ESTUDO SOBRE A EVOLUÇÃO DO RISCO DE INFECÇÃO · Uma vez que o risco pode variar com o tempo, o...

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ESTUDO SOBRE A EVOLUÇÃO DO RISCO DE INFECÇÃO TUBERCULOSA EM ÁREA COM ELEVADA COBERTURA POR BCG Gilberto Ribeiro Arantes * Stella Maria Costa Nardy * Jannete Nassar ** ARANTES, G.R. et al. Estudo sobre a evolução do risco de infecção tuberculosa em área com elevada cobertura por BCG. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 19:95-107, 1985. RESUMO: A partir da prevalência de infecção tuberculosa em escolares com 7 anos de idade, calculou-se a taxa de redução do risco anual de infecção na cidade de São Paulo (Brasil), entre 1974 e 1982. Nesse período o declínio médio foi de 5% ao ano. Nas 59 escolas municipais pesquisadas não houve correlação entre a cobertura de vacinação BCG e a prevalência de infecção natural em não-vacinados, à idade estudada. A alergia tuberculínica no grupo de crianças vacinadas, que recebeu a vacina em algu- ma idade anterior entre o 1 o e o 6 o ano de vida, revelou-se 2,5 vezes mais intensa do que a alergia no grupo de mesma idade (7 anos), não vacinado previamente. Foram feitos comentários quanto à impropriedade do material utilizado com vistas ao cálculo do verdadeiro valor do risco de infecção tuberculosa na área em questão. UNITERMOS: Tuberculose, risco de infecção. Vacina BCG. Teste tuberculínico. Hipersensibilidade tardia. INTRODUÇÃO * Do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Av. Dr. Arnaldo, 715 — 01255 — São Paulo, SP — Brasil. ** Da Secretaria de Estado da Saúde — Av. Dr. Arnaldo, 351 — 01246 — São Paulo, SP — Brasil. *** K. Styblo— The relationship between the annual risk of tuberculous infection and the incidence of smear-positive pulmonary tuberculosis. Tuberculosis Surveillance Research Unit Progress Report, 1982. [não publicado] O risco anual de infecção tuberculosa guarda estreita relação com a incidência anual de casos bacilíferos, tendo sido de- monstrada correspondência matemática entre ambos 24, ***. É um indicador que exprime a força de ataque da tuberculose na comunidade, bastante sensível às suas variações, e por isso considerado o melhor indicador iso- lado para aferir a intensidade do proble- ma, acompanhar sua tendência e avaliar o efeito global das ações exercidas para o controle 4,23 . Embora possa ser calcu- lado diretamente em estudos longitudi- nais, a maneira mais fácil e menos one- rosa de fazê-lo é a indireta, a partir da prevalência de infecção 16 . Como se sabe, a proporção de pessoas infectadas, em uma determinada idade, é expressão dos riscos de infecção aos quais as mesmas foram submetidas desde o nascimento; por esse motivo, o risco calculado nessa idade representa o risco médio nos anos anteriores 25 . Para se obter o risco atual determina-se a tendência do mesmo nos anos precedentes e, a partir do dado mé- dio, extrapola-se-o para o ano em curso. A tendência no tempo pode ser estima- da com base na prevalência de infecção em duas ou mais idades num mesmo ano, ou numa idade em anos diferen- tes 16,25 .

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ESTUDO SOBRE A EVOLUÇÃO DO RISCO DE INFECÇÃOTUBERCULOSA EM ÁREA COM ELEVADA COBERTURA

POR BCG

Gilberto Ribeiro Arantes *Stella Maria Costa Nardy *Jannete Nassar **

ARANTES, G.R. et al. Estudo sobre a evolução do risco de infecção tuberculosa em áreacom elevada cobertura por BCG. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 19:95-107, 1985.

RESUMO: A partir da prevalência de infecção tuberculosa em escolares com 7anos de idade, calculou-se a taxa de redução do risco anual de infecção na cidade deSão Paulo (Brasil), entre 1974 e 1982. Nesse período o declínio médio foi de 5% aoano. Nas 59 escolas municipais pesquisadas não houve correlação entre a cobertura devacinação BCG e a prevalência de infecção natural em não-vacinados, à idade estudada.A alergia tuberculínica no grupo de crianças vacinadas, que recebeu a vacina em algu-ma idade anterior entre o 1o e o 6o ano de vida, revelou-se 2,5 vezes mais intensa doque a alergia no grupo de mesma idade (7 anos), não vacinado previamente. Foramfeitos comentários quanto à impropriedade do material utilizado com vistas ao cálculodo verdadeiro valor do risco de infecção tuberculosa na área em questão.

UNITERMOS: Tuberculose, risco de infecção. Vacina BCG. Teste tuberculínico.Hipersensibilidade tardia.

INTRODUÇÃO

* Do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo— Av. Dr. Arnaldo, 715 — 01255 — São Paulo, SP — Brasil.

** Da Secretaria de Estado da Saúde — Av. Dr. Arnaldo, 351 — 01246 — São Paulo, SP — Brasil.*** K. Styblo— The relationship between the annual risk of tuberculous infection and the incidence of

smear-positive pulmonary tuberculosis. Tuberculosis Surveillance Research Unit Progress Report,1982. [não publicado]

O risco anual de infecção tuberculosaguarda estreita relação com a incidênciaanual de casos bacilíferos, tendo sido de-monstrada correspondência matemáticaentre ambos24, ***.

É um indicador que exprime a forçade ataque da tuberculose na comunidade,bastante sensível às suas variações, e porisso considerado o melhor indicador iso-lado para aferir a intensidade do proble-ma, acompanhar sua tendência e avaliaro efeito global das ações exercidas parao controle 4,23. Embora possa ser calcu-lado diretamente em estudos longitudi-nais, a maneira mais fácil e menos one-rosa de fazê-lo é a indireta, a partir da

prevalência de infecção 16. Como se sabe,a proporção de pessoas infectadas, emuma determinada idade, é expressão dosriscos de infecção aos quais as mesmasforam submetidas desde o nascimento;por esse motivo, o risco calculado nessaidade representa o risco médio nos anosanteriores25. Para se obter o risco atualdetermina-se a tendência do mesmo nosanos precedentes e, a partir do dado mé-dio, extrapola-se-o para o ano em curso.

A tendência no tempo pode ser estima-da com base na prevalência de infecçãoem duas ou mais idades num mesmoano, ou numa só idade em anos diferen-tes 16,25.

Uma vez que o risco pode variar como tempo, o risco médio deve abrangerum período de vida curto, daí a prefe-rência pelo início da idade escolar, oupouco mais, dependendo da realidadeepidemiológica; além do que, nessa faixaetária, as variações com a idade são me-nores 16 e por isso, para fins práticos, po-dem ser ignoradas.

No Estado de São Paulo, cujo contin-gente de doentes representa quase a quar-ta parte do estoque do país, as pesquisasa respeito são pouco numerosas, tendosido algumas delas realizadas em popu-lações de demanda, impróprias para essefim1,2,5,6,13,19 os levantamentos tuber-culínicos realizados em escolares do mu-nicípio de São Paulo, de 1970 a 1976,nos estudos que precederam a implanta-ção da vacina BCG pela via intradérmi-ca7,8, constituem material que, devida-mente tratado, permite alguns cálculosdo risco de infecção relativo àquela épo-ca; e a repetição de pelo menos um des-ses inquéritos, no presente, em condiçõescomparáveis, possibilitaria o cálculo datendência média desde então.

Com a implantação da vacinação in-tradérmica, capaz de produzir uma aler-gia tuberculínica intensa e duradoura,apenas os escolares ainda não vacinadosseriam utilizáveis para esse fim. Existemdúvidas quanto à validade de se calcularo risco de infecção, em não vacinados,quando a cobertura de vacinação BCG éelevada 16 pois os mesmos podem repre-sentar um grupo sócio-econômico dife-rente, mais sujeito aos fatores de risco.Todavia, se ao atingirem a idade escolar,os vacinados nos primeiros anos de vidaapresentarem alergia idêntica a dos nãovacinados, talvez eles possam ser tambémutilizados, superando-se com isso os in-convenientes de uma possível seleção.

Além disso, é possível que a presençade uma substancial parcela de populaçãovacinada, em uma comunidade, possa afe-tar a incidência e prevalência de infecção

entre os não vacinados da mesma comu-nidade 9.

Visando a contribuir para o esclareci-mento de algumas dessas questões e con-siderando a necessidade de se conhecermelhor a evolução da endemia, pelo me-nos no município de São Paulo, plane-jou-se esta pesquisa, cujos objetivos foramos seguintes:

1. Determinar a tendência do risco deinfecção em crianças com 7 anos de ida-de, não vacinadas, matriculadas em esco-las primárias, no município de São Paulo.

2. Comparar a alergia tuberculínicados vacinados com a dos não vacinados,à idade escolar.

3. Verificar se nas escolas examina-das há correlação entre a cobertura va-cinal e a prevalência de infecção tuber-culosa nos não vacinados.

MATERIAL e MÉTODOS

A capital do Estado de São Paulo é omunicípio de mesmo nome, localizado noplanalto paulista. Estendendo-se por1.520 km2, compreende cerca de 56 uni-dades administrativas (distritos ou sub-distritos). Sua população era de 3.709.274habitantes em 1960, 5.978.977 em 1970e 8.493.598 em 1980, distribuída em 3zonas — "central", "intermediária" e"periférica" — de acordo com a sua po-sição geográfica e segundo as taxas decrescimento populacional, grau de urba-nização, condições de saneamento bási-co e nível sócio-econômico 12. O crescci-mento populacional, muito grande naszonas intermediária e periférica, foi de-vido, em grande parte, ao afluxo de mi-grantes, na sua maioria pessoas de níveleducacional e econômico reduzido 12.

A rede pública de ensino primário eraconstituída por 486 escolas estaduais e218 municipais no começo da década de70; em 1982 essas redes atingiram res-pectivamente 715 e 278 unidades. Apro-ximadamente 70% das escolas munici-

pais e 50% das estaduais se localizam na"periferia", isto é, naquelas zonas ondepredominam precárias condições sócio-econômicas e sanitárias11,20.

População de estudo — Constitui-sede alunos de 59 escolas municipais de

1.° grau, a maioria delas (39) localizadasnas zonas central e intermediária e algu-mas (20) na zona periférica; como se po-de notar na Fig. l, a maior parte dazona periférica, isto é, as áreas a noroes-te, leste e sul, não esteve representada.

Essas mesmas escolas fizeram partede levantamento tuberculínico realizadono ano de 1974. Foram incluídos apenasos alunos com 7 anos completados noinício das aulas (02/Fev/82), cursandoa primeira série do primeiro grau duranteo primeiro semestre letivo de 1982, comautorização paterna para fazer parte dapesquisa. Ao serem inscritos, era solici-tado aos alunos que apresentassem a"caderneta de vacinação", embora estacondição não fosse eliminatória. Os da-dos de identificação, data de vacinaçãoBCG ou ausência de anotação à respei-to, bem como a informação sobre a apre-sentação ou não da Caderneta eram ano-tados em fichas individuais. A equipetécnica de campo foi constituída por en-fermeiras e auxiliares de saúde pública,padronizadas e aferidas, e educadoras —algumas delas participantes da equipe de1974; a suprevisão foi feita por um dosautores do presente trabalho, nas duasoportunidades.

Após a pesquisa de cicatriz vacinal emambos os braços, anotando-se na fichaa presença ou ausência da mesma, apli-cou-se o teste tuberculínico segundo nor-mas técnicas em vigor17. A leitura erafeita 72 h depois, com anotação do resul-tado em milímetros. A apuração dos da-dos foi realizada manualmente.

"A proporção de uma coorte que ain-da permanece não infectada numa certaidade é igual ao produto dos riscos anuaisde escapar à infecção experimentados pe-la coorte até aquela idade" 25, o que sepode expressar matematicamente por26:

Nn = No x (l - r)n

onde,

n = idade da coorte em questão,

Nn = proporção de não infectadosà idade atual,

No = proporção de não infectados àà idade inicial,

r = risco anual médio de infecçãoentre "o" e "n".

Para o cálculo do risco de infecção de-rivou-se da equação supra a seguinte ex-pressão:

r = l - Nn1/n

Admitindo-se que o declínio do riscode infecção tenha ocorrido segundo umacurva exponencial, como se observou emoutras áreas26, a redução (R) no perío-do compreendido entre os dois anos es-tudados foi calculada pela expressão:

R = l - ( rf/ri )1/t

onde,

rf = risco de infecção no final doperíodo

ri — risco de infecção no início doperíodo

t = intervalo em anos, entre os doislevantamentos.

RESULTADOS

Na Tabela l constam dados relativosa levantamentos tuberculínicos realizadosde 1970 a 1976 em escolas públicas nomunicípio de São Paulo.

Na Tabela 2 pode-se comparar a pre-valência de reatores fortes aos 7 anos deidade, entre alunos da primeira série doprimeiro grau, de escolas municipais, se-gundo o semestre letivo do ano de 1974.Na Fig. 2 é apresentada a distribuiçãoda população de estudo em 1982, segun-do a presença de cicatriz vacinal, apre-sentação da caderneta e antecedente va-cinal. Naquele ano havia 5.827 alunoscom 7 anos completos, na primeira sériedas 59 escolas estudadas, no primeiro se-mestre letivo; o teste tuberculínico foiaplicado em 5.249 (90%) e lido em4.914 (94%).

Destes, 3.294 (67%) apresentavam ci-catriz vacinal atribuível ao BCG, e porisso classificados como vacinados, inclu-sive os 1.077 que não apresentaram arespectiva caderneta. Os 1.620 sem ci-catriz, descontados 52 com o dado po-sitivo na caderneta, foram consideradosnão vacinados e os respectivos resultados

do teste tuberculínico foram utilizadospara o cálculo do risco de infecção.

A prevalência de reatores fortes ao tes-te tuberculínico, por Região Municipalde Ensino, é apresentada na Tabela 3;nas Tabelas 4 e 5 esses mesmos dadossão apresentados segundo o Distrito/Sub-distrito de Paz do município.

O risco anual de infecção aos 7 anosde idade, que era de 1,09% em 1974,caiu para 0,71% em 1982, correspon-dendo essa diferença a um declínio mé-dio anual de 5%.

Na Tabela 6 são apresentados o diâ-

metro médio e as percentagens de rea-ções entre 5 e 9 mm e com 10 e maismilímetros nos vacinados, segundo o tem-po decorrido após a vacinação, e os res-pectivos totais, em comparação com osdados relativos aos não vacinados.

Os perfis tuberculínicos traçados comos resultados individuais obtidos no totalde vacinados e não vacinados podemser vistos nas Figs. 3 e 4, respectivamente.

Finalmente, a prevalência de criançascom cicatriz vacinal e a prevalência deinfecção nos não vacinados, nas 59 esco-las estudadas, são apresentadas de for-

ma agrupada na Tabela 7 e de formaindividualizada no diagrama da Fig. 5. O

coeficiente de correlação, "r", entre asduas variáveis, foi igual a 0,024.

DISCUSSÃO

A metodologia mais adequada para ocálculo do risco anual de infecção e suatendência, em uma dada população, éaquela que se baseia na prevalência dainfecção tuberculosa em diversas idades,em anos diferentes 25. Os dados disponí-veis, relativos ao período de 1970 a1976, poderiam ter sido utilizados paraesse fim, não fosse a falta de compara-bilidade entre os mesmos. Assim, os re-sultados relativos ao ano de 1970 refe-rem-se a alunos de 104 escolas estaduais(20% do total), cuja distribuição geo-gráfica não coincide com as das escolasmunicipais; de 1971 a 1974 referem-sea alunos de todas as escolas municipaisexistentes na época (pouco mais de 200);em 1975 o levantamento foi realizadoem apenas 10% das escolas municipaise em 1976 em outra amostra de 10%,diferente da anterior. A seqüência dasescolas não seguiu a mesma ordem nossucessivos levantamentos de modo que

uma mesma escola foi pesquisada, nosdiversos anos, em diferentes momentosdo ano letivo, o que prejudica a com-paração. A razão para isso é a evasãoescolar, fenômeno ainda significativo noensino público deste Estado 18,21,22, inclu-sive no decurso da primeira série doprimeiro grau, sendo lícito supor que osevasores sejam os de pior condição só-cio-econômica e por isso mais sujeitos aorisco de infecção tuberculosa. Conse-qüentemente, os dados referentes ao se-gundo semestre, provavelmente expurga-dos da parcela mais afetada, não podemser misturados com os dados relativos aoprimeiro semestre. Na Tabela 2 pode-sever que no ano de 1974 a prevalência dereatores fortes, do primeiro para o se-gundo semestre caiu de 7,4% para 5,7%,embora as escolas examinadas no segun-do semestre estivessem localizadas naszonas mais carentes da cidade.

O exame dos dados da Tabela l reve-la que a prevalência por idade foi bas-

tante irregular nos anos de 1973, 1975e 1976, quando o lógico seriam valoresregularmente em ascensão; já a irregu-laridade da prevalência às idades de 6,8 e 9 anos, na seqüência dos anos estu-dados, seria explicada pelo pequeno nú-mero de alunos com essas idades, cur-sando a primeira série do primeiro grau.O material mais apropriado seria aque-le referente à idade de 7 anos, no pe-ríodo de 1971 a 1974, desde que sepudesse analisar separadamente cada se-mestre — o que não foi possível devidoà perda dos dados primários relativos aos3 primeiros anos.

Daí o motivo pelo qual, de todo omaterial anterior, só foi aproveitado ogrupo etário de 7 anos, referente ao anode 1974.

Sendo a cobertura BCG muito elevadadesde os primeiros anos de vida, corre-se o risco de incluir inadvertidamente al-guns vacinados sem cicatriz, no grupodos não vacinados 16. No material destapesquisa, 52 crianças vacinadas que nãoapresentavam cicatriz foram identifica-das pelo dado positivo nas cadernetasde vacinação. Acontece que 53% dascrianças sem cicatriz (Fig. 2) não apre-sentaram aquele documento, impossibi-litando a identificação de outros vacina-dos sem cicatriz, que devem ter feitoparte, erroneamente, do grupo não vaci-nado. Supondo-se que a distribuição fos-se a mesma, estimou-se que 60 deles es-tariam nessa categoria, e com isso o nú-mero total de vacinados sem cicatriz an-daria por volta de 112 (3%), o que estádentro da proporção esperada. Tais crian-ças, efetivamente não identificadas, cer-tamente "contaminaram" o perfil tuber-culínico do grupo não vacinado e, emcontrapartida, propiciaram uma subesti-mativa do perfil dos vacinados.

Quando a estratégia de vacinação é adireta, isto é, sem teste tuberculínico pré-vio (como ocorre em São Paulo), os nãovacinados podem ser utilizados em estu-

dos de risco de infecção. Nessa eventua-lidade aceita-se que os mesmos repre-sentem tanto os não-reatores como osreatores, anteriores à vacinação 16. Toda-via, a comparação entre os dados de1982 com os da população estudadaem 1974 talvez não seja válida se a co-bertura BCG influir na incidência e pre-valência de infecção entre os não vaci-nados, em termos reais ou apenas afe-tando os cálculos. Nesse sentido, pesqui-sadores do Instituto Nacional de Tuber-culose, da índia, fizeram uma investiga-ção para estudar a possibilidade de va-riações na prevalência de infecção emcrianças não vacinadas, em 90 localida-des do interior daquele país, em funçãode diferentes coberturas com BCG; nãofoi observada correlação entre as duasvariáveis 9. Mais ainda, a prevalência deinfecção nos grupos examinados não foidiferente da observada em 119 localida-des vizinhas nas quais a vacinação BCGera quase ausente 10.

Neste trabalho os dados de coberturavacinal e de prevalência de infecção, nas59 escolas estudadas, também eviden-ciaram não correlação entre ambas (Ta-bela 6 e Fig. 5), e por isso, os resulta-dos de 1974 foram comparados com osde 1982.

A tendência da prevalência de infec-ção (e, conseqüentemente, do risco deinfecção) revelou-se decrescente no to-tal das escolas examinadas (Tabela 3);analisada segundo as regiões administra-tivas da Secretaria Municipal de Educa-ção, também foi decrescente, com exce-ção da regional da Sé. Esse fato podedecorrer dos muitos cortiços e barracosisolados existentes na área, mas o pe-queno número de crianças examinadas,em 1982, também poderia explicar adiscrepância observada.

Análise segundo o Distrito ou Sub-distrito de Paz (Tabela 4) revelou ten-dência decrescente no sub-conjunto dosmesmos onde mais de uma escola foi

pesquisada (de 7,3% para 4,4%); estegrupo compreende 86% das criançasexaminadas. Nos demais distritos/sub-distritos, onde apenas uma escola foipesquisada, a tendência foi variável po-rém a resultante final foi ascendente de7,8% para 9,1%. É possível que o pe-queno número de participantes, especial-mente no segundo inquérito, explique avariabilidade observada. Não se podeafastar, porém, a possibilidade de um realincremento no risco de infecção em al-gumas áreas, acompanhando a notóriadesvalorização do poder aquisitivo e pio-ra da qualidade de vida de uma substan-cial parcela da população metropolitana.

Estudo realizado em 1975 com osdados da Tabela l, sem que se tivessemlevado em conta as restrições apresenta-das no início deste capítulo, levou à con-clusão de que o risco de infecção apre-sentava tendência ascendente no muni-cípio de São Paulo, de 1955 a 1971, àbase de 6,4% ao ano 15. Contraditoria-mente, nesse mesmo estudo, a incidênciade meningite tuberculosa em crianças me-nores de 5 anos, a qual costuma manterestreita relação com o risco de infecção,caiu 6,6% ao ano, no mesmo período!Se esta última for aceita como a expres-são mais correta da tendência do riscoanual de infecção tuberculosa no períodoem questão, verifica-se que o declínioobservado de 1974 a 1982 foi menorque o declínio de 1955 a 1971, corrobo-rando a idéia de que a situação epide-miológica da tuberculose estaria pioran-do na Capital de São Paulo, pelo menosem algumas de suas áreas. Na falta dedados intermediários entre os dois pon-tos extremos da curva não se pode afastara possibilidade de uma tendência emcurva parabólica, na qual o risco de in-fecção, embora com uma resultante finaldecrescente, esteja aumentando nos úl-timos anos do período.

Se a tendência do risco de infecção,apesar das falhas apontadas, pôde ser

aproximadamente estabelecida, o mes-mo não se poderá dizer quanto à suamagnitude nos dois momentos estudados.Nesse sentido, o material de 1974 é in-completo, pois os resultados relativos aosegundo semestre deixaram de incluirevasores provavelmente infectados; e osdados do primeiro semestre não incluí-ram escolas das zonas leste, sul e noroes-te, sabidamente sob condições de vidainferiores às das demais zonas.

Pelos mesmos motivos, o risco refe-rente ao ano de 1982 também pode estarsubestimado. Acrescente-se que, cercade 25% das crianças de 7 anos estãofora da escola no município de SãoPaulo 22.

Finalmente, no que concerne à evolu-ção da alergia tuberculínica no grupo va-cinado, os resultados apresentados naTabela 5 mostram que a mesma aindaé intensa aos 7 anos de idade, indepen-dentemente dos anos transcorridos; osperfis tuberculínicos apresentados nasFigs. 3 e 4 são bastante diferentes entresi, o primeiro deles lembrando a meta-de direita de uma distribuição normal,como se fosse um perfil em involução,e o segundo, um perfil com tendência àbimodalidade, típico de populações nãovacinadas vivendo em áreas com baixaprevalência de micobactérias atípicas3.

CONCLUSÕES

À vista dessas considerações os auto-res chegam às seguintes conclusões:1. A resultante final da evolução do

risco de infecção tuberculosa, de1974 a 1982, na população estuda-da, foi decrescente, embora não sepossa afastar uma componente as-cendente nos últimos anos do pe-ríodo.

2. Novos estudos sobre o assunto de-verão levar em conta a evasão es-colar, incluir a rede pública de en-sino estadual e a rede privada eabranger todos os Distritos/Sub-dis-tritos da cidade.

3. Nas escolas estudadas não houvecorrelação entre a cobertura vacinale a prevalência de infecção naturalaos 7 anos de idade.

4. A alergia tuberculínica no grupo decrianças com 7 anos completos, va-

cinadas em alguma idade entre oprimeiro e o sexto ano de vida, re-velou-se 2,5 vezes mais intensa quea alergia em um grupo de criançasda mesma idade, não vacinadas, oque inviabiliza a sua utilização parao cálculo do risco de infecção.

ARANTES, G. R. et al. [The trend in the risk of tuberculous infection in an area withwide coverage with BCG vaccination]. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 19:95-107, 1985.

ABSTRACT: The estimation of the risk of tuberculous infection from prevalencedata obtained at school-age, in 1974 and in 1982, permitted the determination of therelevant trend in the city of S. Paulo, Brazil, between those years. The risk of infectiondecreased, on average, by 5% annually during the period. There was no evidence ofany association between the proportions of vaccinated children and that of infectedchildren among those unvaccinated, in the 59 schools studied. Tuberculin sensitivityin 7 years old school-children, vaccinated with BCG at any age between the 1st andthe 6th year of life was 2.5 times more intense than that in unvaccinaetd children ofthe same age. With regard to the calculation of the true value of the risk of tuberculousinfection, commentaries about the unrealiability of the available data were made.

UNITERMS: Tuberculosis BCG vaccine. Tuberculin test. Hipersensibility, delayed.

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Recebido para publicação em 05/09/1984

Reapresentado em 29/01/1985

Aprovado para publicação em 27/02/1985