqui sedepreende a func;ao da memoria: evitar que os comportamentos se?,eem ~ .esmo; s u b s t i ~ i r o jogo de ensaio e erro por uma atividadeJa defintda como eficaz. Para o cao, as voltas sobre o Iugar dedescanso sempre tiveram urn papel a cumprir: verificar se no localnao havia cobras ou outros predadores, e amassar a vegetac;aopara se deitar. Atividade milenar mantida ate hoje, atraves de suamemoria bio!6gica.

Olhemos mais de perto esta expressao "memoria biologica" to-mada d ~ emprestimo a Rubem ALVES.2 Ele pretende significar, ~ q u i , a ~ r 6 p n a programac;ao organfsmica do·animal. Isto e: em cada especieamm.al, aquelas respostas que se mostraram eficazes a manutenc;aoda vtda foram preservadas, sendo incorporadas a sua estrutura orga-

nica. Cad.a especie tern suas ac;6es instintivas caracterfsticas, pr6priasdaquele tJpo de organismo. 0 passaro constr6i seu ninho, o caoamassa a vegetac;ao e o peixe sobe o rio para desovar. Esta mem6riabiol6gica, de certa forma, fecha o comportamento do animal. Elenasce praticamente programado, nao podendo alterar qualitativamente o seu comportamento, reorganizando sua ac;ao. Ao nascer,nesta.sua memoria biol6gica ja se encontram gravadas aquelas ac;6es

1 Rubem ALVES, Notas introdut6rias sobre a linguagem, Re/lexiio,4 (13):22.

2 . Ibid., p. 22.

20

basicas que o habilitarao a se manter vivo. E dali nao podem serremovidas: nao ha esquecimento no caso dos instintos. Por issoMerleau-Ponty chama esta forma de comportamento de amovivel. 3

Comportamentos amovfveis sao, entao, aqueles comportamentosinstintivos que se acham presentes no organismo desde seu nascimento,e que dali nao podem ser removidos.

· Mas o cao que citamos no primeiro paragrafo nao comportou-seapenas instintivamente. Dissemos que ele aprendeu a empurrar aporta e entrar quando percebe pessoas no aposento. lsto nao ecomum a todos os caes, mas caracterfstico deste, em particular. :Eurn comportamento aprendido e retido nao pela especie, mas poreste indivfduo. Tal fato significa que, apesar de programado, oanimal possui uma pequena margem de ac;ao, que pode ser preenchidaatraves do aprendizado de novos comportamentos. 0 cao podeaprender a abrir a porta e a apanh.ar uma bola, o elefante pode sertreinado pera "plantar bananeiras" e o urso para andar de bicicleta.Porem estas novas atividades adquiridas estao subordinadas sempreaquela programac;ao original. Jamais urn cao aprendera a construirurn ninho, nero urn peixe a andar de bicicleta. Insistimos: o compor-tamento animal e fechado, determinado biologicamente. Novos com-portamentos somente serao possfveis na medida em que nao divirjam

de sua estrutura organfsmica e nela se ancorem. Os animais saosempre treinados a partir dos impulsos basicos para comer e beber,satisfeitos pelo treinador ap6s cada resposta "co rreta" emitida. Aestes comportamentos aprendidos, mas ancorados no determinismoda especie, Merleau-Ponty chama de sincreticos. 4

Voltando ao nosso cao, devemos notar uma coisa com relac;aoao seu comportamento de abrir a porta: ele somente a empurraquando ve as luzes acesas, ouve rufdos ou fareja determinados odores,isto e, quando percebe que seus donos estao naquele comodo. lstoquer dizer que existe, por parte dele, uma ·certa interpretafiio doambiente, que o leva a emitir ou nao aquele comportamento. Urnoutro exemplo: a raposa faminta nao se aproxima do galinheiroquando ele esta guardado pelo cachorro do fazendeiro. 0 impulso

instintivo para comer e sustado em func;ao da sobrevivencia -este valor maior da vida, que e manter-se. Portanto, a atividadeanimal, seja em formas amovfveis ou sincreticas, nao se cta a esmo:e necessaria uma interpretac;ao da situac;ao. "Atraves do corpo doanimal e informado se seu ambiente e propfcio ou ameac;ador, seele deve avanc;ar ou fugir. Sem esta atividade interpretativa a ac;aonao podera ser coordenada com eficacia. Generalizemos: para sereficaz, a atividade tem de se dar em resposta a uma atividade inter-

3. Cf. A estrutura do comportamento.4. Ibid.

21

 

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 13/67

pretativa que e, mesmo nos seus ntveis mais elementares uma formade conhecimento". " '

Assim, .o ·animal colhe no ambiente determinados sinais, quepassam a onentar sua ac;ao. A estes sinais os .behavioristas chamamd ~ " ~ s t ~ m u l o s discriminativos": estfmulos que permitem ao orgatiismod t s c n m ~ a r qual comportamento deve ser emitido naquela situac;ao.Se antenormente haviamos chamado de "memoria biol6gica" a re-t ~ n c ; a o . de respostas pela espckie, chamemos agora esta retenc;ao~ m c r e t t c a _ de m e m 6 ~ i a de sinais. Atraves dela o animal pode armazenar

!nformac;o.es 9ue dtgam respeito a sua vida particular, a sua situac;aoe n q ~ a n t o m ~ t v i d u ? · . Na m e m ? r i ~ biol6gica armazenam-se informac;6esp e r t ~ n e n t e s a e ~ p e ? t ; - os mstintos; na mem6ria de sinais aquelaspertmentes ao mdtvtduo - os condicionamentos. Observemos tam-hem que esta margem de condicionamentos cresce a medida que ses o ~ e na e ~ c a a das especies. Ou seja: quanta mais "evoluido" oantmal, mats comportamentos novos ele pode vir a adquirir. Dizendode outra forma, quanta mais inferior a especie mais "programado""fechaqo", nasce o animal. A medida que ~ e sobe nesta escala'maior tambem vai sendo ~ infancia do animal, isto e, aquele p e r i o d ~ ~ o d e ele d e p e n d ~ dos cutdados da mlie; conseqtientemente, menosacabado". ele nasce.

. C a ~ e . ainda acrescentar aqui, com respeito a atividade interpreta-hva , d ~ ~ a l , que .o mecanismo ~ a s i c o pelo qual esta interpretac;aose da ~ . . . a capactdade do orgamsmo para sentir dor ou prazer. Asensac;ao <!_e p r a z e ~ e um a ~ o de conhecimento que interpreta umadada relac;ao o r g a m s m o - a m b ~ n t e como sendo favoravel ou a sobrevi-vencia o ~ a expressao do corpo. A sensac;ao de dor, ao contrario,faz ,o a n ~ m a l saber que s ~ a vida esta em perigo. A atividade sedara, entao, ou pela aproxtmac;lio do animal do objeto que lhe causaprazer, ou pela sua fuga daquele que lhe causa dor". o

Saltemos agora do Ultimo degrau da escala evolutiva animal(ocupado pelos ·antrop6ides), para o homem. Este olio e urn saltosomente quantitativa, mas qualitativo. 0 abismo cavado entre urne ??tro nao pode ser vencido apenas atraves dos esquemas de analise? t i h z a d ~ s p a ~ a o C O I I ~ p o ~ a m e n t o amovivel e o sincretico. :B precisou.-se ~ d t a n t e . Em pnmeuo lugar, o homem olio nasce programadobiOlogtcamente para a tarefa da sobrevivencia - inclusive sua infanciae a mais longa dentre as de todos OS Seres vivos. Nao ha nenhun;arelafao determinada entre seu organismo e sua atividade como no

caso .1os animais. Um exemplo banal: o homem nao p ~ s s u i asas,mas Ja se elevou aos ares. Assim, nao existe uma mera continuidade

5. Rubem ALVES, Notas introdut6rias sobre a linguagem, Joe. cit., p. 23.6. lbid. p. 23. ..

22

entre o organismo e o comportamento humanos. Outro aspecto dessaradical diferenc;a entre homem e animal diz respeito as relac;6escom o meio. Enquanto o animal procura adaptar-se, ajustar-se ascondic;oes que lhe sao impostas pelo meio ambiente, o ser humanobusca transforma-lo, adapta-lo as suas necessidades. 0 animal reageas mudanc;as do meio; o homem age, mudando o meio. E modificao meio nlio apenas com o uso da tecnologia, por meio de mudanc;asfisicas, mas basica e fundamentalmente atraves da palavra, dosstmbolos que cria para interpretar o mundo. "0 proprio ato de

organizar simbolicamente a natureza j.a e uma tecnica de que 0homem lanc;ou mao para transformar o universo fisico de um continuoespacio-temporal indiferenciado, num cosmo, numa estrutura signifi-cativa dentro da qual ele pudesse orientar-se".1 Urn simbolo constituiurn determinado objeto ou sinal que representa alga; que permite oconhecimento de coisas e eventos nlio presentes ou, mesmo, inexis-tentes concretamente. Por intermedio dos simbolos o mundo podeser apreendido como uma totalidade, ja que eles permitem a reuniaoe o entrelac;amento de objetos e fatos ausentes ( e mesmo dfspares),na consciencia humana.

0 homem e, portanto, urn ser de slmbolos. A palavra possibili-tou-lhe urn desprendimento de seu corpo, isto e, deu-lhe a capacidade

de voltar-se sabre si proprio, numa atitude de reflexao. Nlio maisaderido e limitado a seu organismo, tornou-se urn objeto para siproprio, ou seja, pode ver-se "de fora", pode buscar um significado,urn sentido para a sua vida. Com a palavra humana nasce aconsciencia do homem. Com a consciencia, o homem se descobriuno mundo e no tempo. Nlio mais se pode falar em meio ambiente,como no caso do animal, limitado pelas dimens6es espaciais queseus sentidos lhe permitem; deve-se dizer mundo, ja que os simbolospossibilitam a consciencia de espac;os outros que nlio o existente aoseu redor. Quando digo "China", por exemplo, a palavra traz-me aconsciencia uma regiao totalmente inalcanc;avel pelos meus sentidosagora. E ainda, descobrindo-se no tempo, o qomem tornou-se hist6ri-co: seus sfmbolos permitem-lhe evocar o passado e planejar o futuro,enquanto que, "ao nlio ter urn amanha nero urn hoje, por viver numpresente esmagador, o a n i m a l ~ a-hist6rico". 8 Por isso, na classificac;liodas formas de comportamento encetada por Merleau-Ponty, o humanoe chamado de comportamento simb6lico. ° Comportamento que oliose da apenas em reac;ao a materialidade do presente, mas em fun\raode urn universo significativo, construfdo pelos sfmbolos. Quando se

7. Rubem ALVES, Notas introdut6rias sobre a linguagem, Joe. cit., p. 24.

8. Paulo FREIRE, Pedagogia do oprimido, p. 104.

9 . Cf. A estrutura do comportamento.

23

 

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 14/67

fala, em linguagem filos6fica, da transcendencia do homem, ejustarnente oeste sentido: da sua nao aderencia ao aqui e agora, desua consciencia do ali e do depois (ou do antes).

Desta forma, entre homem e natureza colocam-se os sfmbolosa palavra, a linguagem humana. E ·a vida (biologica) a c r e s c e n t a - s ~ urn sentfdo, tornando-a existencia. 0 homem nao vive, simplesmente,mas extste: busca mais e mais dar urn significado ao fato de seencontrar aqui, nascendo, construindo e morrendo. ·A historia dohomem e a historia do sentido que ele procura irnprimir ao universo.

Retornemos urn pouco ao comportamento animal. Ja dissemosque ele pode vir a adquirir alguns comportamentos novas com basena memoria de sinais, e por meio de condicionamentos.' Isto e oanimal pode adquirir a capacidade de responder a alguns e s t i m ~ I o s que lhe foram tornados relevantes. Porem sua resposta sera semprea '!'esma, frente ao mesmo est.imulo. Exemplifiquemos. Urn caotremado para sentar-se cada vez que se lhe apresenta urn circulorecortado em cartao, nao o fara se lhe apresentarrnos o mesmocircul_o d e s e n ~ a d o n u m ~ f ? ~ h a de papel. Isso porque ele reage aum smal, e nao a um szgmfzcado. Em ambos os casas o significado(o drculo) e o mesmo, inas nao o sinal. Fac;amos outra experiencia.0 cao agora sera treinado para sentar-se quando acendermos umalampada de 100 watts. Se, porem, uma lamp ada de 60 watts fora c ~ s a , . e yrovavel que ele venh_a a sentar-se. Isso pelo fa to de osd 0 1 ~ smats serem bastante parectdos, e ele nao conseguir discriminara diferenc;a entre eles. Este fenomeno foi estudado pelos behavioris-tas, que lhe deram o nome de generaliza{:iio: a resposta frente aurn ~ s t i m u l o e general.izada para est.imulos similares. Montemos agoraurn JOgo com uma cnanc;a: cada vez que lhe mostrarmos urn circuloela devera bater palmas. Podemos apresentar-lhe diversos circulos:desenhados, recortados, brancos, coloridos, etc., que fatalmente elaa p l a u ~ i r a . :E clara que, neste caso, a crianc;a deve saber o que eurn c t r c u l ~ : d e v ~ ter o seu conceito, saber seu significado. Aquiesta a radtcal dtferenc;a entre os comportamentos sincreticos e ossimb61icos. Nos sincreticos, o organismo reage mecanicamente a urn

sinal, enquanto nos simb6licos a interpretac;ao se prende ao significadoque os simbolos transmitem, independentemente de suas caracteristicasffsicas. A crianc;a transfere o significado retido, de uma experienciaa . o u t ~ a , enquanto o animal apenas generaliza a sua resposta. No

pnmetro caso temos uma mem6ria de significados, no segundo, nossaj ~ conhecida memoria de sinais.

. . ~ a primeira citac;ao deste .!exto, Rubem Alves diz que aprenders t g m f t ~ a . a ~ a z e n a r uma e x p e n e ~ < ; i a , comprovada como eficaz, para

sua utl.hzac;ao futura. Pelo que Ja foi dito, a retenyao (ou seja, aaprend1zagem) a nfvel animal se cJ.a de maneira mecanica. :E preser-vada uma conexao estimulo-resposta, fixa e invariavel. A nivel

24

I .

r\

humano, pot:em, a armazenagem se da em termos de significac;ao.Uma dada experiencia e transforrnada em simbolos - extrai-se dela0 significado - , que sao guardados e incorporados aqueles jaexistentes, provenientes de situac;oes passadas. Frente a uma novasituac;ao, a interpretac;ao do homem se dara, entao, a partir daquelessignificados preexistentes. "0 ato de conhecer e, portanto, um atode re-conhecer: a constatac;ao da concordancia entre dados sens6riosnovas e as forrnas memorizadas. Conhec;o o novo, dou-lhe um nome.

somente depois de reconhece-lo por compara-lo com urn modelo

preexistente em minha mente e que organiza o processo pelo qualestruturo minha experiencia"Y1 Nesses termos, nao se pode realmentefalar em "aprendizagem" animal, mas sim em adestramento. 0adestramento supoe uma atividade adqtiirida a partir dos comporta-mentos amoviveis, e que e mantida de forma rigida, sempre identica,nao sofrendo "aperfeic;oamentos" pa r parte do animal. Utilizemos,daqui ern diante, o termo aprendizagem apenas para o comportamentohumano, onde os simbolos retem o significado da situac;ao vivida,permitindo refinamentos e reinterpretac;6es. :E in-eressante notar que,nao atentando para o processo humano de simbolizac;ao e significac;ao,0 behaviorismo ate hoje nao produziu mais que teorias do adestramento, e nao da aprendizagem, no sentido forte do termo.

Ate aqui vinhamos dizendo que a ac;ao do organismo se cJ.a

primordialmente em func;ao de urn interesse, ou motivo, qual seja,o de se manter vivo. A sobrevivencia e o motor das atividadesorganismicas em face do universo natural. Isso e totalmente verda-deiro quer se trate do comportamento animal, quer se trate dohumano. Contudo, e necessaria que olhemos mais de perto o compor-tamento simb6lico em termos deste interesse, ja que ele e radicalmentedistinto dos comportamentos sincreticos e amovfveis. Para o animal,a relac;ao de seu corpo com o. meio ambiente se estrutura de formamecanica: ele se adapta as cbndic;oes fisicas atraves dos mecanismosregulatorios da dar e do prazer, da ameac;a e da promessa de vida .Para o homem, que busca mais do que a manutenc;ao da vida -busca urn sentido para ela - , este motivo vital adquire contornos

mais especificos. Porque se trata agora de procurar nao apenas aequilibrac;ao biologica, mas tambem a coerencia simb6lica. Frente aomundo o homem se pergunta acerca do valor que as coisas ternem relac;ao a sua vida, isto e, a respeito de sua significafiio. Assim,os mecanismos interpretativos da dar e do prazer se transformamnum esquema de interpretafiiO de valores, no contexto bumano. Urnvalor positivo e aquele que auxilia o homem na m a n u t e n ~ a o davida e de seu significado (a existencia); urn negativo, ao contn1rio,diz respeito a destruic;ao da vida e de sua coerencia. Portanto, OS

10. Rubem ALYES, Notas introdut6rias sobre a linguagem, loc. cit., p. 29.

25

 

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 15/67

valores sao filhos diretos da relac;ao homem-mundo, gerados pelanecessidade de sobrevivencia e paridos pelo universo simb61ico queo homem construiu.

Desta maneira, notamos que o ato de conhecer - de dar um

significado as coisas e aos fatos - brota de uma atitude valorativado homem. Este procura interpretar o mundo a partir do significadoque ele adquire para sua sobrevivencia. Na raiz de todo conhecimentose encontra uma necessidade vital, a sobrevivencia - valor basicoreinterpretado pelos sfmbolos humanos. Por isso, "nao e correto

separar o conhecimento objetivo das emoc;oes e dos valores. Aocontnirio. A relac;ao entre eles e dialetica. ( . . . 0 verdadeiroconhecimento objetivo brota de uma atitude valorativa e emotiva, epretende ser uma ferramenta para que o hoJ?lem integre eficazmenteo referido objeto no seu projeto de dominar o mundo".11 A atitudedo homem frente ao mundo e basica e primordialmente emotiva, eos rudimentos dessa emoc;ao sao os mesmos encontrados no animal:o prazer e a dor (a vida e a morte). Atraves da significac;ao que ohomem procura, estas emoc;6es basicas sao refinadas na usina simb6-lica da valorac;ao. Nao procuramos conhecer o mundo apenas por

um prazer intelectual, como supunha Arist6teles, mas para transfer-ma-lo em func;ao de nossas carencias. Assim, "a experiencia primaria

que o homem tern do mundo nao e a de urn enigma intelectual a serdecifrado, mas de urn problema vital, de cuja solU<;ao depende asua sobrevivencia". 12

A vida humana e urn constante fluir emotivo, sobre. o qualadvem as significac;oes que a palavra lhe da. 0 homem experienciao mundo primordialmente de maneira direta, emocional, voltando-seentao sobre estas experiencias e conferindo-lhes urn sentido, atravesde simbolizac;oes adequadas. Qualqoer especie de conhecimentosomente se da a partir deste fluxo vital, que se desenrola desde onosso nascimento ate a nossa morte. Isso quer dizer, primeiramente,que as experiencias s6 se tornam significativas ap6s terem sidovividas, quando o pensamento pode toma-las como objeto e transfor-

ma-las em simbolos. "S6 do ponto de vista retrospective e queexistem experiencias delimitadas. Somente o que ja foi vivenciadoe significative, e nao aquila que esta sendo vivenciado. Pois osignificado e meramente uma operac;ao da intencionalidade, a qual,no entanto, s6 se torna visfvel reflexivamente. Do ponto de vista da

experiencia que esta se passando, a predicac;ao de significado e,necessariamente, trivial, ja que significado, aqui, s6 pode ser entendidocomo urn olhar atento dirigido nao a experiencia que esta passando,

11. Rubem ALVES, Notas introdut6rias sobre a linguagem, loc cit., p. 34.12. Ibid., p. 35.

26

mas a experiencia ja passada". ~ A_ razao .huroana, a r e f l ~ x a o , p o r t a ~ to:s6 se da a partir de urn fundo mdiferenctado de sensac;oes e . e m o . c ; ~ e s , o pensamento " s i g n i f i c a d o ~ " A pr.ocura, d ~ s t a forma, tomar mtehg1velao homem este alicerce dmamtco, nasctdo de seu encontro com omundo. Esta corrente vital foi chamada po r alguns fil6sofos ( e s p e c i a ~ mente os fenomen6logos) de "vivido", ou de " i r r e f l e t ~ d o : \ 14 «: const-dera-se que ela seja sempre "ma.ior" . que ~ ~ a l q u e r s . t g m f t c a c ; ~ o . Ou

seja: a vida vivida nao se esgota Jama1s na v1da refletida; os stmbolos(a palavra) nao podem nunca pretender esgotar a foote de onde

jorram. ")';; das profundezas da v i ~ a que o precede e·o _ e n v o ~ v e que

vern o pensamento, estando entendtdo que suas ~ o n s t r u c ; o e s n ~ o con-seguirao, jamais, conquistar·e esclarecer perfettamente aqmlo que

constitui sua propria fonte. 15· • • _

Nossas palavras, nossas construc;oes mentat.s- 1 6 g t ~ a s ou. n.ao -,somente sao significativas por ~ e f e r e n c i a a . n ~ s s ~ vtda vtvtda! aeste fundo indeterminado que arqmteta nossa extstencta. Neste ~ e n t i d ? , tornar significativa a vida (refletindo sobre ela), talvez nao se]amais do que buscar esta harmonia c o ~ que ela. se ?esenvolve, ~ n t e s de ser reduzida ao pensamento. Os stmbolos cnstabz am ~ paralisamo ritmo continuo de nosso viver. Ri tmo este que evolut ordenada-mente desde nosso impulso pela sobrevivencia, p a s s a n ~ o p ~ l a s sensa-

c;oes e percep<;Oes que temos do mundo. P o ~ t o , nao ?a q u a ~ 9 u ~ r coisa de estetico na apreensao deste pulsar v t t a ~ ? S e r ~ que .naopoderemos denominar existencia uma certeza mrus lummosa, rundaque tambem indefinfvel, cuja apreensao com toda clareza permanec:-ria de algum modo estetica, isto e, independente de toda formulac;aoconceptual?". 1a Nao podemos, oeste momento, a l o n g a r ~ o - n o s nestasconsiderac;6es, que serao retomadas e aprofundadas a d 1 a n t ~ . Basta,por ora, constatar que este ritmo vital se desenvolve harmorucamente,

nao podendo ser integralmente recuperado pelo ~ o . s s o P . e n s a m e n t ~ ; Heidegger inclusive afirmava que o pensamento logico, calculante(como ele 0 chamava) e inferior ao "pensamento meditante", emcapacidade para exprimir o vivido. Port adora deste "pensamentomeditante" era a linguagem dos fi16sofos gregos. "Mas portadora dele

, 1 d t " 17

etambem essa outra palavra nascente que e a pa avra o. P?,e a . . . .

Po r isso, nada mais natural que ilustremos essa nossa 1de1a da ~ I d a (irrefletida) como urn fluir constante, com os versos do poeta, rettra-

dos do seu "0 rio que constr6i": lR •

13 . . Alfred SCHUTZ, F e t ~ o m e n ~ l o g i a e , ; e l a ~ o e ~ soc!?is, ~ ; 6_3. . '·14. Outros sinonimos senam, aJnda: o atematJzado , o pre-reflexwo ,

0 "antepredicativo" ou o "pre-predicativo". .15. Andre DARTIGUES, 0 que e a fenomenolog,a?, p. 65.

16. Ibid., p. 92 (grifo nosso).

17. Ibid., p. 133. 1 c t &18. Regis de MORAIS, Queda de areia, p. 28. (Sao Pau o, or ez

Moraes, 1976.)

27

 

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 16/67

0 rio que constr6i os meus segredosas vezes quase seca e sin o medoas vezes se avoluma e eu fico muitosas vezes se desmente. Nao me escuto.

0 rio que sc cumpre no meu peitoas vezes cala e apenas se entregaas vezes mlo faz nada e me confundeou me faz enfrentar o que serei.

.Antes de seguir adiante, recapitulemos alguns conceitos basicos.Ja. ? I ~ s e m o s que a p r e ~ d e r significa yreservar uma experiencia, parautJhza-la no futuro. D1ssemos tambem que somente ha aprendizagemn? ~ ~ s o ~ u m a n o , onde as experiencias sao preservadas a partir daSlgn!/lCafao . ~ ~ e . o , h o ~ e ~ lhes atribui. A experiencia, que ocorrea ~ 1 v e l d? VIVldo , e s u n b o l i z ~ d a e armazenada pelo homem porme10 da h ~ g u a ~ e m . Desta m ~ n e 1 r a , pode ele transferir os significadosde u r n ~ s1tua9ao a outra, ~ 1 f e r e n t e m e n t e dos animais, qQe apenasg e n e r a l l ~ m respostas. Ass1m, os mecanismos basi cos ·da aprendi-zagem sao:

a) 0 i ~ t e e s s e , ~ o u _ _ motivo) - somente se aprende aquilo que secons1dera utll a tarefa da sobrevivencia. No caso humano a

sobrevivencia e interpretada a partir dos valores que 0 h o ~ e m atribui ao mundo. '

b) A mem6ria- permite a r e t e n ~ a o dos significados (valores) at·ribui-dos a experiencia. .

c) A transferencia - que consiste em interpretar e agir em novassitua0es com base nos significados retidos de experienciasan enores.

Dentre os te6ricos da psicologia da aprendizagem, talvez sejaG e n ~ l i n quem tenha ido mais a fundo no problema, justamente por

cons1derar estas duas dimensoes humanas: o vivido (que ele chamade experiencing - a "experiencia") e a sua s i m b o l i z a ~ a o . Explicandoa teoria deste autor, diz M. de La Puente: 19 "0 que Gendlin seprop6e

eredefinir a n o ~ a o de significado, que esclarece ipso facto

o que e aprendizagem significativa. Gendlin distingue no significadoduas dimensoes: a dimensao experiencial e a dimensao simb6licae o define como a relafiio funcional existente entre simbolos ;e ~ p e ~ i e n c i a s ' : . ~ - ainda: "0 conhecimento tern uma dimensao expe-nencial. 0 sigmficado pode ser abordado nao apenas como significados i m b ? l i c ~ acerca das coisas, ou como apenas uma estrutura 16gica,mas 1mphcando a experiencia (experiencing). 0 significado eabordadocomo o resultado de uma i n t e r a ~ a o entre o experiencing e os

I9. 0 ensino centrado no estudante, p. 31.

28

slmbolos". 20 A a q u i s i ~ a o de urn novo significado (ou aprendizagemsignificativa)·deve mobilizar, entao, tanto nossos conceitos como asexperiencias a que eles se referem. 0 significado possui assim umadimensao sentida (vivida) e uma simbolizada (refletida). Esta dimensaosentida do significado e facilmente demonstrada atraves de urnexemplo: quando procuramos lembrar uma palavra e nao o consegui-mos, ficamos como que a sentindo, enquanto ela nao nos vern aconsciencia; alguem sugere algumas outras que, no entanto, por naose encaixarem neste sentimento, sao logo refutadas, ate que encontre-

mos o termo exato.Estes fatos tern conseqiiencias importantes para qualquer educa-

dor. A mais fundamental e que ninguem ·adquire novos conceitos seestes niio se referirem as suas experiencias de vida. Novos significadossomente serao incorporados a estrutura cognitiva do indivfduo seconstituirem simboliza96es de experiencias ja vividas. David Ausubel,outro te6rico da aprendizagem, discorda dessa tese. Diz ele quenovos conceitos podem ser aprendidos sem a sua dimensao experien-cial, bastando que sejam "ancorados" naqueles ja existentes norepert6rio do individuo. lsto e fato. Porem, o de que Ausubel seesquece, e que, em ultima analise, OS . Simbolos ja presentes norepert6rio do individuo s6 o estao porque surgiram a partir de suas

vivencias. Novos significados, quando adquiridos desta maneira, saofiltrados por aqueles ja presentes, oriundos de experiencias vitais. 21

Nosso universo simb6lico, nossa ".visao de mundo", esta intimamenterelacionada com nossa existencia concreta. Aquilo que nao perce-bemos como importante nao e retido - e-nos insignificante. Em

psicologia existe uma serie de experimentos a respeito da m e m o r i z a ~ a o de sflabas e palavras sem sentido. Em todos se demonstrou queeste material, ap6s "decorado", e rapidamente esquecido. Isso euma d e m o n s t r a ~ a o experimental de que nossa memoria e uma memoriade significados, que retem apenas aquilo que fale diretamente anossavida. Por isso, urn sistema de ensino calcado sobre a memorizac;aomecanica tende a nao produzir aprendizagem alguma.

Gendlin tambem nos demonstra que a experiencia basica quetemos do mundo e emocional, ou seja, e sentida, antes de sercompreendida. As r e l a ~ o e s 16gicas ocorrem somente depois dossignificados sentidos. Tomemos .uma metafora, ou urn verso, paraexemplificar. Quando o poeta (Ledo Ivo) diz " . . . o dia e urncao 1 que se deita para morrer . . . ", em termos 16gicos, esta relac;aonao diz nada. Urn dia nao e urn cao, muito menos que se deitapara morrer. Porem, a partir da experiencia que temos de urn diae de urn cao a m o r t ~ , atraves do sentimento que OS dois elementos

20. 0 ensino centrado no estudante, p. 28.21. Ibid., p. 43.

29

 

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 17/67

evocam, podemos chegar a compreender a rela<;ao. "A metcifora naose baseia mi semelhan<;a, mas a semelhan<;a se baseia na metafora . . .Uma vez encontrado o novo significado, descobre-se depois a seme-lhan<;a, como rela<;ao l6gica .Nao existe semelhan<;a antes da cria<;aodo significado a partir da experiencia de alguem". 22 0 que sefez aqui foi aproximar dois significados sentidos, dois sentimentos,simbolizados por palavras (dia e cao amorte) que, logicamente, naoestao relacionados entre si. A expressao popular "chove canivetes"e outro .exemplo, talvez mais claro ainda. Nossa experiencia de

chuva e de canivete (como algo afiado e penetrante) estabelece, numnfvel infral6gico, a rela<;ao, que entao se torna compreensfvel.

Para Gendlin, e importante que se de aten<;ao a dimensaoexperiencial do conhecimento. Focalizando sua aten<;ao sobre o quesente (significado sentido), o individuo pode encontrar novos signifi-cados, ligando, a estas experiencias, simbolos novos que as tornemsignificativas. "Criar e olhar diretamente para a Corrente experiencial( . . . ) e pres ar aten<;ao ao que se esta sentindo, de modo a produzirnovos significados atraves de novos simbolos em intera<;ao com as·experiencias . . . Pensar nao e eliminar conceitos, mas dinamiza-losexperiencialmente. ( . . . ) Talvez, explica-se Gendlin, a diferen<;a entrepessoas criativas e nao criativas resida precisamente no fato de que

as primeiras, diferentemente das segundas, dao aten<;ao a dimensaoexperiencial do conhecimento . . . " 2a Assim, estar aberto a expe-riencia e condi<;ao fundamental na aquisi<;ao e cria<;ao de novossignificados. Simbolos e conceitos que nao possam ser referidos aexperiencia sao vazios de significa<;ao. Podemos explicar a urn serin-gueiro amazonense, nascido e criado na selva, o que seja a polui<;aodas grandes cidades, porem sua compreensao do fenomeno seraincompleta; faltar-lhe-a sempre uma dimensao basica da compreensao:a vivencia da polui<;ao. Da mesma forma, quando alguem nos descreveurn a cidade que nao conhecemos, ficamos com urn a·impressao urntanto quanto "abstrata" de como ela e realmente. So iremos preenchereste vazio e conhece-la de maneira mais completa quando pudermosandar por suas ruas e permanecer nela urn certo tempo. E af pode ·

ser, inclusive, que consideremos falsa a descri<;ao que tinhamos: taldescri<;ao havia brotado da maneira como nosso interlocutor sentiraa cidade, que e diferente 9a maneira como a sentimos agora.Lowenfeld e Brittain, 24 dois autores voltados a educa<;ao infantil,assim descrevem esta questao:

"0 processo de crescimento mental tende, ,pois, a ser umafun<;ao abstrata, na medida em que esses sfmbolos ·adquirem sign_ifi-

22. Miguel de La PUENTE, op. cit., p. 43.23. Ibid., p. 50.24. Desenvolvimento. e capacidade criadora, p. 16.

30

cados diferentes e cada .vez mais complicados. Contudo, nao e oconhecimento desses simbolos ou a habilidade para redistribui-losque ptomove o crescimento mental, mas, tambem, o que eles represen-tam. Estar capacitado para reunir determinadas letras na seqUenciaadequada para que se leia coelho nao constitui uma compreensaodo que seja urn coelho. Para conhecer realmente urn coelho acrianc;a deve poder toca-lo, sentir o contato de sua pele, observarcomo mexe o focinho, alimenta-lo e aprender os seus Mbitos. :£ aintera<;ao dos simbolos, do eu e do ambiente que fornece os elementos

necessarios aos processos intelectuais abstratos."F i n a l m e ~ t e , para refor<;ar essa tese sobre a importancia do

vivido no processo de conhecimento, citemos Merleau-Ponty: 25 "Tudoo que sei do mundo, mesmo devido aciencia, o sei a partir de minhavisao pessoal ou de um'a experiencia do mundo sem a qual ossimbolos da ciencia nada significariam. Todo o universo da cienciae construido sobre o mundo vivido, e se quisermos pensar na propriaciencia com rigor, apreciar exatamente o seu sentido, e seu alcance,convem despertarmos primeiramente esta experiencia do mundo daqual ela e expressao segunda. ( . . . Retornar as coisas mesmas eretornar a este mundo antes do conhecimento cujo conhecimento

fala sempre, e com respeito ao qual toda determina<;ao cientffica eabstrata, representativ,.a e dependente, como a geografia com relac;ao apaisagem onde aprendemos primeiramente 0 que ·e uma floresta, urncampo, urn rio."

Encerrando este primeiro item gostariamos de enfatizar umaafirmagao que fizem<;>s alguns paragrafos atras. Haviamos dito, ali,que o fluir harmonica de nossa experiencia<;ao guarda em si algo deestetjco. Ou seja: que nosso processo de sentir o mundo consistenuma apreensao direta, de certa forma equilibrada e harmonizada,dos fenomenos ao nosso rector. lsto se tornara mais claro quandoabordarmos a questao da percep<;ao humana. Bas ta agora conside-rarmos o seguinte exemplo, que fala a favor desta afirmac;ao. :£

comum ouvir-se, especialmente entre os profissionais da medicina eda psicologia, a seguinte assertiva: "Estou atendendo (ou tratando de)urn caso muito bonito." Ora, sera que a beleza a que se refere oprofissional se encontra em u ~ corpo (ou mente) ~ n f e r m o ? Nao.A beleza, ai, reside na rela<;ao que ele mantem com urn fenomenoque deve ser decifrado. Ela consiste no prazer experimentado porele ao veneer urn desafio imposto pela doen<;a: compreende-la eatuar sobre ela de forma correta. Sob todo o seu equipamento eraciocinio 16gico e cientffico, subjaz urn sentimento da situa<;ao que

25. .Fenomenologia da p e r c e p ~ i i q , p. 6-7.

31

 

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 18/67

ele interpreta como bela. 26• Herbert Read, 27 neste ·sentido, assimila:

" . . . sustento que a vida mesma, em suas fontes mais secretas eessenciais, e estetica."

E ainda o mesmo autor, a respeito da memoria humana, teceas seguintes considera(,:6es: "De passagem digamos ·que tampouco amemoria e independente dos fatores esteticos. Numa ocasiao, assistia uma d e m o n s t r a ~ a o extraordimiria de memoria, na qual o sujeitose mostrou capaz de reproduzir as cifras decimais de 'T1' em qualquerquantidade; depois de anotar varias centep.as de 'lugares', podiacontinuar a serie em qualquer ponto dado, saltando os lugares quese lhe pedia. Ao interroga-lo, o sujeito confessou que recordava ascifras mediante certo 'ritmo'." 28 Alias, e comum o procedimentoempregado pelos estudantes, de memorizar determinadas passagensou c l a s s i f i c a ~ 6 e s mediante sua t r a n s f o r m a ~ a o em versos ou seqtienciasritmicas - processo mnemonico apoiado sabre fatores esteticos,como a rima e o ritmo. Portanto, essa c o n s i d e r a ~ a o da existenciahumana, em si, como urn fato estetico, parece ser mais do que simpless u p o s i ~ a o literaria. Como tambem ja dizia Goethe, "tudo ria vidae ritmo".

2. A Linguagem e a C o n s t r u ~ a o do Real

Ate aqui concentramos nossas a t e n ~ 6 e s sabre o processo humanode conhecer o mundo. Porem, de certa maneira, vendo-o comoocorrente·num individuo isolado. Por quest6es didaticas deixamosde considerar este individuo como inserido numa comunidade, nummeio social. Ao proceder assim, aspectos fundamentais da aprendiza-gem deixaram de ser examinados. E nosso intuito agora ampliar estequadro referencjal, a fim de que obtenhamos uma visao mais completados mecanismos do conhecimento. Afirmamos, por exemplo, quefrente ao mundo o homem se pergunta acerca do valor (do significado)que as coisas tern em r e l a ~ a o a sua vida. E dissemos que aquelesmecanismos rudimentares de i n t e r p r e t a ~ a o do mundo atraves da dor·e do prazer, encontrados nos animais, se refinam no homeni ao

serem traduzidos em termos de valor. Esses valores e 'sigp.ificados,contudo, nao surgem do nada, nem ao menos da atividade isoladade urn unico individuo, mesmo porque niio existem seres humanos.

26 . Poder-se-ia argumentar, aqui, que a beleza nao nasce desta r e l a ~ a o ·curativa, mas que e percebida na enfermidade-mesmo, na medida em que elase aproxime de modelos ideais. Ou seja: que existem determinados paradigmasdefinidores dos tipos de d o e n ~ a , e que urn caso e sentido (talvez morbida-mente) como belo, quando se aproximar de tais paradigmas. Contudo, issonao invalida nossa tese do sentimento subjacente a compreensao 16gica.

27. Educaci6n por el arte, p. 56.28 . Ibid., p. 56.

32

i s ? l ~ d o s . ·C? q ~ e · existem sao comunidades h ' u m a n a s ~ .Se 0 valorb ~ s 1 7 0 da VIda e manter-se, os organismos desenvolvem determinadas .t e c m ~ a s que l ~ e . s · ~ e r m i t e l l l : ~ g i r . s o ~ r ~ a. natureza, a fim de repor _aenergm necessana a ~ o ~ r e v i V e n . c t a . Tecmcas sao extens6es do corpo.S_?b.este P?nto de VIsta . . soctedade pode ser entendida como umatecmca, P?IS que as n e c e s ~ i d a d e s h ~ ~ a n a s de sobrevivencia so podemser r e s ~ l v t d a s por mecamsmos socials. Assim como as tecnicas saoexpansoes do corpo, tambem 0 e a sociedade." 29 .

Os valores humanos, desta maneira, surgem da atividade dogrupo social. Se o corpo do animal interpreta, atraves da dor e do

p r a ~ e r , as . suas r e l a ~ 6 e s com o meio, no caso humano, e ·seu corpo~ o c z a l que?! t r a n s f o r m ~ estes mecanismos elementares num esquemam t e r p r ~ t a t t v o d ~ valores. ~ essa t r a n s f o r m a ~ a o se da, como ja vimos,p o ~ me10 dos Slillbolos cnados pelo homem - pela linguagem. 0anlillal, ~ u a r ? a em sua .n ; t e ~ n o ~ i a biologica e de sinais as i n f o r m a ~ 6 e s necessanas a sua sobrevtvencia, enquarrto o homem, pela linguagem,e n c e ~ r a - a s na sua memoria de significados. "A linguagem ea memoriacoletlva da sociedade. E ela que prove as categorias fundamentaispara ~ u e certo grupo social interprete o mundo, ou seja, para ·queele dtga ~ o m o ele e." 3

{) Atraves da linguagem, as experienciasbem-sucedidas na luta pela sobrevivencia podem ser socializadas,armazenadas e transmitidas. Nossas experiencias sao, assim valoradas

(tomam-ses i g n i f i c ~ t i ~ a s ) .

pel a linguagem, o que nos faz pensar queos val?r:s ~ e a propna lmguagem) nascem de exigencias praticas desobrevtvencia. Mesmo as c o n c e p ~ 6 e s e ideias mais abstratas nasceramdesses problemas praticos com que se defrontam os grupos humanos.

(\ ~ ~ r i b u i ~ a o de valores, pelo homem, e uma resposta a questao?o s l g m / l c a d ~ d a ~ .coisas para sua vida. Ou seja, e uma respostaaquela questao basica: prazer ou dar?; vida ou morte? 0 valor,portanto, subentende uma relariio: a da vida (do homem) com omundo. A atitude valorativa, situando-se primordialmente na esferado sentir, e anterior a raziio. Hessen aponta tres caracteristicasb.a.sicas da v a l o r a ~ a o : a) sua imediatidade; b) sua intuitividade, ouSeja, ~ U a f ~ r m a nao elaborada, anterior a c o n c e i t u a ~ a o logica, e C) suaemocwnalldade, no ~ e n t i d o de ela se subordinar a esfera dos senti-

mentos. 31 Portanto, a razao humana e uma o p e r a ~ a o posterior avalorariio; pela razao o homem dinamiza e relaciona os significadosoriundos de sua atividade valorativa. Por isso, como ja dissemosa n t e s ~ frente a vida a postura humana nunca e objetiva, no sentidode "conhecimento desinteressado". E por peiceber alga como impor-

29. Rubem ALVES, Notas introdut6rias s ~ b r e a linguagem, Zoe. cit., p. 25.30. Ibid., p. 29.31. Apud J. F . Regis de MORAIS, "Escolas: a l i b e r t a ~ a o do novo"

Reflexao, 4 (14 ):23-, · '

33

 

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 19/67

tante para sua vida (como.urn valor) que o homem se atira a tarefade conhece-lo. Deixemos que fale Rubem Alves: 32 "A experienciaque 0 homem tern do seu mundo e primordialmente emocional.'Bern', poderia o cientista objetivo retorquir, 'isto e assim porqueo homem ainda nao se treinou para o conhecimento verdadeiro, puro edesinteressado.' Nao, as coisas sao assim porque. o homem, ao serelacionar com o seu ambiente, se encontra sempre face a face. como imperativo da sobrevivencia. E porque ele deseja viver, o ambientenunca e percebido como algo neutro. 0 ambiente promete vida emorte, prazer e dor - e, portanto, qualquer pessoa que se encontrerealmente em meio a !uta pela sobrevivencia e f o r ~ a d a a percebero mundo emocionalmente. E e esta experiencia imediata - emotiva,e na maioria dos casos nao verbalizada e olio verbalizavel - ,quedetermina a nossa maneira de ser no mundo. Esta e a matrizemociooal que estrutura o mundo em que vivemos."

Mas voltemos a Iinguagem. Como ja foi dito, ela e o instru-mento que possibilita a um grupo humano a coexistencia, ou seja,o compartilhar de uma mesma estrutura de valores. Utilizando-a,uma comunidade interpreta o mundo e t r a ~ as diretrizes para. suasobrevivencia. A linguagem, tornando significativos os valores, pbssi-bilita ao homem um esquema interpretative do mundo, de maoeiraque este possa orientar sua a ~ a o . Ela surge, portaoto, das necessi-

dades praticas e concretas da vida; surge como uma forma de coor-denar as ar;oes em grupo, com fins de sobrevivencia. Isso pos fazpensar que a categoria verdade nada mais e do que uma maneira sim-b6lica de nos referirmos aquilo que e pratico e funcional. Conside-ramos uma ideia verdadeira na medida em que ela nos permiteinterpretar o muodo e oele agir de maoeira eficaz. Nossas verdadesnao sao etemas e imutaveis; novas descobertas, novas formas de.atuar-se sobre .a r e a l i d a d ~ , freqtientemente destronam aqueles mo-delos que ate entao tinhamos como verdadeiros. Foi assim, por

exemplo, com o modelo heliocentrico de · astronomia, criado porCopernico; ou ainda com a teoria evolutiva de Darwin; ou mesmocom a psicanalise de Freud, ao propor o conceito de inconsciente. A

linguagem permite entao que comunidades humanas coordeoem suasatividades, a partir de uma certa interpreta<;ao da realidade, que ecompartilhada po r todos os seus membros.

0 homem nao apenas reage aos estimulos provenientes do meio,como o .animal, mas procura organiza-los de uma forma significa-tiva, dando-lhes urn seotido, isto e, construindo o mundo. Portaoto,entre o homem e seu meio ffsico interpoe-se a tela da linguagem.E assim, a o r g a n i z a ~ a o do mundo numa atitude compreensivel tor-

. na-se possivel gra<;as a linguagem. Os estlmulos provenientes do meio

32 . 0 enigma da religiiio, p. 130-131.

34

sao filtrados e organizados por ela, .e isto equivale a dizer que nossapercepr;ao, de certa forma, e f u n ~ a o de nossa linguagem. Dete-nhamo-nos urn pouco oa questao da percep<;ao humana. Esta e umaquestao que, desde os prim6rdios da fisiologia e da psicologia, vernocupando os cientistas, sem que se tenha ainda chegado a conclu-soes definitivas (o que, e claro, nao e possivel em campo algum).Como e que percebemos o mundo? Como e que as diversas formasde energia (sonora, luminosa, etc.), ap6s penetrarem em nossos 6rgaosdos sentidos, sao organizadas pelo cerebra num esquema significative?

Taisi n t e r r o g a ~ o e s

foram particularmente propostas pela psicologiada forma, ou da Gestalt (forma, em alemao), que se empeohou emresponde-las. Muitas de suas explica<;oes foram refutadas posterior-mente, mas parece que .esta escola chegou a algumas conclusoesbasicas. Atualmeote, o quadro que temos a respeito da p e r c e p ~ a o e,

de maneira geral, o apresentado a seguir.Parece haver uma tendeocia inata·do cerebra humano em agru-

par os estimulos provenieotes do meio, de forma que eles se articulemouma certa ordem, ou seja, de maoeira que eles adquiram algumsignificado - significado aqui no sentido de organizar;ao, em oposi-~ a o a desordem, ao caos. Nossa discrimina<;ao mais rudimentar debrilho cor movimeoto e formas simples enquadram-se oeste caso. a.q, ' ,Tendemos sempre a compor, com os estimulos, uma forma, que e,

para a escola gestaltista, sempre a mais perfeita possivel. Quandocontemplamos as estrelas, por exemplo, nossa tendencia e estru-tura-las em figuras articuladas - dai a origem das constela<;oes."Mesmo que as formas que nos cercam sejam realmente .ca6t!cas,aioda assim o cerebro projeta oelas uma ordem. De uma m1scelaneade pontes o olho (ou, para ser mais exato, o cerebro) escolhe aque-les que se enquadram em alguma estrutura, ou os que poderiam serinterpretados como uma forma humaoa ou animal. Quando contem-plamos as ouvens que passam, a brasa de uma f?gueira que. se ex-

tingue, ou ainda urn peda<;o de casca rugosa,A f a ~ i l m e n t e p ~ ~ J e t a m o ~ nelas tais fantasias de forma. E, se a substaoc1a formal Ja possmalguma ordem em si, o cerebra projetara eritao uma ordem ainda

melhor." u :a cJ.aro que, ao percebermos uma figura " c o n c ~ e t a " :-urn perfil humano numa mancha da parede, por exemplo ---:- mtervemai mecanismos mais complexos, que envolvem a aprendtzagem. 0que estamos querendo ressaitar e que, a partir de funr;oes rudimen-tares de organizar;ao dos estf.mulos, e que se desenvolve nossa per-cep<;ao mais acurada. Como diz V e r n o ~ : :15 " •• • a partir da i n f ~ c i a tais f u n ~ o e s sao cada vez mais subordmadas a. processos c o g m t l v ~ s de ordem mais elevada. . . Portanto, a f o r m ~ Simples e a percep<;ao

33 . Cf. M .D. VERNON, P e r c e p ~ i i o e experiencia, p. 3.34 . Anton EHRENZWEIG, Psicanalise da p e r c e p ~ i i o artistica, p. 64.35 . Op. cit., p. 3 (grifos nossos).

35

 

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 20/67

do movimento sao integradas e suplementadas por processos dei d e n t i f i c a ~ i i o , c l a s s i f i c a ~ i i o e c o d i f i c a ~ i i o atraves da o p e r a ~ a o de es-quemas perceptivos que, em grande parte, dependem de aprendiza-gem, memoria, raciocinio e linguagem. Indiscutivelmente OS proces-sos perceptivos simples continuam a atuar, e na realidade apresentamdados sensoriais de que depende a o p e r a ~ i i o dos processos maiscomplexos."

Pela ultima frase da c i t a ~ i i o acima depreendemos que, apesarde nossa p e r c e p ~ i i o se desenvolver com a aprendizagem, aqueles

processos perceptivos simples continuam a atuar, servindo de alicer-ce aos refinamentos que vamos obtendo. De certa forma, podemosnotar tambem ai, nesses rudimentos perceptivos, uma base estetica.Agrupar e ~ t i m u l o s em formas simples, obtendo, por conseguinte,s i m ~ t r i a s , . s e ~ e l h a n ~ a s e ritmos e, em si, projetar fundamentos este-ticos ao mundo percebido. Sigamos a e x p l i c i t a ~ i i o de Paul Guillau-me, 86 que tambem fala a favor desta tese: "Ha diversas maneirasde perceber o mesmo conjunto. Um dos tipos mais freqlientes, etalvez o mais primitivo, foi chamado de percepc,:iio sincretica ou

global. 0 objeto (que, algumas vezes, pode ser todo o campo senso-rial) e um todo que nii.o se decompoe em partes distintas e indivi-dualizadas. Este caso opoe-se aquele em que as partes sao, ao mesmotempo, distintas e solidarias, articuladas, organizadas: esta sintese

sup6e uma analise, enquanto a percepc,:iio sincretica e anterior aqualquer amllise." 0 que o au or esta nos dizendo e justamente queexiste uma percepc,:iio global do mundo, anterior aos nossos proces-sos de analise perceptiva (que sao dados basicamente pela lingua-gem). Nossa tendencia e sempre niio atentar para esta percepc,:aoprimitiva, imersos que estamos em nossa linguagem conceitual eclassificat6ria. Mas deixemos que Guillaume complete seu pensa-mento: "A impressiio primeira, ou o sentimento que temos das coisase de suas relac;oes, outra coisa nao e seniio essa. percepc,:iio global: eoeste sentido que o sentimento e a forma primitiva do conhecimento.Desse sentimento existem infinitas variedades, todas qualificativa-mente distintas, entre as quais ha semelhanc,:as niio resolvidas em

identidade e diferenc,:a de partes. Freqlientemente a percepc,:iio este-tica respeita ou procura reencontrar e s s a ~ · impressoes globais; aanalise a que somas levados pelas necessidades da pratica e da cien-cia, ao contrario, faz desaparecer essas qualidades e as resolve emelementos e retac,:Oes." 37 Vemos ai que nossas ideias a respeito do

36 . Manual de psicologia, p. 157.37 . Ibid., p. 159. Anton EHRENZWEIG desenvolve, em seu A ordem

oculta da arte, uma teoria da percept;;iio sincretica, fundada no conceito psicanali-tico do processo priinario (inconsciente). Para o autor, toda obra de arte envolveum conflito entre a percept;;iio sincretica (processo primario/inconsciente) e aperceps;iio gestaltica (processo secundario/consciente). ~ e j a - s e tamb6m suaoutra obra, ja citada.

36

sentimento, ou do vivido, como base do conhecimento (simb6lico)humano, se completam tambem pelo estudo da percepc,:ao. Nossosentimento primeiro do mundo advem-nos a partir dos processosperceptivos basicos - da percepc,:iio sincretica, como a chamaGuillaume.

Haviamos dito, anteriormente, que nossa percepc,:iio e, em gran-de parte, . f u n ~ i i o , de nossa linguagem, e agora estamos dizendo queexistem processos perceptivos basicos que independem da linguagem.Haveria ai alguma contradic,:ao? Niio. 0 que ocorre e que nossa

percepc,:ao se refina e se sedimenta, pela linguagem, a partir dessesrudimentos inatos. A linguagem, permitindo-nos ordenar o mundoem eventos e relac,:oes de eventos, imp6e-nos sua estrutura concei-tual, fazendo com que nao nos apercebamos mais dessa primitivapercepc,:ao. Ao aprender a desenhar, por exemplo, o indivfduo deverenunciar a percepc,:iio cotidiana, "aprendida", e t r a ~ a r as coisasda forma como elas realmente aparecem ao olho. Urn pires sabreuma mesa, a alguma distancia, e.par n6s percebido como urn circulo;atraves de nossa experiencia anterior aprendemos a ve-lo como tal.Porem, o desenhista deve trac,:a-lo como uma elipse, que e a formacom que ele realmente se apresenta ao olhar. 38 Assim, a p e r c e p ~ i i o humana depende sobremaneira da aprendizagem, e fundamef!.talmenteda aprendizagem de nossa Hngua, esse instrumento de ordenac,:iio

do mundo.A linguagem utilizada par determinada comunidade humana,

como vimos, permite que as ac,:6es sejam c o n j u g a d ~ s , a partir da

interpretac,:ao comum do mundo que ela fomece. IndiVlduos de urnmesmo grupo social possuem basicamente a mesma estrutura de

valores, dados atraves da lingua pa r eles empregada. Quando apren-demos a nossa lingua, aprendemos com ela os modos de nosso gruposocial . perceber o mundo e de nele agir. "0 condicionamentode nossa percepc,:ao pela linguagem e, realmente, o condicionamentode nossa maneira de ver, ouvir e sentir pela sociedade." ~ Estaconclusao a que chegamos pode ser encontrada em quase todos osestudiosos da linguagem humana, e e importante sobretudo quando

se pensa na educac,:ao a partir de um contexto c u l t u r ~ l . Como ~ estudioso do processo lingiiistico, atraves de perspectivas culturats,temos B. L. Wharf, que afirma: 40 "Dissecamos a natureza de acordo

38. Esta percept;;iio da forma do objeto (o circulo, no caso do pires)independentemente de sua posit;;iio foi chamada de constoncia da forma, pelosgestaltistas. Outras constancias sao ainda: a da cor e do taman/to.

39. Rubem ALVES, Notas introdut6rias sobre a linguagem, foe. cit.,

p. 31..40. Apud N. POSTMAN & C. WEINGARTNER, C o n t e s t a ~ i i o - nqva

f6rmula de ensino; p. 143.

37

 

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 21/67

com as diretrizes trac;adas pela nossa linguagem nativa. As categoriase tipos que isolamos do mundo dos fenomenos nao sao por nosdescobertos ali porque se coloquem diante dos olbos do observador;pelo contnirio, o mundo e apresentado num fluxo calidoscopico de

impressoes que tern de ser organizadas e categorizadas pelas nossasmentes - e isto significa, acima de tudo, pelo sistema lingtifsticona mente de cada um de nos. Recortamos a natureza, organizamo-Jaem conceitos e atribufmos-lhe significados da maneira que fazemos,porque somos, principalmente, partes. de urn acordo para organi-

za-la dessa maneira - um acordo que se mantem em toda a nossacomunidade de discurso e esta codificado nos padroes da riossa lin-guagem." Recordemos o que ja foi dito antes: ·nossa categoria de

verdade brota dos valores da comunidade em que vivemos; como taisvalores sao determinados basicamente pela Iinguagem ali empregada,nossas verdades sao, sobretudo, derivadas de nosso sistema lingiifs-tico. Po r isso Postman e Weingartner p<;>nderam: 41 "Cada urn denos, quer seja oriundo da tribo americana, da tribo russa ou da tribohopi, nasce tanto num meio simb61ico como num meio ffsico. Habi-tuamo-nos muito cedo a urn modo 'natural' de falar, e de nos falarem,sobre a 'verdade'. Arbitrariamente, nossas percepc;oes sobre o que e'verdadeiro' ou real sao modeladas pelos simbolos e pelas instituic;oesmanipuladoras de simbolos da tfibo a que pertencemos". De umaforma poetica, o compositor (Pericles Cavalcanti) tambem demons-tra que as "verdades" dadas pela linguagem sao modelos, sao f!gurasque construimos para significar o real:

0 sol nasceu, a Jua nasceu0 dia nasceu, o som nasceu,.£ tudo mentira. ·£ tudo figura.Quem nasceu fui eu.Quem nasceu foi vo<;e,E a gente nlio sab"e bem comoE nem sabe por que . ..

Temos que notar agora um aspecto importantissimo dessas

quest6es que viemos levantando. Inicialmente, baviamos dito que alingu;:tgem se constitui na ferramenta primordial do homem para aconstruc;ao do mundo; atraves deJa o ser humano adquire podersuficiente par:;t agir no meio, ordenando-o e c o m p r e e n d ~ n d o - o . Mas,por outro lado, observamos que a Iinguagem molda nossa maneirade pensar, sentir e agir; ao nascer numa dada cultura, aprendemosa interpretar o muiido a partir dos valores por ela constituidos,veiculados em sua lingua. Sao as duas faces ·da moeda humana: elasconstituem essa estranha dialetica que rege nosso processo de co-

41. N. POSTMAN & C. WEINGARTNER, op. cit., p. 29.

38

nhecimento. Podemos usar nossa linguagem para conhecer e dominaro mundo somente ap6s termos sido por ela socializados. ~ a lin-

guagem de nossa comunidade que estrutura a maneira pela qualcompreendemos e pensamos. Deduz-se, entao, que os fundamentos da

nossa raziio encontram-se nos fundamentos de nossa linguagem."lsto e: a logica do nosso pensar e subordinada e derivada da 16gicado nosso falar. Ou, a 16gica do indivfduo deriva-se da 16gica dasociedade em que ele se encontra." 42 Porque pensar significa jus-tamente dinamizar e articular sfmbolos (palavras); significa relacionar

conceitos, que nos sao dados pela Iinguagem. Aquilo para o que naotemos palavras, nao existe, nao podemos pensar. Nomear as coisase aze-las existir. E e precisamente oeste sentido que encontramos odizer bfblico: "No prindpio foi a Palavra" (Joao 1.1); ou ainda aatitude do primeiro homem (Adao), ao dar nome as coisas do mundo.Quando nomeio alguma coisa, eu a apreendo e, de certa forma,adquiro poder sobre ela, ao encerni-la em minha mente atraves dosfmbolo que a representa. Por isso, nos rituais de exorcismo e impor-tante que se saiba o nome do demonio que se apossou do individtio:atraves dele o exorcista adquire poder sobre a entidade. 48 No contode fada "Rumpelstiltskin" (dos Irmaos Grimm), a rainha deve des-cobrir o nome do gnomo, para vence-lo e nao ter de lhe entregar ofilho. Portanto, nossa capacidade tacional, intelectiva, depende dossimbolos que temos a mao· 0 meu mundo, 0 mundo sober 0 qualposso pensar, conseqiientemente, depende da minha linguagem. "Os .limites de minha linguagem denotam os lirnites de meu mundo",afirma Wittgenstein. 44 Na ditadura criada por George Orwell, emseu 1984, a diminuic;iio gradual do vocabulario perrnitido ao povotinha por objetivo, justamente, diminuir a sua capacidade de racio-cinio. E e interessante notar-se, tambem, que ao se instalar uma di-tadm.:a em qualquer pais, suas primeiras medidas sao sempre res-tringir a circulac;ao das palavras (censura), bern como reduzir aqualidade da educac;ao, especialmente a primaria, onde os indivfduossao alfabetizados. Controlar a linguagem e controlar OS indivfduosatraves de seu pensamento.

Estivemos, todo esse tempo, .referindo-nos a linguagem doponto de vista de sua j u n ~ i i o para o homem. Procuremos agora ana-lisa-la a partir da sua estrutura, ou seja, tentando pensar no que elae. Nosso senso comum tende a considerar a linguagem como urn

42. Rubem ALVES, Notas introdut6rias sobre a linguagem, foe. cit.,p. 31. .

43. Diz Martin BUBER: "Poder sobre o mau espirito se obtem ao cha-ma-to pelo seu nome real." I and Thou, p. 58 . (Edimburgo, T. &T. Clark, 1955.)(Optamos aqui pela verslio em ingles, da obra, po r considerarmos .tal c i t a ~ l i o mais proxima a nossos prop6sitos do que na verslio· em portugues.)

44. Apud Rub:;m ALVES, Notas introdut6rias sobre a Jinguagem, foe.

cit., p. 3 i.

39

 

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 22/67

c6oigo: um ·sistema de sfmbolos, convencionados pela . soCiedade,para representar ao homem as coisas e as r e l a ~ o e s entre elas. Pormeio da linguagem o homem pode comunicar a seu semelhante de-terminados fatos ou objetos que nao se encontram presentes nomomenta. Ela, dessa forma, substitui as coisas (no sentido de representa-as). Este raciocinio leva-nos enUio a indagar do como a lin-guagem e criada pelo homem. Sendo ela composta de sfmbolos re-

. presentativos das coisas, segundo o pensamento acima, a seguinteideia se nos apresenta: a mente humana e semelhante a um espelho

(uma tabula rasa, como diziam os empiristas britamcos). Ali serefletem os objetos do mundo exterior, formando as imagens corres-pondentes. Ou seja, a mente reduplica o mundo, e a linguagcmrepresenta esta r e d u p l i c a ~ a o . Com este raciocinio chega-se a consi-dera<;ao da linguagem como uma lista, como um rol dos objetos queexistem no mundo. ~ o r e m esta e uma conclusao falsa, que parte deuma premissa tambem inverfdica. A mente humana Iiao possui a

. passividade de um espelho, nem a linguagem e uma mera rela<;aode coisas. ~ mente do homem e uma das formas de sua atividade,talvez a pnmordial. Com ela o homem busca organizar o meio 'fisico,numa atividade de signific{lfao. E para tanto vale-se da linguagem."A linguagem, assim, nao e uma c6pia do real, mas antes uma organiz(Jfao dJJ mesmo. Na realidade, para o homem, o real e aquila

que cle organiza." 46 0 real e aquila que tomamos significativo,atraves do processo lingiiistico. Tanto a linguagem nao e uma sim-ples listagem do mundo, que para aprender-se uma lingua estra.ngeiranao basta que aprendamos apenas 0 seu vocabulano. ~ necessariaque se venha a conhecer a sua .estrutura, o esplrito que rege a suaa r t i c u l a ~ a o . E isto e derivado da maneira como o povo que a falainterpreta e sente o mundo - e derivado dos valores da comuni-dade. 46 0 ditado italiano "traduttore, traditore" (tradutor, traidor)significa precisamente a impossibilidade de se verter litera/menteuma lingua a outra. ~ sempre necessaria, nas tradu<;oes, adaptar-seo original ao sentimento da outra lingua. Portanto, atraves da lingua-gem o homem nao reduplica, mas acrescenta alguma coisa ao mun-

do: ac..<tescenta-lhe um sentido, uma ordem. Neste sentido, o ideal daobjetividade pura, buscada pela ciencia, e, em ultima analise, umautopia. Porque ao observarmos qualquer evento, este nao estaapenas se refletindo em nosso "espelho mental". 0 simples fato deselecionarmos um evento e nao outro, para exercermos nossa obser-va<;ao, ja implica um ato de o r g a n i z a ~ a o humana. E depois, a inter-p r e t a ~ a o do fato se derivara das "verdades" que construi'mos. Verda-

45. Rubem ALVES, Notas introdut6rias sobre a linguagem, lqc. cit.,p. 29.

46. Ibid.

I •

... .

des que, como ja foi dito, sao produtos de nossos valores e de nossalinguagem. Quando, em linguagem cientffica, se fala dos dados quese obtem numa pesquisa, este t e r ~ o , na realidade, e mal empregado.Porque as coisas nao nos sao dadas, mas sim por n6s constituldas -sao banhadas na foote de toda s i g n i f i c a ~ a o : a linguagem. Comoobserva Robert K. Merton, 47

••• a despeito da etimologia do termoOS dados nao sao dados mas construfdos . . . ".

Ao Iongo desta nossa e x p o s i ~ a o evitamos empregar .uma pala-vra que, no entanto, se refere ao fenomeno que subjaz a estas consi-d e r a ~ o e s

t.odas a respeito do homem. Trata-se dai m a g i n a ~ a o .

Orde-nar o mundo numa estrutura significativa, atraves da linguagem,pressupoe-na. A propria linguagem - um sistema de si'mbolos -se desenvolve em intima a s s o c i a ~ a o com a i m a g i n a ~ a o . Como ja foidito, em primeiro Iugar nossa linguagem ordena a p e r c e p ~ a o quetemos do mundo exterior, fragmentando o que seria uma massaca6tica de estimulos', em unidades e grupos, eventos e cadeias deeventos, coisas e rela<;oes. "Mas o processo de fragmentar nossaexperiencia sensoria dessa maneira, tornando a realidade concebivel,memoravel, as vezes ate previsivel, e um processo da i m a g i n a ~ a o . Ac o n c e p ~ a o primitiva e i m a g i n a ~ a o . Linguagem e i m a g i n a ~ a o desen-volvem-se conjuntamente num regime de tutelagem reciproca." 48

Quando temos consciencia, atraves da palavra (por exemplo, "Chi-

na"), de espa<;os outros que nao aquele ao nosso redor, estamosimaginando. Quando planejamos o nosso futuro - mesmo o maisimediato, como: sair de casa, apanhar o onibus, descer na portado cinema, entrar e assistir a urn filme - n6s o fazemos atraves dai m a g i n a ~ a o . Utilizando-nos de uma expressao de Sartre, podemosdizer que "imaginar e visar o mundo, ou certos objetos do mundo,no modo da ausencia".49 0 tra<;o fundamental, distintivo, do horneme do animal e, sem duvida, a i m a g i n a ~ a o . Enfrentando a materiali-dade do mundo, por ela o homem cria as s i g n i f i c a ~ o e s e projeta asua a ~ i i o transformadora e construtora do real. Enquanto que, porser dela desprovido, o animal nao cria nada, simplesmente se adaptaao meio ambiente. "Antes de mais nada e preciso reconhecer que

ai m a g i n a ~ i i o

ea forma mais fundamental de o p e r a ~ i i o da conscienciahumana. Os animais nao tern imagina<;ao. Por isto nunca produziramarte, profetas ou valores. l$0

Precisarnos notar, no entanto, que a i r n a g i n a ~ a o , especiamenteap6s o advento da ciencia, vern sendo negada enquanto o p e r a ~ a o basica da consciencia. Para a ciencia, em fun<;ao do ideal da objeti-

47. Apud Rubem ALVES, Notas introdutQ[ias sobre a linguagem, loc.cit., p. 31.

1

'

48. Susanne· K. LANGER, Ensaios fi/os6ficos, p. 88-89.49. Andre DARTIGUES, 0 que e fenomenologia?, p. 103.SO. Rubem ALVES, 0 enigma da religilio, p. 151 (grifos nossos) .

. 41

 

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 23/67

vidade, a "mente-espelho" e a forma mais segura do conhecimento.A mente que reduplica o real, que o reflete sem nele acrescentarnada, esta e a que produz o conhecimento objetivo. Ora, tomar talpressuposto, ao pe da letra, e incorrer no erro do objetivismo, comodizia Husser!. Buscar um certo "distanciamento" dos fatos, para urnmelhor conhecimento deles, e licito e valido, nas c o n s t r u ~ o e s cientf-ficas. Porem, a partir daf pressupor a mente humana "ideal". comoum espelho, e negar ao homem sua caracteristica fundamental de"humanidade": a i m a g i n a ~ a o (e a sua c o n c r e t i z a ~ a o , no mundo,

atraves de uma praxis significante e transformadora). A propriaciencia, com stias c o n s t r u ~ o e s normativas, entre as quais a busca daobjetividade, e produto da i m a g i n a ~ a o humana. Referindo-se a esteobjetivismo de que falamos acima, diz Rubem Alves: 111 "Ao idealepistemo16gico de objetividade, assim, corresponde a exigencia deque a imaginac;ao seja eliminada, como origem das perturba96es noprocesso de conhecer o mundo. Este mesmo ideal foi transplantadopara o campo da psicologia. Freud define o neur6tico como aqueleq ~ e troca a realidade pela imagina<;ao." Mas a realidade, comoVIemOS demonstrando, e justamente aquila que a i m a g i n a ~ a O humanaconstr6i, ao ordenar o mundo. Desta forma, no processo de conhecero mundo esta sempre implicita nossa imaginac;ao.

"Estou sugerindo, como nosso ponto de partida, que nao po-demos pressupor que a i m a g i n a ~ a o se oponha ao conhecimento doreal. Nao posso classifica-Ia nem como fonte de erros cognitiv9s enem como raiz de nossas neuroses. Fazer isto seria equivalente a admi-

. tir que a evoluc;ao cometeu urn erro fatal, na transi9ao do macaco nupara 0 homem. - porque OS animais nao tern i m a g i n a ~ a o . Acei-temos, portanto, a i m a g i n a ~ a o como urn dado primario da experien-cia humana. :£ deste fato primordial, irredutivel, teimosamente em-pfrico, que temos de partir." 112 Gendlin considera o indivfduocriativo como aquele que observa seu experiencing (seu "irrefletido",sua "corrente de sentimentos") e busca sfmbolos e conceitos paraexpressa-lo. Ou seja: como aquele que procura criar significadospara as suas experiencias. Neste ato de criagao impoe-se a ima-

g i n a ~ a o . De maneira inversa, quando se nos apresentam novasconceitos, novas significados, eles somente serao apreendidos eaprendidos quando buscamos em nossas experiencias aquelas viven-cias que eles visam representar. Novamente trata-se de uma o p e r a ~ a o da i m a g i n a ~ a o : criar pontos de ancoragem no experiencing para osnovas significados. Pensar e relacionar conceitos, relacionando, con-seqiientemente, os sentimentos em que eles se ancoram. Pensando,imaginamos novas r e l a ~ o e s . Como ja cantou o compositor. (Lupi-

51. Rubem ALVES, 0 enigma da re/igiiio, p. 16.52. Ibid., p. 18.

42

I, .

,,

clnio Rodrigues): "0 pensamento parece uma coisa a-toa I Mascomo e que a gente voa I Quando c o m e ~ a a pensar . . . " A imagi-na!(ao e 0 voo humano, desde a facticidade bruta onde estao presosos animais, ate a c o n s t r u ~ a o de urn universo significativo. ,Portanto,podemos concluir que o ato do conhecimento e da aprendizagem e,

em sua essencia, dirigido e orientado pela i m a g i n a ~ i i o .

43

 

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 24/67

--' ·

CAPlTULO II

CONCRETIZA{)AO E TRANSMISSAO DOS .

SIGNIFICADOS: CULTURA E EDUCAQAO

A musica que me faz iir ou chorar, o alimento que me apeteceou me e indigesto, a caricia que alegra ou me ·entristece: tudoisso esta relacionado as minhas pr6prias raizes culturais, asminhas a s p i r a ~ o e s e aquelas formas especllicas de entender esentir a .vida, que sao peculiares a cultura a qual p e r t e n ~ o . (Rubem Alves, Hijos del manana, p. 200.)

Se admitirmos· que "compreender" seja "inventarl' ·ou "re-construir por i n v e n ~ a o " (Piaget), cre1o que nao podemosaceitar sem mais que o educador se converta nesse perso-nagem tendo por f u n ~ a o adaptar o educando ao meio socialem .que ele vive. (H ilton Japiassu, 0 mito da naturalidadecientlfica, p. 150.)

Voce ireqiientou a melhor escola, senhorita Solitaria,Mas sabe que a unica coisa que Ia conseguiuFoi a merenda . . .

(Bob Dylan.)

1. 0 Jogo da Cultura

Frente a vida o homem se pergunta acerca do wl,lor que ascoisas tern para StJa sobrevivencia. Tal valor e expresso e adquiresignifica<;ao basicamente atraves da linguagem que eli- emprega. Alinguagem organiza o mundo percebido numa estrutura significativa,onde a Qfiio pode ser orientada de maneira eficaz. Como vimos, todoorganismo, por mais "inferior", carece de uma certa orienta<;ao emsuas a<;6es, a fim de sobreviver. Comportamentos erniticos sao subs-tituidos por comportamentos ordenados, adquiridos por terem se·mostrado uteis a manuten<;ao da vida. A ordena<;ao do comporta-mento animal advem primordialmente de seus instintos e de ·sua

45

 

a d a p t a : ~ a o ao meio oode se encontra; a d a p t a ~ l i o esta regida pelo algumas ja beirando a adolescencia, bern pouco de "humaoo" havia

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 25/67

esquema interpretative basico que a dor e o prazer oferecem. Ja ohomem, que transformou este esquema rudimentar num sistema devalores e significados, procura modificar 0 ambiente, construindo 0

mundo. Inversamente aos animais, o meio e que deve adaptar-seao homem; deve ser organizado com base em seus valores e significa-c;<>e:s. E isto significa a criO£iiO da cultura. 0 meio fisico, bruto eregtdo . pelas f o r ~ a s naturais, ao qual o animal se ajusta, pode-sedenommar natureza. Bsta, tomada pelo homem e modificada em fuo-~ l i o de suas carencias, transforma-se na cultura. 0 proprio ato deo . : : . d e ~ a r e estruturar o mundo percebido atraves dos sfmbolos ja ec n a ~ a o da cultura. Portanto, homem e cultura estiio indissoluvelmente ligados: s6 ha cultura atraves do homem, e o homem s6 existepela cultura.

0 surgimento da cultura e o aparecimento do homem na Terra.Ou melhor: quando o homem passa a denominar os elementos domundo atraves de sons vocais .- quando passa a simboliza-los -,e ainda quando imprime nestes elementos o sentido de instrumentos,ele se torna ~ u m a n o . Torna-se humano ao forjar os primeiros pro-dutos culturais: ao criar elementos significativos, que adquirem urnsentido para sua vida. ·

A atividade humana visa sempre a c o n c r e t i z a ~ i i o dos valores.

Visa transformar o meio para que este se amolde a eles. "Quando,por exemplo, culturas primitivas, atraves do ritual religiose repetiame imitavam os atos cosmogonicos dos deuses, estavam simplesnientetentando tornar eficazes, novamente, aqueles mementos e atos queeram de valor supremo, por se constituirem no infcio o fundamentodo seu cosmo ffsico e social. Nao nos interessa se os efeitos deseja-dos eram atingidos ou nlio, mas sirnplesrnente a i n t e n ~ l i o do ato. Seuobjetivo era tornar hist6ricos (no sentido de objetivos, concretes),atraves de i m i t a ~ l i o e r e p e t i ~ l i o , aquilo que a comunidade toda con-siderava ser os valores supremos. Creio que este modelo se aplica atudo que poderfamos chamar de atos de c r i a ~ l i o de cultura." 1 Criara cultura e, portanto, humanizar a natureza, ordenando-a e atribuin-do-lbe s i g n i f i c a ~ o e s expressivas dos valores humanos: criar a culturae concretizar tais valores. Fora de urn ambiente cultural olio existemseres humanos, isto e, o homem nlio pode existir enquanto tal senlioatraves da cultura. :£ nela que nos tornamos hurnanos, que aprendemos a organizar e construir o rnundo, atribuindo-lhe s i g n i f i c a ~ o e s . Este fato e claramente demonstrado atraves dos diversos casosrelatados de c r i a n ~ a s perdidas ou deixadas nas selvas, que foram"adotadas" por animais. Quando essas c r i a n ~ a s foram encontradas,

1. Rubem ALVES, Notas introdut6rias sobre a linguagem, foe cit .p. 26 .

46

· - 1 .

nelas: dentes rnais longos, andar "de quatro", c a ~ a r e grunhir~ r a m . s ~ a ~ c a ~ ~ c t e r i s t i c a s principais. C?s e s f o r ~ o s para educa-las, parahommtza-las , foram frustrados, p01s em geral elas olio resistiram

e sucumbiram a sociedade. 2

A i m a g i n a ~ a o , ja o notamos, e o tra9o distintivo do homern:atraves deJa este transcende a imediatidade das coisas e projeta 0que ainda olio existe. Por ela, o amootoado de elementos e estimulosdo mundo e o r g ~ i z A a d ~ numa ~ s t : , u t u r a significativa, que diz respeitoaos valores. da ~ x t s t : o c i a . A c n a ~ a o da cultura e, conseqtientemente,

urn ato da t m a g m a ~ a o humana. :t:. um ato de jogar com os dados domundo r n a t e r i ~ , para c ~ n ~ t r u i r uma ordem e urn sentido. Huizinga,es!udando a a ~ v 1 d a d e _Iudtca do homem, demonstra que o jogo (ob n n ~ ~ e d o ) e ~ t ~ na ongem das c o n s t r u ~ o e s humanas. Mas o que e~ a t l V l d a d ~ lud1ca? _Qual o seu sentido, no mundo humano? 0 jogoe uma a ~ a o que.nao p.roduz ?ada, em. t e ~ m o s materiais; que naotern urn ftm extenor a Sl pr6pno: suas fmahdades residem nele roes-mo. ~ o jogo e estruturada uma certa ordem e equiHbrio, atraves daa t u a ~ a o do corpo. Suas regras, ao serem criadas e seguidas, permitemque o. h o m ~ m se envolva .numa a ~ a o prazerosa por si pr6pria.Joganao (bnncando), o homem rompe o determinismo das f o r ~ a s nat.urais ,e c o ~ s t r 6 i uma !e.alidade. h ~ r ~ o n i c a , na qual esta integrado.

0 J?go .e. asstm, uma attv1dade stgmficante: por ele e a l c a n ~ a d o urnequilibno e uma ordem, na a t u a ~ a o humana. Sao do autor citado~ s seguintes. p a l ~ v r a s : "0 .espfrito de c o m p e t i ~ a o ludica, enquantotmpulso soctal, e mats antigo que a cultura, e a propria vida estatoda penetrada por ele, como por urn verdadeiro fermento. ·O ritualteve. origem, ~ o jogo sagrado, a poesia nasceu do jogo e dele senutnu, a mustca e a d a n ~ a eram puro jogo. 0 saber e a filosofiae . n ~ o n t r a ~ a t ; n expressao em palavras e formas derivadas das compe-t i 9 , o ~ s rehgiOsas. As regras da guerra e as c o n v e n ~ o e s da vida aristo-crahca eram baseadas em modelos h1dicos_ Dai se conclui necessa-: i a m e ~ t e que em suas fases ~ r i m i t i v a s a cultura e urn jogo. Nao quer1sto dtzer que e ~ a nas9a do JOgo, .como urn recem-nascido se separado .corpo da mae. Ela surge no JOgo e enquanto jogo, para nuncamats perder esses carater." 3 Portanto, o homem iniciou sua existencialudicamente: dispondo os elementos do mundo em torno de si, numa

2. 0 caso mais famoso e o do "Selvagem de Ayeron" estudado er e l ~ t a d o . por J e ~ n l t ~ r d , em principios. do seculo XIX. Cf. Alberto MERANI,P_stcologw e. ahena9ao, p. 79-80. 0 ctne asta alemao Werner Herzog, em seufdme 0 . en:gn:a de Kaspar Hauser, tambem aborda este tema. Porem, comu ~ a radical d 1 ~ e r e n ~ a : Kaspar foi trancafiado em urn celeiro onde, apesar denao ter aprend1do a falar, era vestido e alimentado por urn ser humano que·de certa forma, servia-lhe de "espelbo", ' '

3. Johan HUIZINGA, Homo ludens, p. 193.

47

 

ordem que dava sentido a sua ac;ao - o que significdu a criac;ao epoca e a cultura onde uma dada c a d ~ i r a foi produzida, a partir

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 26/67

da cultura.Os bic;os que unem o jogo e a procura da beleza (a estetica)

sao varios: em ambos, a harmonia dos elementos 6 significante .emsi mesma; em amb.os, o prazer e derivadb do proprio ritmo e har-monia. Em ambos, a imaginac;ao cria urn sentido para alem daconcretude do universo fisico; urn sentido que exprime os valoreshumanos. "A genuina cultura, indicou Sapir, e 'intrinsecamenteharmoniosa, equilibrada, auto-satisfat6ria, uma realidade na qualnada carece de significado'. Tern o significado do jogo, como assi-nalava Huizinga, e o significado de uma obra de arte, como por suaparte captou muito claramente Dewey." 4

A cultura e "uma realidade na qual nada carece de significado"justamente por ser ela a propria construc;ao do significado: por serela a expressao dos valores de determinada comunidade humana. Nacultura a vida adquire urn sentido, coocretizado em suas coostruc;oes."Ao criar uma cultura, os individuos ou comunidades projetamdiante de si, em obras e objetos, urn sistema organizado de valorese de significac;oes que revelam sua visao de mundo e sua concepc;aoda vida." 5 A linguagem, como ja o notamos, e o instrumento basicopara a signjficac;ao de que se vale o homem. n Ela e o cerne dequalquer comunidade humana - de qualquer cultura, diriamos·agora.

Mas, notemos que a linguagem e a ac;ao pratica sabre o mundo de-seovolvem-se conjuntamente. 0 muodo vai adquirindo s e n t i ~ o aoser simbolizado e transformado pelo homem. Ao se criarem novosobjetos, novos instrumentos, novas ordens, sao necessarios novassimbolos para significa-los. Inversamente, ao se criarem novas valores,novas ideias, e necessaria torna-los concretos, forjando-os no mundo.Para usar uma linguagem filos6fica, podemos dizer que logos (a pa-lavra) e praxis (a ac;ao) se articulam num regime dia16tico. Palavrae ac;ao sao interdependeotes na constituic;ao da cultura.

Assinalamos que a criac;ao da cultura apresenta, em si, urncarater h!dico e, de certa forma, estetico. Mas vamos alem: ospr6prios objetos e instrumentos sao produzidos nao apenas com.vistas

a sua utilidade. Neles se encontra, tambem, uma preocupac;ao este-tica. A maneira como uma dada cultura sente o mundo, exprime-seem sua produc;ao material. Tomemos como exemplo urn objetobastante antigo na historia do homem: a cadeira. Desde a primeiraproduzida, sua func;ao sempre foi a mesma, e, no entanto, temosinfindaveis tipos e modelos de cadeiras. Podemos reconhecer a

4. Rubem ALVES, Hijos del ma1iana, p. 192.5. A. D. SALVADOR, Cultura e educafao brasileiras, p. 29.6. A propria linguagem, segundo Huizinga, surge como urn jogo (de

designar): salta·se da materia aos simbolos sonoros. Cf. op. cit., p. 7.

48

de seu "estilo", ou seja, a partir de sua forma, que exprime a visaode urn determinado periodo e comunidade. Assim, " . . . a culturae a expressao desse padrao (pattern) caracteristico de sentimentoque distingue urn povo de outro, no padrao de suas ac;oes e nas coisasenvolvidas em suas ac;oes - ou seja, em suas coisas, especificamente.Os atos tern em geral urn prop6sito, e as coisas sao uteis, isto e,servem a propositos; mas tanto os atos como os artefatos ultrapas-sam as necessidades praticas, com assumirem carater. formal, o quenao e eficaz e sim expressivo. Os movimentos humanos nao saoapenas ac;oes motivadas, mas tambem gestos; os objetos humanos -desde os palitos de dentes ate casas, autom6veis, navios - nao ternapenas usos, mas tambern estilo". 7 Definitivamente: construindo acultura o homem concretiza os seus valores, e os valores esteticos- o ritmo e a harmonia - siio fundamentais aordem, ao sentido.

Ja afirmamos, anteriormente, que 0 comportamento humano 6simb6lico, querendo significar que o homem age tendo por base assignificac;oes que ele imprime ao mundo. Pois bern: se nesta sua ac;aoele constroi a cultura, esta se constitui tambem num elemento sim-bolico. Ou seja: nela, as ac;6es e objetos estao impregnados desentido, isto e, sao significantes.8 "0 produto cultural acabado e umsi'mbolo, e o ato cultural e uma atividade de simbolizac;ao, isto e,uma atividade criadora e receptiva de simbolos." 9 Podemos, assim,descrever a cultura como uma estrutura simb6lica. Mas, precisa-mente, o que significa afirmar-se que a cultura e uma estrutura?Pode-se tomar o vocabulo "estrutura" como sinonimo de forma, istoe, a maneira de uma coisa (urn ·fenomeno) aparecer a nossa cons-ciencia. Exemplifiquemos. Qua'tro pontos delimitam urn quadrilatero,que,' porem, so adquire a forma de um qur.dratfo se estes pontos seestruturarem de uma determinada maneira. Sr. as retas que OS unemtiverem a mesma dimensao e se encontrarer.1 tormando angulos retos.Portanto, a forma do quadrado depende d:t estrutura em que estaoarticulados os seus elementos: De manei.ra similar, a cultura adquiredeterminada forma (determinado "estilo") a partir de como se orga-

nizam seus valores, por meio de seus elementos constituintes.Quais sao, entao, os elementos que constituem uma cultura, e .

que a definem enquanto forma? Pode-se citar inumeros, tais como:os mitos, as relac;oes de produc;ao .e troca de hens, a organinc;aopolitica, as artes, os instrumentos (a tecnologia), etc. Cada urn desses

7. Susanne K. LANGER, Ensaios filosoficos, p. 94.8. Voltando as cadeiras, note-se que elas podem adquirir significayoes

para alem de sua f u n ~ a o especifica. A cadeira do rei, por exemplo, recebe onome de trono, e passa a simbolizar uma serie de valores outros.

9. A.D. SALVADOR, op. cit . p. 46. .

49

 

elementos concretiza determinados valores, tornando-os significantes; levantada, cada quadro pintado, cada nova ideia expressa, somam-se

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 27/67

o conjunto de todos eles compoe a visao de rnundo (a forma) dacultura. Observando mais de perto, verifica-se que, em si, cada urndesses elementos tambem e estruturado a partir de elementos meno-res. Isto e: OS elementos que compoem a estrutura cultural sao tam-bern estruturas. 0 sistema poHtico de uma cultura, por exemplo, edefinido atraves de como se estabelecem as relac;oes de poder: comosao escolhidos os Hderes, como eles atuam, como sao tomadas asdecisoes comuns, etc. Desta forma, podemos dizer que a cultura,sendo uma estrutura simb61ica, e tambem uma estrutura de estruturas(Merleau-Ponty). 0 sentido do todo cultural provem da estruturac;:aode seus elementos, estruturados tambem por unidades menores. "A

multiplicidade da estrutura cultural e a das diversas atitudes adotadaspelo homem como forma de sua existencia. Sao elas os diversoslugares (t6picos) ern que o sentido toma corpo (a economia, a tecni-ca, a ciencia, a polftica, a religiao, a arte, etc.). Por isso devemosfalar de uma estrutura cultural simb6lica, estrutura de estruturas, na

expressao de Merleau-Ponty, cuja caracteristica e precisamente ade que seu sentido vern de muitos lugares, numa multiplicidadesemantica proveniente de varias fontes, na manifestac;ao diversifi-cada de uma foote original, a existencia. 10

A questao das estruturas que compoem a cultura e mais faci1-

mente observada quando se estudam as chamadas culturas "prirniti-vas". Ali o nllinero desses elementos culturais e relativameote limi-tado, e sua estrutura se mantem praticameote inalterada, ao Iongo dotempo. Ou seja: o equilibria conseguido em tais culturas, entre ohomem, seus sentidos e o meio, repousa em sua estabilidade e per-manencia. Nao ha alterac;oes drasticas, que impliquem uma reestru-turac;:ao da cultura, e sua harmonia permanece intacta atraves dassucessivas gerac;oes. Diferentemente das nossas culturas ditas "civili-zadas", onde o dinarnismo e a alterac;ao constituem seus fatorescentrais. 0 processo civilizat6rio deu origem a uma alterac;ao cons-tante na estrutura cultural, pois cada novo valor, cada novo sentidoconstruido, implica uma reestruturac;ao da cultura. Sendo a cultura

a concretizac;ao do sentido dado a existencia, novos sentidos impli-cam novas formas culturais. Nas cidades medievais, por exemplo, asmuralhas que as cercavam significavam a protec;:ao contra provaveisinvasores. Hoje nossas cidades nao carecem de muralhas - isto naofaz mais sentido; elas foram substituldas pelos radares e outros me-canismos de defesa . A cada dia a cultura "civilizada" se movimenta,no movimento de seus membros: cada arvore derrubada, cada casa

10. Antonio Muniz de REZENDE, Pistas para urn diagn6stico dapatologia cultural. In J.F. Regis de MORAIS (org.), C o n s t r u ~ i i o social da

enfermidade, p. 162.

50

na dinamica cultural. Por isso o homem "civilizado" construiu seuconceito de hist6ria, ausente nas culturas "primitivas", que por se

repetirem e se manterem sao a-hist6ricas. :E este, entao, o motivoque leva Rezende 11 a definir a cultura como a " . . . fisionomia. queurn grupo humano adquire atraves de sua hist6ria". Definic;ao es-ta perfeitamente aplicavel as culturas "civilizadas".

Desta maneira, atraves da civilizac;ao a cultura adquire urncarater de processo: um processo de construc;ao e alterac;ao do sen:-

tido. Como vimos, o sentido dado a vida por .urn determinado grupohumano (sua "fisionomia", seu "estilo") provem de diversos "Juga-res": de sua economia, de sua religiao, de sua ciencia, de sua arte,etc. Esses setores se interligam dinamicamente, e qualquer alterac;aonum deles implica uma reestruturac;ao, uma mudanc;a, no todocultural. Quando o homem, por exemplo, descobriu e passou a em-pregar o vapor como f o r ~ a motriz, toda sua cultura se alterou: suasrelac;:oes de produc;ao, sua mobilidade no espac;:o, suas cidades, etc.Ou mesmo as alterac;oes no plano das ideias e concepc;:oes: o homemdepois de Galileu nao e o mesmo que antes dele; ou depois de Freud,depois de Einstein, etc. Assim, o equiHbrio e a harmonia pratica-mente estaticos das culturas a-hist6ricas se alteram profundamentena dinamica cultural do processo civilizat6rio.

:E de se notar, portanto, que 0 homem "civilizado" nao e umaobra acabada. Ele permanece em constante processo de alterac;:ao.Enquanto constr6i o mundo, transformando a face do planeta, constr6i e transforma a si proprio. 0 homem hoje nao e identico aohomem que viveu na Grecia de Platao. Observe-se ainda que, mesmofisicamente, a estrutura bumana vai se alterando: os pulm6es dequem atualmente nasce em no,ssas poluidas cidades j ~ c o m ~ c ; a m amostrar alterac;6es; as armas maneJadas pelos guerre1ros barbarossao pesadissimas para 0 homem m e ~ i o atual; e ~ i n d a 0 ?uvid_? ~ u mano, que agora distingue e harmomza os sustemdos e d ~ s s o n a n c 1 a s de nossa musica, e distinto do ouvido do homem medieval, paraquem as dissonancias nao eram percebidas senao como ruldos desco-

nexos. 12 Por isso, criando a cultura o homem e por ela constituido.Ja notamos este fato com relac;ao a linguagem, nosso iostrumentoprimeiro de constituic;ao do sentido: por ela o homem "se hominiza",mas ela condiciona a sua "visao de mundo". Portanto, atraves dessasc o n s i d e r a ~ 6 e s pode-se entender os .versos do poeta (Vinicius deMoraes): "Mas ele desconhecia 1 Este fato extraordinario: I Que oopera.rio faz a coisa 1 E a coisa faz o operario." N6s somos, tam-

11. P i s t ~ s para urn diagn6stico da patologia cultural, foe. cit., p. 170.12. A respeito das a l t e r a ~ t o e s na p e r c e p ~ t a o estetica, veja-se Anton

EHRENZWEIG, Psicandlise da p e r c e p ~ i i o artistica.

51

 

hem, o produto daquilo que produzimos. Homem e cultura se cons- harmoniza<;ao numa estrutura coerente .Numa das faces, a circula<;ao

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 28/67

tituem dialeticamente.Urn outro aspecto do dinamismo cultural de nossa civiliza<;'ao

diz respeito a maneira como os valores e significa<;6es movimentam-se no interior da cultura. Como o sentido dado a vida provem demuitos lugares, de diversas atividades humanas, este sentido e tro-cado entre si pelos membros da cultura. 0 meio basico para a cons-titui<;ao e comunica<;ao de significados e a linguagem, mas eles semanifestam em ~ a d a ato e em cada produto c u l t u r ~ l . Lembremo-nos:OS atos sao gestos, e OS objetos, mais que uteis, sao expressiVOS -

ambos guardam em si urn sentido. Assim, novas descobertas, novasideias, novas significa<;6es circulam, pela cultura e· alteram sua face,implicando reestrutura<;6es. A multiplica<;ao dos meios de comunica-<;ao possibilita, mais e mais, que·esta dinamica se amplie. Este processode intercomunica<;ao e circula<;ao dos sentidos, J?.O interior de umacultura, possibilita a comunhao de todos os memoros numa estruturabasica de valores. 0 que leva Rezende 13 · a considerar a culturacomo " . . . a circula<;ao do sentido no interior do grupo humano.Porem, ha que se levantar aqui uma importante questao. Em nossasculturas "civilizadas" as significa<;6es dadas a existencia crescemassustadoramente a cada dia. Cada campo do conhecimento seamplia e ampliam-se os produtos manufaturados. 0 h o m e ~ , nelas,

ve-se ,botnbardeado por uma mass a crescetrm-'Qe significa<;6es, val orese sentidos. 0 que torna uma tarefa extremamente diffcil a visao dotodo .cultural e a elei<;ao de sentidos para nossa existencia individuaLNas culturas "primitivas" a existencia adquire urn carater mais "este-tico", na medida em que o homem, ali, se harmoniza com as signi-fica<;6es construfdas. Ou seja: seu universo de valores e significadosesta estruturado de forma a permitir-lhe uma visiio inequivoca dosentido de sua existencia. Porta.nto, o crescimento desmesurado dapolissemia, na civiliza<;ao, nao estara dificultando ·a possibilidade de ,uma harmonia maior em nossa vida? Com tantas especializa<;6es,tantas vis6es parciais da "realidade", nao se constitui numa tarefabastante complicada a busca de harmonia entre a palavra ( o sen-tido) e a a<;ao? Em outros termos: como encontrar ·urn sentido geral,uma visao totalizante da existencia humana, que fundamente o nossofazer diario?

Temos entao a amplia<;ao dos sentidos e de sua circula<;ao comouma faca de dois gumes; ou, numa linguagem mais filos6fica, comourn processo dialetico. Por um lado, ela permite que os individuos deuma cultura conhe<;am novos sentidos criados, novas maneiras deentender (e viver) a vida. Enquanto que, por outro lado, o cresci-mento d ~ s significa<;6es vai tornando mais diflcil sua sele<;ao e sua

13. · Pistas para urn diagn6stico da pato!ogia cultural, foe. cit., p. 170.

52

ampliada promove a comunhao nos multiplos sentidos; na outra, ilambigilidade e ambivalencia frente a estes mesmos sentidos. Naofaltam autores que consideram a simples multiplica<;ao do sentidocomo urn fator de desenvolvimento, de evolufiio cultural. Quantornais se cria, quanto mais se produz, mais se desenvolve, . segundoesta visao. Como diz Susanne Langer: 14 "Uma cultura em desen-volvimento exige divergencia, mudan<;a, novidade de formas expres-sivas - em Iinguagem, ideias, objetos visfveis, maneiras de fazercoisas." Contudo, este crescimento, em si, talvez nao seja medida de

desenvolvimento, na propon;ao em que se de de maneira quaseanarquica. Quer dizer: na rnedida em' que OS individuos nao possamharmonizar as constantes altera<;6es com suas maneiras concretasde assumirem a vida. Rubem Alves 15 inclusive compara o desme-surado crescimento da economia mundial (a desinesurada produ<;aode bens de consumo) com o gigantismo dos dinossauros, que acaboupor extermina-los. Desta forma, a circula<;ao de mais e mais sentidosno interior da cultura e materia a exigir-nos uma reflexao acurada.E. preciso que se entenda a circula<;ao como fator de coesao entreos membros, mas tambem como um .possivel fa or de desagrega<;ao.0 ponto crucial da questao esta justamente no como os novos sen-tidos contribuem para que todos ampliem a compreensao de sua

pr6pria vida. Vo1taremos ao assunto quando tratarmos da educa<;ao.Retomemos uma considera<;ao · ecida logo atras, qual seja: a de

que numa cultura existe a participa<;ao de ;seus membros numamesma estrutura basica de valores. Esta participa<;ao e garantida, emprimeiro Iugar, pela lingua comum, que congi:ega a todos num mes-mo universo simb6lico. A existencia deste pano de fundo de valorespermite que se possa falar em identidade cultural. Individuos quenascem, aprendem e constroem o mundo dentro de uma mesmacultura, guardam entre si esta identidade. Por este processo de iden-tifica<;ao cultural pode-se dizer que possufmos uma personalidade debase, ou personalidade cultural, moldada a partir dos valores basicosde nossa cultura. ~ ~ l a r o que aqui estamos tomando a cultura comourn todo, de certa forma como urn "modelo ideal". Porque, comodiscutiremos adiante, no interior das culturas "civilizadas" se esta-belecem subgrupos, classes distintas, que apresentam divergenciasem sua valora<;ao do mundo. Todavia, o que queremos ressaltar ea existencia de uma certa identidade fundamental, de urn certosentido que e compartilhado por' todos de uma mesma cultura.Sobre este fato, comenta Ralph Linton: 16 "Basta afirmar que a

14. Ensaios filos6ficos, p. 91.15 . Cf. Hijos del manana.16. 0 homem: uma i n t r o d u ~ i i o a antropofogia, p. 466.

53

 

influencia da cultura e tao profunda que se pode dizer que domina dadas pelo aprendizado ·da lingua: nela, "hominizamo-nos". A seguir

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 29/67

a maior porgao da experiencia. Mas nao afeta da mesma .maneiratodos os individuos de uma determinada sociedade. Deste ponto devista, suas influencias podem ser divididas em dois grupos: o gerale o especifico. As influencias gerais sao as exercidas sobre as perso-nalidades em desenvolvimento de todos os membros da sociedadeportadora de uma certa cultura. As especfficas sao as exercidassobre as pessoas pertencentes a determinados grupos socialmentereconhecidos ou categorias de individuos dentro da sociedade." Em

ultima amllise, voltamos a repetir, a identidade cultural e dada pelalfngua empregada na cultura a que se pertenc.e. Diversos pafsesenfrentam enormes problemas politicos pelo fato de abrangeremdistintos grupos culturais, que empregam dialetos ou mesmo linguasdiferentes.

Finalmente, podemos afirmar que a personalidade de baseassenta-se no sentimento que temos do mundo. Ou seja: a maneirade ver o mundo, que e compartilhada por todos de uma mesmacultura, e, se nao urn significado explfcito, compreendido, ao menosurn significado implfcito, sentido. "Toda vida humana apresentauma subcorrente de sentimento que lhe e peculiar. Cada indivfduoexpressa este padrao continuo de sentimento naquilo que chamamosde sua 'personalidade', refletida no comportamento, na fala, na voz

e mesmo no porte fisico (par ado ou andando) como o seu estiloindividual. Em escala maior, toda sociedade humana tern sua sub-corrente de sentimento que nao e individual mas geral Todas aspessoas a partilham em certo grau, e desenvolvem sua propria vidado sentimento dentro do quadro do estilo preponderante em seupafs e sua epoca." 17 Portanto, existe urn sentimento proprio acada cultura, que subjaz as suas constrU<;6es e significag6es ex-plicitas.

2 . E d ' u c a ~ a o e Rela!;Oes Interculturais

A partir da conceituagao precedente do fenomeno cultural,

podemos agora vir a enfocar o tema da educagao. Em termos abran-gentes pode-se entende-la como urn processo pelo qual os indivfduosadquirem sua personalidade cultural. Ou seja: e ~ u c a r - s e e, primeira-mente, adquirir a "visao de mundo" da cultura a que se pertence;educar-se diz respeito ao aprendizado dos valores e dos sentimentos

·que estruturam a comunidade na qual vivemos. Este aprendizadoprincipia, ao nascermos, atraves da familia, onde recebe, por partede alguns autores, o nome especffico de 'socializa9iio. Na socializac;aoaprendemos a constituir o mundo, emprestando-lhe as significac;6es

17. Susanne K. LANGER, Ensaios fi/os6ficos, p. 91.

54

desperta-se para o sentido proveniente de grupos sociais maiores(a v i z i n h a n ~ a , o bairro, a cidade, o pais), quando nos inserimos defi-nitivamente em nosso ambiente cultural.

Em essencia, pode-se afirmar que educar significa colocar oindivi.duo em contato com os sentidos que circulam em sua cultura,para que, assimilando-os; ele possa nela viver. Contudo, essa "assi-milagao" nao deve subentender uma atitude passiva do sujeito.Nao se trata de impor sentidos ao- educando, de adaptti-lo asignificag6es preexistentes. Mesmo porque, como dissemos ante-riormente, nossa "civilizagao" prima pela polissemia - pela ava-lancha de significag6es. Sendo assim, quais. os sentidos a seremrelevados e transmitidos, no processo educativo? E ainda, quais os .criterios que norteariam a escolha dos significados "ideais" a seremimpostos ao educando? Entao, educar significa, basicamente, per-mitir ao individuo a eleigao de urn sentido que norteie sua existen<;ia.Significa permitir que ele conhega· ·as multiplas significag6es e ascompreenda a partir de suas vivencias. A imposigao de significadosesta mais para .o adestramento do que para a aprendizagem, no sen-tido que ja lhe demos. Paulo Freire chama a educac;ao que imp6ede "educagao bancaria": nela OS educandos sao vistos como merosrecipientes, "bancos", onde se depositam valores e significados que

(espera-se) deem urn sentido as suas vidas. Ela violenta a caracte-ristica propria do homem, . que e compreender e transformar 0

mundo, e nao adaptar-se a ele como os animais. Assim, individuos"quanto mais adaptados, para a concepgao 'bancaria', tanto mais'educados', porque adequados ao mundo". 18 Tal concepgao deeducagao nao pode produzir uma aprendizagem significativa. Naopode porque, como ja notamos, novos significados, novas simboli-z a ~ 6 e s , somente sao aprendidas na medida em que se conectem aexperiencias de vida. A existencia dinamica de cada educando edesprezada neste modelo educative, que se norteia atraves de sen-tidos "abstratos", nao conectados a experiencias vitais, "Falar darealidade como algo parade, est<hico, compartimentado e bern

comportado, quando nao falar ou dissertar sobre algo completa-mente alheio a experiencia existencial dos educandos vern sendo,realmente, a suprema inquietagao desta educagao." lf1'

Em geral a "educagao bancaria" - no ambito do ensinoescolar - procura fundamentar-se em prindpios racionalistas ecientificistas. Procura explicar-se a partir de concepc;6es logico-formais da mente humana e do processo de conhecer o mundo.Continua a pensar, como Aristoteles, que o homem vern a conhecermovido por · urn impulso de curiosidade intelectual, e nao porque

18. Paulo FREIRE, Pedagogia do oprimido, p. 72.19. Tbid. , p. 65.

55

 

se trata de sua ~ o b r e v i v e n c i a rium meio fisico e shnb6lico. Nao e de educac;ao sao apenas abstrac;oes, abstrac;oes pedag6gicas. Eles niio

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 30/67

se estranhar que os modelos de adestramento animal pro9uzidospelo behaviorismo tenhrup. larga acolhida nos seios desta e d u c a ~ a o . Pela u t i l i z a ~ a o de r e f o r ~ o s e p u n i ~ o e s trata-se de adequar o homem

.ao munao. Mas, note-se: ao mundo interpretado segundo os sentidosdo educador e do sistema mantenedor da e d u c a ~ a o . A e l e i ~ a o dossignificados a serem transmitidos, neste modelo educativo, e tarefaexclusiva dos educadores.

Por outro lado, quando a e d u c a ~ a o se fundamenta na realidadeexistencial dos educandos, a aprendizagem significativa tern maiorpossibilidade de ocorrencia. P ~ l o fato ja discutido de que nossacompreensiio esta radicada na vivencia que temos do mundo . Assim,na multiplicidade de sentidos de nossa cultura, o educando somentepode apreender e aprender aqueles que auxiliem-no a compreender-se.Em cantata com as sentidos em c i r c u l a ~ a o , a capacidade critica parac o m p r e e n d e ~ l o s e seleciona-los e o fator central para que a apren-dizagem ocorra. E nisto reside a capacidade criadora: construir, a

.partir .do eJcistente, ~ sentido que norteie nossa a ~ a o enquantoindividuos. Ou seja: reside na busca de nossos valores, dentre os

' infune'ros ·provenientes da estrutura cultural. "A educac;ao que pura·e simplesmente transmite valores asfixia a v a l o r a ~ a o como ato." 20

0 ato de valorac;ao e s i g n i f i c a ~ a o somente se origina na vida concre-

tamente vivida; valores e significados impastos tomam-se, portanto,insignificantes. A educac;ao e, fundamentalmente, urn ato c a r r ~ g a d o de caracteristicas ludicas e esteticas. Nela procura-se que o educando

,construa sua existencia ordenadamente, isto e, harmonizando expe-riencil\S e ignificac;oes. Simbolos desconectados de experiencias saovazi9s, sao irisignificantes para o individuo. Quando a e d u c a ~ a o naoleva o sujeito a criar s i g n i f i c a ~ o e s fundadas em sua vida, ela se tomasimples adestramento: um c o n d i c i o n a m ~ n t o a partir de meros sinais.

Estes dois tipos de e d u c a ~ a o , por certo, sao a b s t r a ~ o e s queconstruimos p a ~ a melhor entender o fenomeno. Nao podemos clas-sificar um dado modelo de e d u c a ~ a o institucionalizada.(nas escolas)como sendo puramente de urn ou outro tipo. Eles apenas permitem-

nos observar em que medida um processo pedag6gico concreto seaproxima de urn ou outro e ~ ~ r e m o . Deixemos_que Moacir. G a ~ o t t i 21

nos fale a este respeito: "Utihzando a expressao de Paulo Fre1re, eudiria que existe urna e d u c a ~ i i o da reprodufiiO da spciedade, queseria urna e d u c ~ i i o como pratica da d o m e s t i c ~ i i o e, no outro extre-ma, urna educ{lfiio da transformafiiO, que seria a ~ d u c a ~ i i o comopratica da libert{lfiiO. Num estado 'puro', esses dms modelos de

20. J. F. Regis de MORAIS, Escolas: a l i b e r t a ~ a o do novo, loc. cit.,

p. 71. . ., .21. Revisao critica ·do papel do pedagogo n ~ atual sociedade bras1 e1ra

( I n t r o d u ~ a o a uma pedagogia do conflito). In: Edui:a9iiQ e Sociedade, 1:12-13.

56 .

existem, porque nao existe urna sociedade a b s t r a ~ a que seria, outotalmente conservadora, ou totalmente libertadora. Porem esses daismodelos seriam apenas horizontes opostos, em d i r ~ a o dos quais ae d u c a ~ a o tentaria caminhar, mantendo a pressao, o conflito, a diale-tica entre o velho e o novo, entre a reproduc;ao e a transformac;ao.( . . . ' Ha urna Iuta no interior da educac;ao e do sistema escolarentre a necessidade de transmissiio de uma cultura existente (ciencia,valores, ideologia), que e a tarefa conservadora da educac;ao, e amicessidade de cri{lfiio de uma nova cultura, que e a tarefa revolu-cionaria da e d u c a ~ i i o . 0 que ocorre, nurna sociedade dada, e queuma das duas tendencias e sempre d ~ m i n a n t e . "

Portanto, o conflito existente no seio dos processos educativose sempre aquele entre a imposic;ao de s i g n i f i c a ~ o e s ja construidas ea c o n s t r u ~ i i o , par parte dos educandos, de seus pr6prios significados.Nao estamos, de forma alguma, afirmando que o conhecimento doja existente seja algo irrelevante, e que o educando deva simples-mente rejeitar o ja dado em func;ao do novo. Mesmo porque nao secriam as pr6prias significac;oes ~ partir do nada. Somente conhecendoo que existe em sua cultura, somente se integrando nela, e que oindividuo pode compreende-la e criar o seu sentido. Porem, o pro-blema reside justamente no como transmitir, no como levar o edu-cando a conhecer o existente sem que este processo adquira o caraterde adestramento, de domesticac;ao. Como ja foi assinalado, e somentequando se esta profundamente interessado em alga (quando alga epercebido como importante a nossa vida) que nos atiramos a tarefade conhece-lo. Nada mais natural, entiio, que a educac;ao parta darealidade existencial dos individuos. Que a e d u c a ~ a 6 se fundamenteno ja conhecido. A edu.cac;ao fundada no conhecido pode parecerparadoxa!, mas na realidade nao o e. A transmissao do conhecimentosignifica a transmissao de slmbolos, de conceitos. Tais simbolos ec'onceitos s6 adquirem significac;ao por referenda as experienciasvividas pelo individuo, isto e: se o auxiliarem a pensar sabreaquila que ele ja conhece num nivel vivido, ainda nao refletido.

Lembremo-nos de Gendlin: "Pensar implica uma corrente de senti-mentos e experiencias que se referem a alga concreto. 0 pensamentoe a s o l u ~ i i o de problemas sempre ocorrem atraves da experiencia(felt meaning) e niio apenas mediante conceitos verbais comotais . . . "22

Urn caso que tivemos oportunidade de presenciar ilustra clara-mente o que. se esta dizendo. A questao, "quais sao os vermes quevoce conhece?", formulada numa prova, urn garoto respondeu apenas

22. Miguel de La PUENTE, 0 ensino centrado no estuda11te, p. 48.

57

 

"minhoca". Inquirindo-o se ele nao havia estudado e se nao sabia o turas sao, de certa forma, equilibradas. Ha uma troca mutua de bens

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 31/67

nome de outros vermes, ·ele respondeu que sim, que sabia, mas queminhoca era o Unico que ele realmente conhecia. 0 grande problemada e d u c a ~ a o que nao fala de uma realidade concreta, que nao refereos conceitos transmitidos ao mundo em volta dos educandos, e queela nao produz aprendizagem. Produz tao-somente individuos que"decoram" conceitos e abstragoes para utiliza-los no unico mementoem que talvez Ihes sejam uteis: nas provas e a v a l i a ~ o e s . 0 garoto doexemplo, acima ainda nao esta totalmente "socializado" para estetipo de e d u c a ~ a o ; ainda nao descobriu que o que a escola exige delee apenas a verbosa r e p e t i ~ a o de urn sem-numero de conceitos quelhe sao insignificantes. "Os processes denominados s o c i a l i z a ~ a o eeducagao constituem programas mediante os quais impomos nossarealidade -aos fracos - quer dizer, as c r i a n ~ a s - mediante formassutis de lavagem cerebral, ou mediante uma nem tao sutil c o a ~ a o fisica e psicol6gica. Queremos que as criangas se convertam em adul-tos. Ha que se fazer com que elas se encaixem nestes compartimentosestanques (ou casas, ou valores) que construimos para n6s mesmos."23

A partir deste modele educative que impoe significados ja prontos eque podemos entender a seguinte afirmativa de Millor Fernandes: ."Os homens sao sabios, nao pelo que Ihes ensinam, mas por suacapacidade de negar o que lhes ensinam."

Retornemos as consideragoes, acerca da cultura. Ate aqui falou-se dela de forma urn tanto generica. Dissemos que a cultura c o n ~ t i t u i a propria construgao do mundo bumano; que ela significa tudo oque e construido pelo homem, a fim de expressar os seus valorese criar urn sentido para a existencia. Mencionou-se ainda que dife-rentes grupos humanos constituem culturas distintas, modos distintosde sentir, compreender e expressar a vida. Somente porque a vidae vivida e interpretada de diferentcs maneiras, em culturas diversas,que se pode, por exemplo, falar do "estilo de vida do chines", no"american way of life" ou no "jeitinho" que o brasileiro sempre da.Cada povo apresenta tragos caracteristicos em sua maneira de assu-mir a vida e construir suas significagoes. Ha que se observar, todavia,

que as diferentes culturas nao se isolam, mas, antes, mantem relagoesentre si. Especialmente entre as culturas "civilizadas", e ap6s oadvento de nossa "era das c o m u n i c a ~ o e s " , e bastante dificil que umadelas se feche sobre si mesma, sem manter contatos com outras,estejam a sua volta ou nao. A partir deste fato podemos tentarentender as formas mais gerais das relac;oes interculturais.

Pode-se classificar esses tipos de relagoes num continuo, quevaria entre dois extremes: a interdependencia (ou influencia) e ainvasiio cultural. No primeiro extremo, as relagoes entre duas cui-

23 . Rubem ALVES, Hijos del ma1iana, p. 104.

58

e mensagens, que contribuem para mudangas em ambas. Os sentidosprovenientes de cada uma iofluenciam a outra, sem, no entanto,substituirem as maneiras de viver ate entao adotadas. Expliquemo-nosmelhor. Quando urna delas recebe uma informagao, urn sentidooriundo da outra, isto significa uma maneira diversa de sentir eioterpretar a vida; significa a revelagao de urn aspecto ate entaodesconbecido pela cultura receptora. Porem esta maneira diferentede interpretar nao e simplesmente aceita e assumida, colocando-se delado aquelas formas originais ate entao empregadas. A nova signi-ficagao e interpretada, a partir do sentido vivido pelos seus mem-bros; ou seja: os novos sentidos sao filtrados por aqueles ja exis-tentes, podendo entao ser a ela integrados. Urn exemplo banal: su-ponha-se que numa cultura, situada em regiao bastante fria, se erieurn novo modelo de vestuario, confeccionado a base de peles. Estanova vestimenta chega ate outra cultura, situada em regiao tropical,e ali influencia a maneira de os indivfduos se vestirem. Tal influenciasignifica que a roupa de peles nao substituira, simplesmente, aquelasali usadas, tnas que seu· modelo podera ser empregado, sendo elaconfec cionada com t e c i d o ~ !eves. 24

Para entender melhor este processo de influencia, reportemo-nosao que ja foi dito em relagao a aprendizagem. Ali se comentou que

novas s i g n i f i c a ~ o e s apenas sao aprendidas quando interpretadas apartir das ja existentes no repert6rio do indivfduo. Somente seconhece o novo compreendendo-o atraves do que ja se sabe. Portan-to, na influencia cultural os sentidos estrangeiros se tornam signifi-cantes ao serem embasados naqueles oriundos de experiencias cultu-rais pr6prias. 0 movimento antropofagico, proposto especialmentepor Oswald de Andrade em nosso pais, visava devorar, digerir es6 entao assimilar o que de aproveitavel houvesse na influenciaestrangeira. Por isso, o fato hist6rico do bispo portugues Dom PeroFernandes Sardinha, devorado pelos indigenas brasileiros, era pro-posto como simbolo deste movimento artistico.

:!< Ja no outro extremo, no processo de invasao cultural, sucede

o inverso. Aqui os sentidos alienigenas sao assumidos iotegralmente,substituindo os ja existentes. Isto e, deixam-se de !ado valores e senti-des pr6prios e adotam-se os "importados" da outra cultura. Estes no-vos sentidos sao entao veiculados in bruto, nao sendo repensados,adaptados a cultura invadida. Conseqiientemente, significagoes assimadquiridas, nao constituindo expressao de situa9oes vividas, niio

24. Este exemplo niio e tao 6bvio quanto possa parecer. Lembre-se de que,no Brasil (urn pals tropical), adotou·se o terno e gravata (uma maneiraeuropeia de se vestir) como indicativo de seriedade e d i s t i n ~ a o . Cf. RobertoGOMES, Critica da rar.ao tupiniquim, Cortez Editora, 1980.

59

 

sao signiticativas, no sentido forte· do tenno. As a ~ o e s e objetosproduzidos neste esquema deixam de ser expressivos, constituindo-se

Urn outro desdobramento desse proeesso· de despersonalizayaocultural deve ainda ser observado. lndividuos carentes de sentidos

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 32/67

em atividades e ·produtos meramente mecanil;<)s, artificiais. Em termosdo processo de aprendizagem pode-se dizer que ele nao ocorre, nainvasao cultural. Os novos sentidos nao sao aprendidos, mas apenasimitados; como o papagaio, que nao aprende a falar, mas sim imitasons, a cultura invadida nao cria suas s i g n i f i c a ~ o e s , mas imita asalheias. Tal processo de substituir as express6es pr6prias por alheiasacaba por gerar uma despersonaliza9aO cultural. Isso e evidente:na medida em que os valores oriundos de experiencias vitais naosejam expressos, os individuos deixam de se reconhecer, por naoutilizarem, entre si, s i g n i f i c a ~ o e s que lhes f a ~ a m sentido. Adotandopura e simplesmente ·valores alheios, de certa forma vivem apenasurn "personagem", sem expressarem as pr6prias experiencias vitais.Pelo muito que este processo tern em comum com o processo dedesenvolvimento do "falso eu", origem da esquizofrenia, pode-sedizer que a cultura invadida e atingida por uma esquizofrenia cultural. 25 A identidade cultural, brotada de uma mesma estrutura devalores, tomar-se dificil de ser mantida, ja que a coerencia destaestrutura se fragmenta.

Nao podemos nos dispor aqui a analisar os fatores economicosenvolvidos no p10cesso de invasao cultural. Basta apenas assinalar

que a invasao tern neles OS s e u ~ motiVOS fundamentais. lsto e, aeconomia mundial tern sido fun dada no pressuposto de que . suaexpansao ilimitada e sinal de desenvolvimento e progresso. 26 Paraque esta expansao se mantenha trata-se de criar, nas culturas invadidas,determinados valores e necessidades, que possam ser satisfeitos esupridos atraves de produtos (e ideias) que· entao lhes sao vendidos.Assim, a invasao de sentidos alienigenas pode se dar atraves da arte,religiao, filosofia e ciencia, especialmente atraves desta ultima, acober-tada pelo mito de sua "neutralidade". Como diz Susanne Langer: 27"Qualquer i n v e n ~ a o , qualquer processo, onde quer que se origine,hoje se difunde pelo mundo todo, deixando para tras suas basesculturais, e incide nas vidas de pessoas para as quais nao tern

forma familiar, nenhuma a s s o c i a ~ a o , nenhuma r e l a ~ a o com outrosprodutos ou atos - nada alem de utilidade."

25 . Na esquizofrenia o individuo prmc1p1a desenvolvendo urn "falsoeu", ou seja, se comporta a partir de valores a ele impastos, em geral pelafamilia. Seus valores e vivencias pessoais sao negados e reprimidos - seu "eu .verdadeiro" e invalidado. 0 conflito entre esses dois "eus" acaba Jevando apersonalidade a fragmentar-se, eclodindo a esquizofrenia. Cf. Ronald D.LAING, 0 eu divldido.

26. Cf. Rubem ALVES, Hijos del manana.

27. Ensaios fi/os6ficos, p. 96-97.

60

pr6prios tomam-se desorientados e confusos, necessitando que autori-dades, que especialistas, lhes tracem OS caminhos. Isto e compreensi-vel: a cultura invasora cria na invadida uma certa "vergonha" deseus valores originais, classificando-os como "atrasados" ou "incivili-zados". Os sentidos dos invasores e que sao "modernos", "civilizados",devendo assirn ser adotados. Como a habilidade (o know-how) paraa u t i l i z a ~ a o desses novos sentidos pertence aos invasores, nada maisnatural que eles se convertam em guias da p o p u l a ~ a o local. Este

processo de invasao, que estamos descrevendo, pode-se notar, equase urn retrato do que vern ocotrendo com as culturas indigenasbrasileiras, desde que aqui chegaram os portugueses. Finalmente,outro aspecto essencial da invasao deve ainda ser observado: o fatode que o invasor p ~ o c u r a sempre ensinar a sua lingua, levando osinvadidos a abandonarem a deles. Por tudo o que ja discutimos arespeito da linguagem - ferramenta basica para a c o n s t i t u i ~ a o dossignificados e da identidade - este procedimento visa destruir, naorigem, o processo de s i g n i f i c a ~ a o da cultura invadida. Assim, "e

importante, na invasao cultural, que os invadidos vejam a suarealidade com a 6tica dos invasores e nao com a sua. Quanta maismimetizados fiquem os invadidos, melhor para a estabilidade dos

invasores".28

Cabe-nos abrir aqui urn pequeno parentese para relembrar quetambem a influencia e a invasao cultural sao duas a b s t r a ~ o e s , doismodelos construidos para se compreenderem as r e l a ~ o e s interculturais.Concretamente, as rela96es entre duas culturas ora se aproximam deurn, ora de outro extrema. Fechemos o parentese.

Pelo exposto, podemos entao notar que o processo de invasaoacaba por gerar uma patologia na cultura invadida. Uma culturaadoece na medida em que .a harmonia entre os multiplos sentidos

· se rompe; na proporc;:ao em que ocorre uma d e s a g r e g a ~ a o simb6lica:os simbolos deixam de ser expressivos de vivencias concretas. SegundoRezende, 20 "uma cultura esta doente .na medida em que, a seurespeito e no seu ambito, ao colocar-se a questiio do sentido, ohomem nao encontra respostas satisfat6rias". Is o e, a vida deixade fazer sentido por nao haver simbolos e canais adequados paraque ela se exprima. Em seu trabalho, .Rezende aponta ainda novesintomas que, quando detectados em uma cultura, indicam seu estadopatol6gico. Ressaltaremos quatro deles:

Os dois primeiros dizem respeito a patologia cultural enquanto"doenfa social" e "da linguagem". Aqui encontra-se urn grupo, no

28. Paulo FREIRE, op cit., p. 179.29. _Pistas para um diagn6stico da patologia cultural, Joe. cit., p. 160.

61

 

i ~ t e r i o r da cultura, decidindo quais sentidos, quais mensagens, devemcucular no resto da comunidade. Somente o sentido "oficial" e

quase sempre se deixa implicita uma c1sao da personalidade. . . " ssAssim, nossas "civilizadas" culturas contemporaneas tern se assentado

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 33/67

estimulado, reprimindo-se quaisquer outras significac;:oes, consideradas"perigosas" (censura). Desta forma, na medida em que a vida devac o ~ f o r m a r - s e a ser expressa apenas nos termos oficiais, a linguagemdetxa de ser expressiva das experiencias vividas, acabando por

tomar-se urn verbalismo oco e inautentico, 0 terceiro sintomarefere-se a " d o e n ~ a da criatividade", devido a existencia de espac;:opara a criac;:ao de sentido!! pessoais, divergentes dos "oficiais". 0

t r a b ~ l h o - ~ r i a t i v o e cerceado, e s t ~ u l a n d o - s e a mera reproduc;:ao dossenttdos Ja dados. Como quarto smtoma temos a patologia enquanto" d o e n ~ a da i m a g i n a ~ a o " , que, de certa forma, liga-se ao anterior.Mas aqui quer significar a desvalorizac;:ao do pensamento ut6pico,em favor do pragmatico; a desvalorizac;:ao das artes e da poesiaenquanto expressao daquilo que (ainda) nao existe, em favor de

concepc;:oes cientificistas e racionalistas.

Alias, com relac;:ao a este Ultimo sintoma, deve-se ressaltar queele se encontra presente em praticamente toda cultura construidapelo homem "civilizado" contemporaneo. Diversos autores vern assina-lando o carater racionalista de nossa civilizac;:ao, onde separou-se acompreensao (racional) do sentimento, o intelecto das emoc;:oes, opragmatico do ut6pico. De certa forma, elegeram-se as construc;:oes

cienti.ficas como a unica maneira de se chegar ao conhecimento.:"verdadeiro". Pode-se encontrar estas considerac;:oes no pensamentode Jung, ao Brecht, 31 Rubem Alves, 32 Marcuse, as Herbert Read 34 eRollo May, 35 entre outros. Este ultimo considera: "Mas surgiu umanova mudanc;:a no seculo XIX. Psicologicamente a 'razao' foi separadada 'emoc;:ao' e da 'vontade'. Para o homem de fins do seculo XIXe princ!pios do XX a razao respondia a qualquer problema, a forc;:ade vontade o resolvia e as emoc;:oes . . . bern, estas em geral atrapalha-vam eo melhor era recalca-las. Vemos entao a razao (transformadaem racionalizac;:ao intelectualista) ao servic;:o da compartimentac;:ao da

personalidade com as resultantes depressoes e conflitos entre instinto,ego e superego, que Freud tao bern descreveu. Quando Spinoza,

no seculo XVII , empregou a palavra razao r e f e r i a ~ s e a uma atitudeem relac;:ao a vida, na qual a mente unia as emoc;:oes as finalidadeseticas e outros aspectos do 'homem total'. Ao usar hoje esse termo,

30. Cf. Miguel SERRANO, Hermann Hesse a C.G. lung: o ·circulohermetico.

31. Cf. Ernst FISCHER, A necessidade da arte, p. 15.32. Especialrnente em Hijos del manana e 0 enigma da religiao.33. A ideologia da sociedade industrial. ·34. Educaci6n por el arte.35. 0 homem a procura de si mesmo.

62

numa patologia basica: a divisao do bomem em razao e sentimentoscomo d o i ~ compartimentos . estanques, onde o primeiro se sobrepoeao segundo, na busca das verdades da vida. A razao foi transformadaem racionalismo, por negar seus pr6prios fundamentos na esferados sentimentos. ·

Devemos agora considerar urn outro fenomeno ocorrente nointerior da estrutura cultural. Trata-se das chamadas "subculturas'',ou seja, distintos grupos dentro de uma mesma cultura, que se

distinguem por trac;:os e caracteristicas pr6prios. Pode-se caracterizaras subculturas a partir de diferentes pontos de vista, ou a partir dediferentes fatores. Por exemplo, a considerac;:ao de subculturas emtermos de regioes geograficas. Desse ponto de vista, no caso brasileiro,pode-se falar nas caracterlsticas de vida do nordestino, do paulista,do carioca, etc., como apresentando distinc;:oes entre si. Pode-seainda considerar subculturas em termos etarios, falando-se, po r

exemplo, da "visao de mundo dos jovens", do "mundo adulto", etc.Mas, uma considerac;:ao realmente importante deste fenomeno, seriaem termos s6cio-economicos, ou, mais precisamente, em termos dasociedade dividida em classes. Aqui subentende-se o relacionamentoentre distintas classes sociais a partir das relac;:oes de produc;:ao. Sob

este ponto de vista, Marx foi o pioneiro na demonstrac;:ao da alienac;:aoa que o homem e submetido atraves da explorac;:ao de seu trabalbo;de como ele pode chegar a nao criar significac;:oes, mas meramentetornar-se um reprodutor de sentidos, desumanizando-se na atividadea que e submetido.

A partir das considerac;:oes precedentes, amplia-se entao nossoestudo da invasao cultural, entendendo-a nao apenas em termosinterculturais, mas tambem intraculturais. Ou seja, entendendo-a deduas formas: "invasao realizada por uma sociedade matriz, metropoli-tana, numa sociedade dependente, ou invasao matriz, metropolitana,numa sociedade dependente, ou invasao implfcita na dominac;:ao deuma classe sobre a outra, numa mesma sociedade". :n Desta maneira,a imposic;:ao de sentidos oriundos de uma regiao geografica a outraconstitui uma forma de invasao cultural, assim como a imposic;:aoefetivada po r uma classe social sobre a outra. Neste sentido, comentaRezende: 38 "Tanto para o colonialismo do passado como para asdiversas formas do neocolonialismo, o que ocorre e a imposic;:ao de

uma certa imagem do homem e do mundo a respeito de cujo ·sentido os colonizados nao sao propriamente consultados, devendo,

36. Rollo MAY, op. cit., p. 42.37. Paulo FREIRE, op cit., p. 178.38. Pistas para urn diagn6stico da patologia cultural, foe. cit., p. 165.

63

 

entretanto, a ele conforrnar-se. E.se falarmos em termos institucionais,p e r c ~ b e r e m o s sem d . i f i c ~ l d a d e c?mo as decis6es ~ o l i t i c a s , , e n t e n ~ i ~ a s '

" . . . a l i ~ a o mais importante aprendida pelos alunos nao e nenhumdos conhecimentos que lhes sao ministrados. '0 meio e·amensagem.'

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 34/67

como dizendo respetto a comumdade como tal, sao tambem dectsoesculturais na medida em que estabelecem um programa de a ~ a o , urnplanejamento, a cujo respeito nlio podemos d ~ i x ~ r de. p e r g u n , ~ a r senlio se configuram com.o uma . forma de colomahsmo mtemo.

Retornando ao tema da educa¢ao, podemos agora compreenderque na " e d u c a ~ a o banciria" esta implicita uma invaslio cultural: ~ u e a i m p o s i ~ a o de s i g n i f i c a ~ 6 e s o ~ e r a d a s por.·e l ~ a p r ~ e n ~ a . obJehvoscolonialistas, na medida em que tmpede a c n a ~ a o de stgniftcados.por

parte dos educandos, fazendo com que eles se. adaptem. a ~ s , senhdospropostos v e r t i c a l m e n ~ e . Neste adaptar:se,. d e i X a ~ os mdivtduos dese sentirem capazes de criar os seus propnos c a m ~ o ~ , dependendomais e rnais das autoridades (os professores, nurn pnmerro momento).Nurna sociedade de classes, onde a e d u c a ~ a o i n s t i t u c i o n a l i z a d ~ ~ a s escolas) veicuta·o sentido proposto pela classe dominante, seu objetJvoe fazer com que as classes subalternas enxerguem a sua r e a l i d a ~ e atraves da 6tica dos dominantes. "0 aparelho escolar, ao cumpnrsua f u n ~ l i o de instrumento de ·i n c u l c a ~ ~ o .da i d ~ o ~ o g i a da c l ~ s ~ e dominante a classe dominada, sendo a pnrnetra Objetlvamente antlte-tica a segunda, comete necessariamente urn. ato de _:riolencia, ~ e s m o que simb6lica, a fim de que este ato d ~ m c u l c a ~ a o , se realize. A

violencia simb6Iica reside no fato de vetcular, atraves do aparelhoescolar, e principalrnente na rede ,de ensino de ~ r ~ r n e i r o g r a ~ · - ~ m d e a maioria da clieritela pertence a classe p r o l e t a n ~ , .. uma vtsao .demundo da classe dominante, como sendo a umca verdadetra.Sugerindo, ainda, que outras vis6es de mundo sao inferiores,

anticulturais." 391

Portanto as caracteristicas apontadas da invasao cultural estaopresentes no 'adestramento operado atraves. d ~ s t e . tipo de e d u c a ~ a o . Adestramento que visa ·a m a o u t e n ~ a ~ da vertlcahdade n a ~ relayo.es,oode o sentido que detem as autondades (professores) e o umcoconsiderado "verdadeiro". N a p r o p o r ~ a o em que se mantenha essaverticalidade rigida, mantem-se, senao e x p l ~ c i t a m e n t e , ao menossutilmente, uma forma de censura, que permtte a passagern apenasdas s i g n i f i c a ~ 6 e s consideradas validas pelo sistema .escolar. E :acensura nao e urn meio de e d u c a ~ a o . Pelo contrano, a e d u c a ~ a o . deve tornar inutil a censura. Por urn lado, tornando capaz de vertudo. Por outro !ado, efetuando a transferencia de responsabilidadesdo are6pago dos guardas da sociedade para cada urn dos membrosque a integram". 40 Assim, a propria v e r t i c ~ l i d ~ d e nas rela¢es,_ asubmissao as autoridades, e 0 ensinamento pnnctpal desta e d u c a ~ a o :

39. Maria de Lourdes C . D. NOSELLA, As be/as memiras, p. 30.40. Michel TARDY, 0 professor e as imaRens, p. 107.

64

~ I

j'

Qual e o meio? Uma estrutura vertical que separa aqueles quedetem o monop6lio do saber daqueles que deverao ser iniciadosoeste mesmo saber." n .

Por fim7' M que se considerar o tema da e d u c a ~ a o dentro doquadro geral de nosso processo civilizat6rio. Porque ele, comoassinalamos, apresenta duas caracteristicas fundamentais: a) sua estru-.tura polissemica, onde crescem a cada dia os conhecimentos e os

significados dados a existencia, e b) ac o m p a r t i m e n t a ~ a o

da persona-lidade humana, onde, com vistas as necessidades de crescimentoilimitado ·da economia, o racional foi valorizado excessivamente, emf u n ~ a o da p r o d u ~ a o e do allm.ento da lucratividade. A e d u c a ~ a o "demassas", dentro deste quadro, orientou-se entao no sentido qas" e s p e c i a l i z a ~ 6 e s " e da f o r m a ~ a o de mao-de-obra para a modernaindustria. Trata-se, assim, de 'apresentar ao educando vis6es "parciais'. da realidade, de "forma-lo" para que sua a t u a ~ a o se de no campoespecifico de uma especialidade. 0 que acentua sobremaneira ac i s ~ o da personalidade humana. Por urn lado, ao impedir uma visaototalizante do fenomeno humano, ao desestimular a c r i a ~ a o de sentidosindividuais com. r e l a ~ a o ao "todo" da vida. Por outro, ao guiar oeducando atraves do racionalismo que norteia a I6gica do crescimento

sem limites. A existencia ·humana, fragmentada pela c i v i l i z a ~ a o racionalista, tambem o foi, conseqtientemente, dentro ·das escqlas.Ali importa mais que se adquiram determinadas habilidades, paraexerce-las posteriormente na p r o d u ~ a o ·industrial. Importa mais quese veja o mundo como urn jogo de leis estritamente cientificas e16gicas. Como urn _ ampo de a t u a ~ a o sem fronteiras, para o poderiotecnol6gico. Em detrimento de um autoconhecimento, que permitamaior equilibria entre o sentir, o pensar e o f a z e ~ . Urn equillbrioproprio da vida quando vivida esteticamente.

41. Rubem ALVES, Religiiio e enfermidade. In: J .F . Regis de MORAIS(org.), Constru9iio social da en/ermidade, p. 36.

65

 

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 35/67

CAPITULO III

NOS DOMtNIOS DO SENTIMENTO:ARTE E EXPERIENCIA ESTETICA

A minha vtsao do problema' pode ser expressa atraves da afir-m a ~ i i o de que cada descoberta contem "urn elemento emocional"ou uma " i o t u i ~ a o criadora", no sentido de Bergson. Einstein falade uma forma semelbaote acerca da "busca daquelas leis alta-Jllente uoiversais. . . a partir das quais uma visiio do mundopode ser obtida por pura d e d u ~ i i o . Niio existe uma caminbo

16gico", ele diz, "que conduza a tais leis. Elas s6 podem seratingidas por meio da. i n t u i ~ i i o , i n t u i ~ o esta que se baseia emalgo semelhante a urn amor intelectual pelos objetos da expe-riencia". (K . Popper, The Logic of Scientific Discovery, p. 32.)

0 que o simbolismo discursive - a linguagem no seuuso literal - nos faz no tocantc a nossa coosciencia dascoisas em derredor e a nossa propria r e l a ~ i i o com elas,as artes fazem em pro! de nossa consciencia da realidadesubjetiva, do sentimento e da e m o ~ i i o ; diio forma asexperiencias interiore.s e tornam-nas, assim, concebiveis. A

uoica maneira pela qual podemos realmente considerar omovimento vital, a a g i t a ~ i i o , o desenvoJvimento e a pas-sagem da e m o ~ i i o , e finalmente todo o sentido direto davida humana, e em termos artisticos. (Sus&nne K. Langer,

_Ensaios tilosoficos, p. 89). ·

0 c o r a ~ i i o tern raz.OesQue a propria raziio desconbece . . .(Pascal, adaptado a urn samba de Marino Pinto eZe da Zilda.)

1 . Algumas R e l a ~ o e s Sentimento-Compreensiio

Sera necessario que retornemos agora ao ato de conhecimentohumano, que se da, como vimos, atraves de dois processos: osentimento (a vivencia) e a s i m b o / i z a ~ a o . A linguagem fomece o

67

 

sistema simb6lico basico para que o homem se volte sobre suasexperiencias e as compreenda,· atribuindo-Ihes significa96es. A per-

temos de. rlos-sa situa9ao, dada's dih!tamerlte, e que acompanham assimboliza96es (lingii!sticas).

Em nossa vida diaria e algo complicado separar-se os dominios

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 36/67

cep9ao que temos do mundo e construfda pela linguagem, quefragmenta e ordena aquele modo de perceber primitivo, "sincretico"(ou "global"). Guillaume afirma que esta percep9ao sincretica e aimpressao primeira, o sentimento que temos das coisas, e que seconstitui inclusive na forma primitiva do conhecimento bumano.Portanto, neste caso, tem-se a considera9ao do sentimento comouma percep9ao global, direta, da situa9ao em que nos encontramos.

Ou seja: sentimento a£ significa urna apreensao do mundo ainda naomediatizada nero conceitualizada pela linguagem. Nessa percep9aoprimeira o mundo nao e visto como algo neutro, mas como urncampo de promessas e a m e a ~ a s . 0 mundo e valorado. Nossasemo96es emprestam-lhe. as tintas que o colorem, porque, como dizRubem Alves, o que esta em jogo e sempre a sobrevivencia. Destaforma, a matriz basica sobre a 'qual e gerada a compreensao e arazao hurnanas e emocional. Sentimento aqui significa tambem umamaneira emotiva de relacionai:nento com o mundo.

Assim, sob a egide do termo sentimento e possfvel abrigar-sevarias significac;oes. Em suas acep96es mais usuais o termo podesignificar (alem de uma apreensao direta e emocional): a condi9aogeral do nosso organismo, como a experienciamos, e ainda a sensibi-

lidade a determinados estfmulos. Todas essas significa96es, de certaforma, subentendem que sentir e uma maneira de experienciar maisglobal, mais primitiva, e anterior a discursividade da linguagem.Portanto, pretendemos reunir a qui, sob o conceito "sentimento",todas as suas possfveis conotac;6es. Que e tambem a p o s i ~ a o de

Susanne Langer, 1 quando afirma: "'Sentimento' (feeLing), como aquieinprego a palavra, tern urn· significado muito mais amplo do que 0

definido pelo vocabulario tecnico da Psicologia, onde apenas denotaprazer e desprazer, ou mesmo nos limites cambiantes do discursoordinario, onde as vezes significa sensac;ao (como quando alguemdiz que nao seote urn membra paralisado), as vezes sensibilidade(como quando falamos de ferir os sentimentos de alguem), as vezes

emo9ao (como quando se diz que urna situa9ao Iacera os nossossentimentos ou evoca um sentimento temo), ou uma atitude emocionaldireta (como quando dizemos experimentar urn seotimento i n t ~ n s o acer.ca de alguma coisa), ou mesmo nossa condic;ao geral, mental ou

fisica, quando nos sentimos bern ou mal, melanc6licos ou urn tantoufanos. A palavra, como aqui a uso ( . . . ) compreende todos essessignificados; aplica-se a tudo quaoto possa ser sentidb." Desta forma,cbamaremos entao de sentimento a todas essas m_neiras de apreensiiodireta de nosso "estar-no-mundo", ou seja, todas as percepc;oes que

1. Ensaios fi/osoficos, .P· 82-83.

68

do sentir e do compreender (atraves de palavras), ja que o pensamentoprocura sempre lan9ar sua rede conceitual aos oceaoos de nossasmais intimas sensa96es, procurando envolve-las e explicita-las d i ~ c u r s i vamente. Contudo, essa prisao simb61ica criada pelo pensamento esempre incapaz de aprisionar to talmente os sentimentos, permaoecendosuas qualidades esseociais fora de suas malhas. Ha urn domlniomtimo aonde a linguagem nao pode chegar, que permaoece inacessivel

aos conceitos verbais. Como afirma Andre Dartigues: 2 "A reflexao,logo o saber consciente, s6 se exerce so"!:>re esse fundo de irreflexao,nessa dimensao de vida que ja e sentido, porque visada de· objeto,~ u e ja e urna perspectiva sobre o mundo, mas sentido ainda nao-

. formulado e que, afinal de contas, nenhuma formula podera recuperarnem cooter." 2 H afirmamos, anteriormente, que a compreensiioque se tern do mundo (dada por palavras, primordialmente) s6 se da

por referenda aquila que e seotido (vivido). No dizer de Gendlin,o significado compreendido, simbolizado, ap6ia-se s ~ m p r e no signifi-cado sentido. 0 que estamos procurando enfatizar e 0 fundo nao-16gico, emocional mesmo, de onde emerge toda compreensao queos simbolos nos permitem. ,

Portanto, no atode

conhecer o mundonao

e possivel separar-seOS sentimeotOS das CODSttu96es discursivas da Jinguagem. Antes, epreciso que se reconhec;a que sao os sentiment?s que ~ a m . a r a z ~ o , 'Ipara que esta apreenda e dissuue tudo aqmlo que Ja f01 sentzdocomo importante a nossa vida. Os caminhos .da .razao sao tra9adospelo compasso das emo96es. E: desta forma que devemos entendero dizer do feiticeiro Don Juan, ao declarar; "Para mim s6 existepercorrer os caminhos que t e ~ h a m c o r a ~ a o , qualquer c a ~ < ; : q_uetenha cora9ao." a :e: amda mteressaote notar:-se que as C1enc1ashurnanas, com algumas ·exce96es, tem-se descuidado da esfera dosentir enquaoto lorma basica do conheciment9 humano. "Faz muitoque sentimentos e emo96es f o r ~ ~ ~ i d o s d a q ~ l o que se c ~ n v e n c i o n o u chamar de "realidade". As ciencias do homem, fascmadas pela

objetividade, movidas pelo ideal de um conhecimento exato, e 1_1amedida em que 'insistem em fazer uso de urn metodo tornado da

fisica'. [ A. R. Louch], foram levadas a ignorar todas as dimensoesda realidade nao passiveis de s i m b o l i z a ~ a o mat.ematica. Como ase m o ~ 6 e s nao sao objetos, como sentimentos nao podem ser quantifi-caveis, por exprimir fundamentalmente uma maneira de ser em r e l a ~ a o

2. 0 que e a fenomenologia?, p. 54.3. Carlos CASTANEDA, A erva do diabo, p. 13 (Rio de Janeiro,

Record, 2. a ed., [s./d.]).

"6Q

 

ao mundo, emoc;;oes e sentimtmtos deixaram de ser significativos.Epifenomenos que nao pertencem ao real. Contradic;;ao: cienciashumanas obcecadas por um ideal epistemico anti-humanista. 4

somente ganha sua dimensao real quando contada, mas tenlemosreproduzi-la a qui. 0 pai, ao receber ·o telegrama diz, enfureCido:"Este menino nao tern jeito; veja se isto e forma de pedir dinheiro:

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 37/67

As relac;;oes entre 6s sentimentos ~ a compreensao se tomam,sob este prisma, bastante intimas e imprescindfveis a todo ato deconhecimento h).lmano. Os sentimentos, sejam eles referentes asp e r c e p ~ o e s extemas (do mundo), intemas (do organismo) ou mesmoreferentes as emoc;;oes, se constituem no timao que dirige aatenc;;ao e a iiltelecc;;ao ate os objetos · a serem conhecidos.:£ falso relegar os sentimentos a uma esfera · nferior, ou mesmo

ericani-Ios como tropec;;os no caminho ate o conhecimento. Comoja assinalou Sartre: 5 "A emoc;;ao nao e urn acidente, · e urn modode existencia da consciencia, uma das formas p e l ~ qual ela compreende(no sentido heideggeriano de 'Verstehen') o seu 'ser-no-mundo'." Eainda podemos afirmar, com F r e d ~ ~ C k Pearls, que os " .. . sentimentosnao sao impulsos isolados, mas evidencias estruturadas da r.eaiidade,ou seja, da interac;;ii<? do campo organismo/ambiente para o qual naoexiste nenhuma outra evidencia direta a ·nao ser o sentimento". aAssim, sentimentos . sao "evidencias· diretas" da situac;;ao, anterioresas compreensoes lingiifsticas, que fracionam esta situac;;ao em conceitose os relacionam entre si. '

A )compreensao racionai. humana, dada com a linguagem, emerge

pais deste solo de emoc;;oes 'e sentimentos, e visa tamar possfvel aconiunicac;;ao·de eventos, classificando-os e delimitando-os em concei-tos gerais. Porein, deve-se notar, mesmo a lingmigem nao se separa

· amais de suas ·bases emotivas · - nao se constitui nunca numinstrumento objetivo de comunicac;;ao: . Isto e: toda comunicac;;ao(mesmo cientifica) exprime, em maior ou menor grau, uma certaparcela dos sentimentos do sujeito que a -emite. "Dificilmente ·seencontrara uma ~ e n t e n c ; ; a - com excec;;ao talvez das sentenc;;as formaispuras da matematica - que nao tenha certo matiz afetivo ouemocional." 7 A linguagem (e a compreensao), ·portanto, por maisobjetiva que se pretenda, vern sempre colorida com tons emocionaise afetivos, oriundos das intimas dimens6es dos sentimentos. Semcontar-se ainda que os contomos emocionais da linguagem tomam-semais definidos quando ela e falada, e nao apenas escrita. A Hnguafalada e carregada de entonac;;oes, inflexoes e maneirismos pr6priosdo sujeito falante, que se constituem em expressoes diretas dos seussentimentos. A conhecida anedota do filho que .telegrafa ao paipara pedir-Ihe dinheiro, ilustra sobremaneira este .fato. Tal anedota

70

4. Rubem ALVES, 0 ·enigma da religiiio, p. 101.5 . Esbo,o de uma teoria das emo,oes, p. 81.6. -Apud Rubem ALVES, 0 enigma da religiiio, p. 101.7. Ernst CASSIRER, Amropologia fi/os6fica, p. 56.

(com voz rude e incisiva) - Papai, mande dinheiro!" Ao que a· mae replica: "Nao e nada. disto; ele escreveu: (com voz suave e

suplicante) - Papai, mande dinheiro . . . "Como estamos tentando demonstrar que· mesmo a linguagem

"racional" tern suas raizes nos sentimentos, talvez seja interessanteobservamos uma hip6tese a respeito cas o r i g e n ~ aa lmguagem. Ex1steminUm.eras delas, e quase todas concordam em que ela tenha se desen-

volvido a partir de expressoes diretas dos sentimentos humanos , taiscomo gritos e interjeic;;bes. 8 Porern, uma hip6tese auspiciosa, que tarn-bern parte da linguagem original como expressao de s e n t i m e ~ 1 , 9 s , masque a amplia c o n ~ i d e r a v e l r n e n t e atraves de outra vertente, e d"SusanneLanger. Diz ela que urn fator deterrninante na formac;;ao da linguagemadveio do sistema visual humano, onde· sao produzidas imagensda realidade. Imagens estas que, de uma maneira primitiva, de certaf9rma "representam" as coisas do mundo, e se constituem no para-digma daquilo que charnamos irnaginac;;ao. Em suas pr6prias palavras:"As diversas caracteristicas que predispoem a imagern mental atomar-se simb6Iica sao, em primeiro Iugar, esta produc;;ao espontanea,quase automatica; em segundo Iugar, uma tendencia dos processos

de formac;;ao de.imagem a se enredarem e a fundirem seus resultados;depois, a sua origem na percepc;;ao real, que da a magem uma relac;;ao6bvia com as fontes de percepc;;ao - as coisas percebidas - umarelac;;ao que denominamos 'representac;;ao' ; e ainda o fato impor-tantfssimo de que uma imagem, uma vez farmada, pode ser reativadade rnuitas formas, por toda sorte de estimulos extemos e intemos;e, finalrnente, o seu envolvimento com a emoc;;ao." 9

Assim, segundo a autora, os sfmbolos lingilisticos tern origemtambem nas imagens do mundo, captadas pela percepc;;ao . Taisimagens seriam os prim6rdios da capacidade abstrativa humana, depoisrefinada atraves das palavras. :£ importante observar-se que, mesmoao se atingir urn estadio altamente desenvolvido nos processosabstrativos (simb61icos), ainda as imagens rnentais centinuam a

acompanhar nossos pensarnentos, o que demonstra a influencia dossentimentos mesmo nos processos mais abstratos de reflexao. HerbertRead 10 tambem destaca a importancia das imagens rnentais, dizendoque " . . . devemos advertir, em primeiro Iugar, que a func;;ao dasimagens nao e a de urna rnera ilustrac;;ao. Nao pensamos sempreou necessariarnente ern termO$ abstratos para traduzir logo estes

8 . Veja-se, a este respeito, a obra ja citada de CASSIRER, e aindaErnst FISCHER, A necessidade da arte.

9 . Susanne K. LANGER, Ensaios fi/os6ficos, p. 48.10. Educaci6n por el arte, p. 74.

. 71

 

termos em imagens concretas, em f a ~ o r da clareza. Grande partedo p ~ n s a r se desenvolve em forma de imaginar ·e grande parte da

ffsica modema, por e ~ e m p l o , se enuncia em imagens, ou pelo menos

e objetos sejam abstraidos em suas caracterlsticas essenciais e repre-h'-· sentados atraves de simbolos (palavras). Por exemplo: a palayra

mesa transmite a ideia de uma superffcie plana, de determinado

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 38/67

se oferece como unica altemativa dos simbolos matematicos. ( . . . Afisica e agora uma cien.cia altamente metaf6rica, como resultado de

processos de pensamento que implicaram imagens em consideravelmedida. Nao basta dizer que tais processos foram 'acompanhados'ou 'ilustrados-' por imagens: as imagens foram parte integral dopensamento." Em suma: as mais poderosas a b s t r a ~ o e s permitidaspela linguagem (matematica, inclusive) mantem ainda l i g a ~ 6 e s com

as matrizes de sentimentos onde elas se, originam . Nessas matrizesimpera a for9a das imagens, que sao recuperadas para auxiliar na

c o m p o s i ~ a o e desenvolv.imento do pensamento humano.·Enfatizando definitivamente as origens emotivas da linguagem,

citemos Alfred Schutz: 11 "Toda palavra e toda s e n t e n ~ a e, usandoum termo de William James, cercada de 'orlas' que as ligam, de

um lado com elementos passados e futuros do universo de i:liscursoa que pertencem e, de outro, coln um halo de valores emocionais ei m p l i c a ~ 6 e s irracionais, eles pr6prios inefaveis."

Portanto, no ato humano de conhecer o mundo as rela96es entresentimentos e simbolos constituem seus processos fundamentais. Todacompreensao dada pelos simbolos esta eivada de fatores emocionais

·e, inversamente, todo sentimento busca tomar-se inteligivel atravesdos simbolos. A razao quer ·sempre compreender, ~ o n c e i t u a n d o erelacionando conceitos, mas e deveras impotente para a l c a n ~ a r eelucidar seu pr6prio fundo emotivo. A linguagem, e com ela arazao, nao podem descrever e explicitar totalmente os sentimentos deonde brotam. Ha urn i..Q.efavel pano de fundo da consciencia humanaque permanece inacessfvel a inearidade e discursividade da linguagem.

2. A " S i m b o l i z a ~ o " dos Sentimentos: A Arte

Retomemos a ultima afirmativa do item anterior, qual seja:a de que a !ingnagem e jncapaz de descreyer e explicitar totalmenteo sentimento humang. Precisamos nos demorar urn pouco nestaa s s e r ~ a o , .1a fim de entende-la de maneira precisa. Ja caracterizamoso que se entende aqui. por sentimento: uma apreensiio direta da

situacao em que nos encontranl.os, sendo que por situaciio compreen-de-se nossos estados "interiores" ( ffsicos e mentais), bem como nossasrelac6es com o mundo. E a linguagem, como "funciona"? Tambemja se disse que atraves deJa o homem organiza o real, isto e,estabelece categorias e classes de eventos, nomeando-os e relacionim-do-os numa estrutura significativa. \A linguagem ·permite que fatos

11. Fenomenologia e r e l a ~ o e s sociais, p. 97.

72

material, que, apoiando-se sabre pes, permite sobre ela a realiza9aode uma serie de atividades. Sao essas as·suas caracteristicas essenciais,que definem o conceito "mesa"; outras caracteristicas, que variamnos infindaveis tipos de mesas (material, cor, forma, etc.) nao sao

t· - essenciais e, portanto, sao irrelevantes ao conceito. Se assim naofosse, necessitariamos de uma palavra diferente para cada mesa emparticular, perdendo entao a linguagem sua caracteristica principal:

a reuniao de objetos e fatos sob conceitos gerais. 12 Para descrever-seuma mesa em particular e preciso que se recorra a outros termos econceitos: dizendo que ela e de madeira, quadrada, pintada de branco,etc. Portanto, os sfmbolos lingtifsticos representam a b s t r a ~ 6 e s eintomo das caracterfsticas essenciais dos eventos, que a Jinguagemcoloca em rela9ao.

No que diz respeito aos sentimentos humanos, a linguagem tam-bern Jhes prove names e categorias. Posso, por exemplo, dizer que me

·sinto triste, que sinto frio, que me sinto urn pouco ato.rdoado, etc.Porem as dificuldades c o m e ~ a m quando tento descrever como e aminha tristeza, como e 0 frio que siilto, como e 0 meu atordoamento.Como dizer, par exemplo, em que e como a tristeza que hoje sinto

e diferente da que senti ontem? Assim, " . . . o essencial da questao. , esta em que a forma da Iinguagem nao reflete a forma natural do, . . . t L ~ sentimento, de modo que nao podemos formar guaisquer conceitos~ amplos do sentimento com a ajuda da linguagem discursiva. Portanto ,

~ ~ a s palavras por via das quais . referimos os sentimentos somente~ - . J nomeiam e s p e c i e ~ n:tuito gerais; ~ a e x p e r ~ e n c i a i n t ~ r i o r : excita9a..?,

1  calma, alegna, tnste;la, amor, odto e ass1m por diante. Mas nao

existe linguagem que descreva exatamente como uma alegria difere,as vezes radicalmente, de outra. A natureza real do sentimento ealga que a Iinguagem como tal como simbolismo discursjyo -~ t o ~ s b · nao pode exprimir". 13 A linguagem, que permite descrever e repre-

~ ~ sen ar eventos. do cham ado "mundo exterior", se mostra impotenteao referir-se a nosso "mundo interior". "A reprodu9ao de experienciasda percep9a0 interior e incomparavelmente mais dificil; aquelas per-cep90es intemas pr6ximas do amago absolutamente privado da pessoasao irrecuperaveis no que diz .respeito a seu 'Como', e no maximopode-se apreender o seu 'Isso'. Pertencem a esta regiao, em primeiroIugar, nao s6 todas as experiencias da realidade ffsica do Ego, ou,em outras palavras, do Ego Vital (tens6es e relaxamentos musculares

12. Nos seus prim6rdios a linguagem designava cada objeto com umnome particular. Cf. Ernst CASSIRER, op. cit.

13. Susanne K. LANGER, Ensaios filos6ficos, p. 86.

73

 

r e l a c i ~ > n a d o s a ~ s movimentos do corpo, dor 'fisica', s e ~ S a ! ; 6 e s sexuais,e ass1m por ~ 1 a n t e ) , mas ~ a m b e m os fenomenos ·psiquicos classifi-cados em conJunto sob o titulo vago de 'humores' ou 'sentimentos'

aliuma expressiio. · Era isto o que pretendfamos afirmar, no itemanterior, quando se cornentou o fato de a linguagern vir semprecolorida com os tons afetivos daquele que a emprega. Ao se utilizarem

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 39/67

~ ' a f e t a ! ; ~ e s ' (alegria, t ~ i s t _ ; ~ a , desgosto, etc.). ( . . . ) Aguila gue e

0 u : r ~ c u p e r a v e l - em prmc1p1o sempre algo inefavel s6 pode serfj1 VlVldo, nunca 'pensado': e. em princfpio, impossivel de ser yerbali-

zado." 14 Desta forma, a linguagem aoenas aponta sentimentos,nomeando-os, mas nao os descreve.

A partir dessas caracteristicas da linguagem podemos entao2- estabelecer urna importante distincao, entre comunicaciio e expressiio

Digamos primeiramente que a linguagem discursiva tern por £ u n c a ~ \ basica a comunicaciio, ou seja, a transmjssao de concejtos e jdejas,

Z· de tal forma que os conceitos apresentados pelo "emissor" (o sujeitoque fala, que escreve) ~ e j a m compreendjdps pel a "receptor" (o queouve, que le). ~ preciso que os simbolos lingiiisticos (as palavras)sejam convencionabnente estabelecidos, de forma a representar, paraambos, os mesmos conceitos. Assim, na comunica!;aO, e necessariaque as ambigi.iidades e conota!;6es sejam reduzidas a urn minimo demaneira a. progorcionar a compreensao mais exata. Por exemplo,quando d1go A manga esta estragada", estou comunicando urndeterrninado fato, acessivel aqueles que cornpreendern as palavrasque ernpreguei. Porem, a frase ainda se ressente de uma certa

arnbigiiidade, na medida em que fica-se sem saber se o que · estaestragado e urna fruta ou urna parte de urn vestm1rio. Para que acornunica!;ao se estabele!;a num nivel 6timo, devo explicitar rnaiso fato, dizendo: "A rnanga da camisa esta estragada." Portanto, acornunica!;ao pressup6e urn c6digo, estabelecido convencionalmentebern como a r e d u ~ a o das conota!;6es a urn mfnirno possivel. Comunica;Supoe transmitir significados OS mais exp/icitos possiveis. Ja a exores-

2.1, sao se refere a determinados sinais que indicam (e, nao, significam)elementos e formas do sentimento hurnano. Por exemplo: podemosdizer que o riso exprime a· alegna; ele exprime, mas nao significaalegria, pois o riso pode ainda exprirnir escamio e rnesmo urn certo"nervosismo" e i n s e g u r a n ~ a do individuo. "Se na saudade se canta j

Na~ e g ? a

tarn?em se cbora.- . . ", diz o compositor (Luiz Gonzaga Jr.).Os sma1s, ou s1gnos express1vos, niio siio convencionados para signifi~ a r eventos determinados. Seu sentido depende ·enormernente dam t e r p r e t a ~ i i o que lhes damos no momenta. Assim, na expressao naotemos urn significado expllcito sendo transmitido, mas urn sentidogeral, que podera, inclusive, sofrer diferentes interpretat;6s.

A lim:uaiem e o elernento basico para a comunica,iio. mas 1;20r'I ; • " h. . " . - - -1..• ma1s o Jet!yo que seJa o seu emprego, ela sempre carrega em sj .

14. Alfred S<;HUTZ, op. cit., p. 64-65.

74

determinadas palavras em vez de outras, ao construirern as frasesde certa man.eira, e ao se falar corn esta Ol,l aquela entonat;ao de voz,alem do significado que se comunica, tarnbem sao expressos determi-nados sentimentos. 15 ·De maneira inversa. toda expressiio carrega em

! · 1 ~ sj e!em 'entos de comunicaciio, ou seja, ao se interpretar urn signoexpressivo estamos lhe emprestando uma significat;ao que nos remeteas "intent;oes" de sua fonte emissora. Por exemplo: um bebe,

cborando, exprime o seu estado de desprazer; no outro comodo, aoouvi-lo, a mae e informada de que ele necessita dos seus cuidados,e procura interpretar o choro, para eliminar-lhe as causas. Nestecaso o bebe exprimiu sua insatisfat;ao, mas, de certa forma, comunicouque necessitava de cuidados. Comunicacao e expressao, portanto.

~ sa.o dois process?s que se imbricam; nao P?demos pretender dicoto-.• , ) . ~ m1zar estes CQI)ce!tps, pensando numa comu01cacao ou numa expressi:io~ _que se deem de forma "pura". .

.ch.egamos agora a urn ponto onde ja podemos conceituar "arte "r e s s a o artistica". Adotaremos aqui a definici:io de arte proposta

; 12or Susanne Langer, 16 gue a entende como a "criacao de f o r m a ~ • perceptiveis expressivas do sentimento humano". Explicitemos, pois,

esta definigao. Uma obra de arte e sempre a expressiio de sentimentos,

I.Orem uma expressao diferente de urn 2rito ou urn iesto. E a

expressao lavrada, concretizada numa forma, que adquire quase queo estatuto de urn simbolo. Toda obra de arte e urna forma· .nas

· artes "dinamicas". como a musica, a danc;a, o teatro, etc., as formas' . . construidas sao formas dinamicas formas gue se dao no temuo.

; . Ao criar urna forma para ser percebida, o artista constr6i com elacomo que urna visao direta dos sentirnentos. Como vimos, e impossiveldescrever os sentimentos atraves da linguagem discursiva; porem·  naarte, os sentimentos se concretizarn em formas, podendo ser percebi-dos. Mas, cuidado: nao se pode considerar a arte como urn simboloidentico aos lingiiisticos, que transmitem significados. A arte nuncasignifica nada fora . de si mesma. Expliguemo-nos melhor. tomandourn guadro como exemplo: A Faniilia de Retirantes. de PortjnarL 0

~ ~ sentido expresso por ele existe apenas nele m'esmo. Nao podembsjamajs dizer o que significa a obra. como se o seu significado fosseurn conceito, que pudesse ser comunicado de varias maneiras diferen-tes. Nao se pode "traduzi r" o guadro em sfmbolos outros. 0 conceito"cachorro",. por exemplo, pode ser dito de diversas formas, ern

15. E muito mais o sentido expresso do que o significado comunicadoque o psicoterapeuta procura interpretar nas falas do paciente.

16. Ensaios filosoficos, p. 82 e ss. (grifo nosso).

75

 

diferentes linguas: "dio", "dog", "perro", "chien", etc. - todas essaspalavras se referem a urn animal, exterior a e l a ~ . Ja no ca.so da ·FamUia de Retirantes, nao existe um conceito que ela nos 9e ·e·

o palco. Nao podeinc>s Il.em inesm<;> afir"mar que, colltemplando oquadro e assistindo a pe9a, experimentamos os mesmos sentimentos.

Por isso a obra de arte e quase um simbolo, pois cada obra

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 40/67

que possa ser·transmitido de outras maneiras. Nao posso ".traduzir"a obra em outra, por exemplo, numa musica, numa d a n ~ a , ou mesmoem outro quadro. 0 sentido que ela exprime existe nela e apenasnela. Quando a contemplo, ela evoca em mim determinados sentimen-tos intraduziveis, indiziveis e inexprimfveis, a nao ser atraves delapropria. Dizer que A Familia de Retirantes e um quadro a respeitod_os migrantes, que exprime sua miseria, d e s o l a ~ a o , falta de perspecti-

vas, etc.", nao sera jamais dizer o significado da obra. :E claro que,em ultima analise, o quadro . em quesHio esta comunicando umdeterminado fato: a existencia dos retirantes; esta nos remetendoao mundo, mais especificamente, a realidade brasileira. Este e oassunto da obra. Porem, a qualidade do trabalho artistico nao edada pela·escolha do assunto, e sim pel a forma como esse ass unto eexpresso. E a sua expressiio tern a ver com a esfera dos sentimentos,e nao simplesmente com a transmissao de significados conceituais.~ Insistimos: a arte nl io significa. exprime.· niio diz. mostra. E o que{ W ~ da mostra. o que ela nos permite. e uma visao direta dos sentimentos;

7 nunca um significado conceitual.Este e 0 fato por que afirmamos que uma obra de arte nao 6

4  propriamente urn simbolo. Urn simbolo e sempre um determinadosinal, que se convencionou para representar um objeto ou um evento

" ' ~ distinto dele proprio. Este pouco de tinta sobre o papel, arranjadona forma dessas letras: "espada", significa um objeto metalico,cortante, pontiagudo, etc., que nao esh'i presente aqui, agora. Masem uma obra de arte o seu sentido nao 6 exterior a ela ro ria -'1- a tinta sobre a ela constroi em si o sentido, nao me remetendo a

. objetos fora dela mesma. Isto, quando dito de uma obra "abstrata"(em pintura), e mais facilmente compreendido. Ou mesmo quandopensamos na musica: uma sinfonia nao me remete a nada alem desi propria. Mas o fato e igualmente verdad.eiro em se tratando de umapintura "figurativa", de uma p e ~ a · de reatro, ou qualquer outramodalidade artistica (com um assunto determinado). A Familia deRetirantes nao me remete a uma famllia de retirantes como o fariauma fotografia 17 ou uma d e s c r i ~ a o verbal de uma famflia dessas.Ela apresenta-me sentimentos em rela9ao a uma determinada familiade retirantes: aquela que apenas existe ali, na propria obra. Da

mesma forma, a p e ~ a Na carrera do divino, de Soffredini, utilizando-sede assunto similar (a migra9ao do caboclo), mostra-me sentimentosem r e l a ~ a o aqueles caboclos, que por duas horas existem apenas sobre

17. Relevando-se aqui as possibilidades esteticas e expressivas da foto-~ r a f i a .

76

. 1 .

simboliza apenas e tao-somente o sentimento que ha nela propria -nao ba generaliza!(oes nero conceitos gen6ricos. sendo transmitidos.

4,Q Portanto, ao nos referirmos a arte como urn Simbolo, grafaremossempre a inicial em maiuscula, para diferencia-la de um simboloverdadeiro. Deixemos que fale novamente Susanne Langer: 18

"Uma obra de arte difere de um simbolo genuino - isto e, deurn simbolo no · entido plena e usual - pelo fato de nao indicar

nenhuma coisa .alem de si pr6pria. ( . . . ) N a verdade, o sentimentoque ela expressa parece ser dado. diretamente com ela - como. osentido de uma metafora verdadeua ou como o valor de urn mttoreligioso - e nao e separavel de sua expressao. Falamos dosentimento de ou do sentimento em uma obra de arte, e nao dosentimento. que ela significa. E o dizemos bern; uma obra de arteapresenta alga assim como uma visao direta de vitalidade, e m o ~ a o , realidade subjetiva.

A funcao primordial da Arte 6 objetivar o sentimento de modogue possamos contempla-Ia e. ente? de-!o., E a f o r ~ m ! a c a o a c h a a d . a 'experiencia interior', ~ 'VIda mtenor, que e t m p _ ? s s v e l atmgu

') pelo pensamento discurstvo, dado que suas formas sao m c m e s u raveis com as formas da linguagem e de todos os seus denyat!yos(por exemplo, a Matematica, a Logica Simb6lica). ( . . . ) Creio 9uea vida do·sentimento nao e irracional; apenas, as suas formas logtcasdiferem muito das estruturas do discurso. Elas sao, contudo, taosemelhantes as formas dinamicas da Arte que esta CQnstitui-se noseu ·simbolo natural."

'O Dissemos anteriormente que OS s e n t i m ~ n t o s sa,o a p r e e n s o ~ s ~ direias de nosso "estar-no-mundo", sem concettos ou s ~ m b o l o s . Pots

fbern: a obra de arte ~ r o c u r a mostrar. ( ~ o n c r e t i z a r ) , estas a p r e e n s o ~ s diretas; de certa maneua, procura revtve-las em nos. Na_apreensaodireta ·atraves dos sentimentos existe ja urn certo sentido humano,um certo "compreender", nao formulado nero formulavel. Por isso,

diz Mikel Dufrenne19

que o sentido dado pela obra de arte e umentido " . . . todo envolvido no senslvel, sentido nascente, claro eindistinto, irrefutavel e, contudo, sem prova: urn pre-sentido, ctecerto modo". Ou seja: urn sentido proprio do mundo dos sentimentos,indizivel e incomunicavei - apenas exprimivel na obra e pela obra.

Precisamos, porem, abrir agora ·urn pequeno parentese para

tra<;ar algumas considera<;oes a respeito do trabalho do ~ r t i s t a . Quandose afirma, aqui, que a arte' e a c o n c r e t i z a ~ a o de s ~ n u m e n t o s (numa. .

18. En.saios · ilos6jicos, p. 87.19. Estetica e filo.so/ia, p. 52 (grifo nosso).

77

 

fox:ma), is:q nao si!plifica estritamente que o artista, ao construit urn6 ob1eto estehco, esteJa apenas e tiio-somente exprimindo os seus pr6prios

• sentimentos. Pelo ~ ~ ~ t r a r i o . Sua capacidade expressiva reside justa-

artisticos (das obras) para transmitir mensagens, como no caso dalinguagem. Nao se transmite significado algum "combinando" diversosqua?ros .ou diversas sinfonias. Mesmo os elementos que se articularn

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 41/67

64 mente em. sua senstbllidade para captar os meandros dos sentirnentos· da comunzdade humana e exprimi-los em formas Simb61icas. :E obvio

que esta c a p t a ~ a o ele a realiza a partir dos seus sentirnentos e desua "visao de rnundo", mas afirmar que o artista exprime somenteos ~ e u s proprios sentimentos e restringir e empobrecer a sua praxis.A s s ~ : " . . . ele e urn artista nao tanto em virtude de seus proprios

sentimentos, quanta de seu reconhecimento intuitivo de formas simbo-licas de sentimento, e sua tendencia a projetar conhecimento emotivoem tais f o r m ~ s objetivas. Ao manipular sua pr6pria cria!(ao, ll.O

compor urn s1mbolo de emo!(ao humana, aprende, da realidadeperceptive! a sua frente, ~ o s s i b i l i d a d e s da experiencia subjetiva queele nao .conhece em sua vtda pessoal. Seu proprio alcanoe mental eo cresc1mento e expansao de sua personalidade estao portantoprofundamente envolvidos em sua arte. ; '

. Dizer, p o r e ~ , gue ele nao t r ~ d u z suas proprias emoc6es seriaS I ~ p l e s m e n t e tohce. T o d ~ conhecimento reporta-se a experiencia;~ ~ nao podemos conceber co1sa alguma gue niio tenha relaciio com anossa experiencia. So que essa r e l a ~ a o pode ser mais complexa doq u ~ o sup6e a. teoria da ~ x p r ~ s s a o pessoal direta. ( . . . ) QualquerCOISa que 0 art1sta pode VISUaliZar e 'como' a propria subjetividadedele, ou e, ao menos, relacionada com suas maneiras de sentir.Normalmente tais conex6es ocorrem, para ele, atraves de seu conheci-

n;tent? . c r ~ ~ ; e n te da. arte de outras pessoas; isto e, por r e y e l a ~ a o S i m b o l ~ c a . 0 0 ~ r t ~ s t a , entao, capta os sentimentos de sua epoca ecomurudade, expnmmdo-os a partir de suas experiencias pessoais, de·seu "sentir-se-no-mundo". Fechemos o parentese.

Retomando as nossas c o n s i d e r a ~ 6 e s precedentes, a respeito daexpressao na arte, podemos dizer que elas ja constituem meio caminboandado para que se destrua a ideia erronea e freqiientemente aceita

11de que a arte e uma linguagem. A qrte niio e uma linguagem (da

'I • maneira como entendemos nossa linguagem conceitual). E nao e)., em primeiro Iugar, porque, como vimos, seus Simbolos nao saO

1. ·.sfmbolos verdadeiros. Isto e: nao sao convenfoes que nos remetama significados explfcitos, exteriores a eles, como no caso das palavras. 21

1l Em segundo Iugar, porgue nao e possivel a combinacao dos Simbolos

20. Susanne K. LANGER, Sentimento e forma, p. 405.21. Pode-se argumentar que na arte existem algumas regras e c o n v e n ~ o e s

esteticas. Contudo, elas nunca sao rigidas e explicitamente formuladas comourn c6digo determinado que o artista devesse seguir. Alias, os artistas c ~ i a t i v o s e inovadores sao em geral aqueles que transgridem as c o n v e n ~ o e s da epoca,propondo novas formas de expressao.

78

" ' ~ po mtenor de ?rna obra de. arte nao sao e l e m ~ n t ~ s discretos, que." ~ · guardem, em SI, algum sentrdo. As notas musiCals, isoladamente.n ~ o s i g n i f i ~ a m coisa alguma, ~ a o . tern qualquer sentido; apenas q u a n d ~ sao. arranJadas, .em determmaoas formas , e que podem exprimirsentidO - 0 CODJUnto deJas, a melodia, e que e expressiva. 0 mesmose aplica .as linhas, pontos, t r a ~ o s e cores na pintura. Ao passoque, na hnguagem, apesar de o significado das palavras depender

bastante do contexto onde sao empregadas, elas isoladamente jaP?s.suem. um significado determinado; 22 o que torna possfvel od i c i O n ~ n o . , ~ u f r e n n e 28 prop6e a classificac;ao dos campos lingtifsticos·em tres ruveiS :a) No nivel media encontra-se a linguagem, que e o lugar da significa

flio, e que pode ser definido assim: permite transmitir mensagenspor meio de c6digos; mensagens e codigos nela estao solidarios e,de algum modo, em igualdade.

" ; . ~ b) No nivel infralingiifstico encontram-se sistemas de signos que estaomais para serem discemidos do que compreendidos; M um c6digomas nao mensagens; a s i g n i f i c a ~ a o reduz-se a nformafiio. Temos,como exemplo deste campo, os sinais de transito.

c) No nivel supralingiifstico os sistemas sao supersignificantes; elespermitem transmitir mensagens, mas sem c6digos, ou, em todocaso, mensagens tanto mais ambfguas quanta o codigo e menosestrito: a s i g n i f i c a ~ a o , nesse caso, e expressiio. Este e o nivel daarte.

Assim, a linguagem mesmo, no sentido definido do termo, soexiste no nivel media, oode um codigo governa as c o n v e n ~ 6 e s edisciplina as significa!(oes. Onde existe, sobretudo, uma sintaxeregendo as combina96es de simbolos. Contudo, pode restar ainda em

l"\. ~ . senao: as artes que empregam a palavra, como a poesia, nao serao'\ Iinguagem? Tambem nao. Porque nelas as palavras sao tomadas

, e empregadas de forma diversa do que sao na linguagem discursiva.

~ Nelas as palavras constituem o material com que trabalha o artista.Deixemos de lado as artes que empregam a palavra entre outrosmateriais, como o teatro e o cinema (onde a sua nao c o n d i ~ a o delinguagem e mais evidente), e ocupemo-nos apenas da literatura eda poesia.il ~ Na poesia as palavras sao radicalmente transubstanciadas, adgui-

ft 1 ~ · rindo estatuto totalmente diverso daguele que mantem na linguagem

', 22. As palavras dependem bastante do contexto, mas nao totalme11te,

como quer urn certo estruturalismo ortodoxo.23 . Cf. Estetica e f i/osofia , p. 110.

79

 

discursiva. Pois o poeta, utilizando-as tambem enguanto sonoridade,transaride a sintaxe·da lingua e nelas imprime novos sentidos. 0 poetacrja imagens. formas.· cria um universo de sentidos em cada poema.

certa, ~ ' i l u s a o q ~ vida" (S. L a ~ g e r ) , apresentan'do s i t u a ~ o e s atravesda forma como emprega as palavras. 0 sentido despertado por elas·n6s como que o "vivemos" durante a leitura. Penetra-se no r o u n d ~

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 42/67

0 verso poetico nao e jamais uma frase ou uma o r a ~ a o , mas umaimagem, urn Simbolo, on de o sentido do · odo prevalece sobre aspartes. Tambem ele nao nos remete a eventos e objetos explicitos,fora de si pr6prio; antes, o seu sentido e dado ali, no interior dopr6prio poema. 0 verso adguire estatuto de quase-objeto. de coisamesnio. diferentemente da linguagem. em que as palavras sao apenas

1 ~ · ' 2 , veiculos para transmitir eventos distintos de si pr6prias. Por issoSartre chama o verso de frase-objeto, e as palavras, na poesia, depalavras-coisas. 24 E ainda considera o p o ~ t a (Juan Ramon): "Que

mi palabra sea I la cosa misma I creada por mi alma nuevameote."Diz Mikel Dufrenne, ~ a respeito da palavra poetica: "Ela seratanto mais signo quanto mais for coisa, mas esse signo nao maisserve para dizer algo a respeito .do objeto, no interior de umempreeodimento intelectual ou pratico, diz o proprio objeto naocomo o descreve a i m a g i n a ~ a o , mas antes, como o experimentao sentimento." Ou seja: o verso constroi urn objeto para serapreendido ao nivel do sentimento e· nao do intelecto; par&

1.'-"?> ser sentido, mais do que compreendido, Para ser sentido demaneira sinestesica, isto e, nO ponto on•de se fundem OS diverSOS sistemas sensoriais humanos, as diversas maneiras perceptivas. Por isso 6 poeta (Paulo Mendes Campos) pode falar no"rumor de urn jasmin"; ou ainda (D. Pedro Casaldaglia) pode dizerque "Tu deixaste ja o fuso sobre o banco dormido e a la suspirabrancamente". Mas encerremos o paragrafo novamente com SusanneLanger: 2a "A maneira mais facil, talvez, de entender que tipo decoisa o poeta cria e considerar uma experiencia bastante trivial, queprovavelmente todos tern uma vez ou outra: isto e, ouvir comoresposta a uma a f i r m a ~ a o perfeitamente sincera e verdadeira: 'lssosoa tao horrivel quando voce o coloca assim dessa maneira!' Ora,o fato referido na realidade nao e mais horrivel por ser transmitidopor urn simbolo verbal do que por outro; o fato simplesmente e o

que e. Mas ele parece mais horrivel quando e enunciado de umadeterminada maneira." Assim, o poeta cria uma apar2ncia, urna

t:..~ imagem a ser frufda a nivel do sentimento. Visa imprimir nas1:J· palavras uma carga maxima de expressividade.

Na Iiteratura em prosa a linguagem se aproxima mais de suac o o d i ~ a o discursiva, mas mesmo ai e necessaria que entendamos aobra como urn universe pr6prio de sentido. 0 escritor cria uma

24. Cf. S i t u a ~ o e s II, especialmente o ensaio 0 que e escrever?25. 0 poetico, p. ·53.26. Sentimento e forma, p; 221.

80

I

I

r·'

da o ~ r a e ali ja nao, ~ a i s importa se os acontecimentos sao pla'usiveiso ~ nao,. s : g u n ~ o a o t i c ~ de nossa "realidade" cotidiana. As significa-~ o e s ~ sao ~ ~ d a sentidas, mais do que compreendidas; e sentidasa pam! da logica que governa a propria obra. Urn exemplo clarodesta S i t u a ~ a o e chamado "realismo fantastico", onde urn personagemp o ~ e ~ por exempJo,.abrir a porta de sua casa e encontrar urn dragao

asststmdo TV,<;m

amda, descobrir que o interior da casa se transfor-mou nuni deserto, com dunas e caravanas de camelos. Em suaA metamorfos:, Kafka nao. t r a n ~ f ~ r m a Gregorio S ~ s a , logo de inicio,num en.orme mseto? Ass1m, e mcorreto " . . . se deixar induzir aoengano de sup?r que o autor pretende, por seu uso de palavras,exatamente aqmlo que pretendemos com o nosso - informar comen-tar, inquirir, confessar, em suma: falar as pessoas. · Urn r o ~ a n c i s t a c o n t ~ d o , . pretende criar urna experiencia virtual, completamente r m a ~ da e m t e r r a ~ e o t e e x ~ r e s s i v a d ~ algo mais fundamental do .que qualquer

problema moderno : o sent1mento humano a natureza da vidahumana em si". 21 ' . ·

Portanto, a arte nao e uma linguagem, que comunique conceitos.Antes, e expressao de sentimentos. :£ a tentativa de concretizar

numa forma, o mundo dinamico e inefavel dos seotimentos humanos:Numa obra de arte sao os sentimentos que nos sao apresentados, ·para que possamos cootempla-los, revive-los e senti-los em suan a t u r ~ z a . Tais fatos sao expresses de maneira impecavel pelo poeta ·Ferreua Gullar, em seu "Traduzir-se": 2s

Uma parte de mim

e todo mundo;

outra parte ~ n i n g u ~ m : fundo sem fundo.

Um a parte de mim

e multidao;

outra parte estranheza

e solidao.

Uma parte de mim

pesa, pondera;

outra parte

delira.

27. Susanne K. LANGER, Sentimento e forma, p. 300 (grifos nossos) .28. Na vertigem do dia, p. 27. (Rio de Janeiro, Civilizac;iio Brasileira,

1980.)

81

 

Uma parte de mim

almo(;a e janta;

outra parte

"EU-ISSO" e rela<;ao "EU-TU". Os termos "ISSO" e "TV" naoindicam necessariamente objetos e pessoas. Pessoas e objetos podemserum "ISSO" ou urn "TU", de acordo com a atitude que o homemmantem frente a eles. 0 relacionamento EU-ISSO subentende._nossa

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 43/67

Uma parte de mim

e permanente;

outra parte

se sabe de repente.

Uma parte de mime s6 vertigem;

outra parte,

linguagem.

Traduzir uma parte

na outra parte

- que e &ma questiiode vida ou morte -

sera arte?

3. A Experiencia Estetica

A obra de ·arte constitui-se na objetiva<;ao dos s e n t i m ~ n t o s , isto e, na sua concretiza<;ao em urn Simbolo. Frente a ela poderooscontemplar os sentimentos engastados em suas formas, apreendendo-osenquanto expressividade. Porem, e necessario examinar-se a formadessa apreensao, ja que oeste caso a consciencia se coloca demaneira urn tanto diferente da sua atua<;ao cotidiana. Os modos como aconsciencia humana se relaciona com o mundo apresentam diferen<;ase varia<;6es. A consciencia do zoologista frente ao animal que eledeve estudar, por exemplo, e diferente da consciencia do indivfduoperdido na selva, que se defronta com o mesmo animal. Numalinguagem f i l o ~ 6 f i c a , diriamos que existem diferentes formas de inten-ciona/idade ·humana. Em cada urna delas a consciencia, colocando-sede maneira peculiar, capta os objetos de maneira tambem peculiar.Em cada uma delas diferentes aspectos do mundo sao relevados erevelados. Interessa-nos aqui apenas a diferencia<;ao, grosso modo,

entre o modo de atua<;lio cotidiano da consciencia e a maneira desua atua<;ao perante os Simbolos ~ r t i s t i c o s . Em outras palavras:as diferen<;as entre a experiencia pratica e a experiencia estetica.

Portanto, a pergunta que se nos oferece e: o que e e comoocorre a experiencia estetica?

Segund_  Martin Buber o homem pode se relacionar com omundo de duas maneiras diferentes, que ele denomina: relacionamento

82

J~

1

•·

atitude cotidiana (pratica) perante o mundo. Aqui a conscienciatoma-o como objeto- des eu sab"ex=e- de sua-a<;ao, interrogando-o a. r ~ p e i t q cfe causas e efeitos, utilioades e usos, subordina<;6es e leis.Em Eo:rsso_ a consclencia slibe-se d i S t ' i n t ~ separada das coisas:o sujeito conbece seus "limites" e subordina os objetos a si. Nestaesfera o homem age, construindo e a l t e r a n Q . C L O J n u n d o ~ nesta esfera se

dao a Ciencta, a filosofia e todo o saber e agir humanos. Ja na rela<;aoEU-TU as coisas niio se subordinam a consciencia, mas man erncom ela urna rela<;ao "de iguaT', -constiturndo, homem e mundo, OSdois polos de urna totalidadade. Aqui nao se pode falar aeum sujeitoque investiga e de urn objeto que e conhecido, pois entre ambos(EU e TU) nao ha rela<;oes de subordina<;ao. Em EU-TU M apresen<;a total do EU frente ao roundo e vice-versa: todas as formaspossfveis de a .consciencia apreender o mundo estao ·presentes nomomento dessa rela<;ao. Nesta esfera ocorre, entao, a experienciaestetica. 29

A primeira caracterfstica da experiencia estetica e que nela C>

bomem apreende o roundo de maneira direta, total, sem a media<;ao

(parcializante) de conceitos e sfmbolos. Captar. o mundo atraves desimbolos (verbais) e, de certa forma, pensar nele, toma-lo 'comoobjeto (relacionamento · EU-ISSO); capta-lo diretamente (na esferados sentimentos) e viver a rela<;ao primeira, antepredicativa, anteriora qualquer conceitua<;ao (rela<;ao EU-TU). Alguns autores, inclusive,encontram alguma similaridade entre a experiencia estetica e o quese chama de "vivencia oceanica": a vivencia do feto e do recem-nas-cido, que se encontram imersos em seu meio como num oceano, semtomarem ainda o mundo como objeto ( e a si como sujeitos). DizAnton Ehrenzweig: 80 "Vista dessa forma toda experiencia oceanicade fusao, de uma 'volta ao utero', representa o conteudo minimo detoda arte. Freud via nisso apenas a experiencia religiosa basica,mas agora ja parece que pertence a toda criatividade". No. momentoda experiencia estetica ocorre urn envolvimento total do homem com

. o objeto estetico. A consciencia nao mais apreende segundo as regrasda "realidade'\ c o ~ i d i a n a , mas abre-se a urn relacionamento sem amedia<;ao parcial de sistemas conceituais.

Na experiencia estetica "o cotidiano e colocado entre parentesese suspenso. Suas regras sao abolidas. Por urn momento o principiodo prazer coloca diante de nos a sua cria<;ao, que nos envolve

29. Cf . Martin BUBER, Eu e tu.30 . A ordem oculta da arte, p. 126.

 

carinhosamente. 0 mundo· real parou: Desfez-se. Do seu ventreesteril surge uma nova realidade com que nos embriagamos mistica-mente". Sl Esta e a experiencia estetica: uma suspensao provis6riada causalidade do mundo, das r e l a ~ o e s c o n c ~ i t u a i s que nossa lingua-

I '

propriedades de suas notas (altura, freqtiencia, intensidade), berncomo as reia96es que elas mantem entre si; pode t r a ~ a r graficos,f6rmulas e e q u a ~ o e s que representem ·abjetivamente a melodia, masa beleza, enquanto propriedade fisica da pe9a, olio sera encontrada.

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 44/67

gem forja. Ela se cia como a percepfiiO global de urn universo doqual fazemos parte .e com o qual estamos em rela9,1io.

Desta forma, o modo de perceber, na experiencia proporcionadapela arte, e radicalmente distinto de nossa p e r c e p ~ a o oroimiria, coti-diana. Na experiencia estetica retomamos aquela p e r c e p ~ a o anteriora p e r c e p ~ a o condicionada p ~ l ~ disc_ursividade da linguagelll:; r e t o . r ; t ~ mos a uma primitiva e magtca vtsao do mundo. Na vtda dtanainterroga-se o aparecer dos objetos segundo p r o p 6 s i t ~ s pnlticos: Ai n t e l e c ~ a o orienta nossa p e r c e p ~ a o em tomo das f : u n ~ o e s dos opjetose de suas r e l a ~ o e s : a caneta serve para escrever em urn papel; comos f6sforos acendemos o cigarro e ateamos fogo noutras coisas. En-quanta que na p e r c e p ~ a o estetica n ~ o e mais a i n t e l e c ~ a o que guJao nosso perceber. A "verdade" do objeto reside nele mesmo: naose buscam suas r e l a ~ o e s como outros objetos nem se pergunta acerca desua utilidade. Na p e r c e p ~ a o utilitaria o "ser" do objeto reside emsuas r e l a ~ o e s com outros e com ·atos humanos (caneta-escrever-papel;f6sforos-acender-cigarro); ja na percepfiiO estetica o "ser" do objetoe o seu aparecer. :£ no pr6prio sensivel, no pr6prio ato de perceber,

que reside o prazer esfetico: na p e r c e p ~ a o diret_a ?e h a r m o n ~ a s e_ritmos que guardam, em si, a sua verdade. Par tsso alguns au.tores(entre os quais Dufrenne) chamam a p e r c e p ~ a o estetica de "desinte-ressada": nela nao existem interesses praticos a orienta-la. Definitiva-mente: " . . . a p e r c e p ~ a o ordinaria - sempre tentada pela i n t e l e c ~ l i o desde que tern acesso a.representa91io - procura uma verdade sobreo objeto, que eventualmente da urn arrimo a praxis,. e a procura emtorno do objeto, nas r e l a ~ o e s que· o unem aos outros objetos; ap e r c e p ~ l i o estetica procura a verdade do objeto, assim como ela edada imediatamente no sensivel". 32 Em termos da p e r c e p ~ a o esteticae que se pode entender o verso do poeta .(Fernando Pessoa, emseu heter6nimo Alberto Caeiro): "P.ensar e estar doente dos olhos."

Diz-se quena

experiencia estetica o homem experiencia a beleza.Mas afinal, q que e esta beleza que se experimenta na r e l a ~ l i o estetica? De onde surge ela? Somas tentados a crer que o belaresida nos objetos mesmo; isto e: que a beleza e uma qualidade queeles possuem (ou nlio). Se esta a f i r m a ~ l i o fosse verdade_ira, urncientista estudando "objetivamente" uma obra de arte, devena poderisolar e' quantificar nela esta qualidade. Par exemplo: um fisico,

especialista em sons, pode decompor uma p e ~ a musical e estudar as

31. Rubem ALVES, 0 enigma da religiiio, p. 60.32. Mikel DUFRENNE, Estetica e fi/osofia, p. 80.

84

Se o bela fosse uma propriedade que alguns objetos possuem, entaotodos, contemplando-os, deveriam igualmente considera-los belos. Mar.isto nao ocorre: aquila que para mim e bela, para outro pode olioter beleza alguma. 0 bela nlio e uma propriedade dos objetos.Pode-se pensar, entao, que a beleza resida exclusivamente em nossamente. Que ela e gerada em nossa consciencia, independentemente

dos objetos. Se isto fosse verdade, o amante da musica nao maisnecessitaria ir a concertos nem necessitaria colocar discos na eletrola:para experienciar a beleza bastaria relembrar suas experiencias esteticaspassadas. 0 que . e urn absurdo. Portanto, '? bela nao reside nemnos objetos nem na consciencia dos sujeitos, mas nasce do encontrodos dais. sa Nasce no momenta em que a s e p a r a ~ a o sujeito-objetose dissolve; nasce quando cessa ·a p e r c e p ~ l i o pratica (EU-ISSO) eirrompe a " r e l a ~ a o " , ligando sujeito e objeto numa mesma estrutura.Como diz o poeta (Fernando Pessoa/Alberto Caeiro): "A beleza eo nome de qmHquer coisa que nao existe I Que dou as coisas emtroca do agrado que me dao."

A beleza se encontra, assim, entre o homem e o mundo, entre

a consciencia e o objeto (estetico). A beleza habita a r e l a ~ a o . Ar e l a ~ a o onde os sentimentos entram em consonancia com as formasque lhes tocam, vindas do exterior. o· prazer estetico reside navivencia da harmonia descoberta entre as formas dinamicas dossentimentos e as formas da arte (ou dos objetos esteticos). Na

experiencia estetica os meus sentimentos descobrem-se nas formasque lhes sao dadas, como eu me descubro no espelho. Atraves dossentimentos identificamo-nos com o objeto estetico, e com ele nos

tornamos um.Resta-nos considerar, rapidamente (ja que voltaremos ao assunto),

a questlio do sentido expresso p ~ l a ~ r t e i ~ a experiencia e s ~ e t i c a . C_omoja notamos, a arte nlio transrmte stgmflcados, mas expnme senbdos.

Sentidos nao conceituaveis e irredutiveis a palavras . A arte abre-meum campo de sentido par onde vagueiam os meus sentimentos,encontrando· al i novas e multiplas maneiras de ser. Dissemos quena comunicafiio a linguagem deve "fechar" o mais passive! o campode significados, a .fim de que uma ideia seja compreendida como odeseja seu emissor. Deve-se dizer "a manga da camisa esta estragada"e nlio "a manga esta estragada", para que a comunica91io seja eficaz.Enquanto que, na expressiio artistica, sucede o inverso: as ambigtii-dades e as multiplas possibilidades de sentido sao desejadas. Quanta

33. Cf. Rubem ALv ~ . 0 enigma da religiiio, p. 57-58.

85

 

mais sentidos pos'sibiliterri uma obra, lnais plena ela sera. No dizerde Umberto Eco, a obra de arte e "aberta" . Aberta para que oespectador complete o seu sentido. "Nesse sentido, o. autor produz

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 45/67

uma forma acabada em si, desejando que a forma em questao sejacompreendida e frufda tal como a produziu; todavia, no ato dereac;ao a teia dos estimulos e de compreensao de suas relac;oes, cadafruidor traz uma situac;ao existencial concreta, uma sensibilidadeparticularmente condicionada, uma determinada cultura, gostos, ten-dencias, preconceitos pessoais, de modo que a compreensao da formaoriginaria se verifjca segundo uma determinada p e r p e ~ t i v a individual.No fundo, a forma toma-se esteticamente valida na medida em quepode ser vista e compreendida segundo multiplices perspectivas, mani-festando riqueza de aspectos e ressonancias, sem jamais deixar deser ela propria (urn sinal de transito, ao inves, s6 pode ser encaradode maneira unica e inequfvoca, e se for transfigurado por algumainterpretac;ao fantasiosa deixa de ser aquele sinal com aquelesignificado especffico)." sot .

Uma obra de arte pode indicar uma determinada direc;ao 'aosmeus sentimentos - por exemplo: alegria, tristeza, angustia, etc.Porem, a maneira de viver este sentimento (o seu como) e dada por

mim. Frente a um drama, no cinema, todos podem "entristecer-se";porem, a qualidade dessa tristeza e unica (e incomunicavel) para

cada espectador. Cada um a viven1 segundo sua situac;ao existencial,com os meandros e minucias dos sentimentos que lhe sao pr6prios.Neste sentido e que o espectador completa a obra: vivendo-a segundoas suas peculiaridades. "0 espectador nao e somente a testemunhaque consagra a obra, ele e, a sua maneira, o executante que arealiza; o objeto estetico tem necessidade do espectador para apare-cer." sG Assim, a multiplicidade de sentidos que a obra de artedescortina faz-nos continuamente urn convite: para que nos deixemosconduzir pelos intrincados caminhos dos sentimentos, onde habitamnovas e vibrantes possibilidades de nos sentirmos e de nos conhe-cermos como humanos.

34. Umberto ECO, Obra aberta, p. 40.35. Mikel DUFRENNE, Estetica e filosofia, p. 82.

86

9 ~ j i f ~ O J V COMO A ARTE EDUCA?

£ preciso. . . rejeitar o inodelo falsamente universal · de umacompreensiio de tipo intelectualista, que consiste num encadea-mento de conceitos e que passa pelo filtro da linguagem, eintroduzir a ideia de uma compreensiio corporal e afetiva, fundadasobre analogias pessoalmente sentidas. Compreender com o pr6priocorpo tanto quanto com o espirito, eis uma situa!riio original, quecoloi:a problemas novos para a pedagogia. (Michel Tardy, 0

professor e as imagens, p. 93-94.)

£ preciso compreender que a evolu!riiO estetica ~ i i o s ~ refereapenas e necessariamente a arte; refere-se tambc;:m a ~ ~ t e g r a !riiO mais intensa. e p r o f u n d ~ do p e ~ s a m e n t ~ , do s e ~ t i . D _ l e n t o .e da percep!riiO. Pode, ass1m, susc1tar mator s e n s t b t ~ d ~ d e em face da existencia e, portanto, converter-se no ob]etlvoprincipal da educa!riiO. (Lowenfeld e Brittain, Desenvolyi-mento da capacidade criadora, p. 398.)

Onde palavra e som se combinam e soa o canto, aarte se revela, e cad a cfuitico e cada livro, cad aimagem, e uma descobe_rta - uma milesima tentativade cumprimento da vida una. ·

(Hermann Hesse)

1. Algumas Palavras Sobre o Ato da C r i a ~ Antes de se considerar a importancia da arte na f o r ~ a c ; ~ o do

humano, convem dirigir nossa atenc;ao para o ato da cnac;a?.. ~ praticamente automatica a associac;ao que se f_az entre arte e cn.atzvz-

dade: um fenomeno acaba sempre por conduzrr-nos ao outro. Con:ono capitulo anterior ocupamo-nos da discussao em tomo da expressaoartistica, antes de seguirmos adiante eaconselhavel que nos d e t e n h a ~ o s urn pouco no processo criador. Porem, : n t ~ n ~ e ~ d c : - o de, ~ a n e u a ma.is abrangente do que apenas em relac;ao a cnac;ao arhshca. 0

87

 

vocabulo criatividade e urn neologismo forjado ba bern pouco tempo,e que ainda nao recebeu - por parte de fil6sofos e psic6Iogos -uma d e f i n i ~ a o precisa. Querendo significar a capacidade para produzirnovas ideias e objetos, sob o conceito criatividade abrigam-se umaserie de processos e fatores psicol6gicos, que sao interatuantes e

importante: a de que o ihdlviduo c r i a d o ~ e justamente aguele quedirige sua atencao a seus sentimentos, para depois expressa-Ios por

ttl· meio de sfmbolos e de novas relacoes simb6licas.Portanto, .o ata q iador e essencialmente urn processo pre-simb6li

. CO, ou urP-yerhal. Esta ideia e defendida tambem or diversos outros

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 46/67

interdependentes. Nas palavras de George F. Kneller: 1 "Definidocomo processo mental o tenno na realidade significa urn grupo decapacidades relacionadas, como fluencia, originalidade e flexibilidade.( . . . ) Somente porque essas capacidades, ou a maioria delas, costumamagir em conjuntq, embora diferindo quanto ao grau, e que se tomajustificavel grupa-los sob um unico termo." Alem disso, existemdiferentes pontos de vista, ou diferentes fatores, a partir dos quais sepode analisar o c o n c e i ~ o . "As d e f i n i ~ o e s corretas de criatividadepertencem a guatro categorias, ao que parece. El!i.pode ser considerada~ do ponto de vista da pessoa que cria. isto e, em termos de fisiologi.ae temperamento, inclusive atitudes p e s ~ o a i s , habitos e valores. Pode~ tambem ser explanada por meio dos processos mentajs ~ · m o t i v a ~ a o , p e r c e p ~ a o , aprendizado, pensamento e c o m u n i c a ~ a o - que o ~ t o

t) de criar mobiliza. Uma tercejra defini<;ao focaliza intluencias ambientais e culturais. Finalm.ente, a criatividade pode ser entendida em~ ) f u n c a o de seus produtos, como teorias, i n v e n ~ o e s , pinturas, .esculturas

· e poemas." 2 · .

Todavja, nosso intuito aqui e buscar uin sentido geral para o

prcicesso· criador, de . modo a abranger e fundamentar todas e ~ s a s outra.s c o n s i d e r a ~ o e s parciais do feiiomeno. ·Em primeiro Iugar.guer-nos parecer que a criatividade se assenta sobre formas de pensa-

. mento distintas do pensamento rotineiro. Enquanto este se guiaatraves de s1mbolos e conexoes ja estabelecidas, o pensamentocriador procura estabelecer novas r e l a ~ o e s simb6Iicas. Procura conec-

~ \. tar simbolos e ·experiencias gue, anteriormente,. nao apresentavam· guaisguer relacoes entre si. ·0 que se deve ilotar, no en anto, e

que o pensamento criador nao aproxima pura e simplesmente simbolosdiversos, num jogo de ensaio e errci. Antes, a relacao se da

~ } p r o m o r d i a l m e n t e atraves dos .significados seritidos,.ou dos sentimentos.Para o criador as l i g a ~ o e s ocorrem, inicialmente, num nivel pre-sim-

b61ico, vivencial. Num·segundo momenta e que ele busca expressartais r e l a ~ o e s , encontrando s1mbolos que possam traduzi-las. Lembre-mo-nos da afinnal(ao d @ n d l i n ~ e que na metafora 3 o significado

l ~ sentido precede a compreensao 16gica da rela<;ao; ou seja: depoisde aproximados dois s ~ n t i m e n t o s e que compreendemos a r e l a ~ a o simb61ica que os representa. E ainda outra a f i n n a ~ a o do autor e

1. Arte e ciencia da criatividade, p. 22 .2. Ibid:, p. 15 .3. Todo conhecimento, de certa forma, e·metaf6rico.

1't<oPO . ~ ~ UJtt/.5 ( s : f f '/1114 7 / t A / 1 / S h " K . f , . ; t : . ~ ' A t J ~ t i A / ~ J l t A t l ~ # lAili! J.u .-fNPt'rO ..s€111,/A/77Co ~ A/AD e' J ~ o O.l!JJFTO_

f tJf B-A Ll€..¥f'ew"', c q v ~ .$€ / v N ~ A , Y € / 1 / / ' ; > Q /l lv"/A /U'c...ft;A'o

.) € S C t i . / ~ L f # h ! / { A 5U/3EA/TE/V'I:RDI4 ENT.etF ~ S€/1/Tl .<JD

p , e o ~ £ . / 0 fF 0 P!'t:zP.e/940.

estudiosos, como por exempl ~ t e i n e rthur Koestle . 0 primeiroencara a rcriasa0 comoj{Rfoduto e uma mtmcaol', que indepenoe

~ t - · k? dos sfmbolos e caminhos 16gicos. 4 Enquanto Koestler . desenvolveusua teoria da c o m b a ~ e num P! ocesso_que ele denominouo ~ ~ : e r o c e s s o , n t e s . experiencias, que aparente-:Il!_ente nao e ~ s u ~ ~ x , ~ e _mesclam, para produzir uma noyar e l a ~ a o ~ Diz. Kneller, 5 ao referir-se a Koestler: "Sua tese central·afirma "gue todos os processos criadores participam de urn padraocomum. por ele ·chamado bissocia(tio. que consiste na conexao de ·

~ ~ niveis de experiencia ou sistemas de referenda. No pensamentocriador a pessoa pensa simultaneamente em mais de urn plano deexperiencia, ao passo gue·no pensamento rotineiro ela segue caminhosusados por anterior associacao." Koestler t r a ~ a ainda uma d i f e r e n ~ a entre a c r i a ~ a o na ciencia e a c r i a ~ a o artistica. Na primeira asexperiencias e sentimentos se fundem; numa sfntese, ao passo quenasegunda o que ocorre e a i ~ a l ! ! E . ~ de@.§. "Na ciencia asmatrizes de pensamento bissoGiadas f u n a e m : m nova s(ntese,·quepor sua vez leva a mais altas sfnteses. Na ai:te ·os pianos de

experiencia nao se fundem, mas ficam justaposfos.. Por isso a artee etema. Os padroes .fundamentais da experiencia humana saoexpressos de novo em cada epoca e cultura, em seu pi6prio idioma." 6

_Q_pensamento Cfiador. ass jm. nutre-se fundamentalmente d ps

signjficados sentjdos. isto e. da<welas experjencias nao sjmbolizadas. encontrando-lhes conexoes gue. posteriormente. sao t r a n s f o r . m a d a ~

.em sfmbolos (yerbajs. 16gicos ou artfstjcos). Outros autores distinguemtambem o pensamento rotineiro do criador, atraves de outras denomi-n a ~ o e s . Como po· exemplo ~ que fala do pensamento quebusca a ur otineiro) e 0 que bu_§gt 0 crescimento (0

:\ criador); e ainda o e que identifica a ,atitude defensiva com o1' ~ · e samento ro · eir at'tude · Tambem

M que se citar Guilford que forjou as expressoes pensamentoc _ ~ n v e r g e n t e , p ~ r a o rotineiro, e pensamento divergerzte, para qc;.riw. 7 COinenta Landesheere: 8 "Diante de um problema a

Uesolver, o pens amen o convergente se acantona escrupulosamente

4. Vide a primeira eplgrafe do capitulo anterior.5. Op. cit., p. 56.6. Ibid., p. 58.

• 7. Ibid.8. Apud Alain BEAUDOT, A . criatividade na escola, p. 19.

89

 

\

nos dados fornecidos inicialmente; aprofunda-se, deduz com prudenciae rigor; sem se arriscar, fica entre os trilhos e chega a uma s?1uc;aoque, freqtientemente, nao e original, mas a p r e s e ~ t a . garantias _de

solidez. E a inteligencia do homem disciplinado, rotmetro, e tambem

ou urn certo re-arranjo (parcial ou total) de nosso esquema conceitual.Quando aprendemos algo, estamos, de certa forma, criando-lhe urnasignificacao, com base em nossas vivencias e conceitos. Quando, porexemplo, o indivfduo aprende que .a agua ferve. a 100°C, este _fato

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 47/67

I; a do burgues circunspecto, do aluno-modelo, do contador p e ~ e i t o , do diretor de empresa 'solido como rocha' ( .. . ) A essencta doRensamento divergente reside na capacidade de produzir formas novas,de conjugar elementos habitualmente considerados independentes oudiscordantes. E, se se quer assim dizer, a faculdade criadora, aimaginac;ao, a fantasia ." Desta maneira, como substrata da criatividade,

do pensamento divergente, encontra-se a imaginac;ao. Atraves deste1 • .t. conceito pode-se englobar ~ s d i v e ~ s a s c _ o n s i ~ e r a 9 6 e s a c ~ r c a dos_ proce_s-",_J)iY- sos envolvidos no ato de cnar. A tmagmac;ao dtz respetto aartlcula<;aoi t . ~ ~ \ t " Y dos sentimentos, a sua transformac;ao em imagens e ao encontro de

\ . 1 ' ~ sfmbolos que expressem esses processos e resultados. . _'[ Convem agora, antes de continuarmos, tentar uma arhculac;ao

entre n prgcesso cr jador e a ato de conbecjmentg bumano Este ato,r1 I\ " ~ . ,,Crl - como ja se notou, depende das estruturas p r ~ s e n t e s no repert?no .do indivfduo. Todo novo conceito e apreendtdo por ele a parttr de

12 ~ . suas vivenGias e de seu universo simb6lico. Segundo a afirmac;ao de

· Rubem Alves o ato de conhecer e, na realidade, urn r e c o n h e c e r ~ o novo a d q u i r ~ urn nome e urn sentido ao ser comparado e relacionado

aos conhecimentos anteriores. Por exemplo: somente aprendo quea maquina a minha frente e urn "cortador de papel'' (guilpotina)por ja saber o que e "papel'' e o que e o "ato de cortar" . Por issoBube.r assinala que o· relacionamento EU-ISSO - o r ~ l a c t ~ m a m e n ! o pratico com o mundo - e vivido no passado. 9 Isto e: mmha ac;aopresente depende de meu esquema de valores e significac;oes adquiridosanteriormente. Cada novo conhecimento se-acrescenta a este esquema,reorganizando-o (em maior ou menor g r a ~ ) nurna ~ o v a c o n f i ~ u r a c ; a o , nurna nova Gestalt. Assim como, ao se ]agar mats uma bolinha devidro num recipiente onde existem outras, ha uma movimentac;ao euma alterac;ao da estrutura, 0 novo conceito adquirido promove urnareorganizac;ao dos ja existentes. ·Deeendendo dq peso, do t a ~ a n h o e da forc;a com que e atirada a nova bolinha, a reestruturac;ao do

todo sera maior ou menor; envolvera urna movimentac;ao total ouparcial das bolinhas. Da mesma forma, dependendo da abrangenciae da valorac;ao dadas ao novo conhecimento, seu impacto sabre oesquema anterior implicara uma maior ou menor reorganizac;ao .

' . · !,L p Japiassu, 10 c ~ t a n d o Piaget," afirma q ~ e " c o ~ p r e e n _ ? ~ ( deve ~ e ~ IJ 1 entendido como "mventar" ou reconstrmr por mvenc;ao . Ou_ se1a.1.1· • todo ato de conhecimento, no fundo, envolve uma certa cnafaO,

9. Eu e tu, p. 15.10. 0 mito da neutralidade cienti/ica, p. 150.

adquire urn sentido dentro de seu quadro concettual (e ' : a l ~ r ~ h v ~ ; o fato em si- a ebulic;ao da agua a 100°C - ganha urna stgniftcac;aorelativamente aos demais significados presentes em sua estruturacognitiva. Citemos outro exemplo. Aprender a distinguir as cobrasvenenosas das nao-venenosas ira adquirir urn determinado sentidopara o habitante da cidade e outro para quem vive no campo. Tal

conhecimento sera valorado e recebera urn significado de acordocom o esquema interpretativo (do meio) de cada urn deles. Por issono ato de conhecer esta envolvida uma certa cr jas;iio: a crjaciio d ~ urn "Iugar" para o novo conhecimento na estrutura c o ~ ~ i t i v a a n t e r i r ; ~

e. criacao de condic6es para que 0 novo possa ser utthzado a ~ c ~ sobre 9 mund9. E este talvez seja o ponto crucial com re ac;ao aaprendizagem significativa. Ela envolve a articula<;ao ~ o noyo como ja existente; envolve a criac;ao de urn s e n t i d ~ para ~ ' aprend_tdo,_ e!?func;ao do ja conhecido. Enquanto qu_e na stmples memonzac;ao ,isto e no ato de "decorar", o novo conceito niio se articula aos, . . .anteriores niio se integra a "visao de mundo" do su]etto; e, ass1m,por nao ~ e c e b e r urna significac;ao e urna valorac;iio, e rapidaniente

esquecido. Para que a aprendizagem e o conhecimento se deem enecessaria, portanto, este pequeno ato criativo: a constituic;iio de urn

\~ \ ~ sentido e ~ e um "Iugar" para o novo conceito, a partir dos conheci-

mentos anteriores. .Voltemos acriatividade e a imaginac;iio. Como ja .se assinalou,

a imaginac;:ao e o substrata do processo criador e, conseqiientemente,o trac;:o fundamental do hurnano. Por ela o homem se desprende douniverso meramente ffsico para criar o mundo dos valores e dossignificados. "0 QUe jmporta e s i m ~ l e s m : n ~ e constatar que at_ravesda iwaeinacao o homem transcende a fachctdade bruta da reahdade

f

3A Que e imediatamente dada e atirma que 9 que e nao d ~ v e r i a ser. e· ' 9 que ainda niio e devera ser." 11 Atraves dela c n a ~ o s . n o ~ ~ s

relac;oes entre simbolos, novas teorias, poemas, quadros, lets, < ; t e n ~ f t -

cas, etc., bern como situamos nossa ac;ao no tempo futur?. Asstm,de modo a projetar minha aciio futura, conforme ela va1 se desen-·volver, tenho de me situar, na minha fantasia. nurn tempo ~ ~ t u r o 1 3 - ~ · quando a axiio ja tera sido r;alizada, quando, o a ~ ~ resultante Ja terasido materializado." 12 Porem, como tambem Ja se comentou, aimaginacao tern sido negada por diversas correntes f i l o s 6 f i ~ a s _e

a?J I cientfficas gue, miopemente, niio a veem como fonte de toda cnacao

11. Rubem ALVES, 0 enigma da religiiio, p. 20.·12. Alfred SCHUTZ, Fenomeno/ogia e r e l a ~ o e s sociais, p. 139.

91

 

e conhecimento humanos, mas como urn t r o p e ~ o no Hverdadeiro"caminho da razao. HA existencia da imagem mental foi, por muitotempo, con'siderada um escandalo ontol6gico, e a i m a g i n a ~ a o , pratica-mente, nunca deixou de ser alvo das p e r s e g u i ~ 6 e s das antropologias

Porque sem ela nao haveria Jesus ou Marx. Sem a i m a g i n a ~ a o (e aa ~ a o transformadora sobre o mundo, que ela implica) -nao haveriao homem.

9 ato da criacao e, entao, um ato proibido no mundo c i v i ~ i z a d o 3, 9 tecgocratico. Apenas a c r i a ~ a o de novas fo:mads de amphar os

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 48/67

departamentais. Nao podendo elimina-la de fato, eliminam-na de

direito, encurralando-a numa especie de .'reserva' suspeita." 18 ·

· Pela im.aginacao o homem se afirma como urn rebelde. Urn3. rebelde que nega o existente e prop6e o que ajnda nao exjste. E,

assim, " . . . a rebeldia e a p r e s s u p o s i ~ a o basica de qualquer a o

criativo. Ao ordenar e plantar urn jardim,· nos rebelamos c o n t r ~ aaridez .da natureza. Ao lutar contra a enfermidade nos rebelamoscontra o sofrimento. Dizemos uma palavra de alento porque nos

\ rebelamos contra a solidao. Aceitamos a p e r s e g u i ~ a o por causa de- uma razao justa porque nos rebelamos contra a opressao e a i n j u s t i ~ a .

} Os animais nao podem rebelar-se. Precisamente por isso, tampouco{\ podem ser criadores. Somente o que diz seu 'nao' as coisas como

sao, mostra o desejo de sofrer pela c r i a ~ a o do novo. 0 mundo da

C<Ultura seria literalmente impensavel, se nao fosse pelos atos de

rebeldia de todos aqueles que fizeram algo para construf-la". 14 0 atoda c r i a ~ a o e profundamente subversivo: visa alterar a ordem (ou adesordem) existente para imprimir urn novo sentido. Visa transformar -aquilo que enaquilo que a i n ~ a nao e, tal como o deseja a i m a g i n a ~ a o .

Po r isso a imaginac;ao deve ser eliminada. Deve ser banida,de acordo com todos agueles que desejam permanecer com suas

J. 'verdades imutaveis e seus-lucros garantidos. 0 racionalismo de nossac i v i l i z a ~ a o olha com maus olhos tudo o q ~ e possa alterar suas basesestabelecidas, tudo o que possa propor uma nova ordem, distinta da

atual. A i m a g i n a ~ a o deve, pois, ser negada; negada . inclusive pelafilosofia e pela ciencia, que sao-lhe frutos diretos. "A criatividade,sem duvida, e urn ato proibido. A o r g a n i z a ~ a o de nosso mundo e

\ essencialmente esteril e odeia tudo que possa constituir urna sementede r e g e n e r a ~ a o . A nova vida fica fora dos limites de seu e s p a ~ o e

n.lf se op6e as regras dessa o r g a n i z a ~ a o : em conseqiiencia o. ato criativo(}-1 ou criador se desenvolve quase totalmente na clandestinidade." 16 0

criador e urn rebelde: em geral nao se adaptaa

nossa "bancaria"e d u c a ~ a o , a mecanica o r g a n i z a ~ a o de nosso . trabalho e as leis queregem nossa c i v i l i z a ~ a o . P·orque quer o novo. 0 novo que sua ·i m a g i n a ~ a o gera e que o racionalismo c o a r t a ~ 0 mundo novo ondeo homem possa, livremente, criar. 0 mundo onde a i m a g i n a ~ a o seja, ela propria, o fundamento das r e l a ~ 6 e s . Sem ela, nem Jesusproporia seu "ordo amoris", nem Marx a sua sociedade sem classes.

'13. Michel TARDY, 0 professor e as imagens, P- 16.14. Rubem ALVES, Hijos del manana, p. 149-150.15. Ibid., p. 85.

I* :i-i'VI. . l l . k l ' l t i ~ l ~ I I O . S T I ! k - 1 ~ 1 t ' R . l ? ~ i r l . l 1-)biR,

92

j.. -

seus domfnios e bern aceita; somente a p r o d u ~ a o o que possa seconverter em lucro e assimilada. Estes sao OS limites impastos acriatividade. "No mundo da tecnocraeia o discurso normal e saudavele o discurso tecnico. Fora dele ja c o m e ~ a m o s a entrar no mundo dodesvio. Nao e de se espantar, portanto, que os pais encarem com

\p r e o c u p a ~ a o

a 'decisao' pouco' s e n s a t ~ ' , ' i ~ e a l i s t a ' - ~

'r_omantica' do· . filho que se decide a estudar arte, ftlosofla eu C1enc1as humanas.A} Num mundo regido pelos mecanjsmos de p r o d u ~ a o e consumo, que~ \ fazer com um conhecimento que em nada contribui para a produ9ao •

de sapatos mais fortes e desodorantes mais eficazes?" 16 0 que fazercom a i m a g i n a ~ a o , senao torna-la sinonimo de Hilusao"? "Voce es:aimaginando coisas" significa que se cometeu urn erro de p e r c e p ~ a o ou, pior, que se esta ficando louco. lmaginar e nao se_ a t e ~ ascoisas "como elas sao", de acordo com o pensamento rac10nal1Sta..Contudo, as coisas sao da maneira como as descrevem nossosprocessos simb61icos, nossa linguagem. E nossa linguagem desen-volve-se, ela mesma, em intima a s s o c i a ~ a o com a i m a g i n a ~ a o . Comodiz Gaston Bachelard: 17 "Sempre, imaginar sera mais que viver''.

2 _ A Arte e o Adulto

Atraves da i m a g i n a ~ a o o homem constr6i o seu mundo: suafilosofia sua ciencia, sua arte, sua religiao. Na filosofia e na cienciaa i m a g i ~ a ~ a o se autodisciplina, criando nornias para qu_e - ~ razaopossa produzir de maneira mais eficaz. Enquanto na rehgtao e naarte a i m a g i n a ~ a o salta o muro que separa o plausfvel do imponde-ravel, para afirmar 0 que nao e acessfvel a discursividade da linguageme da razao. Para criar e compreender o universo nao acessfvel aossimbolos Iingiifsticos e ao pensamento conceitual. 18 A arte e, primor-dialmente, a c o n c r e t i z a ~ a o dos sentimentos (nao acessfveis a lingua-

gem) em formas expressivas. Pela arte o bomem explora aquela

16. Rubem ALVES, Religiao e enfer.midade, in: I. F. Regis de MORAIS(org.), C o n s t r u ~ i i o social da enfermidade, p. 37.

17 _ A poetica do e s p a ~ o . p. 76. '18. Esta d i s t i n ~ a o , contudo, tende a cair p or terr a quall;do se pensa na

matematica (a de Euclides, a de Riemann ou a de Lobachevskt), ~ u e trabalhacom conceitos como o infinito, ou o e s p a ~ o de "n" dimensoes. E amda quandose pensa na fisica moderna, que rompe com a l i n e a r i d a ~ e da l i n ~ a g e m ~ e darazao), trabalhando com ideias e constantes como: a_med1da do r01o do zmzversoou a r e l a r i v i z a ~ i i o do tempo em f u n ~ i i o da ve/oc,dade.

93

 

regHio anterior ao pensamento, ondt< se da seu encontro primeirocom o mundo. A forma discursi:va da linguagem toma este encontroe o fragmenta em conceitos e relac;oes. "A forma nao-discursiva. na

arte tern uma func;ao diferente, a saber, articular conhecimentos quenao podem ser expressos discursivamente porque ela se refere a

nossos sentimentos, no momenta, divergiam muito d a q ~ e l e s aliconcretizados, impedindo-nos uma fruic;ao mais completa. 21

Assim, ao objetivar sentimentos a arte permite ao e s p e c t a d ~ r uma melhor compreensao de si proprio - dos padroes e da natureza

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 49/67

experiencias que nao sao formalmente acessiveis aprojec;ao di.scursiva.Tais experiencias sao os ritmos da vida, orgfmica, emocional e mental(o ritmo da atenc;ao 6 urn elo interessante entre todos eles), que naosao simplesmente peri6dicos, mas infinitamente complexos e sensiveisa todo tipo de influencia. Juntos eles compoem o padrao dinamico

do,sentir. :£ esse padrao que apenas as formas simb6licllsn a o - d i s , c ~ r -

·sivas podem apresentar, e esse 6 o ponto fundamental e o propos1toda constrw;:ao artistica." 19 · .

Esta e entaO, a primeira fuQcao cognitiva. ou pedag6gica. daarte· apresentar-nos eyentos pert jnentes a esfera dos septjmentos,

:.que nao sao acessiyejs ao pensamepto djscursjyo Atray6s da a® ·~ • somas leyados a conhecer nossas experiencias vividas. que escapam

a !jpearidade da Unguagem, Quando, na experiencia est6tica, meussentimentos entram em consonancia (ou sao despertados) par aquelesconcretizados na obra, minha atenc;ao se focaliza naquilo que sinto.A 16gica da linguagem 6 suspensa, e eu vivo meus sentimentos, .semtentar "traduzi-los" em palavras. Como diz Susanne Langer: 20 "Tao

logo as formas naturais da experiencia subjetiva sejam abstraidasao ponto da apresentac;ao simb6lica, podemos utilizar essas f<;>rmas

para imaginar os sentimentos e entender-lhe a natureza. 0 autoconhe-cimento, a introvisao de todas as fases da vida e da mente, surge daimaginac;ao artistica. Eis ai o valor cognitivo das artes." Portanto,

1

ao encontrar Simbolos que permitem "visualizar" (no sentido de }"objetivar") nossos sentimentos, sua compreensao toma-se mais facil, / !e o conhecimento se estende a regioes inacessiveis a,o pensamento i /discursivo.

0 conhecimento dos pr6prios sentimentos que a arte ppssibilitapode ainda ser ampliado, na medida ·em que 6 possivel repetir-se aexperiencia frente a ela. Podemos voltar a uma obra e explorar ossentimentos que ela desperta, segundo direc;oes diferentes e emdiferentes momentos de nossa vida. Freqiientemente retorna-se aocinema, a uma exposic;ao, a urn concerto, para sentir-se novamentecertas vivencias que. a obra permitiu, bern como para se descobriremaspectos nao percebidos na pririleira vez. :£ freqiiente tamb6m voltar-sea urn trabalho artistico porque na experiencia anterior nao se estavacom o "espirito adequado" para senti-lo p!enamente. Quer dizer:

19. Susanne K. LANGER, Sentimento e forma, p. 249-25!),20. Ensaios filos6ficos, p. 89.

94

dos seus sentimentos, "Isso esta de acordo com a importanciaintelectual e, efetivamente, biol6gica da arte: somos impelidos asimbolizac;ao e articulac;ao do sentimento quando temos de compreen-de-lo a fim de nos m a n t ~ r m o s · orientados na sociedade e nanatureza." 22 0 conhecimento humano visa sempre a orientac;aoda ac;ao, para que esta se de de maneira eficaz. Como vivemos

num universo nao apenas fisico, mas tamb6m simb6lico, comovivemos uma vida nao apenas racional, mas fundamentalmenteemocional, a arte se destaca como importante instrumento para a

A compreensao e organizac;ao de nossas ac;oes. Por permitir a famiUa-ridade com nossos pr6prios sentimentos, que sao basicos para se

f agir no mundo.--!-!-....."" Durante a experiencia est6tica equilibram-se as faculdades" intelectivas e emocionais. Diversamente da experiencia cotidiana,r.. rotineira, nao e mais 0 intelecto que orienta a percepc;ao, em. func;ao

de uma a gao pratica, mas sim ha o equilibria·entre razao, sentimentose imaginac;ao. Nas palavras de Mikel Dufrenne: 23 "De certo modo oobjeto belo, aqui, 6 apenas ocasiao do prazer; a causa do prazer

reside em mim, no acordo da imaginac;ao com o intelecto; isto 6,das duas faculdades que todo encontro do objeto poe em jogo;mas, enquanto no jufzo de conhecimento o intelecto govema aimaginac;ao, na experiencia est6tica a imaginac;ao 6 livre, e o queexperimentamos 6 o livre jogq das faculdades e da sua harmoniamais do que a sua hierarquia." Na experiencia est6tica a imaginac;aoamplia os Umites que lhe impoe cotidianamente a intelecc;ao, ganhandouma certa autonomia de ac;ao. Por6m, tal autonomia nao significaurn livre vagar pelos campos do imagimirio; antes, a imaginac;aosegue o nrmo que a obra lhe da, ampliando-o entao livremente.Dufrenne comenta este fato com relac;ao a experiencia bente apoesia, mas ele pode ser generalizado para a experiencia frente aqualquer objeto est6tico; diz o autor: "Por6m, a imagina<_;;ao nao 6nada mais do que o poder de reaUzar a linguagem; nao cria urnimaginario; realiza a obra, vivificando a percepc;ao ·exigida por essa.( . . . ) Contudo, podemos constatar aqui que a imaginac;ao nao 6

21 . 0 mesmo fato pode ser evidenciado no ato de escolher urn discopara se ouvir, dentre todos aqueles que gostamos: a escolha, em geral, epautada pelo nosso "estado de espirito" - buscamos o que melhor concretiza,na ocasiao, aquilo que estamos sentindo. ·

22 . Susanne K. LANGER, Sentimento e forma, p. 262.23 . Estetica e filosofia , p, 40.

95

 

verdadeiramente um fa to do leitor, · um fa o principal, pois, em vezde produzir a seu bel-prazer ou vagar a vontade, ela se destina aconhecer: ela esta a s e r v i ~ o da percep9ao, quando o percebido (;

expressivo.Efetjyamente o que a inspjra e que em troca. e!a desdobra,

i entao, podem ser desenvolvidos e educados os sentimentos? Da

mesma forma que o pensamento 16gico, racional, se aprimora coma utiliza9ao constante de simbolos 16gicos, os sentimentos se refinampela convivencia com os Siinbolos da arte. 0 trabalho desenvolvidoa t r a v ~ s de simbolos 16gicos, que conduzem a altos graus de a b s t r a ~ a o ,

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 50/67

e 0 sentjmento., 24 Este e. en ao. 0 segundo fa or pedag6gico da

2. arte· a qgiliza¢;o fia jmdagina¢ of. a s u a h l i b ~ r t a c _ a o dAat j ~ a o d u e open[amento rotmmo,e cer t aorma,e 1mpoe. raves a artea imagina9ao pode realizar sua potencialidade, criando sentidos funda-dos nos sentimentos, desdobrando e detalhando-os. Por isso a arte e

tambem um fator de descoberta: por ela a i m a g i n a ~ a o descobre ecria elementos ate entao insuspeitados na maneira de nos sentirmosno mundo; com ela colocamo-nos em posi<;ao similar a da ·crian9a,para quem a descoberta de novas eventos e motivo de prazer efantasia. 0 que leva o poeta (Oswald de Andrade) a considerar:"Aprendi com meu filho de dez anos 1 Que a poesia e a ·desco-berta I Das coisas que nunca vi."

Numa civiliza<;ao onde cada vez sao mais estreitos os espa<;osdestinados a imagina<;ao, onde 0 racionalismo elegeu 0 "i:ealismo"como norma de a<;ao, e onde ate mesmo o prazer deve ser comprado, 25

a arte pode constituir-se num elemento libertador. Justamente pornegar a supremacia do conhecimento exato, quantificavel, em favor

da 16gica do cora<;ao. Por guardar em si urn convite para que aimagina9ao atue, em favor da vida dos sentimentos. "No .estadoestetico, nossa alma apreende no objeto (alem das qualidades susceti- ·veis de determina<;ao conceitual) qualidades psfquicas e, quandoas vivenciamos concretamente, nossa alma se expande por cima da

-

2f esfera real de sua !uta com o mundo exterior, ate urn ser imaginativo,livre e flutuante." 2o

1 ~ 1. Ate aqui c d o n ~ i d e r ~ m o : estes doihs f ~ t o r e s pdedag6gicos da . arte:

4o a 1vre atua<;ao a 1magma9ao e o con ec1mento os nossos sentJmen-3 tos, que ela possibilita. H.a que se considerar, por outro lado, que

a arte nao apenas permite gue conhecamos nossos sentimentos, mas' ; tambem propicia o seu desenvolvimento. a sua educaciio - fato

• este a ser assinalado como o tecceiro fator educatiyo da arte. C o m ~ ,

24. Mikel DUFRENNE, 0 poetico, p. 108.25 . Rubem ALYES chama o "realismo" - o peosamento que ere

apenas na verdade "objetiva" dos simbolos numericos - de "ideologia doabsurdo". lsso, por ele negar a propria i m a g i o a ~ a o como criadora das normasda objetividade, da ciencia. E demonst ra ainda que tal ideologia, para mantero predominio do racionalismo, para manter o lucro em perpetua expansiio,tem que tornar vendaveis as mais elementares fontes do prazer huinano. ·Cf . Hijos del maiiana.

26 . Eduard SPRANGER, citado por Herbert READ, Educaci6n por elarte, p. 47.

96

.!

I,.

perm1te que, pela crescente familiaridade com tais simbolos o pensa-mento se agilize e se acure. Igualmente, o cantata com' obras dea;te conduz a familiaridade com os Simbolos do sentimento, propi-ciando o seu desenvolvimento. "A maioria das pessoas anda taoimbufda da i d ~ e i ~ de que o sentimento e uma amorfa excita<;a o,

totalmente o r ~ a n 1 c a , em homens como em animais, que a ideia deeducar o sentlmento, de desenvolver-lhe o raio de a<;ao e a qualidadese lhes a ~ g ~ r a fantastica, senao absurda. De minha parte, c r e i ~ que constltm realmente o proprio cerne da educa<;ao pessoal." 21

Quanta maior e o contato com a arte, maior a bagagem Simb6licapara "representar" e, conseqtientemente, compreender as minucias dosentimento. Ao saber como expressar, ou saber onde (em quaisobras) encontrar expressos os meus sentimentos, possuo urn guiaseguro para desvela-los e entende-Ios.

"0 treinamento artistico e, portanto, a educa<;ao do sentimento,da mesma maneira como nossa e d u c a ~ a o escolar normal em materias ·fatuais e habilidades 16gicas, tais como o 'calculo' matematico ou a

simples argumenta9aO ( . . . ) e a educa<;ao do pensamento. Poucaspessoas percebem que a verdadeira educa<;ao da e m o ~ a o nao e 0

'condicionamento' efetuado pela aprova<;ao e d e s a p r o v a ~ a o sociais,mas o contato tacito, pessoal, iluminador, com simbolos de senti-n : t e ~ t o . " = ~ s Deve-se no ar aqui a ocorrencia de urn processo dialetico,stmilar ao que se verifica nos dominios da linguagem e da cultura.0 homem u t i l ! z ~ a linguagem para ordenar e significar o mundo,mas ela condiCiona sua percep9ao e seu pensamento. E aindaconstruindo a cultura, o homem e por ela constituido. Tal f a t ~ ocorre tambem no dominio artistico: atraves da arte chegamos ac o n h e c ~ r nossos sentimentos, mas ela amolda-os (educa-os) segundo .dete;mi_?ados pa.dr?es e c6digos Simb6Iicos. Os padroes de nossosenhr sao determmados pela nossa epoca, cultura e, fundamentalmente,pela arte ali produzida. Por ela chegamos a conhecer n.ossos senti-

t~ e n t o s , mas esse conhecimento e regido pelos c6digos esteticosv1gentes em nosso tempo e em nosso meio. Voltaremos ao assuntologo adiante. '" q Anteriormente haviamos assinalado que a obra de arte e "aberta"1- querendo significar que o sentido expresso por ela se c o m p l e t ~

4 atraves da atua<;ao do espectador. Ou seja: a obra de arte, nao

27. Susanne K. LANGER, Ensaios /ilos6/icos, p. 90.28 . Tdem, Sentimento e forma, p. 416-417.

97

 

transmitindo urn significado explicito, mas expressando urn campogeral de sentidos, possibilita ao espectador a sua "compreensao"

( f r u i ~ a o ) segundo os seus pr6prios sentimentos. A partir deste fatopodemos vir a considerar o quarto elemento educacional da arte.Na experiencia estetica a imaginacao toma os sentimentos propostos

seu inclui tudo aquila de que a humanidade, como urn todo, ecapaz. A arte e o meio indispensavel para esta uniao do individuocom o todo; reflete a infinita capacidade humana para a asssociac;ao,para a c i r c u l a ~ a o de experiencias e ideias." :to Assim, a arte pode

( possihjljtM o acesso dos sentimentos a situac6es distantes de nosso

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 51/67

pela obra, ampliando-os e combinando-os em novas modalidades dosentir. Porem, ha que se considerar tambem os processos oco rrentesap6s a experiencia estetica, quando se retorna a dimensao pratica da

\ vida. ao "mundo do Isso" (Buber). Neste momenta, ao retomar' su a prevalencia, o pensamento conceitual e discursivo pode tomar

a experiencia vivida frente a obra como seu objeto. Isto e: pode-sepensar naquilo que se experienciou, encontrando agora sentidos esignjficados conceituais para o experienciado. :£ evidente que opensamento nao ira " traduzir" em simbolos verbais (palavras) oconteudo vivido, mas sim podera encontrar-lhe correspondencias na

vida cotidiana. Quer dizer: estabelecem-se paralelos entre aquilo que

a obra nos despertou e determinadas situac;6es ja conhecidas. Comen-tando a proposta de teatro de Bertolt Brecht, diz Ernst Fischer: 20

"A obra de arte deve apoderar-se da plateia na o atraves da identifi-cac;ao passiva, mas atraves de urn apelo a razao que requeira a ~ a o edecisao. As normas que fixam as relac;6es entre os homens ha o deser tratadas no drama como 'temporarias e imperfeitas', de maneira

que o espectador seja levado a pensar no curso da pec;a e incitado a

formular um julgamento, afinal, quanta ao que viu . . . " Portanto, senum primeiro momenta a experiencia estetica e "pre-reflexiva", depois

i ela se torna urn objeto para a .reflexao. Depois ela se converte em

material para que se amp ie ·a compreensao do mundo no qual

4 estamos, por possibilitar o inter-relacionamento e a c o m p a r a ~ a o de

j_ventos. Completa-se, entao, a dialetica do conhecimento, entre o

que e sentido e 0 que e pensado.1 , A quinat vertente pedag6gica da arte diz respeito a oportunidade• ' que ela nos fornece para sentir e vivenciar aquila que, de uma5 forma ou de outra, e-nos impossivel experienciar na vida cotidiana.

E isto e a base para que se possa compreender as experiencias vividaspor outros homens. Quando, no cinema, sinto as e m o ~ 6 e s do

alpinista, quando, no teatro, sinto o drama dos migrantes, ou aindafrente a tela de Goya, sinto o horror em face do pelotao de fuzilamento,descubro meus sentimentos frente a situac;6es (ainda) nao vividas po rmim, que nao me sao acessiveis no meu dia-a-dia. "0 desejo do

homem de se desenvolver e completar indica que ele e mais que urnindivfduo. Sente que s6 pode atingir a plenitude se se apoderardas experiencias alheias que potencialmente lhe c o n c e r n ~ m , quepoderiam ser dele. E o que o homem sente como potenctalmente

29. A necessidade da arte, p. 15 (grifos nossos) .

98

~ J • o t a n o . for jando em n6s as bases para que se possa com preende-las.Nesse sentido sao significativos os versos do poeta (Carlos Drummond

5f de Andrade), ao referir-se a seu oficio: "Tenho apenas duas maos I eo sentimento do mundo . . . "

-1 ' Ate aqui consideraram-se as dimensoes educacionais da arte com

respeito ao indivfduo , sem, no entanto, inseri-lo no contexto cultural6 a que pertence. Cabe-nos, pois, analisar suas potencialidades peda-g6gicas a partir do fato de que tanto o artista como o espectadorsao membros de uma dada cultura e se situam num determinadoperiodo hist6rico. Cada cultura possui uma forma pr6pria de sentir:urn determinado sentimento basico, comum a todos os seus membros;tal sentimento caracteriza o que ·chamamos de "personalidade debase" ou "personalid ade cultural". E ainda, as culturas "civilizadas"sao hist6ricas, ou seja, modificam-se no tempo, alterando seus senti-mentos, sentidos e c o n s t r u ~ 6 e s . Pois hem: neste contexto, a arte

caracteriza-se por exprimir - em r e l a ~ a o as questoes da existenciahumana - os sentimentos da cultura e da epoca em que foi

produzida. Aquilo que se nomeia como o "estilo" de urn. !ado

periodo hist6rico, nada mais e que a u t i l i z a ~ a o de determmadasformas de expressao, ou de determinados c6digos, pautados no"sentimento da epoca". "0 c6digo e, em si mesmo, urn fenomenode cultura, e nao s6 quando e formulado e, atraves disso, institucio-nalizado, mas porque exprime certo estado da pratica e da conscienciaestetica em determinado momenta da hist6ria. Este fenomeno estasujeito a sociologia da arte, tal como a entende Francastel: para aconsciencia de uma epoca estabelecem-se correspondencias entre asdiversas mensagens e, mais geraJmente ainda, entre as artes, asciencias, as ideologias; ha urn estilo ou uma linguagem da epoca quee mais ou menos confusamente comunicada a todos os contempo-raneos e que define; em suma, uma civilizac;ao e a personalidade de

base que a vive." ;n

, ' ' Atraves da arte expressa-se a p r o d u ~ a o de urn a epoca e deuma cultura. As diversas modalidades do significado, ou os diversos

campos do conhecimento - c i e n t f f i c ~ , f i l o s 6 f i ~ o , . r ~ l i g o s o , e ~ t e t i c ? - mesclam-se na constituic;ao do "estJlo" que e vtv1do pelos mdtvJ-duos. Desta maneira, " . . . oda forma artistica P.Ode perfeitamenteser encarada , senao como o substituto do conhecimento cientifico,

30. Ernst FISHER, op. cit., p. 13.31. Mikel DUFRENNE, Estetica e fi/osofia, p. 13l; t'32.

99

 

como metafora epistemologica: isso significa que, em cada seculo,o modo pelo qual as formas da arte se estruturam reflete - aguisa desimilitude, de metaforizac;ao, resoiuc;ao, justamente, do conceito emfigura - o modo pelo qual a ciencia ou, seja como for, a culturada epoca veem a realidade". 32

I

I .

1<--tomam-se urn excelente meio de acesso a "visao de mundo" deoutros povos. 0 que podemos considerar_ com.Q._Q setimo elemen to.educatiyo da arte.

' . Porem, ha que se ressaltar que, dada sua (quase) universalidade,a arte tem-se mostrado como urn meio eficaz para a invasao cultural.

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 52/67

Tais considerac;oes levam-nos a depreender o significado culturalda educac;ao que a arte propicia - o sexto fator, em nossa seqUencia.Ao manter-se em contato com a producao artfstica de seu tempo e

6sua cultura 0 indivfduo vivencia 0 "sentimento da epoca", isto e,particTpad a quela_fptma d e ~ urn a seus. n t m p o ? - s . Urn problema fundamental em nossas culturas pobssem1cas e JUSta-mente a dificuldade de se conseguir, entre os inumeros sentidos,uma visao do todo cultural. A arte pode, entao, vir a fomecer asbases (a nfvel do sentimento) para que esta visao seja conseguida.Conhecendo a arte de meu tempo e cultura, adquiro os fundamentosque me permitem uma concomitante compreensao do sentido vividoaqui e agora. E roais: conhecendo a arte preterita da cultura onde

6vivo, posso vir a compreender as transformac;oes operadas no seu

tmodo de sentir e entender a vida ao Iongo da hist6ria, ate osroeus dias.~ Em termos interculturais a a ~ t e tambem a p ~ e s e n t a urn ! m p ~ r -

7 tante elemento pedag6gico. Na medtda em que nose d::do expenen.ctar

a .produc;ao artfstica de outras culturas, a compreensao dos senttdosalienfgenas toma-se mais facil. Isso porque, atraves da arte, pode-se .participar dos elementos do sentimento que fundam a cultura estran-geira em questao, 0 que e 0 primeiro passo para q ~ e (a p a r ~ i ~ denossa "visao de roundo") se interpretem os seus sentldos exphc1tos.Os Sfmbolos artfsticos, especialmente ap6s o advento de nossa " ~ r a das comunicac;oes", vern se constituindo em express6es mais ou menosuniversais do sentimento. Ou seja: atraves deles as barreiras daslinguas diferentes vao se rompendo, permitindo-nos o acesso diretoao sentir de outros povos. Afirmamos que tais Simbolos sao "maisou menos" universais porque, nao se pode esquecer, tambem elessao forjados a partir de vivencias culturais pr6prias, e nero sempre

sao acessfveis a outras culturas.Por

exeroplo: para o ouvido ocidentale alga diflcil apreender e sentir OS padroes musicais do oriente(estabelecidos sobre escalas e harmonias diferentes), ja que nossossentimentos, em termos musicais, foram educados sob estruturasradicalmente distintas. E diffcil que nossos sentimentos encontrem,na musica tipicamente oriental, Sfmbolos que lhes sejam expressivos.Todavia, como em nossa civilizac;ao vern existindo uma certa cQrx:.es-

'7 P.Ondencia en tre os SfmbolQ.s o s das diversas culturas, eles

32. Umberto ECO, Obra aberta, p. 54-55.

100

Atraves dela torna-se mais facil moldar os sentirnentos da culturainvadida, para que sinta e interprete o mundo segundo_ os p a ~ ~ o e s dos invasores. Quando urn povo abandona seus padroes esteticosem favor de padroes estrangeiros - brotados de condic;?es diversasde vida - deixa de sentir com clareza. Perde-se em SIIDbolos que

nao lhe sio totalmente expressivos, acabando por produzir umaarte amorfa, inexpressiva e sem vida. Acabando por produzir umaarte que corrompe seus pr6prios sentimentos, ocultando-os, mais quedesvelando-os. Nas palavras de Susanne Langer, 113

" ••• a educac;aoartfstica e a educac;ao do sentimento, e uma sociedade que a negli-gencia se entrega a emoc;ao amorfa. Ma arte e corrupc;ao do senti-

1 menta. Este e urn importante fator do irracionalismo que OS ditadores

f e os demagogos exploram".

T Por fim como oitavo fator pedag6gico da arte, fleve-se consideraro elemento 'ut6pico envolvido na criac;ao .a r t i s t i c ~ . A. utopia d ~ z

g sempre respeito aproposic;ao daquilo que (amda) n ~ o ex1ste. C o n ~ t l -tui-se em elemento importante dentro de uma soc1edade pa medtda

em que significa urn projeto, urn desejo de t r a n s f o r m a c ; a ~ , quepermite dirigir o olhar dos outros ~ a r a d i r e c ; o e ~ ate e ~ t a o i n s ~ s p ~ I t a d a s . "Neste sentido a utopia tern emmente func;ao soctal. Nao e merodesejo, nero mero sonho, nero mera visao p r o ~ ~ t i c a , mas urn fatorde transformac;ao social. Permite comec;ar urn d1alogo com os outrospara refletir a realidade. E, a ~ s i m , uma , m ~ n e i r a de p r e p a ~ a r _ aopiniao publica para certas reahdades posstve1s. Forma de cnac;ao,e tambem urna forma de reflexao e de planificac;ao." 3-l Ou seja:"a grande missao da Utopia e abrir Iugar para o possfvel, emcontraposic;ao a aquiescencia passiva ao estado atual dos assuntoshumanos." 35 Ao propor outras "realidades" possfveis, a arte permiteque, alem de se despertar para sentidos diversos, se perceba o qua.o

distante (ou nao) se encontra nossa sociedade de urn estado ma1sequilibrado e harmonioso (mais estetico). Parafraseando Ezra Pound,pode-se afirmar que OS artistas sao as antenas da civilizac;ao. Isto e:sao eles que captam aquila que esta por vir, que esta na iminenciade acontecer, expressando-o em suas obras. Assim, a arte pode

8 de.s,pertar para o que_.gode ser construido._ para urn ~ 33. Ensaios filos6ficos, p. 90.34. A. D. SALVADOR, Cultura e e d u c a ~ i i o brasileiras, p. 163.35. Ernst CASSIRER, Antropologia filos6fica. p. 105.

101

 

futuro, para urn a uto pia. Po s, no dizer de Lamartine, ."as u t o Q . i . _ ~ s sao v ~ r a d r e m a t u r a s " .

3 . A Arte e a C r i a n ~ a

emocional, para sua crescente c o n s c i e n t i z a ~ a o social e para seudesenvolvimento criador." a7 -

::..D Ao produzir formas artisticas, fundem-se os processos de pensa7

mento, os processos emocionais e perceptuais infantis, numa sintese-gue confere· ao trabalho este carater de @ esr<!fqo- ) Ainda nao

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 53/67

As c o n s i d e r a ~ o e s ate aqui t r a ~ a d a s , a respeito das possibilidadeseducativas da arte, aplicam-se mais especificamente ao adulto,enquanto espectador e fruidor de objetos esteticos. Para a c r i a n ~ a ,

o _Qrincfpio_ da adolescencia (por volta de 12 ou 13 anos), aarte reveste-se de caniter urn tanto diverso, que precisamos especificar.

0 ponto fundamental dessa d i f e r e n ~ a reside no fa to de que, paraela, a arte se constifui muito maisnuma atividade, num fazer, do

que num objeto a ser fruido.._A arte tem-lhe importancia na medida .' § _que cq_nsfitui uma 09a0 significativa, OU significante, e OaO p o r ~ proporcionar-lhe oportunidades para a xperiencia estetica. A ativida-de artfstica, no rnundo infantil, adquire caracteristicas h1dicas, isto e;tern 0 sentido do jogo, em que a a ~ a o ern si e mais significanteque o produto final conseguido. "Entr etant o a arte tern sido tradicio-nalmente interpretada, sobretudo em r e l a ~ a o aestetica, e este conceitolimitou, em alguns casos, a oportunidade da arte ser usada emsentido mais amplo. Na e d u c a ~ a o artfstica o produto final estasubordinado ao metodo criador. 0 importante e 0 processo dac r i a n ~ a

- o seu pensamento, os seus sentimentos, as suasp e r c e p ~ o e s ,

em suma, as suas r e a ~ o e s ao seu ambiente." aa Portanto, nao sepode encarar a arte infantil sob o prisma da estetica, ou seja, do ·ponto de vista da e r o d u ~ a o de objetos belos e harmoniosos. Antes,e preciso considerar ·o produto em r e l a ~ a o ao caminho percorrido ~ IIa'" sua e l a b o ! ' _ a ~ a o ; em r e l a ~ a o a atividade significante e_expressiva _que lhe deu origem.~ : m pri e· ar a atividade a r t f s t i c a ~ i a n ! t a apre_enta 9 ( /l)

I ~ e n t i d o d r g q n i f E £ _ de_suas experieiiCias. Desenhando, pintando, ~ - esculpindo, Jogan o pape1s r a 1c , _ ., a c r i a n ~ a se ec16naos

aspectos de suas experiencias que ela ve como importantes, articulan-oo-os e integrando-os num todo significativo. Assim, ela busca umsentido geral para sua existencia, percebendo o seu "eu" como urn

' todo integrado e relacionado a seu ambiente. "Para ela, a arte emais do que urn passatempo; e uma comunica!tao significativa consigo0 mesma, e a s e l e ~ a o daqueles aspectos do seu meio com que ela seidentifica, e a o r g a l ) i z a ~ a o desses aspectos em urn novo e significativotodo. A arte e importante para a crian!ta. ~ importante para seusprocessos de pensamento, para seu desenvolvimento perceptual e

36. V. LOWENFELD & W. L. BRITTAIN, Desenvolvimento da capaci·dade criadora, p. 19 .

102

totalmente "educada" para esta c i v i l i z a ~ a o que separa o intelecto do

sentimento, a crian!ta pode encontrar na atividade artistica uma~ o r m a de ·resistencia a essa cisao. Nao sendo a arte produto somente ·do "pensamento" (como determinadas "materias" que insistem emIhe "ensinar"), nem apenas urn extravasamento emocional (como seu

choro diante de uma frustra!tii.O qualquer), ela permite a crian!ta avivencia de seu "eu" como resul tado de uma integra!tao, mais doque uma s e p a r a ~ a o entre aspectos aparentemente distintos. .

Perrnitindo a c r i a n ~ a uma o r g a n i z a ~ a o de suas ex eriencias, aarte possibilita-lhe cOii.seqUe'ntemente ,-uma maior autocom reensao'"Atraves de seu trabalho ela pode, de certa forma, ver-se "de foni",ja que existe (em maior ou menor grau) uma i d e n t i f i c a ~ a o sua comaquilo que ela produz. ~ freqi.iente, inclusive, a propria c r i a n ~ a aparecer retratada em sua obra, quando essa i d e n t i f i c a ~ a o a l c a n ~ a ograu mais elevado. Este fato tern importantes conseqi.iencias noque diz respeito as rela!tOeS sociais que ela mantem em seu meio.Porque, ao exprimir-se, a c r i a n ~ a se interessa por que outros vejamo seu trabalho. :§m geral ela sente prazer em mostrar aquilo queproduz; quando isso n a ~ ocorre - quando a c r i a n ~ a procura esconder_  sua arte - e sinal de que se sente insegura em suas r e l a ~ o e s , de que sente medo em s ~ ~ o r . N!L.Ealavras de Lowenfeld eBrittain: all "0 processo artfstico, em si mesmo, proporciona urnmeio de desenvolvimento social. Em certa escala o termo auto-

expressao pode ter c o n o t a ~ o e s limitadoras, visto que a expressao do eu,numa folha de papel, tambem significa a analise desta expressao.Esse exame do trabalho e das ideias da propria pessoa e o primeiropasso na c o m u n i c a ~ a o desses pensamentos, dessas ideias a outrem.~ arte tern sido freqi.ientemente considerada urn meio _primordial .dec o m u n i c a ~ a o e, como tal, converte-se em expressao m11is social doque pessoaJ. 0 desenho [ e outros produtos artfsticos, acrescentariamos

nos] pode, assim, tornar-se uma a 1 1 1 l J 1 ~ a ' ( ) ( ! o eu n<J'ifiliirdO darealidade, porquanto c o m e ~ a b r a n g e r outros na_al}alise do materialtematico. Esse sentimento de consciencia social e o- inicio da·compreensaode urn mundo mais amplo, de que a c r i a n ~ a passoue fazer parte."

· ~ Esses tres fatores envolvidos na atividade artfstica da c r i a n ~ a £?) ~ a o r g a n i z a ~ a o de suas experiencias, a autocompreensao e o

37. V. LOWENFELD & W. L. BRITIAIN, op. cit., p. 19.38. I bid., p. 44·45.

103

 

relacionamento com outros por meio de seu trabalho - sao funda-, i i i e n r~ para a o e c t m e n t o Te uaisque!:_Q"!:_O"gramaseduGacionais .1 atraves da arte. Quando, na atividade artistica, a c r i a n ~ a organiza

suas experiencias es e c ompreende, ela esta cria,zdo urn sentido para-i sua vida, a partir de seu meio e dos materiais de que dispoe. . 0'-'"que significa uma atividade livre, independente, contraria a s i t u a ~ a o

~ J C \ !

c . r · - , . V? YJI t o.fi:b. .&

r X Y : ~ Ao afirmarmo; .g_ue nossos_ padr6es esteticos na..Q tern sentidoV ... para a c r i a n ~ . nao estamos querendo dizer com isto que seja

irrelevante auxilia-la a desenvolver uma consciencia estetica. Pelo~ o n l f i o . ~ u a atividade artistica e urn fator a l t a ~ e n t e importantepara que esta consciencia se desenvolva. Apenas deve-se entender

ue "consci6ncia estetica" tern- urnSignificado muito- mais am Elo do

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 54/67

de i m p o s i ~ a o de sentidos da e d u c a ~ a o "bancari a". E de se notar,contudo, que mesmo eni t mos arflsficosa e d u c a ~ a o impositivav e ~ se fazendo presente. e faz resente uando o adulto procura

~ ' ~ c o r r i g i r " ou ' o r i e n t a r " a p r o d u ~ a o da c r i a n ~ a . "E 6bv10 que a

correcao dos desenhos [ e de oufros trabalhos]~ u

ai m p o s i ~ a o d e .

~ t ~ m i n a d a s exigencias a c r i a n ~ a , as quais naqa significam para ela,nao S e r v e r n a p r ~ p o s i t ~ ~ U r n e,_pelo COntrario, ·P.Odem_esta'b.eleceL_urn padriio de dependencia do_ adulto;: 89 A o J l r ~ t e n d e L r r j g i ~ S>rientar o trabalhQ infantil, estamos apenas impondo os nossosa d r 6 e s e valores. E, o que e pior, imP£!!dO os nossos d J : Q ~ steticos ~ e nao tem, para a c r i a n ~ a , o menor significado. _

Voltamos a afirmar que esta e uma diferenca radical entre osentido da arte para o adulto e para a c r i a n ~ a : para ela a arte niiotern um va!!!!:.jstetico.- ISto -e: SUa expressao ~ _pauta em -dete!P!!nadas regras ou codigos, d o a_produc;ao de obras bern -acabadas e harmoniosas. Antes de produzir belos objetos, seutrabalho visa a c o m u n i c a ~ a o (prTnc1paime nte conSigo mesma)-e ar g a o i z a ~ a o de seu mundo. Nao tern s e n t i d o , portanto, a a n a l i ~ e d a ~

arte infantil com base em fatores esteticos, bern·como e irrelevante ·p . ! Q P . o r c i o n a ~ (ate 12 ou 13 anos) um a i f ! s t r u ~ i i o a respeito do_

0 artistico. ~ ~ s trabalhos apresentam determinados sinaisde i n a d e q u a ~ a o a ua faixa etaria, ou a determinados aspectos da vida,n! o ~ a eles que devemos voltar nossa a t e n ~ a o ! . -mas a pr6pria vida

I da i a n ~ a : como estao se dando suas r e l a ~ 6 e s com ' 0 mundo, seus\ . s ~ ! . ! _ t i d o s e sentimentos. "Na opiniao de Lansing, o trabalho dePiaget demonstra que nada resulta de born para a c r i a n ~ a quandose criticam seus desenhos ou outras formas visuais por ela produzidas·se e importante mudar a forma de urn trabalho artistico, r e a l i z a d ~ por um jovem, entao devemos tentar primeiro alterar os seus

conceitos."40

9 maximo que 0 adulto pode proporcionar a crianc;a,m termos de sua p r o d u ~ a o - artistica, e uma o r i e n t a ~ a o quanta ao_!;!SO e emprego de materiais, bern como fornecer-lhe os instrumentos.que se adequem as caracteristicas de sua faixa etaria. 41

39. V. LOWENFELD & W. L. BRITIAIN, op. cit., p. 50 (grifosnossos).

40 . .Jbid, p. 60.41. Nao podernos nos propor aqui a discutir as caracteristicas de cada

fase do desenvolvirnento infantil e os rnateriais e tecnicas rnais adequados acada urna, por ser assunto algo especifico. A obra citada de Lowenfeld eBrittain constitui urn born guia a esse respeito.

104

g _ u ~ a s i m p l ~ a p r e c i a c ; a o da ai te:-EtaCoii:ipreenoe]Ust'imente·atitude mais harmoniosa e egullibrada perante_o m u n d o ~ em que os _~ r o s , a razao e a i m a g i & a < L s e integram.;_em._que_os sentido.se valores dados a vida sao as.sumidos no agir cotidian.o JCompreende

uma afitude onde nao existe "distancia entrei n t e n ~ a o

e gesto",segundo o verso de Chico Buarque e Ruy Guerra. "A conscienciaestetica faz parte do padrao de desenvolvimento total das c r i a n ~ a s . Nao e a i m p o s i ~ a o de normas, de regras exteriores a c r i a n ~ a , mas,sim, o desenvolvimento de sua capacidade intima de discriminar e

e r . (FJ?clezaeaigoque muda atraves de cada c u l t u r ~ e aoportunidade de os jovens expressarem seus sent1mentos e suas0

.- m o ~ 6 e s sobre_ as _ c o i s _ a ~ ~ u n d a n t e s a - s e mais essencial . - -ue o oesenvolvimento do gosto de acordo com ps padroes atuais. 4ll

Assim, consciencia estetica signific1;1, em nossa atual civilizac;ao(pro ndamente antiestetica), a ~ u ~ e uma visaq gl_gbal d'O sentidpda existencia; um sentido pesso al, criado a .eartir de nossos sentimentos(stgmficadossen tidos) e de nossa compreensao (racional, 16gica) Q.o_

mundo onde vivemos. Significa uma capacidade de escolha, umacapacidCide - critica para nao apenas submeter-se a imposic;ao devalores ·e sentidos, . ~ ~ r a seleciona-los e recria-los segundo nossas i t u a ~ a o e x i s t e n c i ~ Definitivamente, " . . . o que e necessano ao· esenvolvimento da consciencia estetica nao e a a p r e c i a ~ a o dedeterminado quadro ou objeto, nem, necessariamente, o ensino decertos valores adultos ou de urn vocabutario para descrever obrasde arte. A consciencia estetica sera mais bern ensinada atraves doaumento da c o n s c i e n t i z a ~ a o pela c r i a n ~ a do seu proprio eu e demaior sensibilidade ao proprio meio". 4a

0 contato da crianc;a com obras de arte produzidas por outrosnao lhe e totalmente irrelevante: apenas nao se constitui no cerne

do desenvolvimento de sua consciencia estetica. Esta, como vimos,depende muito mais da sua a t u a ~ i i o , da expressiio de seu "'eu" nac o n s t r u ~ a o de trabalhos significantes, do que da contemplac;ao deobjetos esteticos. Sem duvida o contato da crianc;a com obras de artepode contrib:uir para o seu desenvolvimento, mas tais obras nao ternde servir-lhe de modelos ou proporcionar c o m ~ a r a c ; o e s com aquilo

42. V. Q . W E N F E L D & W. L. _}!E.UT.J\lli, op. cit. ,' p. 397 (grifosnossos). '

43 . Ibid., p. 397-398.I ~

R , I(j fL"'7 J• / . , • ~ , ~ II 105

I

(__() I I I 0 ~ t : -0 t: ?

 

que ela produz. Porque a arte produzida pelo adulto apresentafins e parametros distintos da arte infantil. Enquanto a arte adulta

~ i s a . a c o n c ~ ~ t i z a 9 l i o de s e ~ t i m e ~ t o s , segundo determinadas regras ec 6 d 1 ~ o s estehcos, ~ r t m f a n t ! ! _ n l i o se paufa po r padr6es a eta

e x t e n o ~ e _ e . Nela, 1 a n 9 a se exprime a ~ e acordo com seus p r o c e ~ supoe uma integra9ao harmonica entre o saber e o agir, entre osentir e o pensar.

Com base em tais considera96es, surgiu entao o movimentodenominado "Educa9lio Atraves da Arte", tendo Herbert Read comourn de seus pioneiros. Em sua obra, de 1943, ele exp6e osfundamentos de sua vislio de e d u c a ~ ; a o , afirmando: "Deve compreen-

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 55/67

ae Sentlr, pensar e p e r c e b e SaO !VerSOS dOS proceSSOS adultOSe sofiem uma y ~ 9 l i o e eyolu9li0 segundo seu crescimento. Mesmo a ·compara9li0 de seu trabalho com o trabalho de outras crian9as lhee nociva. A atitude ainda freqiiente de se promovereru concursos de

arte infantil, Onde sao premiados OS "melhores" trabalhos e urn

6timo exemplo dessa perniciosidade. Porque, ao dizer q ~ a l e ot r a ~ ~ l h o :·melhor", o adulto o faz com base em seus padr6ese s t e h ~ o s , 1mpondo-os, de certa forma, as demais crian9as. As nlioprem1adas - pelo pr6prio carater de identifica9lio de seu "eu"

com sua arte - freqiientemente sentem-se rejeitadas, e passam atentar imitar e copiar as obras premiadas, com o intuito de agradaros adultos. Tais :oncursos nada mais sao do que uma sutil imposi9liode valores, pr6pna dos processes "bancarios" de educa9lio. A arteinfantil precisa ser respeitada e compreendida na propria medida em

que constitui a extensao de seu "eu" e a organizaQlio de suas rela96esCOm 0 mundo, e nao na pr0p0r9li0 em que visa a confec9li0 de

" ~ l a s " obras. -

-- felo que ja se discutiu a respeito da educac;:lio, esta, em si,ta vez nao se trate mais do que o desenvolvimento da consciencia -estetica. En tendida como l;l1l1 erocesso em __gue se leva o educando a." -

qiar_urn sentido pessoal para sua vida, a partir da analise, critica ·~ selexlio.jos sentidos veiculados em sua cultura, pela_ educa9lio~ c a - s e JUStamente a ha'!!!onia ~ t r e o sentir, o pensar e o agir.Ou se1a: busca-se o_ aesen:ffilvimento de uma vi<!_a equilibrada -

~ estetica, portanto. Esta maneira de encarar a educaQliO nao 6 urnl enomeno recente. Pode-se dizer que ela tern seus prim6rdios jano Emilio, de Rousseau, e ainda quando, em 1804, Herbart pubHcasua obra intitulada Sobre a revelafiiO estetica do mundo como aprincipal obra da educafiio. Porem, com a crescente industrializa9li0,com a cisao mais e mais entre a intelec9lio e os sentimentos, a

educa9li0 institucionalizada voltou-se para o simples treino de habili-dades intelectuais e a produ9lio de mlio-de-obra. "Em grande escala,nosso sistema educacional esta engrenado para uma unica fase do

desenvolvimento: a da evolu9liO intelectual. Aqui, a aprendizagem emuito tacit de medir, mas isto equivale a definiT aprendizagem numaacep9li0 muito estreita. b aprendizagem olio significa, meramente,~ E ~ ~ a 9 l i o de conhecimentos; tamoem- implica uma compreenslio2e como esses conhecimentos podem ser utilizados." 44 Aprendizagem

44 . V. LOWENFELD & W. L. BRITAIN, op. cit., p. 27.

106

der-se desde 0 come<;o que 0 que tenho presente nao e simplesmentea 'educa9li0 artistica' como tal, que deveria denominar-se maisapropriadamente e d u c a ~ ; a o visual ou plastica: a teoria que enunciareiabarca todos os modes de expressao individual, liteniria e poetica

(verbal) nlio menos que musical ou auditiva, e forma urn enfoqueintegral da realidade que deveria denominar-se e d u c a ~ ; a o estetica,a e d u c a ~ ; a o desses sentidos sobre os quais se fundam a consciencia e,em ultima instancia, a inteligencia e o julzo do indivlduo humano.Somente na meciida em que esses sentidos estabelecem uma rela<;lioharmoniosa e habitual com o mundo exterior, se constr6i umapersonalidade integrada." 4r. Quando se pensa, entlio, na dimensiio

estetica da educOfiiO, isto nlio quer significar meramente o treinoartfstico como tal. Antes, pretende dizer respeito ao desenvolvimentoda capacidade critica e criadora do homem. Significa muito a diferen9aentre a imposi9ao de valores e sentidos aos quais o educando devaadaptar-se, e o auxilh1-lo a descobrir e criar seus pr6prios valorese ignificados. _--

---1!11  . , ":Ha escolas que, incluindo a Arte no curricula, pensam que 1estao resolvendo o problenra'""ilo desenvolvimento- criativo- do -aluncr, ·descarregando sobre a Arte 1oda a responsabilidade da educa9aocriativa, que deveria ser uma decorrencia da fun<;lio globalizadoraEa escola _e, portanto, responsabilidade de todas as disciplinas e de .todos os professores, e mesmo de toda a a d m i n i s t r a ~ ; a o escolar." 46

i' Nao 6 simplesmente tornando a arte uma disciplina curricular, como)1~ tantas outras, que a e d u c a ~ ; a o institucional se voltara para o desenvol-

~ vimento integral e mais harmonica dos educandos. Nero e nossainten<;ao afirmar que sobre a arte repousam todas as solu<;6es para

_ \ os problemas criados por nossa cindida civiliza<;ao e sua e d u c a ~ ; a o impositiva. Apenas queremos crer que a arte e urn fator importante

na vida humana, na medida em que permite o acesso a dimens6esnao reveladas pela 16gica e pelo pensamento discursive. Na medidaem que, atraves dela, se opera a educa9ao dos sentimentos, auxiliando,dialeticamente, na educa9ao do pensamento 16gico.

A arte supoe basicamente a atua<;ao da imagina<;ao - nucleoda capacidadecriiidora do homem. Capacidade esta que vern se

45. Herbert READ, Educaci6n por el arte, p. 33.46. Ana Mae T. B. BARBOSA, Teoria e pratica da e d u c a ~ i i o artfstica,

p. 89.

107

 

tornando i m E r e s ~ i n < ! _ ! v e l numa civil_!zac;:ao organizada sobre funda:mentos racionalistas e 9Ee, Q.2! isso mesJ!!.O, se revela cada yezmais irracional e desumana. Como afirma Rubem Alves, 47 "a menosque abandonemo i a logicadominante desta presente ordem de coisase nos fac;:amos criadores, nunca viveremos o bastante para ver ofuturo. . Estaremos condenados a extinc;:ao". A extinc;:ao decretada

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 56/67

pelo dominio impassive! da l6gica racionalista sobre a 16gica docorac;:ao.

47 . Hijos del ma1iana, p. 120.

108

CAPlTULO V

BREVE VISAO DA ARTE NO ENSINO BRASILEIRO

Quando as artes se tornam privilegio das classes ricas e a rnad i s t r i b u i ~ a o das riquezas coloca massas miseriiveis em face daselites altamente cultas, as artes perdem o seu cariiter libertadorpara passarem a ser elemento de d i s s o c i a ~ a o e incompreensaoentre os grupos de uma nacionalidade. (Alceu Amoroso Lima,Problemas de estetica, p. 47.)

Tendo-se os programas de Arte ou desenho das escolas eobservando-se suas aulas, c o m e ~ a m o s a acreditar que objetivo

e uma coisa para ficar no·papel, refletindo uma influenciade leituras superficiais e a transcri9lio de uma linguagemdifundida por alguns pioneiros e cunhada pelo publico comomoderna, e que e importante aceitar e veicular, para semostrar atualizado. (Ana Mae T. B. Barbosa, Teoria epr6tica da e d u c a ~ i i o artistica, p. 85.)

Conta a fatalidade do primeiro branco aportando edominando diplomaticamente as selvas selvagens. Ci-tando Virgilio para tupiniquins. 0 Bacharel. (Oswaldde Andrade.)

.I:. impossivel, num pequeno capitulo como este, pretender-seuma visao completa e abrangente da posic;:ao que a arte ocupou e

tern ocupado no ensino brasileiro. Nossa proposta, aqui, visa exclusi-vamente a apresentac;:ao de determinadas linhas gerais, hist6ricas efilos6ficas, que vern norteando a educac;:ao oficial brasileira, especial-mente em termos a r t i s t i ~ o s . Urn sem-numero de detalhes e particula-ridades deverao, for<;osamente, ser revelados, em virtude de suaespecificidade e de sua nao pertinencia no presente contexto. 0elemento-chave a guiar nossas considerac;:6es sera a visao da culturabrasileira como urn todo, o que, em si, e altamente problematico.Problematico na medida em que nossa cultura carece ainda de

contomos bern definidos e definidores, e tambem na proporc;:ao em

109

 

que apresenta, em seu interior, d i f e r e n ~ a s regionais marcantes, especial-mente em termos economicos. Porem, urn enfoque global nao etarefa impossfvel, e deve ser procurado, a bern de uma compreensaodos valores e sentidos gerais que vern regendo nossa vida enquanton a ~ a o .

Primeiramente deve-se considerar as origens coloniais brasileiras,

i m p o ~ t a < ; a o da cultura europeia sempre atendeu aos interesses doc o l o n ~ a d o r e da classe dominante, na medida em que impedia ofloresc•mento de valores e sentidos brotados da vida aqui vivida.Note-se, tambem, que o fascfnio pela cultura europeia continuou aexercer g r a ~ d e i n ~ l u e n c i a : o b ~ e n o s s ~ ~ elites pensantes e dirigentes,mesmo a ~ o s a m d ~ p e n d e n c 1 a . Alias, pode-se dizer que ela se

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 57/67

a fim de que se entenda o processo formativo da cultura nacional.Neste sentido deve-se notar que, desde o descobri mento, Portugalvia no Brasil uma especie de "despensa", on de seu unico interesseera a retirada de riquezas e materias-primas. Nunca houve, por

parte dos portugueses, o intuitode

desenvolverou

deixar que aquise desenvolvesse urna cultura com caracterfsticas pr6prias. A incipientevida cultural do Brasil-colonia nada mais era que urn apendice, uma

extensao mais pobre da cultura europeia. A c r i a ~ a o de uma culturagenuinamente brasileira, com valores e sentidos pr6prios, era perigosaaos interesses portugueses, pois acabaria levando a colonia a tornar-seindependente. Era entao necessaria que se proibisse aqui a p r o u ~ a o e a c i r c u l a ~ a o de ideias originais, proibindo-se a p u b l i c a ~ a o de jornaise livros. Bern como era necessaria - para manter a dependencia -vetar a manufatura e a produ<;ao de bens, que deveriam ser adquiridosda metr6pole. Conseqiientemente, nossa cultura originou-se atravesde urn transplante da cultura portuguesa: pensavam-se e viviam-se osva lores e sentidos europeus, que pouco tinham a ver com as condi<;oes

reais da terra. .Nossa intelectualidade e nossas elites dirigentes, assim, forma- ·

vam-se exclusivamente a partir de sentidos oriundos de uma culturabern distante e distinta daquela que os escravos e as classes subalternasiam aqui tentando forjar. Nestes termos, nossa realidade nunca seconstituiu em materia de reflexao mais acurada, ja que os problemascolocados as elites derivavam sempre de sistemas de pensamentodesenvolvidos em tomo da vida europeia. Cavava-se urn fosso entreos valores da classe dirigente e aqueles brotados de condi<;6es especi-ficamente locais. Nas palavras de Roberto Gomes: "0 desapego da

realidade em volta, a falta de identidade com o povo e a preocupa<;aoincestuosa com uma distinta e idealizada Europa, fizeram com que

as elites polfticas, atraves de seus representantes intelectuais ecuidando de seus interesses, ficassem inteiramente alheias a umarealidade brasileira. Pois a elite brasileira sempre teve horror aoque a ci rcundava.

"0 resultado concreto foi a importa<;ao, pelas elites dominantes,de modelos politicos, economicos e educacionais, inteiramene estra-nhos as nossas condi<;oes e aquilo que somos e viemos a ser. Naotao estranhos, p o r ~ , ·aos interesses dessas el ites." 1 Portanto, a

I . Crltica da raziio tupiniquim, p. 45-46.

I I 0

_ , estende ate nossos dtas, o que tern impedido a constitui<;ao de urnpensamento tipicamente nacional, ou de uma "razao tupiniquim",c o ~ o quer o b e r : o Gomes. 0 colonizador portugues queria veraqUt a contmua<;ao de sua Europa - li<;ao transmitida a seusdescendentes que, mesmo sem conhece-la, continuaram a sonhar comela. ~ o r isso Chico Buarque e Ruy Guerra colocam, na boca docolomzador, os. versos: ''Ai, .esta terra ainda vai cumprir seu ideal 1Ainda vai tornar-se um imenso Portugal."

A partir deste contexto de transplante cultural e que se deveentender as raizes hist6ricas de nosso sistema educacional. Pois, "naoconstando do projeto dos colonizadores a inten<;ao de desenvolveruma cultura nacional, tambem nao estava no pensamento dos educa-dores a implanta<;ao de urn sistema educacional que respondesse asnecessidades nacionais". ~ Atraves do ensino, os va lores e sentidoso r i g i ~ a r i ? s da Europa eram transmitidos aqueles que aqui nasciam,contnbumdo para que a realidade em volta fosse desprezada. "A

e d u c a ~ a o na metr6pole e a transmissao da cultura nacional. Mas na

colonia nao ha cultura nacional. 0 que ha e a importa<;ao ou

transplanta<;ao da cultura metropolitana. A educa<;ao brasileira nasitua<;ao colonial, era a transmissao as jovens gera<;oes brasil;irasda cultura da metr6pole." a Assim, vemos ja em seus prim6rdios ae?uca<;ao b r a s ~ l e i r a caracterizar-se por uma imposi<;ao de sentidosd1stantes da v1da :oncreta dos educandos. Caracterizar-se por urnalheamento da rea!Jdade na qual estava inserida.

Fugindo das conquistas de Napoleao Bonaparte, chega aquiem 1808, o prfncipe-regente de Portugal, D. Joao. Com a t r a n s ~ ferenda da corte para o Brasil, fez-se necessaria que a culturanacional se ampliasse e se modernizasse, sendo inclusive criada aImprensa Regia. A fim de que o ensino das artes se iniciasse

oficialmente, o prfncipe mandou buscar uma serie de artistas francesesque aqui chegaram em 1816, constituindo a celebre Missao Francesa:Atraves dela fundou-se a Academia de Belas-Artes, considerada ogerme inicial de nossa educa<;ao artfstica. Porem o ensino trazidopelos franceses revelou-se mais uma imposi<;ao de valores. Pois noBrasil o estilo barroco-rococ6 havia sido lentamente assimilado e

2. A. D. SALVA DOR, Cultura e e d u c a ~ i i o brasi/eiras, p. 189.3 . !bid . p. 192.

J11

 

ainda frutificava, ja exprimindo valores nacionais; e o que foi trazidopela Missao era a tendencia neoclassica, que na epoca despontava

na Europa. "Essa t r a n s i ~ a o foi abrupta, e num pais .que ate. enHi?importava os modelos da Europa com enorme atraso, a modermdade ,

representada pelo n:oclassico, provo.cou s u s ~ e i . < ; a o e a ~ e d a m e ~ t o popular em rela<;ao a Arte." 4 As ehtes brastleuas, adenndo assun

denominador comurtl entre as pniticas ai'tfsticas influenciadas pelopositivismo e neoclassicismo." s

Paralelamente ao positivismo come<;ava a crescer tambem ainfluencia do liberalismo, que possuia uma visao um pouco diversacom rela<;ao ao ensino da arte. Se para o positivista a arte eraurn caminho ate a ciencia, para o liberal ela apresentava urn certo

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 58/67

ao "modemo", automaticamente passaram a rejeitar o barroco, quehavia se popularizado. "Afastando-se a arte do contato popular,reservando-a para the happy few e os talentosos, concorria-se, assim,para alimentar urn dos preconceitos contra a arte ate hoje acentuado

em nossa sociedade; a ideia da arte como uma atividade superflua,urn babado, um acess6rio da cultura." 5 Outro preconceito contra aarte a ser destacado, e que tambem se originou em nosso periodocolonial, diz respeito as atividades manuais, exercidas entao exclusiva-mente pelos escravos. 0 que fez com que as artes literarias semprefossem vistas com melhores olhos do que as artes plasticas, musicaise aquelas aplicadas a industria. 0

Ate a Proclama<;ao da Republica, em 1889, o ensino da artenas escolas oficiais concentrou-se naquelas destinadas a produ<;ao dehens incluindo .ai o desenho tecnico e geometrico. Note-se que taisescoias destinavam-se as classes trabalhadoras, ou a burguesia afluente,enquanto as chamadas "be las-artes" eram ensinadas .em escolas,

academias e conservat6rios especiais, para as classes mats abastadas.Esta situa<;ao adentrou mesmo o seculo XX, sem altera<;6es substan-ciais. Nossa visao filos6fica de entao era essencialmente derivadado positivismo de Auguste Comte, que se refletia tambem nos metodos

de ensino e em seu conteudo. Para esta concep<;ao a arte possuiaimportancia na medida em que se lbe tomava uma contribui<;aoao estudo da ciencia (a (mica forma de a razao chegar a "verdade").

Er a vista somente como uma forma de prepara<;ao do intelecto paraatividades "mais elevadas". "A Arte era encarada como urn poderosoveiculo para o desenvolvimento do raciocinio desde que, ensinadaatraves do metoda positivo, subordinasse a i m a g i n a ~ a o a observa<;ao,identificando as leis que regem a forma." 7 Porem mesmo o positi-

vismo comteano foi mal assimilado em nosso contexto, que relegoua arte a urn estadio ainda inferior ao ocupado na visao de Comte,centralizando os curriculos desde cedo no ensino direto das ciencias.Assim, oeste periodo, " . . . o excessivo intelectualismo e antiindividua-lismo foi o fator determinante dos meios de ensino artisticos, e

4. Ana Mae T. B. BARBOSA, Arte-educafao no Brasil, p. 19.5. Ibid., p. 20.6. Ibid., p. 21·27.7. Ibid . p. 67.

112

valor em si, mas ainda um valor pragmatico. Especialmente odeseoho era visto como a constitui<;ao de uma "linguagem tecnica",que auxiliaria oa ioveo<;ao e na produ<;ao industrial. 0 que centravatamb6m a importaocia e o ensino artistico no desenho e nas artes

industriais. Isto tornou possivel a articula<;ao entre o positivismo e oliberalismo em varias reformas e propostas educacionais, com opredominio ora de uma, ora de outra tendencia. "0 desenho coma conota<;ao de prepara<;ao para a linguagem cientifica era a interpre-ta<;ao veiculada pelos positivistas; o desenho como linguagem tecnica,a concep<;ao dos liberais. Entretanto, a partir de 1901, passaram aexigir uma gramatica comum, o desenho geometrico, que era propostonas escolas primarias e secundarias como urn meio, nao urn fimem si mesmo.

"Para os positivistas era urn meio de racionaliza<;ao da emo<;aoe, para os liberais, urn meio de libertar a inventividade dos entravesda igriorancia das normas basicas de constru<;ao. No entender dos

liberais 'barbosianos' [seguidores de Rui Barbosa], a liberdade exigiao conhecimento objetivo das coisas." n Deve-se ressaltar tamb6m ainfluencia do romantismo (que ainda se fazia presente no inicio desteseculo) nas teses dos liberais. Sua influencia principal se referiaaos efeitos da arte na forma<;ao moral dos indivfduos: atraves da

arte o born e o belo se vinculav.am. "0 efeito moral da arte e oaxioma mais freqiientemente repetido na obra pedag6gica de Rui." 10

Assim, sobre estas tres tendencias erigiu-se o ediffcio inumeras vezesrestaurado e reformado do ensino brasileiro da Primeira Republica.Para usar uma expressao de Roberto Gomes, podemos afirmar quedesde o principia nossa visao educacional se embasou numa "saladafilosofante", que procurava conciliar e sintetizar correntes de pensa-mento diversas e distintas - do que resultou uma concep<;ao deeduca<;ao, especialmente em termos artfsticos, de contomos bastanteimprecisos.

A Semana de Arte Moderna, em 1922( veio trazer novos arespara as artes brasileiras. Atraves de sua proposta renovadora,significou a descoberta de novas maneiras de se entender a expressaoartfstica. Urn aspecto relevante desta renova<;ao diz respeito a arte

8. Ana Mae T. B. BARBOSA, op cit., p. 70.9. 1bid., p. 80-81.

10. Ibid., p. 61.

113

 

infantil, que passou a ser olhada como apresentando urn valorestetico ligado a espontaneidade da c r i a n ~ a . Ou seja: a arte, para

a c r i a n ~ a , deixou de ser vista por muitos como uma p r e p a r a ~ a o do

intelecto ou uma p r e p a r a ~ a o moral, para ser encarada tambemcomo a l i b e r a ~ a o de fatores emocionais e a expressao de experiencias.De certa forma, a.nteriormente a Semana ja havia prenuncios desta

de "canto orfeonico", continuavam a se restringir ao ensino dohinario nacional. Todavia, M que se ressaltar a iniciativa deinumeros educadores e artistas que procuraram, paralelamente aoensino oficial, fundar e desenvolver as "Escolinhas de Arte", nascendoa pioneira em 1948, no Rio de Janeiro, po r iniciativa de AugustoRodrigues. E ainda a celebre experiencia (duramente reprimida)

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 59/67

visao, quando alguns educadores procuravam relacionar a entaojovem psicologia aos desenhos infantis. Porem, e com o Modernismoque esta tendencia se concretiza e se acentua. 11 Contudo, apesardo Modernismo, nosso ensino oficial continuou ainda a reservar a

arte urn Iugar inferior, e sua tenden&ia predominante continuousendo a l i g a ~ a o da arte aos valores pragmaticos e tecnicos. E isto,note-se, pela c o n c e i t u a ~ a o do desenho geometrico e tecnico comoformas de arte. Alias, quando estamos nos referindo aqui a arteno ensino brasileiro desta epoca, entenda-se o desenho no ensinobrasileiro, ja que alem dele apenas a musica era eventualroenteincluida nos currfculos; e mesmo assim, quase como uma atividadede lazer, onde o aluno ouvia o mestre tocar ou cantava, com o seuacompanhamento, os hiJ?.OS do pais e algumas outras c a n ~ 6 e s .

Tais sao, portanto, as bases que, historicamente, fundaram edefiniram a p o s i ~ a o da arte em nosso sistema de ensino. A partirde entao, apesar das reformas e r e n o v a ~ 6 e s operadas na o r i e n t a ~ a o oficial da e d u c a ~ a o , estes fundamentos continuaram a se fazer presentespraticamente ate nossos dias. Nas palavras de Ana Mae Barbosa: 12

"Urn dos pressupostos difundidos na epoca, a ideia da i d e n t i f i c a ~ a o do ensino da Arte com o ensino do Desenho Geometrico, compativelcom as c o n c e p ~ o e s liberais e positivistas dominantes naquele periodo,ainda encontra eco cern anos d e p ~ i s em nossas salas de aula e na

maioria dos compendios de E d u c a ~ a o Artfstica, editados mesmodepois da Reforma Educacional de 1971." Sendo a tendencia oficialde nosso ensino eminentemente pragmatica desde os seus prim6rdios,a arte nunca teve nele urn papel que nao. fosse o de mero apendiceou de p r e p a r a ~ a o para atividades "superiores".

No periodo entre a Semana de 22 e a Reforma de 1971, aarte continuou a ocupar este Iugar subaltemo, no entao chamado

ensino primario e secundario. :E· significative, oeste periodo, aexistencia da arte nos curriculos seguida de a d j e t i v a ~ o e s , tais como"artes industrials" ou "artes domesticas". Na primeira disciplina osalunos (do sexo masculino) aprendiam a confeccionar objetos "uteis"nas oficinas, como: estantes, porta-capos, bandejas, etc. Na segunda,as alunas eram adestradas nas "artes" culinarias, do bordado, da

costura, etc. As cadeiras de f 0 1 m a ~ a o musical, tambem chamadas

11. Ana Mae T. B. BARBOSA, op . cit., · p. 95-115.12. Op. cit., p. 12 .

114

dos Ginasios Vocacionais que, coordenados pela Prof.a MariaNilde Mascellani, deram a arte urn Iugar ao lado das outras"disciplinas".

Nossa f o r m a ~ a o cultural adveio, pois, de urn transplante da

cultura europeia, que entre as elites (intelectuais, inclusive) continuoua ser o ideal de c i v i l i z a ~ a o . A realidade do povo e da terra nuncafoi encarada atraves de uma 6tica propria, por parte de nossosintelectuais .e planejadores, afeitos a formas alienigenas .de pensar.Ao povo - sempre vista como ignorante e atrasado - reservava-seo ensino voltado a p r o d u ~ a o de mao-de-obra; o ensino dirigidoapenas a i n t e l e c ~ a o e estritamente pragmatico, calcado em valores emetodos importados (que aqui acabaram sendo mal assimilados).A arte, considerada urn luxo e interpretada segundo os canoneseuropeus, destinava-se a f o r m a ~ a o e ao lazer das classes maisabastadas. Tais classes tambem nunca viram com bans olhos asmanifestacroes artfsticas populares, consideradas "primitivas" e "incul-tas". 0 povo, que nao tinha acesso a arte da elite, tambem eradesencorajado e ate reprimido em suas manifestac,6es esteticas. 1aEm tal contexto e compreensfvel que arte e educacrao nunca fossemvistas como fenomenos interpenetrantes e complementares. Com uma

invasao cultural entranhada desde suas origens. a cultura brasileiraveio se ressentindo de sentidos e valores genuinamente nacionais,procurando sustentar, atraves das elites, valores importados de outrasculturas que, conseqi.ientemente, nao podiam exprimir a vida concre-tament e vivida. Nossos valores e expressoes sempre brotara m amargem dos canais oficiais, e a despeito dos sentidos veiculadospelos dominantes.

Na decada de 60, especialmente ap6s 1964, adotou-se urnmodelo de "desenvolvimento" que implicou uma abertura maior de

nossas portas ao capital e aos sentidos estrangeiros. Na visao dogrupo que assumiu o poder, tratava-se de "modernizar" o pafs e,para tanto, devia-se adotar integralmente OS metodos e procedimentosde outras culturas, especialmente a norte-americana. Se nossas elitesintelectuais ainda se apoiavam em sistemas europeus, nossos dirigentespassaram a se valer dos valores tecnicos e pragmaticos da modema

tecnologia norte-americana. Desenvolvimento passou a ser meramente

13 . Rui BARBOSA, por exmplo, foi um ferrenho opositor do maracatu

e do carnaval.

I 15

 

smommo de crescimento economtco, crescimento este a privilegiarapenas alguns setores da cultura nacional, em detrimento de outros.Por urn Iado, tal procedimento implicou a veiculac;ao de cada vezmais sentidos e valores alienigenas, visando a criac;ao de uma formade pensar e de viver baseada nos valores de consumo dos bensproduzidos pelas modemas industrias que aqui se implantaram. P ~ r

cabia nos parametres govemaroentais, e que contradizia os sentidospropostos verticalmente. Impediu-se que a arte - elemento funda-mental para 0 desenvolvimento do "sentimento da epoca" - pu-desse exprimir nossa situac;ao cultural e auxiliasse na compreensaodo momenta bist6rico vivido. Apenas foram permitidas as expres-soes de sentimentos que nao faziam referenda a urna situac;ao socio-

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 60/67

severa a todos os valores e sentidos que surgiam para se contrapora tal modelo de crescimento. 0 processo de invasao cultural seacentuou consideravelmente, gerando uma patologia na medida em

que, estando proibida a expressao de uma serie de valores pr6prios,a cultura devia adotar posturas que lhe eram estranbas, nao

decorrentes de suas condic;oes concretas. Nas palavras de AntonioJoaquim Severino: 14 "A atualmente tao bern explicitada condic;aobrasileira de dependencia mostra de maneira manifesta o s i g n i f i c ~ d o basico de nossa despersonalizac;ao como nac;ao e como projetohist6rico-cultural. :e. que o nosso modo de ser social nao decorre deurn projeto i n t e n c i o n a } ~ e n t e elaborado. ~ e l a n o s s ~ ~ o m u n i d a d e , massim de aplicac;oes mecamcas a nossas attvtdades prattcas, de esq.uemaselaborados por outras comunidades, em contextos totalmente dtferen-tes. Este alheamento e decorrencia, pois, da imposic;ao heteronomicade paises centra s a pafses perifericos, ? ~ .met_r6pole a col?nia, ~ e modelos de existencia, de cultura e de ctvihzac;ao. E a conflgurac;ao

especilica de nossa cultura nacional ~ e dispersa s e ~ poder se. d e l _ i ~ ~ a r em contomos bern definidos. Qua1squer que seJam as dtmensoesconsideradas desta personalidade cultural, notar-se-a o quanta estaodistantes de urn projeto autenticamente nacional". .

Uma instituic;ao basica para a manutenc;ao deste estado de cotsas,e que logo se tratou de implantar, foi. a censura oficial as ! ~ e i a s eexpressoes divergentes dos sentidos ve1culados pela classe dmgente.Atraves deJa restringiu-se a circulac;ao de ideias - fundamental acoesao cul tural - e procurou-se impedir que novas sentidos viessema tona confrontando e questionando aqueles propostos oficialmente.Nas p ~ a v r a s de Octavia Ianni: 15 "0 Estado detem o monop6Iio da

6nica interpretac;ao que ele proprio considera valida para o con-

junto da sociedade. Essa interpretac;ao, pensam os governantes, pres-cinde de outras." A censura abateu-se, com urn rigor que chegoumesmo as raias do deHrio, especialmente sabre a produc;ao artfsticanacional. Impediu-se que artistas dos mais variados campos pu-dessem concretizar os sentimentos brotados face a uma vida que nao

14. E d u c a ~ a o e d e s p e r s o n a l i z a ~ a o na realidade social brasileira. In: J. F.Regis·de MORAIS (org.), C o n s t r u ~ i i o social da enfermidade, p. 103.. . . _

15. 0 Estado e a o r g a n i z a ~ a o da cultura, Encontros com a C 1 v 1 h Z a ~ a o Brasileira, 7:218.

116

cultural expHcita e, mesmo assim, muitas foram vetadas por nao secoadunarem a determinadas regras de "moralidade e bons costumes",tarobem decididas unilateralrnente. Portanto, "o sistema de poderque passou a dominar o pais em 1964 se propos a eliminar ou con-

trolar o espirito critico, inerente a toda atividade intelectual, joma-lfstica, artfstica, filos6fica ou cientffica". 16

Enquanto cerceava. a produc;ao divergente, o sistema dominanteprocurou veicular sentidos totalmente estranhos a nossa realidade,moldando o sentir e o pensar brasileiros segundo padroes que satis-faziam os interesses consumistas. Para tanto, a televisao consti-tuiu-se num poderoso vefculo de difusao e homogeinizac;ao cultural.Atraves deJa pode-se alcanc;ar os mais reconditos cantos do pals eas mais diversas subculturas regionais, impondo a todas uma unicaforma de pensar e sentir. Manifestac;oes artisticas regionais e f ~ l cl6ricas foram gradativamente sendo esvaziadas, ja que o "moder-no" e "civilizado" eram as mensagens esteticas televisionadas. Men-sagens estas que, na maioria dos casas, provem de outras culturase atendem interesses de formac;ao de urn mercado consumidor. 17

Como diz Osman Lins, "o brasileiro, hoje, nasce e cresce recebendopela televisao mensagens de segunda ordem, vindas principalmentedos Estados Unidos, todas - o que e pior - infiltradas de umapublicidade disfarc;ada (ou ostensiva) sabre aquele pais". ts Grandeparte dos filmes apresentados hoje pela televisao foram proibidos emseus paises de origem, por violarem suas constituifi5es; como porexemplo, aqueles onde o policial forja provas contra o acusado ou

invade residencias sem o mandado judicial. Ao serem apresentadosaqui, tais filmes cumprem urn papel "educative" poderoso: induzemo indivfduo a acreditar que os procedimentos por eles veiculadossejam "normais" e perfeitamente admissiveis, nao ferindo quais-

quer direitos do cidadao. Em termos deste adestramento que asartes alienfgenas tern aqui operado e que se pode entender a afir-mac;ao de Susanne Langer: 111 "Se as fileiras de jovens crescem emconfusao e covardia. emocional, os soci6logos procuram em condi-

16. 0 Estado e a o r g a n i z a ~ a o da cultura, loc. cit., p. 224.17. 0 filme de Cad. DIEGUES, Bye Bye Brasil, e urn excelente retrato

deste processo.18. Do ideal e da gloria: problemas incufturais brasifeiros, p. 158.19. Sentimento e forma. p. 417.

. 117

 

c;oes economicas ou relactoes familiais a causa dessa deploravel "fra-queza humana", mas nao na influencia ubiqua da arte corrupta, quemergulha a mente em um sentimentalismo raso que arruina quais-quer germes de sentimento verdadeiro que poderiam se desenvolvernele."

Dentro deste quadro de invasao e despersonalizac;ao cultural eque podemos agora vir a entender o sistema de ensino implantado

Nao podemos nos furtar aqui de citar outra penetrante analisenesse sentido. Pedimos, pois, licenc;a ao leitor, para transcrever alonga afirmac;ao de Severino: 21 "A educac;ao brasileira tern se carac-terizado, quaisquer que sejam OS niveis em que e considerada, porservir de instrumento de consolidac;ao da sociedade industrial e con-sumista que se tern instalado no. Brasil. So assim pode-se entendera tendencia incontrolavel da ·legislac;ao educacional no sentido de

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 61/67

entre n6s e ao qual estamos hoje submetidos. Em primeiro Iugardeve-se ressaltar que sua implantac;ao visou basicamente suprir asnecessidades criadas pela instalac;ao, entre nos, de modernas e

poderosas industrias multinacionais. Havia que se produzir mao-de-obra especializada para tais industrias, ao mesmo tempo eliminandoquaisquer vestigios de criticidade e criatividade no interior da educa-c;ao. 0 modelo encontrado (tambem importado) foi a profissionali-zac;ao desde os niveis mais baixos do ensino e a especializac;ao prag-matica, que apresenta formulas e sentidos ja prontos ao educando,desconectados de sua realidade social e cultural. Numa longa cita-c;ao, comenta Moacir Gadotti: 20 "Esse modelo de 'educac;ao' cujasconseqtiencias estamos suportando hoje foi o modelo trazido pelosespecialistas norte-americanos, desde 1966, quando foi firmado oacordo entre o MEC e a USAID (United States Agency for Inter-national Development). ( . . . )

Por tras dessa concepc;ao da educac;ao escondia-se a ideologiadesenvolvimentista, visando ao aperfeic;oamento do sistema indus-trial e economico capitalista. A periferia deveria adaptar-se aos co-mandos dos centros hegemonicos do capitalismo. As r ~ i z e s dessemodelo de educac;ao - que e 0 nosso - sao puramente economi-cas. Dentro dessa concepc;ao de educac;ao os paises perifericos, eportanto dependentes, estao atrasados porque sao carentes de tecno-logia e nao porque sao dependentes. Ora, essa carencia pode sersuprida atraves de uma reforma do sistema escolar, voltada para otreinamento, o adestramento do estudante, tornando-o urn docil ser-vidor do sistema economico. A 'justificac;ao de motivos', porem,era outra. Aparentemente, as reformas eram guiadas por uma fila-sofia (que fazia o papel da· deologia, isto e, de ocultafao das verda-

deiras raizes socio-economicas) voltada para a vida. Essa filosofiainsistia na escola 'ativa' (Dewey), na escola como servic;o a socie-dade, mas na realidade era urn servic;o prestado exclusivamente aindustrializac;ao, a 'modernizac;ao'' aos interesses economicos docapitalismo, formando, de urn !ado (no secundario), mao-de-obra es-pecializada (Lei 5.692/71), e, de outro, grupos 'dirigentes' (a Re-forma do Ensino Superior).

20. Revisao critica do papel do pedagogo na atual sociedade brasileira( i n t r o d u ~ t i i o a uma pedagogia do conflito), E d u c a ~ i i o e Sociedade, 1:8-9.

118

instaurar o ensino essencialmente profissionalizante em todos osgraus. Partindo-se de uma acusac;ao totalmente destituida de funda-mentos - de que a educac;ao humanista que sempre predominou no

Brasil foi a grande responsavel pelo nosso subdesenvolvimento -pretende-se realizar este desenvolvimento, contando-se para issocom uma nova educac;ao, toda ela voltada para a profissionalizac;aotecnico-industrial. Esta acusac;ao e. duplamente injustificavel: pri-meiramente porque, historicamente, nunca houve no Brasil urn pro-jeto educacional realmente humanista e, segundo, porque o propriosentido de desenvqlvimento foi tornado de outras experiencias his-toricas, sem que se tenha tido entre nos a preocupac;ao de ver oque significaria para o Brasil este desenvolvimento. Concebendo-oexclusivamente como crescimento economico, como progresso tec-nologico e como modernizac;ao industrial, so resta colocar a educa-c;ao a servic;o desses objetivos. Em conseqtiencia disto, o pouco queaind.a. cabia a educac;ao de formar uma inteligencia crftica, capaz de

participar da elaborac;ao de urn pensamento nacional, informador denosso projeto historico-cultural, e agora julgado superfluo e suma-riamente dispensado. Pois disto o industrialismo tecnocratico queleva ao desenvolvimento, nao precisa."

Assim, nosso modelo educacional voltou-se exclusivamente atransmissao de sentidos ja prontos e acabados. Voltou-se a incu'Ica-c;ao de determinados valores desenvolvimentistas e modernizantes,sem considerar as origens socio-economicas e o universo existencialdos educandos. Trata-se de transmitir formulas e conceitos especf-ficos, sem despertar o educando para o sentido de sua vida numambiente historico-cultural. Trata-se de nivelar as diferenc;as indi-viduais e sociais, . atraves de sentidos considerados objetivos e uni-

versais. 0 que acaba por fazer com que individuos provenientes dediferentes classes sociais vejam sua realidade a partir da 6tica domi-nante, relegando seus valores e aspirando aqueles que lhes sao dis-tantes e inacessiveis. Ou ainda acaba por fazer com que as culturasregionais sejam desprezadas em func;ao do "moderno", que oscentros economicos veiculam. Semelhante processo termina entaopor inibir e cercear a c r i a ~ i : i o por parte dos ed ucandos, ja que sua

21. Educac;iio e d e s p e r s o n a l i z a ~ t i i o na realidade social brasileira, op. cit.,p . 105.

119

 

s i t u a ~ a o concreta nao interessa ao sistema, e os significados validossao apenas aqueles propostos verticalmente pelo professor. "Mui

espontaneamente essa r e l a ~ a o assimetrica se transforma em r e l a ~ a o de d o m i n a ~ a o . . . Ora, uma r e l a ~ a o de d o m i n a ~ a o ira contra todacriatividade entre os alunos; a criatividade caminha par a par coma liberdade e nao com a ditadura." 22

Porem, a mesma lei que profissionalizou a e d u c a ~ a o brasileira,

que nao conhecem bern, apenas para ci.lmprir o programa e asformalidades academicas. Alem de que, dada a recente i m p l a n t a ~ a o dos cursos de f o r m a ~ a o para arte-educadores, o professor da dis-ciplina muitas vezes e urn leigo, que nao compreende exatamente osignificado da arte na e d u c a ~ a o e desconhece a metodologia ade-quada. Sem contar-se ainda que, nas quatro primeiras series do

primeiro grau, e na maioria dos. casos, e apenas um, o professor

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 62/67

transformando-a numa i m p o s i ~ a o de valores pragmaticos (5.692/71),

tambem tomou obrigat6ria a e d u c a ~ a o artfstica no 1.0 e 2.0 graus.Havera a1 alguma c o n t r a d i ~ a o , ou qual e o real papel desta obriga-toriedade? Queremos crer que ela desempenha, oeste contexto,aquela f u n ~ a o da ideologia, levantada po r Gadotti. Ou seja, permiteque se possa falar no can1ter "humanizante" e "formativo" do

nosso sistema educacional que, tao voltado ao "homem integral", ateincluiu a arte em sua f o r m a ~ a o . Todavia esta s i t u a ~ a o e extrema-mente enganosa, na medida em que o abismo cavado entre a letrada lei e sua a p l i c a ~ a o concreta nao permite que tais p r e s s u p o s i ~ o e s sigam adiante. Porque, se a lei tornou obrigat6rio o trabalho artis-tico, as condic;oes reais (economicas e materiais) para sua implan-t a ~ a o efetiva nao existem. Funcionando muitas vezes em precariasi n s t a l a ~ o e s , a escola brasileira nao dispoe, em primeiro Iugar, dec o n d i ~ o e s para abrigar urn e s p a ~ o apropriado ao trabalho com aarte. Organizada ainda de maneira formal e burocn\tica, sua estrutura

relegou a e d u c a ~ a o artistica e uma disciplina a mais dentro doscurriculos tecnicistas, com uma pequena carga horaria semanaL Aarte continua ainda a ser encarada, no interior da escola, como urnmero lazer, uma d i s t r a ~ a o entre as atividades "serias" das demaisdisciplinas. Freqtientemente delega-se tambem ao professor de artea incumbencia de "decorar" a escola e os "carros aleg6ricos" para

as festividades cfvicas, subordinando-o ao "Orientador de Moral eCfvica". Neste sentido, e totalmente in6cua a disciplina, ja que toda

a estrutura ffsica, burocratica e ideol6gica da escola esta organizadana d i r e ~ a o da imposic;ao de valores e do cerceamento da criatividade.

A e d u c a ~ a o artfstica, implantada pela lei, compreende as se-guintes areas: musica, teatro e artes plasticas, que devem ser desen-

volvidasno

decorrerdo

1.

0

e 2.0

graus. Porem af o r m a ~ a o do

pro-fessor polivalente em artes tern se revelado extremamente defici-taria. :g algo dificil exigir-se que urn mesmo individuo possa, efeti-vamente, trabalhar com seus alunos em todas essas areas distintas.Para tanto, haveria que se constituir uma equipe de trabalho comdiferentes elementos, especializados numa s6 forma de expressao -o que, nas atuais condic;oes, e impraticavel economicamente. E istoacaba por fazer com que os professores desenvolvam atividades

22. Alain BEAUDOT. A criatividade na escola. p. 91.

120

responsavel por todas as areas de ensino, incluindo a arte .Isso acaba po r gerar s i t u a ~ o e s realmente perniciosas no interior da

e d u c a ~ a o artistica. Como, por exemplo, a entrega de desenhos econtornos ja prontos para o aluno colorir ou recortar. Ou ainda a

confecc;ao de "presentes" e objetos para a c o m e m o r a ~ i i o de datas eeventos cujo significado sequer chega a ser discutido com os edu-candos. Com r e l a ~ a o a este mesmo estado de coisas, em termos da

cultura norte-americana, mas perfeitamente aplicavel a nossa situa-c;ao, comentam Lowenfeld e Brittain: 23 "De maneira bastante sur-

, preendente ainda encontramos, de modo casual, folhas mimeografa-das que se entregam aos jovens para colorir a silhueta de GeorgeWashington, o contorno do peru do Dia de A ~ i i o de G r a ~ a s , docoelho de Pascoa ou mesmo de urn a arvore de Natal. ( . . . ) As vezesos programas artfsticos tambem estao desvirtuados por verdadeirosabsurdos, como no caso comum de entregar as c r i a n ~ a s folhas depapel aluminio para que f a ~ a m uma figura, comprimindo o papel

sobre algum modelo previamente formado, para d e c o r a ~ o e s de Natal.Ate as cestinhas da Festa da Primavera, ja planificadas pela profes-sora, e que as crianc;as da primeira serie tern que recortar, entramna categoria dos elementos pemiciosos a expressao criadora.

Expor uma aprendizagem artfstica que inclua tais tipos de ati-vidades e pior do que nao dar aprendizagem alguma. Sao atividadespre-solucionadas que obrigam as crianc;as a urn comportamento imi-tativo e inibem sua propria expressao criadora; esses trabalhos naoestimulam o desenvolvimento emocional, visto que qualquer varia-c;ao produzida pela c r i a n ~ a s6 pode ser urn equivoco; nao incentivamas aptidoes, porquanto estas se desenvolvem a partir da expressaopessoal. Pelo contrario, apenas servem para condicionar a crianc;a,

levando-a a aceitar, como arte, os conceitos adultos, uma arte quee incapaz de produzir sozinha e que, portanto, frustra seus pr6priosimpulsos criadores." Assim, nestas atividades aparentemente ina-centes esconde-se uma visao "bancaria" da e d u c a ~ a o , que impoemodelos (esteticos) e valores as crianc;as. Ao propor a c o n f e c ~ a o depresentes para o dia dos pais ou das maes, por exemplo, transmite-se,sem questionamentos, uma ideologia de consumo que instituiu se-melhantes datas com fins estritamente lucrativos. E o que e pior:

. 23. Desenvolvimento da capacidade criadora, p. 69 e 71.

121

 

itnp6em-se tais vhlores mesmo as crianc;as oriundas de classes sociaisextremamente carentes, levando-as a assimilar modelos que ocultamsuas reais condic;oes. Nosella demonstrou, em sua obra, o quantoOS livros-textos adotados nas primeiras series do nosso 1. grau trans-mitem uma visao tendenciosa e ficticia de nossa realidade, e o quantoas pr6prias i l u s t r a ~ o e s contribuem para essa transmissao. Aqui temosa arte empregada diretamente como ve!culo de ·inculcac;ao de deter-

};; necessario que a arte seja empregada no sentido de permitirao educando uma e l a b o r a ~ i i o de suas vivencias e nao como a pro-duc;ao de objetos "belos". Porque as normas de b ~ l e z a , , ai, p o d e ~ facilmente significar a imposic;ao de v ~ l o r e s , c o n d ~ t n d o a p r o ? ~ c ; a o e ao consumo do kitsch como arte, alem de tmpedtr que o mdtvtduopossa interpretar a sua situac;ao no mundo. Pois, segundo R ~ ~ e m Alves, 27 "e precise notar que uma situac;ao de classe --:- yarhctpa-

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 63/67

minados valores e sentidos. Sao dela as palavras: "};; necessaria obser-var que a mensagem visual toma-se urn eficiente instrumento ideo-16gico complementar dos textos, devido a sua forc;a comunicativa -rapidez e impacto emotivo - muitas vezes maior do que a comu-nicac;ao escrita." ~

Nao podemos deixar de Jevantar aqui, com relac;ao a impo-sic;ao de valores atraves da arte e da atividade artfstica, a questaodo kitsch. Este e urn termo que passou a designar, de maneira geral,a arte produzida com o intuito de copiar determinados valores este-ticos, transformando-os em imitac;6es grotescas, acessfveis a seg-mentos s6cio-economicos inferiores da sociedade. Atraves da bana-lizac;ao desses valores tais segmentos podem ter a ilusao de partici-pac;ao nos valores veiculados como pr6prios das elites. Todavia,mesmo as elites tern consumido o kitsch, na medida em que ele se

transformou num produto "artfstico" e barato da sociedade de con-

sumo. Assim, "a atitude Kitsch e sempre uma atitude da sociedadede consumo, que se manifesta em relac;ao aos objetos envolvendotanto as camadas sociais abastadas como as demais categorias sociaiscujas atitudes imitam ou refletem (mormente, no ambito estetico) asda classe dominante". 25 Desta forma, ao se veicularem certos padroesou modelos esteticos a estudantes pertencentes a determinadas clas-ses sociais que, concretamente, nao tern acesso a tais valores, naose esta i.ncentivando o kitsch? Nao se esta produzi.ndo urn distancia-mento de suas condic;oes de vida, ou uma recusa a expressar (atra-ves da arte) os seus valores e vivencias pr6prias? 0 que acaba por

toldar uma visao mais clara dos sentidos de sua vida, inserida numcontexte socio-cultural especifico. Portanto: " . . . e preciso nao es-quecer que o Kitsch exerce seu papel pedag6gico de modo crucial

sobre as sociedades subdesenvolvidas, submetidas a irrigac;ao dosmeios de comunicac;ao de massa que, na verdade, constituem meiosde explorac;ao das sociedades afluentes - Estados Unidos, novaEuropa ou Japao - desemperihando o papel de amplificadores demercado". 26

24. As be/as mentiras, p. 189.25 . Abraham MOLES, 0 Kitsch, p. 199 .26. Ibid., p. 188-189.

122

I -

' (

c;ao numa mesma condic;ao economica - nao e. b a ~ u f i ~ t e ? ~ e ~ a r a a comunidade. Porque a situac;ao material, em st, nao e stgmftcahva.Pode ser vivida e sentida de multiplas formas diferentes. Ela s6adquire significac;ao atraves de uma li.nguagem que. a inte rpre ta co-mo valor, seja positive, seja negativo. E sera esta hnguagem que seconstituira na base da unidade da vivencia de urna situac;ao comum,e na base para a ac;ao frente a mesma". A arte e urn elemento funda-mental para que, expressando suas v i v ~ n c j ~ s , o educando P ? s ~ a cbegar a compreende-las e a emprestar stgmftcados a sua condtc;aono contexte cultural.

Estas sao apenas algumas considerac;oes a prop6sito das reaiscondic;oes de aplicabilidade da Lei 5.692/71. Porque, se atraves delainstituiu-se a obrigatoriedade da educac;ao artfstic:a, a t r a v ~ s . dela ge-rou-se tambem uma situac;ao ca6tica para o ensmo brastletro; uma

situac;ao onde impera a transmissao de uma visao pragmatica domundo e que acaba por sufocar qualquer criticidade e criatividade no

interior da educac;ao. Uma situac;ao que destr6i, em suas bases, asmais elementares condic;6es para que o trabalbo artfstico seja efe-tivamente desenvolvido. E, nessas condic;6es, terminam os profes-sores de arte por desempenhar urn papel decorative (nas v_arias. .,

acepc;6es do termo) no interior da escola. Terminam por se senhrem,eles mesmos, confusos quanto a seu real valor e necessidade para a

formac;ao do i.ndividuo. ·Nao podemos nos propor aqui a analisar demoradamente o Iu-

gar que a arte, os artis!as e os J i > r o f ~ s s o r e s de a : t ~ tern o c ~ p a d o emniveis superiores, isto e, nas u m v e r s t ~ a d e s _ b r a ~ i l e ~ r a s ; P o ~ e m pode-mos assinalar, de passagem, que sua sttuac;ao ah nao e mmto ~ t v e r s a da que ocupam no l. o e 2.o graus. P o r q u ~ tambem as . u n i v e r ~ t d a d e s foram transformadas em simples transmtssoras de conhecimentoobjetivo", procurando-se seu desvinculament?. da realidade na qualesta inserida. Organizadas sobre bases pragmattcas, bern pouco espa-c;o tern nelas restado para o artista. Isso desde o simples espac;ofisico ate o espac;o para a criac;ao e desenvolvimento de seu traba-lho. Se mesmo nas areas tecnol6gicas o incentivo a pesquisa foi re-duzido a urn mfnimo insignificante, na area artfstica ele praticarnenteinexiste. Alem de que os c r i ~ e r i o s pragmaticos e burocraticos utili-

27. Notas introdut6rias sobre a linguagem, Reflexiio, 1 (13) :37.

123

 

zados para o enquadramento dos docentes e pesquisadores de outrasareas tern sido indiscriminadamente aplicados ao professor de artecom o seu prejufzo, dadas as caracterfsticas proprias de seu trabalho:No projeto pioneiro da Universidade de Brasilia tal i t u a ~ a o haviasido resolvida atribuindo-se aarea artistica locais e criterios pr6prios.Nas palavras de Darcy Ribeiro: 2

R "0 Instituto Central de Artes(. : .) apresenta p e c u l i a ~ i d a d e s que o diferenciam dos demais e obrigam L .

cursiva. A arte esta com o homem desde que este existe no mundo- ela foi tudo o que restou das culturas pre-historicas. Apenas ac o n s t a t a ~ a o deste fato elementar - a universalidade e permanenciado impulso estetico - ja e razao suficiente para que se reconhe9aa importancia da arte na constitui9ao do humano. A educa9ao e aforma9a0 do homem nao podem prescindir de quaisquer instru-mentos ou meios que o levem a criar urn sentido mais harmonica

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 64/67

a mdagar se deve ser mtegrado no conjunto dos Institutos Centraisou separado como urn setor especial em que o exercfcio da docenciae da c r i a t i ~ i d a d e . a r t f ~ t i ~ a possam reger-se por criterios pr6prios( . . . ) Esta hnha dtvergJra, necessariamente, da Iicenciatura, do mes-trado e do doutorado, previstos nos demais Institutos Centrais, dadaa. n ~ t u r e z a c : s p ~ c i a l da c r i a t } v ~ d a d e artfstica e a dificuldade de apre-c t a ~ a o academ1ca que lhe e merente. 0 mesmo problema existe naf o r ~ a ~ a o e s e l e ~ a o do m a g i s t ~ r i ~ universitario de Artes Visuais, quetera de s.er r : g u l a m e n t ~ ~ o mats hvremente para nao ser Iimitada pelab u r o c r a h z a ~ a o uma attvtdade insuscetfvel de enquadramento em nor-mas rigid as." ·

Assim, o mesmo espirito que regeu a e l a b o r a ~ a o da Lei5.692/71, regeu tambem a Reforma Universitaria, relegando a ati-vida?e a r t i s t i c ~ a s i t ~ a ~ a o de a p ~ n d i c e e luxo social. Relegando-a,prat!Camente, ~ 7 o n d 1 ~ a o de attvtdade menor no conjunto cultural,apesa: dos ob;ettvos professados ser;m o oposto. A respeito dessa

s t t ~ a ~ a o , comenta Roberto Gomes: -0 "0 artista, este marginal, eobjeto de tabu, ~ u p o r t a n d o a m ~ s m a a ~ r e s s i v a ambivalencia por par-te do h o ~ : m seno: amor e odto. Ahas, duas sao as coisas que ohomem serw faz ao chegar ao poder: instaura a censura e constroisuntuosos museus e ·teatros. E distribui premios literarios. Isto sop a r e c ~ r a c o n t r a ? i t ~ r i o se deixarmos de considerar que existem duasmanetras d; ~ m q m l a r com o a r t i ~ t a : censurando-o ou promovendo-oa uma especte de omamento SOCial. E e assim que 0 homem serioexorciza aquilo que teme."

E s t a m ~ s construindo ~ .cultura brasileira contemporanea sobrevalores estntamente pragmattcos e consumistas. Talvez nao esteja-mos nem m e s ~ o construindo-a, no sentido forte do termo, mas dis-

solvendo-a ao trnportar e malversar formulas, valores e significados~ l h e i o s .. 1:. necessaria a vitalidade de qualquer cultura que seus sen-hdos S e J ~ expressos e constituidos a partir de suas reais c o n d i ~ o e s . 1:. nec7ssano que a expressao e a c o m u n i c a ~ a o sejam integralmenteg a r a ~ t t ~ a s a seus membros, sob pena de a vida perder seu sentido ec o e r ~ n ~ t a . A arte: n e s t ~ processo, adquire fun9ao essencial, porexpnmtr e constrmr aqmlo que esta fora dos Iimites da razao dis-

28. A universidade necessaria, p. 215-216.29. Op. cit., p. 15.

oficial brasileira, ela propria desarrnonica e impositiva. Porque (pa-rafraseando Noel . Rosa), apesar de todas as reformas e objetivosprofessados, o samba - como outras formas de expressao -

continua a nao ser aprendido no colegio.

124 125

 

DUFRENNE, Mikel. 0 poitico. Porto Alegre, Globo, 1969. (Trad. de LuizArthur Nunes e Reasylvia Kroeff de Souza.)

ECO, Umberto. Obra aberra. Sao Paulo, Perspectiva, 1976. (Col. Debates, 4.)(Trad. de Sebastiao Ucboa Leite.)

EHRENZWEIG, Anton. A ordem oculta da arte: um estudo sobre a psicologiada imaginafiiO artistica. Rio de Janeiro, Zahar, 1969. (Col. Atualidades.)(Trad. de Luis C o r ~ r i i o . )

EHRENZWEIG, Anton. Psicanalise da percepfiiO estetica: uma introdu,iio ateoria da -percepfiiO inconsciellte. Rio de Janeiro, Zabar, 1977 . (Col.

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 65/67

BffiLIOGRAFIA

ALDRICH, Virgil C. Filosofia da arte. 2. ed. Rio de Jan eiro, Zahar, 1976.(Curs o Moderno de Filosofia.) (Trad. de Alvaro Cabral.)ALMEIDA, A. Betamio. A educa,ao estetico-visual do ensino escolar. Lisboa,

Horizonte, 1976. (Biblioteca do Educador Profissional, 28.)ALVES, Rubem A. 0 enigma da religiiio. Petr6polis, Vozes, 1975.ALVES, Rubem A. Hijos del manana. Salamanca, Sigueme, 1975. (Trad. de

Juan Jose Coy.)ALVES, Rubem A. Notas introdut6rias sobre a linguagem, Ref/exiio 4(13):

21-39, jan.-abr. 1979. (Revista do Instituto de Filosofia e Teologia da PUC ,Campinas.)

ALVES, Rubem A. Pesquisa: para que? Ref/exiio, I (1):35-41, set. 1975. (Re-vista do Jnstituto de Filosofia e Teologia da PUC, Campinas.)

BACHELARD, Gaston. A poetica do espafO. Rio de Janeiro, Eldorado, s/d.(Trad. de Antonio da Costa Leal e Lidia do Valle Santos Leal.)

BARBOSA, Ana Mae T. B. Arte-educafiiO 110 Brasil. Sao Paulo, Perspectiva

-Secretaria da Cultura, Ciencia e Tecnologia, 1978. (Col. Debates, 139.)BARBOSA, Ana Mae T. B. Teoria e Pratica da EducafiiO Artistica, Sao Paulo,Cultrix, 1975.

BEAUDOT, Alain. A criatividade na escola. Sao Paulo, Ed. Nacional, 1975.(Col. Atualidades Pedag6gicas, 125.) (Trad. de Maria Sampaio Gutierreze Bernadete Hadjiounnou.)

BUBER, Martin. Eu e tu. Sao Paulo, Cortez & Moraes, 1977. Trad. e introd.de Newton Aquiles von Zuben.)

CANCLINI, Nestor Garcia. A produfiio simbolica, Rio de Janeiro, C i v i l i z a ~ a o Brasileira, 1979. (Col. Perspectivas do Homem, 133.) (Trad. de Gloria.

Rodriguez.)CASSIRER, Ernst. Antropologia filos6/ica. Sao Paulo, Mestre Jou, 1972.

(Trad. de Vicente Felix de Queiroz.) ·COOPER, David G. A Linguagem da Loucura, Trad. Wanda Ramos, Lisboa,

P r e s e n ~ a - Martins Fontes, 1979 (Col. Clivagens, 4) .

COOPER, David. G. A morte da familia. Sao Paulo, Martins Fontes, 1980.(Col. Novas D i r e ~ r o e s . ) (Trad. de Jurandir Craveiro.)COOPER, David G. Gramatica da vida. Lisboa, Presenc;a, 1977 (Col. Questoes,

15.) (Trad. de Freitas Dinis.)COOPER, David G. Psiquiatria e antipsiquiatria. Sao Paulo, Perspectiva, 1973.

(Col. Debates, 76.) (Trad. de Regina Schiderman.)CREEDY, Jean (org.). 0 contexto social da arte. Rio de Janeiro, Zahar, 1975.

(Trad. de Yvonne Alves Velho e Sergio Flaksman.)DARTJGUES, Andre. 0 que ea fenomenologia? 2. ed. Rio de Janeiro, Eldorado,

s/d. (Trad. de Maria Jose J. G. de Almeida.DUFRENNE, Mikel. Estetica e filosofia. Sao Paulo, Perspectiva, 1972. (Col.

Debates, 69.) (Trad. de Roberto Figurelli.)

126

· \-

Pssycbe.) (Trad. de Irley Franco.)FISCHER, Ernst. A necessidade da arre. 5. ed. Rio de Janeiro, Zahar, 1976.

(Trad. de Leandro Konder, Intr. Antonio Callado.)FREIRE, Paulo. Educa,ao como prtitica de liberdade. 4. ed. Rio de Janeiro,

Paz e Terra, 1974. (Serie Ecumenismo e Humanismo:)FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 5. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra,

1978. (Col. 0 Mundo H'oje, 21.)GADOTTI, Moacir. Revisao critica do papel do pedagogo na atual sociedade

brasileira ( I n t r o d u ~ r a o a uma pedagogia do conflito). Educa,ao e Sociedade,1:5-16, Sao Paulo, Cortez & Moraes/C EDES, Sao Paulo, 1978.

GALEFFI, Romano. Fundamentos da criafiiO artistica. Sao Paulo, Melbora-mentos - EDUSP, 1977.

GEIGER, Moritz. Problemtitica da estetica e estitica fenomeno/6gica. Salvador,Progresso, 1958. (Col. Cultura.) (Trad. de Nelson de Araujo.)

GIESZ, Ludwig. Fenomenologia del Kitsch. Barcelona, Tusquets, 1973. (Col.Cuadernos Infimos, 39.) (Trad. de Esther Balaguer.)

GILES, Thomas R. l T J t r o d u ~ i i o a i/osofia. Sao Paulo, EPU-EDUSP, 1979.GOMES, Roberto. Critica da raziio tupiniquim. 4. ed. Sao Paulo, Cortez, 1980.GUILLAUME, Paul. Manual de psicologia. 3. ed. Sao Paulo, Ed. NacionaJ,

1967. (Col. Atualidades Pedag6gicas, 60.) (Trad. e notas de L61io L o u r e n ~ r o de Oliveira e J. B. Damasco Penna.)

HUIZINGA, Joban. Hom o ludens. 2. ed. Sao Paulo, Perspectiva, 1980. (Col.Estudos, 4.) (Trad. de Joao Paulo Monteiro.)

lANNI, Octavio. 0 Estado e a o r g a n i z a ~ r i i o da cultura. Encontros com aCivilizafiio Brasileira, /:216-241, jul. 1978.

ILLICH, Ivan. Sociedade sem escolas. 5. ed. Petr6polis, Vozes, 1979. (Col.E d u c a ~ r a o e Tempo Presente, 10 .) (Trad. de Lucia Mathilde -Endlich.)

JAPIASSU, Hilton. 0 milo da neutralidade cienti/ica. Rio de Janeiro, Imago,1975. (Sthie Logoteca.)

KNELLER, George F. Arte e ciencia da criatividade. 4. ed. Sao Paulo,IBRASA, 1976. (Biblioteca £xito, 25.) (Trad. de Jose Reis.)

LAING, Ronald D. A politica da experiencia e a ave-do-paraiso. 2. ed. Petr6-polis, Vozes, 1978 (Col. Psicanalise, X.) (Trad. de Aurea B. Weissenberg.)

LAING, Ronald D. A polttica da familia Sao Paulo, Martins Fontes s/d.

(Trad. de Joao Grego Esteves.)LAING, Ronald D. 0 eu dividido. Rio de Janeiro, Zaltar, 1963. (Co l. Psyche.)

(Trad. de Clecy Ribeiro.)LANGER, Susanne K. Ensaios fi/os6/icos. Sao Paulo, Cultrix, 1971. (Trad.

Jamir Martins.)(LANGER, Susanne K. Sentimemo e forma. Sao Paulo, Perspectiva, 1980. (Col.

Estudos, 44.) (Trad. de An a M. Goldberger Coelho e J. Guinsburg.)aMA, Alceu Amoroso. Paginas de estitica. Rio de Janeiro, Agir, 1960. (Col.

Ensaios, 7.)LlNS, Osman. Do ideal e da gloria: problemas in.culturais brasileiros. 2. ed.

Sao Paulo, Summus, 1977.

127

 

LINTON, Ralph. 0 ltomem: uma i n t r o d u ~ i i o cl antropo/ogia. 10. ed. Sao Paulo,Martins Fontes, 1976. (Col. Biblioteca de Ciencias Sociais, 1.) (Trad.de Lavinia Vilela.)·

LOWENFELD. V. & Brittain, W. L. Desenvolvimento da capacidade criadora.Sao Paulo, Mestre Jou, 1977. (Trad. de Alvaro Cabral, In rod. Joao

Carvalhal Ribas. )MARCUSE, Herbert A ideo/ogia da sociedade industrial. 4. ed. Rio de Janeiro,

Zahar, 1973. (Col. Atualidade.) (Trad. de Giasone Rebua.)MAY, Rollo. 0 homem a procura de si mesmo. 3. ed . Petr6polis, Vozes, 1973.

cacao dos sentimentos, auxiliando, dialeticamen-te, na educacao do pensamento 16gico."

Encerrando com um capitulo onde sao traca-das diversas consideracoes a respeito da Arte noambito da e d c a ~ i o braslleira, este texto se reve-la como basico ao nosso educador. Basico a to-dos aqueles que, de uma forma ou de outra, es-

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 66/67

(Col. Psicamilise, II. ) (Trad. de Aurea B. We.issenberg.).MERANI, Alberto. Psico/ogia e a l i e n a ~ i i o . 2. ed. R1o de Jane1ro, Paz e Terra,

1977. (Trad. de Rachel Gutierrez.)MERLEAU-PONTY, Maurice. A estrutura do comportamento. Belo Horizonte,

Interlivros, 1975. (Trad. de Jose de Ancbieta Correa.)MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percep9iio: Rio de Janeiro,

Freitas . Bastos, 1971. (Trad. de Reginaldo Di Piero.)MERLEAU-PONTY, Maurice. 0 o/ho e o espirito. Os Pensadores, vol. XU ,

Sao Paulo, Abril Cultural, 1975. (Trad. e notas de Geraldo Dantas

Barreto.)MOLES, Abraham. 0 Kitsch. 2. ed. Sao Paulo, Perspectiva. 1975. (Col. Debates,

68.) (Trad. de Sergio Miceli.)MORAIS, J. F. Regis de (org.). Constru9iio social da enfermidade. Sao Paulo,

Cortez & Moraes, 1978.MORAIS, J. F. Regis de. Escolas: a liberta!;aO do novo, em Reflexiio, 4(14:14-

25, mai-ago. 1979. (Revista do Institute de Filosofia e Teologia da PUC.)

NOSELLA, Maria de Lourdes C. D. As be/as mentiras. Sao Paulo, Moraes, 1980.POPPER, Karl R. The L o ~ i c of Scientific Discovery. 2. ed. Nova York, Harper

& Row, 1968

. POSTMAN, Neil & WEINGARTNER, Charles. Contesta9iio - nova formulade ensino. 3. ed. Rio de Janeiro, Expressao e Cultura, 1974. (Traa. de

Alvaro Cabral.)PUENTE , Miguel De La. 0 ensino centrado no estudante. Sao Paulo, Cortez &

Moraes, 1978.READ, Herbert. Educaci6n por el arte. Buenos Aires, Paid6s, 1977. (BibHoteca

del Educador Contemporaneo, 7.) (Trad. Luis Fabricant, Pr6logo de

Juan Manto Nani.)READ, Herbert. 0 significado da arte. 2. ed. Lisboa, Ulisseia, 1969. (Trad.

de A. Neves Pedro.)RIBEIRO, Darcy. A universidade necessaria. 3. ed. Rio de Janeiro, Paz e

Terra , 1978.SALVADOR, A. D. Cultura e educa9ii0 brasileiras. 3. ed. Petr6polis, Vozes,

1971. (Col. Educa!;iio e Tempo Preseote, 9.)

SARTRE, Jean-Paul. A Imagina!;aO. Os Pensadores, vol. XLV. Sao Paulo,

Abril Cultural, 1973. (Trad. de Luiz Roberto Salina Fortes.)SARTRE , Jean-Paul. Situa9oes II. Lisboa, Europa-America, 1968. (Trad. deRui Mario Gon!;alves.)

SCHUTZ, Alfred. Fenomenologia e rela9iies sociais. Rio de Janeiro, Zahar,1979 (Biblioteca de Ciencias Sociais - Sociologia.) (Org. e introd. deHelmut R. Wagner, Trad. de Angela Melin.)

SERRANO, Miguel. Hermann Hesse a C. G. l ung: o circulo hermetico. 2. ed.Sao Paulo, Brasiliense, 1973. (Trad. de Marcelo Cor9a0.)

TARDY, Michel. 0 professor e as imagens Sao, Paulo ,. Cultrix-EDUSP, 1976 .(Trad. de Frederico Pessoa de Barros.)

VERNON, M. D. Percep9iio e experiencia. Sao Paulo, Perspectiva, 1974 . (Co l.Estudos. 28.) {Trad. de Dante Moreira Leite.)

128

tao ligados a ducacao neste Pais. E d u c a ~ a o quevern sofrendo profundas transformacQes, emgrande parte deformantes e deformadoras, masque tern de servir como ponto, de panida para as

renexoes e as r e e s t r u t u r a ~ o e s que se pretendammais condizentes com um projeto de N a ~ a o inde-pendente.

SERlEMETODOLOGIA E PRATICA

DE ENSINO

Serie de textos destinados a

licenciandos e a professores,abordando tema s que auxiliem odesempenho profissional dos-

 

c a ~ i i o dos sentimentos, auxiliando, dialeticamente, na educacao do pensamento logico ."

Encerrando com urn capitulo onde silo tra<;adas diversas considera<;Oes a respeito da Arte no

ambito da e d u c a ~ i o bnasilelra, este texto se reve

COLEcAO EDUCAC.AO CO()TEffiPORAnEA

5/10/2018 Fundamentos Estéticos da Educação - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/fundamentos-esteticos-da-educacao 67/67

la como basico ao nosso educador. Basico a todos aqueles que, de uma forma ou de outra, est.ao ligados

aeducacao neste Pais. E d u c a ~ i l o que

vern sofrendo profundas transformacoes. em

grande parte deformantes e deformadoras, masque tem de servir como ponto,de partida para asreflexOes e as reestruturac;:Oes que se pretendammais condizentes com um projeto de Nacao independente.

SERlEMETODOLOGIA E PRATICADE ENSINO

Serie de textos destinados aJicenciandos e a professores,abordando temas que auxiliem o

desempenho profissional dos

• AE d u c a ~ a o

e Ilusao Liberal - Casemiro dos Reis Filho• Criativid<\de e Orie<nta9ao Educacional - Jorge A. M. Assumprtio

• E d u c a ~ a o : Do Senso Comum a Consciencia Filos6fica- DennevalSaviani

• Educacao e Autoritarismo no Estado Novo - Celio da Cunha

• E d u c a ~ a o e Dominacao Cultural - Tentativa de Reflexao Ontol6gicaDulce M. Critelli.

• Educacao e Luta ~ e Classe - Anfbal Ponce

• E d u c a ~ a o e Poder - Introducao aPedagogia do Conflito - Moacir

Gadotti• Educacao e M u d a n ~ a Social - Uma Tentativa Critic a - Fernanda B.

Sobral

• Estudos Interdisciplinares de Disturbios da Comunicacao .-A . Firmi-no de Paiva, Mauro Spinelli e Suzana Vieira.

• Foniatria: Disfonias, Fissuras Labiopalatais e Paralisia Cerebral -'Alfredo Tabith

• Ideologia e Hegemonia: As Condicoes de P r o d u ~ a o da Educacao (2?e d i ~ a o ) - Niuvenius Paoli

• I n o v a ~ a o Educacional no Brasil: Problemas e Perspectivas - Garcia,. ~ ¥ a l t e r (organizador)

• Metodologia e Pratica de Ensino de Gramatica - Zanetti, M.E.M.B.

• Metodologia do Trabalho Cientifico- 5 ~ edicao ampliada e atualiza-d a - Antonio J. Severino

• 0 Ato de Ler - Ezequiel T. da Silva

• 0 Estado Autodtar io Brasileiro e o Ensino Superior - Betty Oliveira

• 0 Professor Universitario em Aula - Maria Celia de Abreu e M.

Masetto

• Politica e E d u c a ~ i o Popular - Silvia M . Manfredi