Epistemologias Do Sul1

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8/9/2019 Epistemologias Do Sul1 http://slidepdf.com/reader/full/epistemologias-do-sul1 1/517  Epistemologias do Sul boaventura de sousa santos  maria paula meneses (Os.)

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 Epistemologias do Sul 

boaventura de sousa santos

 maria paula men ese s (Os.)

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 Biblioec Ncionl e Porugl – Clogção n Publicção

Epistemooias do Su / o. Boaentua deSousa Santos, Maia Paua Meneses. – (CES)ISBN 978-972-40-3738-7

I – SANTOS, Boaentua de Sousa, 1940-II – MENESES, Maia Paua

CDU 165304325316

EPISTEMOlOgIAS DO SUl

OrgANIzADOrES

BOAvENTUrA DE SOUSA SANTOSMArIA PAUlA MENESES

E D I T O r  

EDIçES AlMEDINA. SA  A. Fenão Maahães, nº 584, 5º Anda3000-174 Coimba

Te.: 239 851 904Fax: 239 851 901 [email protected]

P r é - I M P r E S S O | I M P r E S S O | A C A B A M E N T O

g.C. grÁFICA DE COIMBrA, lDA.Paheia – Assafae3001-453 [email protected]

 Janeio, 2009

D E P Ó S I T O l E g A l

287846/09

Os dados e as opiniões inseidos na pesente pubicaãosão da excusia esponsabiidade do(s) seu(s) auto(es).

Toda a epoduão desta oba, po fotocópia ou outo quaquepocesso, sem pia autoiaão escita do Edito, iícitae passíe de pocedimento judicia conta o infacto.

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ÍndiCe

Pefácio 7

Sumáio

 Introdução  9Boaentua de Sousa Santos e Maia Paua Meneses

Parte 1 – Da Colonialidade à Descolonialidade 21

CAPTUlO 1: Para além do Pensamento Abissal:das linhas globais a uma ecologia de saberes  23

Boaentua de Sousa Santos

CAPTUlO 2: Colonialidade do Poder e Classicação Social 73

 Aniba Quijano

CAPTUlO 3: Conhecimento de África, Conhecimentos de Africanos:duas perspectivas sobre os Estudos Africanos 119

Pauin J. Hountondji

Parte 2 – As Modernidades das Tradiões 133

CAPTUlO 4: Globalização e Ubuntu 135

Moobe B. ramose

CAPTUlO 5: Corpos de violência, Linguagens de Resistência:as complexas teias de conhecimentos no Moçambique contemporâneo 177

Maia Paua Meneses

CAPTUlO 6: O Resgate da Epistemologia  215

 João Aiscado Nunes

CAPTUlO 7: A Debate sobre o “Encerramento do Ijtihaad” e a sua crítica 243

liaate J. K. Bonate

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CAPTUlO 8: Transições no ‘Progresso’ da Civilização:teorização sobre a história, a prática e a tradição  261

Ebahim Moosa

Parte 3 – Geo-políticas e a sua Suversão 281

CAPTUlO 9: Meditações Anti‑Cartesianas sobre a Origem do Anti‑Discurso Filosóco da Modernidade 283

Enique Dusse

CAPTUlO 10: A Topologia do Ser e a Geopolítica do Conhecimento:modernidade, império e colonialidade 337

Neson Madonado-Toes

CAPTUlO 11: Para Descolonizar os Estudos de Economia Política e os Estudos Pós‑coloniais: transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global 383

ramón gosfoue

CAPTUlO 12: Intelectuais Negros e Produção do Conhecimento: algumas reexões sobre a realidade brasileira 419

Nima gomes

Parte 4 – A Reinvenões dos Lugares 443

CAPTUlO 13: Um Ocidente Não‑Ocidentalista?: a losoa à venda,a douta ignorância e a aposta de Pascal 445

Boaentua de Sousa Santos

CAPTUlO 14: Encontros Culturais e o Oriente:um estudo das políticas de conhecimento 487

Shi visanathan

CAPTUlO 15: Filosoa e Conhecimento Indígena: uma perspectiva africana  507

Dismas A. Masoo

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prefáCio

Po que aão, nos dois útimos scuos, dominou uma epistemooiaque eiminou da eexão epistemoóica o contexto cutua e poítico dapoduão e epoduão do conhecimento? Quais foam as consequências deuma ta descontextuaiaão? São hoje possíeis outas epistemooias?

Este io pocua da esposta a estas peuntas, patindo de duasideias. Pimeio, que não há epistemooias neutas e as que ecamam sê-osão as menos neutas; seundo, que a eexão epistemoóica dee incidinão nos conhecimentos em abstacto, mas nas páticas de conhecimento e

nos seus impactos noutas páticas sociais. é à u deas que impota questio-na o impacto do cooniaismo e do capitaismo modenos na constuão dasepistemooias dominantes. O cooniaismo, paa am de todas as domina-ões po que conhecido, foi tambm uma dominaão epistemoóica, umaeaão extemamente desiua de sabe-pode que conduiu à supessão demuitas fomas de sabe pópias dos poos e naões cooniados, eeandomuitos outos sabees paa um espao de subatenidade.

Não se connando à cítica, este io popõe uma atenatia, ene-icamente desinada po Epistemooias do Su. Tata-se do conjunto de

inteenões epistemoóicas que denunciam a supessão dos sabees eadaa cabo, ao ono dos útimos scuos, pea noma epistemoóica dominante, aoiam os sabees que esistiam com êxito e as eexões que estes têmpoduido e inestiam as condiões de um diáoo hoionta ente conhe-cimentos. A esse diáoo ente sabees chamamos ecooias de sabees.

Queemos aadece antes de mais à reista Cítica de Ciências Sociaisonde pate dos textos incuídos neste io foam pubicados pea pimeia

 e em potuuês. Aadecemos muito especiamente a Esa Santos que pe-paou paa pubicaão muitos dos textos, e aos nossos tadutoes: Aice Cu,

Inês Matins Feeia, Isabe Abeu, lennita Oieia rui, victo Feeia eluís Fiipe Samento.Finamente aadecemos às eistas e aos oaniadoes e editoes dos

ios onde foam pubicados pea pimeia e os seuintes textos:

• Aniba Quijano (2000), “Cooniaidad de Pode y CassicacionSocia”, Journal of World -Systems Research, 6 (2), 342-386.

• Dismas A. Masoo (2003), “Phiosophy and Indienous Knowede: an Afican Pespectie,” Africa Today, 50 (2), 21-38.

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• Ebahim Moosa (2007), “Tansitions in the ‘Poess’ of Ciiiation:Theoiin Histoy, Pactice, and Tadition”, in Omid Sa; vincent J.

Cone (o.), Voices of Change, Voices of Islam. Westpot, CT: Paee,115-130

• Maobe B. ramose (1999): African Philosophy Through Ubuntu. Haae:Mond Books Pubishes [exceto]

• Neson Madonado-Toes (2004), “The topooy of bein and theeopoitics of knowede: Modenity, empie, cooniaity”, City, 8 (1),29-56.

• ramón gosfoue (2008), “Decooniin Poitica-Economy andPost-Coonia Studies: Tansmodenity, Bode Thinkin, and goba

Cooniaity”, in ramón gosfoue; Jos Daid Sadía; Neson Ma-donado Toes (os.) Unsettling postcoloniality : coloniality, transmodernityand border thinking . Chappe Hi, NC: Duke Uniesity Pess.

• Shi visanathan (2003), “Cutua Encountes and the Oient: aStudy in the Poitics of Knowede”, Diogenes, 50 (4), 69-81.

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introdução

 Boaventura de Sousa Santos e Maria Paula Meneses

Uma epistemologia do Sul assenta em três orientações:aprender que existe o Sul;aprender a ir para o Sul;

aprender a partir do Sul e com o Sul (Santos, 1995:508)

Toda a expeiência socia podu e epodu conhecimento e, ao faê--o, pessupõe uma ou áias epistemooias. Epistemooia toda a noãoou ideia, eectida ou não, sobe as condiões do que conta como conheci-mento áido. é po ia do conhecimento áido que uma dada expeiênciasocia se tona intenciona e inteiíe. Não há, pois, conhecimento sem pá-ticas e actoes sociais. E como umas e outos não existem senão no inteiode eaões sociais, difeentes tipos de eaões sociais podem da oiem a

difeentes epistemooias. As difeenas podem se mínimas e, mesmo seandes, podem não se objecto de discussão, mas, em quaque caso, estãomuitas ees na oiem das tensões ou contadiões pesentes nas expeiên-cias sociais sobetudo quando, como nomamente o caso, estas são cons-tituídas po difeentes tipos de eaões sociais. No seu sentido mais ampo,as eaões sociais são sempe cutuais (inta-cutuais ou inte-cutuais)e poíticas (epesentam distibuiões desiuais de pode).1  Assim sendo,quaque conhecimento áido sempe contextua, tanto em temos dedifeena cutua como em temos de difeena poítica. Paa am de cetospatamaes de difeena cutua e poítica, as expeiências sociais são consti-

tuídas po áios conhecimentos, cada um com os seus citios de aidade,ou seja, são constituídas po conhecimentos iais.

1  Ao contáio do muticutuaismo – que pessupõe a existência de uma cutuadominante que aceita, toea ou econhece a existência de outas cutuas no espaocutua onde domina – a intecutuaidade pessupõe o econhecimento ecípoco e adisponibiidade paa eniquecimento mútuo ente áias cutuas que patiham um dadoespao cutua.

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Em face desta eexão eantam-se tês peuntas. Po que aão, nosdois útimos scuos, dominou uma epistemooia que eiminou da eexão

epistemoóica o contexto cutua e poítico da poduão e epoduão doconhecimento? Quais foam as consequências de uma ta descontextuaia-ão? Haeá epistemooias atenatias?

Este io pocua da esposta a estas peuntas. A pati de pes-pectias e de inhas de inestiaão distintas, os textos eunidos neste iopatiham as seuintes ideias. Pimeio, a epistemooia dominante , defacto, uma epistemooia contextua que assenta numa dupa difeena: adifeena cutua do mundo modeno cistão ocidenta e a difeena poí-tica do cooniaismo e capitaismo. A tansfomaão deste hipe-contexto na

eiindicaão de uma petensão de uniesaidade, que se eio a pasma naciência modena, o esutado de uma inteenão epistemoóica que sófoi possíe com base na foa com que a inteenão poítica, económica emiita do cooniaismo e do capitaismo modenos se impuseam aos poose cutuas não-ocidentais e não-cistãos (Santos, Meneses e Nunes, 2004).Só isto expica que mesmo as fomas de conhecimento ocidenta que foamepistemooicamente mainaiadas pea ciência modena – a osoa e ateooia ocidentais – tenham tido a petensão de uniesaidade.

 A seunda ideia que esta dupa inteenão foi de ta maneia po-funda que descedibiiou e, sempe que necessáio, supimiu todas as páti-cas sociais de conhecimento que contaiassem os inteesses que ea seia.Nisso consistiu o epistemicídio, ou seja, a supessão dos conhecimentosocais pepetada po um conhecimento aieníena (Santos: 1998: 208). Defacto, sob o petexto da ‘missão cooniadoa’, o pojecto da cooniaão po-cuou homoeneia o mundo, obiteando as difeenas cutuais (Meneses,2007). Com isso, despediou-se muita expeiência socia e eduiu-se adiesidade epistemoóica, cutua e poítica do mundo. Na medida emque sobeieam, essas expeiências e essa diesidade foam submetidas ànoma epistemoóica dominante: foam denidas (e, muitas ees, acaba-

am-se auto-denindo) como sabees ocais e contextuais apenas utiiáeisem duas cicunstâncias: como matia pima paa o aano do conhecimentocientíco; como instumentos de oeno indiecto, incucando nos poose páticas dominadas a iusão cedíe de seem auto-oenados. A pedade uma auto-efeência enuína não foi apenas uma peda noseoóica, foitambm, e sobetudo, uma peda ontoóica: sabees infeioes pópios desees infeioes.

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introdução 11

 A teceia ideia que a ciência modena não foi, nos dois útimosscuos, nem um ma incondiciona nem um bem incondiciona. Ea pópia

diesa intenamente, o que he pemite inteenões contaditóias nasociedade. E a edade que foi (e continua a se) muitas ees apopiadapo upos sociais subatenos e opimidos paa eitima as suas causase fotaece as suas utas. O impotante numa aaiaão históica do papeda ciência te pesente que os juíos epistemoóicos sobe a ciência nãopodem se feitos sem toma em conta a institucionaidade que se constituiucom base nea. A epistemooia que confeiu à ciência a excusiidade doconhecimento áido taduiu-se num asto apaato instituciona – uniesi-dades, centos de inestiaão, sistema de peitos, paecees tcnicos – e foi

ee que tonou mais difíci ou mesmo impossíe o diáoo ente a ciência e osoutos sabees. Oa essa dimensão instituciona, apesa de cucia, cou foado ada epistemoóico. Com isso, o conhecimento cientíco pôde ocuta ocontexto sócio-poítico da sua poduão subjacente à uniesaidade descon-textuaiada da sua petensão de aidade.

 A quata ideia que a cítica deste eime epistemoóico hoje possí- e deido a um conjunto de cicunstâncias que, paadoxamente, pemitemidentica meho que nunca a possibidade e at a uência de atenatiasepistemoóicas ao mesmo tempo que eeam a iantesca dimensão dosobstácuos poíticos e cutuais que impedem a sua concetiaão. A eo-uão da infomaão e da comunicaão combinada com a tendência docapitaismo paa edui à ei do ao – tansfoma utiidades em aoes detoca e, potanto, em mecadoias – mais e mais dimensões da ida coectia(cutuais, espiituais, simbóicas) e da natuea, ampiou as contadiões dadominaão capitaista e as esistências que enfenta ao mesmo tempo quehes confeiu uma maio isibiidade. Hoje, a isuaiaão da diesidade cu-tua e epistemoóica do mundo , ea pópia, mais diesa e, po isso, maisconincente paa púbicos mais ampos e mais diesos.

Simutaneamente, pom, as condiões do tempo pesente tonam

as difeenas cutuais e poíticas mais pofundas e insidiosas e mais difícia uta conta eas. Po um ado, o capitaismo oba, mais que um modode poduão, hoje um eime cutua e ciiiaciona, potanto, estendecada e mais os seus tentácuos a domínios que dicimente se concebemcomo capitaistas, da famíia à eiião, da estão do tempo à capacidade deconcentaão, da concepão de tempo ie às eaões com os que nos estãomais póximos, da aaiaão do mito cientíco à aaiaão moa dos com-potamentos que nos afectam. luta conta uma dominaão cada e mais

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do cooniaismo poítico. Paa o combate, popõe uma iniciatia epistemoó-ica assente na ecooia dos sabees e na taduão intecutua.

 Aniba Quijano, a pati de uma anáise da situaão atino-ameicana,desenoe o conceito de colonialidade. Questionando a natuaiaão dasexpeiências, identidades e eaões históicas da cooniaidade e da disti-buião eocutua do pode capitaista mundia, especiamente nos útimosdois scuos, Quijano abe caminho, em diáoo com a tadião de Max, paauma intepetaão epistmica da situaão de dominaão pesente no Suoba. Paa o auto, a destuião da cooniaidade do pode, enquanto ea-ão de expoaão, um dos factoes deteminantes da uta conta o padãouniesa do capitaismo euocentado.

Pauin Hountondji, ao questiona quão aficanos são os chamadosestudos aficanos, abe caminho paa uma discussão sobe a natuaiaão doconhecimento, enquanto símboo da pesistência de uma eaão coonia.

 A pati da sua expeiência como ósofo, o auto desaa os inestiadoes atabahaem em diáoo, po foma a utapassa a eaão de dominaão pe-sente em muitos dos estudos feitos ‘sobe’ Áfica. Como Hountonji aponta,esta outa poduão do conhecimento deeá acontece a pa de uma ea-popiaão cítica dos pópios conhecimentos endóenos de Áfica e, maisdo que isso, com uma apopiaão cítica do pópio pocesso de poduão ecapitaiaão do conhecimento

 A seunda pate, intituada As Modernidades das Tradições centa-se numasdas dicotomias centais em que foi etida a difeena epistemoóica: a dico-tomia ente tadião e modenidade. A desquaicaão dos sabees não-oci-dentais consistiu, ente outos dispositios conceptuais, na sua desinaãocomo tadicionais e, potanto, como esíduos de um passado sem futuo.Este útimo cabeia em excusio à modenidade ocidenta. O objectio destapate mosta que a dicotomiaão dos sabees foi um acto modeno que,paadoxamente, inestiu de modenidade, tanto os sabees que desinou

como modenos, quanto os que desinou como tadicionais. Estes útimos,eeaam-se modenos na foma como esistiam ao sabe heemónico e poisso deem se concebidos como modenidades atenatias. No mesmo po-cesso a modenidade ocidenta conete-se numa tadião ente outas, umatadião cuja caacteística mais especíca foi peoatia de pode desinauniateamente as outas tadicões como tadicionais. Uma e opeada estaeconceptuaiaão possíe esata epistemooicamente a modenidadeocidenta .

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introdução 15

Moobe ramose anaisa a obaiaão a pati do conceito de ubuntu. Os pocessos da obaiaão neoibea em cuso têm eado à cescente

difusão de uma óica de mecado, paa a qua a dinidade, a seuana emesmo a sobeiência do se humano deixaam de se o ao centa. Estepocesso, aceaado pea tentatia de heemonia cutua do Note oba,tem afectado pofundamente as sociedades aficanas; estas, todaia, encon-tam no ubuntu uma atenatia. O ubuntu, ao pomoe uma atenão especiaà pessoa humana, exempo de uma outa epistemooia, pesente em áioscontextos aficanos, capa de inspia uma outa foma de esta e de se se nomundo, contibuindo paa o debate oba sobe os dieitos humanos.

Maia Paua Meneses, debuando-se sobe a anáise de um suposto

caso de táco humano em Moambique, discute os ma entendidos eadosquando conhecimentos distintos se confontam. Paa a autoa, fundamen-ta que as difeentes cutuas possuam imaens concetas sobe si pópias esobe as outas, assim como das eaões de pode e de sabe que as unem ediidem. Ao pobematia as mútipas intepetaões enoidas num casoextemamente mediático, a autoa suee que um enoimento cítico pe-manente e uma consciência actia sobe as eaões de pode enteaadasnos sistemas de conhecimento pemitem desaa a otodoxia dominante naacademia, contibuindo paa uma outa eitua – conceptua, metodoóica eepistmica – dos pobemas aficanos.

 João Aiscado Nunes aaia, de foma cítica, as tansfomaões e cisesque ocoeam no seio do pojecto da epistemooia modena. Com umaênfase centada na tadião dos estudos sociais da ciência, Aiscado Nunesanaisa o debate epistemoóico pesente, usando o conceito de ‘pensamentoabissa’ e ‘pós-abissa, de Boaentua de Sousa Santos como poposta meto-doóica. Ao esata o pamatismo osóco – enquanto uma das expes-sões mais adicais de cítica da epistemooia conenciona – este autoexpoa as possibiidades de ciaão de um espao de diáoo ente a cíticacomo pojecto osóco e a poposta de uma epistemooia do Su oba.

liaate Bonate fa uma anáise citica da apaente estanaão e fatade ciatiidade na juispudência muumana. A tadião da descentaiaãoda autoidade eiiosa e a ausência de uma tensão impotante ente as áiasescoas de juispudência isâmica ajudaam os ulama a mante uma conside-áe autonomia em eaão ao Estado. Simutaneamente, a inexistência deuma autoidade centaiada ou hieaquia ente os estudiosos da eiiãotonou difíci quaque tentatia de contoo po pate das autoidades secu-aes. Paa a autoa, esta contosia tem de se entendida a pati do pópio

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epistemologias do sul16

Isão, onde as esfeas eiiosa e secua, po existiem em sepaado, eaam aque em ua de um dieito diino, o Isão econhecesse a necessidade de um

dieito sancionado de foma diina.Ebahim Moosa, a pati da sua pópia expeiência como teóoo (e no

contexto da Áfica do Su do apatheid), debate o pape das intepetaõesna constituião de conceitos centais da modenidade, como sejam a tadi-ão, a históia e a pática. Paa Moosa, uma anáise mais ampa dos sentidosdo poesso do conhecimento tonam possíe inteioia e questiona aspáticas e intepetaões do Isão, uma condião centa paa se utapassa adicotomia ente tadião e poesso. Nas paaas do auto, uma autocítica eum debate constantes ajudam a eita a epetião de eos, ao mesmo tempo

que aeta paa a necessidade de as abodaens cíticas seem contextuamentedeteminadas.

Na teceia pate, intituada Geo‑políticas e a sua Subversão, a anáise cen-ta-se no apofundamento dos uaes e contextos que subjaem à constu-ão do conhecimento modeno heemónico e do que isso sinicou paa ossabees subateniados e paa as páticas e aentes sociais que os poduiame epoduiam. A puaiaão dos uaes e contextos pemite identica adiesidade epistemoóica do mundo e aoia conhecimentos at aoadesaoiados como ocais, isto , como contextuais.

Paa Enique Dusse, a cooniaidade pemitiu a tansfomaão do ‘Su’,de um espao epeto de conhecimento e expeiências, num teeno esti,ponto a se peenchido pea aão impeia. Esta cítica do euocentismopopõe um desocamento eopoítico do ua e do tempo que a osoa oci-denta estabeece como oiem e maca da modenidade – o pensamento deDescates – anaisando em detahe a compexidade do debate osóco dessaatua. Este desocamento teá de se osóco, temático e paadimáticopaa da conta de outas epistemooias. No caso latino-ameicano, Dussepopõe-nos uma anáise detahada da Nueva Crónica y Buen Gobierno (1615),

exempo de um conhecimento cítico da situaão coonia, feita po um indí-ena que sofeu a dominaão coonia modena.

Neson Madonado-Toes, a pati de uma anáise cítica de áiosósofos euopeus contempoâneos, eecte sobe as aões de uma fata deeexão cítica quanto ao empenhamento da osoa modena ocidenta emconete a Euopa no cento epistmico do mundo. A pesistência do euo-centismo no pojecto da modenidade manifesta-se atas da utiiaãopesistente e acítica de muitas noões e conceitos cooniais e acistas. Numa

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introdução 17

pespectia pós-coonia, Madonado-Toes aana com uma poposta adi-ca de eopoítica descoonia, constuída a pati da difeena coonia, a qua

pemite tona isíe o que pemaneceu inisíe ou maina at aoa.ramón gosfoue popõe-se ampia o debate epistmico, centando-se

numa anáise cítica e detahada da iaem descoonia do capitaismo oba.Numa pespectia cítica do nacionaismo, do cooniaismo, e do fundamenta-ismo (que euocêntico, que do chamado Teceio Mundo), o auto apontapistas paa expeiências atenatias constuídas a pati de um pensamento defonteia,. A busca de ‘outos’ pojectos utópicos como hoionte de emanci-paão anha sentido atas do desenho de catoaas outas das eaões depode no sistema mundo, um sistema que este auto concebe como Euopeu/

Euo-Note-ameicano modeno, coonia capitaista e patiaca.Nima gomes, uma cientista socia e actiista do moimento neo noBasi, questiona-se sobe o ua dos inteectuais neos no mundo acad-mico, sobetudo uniesitáio, sempe e quando o seu tabaho cientíco eado a cabo no contexto da miitância das utas conta a disciminaãoacia. Esse ua epistemooicamente muito ico. Po um ado, impee ocientista a questiona os modos heemónicos de podui ciência e a aoi-a a puaidade intena da ciência. Po outo ado, posiciona o cientista naona de cuamento ente conhecimentos cientícos e não-cientícos, enteefeentes cutuais atino-ameicanos e afo-ameicanos.

Po útimo na quata pate, intituada A Reinvenções dos Lugares, eessa-se aos uaes paa popô a sua einenão. A ideia centa que a deniãoheemónica dos uaes de poduão de conhecimento, a comea pea dosuaes da modenidade capitaista ocidenta, sinicou sempe a eduãoda iquea dos uaes. A diesidade epistemoóica de cada um dees foieiminada paa tona cedíe, que a supeioidade do sabe que se queiaimpô, que a infeioidade do sabe que se queia supimi. A einenão dosuaes isa mosta que a imposião da difeena epistemoóica potaoni-ada peo cooniaismo e peo capitaismo modenos sinicou um empobe-

cimento epistemoóico tanto do Note oba como do Su oba ainda queconsequências muito distintas paa um e paa outo.

Boaentua de Sousa Santos pate da ideia de que o paadima cutu-a e epistemoóico que se impôs obamente como paadima modenoocidenta epesenta uma esão dasticamente eduida e, potanto, umempobecimento da ande diesidade de cutuas e epistemooias que ci-cuaam na Euopa na atua da expansão coonia euopeia. As expe iênciascutuais e epistemoóicas que se não adequaam aos objectios da domi-

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naão coonia e capitaista foam mainaiadas e esquecidas. lembá-ase einentá-as sinica defende que há um ocidente não-ocidentaista a

pati do qua possíe pensa um tipo noo de eaões intecutuais einte-epistemoóicas.

Shi visanathan defende que, o custo pincipa do enconto ente oOiente e Ocidente foi a eadicaão física de andes massas popuacionaise dos seus sabees, que ou foam destuídos ou tansfomados em objectos demuseu. Socoendo-se de áios exempos de encontos que eaam conhe-cimentos híbidos, o auto centa a nossa atenão na busca de imainaõesatenatias, mantidas ias foa dos contextos heemónicos de poduão doconhecimento. Contestando a tendência que incentia a ciaão de identi-

dades sinuaes e monocutuais, visanathan apea às euísticas e às expe-iências de puaidade, diesidade e compexidade, como bases paa noosencontos cutuais.

Finamente Dismas Masoo, a pati de uma discussão em tono daetno-osoa aficana, pomoe uma eexão sobe o modo como as teoiassão uiadas pea dinâmica dos contextos e das cicunstâncias sociais emque são poduidas. O cepticismo dos ósofos em eaão ao objectiismotem pemitido uma apoximaão ente as ciências natuais e sociais assentena ideia de que todo o conhecimento centado no se humano ou uiadopo inteesses humanos e, como ta, , sob áios aspectos, indíena. Apon-tando pistas paa um conhecimento endóeno, o auto aoia o indíenaenquanto sujeito, de uma foma que eita as cateoias cooniais oposicionaisdo tadiciona e do modeno.

Este io questiona os sentidos e expicaões epistemoóicas domi-nantes, desaando as fundaões das eaões epistmicas modenas, coo-niais e impeiais. Pocua, deste modo, contibui paa a descooniaão dosabe, aticuando, de foma consistente, difeentes pespectias cíticas àepistemooia modena, eaboadas a pati de difeentes uaes e discipi-nas. As epistemooias do Su são um conite a um ampo econhecimento

das expeiências de conhecimentos do mundo, incuindo, depois de econ-uadas, as expeiências de conhecimento do Note oba. Abem-se, assim,pontes insuspeitadas de intecomunicaão, ias noas de diáoo. No panoepistemoóico, ta como noutos, o mundo não se pode contenta com be-

 es esumos de si pópio, mesmo sabendo que a ‘esão competa e intea’ impossíe. A eneia dee centa-se na aoiaão da diesidade dossabees paa que a intencionaidade e a inteiibiidade das páticas sociaisseja a mais ampa e democática.

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introdução 19

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PArTE 1

Da Colonialidade à Descolonialidade

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CAPTUlO 1

para além do pensamento abissal:das linhas globais a uma eCologia de saberes*

 Boaventura de Sousa Santos 

O pensamento modeno ocidenta um pensamento abissa.1 Consiste numsistema de distinões isíeis e inisíeis, sendo que as inisíeis fundamen-tam as isíeis. As distinões inisíeis são estabeecidas atas de inhasadicais que diidem a eaidade socia em dois uniesos distintos: o unieso‘deste ado da inha’ e o unieso ‘do outo ado da inha’. A diisão ta que‘o outo ado da inha’ desapaece enquanto eaidade, tona-se inexistente,e mesmo poduido como inexistente. Inexistência sinica não existisob quaque foma de se eeante ou compeensíe.2 Tudo aquio que poduido como inexistente excuído de foma adica poque pemaneceexteio ao unieso que a pópia concepão aceite de incusão considea

* Este tabaho foi apesentado em difeentes esões no Fenand Baude Cente,

Uniesidade de New Yok em Binhamton, na Uniesidade de gasow, na Uniesi-dade de victoia, na Uniesidade de Wisconsin-Madison e na Uniesidade de Coimba.gostaia de aadece a gain Andeson, Aison Phipps, Emiios Chistodouidis, DaidSchneideman, Caie Cute, Upenda Baxi, James Tuy, len Kapan, Mac gaante, NeiKomesa, Joseph Thome, Jaie Couso, Jeemy Webbe, rebecca Johnson, e John Hain-ton, António Sousa ribeio, Maaida Caafate ribeio, Joaquin Heea Foes, Cecíia M.Santos, Conceião gomes e João Pedoso peos seus comentáios. Maia Paua Meneses,am de comenta o texto, auxiiou-me no tabaho de pesquisa peo que he estou muitoato. Este tabaho não teia sido possíe sem a inspiaão das onas conesas comMaia Iene ramaho sobe as eaões ente as ciências sociais e as ciências humanas.

1 Não petendo que o pensamento modeno ocidenta seja a única foma de pensa-

mento abissa. Peo contáio, muito poáe que existam, ou tenham existido, fomasde pensamento abissa foa do Ocidente. Não meu popósito anaisá-as neste texto.Defendo apenas que, abissais ou não, as fomas de pensamento não-ocidenta têm sido ta-tadas de um modo abissa peo pensamento modeno ocidenta. Tambm não tato aqui dopensamento p-modeno ocidenta nem das esões do pensamento modeno ocidentamainaiadas ou supimidas po se opoem às esões heemónicas, as únicas de que meocupo neste ensaio. Este tema etomado po mim no capítuo 13 deste oume.

2 Sobe a sociooia das ausências como cítica à poduão de eaidade não exis-tente peo pensamento heemónico, eja-se Santos, 2000, 2004, 2006b e 2006c, assimcomo Santos (o.) 2003b.

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como sendo o Outo. A caacteística fundamenta do pensamento abissa a impossibiidade da co-pesena dos dois ados da inha. Este ado da inha

só peaece na medida em que esota o campo da eaidade eeante. Paaam dea há apenas inexistência, inisibiidade e ausência não-diactica.Paa da um exempo baseado no meu pópio tabaho, tenho indo a caac-teia a modenidade ocidenta como um paadima fundado na tensãoente a euaão e a emancipaão socia.3 Esta distinão isíe fundamentatodos os conitos modenos, tanto no eatio a factos substantios como nopano dos pocedimentos. Mas subjacente a esta distinão existe uma outa,inisíe, na qua a anteio se funda. Esta distinão inisíe a distinãoente as sociedades metopoitanas e os teitóios cooniais. De facto, a dico-

tomia euaão/emancipaão apenas se apica a sociedades metopoitanas.Seia impensáe apicá-a aos teitóios cooniais. Nestes apica-se umaouta dicotomia, a dicotomia apopiaão/ioência que, po seu tuno, seiainconcebíe apica deste ado da inha.

Sendo que os teitóios cooniais constituíam uaes impensáeis paao desenoimento do paadima da euaão/emancipaão, o facto de estepaadima hes não se apicáe não compometeu a sua uniesaidade. Opensamento abissa modeno saienta-se pea sua capacidade de podui eadicaia distinões. Contudo, po mais adicais que sejam estas distinõese po mais damáticas que possam se as consequências de esta de um oudo outo dos ados destas distinões, eas têm em comum o facto de peten-ceem a este ado da inha e de se combinaem paa tona inisíe a inhaabissa na qua estão fundadas. As distinões intensamente isíeis que estu-tuam a eaidade socia deste ado da inha baseiam-se na inisibiidade dasdistinões ente este e o outo ado da inha.

O conhecimento e o dieito modenos epesentam as manifestaõesmais bem conseuidas do pensamento abissa. Dão-nos conta das duaspincipais inhas abissais obais dos tempos modenos, as quais, emboadistintas e opeando de foma difeenciada, são mutuamente intedepen-

3 Esta tensão epesenta o outo ado da discepância modena ente as expeiênciasactuais e as expectatias quanto ao futuo, tambm expessas no mote positiista da ‘odeme poesso’. O pia da euaão socia constituído peo pincípio do Estado, pincípioda comunidade e pincípio do mecado, enquanto o pia da emancipaão consiste nas têsóicas da acionaidade: a acionaidade esttico-expessia das ates e iteatua, a acio-naidade instumenta-conitia da ciência e tecnooia e a acionaidade moa-pática datica e do dieito (Santos, 1995: 2). veja-se tambm Santos, 2000 e 2002.

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dentes. Cada uma cia um subsistema de distinões isíeis e inisíeis deta foma que as inisíeis se tonam o fundamento das isíeis. No campo

do conhecimento, o pensamento abissa consiste na concessão à ciênciamodena do monopóio da distinão uniesa ente o edadeio e o faso,em detimento de dois conhecimentos atenatios: a osoa e a teooia. Ocaácte excusio deste monopóio está no cene da disputa epistemoóicamodena ente as fomas cientícas e não-cientícas de edade. Sendo cetoque a aidade uniesa da edade cientíca , econhecidamente, sempemuito eatia, dado o facto de pode se estabeecida apenas em eaão acetos tipos de objectos em deteminadas cicunstâncias e seundo detemi-nados mtodos, como que ea se eaciona com outas edades possíeis

que podem incusiamente ecama um estatuto supeio, mas não podemse estabeecidas de acodo com o mtodo cientíco, como o caso da aãocomo edade osóca e da f como edade eiiosa?4 Estas tensões ente aciência, a osoa e a teooia têm sido sempe atamente isíeis, mas comodefendo, todas eas têm ua deste ado da inha.5 A sua isibiidade assentana inisibiidade de fomas de conhecimento que não encaixam em nenhumadestas fomas de conhece. reo-me aos conhecimentos popuaes, eios,pebeus, camponeses, ou indíenas do outo ado da inha. Ees desapaecemcomo conhecimentos eeantes ou comensuáeis po se encontaem paaam do unieso do edadeio e do faso. é inimaináe apica-hes nãosó a distinão cientíca ente edadeio e faso, mas tambm as edadesineicáeis da osoa e da teooia que constituem o outo conhecimentoaceitáe deste ado da inha.6 Do outo ado da inha, não há conhecimentoea; existem cenas, opiniões, maia, idoatia, entendimentos intuitiosou subjectios, que, na meho das hipóteses, podem tona-se objectos oumatia-pima paa a inquiião cientíca. Assim, a inha isíe que sepaa aciência dos seus ‘outos’ modenos está assente na inha abissa inisíe quesepaa de um ado, ciência, osoa e teooia e, do outo, conhecimentos

4 Emboa de fomas muito distintas, Pasca, Kiekeaad e Nietsche foam os ó-sofos que mais apofundadamente anaisaam, e ieam, as antinomias contidas nestaquestão. Mais ecentemente, meecem menão Ka Jaspes (1952, 1986, 1995) e StephenToumin (2001).

5 Este tema po mim anaisado em maio detahe no capítuo 13.6 Paa uma isão ea dos debates ecentes sobe as eaões ente a ciência e outos

conhecimentos, eja-se Santos, Meneses e Nunes, 2004. veja-se tambm Santos, 1995:7-55.

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tonados incomensuáeis e incompeensíeis po não obedeceem, nem aoscitios cientícos de edade, nem aos dos conhecimentos, econhecidos

como atenatios, da osoa e da teooia.No campo do dieito modeno, este ado da inha deteminado po

aquio que conta como ea ou iea de acodo com o dieito ocia doEstado ou com o dieito intenaciona. O ea e o iea são as duas únicasfomas eeantes de existência peante a ei, e, po esta aão a distinãoente ambos uma distinão uniesa. Esta dicotomia centa deixa de foatodo um teitóio socia onde ea seia impensáe como pincípio oania-do, isto , o teitóio sem ei, foa da ei, o teitóio do a-ea, ou mesmo doea e iea de acodo com dieitos não ociamente econhecidos. 7 Assim,

a inha abissa inisíe que sepaa o domínio do dieito do domínio do não-dieito fundamenta a dicotomia isíe ente o ea e o iea que deste adoda inha oania o domínio do dieito.

Em cada um dos dois andes domínios – a ciência e o dieito – asdiisões eadas a cabo peas inhas obais são abissais no sentido em queeiminam denitiamente quaisque eaidades que se encontem do outoado da inha. Esta neaão adica de co-pesena fundamenta a amaãoda difeena adica que, deste ado da inha, sepaa o edadeio do faso, oea do iea. O outo ado da inha compeende uma asta ama de expe-iências despediadas, tonadas inisíeis, ta como os seus autoes, e semuma ocaiaão teitoia xa. Em edade, como anteiomente efei, oi-inamente existiu uma ocaiaão teitoia e esta coincidiu histoicamentecom um teitóio socia especíco: a ona coonia.8 Tudo o que não pudessese pensado em temos de edadeio ou faso, de ea ou iea, ocoia naona coonia. A este espeito, o dieito modeno paece te auma pece-dência históica sobe a ciência na ciaão do pensamento abissa. De facto,contaiamente ao pensamento juídico conenciona, foi a inha oba quesepaaa o veho Mundo do Noo Mundo que tonou possíe a emeência,

7  Em Santos, 2002, anaiso em detahe a natuea do dieito modeno e o tópicodo puaismo juídico (a coexistência de mais de um sistema juídico no mesmo espaoeopoítico).

8 Neste tabaho, tomo po assente a iaão íntima ente capitaismo e cooniaismo. veja-se, ente outos, Wiiams, 1994 [1944]; Aendt, 1951; Fanon, 1967; Hokheime e Adono, 1972; Waestein, 1974; Dusse, 1992; Minoo, 1995. vejam-se iuamente áiosdos capítuos deste oume.

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deste ado da inha, do dieito modeno e, em paticua, do dieito intena-ciona modeno.9 

 A pimeia inha oba modena foi, poaemente, o Tatado deTodesihas, assinado ente Potua e Espanha (1494),10 mas as edadeiasinhas abissais emeem em meados do scuo XvI com as amity lines (inhasde amiade).11  O seu caácte abissa manifesta-se no eaboado tabaho

9 Assim, o impeiaismo constitutio do Estado modeno. Ao contáio do que a-mam as teoias conencionais do dieito intenaciona, este não poduto de um Estadomodeno p-existente. O Estado modeno, o dieito intenaciona e o constitucionaismo

naciona e oba são podutos do mesmo pocesso históico impeia. Sobe este tema eja-se Koskenniemi, 2002; Anhie, 2005; e Tuy, 2007.10 A denião das inhas obais ocoe aduamente. Seundo Ca Schmitt (2003:

91), as inhas catoácas do scuo Xv pessupunham ainda uma odem espiitua oba iente de ambos os ados da diisão – a Respublica Christiana, simboiada peo Papa. Istoexpica as dicudades enfentadas po Fancisco vitoia, o ande teóoo e juista espa-nho do scuo XvI, paa justica a ocupaão de teas nas Amicas. vitoia peunta sea descobeta suciente como títuo juídico de posse da tea. A sua esposta muitocompexa, não só po se fomuada em estio aistotico, mas sobetudo poque vitoianão concebe quaque esposta conincente que não pata da pemissa da supeioidadeeuopeia. Este facto, contudo, não confee quaque dieito moa ou positio sobe as

teas ocupadas. Seundo vitoia, nem mesmo a supeioidade ciiiaciona dos Euopeus suciente como base de um dieito moa. Paa vitoia, a conquista podia sei apenasde fundamento a um dieito eesíe à tea, a jura contraria, nas suas paaas. Isto , aquestão da eaão ente a conquista e o dieito à tea dee se coocada inesamente:se os ndios tiessem descobeto e conquistado os Euopeus, teiam ees iua dieito aocupa as teas? A justicaão de vitoia paa a ocupaão de teas assenta ainda na odemcistã mediea, na missão atibuída peo Papa aos eis espanho e potuuês, e no conceitode uea justa (Schmitt, 2003: 101-125; e tambm Anhie, 2005: 13-31). A aboiosaaumentaão de vitoia eecte o au de cuidado da Cooa que, ao tempo, se peocupaamais com a eitimaão dos dieitos de popiedade do que com a sobeania sobe o NooMundo. veja-se tambm Paden, 1990: 15, assim como os capítuos 9 e 13 deste oume).

11

 Do scuo XvI em diante, as inhas catoácas, as chamadas amity lines – a pi-meia das quais podeá te emeido em esutado do Tatado de Cateau-Cambesis (1559)ente a Espanha e a Fana – abandonaam a ideia de uma odem comum oba e estabe-eceam uma duaidade abissa ente os teitóios deste ado da inha e os teitóios doouto ado da inha. Deste ado da inha, ioam a edade, a pa e a amiade; do outoado da inha, a ei do mais fote, a ioência e a pihaem. O que que que ocoa do outoado da inha não está sujeito aos mesmos pincípios ticos e juídicos que se apicam desteado. Não podeá, potanto, da oiem ao tipo de conitos que a ioaão de tais pincípioscausaia se ocoesse deste ado da inha. Esta duaidade pemitiu, po exempo, aos eiscatóicos de Fana manteem, deste ado da inha, uma aiana com os eis catóicos de

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catoáco inestido na sua denião, na extema pecisão exiida a cató-afos, fabicantes de obos teestes e piotos, no poiciamento iiante

e nas duas puniões das ioaões. Na sua constituião modena, o cooniaepesenta, não o ea ou o iea, mas antes o sem ei. Uma máxima queentão se popuaia, ‘paa am do Equado não há pecados’, ecoa no passofamoso dos Pensamentos de Pasca, escitos em meados do scuo XvII: “Três

 graus de latitude alteram toda a jurisprudência e um meridiano determina o que é verda‑deiro... É um tipo peculiar de justiça cujos limites são demarcados por um rio, verdadeironeste lado dos Pirinéus e falso no outro” (1966: 46). De meados do scuo XvI emdiante, o debate juídico e poítico ente os estados euopeus a popósitodo Noo Mundo concenta-se na inha oba, isto , na deteminaão do

coonia, não na odenaão intena do coonia. Peo contáio, o coonia o estado de natuea onde as instituiões da sociedade cii não têm ua.Hobbes efee-se expicitamente aos “ povos selvagens em muitos lugares da Amé‑rica” como exempaes do estado de natuea (1985: 187), e locke pensa damesma foma ao escee em Sobre o Governo Civil : “ No princípio todo o mundo

 foi América” (1946: §49).O coonia constitui o au eo a pati do qua são constuídas as

modenas concepões de conhecimento e dieito. As teoias do contatosocia dos scuos XvII e XvIII são tão impotantes peo que diem comopeo que sienciam. O que diem que os indiíduos modenos, ou seja, oshomens metopoitanos, entam no contato socia abandonando o estadode natuea paa fomaem a sociedade cii.12 O que sienciam que, destafoma, se cia uma asta eião do mundo em estado de natuea, um estadode natuea a que são condenados mihões de sees humanos sem quaisquepossibiidades de escapaem po ia da ciaão de uma sociedade cii. Amodenidade ocidenta, em e de sinica o abandono do estado de natu-ea e a passaem à sociedade cii, sinica a coexistência da sociedade ciicom o estado de natuea, sepaados po uma inha abissa com base na qua ooha heemónico, ocaiado na sociedade cii, deixa de e e decaa efecti-

 amente como não-existente o estado de natuea. O pesente que ai sendociado do outo ado da inha tonado inisíe ao se econceptuaiadocomo o passado ieesíe deste ado da inha. O contacto heemónico con-

Espanha e, ao mesmo tempo, aiaem-se aos piatas que, do outo ado da inha, atacaamos bacos espanhóis.

12 Sobe as difeentes concepões do contato socia, eja-se Santos, 2002: 30-39.

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 ete simutaneidade em não-contempoaneidade. Inenta passados paa daua a um futuo único e homoneo. Assim, o facto de os pincípios eais

 ientes na sociedade cii deste ado da inha não se apicaem do outo adoda inha não compomete de foma auma a sua uniesaidade.

 A mesma catoaa abissa constitutia do conhecimento modeno.Mais uma e, a ona coonia , par excellence, o unieso das cenas e doscompotamentos incompeensíeis que de foma auma podem conside-a-se conhecimento, estando, po isso, paa am do edadeio e do faso.O outo ado da inha abea apenas páticas incompeensíeis, máicasou idoáticas. A competa estanhea de tais páticas conduiu à pópianeaão da natuea humana dos seus aentes. Com base nas suas enadas

concepões de humanidade e de dinidade humana, os humanistas dosscuos Xv e XvI cheaam à concusão de que os seaens eam sub-huma-nos. A questão ea: os índios têm ama? Quando o Papa Pauo III espondeuamatiamente na bua Sublimis Deus, de 1537, fê-o concebendo a ama dospoos seaens como um eceptácuo aio, uma anima nullius, muito seme-hante à terra nullius,13 o conceito de aio juídico que justicou a inasão eocupaão dos teitóios indíenas. Com base nestas concepões abissais deepistemooia e eaidade, a uniesaidade da tensão ente a euaão e aemancipaão, apicada deste ado da inha, não enta em contadião com atensão ente apopiaão e ioência apicada do outo ado da inha.

 A apopiaão e a ioência tomam difeentes fomas na inha abissajuídica e na inha abissa epistemoóica. Mas, em ea, a apopiaãoenoe incopoaão, cooptaão e assimiaão, enquanto a ioência impicadestuião física, mateia, cutua e humana. Na pática, pofunda a inte-iaão ente a apopiaão e a ioência. No domínio do conhecimento, aapopiaão ai desde o uso de habitantes ocais como uias14 e de mitos eceimónias ocais como instumentos de conesão, à pihaem de conhe-cimentos indíenas sobe a biodiesidade, enquanto a ioência execidaatas da poibião do uso das ínuas pópias em espaos púbicos, da

13  De acodo com a Bua, “os Índios eram verdadeiros homens e  [...] não eram capazes deentender a fé Católica mas, de acordo com as nossas informações, desejam ardentemente recebê‑la”.“Sublimis Deus” enconta-se em http://www.papaencycicas.net/Pau03/p3subi.htm (ace-dido em 22 de Setembo, 2006).

14 Como no caso famoso de Ibn Majid, um expeiente pioto que, a feos, indicou a vasco da gama o caminho maítimo de Mombaa à ndia (Ahmad, 1971). Outos exempospodem enconta-se em Bunett, 2002.

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adopão foada de nomes cistãos, da conesão e destuião de símboose uaes de cuto, e de todas as fomas de disciminaão cutua e acia.

No que toca ao dieito, a tensão ente apopiaão e ioência pa-ticuamente compexa deido à sua eaão diecta com a extacão de

 ao: táco de escaos e tabaho foado, uso manipuado do dieitoe das autoidades tadicionais atas do oeno indiecto (indirect rule),pihaem de ecusos natuais, desocaão macia de popuaões, ueas etatados desiuais, difeentes fomas de apartheid  e assimiaão foada, etc.Enquanto a óica da euaão/emancipaão impensáe sem a distinãomaticia ente o dieito das pessoas e o dieito das coisas, a óica da apo-piaão/ioência econhece apenas o dieito das coisas, sejam eas humanas

ou não. A esão extema deste tipo de dieito, ieconhecíe deste ado dainha, o dieito do ‘Estado lie do Cono’ imposto peo rei leopodo IIda Bica.15

Existe, potanto, uma catoaa modena dua: a catoaa juídica ea catoaa epistemoóica. O outo ado da inha abissa um unieso quese estende paa am da eaidade e ieaidade, paa am da edade e dafasidade.16 Juntas, estas fomas de neaão adica poduem uma ausênciaadica, a ausência de humanidade, a sub-humanidade modena. Assim, aexcusão tona-se simutaneamente adica e inexistente, uma e que seessub-humanos não são consideados seque candidatos à incusão socia.17 Ahumanidade modena não se concebe sem uma sub-humanidade modena.18 

15 Difeentes pespectias sobe esta ‘coónia piada’ e sobe o rei leopodo podemenconta-se em Emeson, 1979; Hochschid, 1999; Dumouin, 2005; Hasian, 2002:89-112.

16 A pofunda duaidade do pensamento abissa e a incomensuabiidade ente ostemos da duaidade foam impementadas peos monopóios bem poiciados do conheci-mento e do dieito com uma podeosa base instituciona – uniesidades, centos de ines-

tiaão, escoas de dieito e possões juídicas – e pea sosticada inuaem tecnoóicada ciência e da juispudência.17 A suposta extenaidade do outo ado da inha , de facto, a consequência da sua

petena ao pensamento abissa: como fundaão e como neaão da fundaão.18  Fanon denuncia esta neaão da humanidade com insupeáe ucide (Fanon,

1963, 1967). O adicaismo da neaão fundamenta a defesa que Fanon fa da ioênciacomo uma dimensão intínseca da eota anti-coonia. Emboa patihassem uma utacomum, Fanon e gandhi dieiam a este espeito e essa dieência dee se objecto deuma eexão cuidada, paticuamente peo facto de se tata de dois dos mais impotantespensadoes-actiistas do scuo passado. veja-se Fedeici, 1994, e Kebede, 2001.

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 A neaão de uma pate da humanidade sacicia, na medida em queconstitui a condião paa a outa pate da humanidade se ama enquanto

uniesa.19

O meu aumento que esta eaidade tão edadeia hoje como eano peíodo coonia. O pensamento modeno ocidenta continua a opeamediante inhas abissais que diidem o mundo humano do sub-humano, deta foma que pincípios de humanidade não são postos em causa po páti-cas desumanas. As coónias epesentam um modeo de excusão adica quepemanece actuamente no pensamento e páticas modenas ocidentais tacomo aconteceu no cico coonia. Hoje, como então, a ciaão e ao mesmotempo a neaão do outo ado da inha faem pate inteante de pincípios

e páticas heemónicos. Actuamente, guantánamo epesenta uma dasmanifestaões mais otescas do pensamento juídico abissa, da ciaão doouto ado da factua enquanto um não-teitóio em temos juídicos epoíticos, um espao impensáe paa o pimado da ei, dos dieitos humanose da democacia.20 Pom, seia um eo consideá-o uma excepão. Existemmuitos guantánamos, desde o Iaque à Paestina e a Dafu. Mais do queisso, existem mihões de guantánamos nas disciminaões sexuais e aciaisque na esfea púbica, que na piada, nas onas seaens das meacida-des, nos uetos, nas sweatshops, nas pisões, nas noas fomas de escaatua,no táco iea de óãos humanos, no tabaho infanti e na expoaão dapostituião.

Neste texto, comeo po aumenta que a tensão ente euaão eemancipaão continua a coexisti com a tensão ente apopiaão e ioência,e de ta maneia que a uniesaidade da pimeia tensão não questionadapea existência da seunda. Em seundo ua, aumento que as inhas abis-sais continuam a estutua o conhecimento e o dieito modenos e que sãoconstitutias das eaões e inteacões poíticas e cutuais que o Ocidentepotaonia no inteio do sistema mundia. Em suma, a minha tese que acatoaa metafóica das inhas obais sobeieu à catoaa itea das

amity lines que sepaaam o veho do Noo Mundo. A injustia socia oba

19 Esta neaão fundamenta pemite po um ado, que tudo o que possíe se tans-fome na possibiidade de tudo, e po outo, que a ciatiidade exatadoa do pensamentoabissa tiiaie facimente o peo da sua destutiidade.

20 Sobe guantánamo e tópicos eacionados eja-se, ente muitos outos, McCo-mack, 2004; Amann, 2004a, 2004b; Human rihts Watch, 2004; Steyn, 2004; Sadat, 2005;Boei, 2005; Dickinson, 2005; van Been e vaentine, 2006.

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em moimento, mas de uma foma ta que o outo ado da inha paece estaa expandi-se, enquanto este ado da inha paece esta a encohe. A óica

da apopiaão/ioência tem indo a anha foa em detimento da óicada euaão/emancipaão. Numa extensão ta que o domínio da euaão/emancipaão não só está a encohe, como tambm está a ca contaminadointenamente pea óica da apopiaão/ioência.

 A compexidade deste moimento difíci de destina na medida emque se desenoa ante os nossos ohos, que não conseuem abstai-se dofacto de estaem deste ado da inha e de ohaem de dento paa foa. Paacapta a totaidade do que está a ocoe necessáio um esfoo enome dedescentamento. Nenhum estudioso pode faê-o soinho, como indiíduo.

Baseado num esfoo coectio paa desenoe uma epistemooia do Su,23

 a minha poposta que este moimento composto de um moimentopincipa e de um conta-moimento subateno. Denomino o moimentopincipa de eesso do coonia e do cooniado, e o conta-moimento, decosmopoitismo subateno.

 Em pimeio ua, o regresso do colonial e o regresso do colonizador . Aqui, ocoonia uma metáfoa daquees que entendem as suas expeiências de idacomo ocoendo do outo ado da inha e se ebeam conta isso. O eessodo coonia a esposta abissa ao que pecebido como uma intomissãoameaadoa do coonia nas sociedades metopoitanas. Este eesso assumetês fomas pincipais: o teoista,24 o imiante indocumentado25 e o efu-iado.26 De fomas distintas, cada um dees ta consio a inha abissa oba

23 Ente 1999 e 2002, eaiei um pojecto intenaciona sobe ” A Reinvenção da Eman‑cipação Social ” que enoeu 60 inestiadoes de 6 países (Áfica do Su, Basi, Coômbia,ndia, Moambique e Potua). Os esutados pincipais da inestiaão estão pubicados,em potuuês, em cinco oumes Santos (o.), 2003b, 2003c, 2004a, 2004b, 2005, 2008.Estão tambm pubicados em inês, em espanho e em itaiano. Sobe as impicaões epis-

temoóicas deste pojecto eja-se Santos (o.), 2003a e Santos, 2004a. Sobe as iaõesente este pojecto e o Fóum Socia Mundia, eja-se Santos, 2005 e 2006c.24 Ente outos, eja-se Hais, 2003; Kanstoom, 2003; Sekhon, 2003; C. gaham,

2005; N. gaham 2005; Scheppee, 2004a, 2004b, 2006; guioa, 2005.25 veja-se Sassen, 1999; Mie, 2002; De genoa, 2002; Kanstoom, 2004; Hansen

e Stepputat, 2004; Wishnie, 2004; Tayo, 2004; Siestein, 2005; Passe, 2005. Paa uma isão mais adica sobe este tema, eja-se Buchanan, 2006.

26 Baseado no Oientaismo anaisado po Edwad Said (1978), Akam (2000) identi-ca uma noa foma de esteeótipo, a que chama neo-Oientaismo e que afecta a aaiaãometopoitana dos pedidos de asio e efúio po pate de pessoas poenientes do mundo

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que dene a excusão adica e inexistência juídica. Po exempo, em muitasdas suas disposiões, a noa aa de eisaão anti-teoista e de imia-

ão seue a óica euadoa do paadima da apopiaão/ioência.27  Oeesso do coonia não sinica necessaiamente a sua pesena física nassociedades metopoitanas. Basta que possua uma iaão eeante com eas.No caso do teoista, esta iaão pode se estabeecida peos seios sece-tos. No caso do tabahado imiante indocumentado, basta que seja conta-tado po uma das muitas centenas de sweatshops que opeam no Su oba28 subcontatadas po copoaões metopoitanas mutinacionais. No caso dosefuiados, a iaão eeante estabeecida peo seu pedido de obtenão doestatuto de efuiado numa dada sociedade metopoitana.

O coonia que eessa , de facto, um noo coonia abissa. Destafeita, o coonia etona não só aos antios teitóios cooniais, mas tam-bm às sociedades metopoitanas. Aqui eside a ande tansessão, poiso coonia do peíodo coonia cássico em caso aum podeia enta nassociedades metopoitanas a não se po iniciatia do cooniado (comoescao, po exempo). Os espaos metopoitanos que se encontaamdemacados desde o início da modenidade ocidenta deste ado da inhaestão a se inadidos ou tespassados peo coonia. Mais ainda, o cooniademonsta um níe de mobiidade imensamente supeio à mobiidadedos escaos em fua (Daid, 1924; Tushnet, 1981: 169-188). Nestas ci-cunstâncias, o abissa metopoitano ê-se connado a um espao cada emais imitado e eae emacando a inha abissa. Na sua pespectia, a noaintomissão do coonia tem de se confontada com a óica odenadoa daapopiaão/ioência. Cheou ao m o tempo de uma diisão caa ente o

 veho e o Noo Mundo, ente o metopoitano e o coonia. A inha tem dese desenhada a uma distância tão cuta quanto o necessáio paa aanti a

áabe ou muumano. veja-se tambm Akam, 1999; Menefee, 2004; Baue, 2004; Ciancia-

uo, 2005; Akam e Kamey, 2005.27 Sobe as impicaões da noa aa anti-teoista e das noas eis de imiaão, ejam-se os atios citados nas notas 23, 24, e 25 e tambm Immiant rihts Cinic, 2001;Chan, 2001; Whitehead e Aden, 2002; zeman, 2002; lobe, 2002; roach, 2002 (sobeo caso canadiano); van de linde et al., 2002 (sobe auns países euopeus); Mie, 2002;Emeton, 2004 (sobe a Austáia); Boyne, 2004 (sobe a Aemanha); Kishnan, 2004(sobe a ndia); Ba, 2004; N. gaham, 2005.

28  reo-me aqui às eiões peificas e semipeificas e aos países do sistemamundo modeno, que foam denominados de Teceio Mundo, após a Seunda gueaMundia (Santos, 1995: 506-519).

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seuana. O que costumaa petence inequiocamente a este ado da inha aoa um teitóio confuso ataessado po uma inha abissa sinuosa. O

muo da seeaão isaeita na Paestina (Tibuna Intenaciona de Justia,2005) e a cateoia de ‘combatente inimio iea’ (Dömann, 2003; Hais,2003; Kanstoom, 2003; Human rihts Watch, 2004; gi e Siedet, 2005),ciada pea administaão dos EUA depois do 11 de Setembo, constituempossiemente as metáfoas mais adequadas da noa inha abissa e da cato-aa confusa a que condu.

Uma catoaa confusa não pode deixa de condui a páticas con-fusas. A euaão/emancipaão cada e mais desuada pea pesena ecescente pessão da apopiaão/ioência no seu inteio. Contudo, nem a

pessão nem o desuamento podem se competamente pecebidos, peci-samente peo facto de o outo ado da inha te sido desde o início incompe-ensíe como um teitóio sub-humano.29 De fomas distintas, o teoista eo tabahado imiante indocumentado são ambos iustatios da pessão daóica da apopiaão/ioência e da inabiidade do pensamento abissa paase apecebe desta pessão como ao estanho à euaão/emancipaão.Cada e se tona mais eidente que a eisaão antiteoista já mencionadae que se enconta em pomuaão em muitos países, seuindo a esouão doConseho de Seuana das Naões Unidas30 e sob fote pessão da dipoma-cia dos EUA, esaia o conteúdo cii e poítico dos dieitos e aantias bási-cas das Constituiões nacionais. Poque tudo isto ocoe sem uma suspensãofoma destes dieitos e aantias, estamos peante a emeência de umanoa foma de Estado, o Estado de excepão, que, contaiamente às antiasfomas de Estado de sítio ou de Estado de emeência, estine os dieitosdemocáticos sob o petexto da sua saauada ou mesmo expansão.31

29 Como exempo, os possionais do dieito são soicitados a adapta-se à pessãopoeniente da eoaniaão da doutina conenciona, ateando eas de intepetaão,

edenindo o objectio dos pincípios e hieaquias ente ees. Um exempo eeado o debate sobe a constitucionaidade da totua ente Aan Deshowit e os seus cíticos. veja-se Deshowit, 2002, 2003a, 2003b; Posne, 2002; Keime, 2003; Stauss, 2004.

30  resouão 1566 do Conseho de Seuana das Naões Unidas. Esta esouãoantiteoismo foi apoada a 8 de Outubo de 2004, na sequência da esouão 1373 que,po sua e, foi apoada como esposta aos ataques teoistas de 11 de Setembo nosEUA. Paa uma anáise detahada do pocesso de apoaão da esouão 1566, eja-seSau, 2005.

31 Utiio o conceito de Estado de excepão paa expessa a condião juídico-poí-tica na qua a eosão dos dieitos ciis e poíticos ocoe abaixo do ada da Constituião,

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obiaão poítica que iaa o sujeito de dieito ao Rechtstaat , o Estado cons-tituciona modeno, que tem peaecido deste ado da inha, está a se subs-

tituída po obiaões contatuais piadas e despoitiadas nas quais a patemais faca se enconta mais ao menos à mecê da pate mais fote. Esta fomade oeno apesenta aumas semehanas petubadoas com o oeno daapopiaão/ioência que peaeceu do outo ado da inha.

Tenho descito esta situaão como a ascensão do fascismo socia, umeime socia de eaões de pode extemamente desiuais que concedemà pate mais fote o pode de eto sobe a ida e o modo de ida da patemais faca. Nouto ua distinui cinco fomas de fascismo socia.36  Aqui,eo-me a tês deas, as que mais caamente eectem a pessão da óica de

apopiaão/ioência sobe a óica da euaão/emancipaão. A pimeiafoma o fascismo do apartheid social . Tata-se da seeaão socia dos excu-ídos atas de uma catoaa ubana diidida em onas seaens e onasciiiadas. As onas seaens ubanas são as onas do estado de natueahobbesiano, onas de uea cii intena como em muitas meacidades emtodo o Su oba. As onas ciiiadas são as onas do contato socia e iemsob a constante ameaa das onas seaens. Paa se defendeem, tansfo-mam-se em casteos neofeudais, os encaes foticados que caacteiam asnoas fomas de seeaão ubana (cidades piadas, condomínios fechados,

 gated communities, como mencionei acima). A diisão ente onas seaens eonas ciiiadas está a tansfoma-se num citio ea de sociabiidade,um noo espao-tempo heemónico que ataessa todas as eaões sociais,económicas, poíticas e cutuais e que, po isso, comum à acão estata e àacão não-estata.

 A seunda foma o fascismo contratual. Ocoe nas situaões em que adifeena de pode ente as pates no contato de dieito cii (seja ee umcontato de tabaho ou um contato de fonecimento de bens ou seios) de ta odem que a pate mais faca, uneabiiada po não te atenatiaao contato, aceita as condiões que he são impostas pea pate mais pode-

osa, po mais oneosas e despóticas que sejam. O pojecto neoibea detansfoma o contato de tabaho num contato de dieito cii como qua-que outo conua uma situaão de fascismo contatua. Como mencioneiacima, esta foma de fascismo ocoe hoje fequentemente nas situaões de

36 Anaiso em detahe a emeência do fascismo socia como consequência da quebada óica do contato socia em Santos, 2002: 447-458 e 2006b: 295-316.

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sociais at aoa incuídos no contato socia são dee excuídos sem quaquepespectia de eesso: tabahadoes e casses popuaes são expusos do

contato socia atas da eiminaão dos seus dieitos sociais e económicos,tonando-se assim popuaões descatáeis. O p-contatuaismo consisteno boqueamento do acesso à cidadania a upos sociais que anteiomentese consideaam candidatos à cidadania e tinham a expectatia fundada de aea acede: po exempo, a juentude ubana habitante dos uetos das mea-cidades do Note oba e do Su oba.39 

Como eime socia, o fascismo socia pode coexisti com a democaciapoítica ibea. Em e de sacica a democacia às exiências do capita-ismo oba, tiiaia a democacia at ao ponto de não se necessáio, nem

seque coneniente, sacica a democacia paa pomoe o capitaismo.Tata-se, pois, de um fascismo puaista e, po isso, de uma foma de fascismoque nunca existiu. De facto, minha conicão que podemos esta a entanum peíodo em que as sociedades são poiticamente democáticas e socia-mente fascistas.

 As noas fomas de oeno indiecto constituem tambm a seundaande tansfomaão da popiedade e do dieito de popiedade da eamodena. A popiedade, e, mais especicamente, a popiedade dos tei-tóios do Noo Mundo, foi, como mencionei iniciamente, o ponto chaesubjacente ao estabeecimento das inhas abissais modenas. A pimeiatansfomaão tee ua quando a popiedade sobe as coisas se expandiu,com o capitaismo, à popiedade sobe os meios de poduão. Como Karenne (1965) tão bem desceeu, o popietáio das máquinas tansfo-mou-se no popietáio da foa de tabaho dos tabahadoes que neasopeaam. O contoo sobe as coisas tansfomou-se em contoo sobe aspessoas. Cao que renne desaoiou o facto de esta tansfomaão não teocoido nas coónias, uma e que o contoo sobe as pessoas ea a fomaoiina de contoo sobe as coisas, sendo que este útimo incuía tanto ascoisas humanas, como as não-humanas. A seunda ande tansfomaão

da popiedade tem ua, muito am da poduão, quando a popiedadede seios se tona uma foma de contoa as pessoas que dees necessi-tam paa sobeie. Usando a caacteiaão do oeno coonia em Áficapoposta po Mamdani (Mamdani, 1996: cap. 2) o noo oeno indiectopomoe uma foma de despotismo descentaiado. O despotismo descen-

39 Uma anáise eoquente pode se encontada em Wison, 1987.

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taiado não choca com a democacia ibea, antes a tona poessiamentemais ieeante paa a quaidade de ida de popuaões cada e astas. Sob

as condiões do noo oeno indiecto, o pensamento abissa modeno,mais do que eua os conitos sociais ente cidadãos, soicitado a supimiconitos sociais e a atica a impunidade deste ado da inha, como sempesucedeu do outo ado da inha. Pessionado pea óica da apopiaão/io-ência, o pópio conceito de dieito modeno – uma noma uniesamente

 áida emanada do Estado e po ee imposta coeciamente se necessáio– enconta-se assim em mudana. Como exempo das mudanas conceptuaisem cuso está a emei um noo tipo de dieito que, eufemisticamente, sedenomina ‘dieito moe’, soft law.40 Apesentado como a manifestaão mais

beneoente do odenamento euaão/emancipaão, ta consio a óicada apopiaão/ioência sempe que estejam enoidas eaões muitodesiuais de pode. Tata-se de um dieito cujo cumpimento ountáio.Sem supesa, tem indo a se usado, ente outos domínios sociais, nocampo das eaões capita/tabaho, e a sua esão mais conseuida são oscódios de conduta cuja adopão tem sido ecomendada às mutinacionaismetopoitanas na subcontataão de seios às ‘suas’ sweatshops em todo omundo.41 A pasticidade da soft law apesenta semehanas intiantes com odieito coonia, cuja apicaão dependia mais da ontade do cooniado doque de quaque outa coisa.42 As eaões sociais que eua são, se não um

40  Uma asta iteatua tem indo a se poduida nos útimos anos teoiando eestudando empiicamente noas fomas de oeno da economia que assentam na coa-boaão ente actoes não-estatais (mas, oaniaões cíicas, ONgs, sindicatos, etc.)em ua da euaão estata de cima paa baixo. Apesa da aiedade de desinaões sobas quais os cientistas sociais e acadmicos do dieito têm indo a posseui esta aboda-em, a ênfase ecaí mais na ‘moea’ do que na duea, na obediência ountáia mais doque na imposião: ‘euaão esponsia’ (Ayes e Baithwaite, 1992), ‘ei pós-euatóia’

(Teubne, 1986), ‘ei moe’ (Snyde, 1993, 2002; Tubek e Moshe, 2003; Tubek e Tubek,2005; Moth, 2004), ‘expeimentaismo democático’ (Dof e Sabe 1998; Une 1998),‘oenaão coopeatia’ (Feeman, 1997), ‘euaão outsourced ’ (O’rouke, 2003) ousimpesmente ‘oenaão’ (Mac Nei, Saent e Swan 2000; Nye e Donahue, 2000). Paauma cítica, eja-se Santos e rodiue-gaaito 2005: 1-26 e 29-63; rodiue-gaaito,2005: 64-91.

41 veja-se rodiue-gaaito, 2005 e a bibioaa aí citada.42 Este tipo de ei eufemisticamente denominada soft  po se soft  com aquees cujo

compotamento empeendedo ea suposto eua (empeadoes) e dua com aqueesque sofem as consequências do seu não-cumpimento (tabahadoes).

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noo estado de natuea, uma ona intemdia ente o estado de natuea ea sociedade cii, onde o fascismo socia poifea e oesce.

Em suma, o pensamento abissa modeno, que, deste ado da inha, tem indo a se chamado paa eua as eaões ente cidadãos e ente estes e oEstado, aoa chamado, nos domínios sociais sujeitos uma maio pessãopo pate da óica da apopiaão/ioência, a ida com os cidadãos comose fossem não-cidadãos, e com não-cidadãos como se se tatasse de peiososseaens cooniais. Como o fascismo socia coexiste com a democacia ibe-a, o Estado de excepão coexiste com a nomaidade constituciona, a socie-dade cii coexiste com o estado de natuea, o oeno indiecto coexistecom o pimado do dieito. lone de constitui a peesão de auma ea

noma, fundadoa, este estado de coisas o pojecto oiina da modenaepistemooia e eaidade, mesmo que a inha abissa que desde o pimeiomomento distinuiu o metopoitano do coonia se tenha desocado, tans-fomando o coonia numa dimensão intena do metopoitano.

2. Cosmopolitismo Sualterno À u do que foi dito anteiomente, camos com a ideia de que, a menos quese defonte com uma esistência actia, o pensamento abissa continuaá aauto-epodui-se, po mais excudentes que sejam as páticas que oiina.

 Assim, a esistência poítica dee te como postuado a esistência epistemo-óica. Como foi dito iniciamente, não existe justia socia oba sem justiaconitia oba. Isto sinica que a taefa cítica que se aiinha não podeca imitada à eaão de atenatias. Ea eque, de facto, um pensamentoatenatio de atenatias. é peciso um noo pensamento, um pensamentopós-abissa. Seá possíe? Existião as condiões que, se deidamente apo-

 eitadas, podeão da-he uma chance? A inestiaão sobe estas condiõesexpica a minha especia atenão ao conta-moimento que mencionei acima,esutante do abao que as inhas abissais obais têm indo a sofe desde1970 e 1980: moimento a que dei o nome de cosmopoitismo subateno.43 

43 Não me ocupo aqui dos debates actuais sobe o cosmopoitismo. Na sua ona his-tóia, cosmopoitismo sinicou uniesaismo, toeância, patiotismo, cidadania oba,comunidade oba de sees humanos, cutuas obais, etc. O que ocoe mais fequente-mente quando este conceito apicado – seja como instumento especíco paa desceeuma eaidade ou como instumento em utas poíticas – que a incondiciona natueaincusia da sua fomuaão abstacta tem indo a se utiiada paa posseui inteessesexcudentes de um upo socia especíco. De ceto modo, o cosmopoitismo tem sido pi-

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O cosmopoitismo subateno contm uma pomessa ea apesa de oseu caácte se de momento caamente embionáio. De facto, paa captá-o

necessáio eaia o que chamo sociooia das emeências (Santos, 2004).Esta consiste numa ampicaão simbóica de sinais, pistas e tendênciasatentes que, emboa dispesas, embionáias e famentadas, apontam paanoas consteaões de sentido tanto no que espeita à compeensão como àtansfomaão do mundo. O cosmopoitismo subateno manifesta-se atasdas iniciatias e moimentos que constituem a obaiaão conta-heemó-nica. Consiste num asto conjunto de edes, iniciatias, oaniaões e moi-mentos que utam conta a excusão económica, socia, poítica e cutuaeada pea mais ecente incanaão do capitaismo oba, conhecido como

obaiaão neoibea (Santos, 2001, 2006b, 2006c). Atendendo a que aexcusão socia sempe poduto de eaões de pode desiuais, estas inicia-tias, moimentos e utas são animados po um ethos edistibutio no sentidomais ampo da expessão, o qua impica a edistibuião de ecusos mate-iais, sociais, poíticos, cutuais e simbóicos e, como ta, se baseia, simuta-neamente, no pincípio da iuadade e no pincípio do econhecimento dadifeena. Desde o início do noo scuo, o Fóum Socia Mundia tem sido a

 iio daquees que podem tê-o. A foma como eisito este conceito peê a identicaãodos upos cujas aspiaões são neadas ou tonadas inisíeis peo uso heemónico doconceito, mas que podem se beneciados peo uso atenatio do mesmo. PaafaseandoStuat Ha, que eantou uma questão semehante em eaão ao conceito de identidade(1996), eu peunto: quem pecisa do cosmopoitismo? A esposta simpes: todo aqueeque fo ítima de intoeância e disciminaão necessita de toeância; todo aquee a quemseja neada a dinidade humana básica necessita de uma comunidade de sees humanos;todo aquee que seja não-cidadão necessita da cidadania mundana numa dada comuni-dade ou naão. Em suma, os sociamente excuídos, ítimas da concepão heemónica decosmopoitismo, necessitam de um tipo dieso de cosmopoitismo. O cosmopoitismosubateno constitui, deste modo, uma aiante de oposião. Da mesma foma que a oba-

iaão neoibea não econhece quaisque fomas atenatias de obaiaão, tambmo cosmopoitismo sem adjectios nea a sua pópia especicidade. O cosmopoitismosubateno de oposião uma foma cutua e poítica de obaiaão conta-heemónica.é o nome dos pojectos emancipatóios cujas eiindicaões e citios de incusão socia

 ão am dos hoiontes do capitaismo oba. Outos, com peocupaões simiaes,tambm adjectiaam o cosmopoitismo: cosmopoitismo enaiado (Cohen, 1992), cos-mopoitismo patiótico (Appiah, 1998), cosmopoitismo enácuo (Bhabha, 1996; Diouf,2000), etnicidade cosmopoita (Webne, 2002), ou cosmopoitismo das casses tabaha-doas (Webne, 1999). Sobe fomas distintas de cosmopoitismo, eja-se Beckeide etal . (o.), 2002.

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expessão mais conseuida de obaiaão conta-heemónica e de cosmo-poitismo subateno.44 De ente os moimentos que têm indo a paticipa

no Fóum Socia Mundia, os moimentos indíenas são, do meu ponto de ista, aquees cujas concepões e páticas epesentam a mais conincenteemeência do pensamento pós-abissa. Este facto muito auspicioso paa apossibiidade de um pensamento pós-abissa, sendo que os poos indíenassão os habitantes paadimáticos do outo ado da inha, o campo históicodo paadima da apopiaão/ioência.

 A noidade do cosmopoitismo subateno eside, acima de tudo, em teum pofundo sentido de incompetude, sem contudo ambiciona a compe-tude. Po um ado, defende que a compeensão do mundo excede aamente

a compeensão ocidenta do mundo e, potanto, a nossa compeensão da o-baiaão muito menos oba que a pópia obaiaão. Po outo ado,defende que quanto mais compeensões não-ocidentais foem identicadasmais eidente se tonaá o facto de que muitas outas continuam po identi-ca e que as compeensões híbidas, que mistuam componentes ocidentaise não-ocidentais, são ituamente innitas. O pensamento pós-abissa pateda ideia de que a diesidade do mundo inesotáe e que esta diesidadecontinua despoida de uma epistemooia adequada. Po outas paaas, adiesidade epistemoóica do mundo continua po constui.

 A seui apesento um esquema ea do pensamento pós-abissa. Con-cento-me nas suas dimensões epistemoóicas, deixando de ado as suasdimensões juídicas.45 

3. Pensamento Pós-Aissal Como um Pensamento EcológicoO pensamento pós-abissa pate do econhecimento de que a excusão sociano seu sentido mais ampo toma difeentes fomas confome deteminadapo uma inha abissa ou não-abissa, e que, enquanto a excusão abissamentedenida pesisti, não seá possíe quaque atenatia pós-capitaista po-essista. Duante um peíodo de tansião possiemente ono, defonta

a excusão abissa seá um p-equisito paa aboda de foma eciente as

44 Sobe a dimensão cosmopoita do Fóum Socia Mundia, eja-se Nisua e Sehm-Patomäki, 2002; Fishe e Ponniah, 2003; Sen et al., 2004; Poet, 2004; Santos, 2006c;Teiainen, no peo.

45 Sobe o meu anteio confonto cítico com a epistemooia modena, eja-se San-tos, 1988, 1995: 7-55, 2000: 209-235, 2004; Santos (o.), 2003a. veja-se tambm Santos,Meneses e Nunes, 2004.

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muitas fomas de excusão não-abissa que têm diidido o mundo modenodeste ado da inha. Uma concepão pós-abissa de maxismo (em si mesmo,

um bom exempo de pensamento abissa) petende que a emancipaão dostabahadoes seja conquistada em conjunto com a emancipaão de todasas popuaões descatáeis do Su oba, que são opimidas mas não diec-tamente expoadas peo capitaismo oba. Da mesma foma, eiindicaque os dieitos dos cidadãos não estaão seuos enquanto os não-cidadãossofeem um tatamento sub-humano.46

O econhecimento da pesistência do pensamento abissa , assim, aconditio sine qua non paa comea a pensa e a ai paa am dee. Sem esteeconhecimento, o pensamento cítico pemaneceá um pensamento dei-

 atio que continuaá a epodui as inhas abissais, po mais anti-abissaque se autopocame. Peo contáio, o pensamento pós-abissa um pensa-mento não-deiatio, enoe uma uptua adica com as fomas ocidentaismodenas de pensamento e acão. No nosso tempo, pensa em temos não-deiatios sinica pensa a pati da pespectia do outo ado da inha, pe-cisamente po o outo ado da inha se o domínio do impensáe na mode-nidade ocidenta. A emeência do odenamento da apopiaão/ioênciasó podeá se enfentada se situamos a nossa pespectia epistemoóica naexpeiência socia do outo ado da inha, isto , do Su oba não-impeia,concebido como a metáfoa do sofimento humano sistmico e injusto po-

 ocado peo capitaismo oba e peo cooniaismo (Santos, 1995: 506-519).O pensamento pós-abissa pode se sumaiado como um apende com oSu usando uma epistemooia do Su. Confonta a monocutua da ciênciamodena com uma ecooia de sabees.47 é uma ecooia, poque se baseia noeconhecimento da puaidade de conhecimentos heteoneos (sendo umdees a ciência modena) e em inteacões sustentáeis e dinâmicas ente ees

46

  gandhi , poaemente, o pensado-actiista dos tempos modenos que maisconsistentemente pensou e actuou em temos não-abissais. Tendo iido e expeienciadoas excusões adicais típicas do pensamento abissa, gandhi não se desiou do seu po-pósito de constui uma noa foma de uniesaidade capa de ibeta tanto o opessocomo a ítima. Como Ashis Nandy eama coectamente: “ A visão gandhiana desaa atentação de igualar o opressor na violência e de readquirir uma auto‑estima própria como competidornum mesmo sistema. É uma visão assente numa identicação com os oprimidos que exclui a fantasiada superioridade do estilo de vida do opressor, tão profundamente enraizada na consciência daqueles quereclamam falar em nome das vítimas da história” (1987: 35).

47 Sobe a ecooia de sabees eja-se Santos, 2006b: 127-153.

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sem compomete a sua autonomia. A ecooia de sabees baseia-se na ideiade que o conhecimento inteconhecimento.

 Pensamento Pós‑Abissal e Co‑Presença A pimeia condião paa um pensamento pós-abissa a co-pesena adi-ca. A co-pesena adica sinica que páticas e aentes de ambos os adosda inha são contempoâneos em temos iuaitáios. A co-pesena adicaimpica concebe simutaneidade como contempoaneidade, o que só podese conseuido abandonando a concepão inea de tempo.48 Só assim seápossíe i am de Hee (1970), paa quem se membo da humanidadehistóica – isto , esta deste ado da inha – sinicaa se um eo e não

um bábao no scuo v a.C., um cidadão omano e não um eo nos pi-meios scuos da nossa ea, um cistão e não um judeu na Idade Mdia, umeuopeu e não um seaem do Noo Mundo no scuo XvI, e, no scuo

 XIX, um euopeu (incuindo os euopeus desocados da Amica do Note)e não um asiático, paado na históia, ou um aficano que nem seque fapate dea. Am disso, a co-pesena adica pessupõe ainda a aboião dauea, que, juntamente com a intoeância, constitui a neaão mais adicada co-pesena.

 A Ecologia de Saberes e a Inesgotável Diversidade da Experiência do MundoComo ecooia de sabees, o pensamento pós-abissa tem como pemissa aideia da diesidade epistemoóica do mundo, o econhecimento da existên-cia de uma puaidade de fomas de conhecimento am do conhecimentocientíco.49 Isto impica enuncia a quaque epistemooia ea. Em todo

48 Se, hipoteticamente, um camponês aficano e um funcionáio do Banco Mundiano decuso de uma ápida incusão ua se encontassem num campo aficano, de acodocom o pensamento abissa, o enconto seia simutâneo (o peonasmo intenciona), mas

ees seiam não-contempoâneos; peo contáio, de acodo com o pensamento pós-abis-sa, o enconto simutâneo e tem ua ente dois indiíduos contempoâneos.49  Este econhecimento da diesidade e difeenciaão um dos componentes

fundamentais da Weltanschauung   atas da qua podemos imaina o scuo XXI. EstaWeltanschauung   adicamente difeente da adoptada peos países centais no início doscuo passado. A imainaão epistemoóica no pincípio do scuo XX estaa dominadapea ideia de unidade. Este foi o contexto cutua que inuenciou as opões teóicas de A.Einstein (Hoton, 1998). A pemissa da unidade do mundo e a expicaão fonecida poesta pesidiu a todas as assunões nas quais Einstein baseou a sua pesquisa – simpicidade,simetia, causaidade newtoniana, competude, continuum – e expica paciamente a sua

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o mundo, não só existem diesas fomas de conhecimento da matia, socie-dade, ida e espíito, como tambm muitos e diesos conceitos sobe o que

conta como conhecimento e os citios que podem se usados paa aidá-o. No peíodo de tansião que iniciamos, no qua esistem ainda as esõesabissais de totaidade e unidade, poaemente pecisamos, paa seui emfente, de uma epistemooia ea esidua ou neatia: uma epistemooiaea da impossibiidade de uma epistemooia ea.

Saberes e IgnorânciasO contexto cutua em que se situa a ecooia de sabees ambíuo. Poum ado, a ideia da diesidade sociocutua do mundo que tem anhado

fôeo nas tês útimas dcadas e faoece o econhecimento da diesidadee puaidade epistemoóica como uma das suas dimensões. Po outo ado,se todas as epistemooias patiham as pemissas cutuais do seu tempo,tae uma das mais bem consoidadas pemissas do pensamento abissaseja, ainda hoje, a da cena na ciência como única foma de conhecimento

 áido e iooso. Otea y gasset (1942) popôs uma distinão adica entecenas e ideias, entendendo po estas útimas a ciência ou a osoa. A dis-tinão eside em que as cenas são pate inteante da nossa identidade esubjectiidade, enquanto as ideias são ao que nos exteio. Enquanto asnossas ideias nascem da dúida e pemanecem nea, as nossas cenas nascemda ausência dea. No fundo, a distinão ente se e te: somos as nossascenas, temos ideias. O que caacteístico do nosso tempo o facto de aciência modena petence simutaneamente ao campo das ideias e ao campodas cenas. A cena na ciência excede em muito o que as ideias cientícasnos pemitem eaia. Assim, a eatia peda de conana epistemoóica naciência, que pecoeu toda a seunda metade do scuo XX, ocoeu de pacom a cescente cena popua na ciência. A eaão ente cenas e ideiasdeixa de se uma eaão ente duas entidades distintas paa passa a se umaeaão ente duas fomas de expeiencia sociamente a ciência. Esta duai-

ecusa em aceita a mecânica quântica. Seundo Hoton, a ideia da unidade peaeceu nocontexto cutua do tempo, especiamente na Aemanha. Tata-se de uma ideia que atin-ia a expessão mais bihante no conceito de goethe de unidade oânica da humanidadee da natuea e da competa aticuaão de todos os eementos da natuea. Foi esta mesmaideia que, em 1912, conduiu cientistas e ósofos à poduão de um manifesto paa aciaão de uma noa sociedade que isaa desenoe um conjunto de ideias unicadoase conceitos unicadoes a apica a todos os campos do sabe (Hoton, 1998: 26).

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dade fa com que o econhecimento da diesidade cutua do mundo nãosinique necessaiamente o econhecimento da diesidade epistemoóica

do mundo.Neste contexto, a ecooia de sabees , basicamente, uma conta-epis-

temooia. O impuso básico que a fa emei esuta de dois factoes. Opimeio o noo suimento poítico de poos e isões do mundo do outoado da inha como paceios da esistência ao capitaismo oba, isto , aobaiaão conta-heemónica. Em temos eopoíticos, tata-se de socie-dades peificas do sistema mundia modeno onde a cena na ciênciamodena mais tnue, onde mais isíe a incuaão da ciência modenaaos desínios da dominaão coonia e impeia, e onde outos conhecimen-

tos não cientícos e não-ocidentais peaecem nas páticas quotidianasdas popuaões. O seundo facto uma poifeaão sem pecedentes deatenatias que, contudo, não podem se aupadas sob a aada de umaúnica atenatia oba. A obaiaão conta-heemónica destaca-se peaausência de uma ta atenatia no sinua. A ecooia de sabees pocua daconsistência epistemoóica ao pensamento puaista e popositio.

Na ecooia de sabees cuam-se conhecimentos e, potanto, tambminoâncias. Não existe uma unidade de conhecimento, como não existe umaunidade de inoância. As fomas de inoância são tão heteoneas e inte-dependentes quanto as fomas de conhecimento. Dada esta intedependên-cia, a apendiaem de cetos conhecimentos pode enoe o esquecimentode outos e, em útima instância, a inoância destes. Po outas paaas, naecooia de sabees, a inoância não necessaiamente um estado oiinaou ponto de patida. Pode se um ponto de cheada. Pode se o esutado doesquecimento ou desapendiaem impícitos num pocesso de apendia-em ecípoca. Assim, num pocesso de apendiaem conduido po umaecooia de sabees, cucia a compaaão ente o conhecimento que está ase apendido e o conhecimento que nesse pocesso esquecido e desapen-dido. A inoância só uma foma desquaicada de se e de fae quando o

que se apende ae mais do que o que se esquece. A utopia do inteconheci-mento apende outos conhecimentos sem esquece os pópios. é esta atecnooia de pudência que subja à ecooia de sabees. Ea conida a umaeexão mais pofunda sobe a difeena ente a ciência como conhecimentomonopoista e a ciência como pate de uma ecooia de sabees.

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 A Ciência Moderna Como Parte de Uma Ecologia de SaberesComo poduto do pensamento abissa, o conhecimento cientíco não se

enconta distibuído sociamente de foma equitatia, nem podeia encon-ta-se, uma e que o seu desínio oiina foi a conesão deste ado da inhaem sujeito do conhecimento e do outo ado da inha em objecto de conheci-mento. As inteenões no mundo ea que faoece tendem a se as que se-

 em os upos sociais que têm maio acesso a este conhecimento. Enquantoas inhas abissais continuaem a desenha-se, a uta po uma justia conitianão teá sucesso se se basea apenas na ideia de uma distibuião mais equi-tatia do conhecimento cientíco. Paa am do facto de ta distibuião seimpossíe nas condiões do capitaismo e cooniaismo, o conhecimento

cientíco tem imites intínsecos em eaão ao tipo de inteenão que po-moe no mundo ea. Na ecooia de sabees, enquanto epistemooia pós-abissa, a busca de cedibiidade paa os conhecimentos não-cientícos nãoimpica o descdito do conhecimento cientíco. Impica, simpesmente, asua utiiaão conta-heemónica. Tata-se, po um ado, de expoa a pu-aidade intena da ciência, isto , as páticas cientícas atenatias que setêm tonado isíeis atas das epistemooias feministas50 e pós-cooniais51 e, po outo ado, de pomoe a inteacão e a intedependência ente ossabees cientícos e outos sabees, não-cientícos.

Uma das pemissas básicas da ecooia de sabees que todos os conhe-cimentos têm imites intenos e imites extenos. Os intenos diem espeitoaos imites das inteenões no ea que pemitem. Os extenos decoem doeconhecimento de inteenões atenatias tonadas possíeis po outasfomas de conhecimento. Po denião, as fomas de conhecimento heemó-nico só conhecem os imites intenos, potanto, o uso conta-heemónico daciência modena só possíe atas da expoaão paaea dos seus imites

50  As epistemooias feministas têm sido centais paa a cítica dos duaismos

‘cássicos’ da modenidade, como sejam natuea/cutua, sujeito/objecto, humano/não-humano, e da natuaiaão das hieaquias de casse, sexo e aa. Paa auns contibutoseeantes paa as cíticas feministas da ciência, eja-se Kee, 1985; Hadin, 1986, 1998,2003; Schiebine, 1989, 1999; Haaway, 1992, 1997; Sope, 1995; Fausto-Stein, 2000;gadey e lowy, 2000. Ceae, lunbeck, e Schiebine, 2001, ofeecem uma panoâmicainteessante, ainda que centada no Note oba.

51 Ente muitos outos, eja-se, , Aaes, 1992; Dusse, 1995; Santos, 1995; Santos(o.), 2003a e 2004b; guha e Matine-Aie, 1997; visanathan, 1997; Ea, 1998; Pakash,1999; Quijano, 2000 (capítuo 2 deste oume); Minoo, 2000; Mbembe, 2001; e Masoo,2003 (capítuo 15 deste oume).

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intenos e extenos como pate de uma concepão conta heemónica deciência. é po isso que o uso conta-heemónico da ciência não pode imi-

ta-se à ciência. Só fa sentido no âmbito de uma ecooia de sabees.Paa uma ecooia de sabees, o conhecimento como inteenão no

ea – não o conhecimento como epesentaão do ea – a medida doeaismo. A cedibiidade da constuão conitia mede-se peo tipo de inte-

 enão no mundo que popociona, ajuda ou impede. Como a aaiaão dessainteenão combina sempe o conitio com o tico-poítico, a ecooia desabees distinue a objectiidade anaítica da neutaidade tico-poítica.Ninum questiona hoje o ao ea das inteenões no ea tonadas pos-síeis pea ciência modena atas da sua podutiidade tecnoóica. Mas

este facto não dee impedi-nos de econhece outas inteenões no eatonadas possíeis po outas fomas de conhecimento. Em muitas áeas da ida socia, a ciência modena tem demonstado uma supeioidade indis-cutíe em eaão a outas fomas de conhecimento. Existem, no entanto,outas fomas de inteenão no ea que hoje nos são aiosas e paa as quaisa ciência modena nada contibuiu. é o caso, po exempo, da peseaão dabiodiesidade tonada possíe po fomas de conhecimento camponesas eindíenas e que, paadoxamente, se encontam hoje ameaadas pea inte-

 enão cescente da ciência modena (Santos, Meneses e Nunes, 2004). Enão deeá espanta-nos a iquea dos conhecimentos que conseuiam pe-sea modos de ida, uniesos simbóicos e infomaões itais paa a sobe-

 iência em ambientes hostis com base excusiamente na tadião oa? Diáao sobe a ciência o facto de que atas dea ta nunca teia sido possíe?

 Aqui eside o impuso paa a co-pesena iuaitáia (como simutanei-dade e contempoaneidade), e paa a incompetude. Uma e que nenhumafoma sinua de conhecimento pode esponde po todas as inteenõespossíeis no mundo, todas eas são, de difeentes maneias, incompetas. Aincompetude não pode se eadicada poque quaque descião competadas aiedades de sabe não incuiia a foma de sabe esponsáe pea pó-

pia descião. Não há conhecimento que não seja conhecido po aumpaa auns objectios. Todos os conhecimentos sustentam páticas e cons-tituem sujeitos.  Todos os conhecimentos são testemunhais poque o queconhecem sobe o ea (a sua dimensão actia) se eecte sempe no que dãoa conhece sobe o sujeito do conhecimento (a sua dimensão subjectia). Aoquestionaem a distinão sujeito/objecto, as ciências da compexidade dãoconta deste fenómeno, mas connam-no às páticas cientícas. A ecooia desabees expande o caácte testemunha dos conhecimentos de foma a aba-

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epistemologias do sul50

ca iuamente as eaões ente o conhecimento cientíco e não-cientíco,aaando deste modo o acance da inte-subjectiidade como inteconheci-

mento e ice-esa.Num eime de ecooia de sabees, a busca de inte-subjectiidade

tão impotante quanto compexa. Dado que difeentes páticas de conheci-mento têm ua em difeentes escaas espaciais e de acodo com difeentesduaões e itmos, a inte-subjectiidade eque tambm a disposião paaconhece e ai em escaas difeentes (inte-escaaidade) e aticuando dife-entes duaões (inte-tempoaidade). Muitas das expeiências subatenasde esistência são ocais ou foam ocaiadas e assim tonadas ieeantesou inexistentes peo conhecimento abissa modeno, o único capa de ea

expeiências obais. Contudo, uma e que a esistência conta as inhasabissais tem de te ua a uma escaa oba, impeatio desenoe aumtipo de aticuaão ente as expeiências subatenas atas de iaõesocais-obais. Paa se bem sucedida, a ecooia de sabees tem de se tans-escaa (Santos, 2000: 209-235).

 Am disso, a coexistência de difeentes tempoaidades ou duaõesem difeentes páticas de conhecimento eque uma expansão da moduatempoa. Enquanto as modenas tecnooias tendem a faoece a moduatempoa e a duaão da acão estata, tanto na administaão púbica comona poítica (o cico eeitoa, po exempo), as expeiências subatenas doSu oba têm sido foadas a esponde tanto à cuta duaão das necessi-dades imediatas de sobeiência como à ona duaão do capitaismo e docooniaismo. Mesmo nas utas subatenas podem esta pesentes difeentesduaões. Como exempo, a uta pea tea dos camponeses empobecidosda Amica latina pode incui a duaão do Estado modeno, quando, poexempo, no Basi, o Moimento dos Sem Tea (MST) uta pea efomaaáia, a duaão da escaatua, quando os poos afo-descendentes utampea ecupeaão dos Quilombos, a tea dos escaos fuitios, seus ante-passados, ou ainda a duaão ainda mais ona, do cooniaismo, quando os

poos indíenas utam paa eae os seus teitóios históicos de que foamesbuhados peos conquistadoes.

 Ecologia de Saberes, Hierarquia e Pragmática A ecooia de sabees não concebe os conhecimentos em abstacto, mas antescomo páticas de conhecimento que possibiitam ou impedem cetas inte-

 enões no mundo ea. Um pamatismo epistemoóico , acima de tudo,justicado peo facto de as expeiências de ida dos opimidos hes seem

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inteiíeis po ia de uma epistemooia das consequências. No mundo emque iem, as consequências êm sempe pimeio que as causas.

 A ecooia de sabees assenta na ideia památica de que necessáiauma eaaiaão das inteenões e eaões concetas na sociedade e nanatuea que os difeentes conhecimentos popocionam. Centa-se, pois,nas eaões ente sabees, nas hieaquias que se eam ente ees, uma eque nenhuma pática conceta seia possíe sem estas hieaquias. Contudo,em ua de subscee uma hieaquia única, uniesa e abstacta ente ossabees, a ecooia de sabees faoece hieaquias dependentes do contexto,à u dos esutados concetos petendidos ou atinidos peas difeentesfomas de sabe. Hieaquias concetas emeem do ao eatio de inte-

 enões atenatias no mundo ea. Ente os difeentes tipos de inteenãopode existi compementaidade ou contadião.52 Sempe que há inteen-ões no ea que podem, em teoia, se eadas a cabo po difeentes sistemasde conhecimento, as escohas concetas das fomas de conhecimento apiieia deem se infomadas peo pincípio de pecauão, que, no con-texto da ecooia de sabees, dee fomua-se assim: dee da-se pefeênciaàs fomas de conhecimento que aantam a maio paticipaão dos upossociais enoidos na concepão, na execuão, no contoo e na fuião dainteenão.

O exempo seuinte iusta bem os peios de substitui um tipo deconhecimento po outo com base em hieaquias abstactas. Nos anos de1960, os sistemas mienaes de iiaão dos campos de ao da iha deBai, na Indonsia, foam substituídos po sistemas cientícos de iiaão,pomoidos peos positos da eouão ede. Os sistemas tadicionais deiiaão assentaam em conhecimentos hidoóicos, aícoas e eiiososancestais, e eam administados po sacedotes de um tempo hindu-budistadedicado a Dewi-Danu, a deusa do ao. Foam substituídos pecisamentepo seem consideados podutos da maia e da supestião, deiados doque foi depeciatiamente desinado como ‘cuto do ao’. Acontece que a

substituião tee esutados desastosos paa a cutua do ao com decs-cimos nas coheitas paa mais de metade. Os maus esutados epetiam-senas coheitas seuintes e foam tão desastosos que os sistemas cientícos

52 A peaência dos juíos conitios ao ea a cabo uma deteminada pática deconhecimento não choca com a peaência dos juíos tico-poíticos na decisão a faode um deteminado tipo de inteenão ea que esse conhecimento especíco possibiitaem detimento de inteenões atenatias possibiitadas po conhecimentos atenatios.

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não possíe efeimo-nos a uma osoa aficana poque existe apenasuma osoa, cuja uniesaidade não posta em causa peo facto de at ao

momento se te desenoido sobetudo no Ocidente. Em Áfica, esta aposião dos chamados ósofos modenistas. Paa outos ósofos aficanos,os ósofos tadicionaistas, há osoa aficana mas, como ea está embebidana cutua aficana, incomensuáe com a osoa ocidenta e dee seuio seu desenoimento autónomo.55  Ente estas duas posiões, há aqueasque defendem que existem muitas osoas e que possíe o diáoo enteeas e o eniquecimento mútuo. Estas posiões êem-se fequentemente con-fontadas com os pobemas da incomensuabiidade, incompatibiidade eininteiibiidade ecípocas que pocuam esoe, expoando fomas, po

 ees insuspeitadas, de compementaidade. Tudo depende do uso de poce-dimentos adequados de taduão intecutua. Atas da taduão, tona-sepossíe identica peocupaões comuns, apoximaões compementaes e,cao, tambm contadiões inutapassáeis.56

Um exempo iusta o que está em joo. O ósofo aniano Kwasi Wiedu ama que na cutua e ínua Akan, do gana, não possíe taduio peceito catesiano “cogito ergo sum” (1990, 1996). A aão que não hápaaas paa expimi ta ideia. ‘Pensa’, em Akan, sinica ‘medi ao’, o quenão fa sentido quando acopado à ideia de se. Mais ainda, o ‘se’ de ‘ sum’ iuamente muito difíci de expimi poque o equiaente mais póximo ao semehante a ‘estou aí’. Seundo Wiedu, o ocatio ‘aí’ “ seria suicida tantodo ponto de vista da epistemologia como da metafísica do cogio”. Ou seja, a ínuapemite expimi cetas ideias e não outas.57 Isto não sinica, contudo, quea eaão ente a osoa aficana e a osoa ocidenta tenha de ca poaqui. Como Wiedu tenta demonsta, possíe desenoe aumentosautónomos com base na osoa aficana, não só sobe o poquê de esta não

55 Sobe este assunto, eja-se Ee, 1997; Kap e Masoo, 2000; Hountondji, 2002;Coetee and roux, 2002; Bown, 2004.

56  Nesta áea, os pobemas estão fequentemente associados com a inuaem,e esta , de facto, um instumento chae paa o desenoimento de uma ecooia dossabees. Como esutado, a taduão dee opea a dois níeis, o inuístico e o cutua. Ataduão cutua seá uma das taefas mais desaantes que se apesenta a ósofos, cien-tistas sociais e actiistas no scuo XXI. Tato deste assunto com maio detahe em Santos,2004 e 2006b.

57 Este tema tambm debatido po Dismas A. Masoo, neste oume.

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Conclusão A constuão epistemoóica de uma ecooia de sabees não taefa fáci.

Como concusão, poponho um poama de pesquisa. Podemos identicatês conjuntos pincipais de questões, eacionados com a identicaão desabees, com os pocedimentos que pemitem eacioná-os ente si e coma natuea e aaiaão das inteenões no mundo ea que possibiitam. Opimeio questionamento eanta uma sie de questões que têm sido ino-adas peas epistemooias do Note oba. Qua a pespectia pati da quapodeemos identica difeentes conhecimentos? Como podemos distinuio conhecimento cientíco do conhecimento não-cientíco? Como distin-ui ente os áios conhecimentos não-cientícos? Como se distinue o

conhecimento não-ocidenta do conhecimento ocidenta? Se existem áiosconhecimentos ocidentais e áios conhecimentos não-ocidentais, comodistinui-os ente si? Qua a conuaão dos conhecimentos híbidos queaeam componentes ocidentais e não-ocidentais?

 A seunda áea de questionamento eanta as seuintes questões. Quetipos de eacionamento são possíeis ente os difeentes conhecimentos?Como distinui incomensuabiidade, contadião, incompatibiidade, ecompementaiedade? Donde pom a ontade de tadui? Quem são ostadutoes? Como escohe os paceios e tópicos de taduão? Como fomadecisões patihadas e distinui-as das impostas? Como asseua que a ta-duão intecutua não se tansfoma numa esão enoada do pensamentoabissa, numa esão ‘suaiada’ de impeiaismo e cooniaismo?

O teceio questionamento di espeito à natuea e aaiaão das inte- enões no mundo ea. Como podemos tadui esta pespectia em páticasde conhecimento? Na busca de atenatias à dominaão e à opessão, comodistinui ente atenatias ao sistema de opessão e dominaão e atenati-

 as dento do sistema ou, mais especicamente, como distinui atenatiasao capitaismo de atenatias dento do capitaismo?

Em suma, como combate as inhas abissais usando instumentos con-

ceptuais e poíticos que as não epoduam? E, namente, uma questão comespecia inteesse paa educadoes: qua seia o impacto de uma concepãopós-abissa de conhecimento (como uma ecooia de sabees) sobe as ins-tituiões educatias e centos de inestiaão? Nenhuma destas peuntastem espostas denitias. Mas o esfoo paa tenta da-hes esposta – ce-tamente um esfoo coectio e ciiiaciona – , poaemente, a únicafoma de confonta a noa e mais insidiosa esão do pensamento abissa

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identicada neste tabaho: a constante ascensão do paadima da apopia-ão/ioência no inteio do paadima da euaão/emancipaão.

é pópio da natuea da ecooia de sabees constitui-se atas depeuntas constantes e espostas incompetas. Aí eside a sua caacteísticade conhecimento pudente. A ecooia de sabees capacita-nos paa uma

 isão mais abanente daquio que conhecemos, bem como do que desco-nhecemos, e tambm nos peine paa que aquio que não sabemos ino-ância nossa, não inoância em ea.

 A iiância epistemoóica equeida pea ecooia de sabees tans-foma o pensamento pós-abissa num pofundo execício de auto-eexii-dade. reque que os pensadoes e actoes pós-abissais se ejam num contexto

semehante àquee em que Santo Aostinho se encontaa ao escee as suasConssões  e que expessou eoquentemente desta foma: quaestio mihi factus sum, ‘Converti‑me numa questão para mim’. A difeena que o tópico deixou de

se a conssão dos eos passados, paa se a paticipaão soidáia na cons-tuão de um futuo pessoa e coectio, sem nunca se te a cetea de nãoepeti os eos cometidos no passado.

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CAPTUlO 2

Colonialidade do poder e ClassifiCação soCial Aníbal Quijano

Introduão  A cooniaidade um dos eementos constitutios e especícos do padãomundia do pode capitaista. Sustenta-se na imposião de uma cassicaãoacia/tnica da popuaão do mundo como peda anua do efeido padãode pode e opea em cada um dos panos, meios e dimensões, mateiais esubjectios, da existência socia quotidiana e da escaa societa.1 Oiina-se emundiaia-se a pati da Amica.

Com a constituião da Amica (latina),2  no mesmo momento e nomesmo moimento históicos, o emeente pode capitaista tona-se mun-dia, os seus centos heemónicos ocaiam-se nas onas situadas sobe o

 Atântico – que depois se identicaão como Euopa – e como eixos centaisdo seu noo padão de dominaão estabeecem-se tambm a cooniaidadee a modenidade. Em pouco tempo, com a Amica (latina) o capitaismotona-se mundia, euocentado, e a cooniaidade e modenidade instaam-

1 Cooniaidade um conceito difeente de, ainda que incuado a, Cooniaismo.Este útimo efee-se estitamente a uma estutua de dominaão/expoaão onde o con-too da autoidade poítica, dos ecusos de poduão e do tabaho de uma popuaãodeteminada domina outa de difeente identidade e cujas sedes centais estão, am disso,ocaiadas nouta juisdião teitoia. Mas nem sempe, nem necessaiamente, impicaeaões acistas de pode. O cooniaismo , obiamente, mais antio, enquanto a Coo-niaidade tem indo a poa, nos útimos 500 anos, se mais pofunda e duadoia que ocooniaismo. Mas foi, sem dúida, enendada dento daquee e, mais ainda, sem ee não

podeia se imposta na intesubjectiidade do mundo tão enaiado e poonado. Pabogonáe Casanoa (1965) e rodofo Staenhaen (1965) popuseam chama Coonia-ismo Inteno ao pode acista/etnicista que opea dento de um Estado-Naão. Mas issosó teia sentido a pati de uma pespectia euocêntica sobe o Estado-Naão. Sobe asminhas popostas aceca do conceito de cooniaidade do pode emeto, sobetudo, paaos meus textos Quijano, 1991, 1993a, 1994, assim como Quijano e Waestein, 1992.

2 A apopiaão do nome Amica peos Estados Unidos da Amica do Note oii-nou uma ande confusão que obia a ecoda que oiinamente o nome coespondiaexcusiamente aos domínios ibicos neste continente, que iam desde a Tea do Foo atmais ou menos ao meio sudoeste do actua teitóio dos Estados Unidos.

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epistemologias do sul74

se associadas como eixos constitutios do seu especíco padão de pode,3 at hoje.

No decuso da eouão dessas caacteísticas do pode actua foam-seconuando noas identidades societais da cooniaidade – índios, negros,azeitonados, amarelos, brancos, mestiços – e as eocutuais do cooniaismo,como América, África, Extremo Oriente, Próximo Oriente (as suas útimas, maistade, Ásia), Ocidente  ou Europa  (Euopa Ocidenta, depois). E as eaõesintesubjectias coespondentes, nas quais se foam fundindo as expeiên-cias do cooniaismo e da cooniaidade com as necessidades do capitaismo,foam-se conuando como um noo unieso de eaões intesubjectiasde dominaão sob heemonia euocentada. Esse especíco unieso o que

seá depois denominado como a modernidade.Desde o scuo XvII, nos pincipais centos heemónicos desse padãomundia de pode, nessa centúia, não sendo um acaso a Hoanda (Descates,Spinoa) e a Inatea (locke, Newton), desse unieso intesubjectio, foieaboado e fomaiado um modo de podui conhecimento que daa contadas necessidades conitias do capitaismo: a medião, a extenaiaão (ouobjectiaão) do conoscíe em eaão ao conhecedo, paa o contoo daseaões dos indiíduos com a natureza  e ente aqueas em eaão a esta,em especia a popiedade dos ecusos de poduão.4 Dento dessa mesmaoientaão foam tambm, já fomamente, naturalizadas  as expeiências,identidades e eaões históicas da cooniaidade e da distibuião eocu-tua do pode capitaista mundia. Esse modo de conhecimento foi, peo seucaácte e pea sua oiem, euocêntico. Denominado aciona, foi impostoe admitido no conjunto do mundo capitaista como a única acionaidade

 áida e como embema da modernidade. As inhas maties dessa pespectiaconitia mantieam-se, não obstante as mudanas dos seus conteúdosespecícos, das cíticas e dos debates, ao ono da duaão do pode mundiado capitaismo coonia e modeno. Essa a modenidade/acionaidade queestá aoa, namente, em cise.5 

O euocentismo não excusiamente, potanto, a pespectia coni-tia dos euopeus, ou apenas dos dominantes do capitaismo mundia, mas

3 veja-se a enteista a Quijano ” La Modernidad, el Capitalismo y América Latina nacen elmismo día”. ( Illa, n 10, Janeio 1991, lima, Peú).

4 veja-se, sobe este tema, os capítuos de Boaentua de Sousa Santos e de EniqueDusse, que anaisam tambm este tema.

5 Discuti antes estas questões em Quijano, 1988, e 1991.

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neos, não obstante a diesidade de fomas e caactees, que uadam entesi eaões contínuas e consistentes – seja peas suas ‘funões’, seja peas

suas cadeias de deteminaões – ineaes e unidieccionais, no tempo e noespao. Toda a estutua societa , nesse pespectia, oânica ou sistmica,mecânica. E essa , exactamente, a opão pefeencia do euocentismo napoduão do conhecimento históico. Nessa opão ao chamado ‘socie-dade’, enquanto uma aticuaão de mútipas existências sociais numa únicaestutua, ou não possíe ou não tem ua na eaidade, como no ehoempiismo e no noo pós-modenismo, ou se existe só pode se de modosistmico ou oânico.

Em seundo ua, em todas essas etentes subja a ideia que de aum

modo as eaões ente os componentes de uma estutua societa são dadas,ahistóricas, ou seja, são o poduto da actuaão de aum aente anteio àhistóia das eaões ente as entes. Se, como em Hobbes, se fa inteiacões e decisões humanas na oiem da autoidade e da odem, não se tataem io de nenhuma históia, ou nem seque de um mito históico, mas deum mito metafísico: postua um estado de natuea, com indiíduos huma-nos que ente si não têm eaões distintas com a contínua ioência, ou seja,que não possuem ente si enuínas eaões sociais. Se em Max tambmse fa intei acões humanas na oiem das ‘eaões de poduão’, paa omateiaismo históico isso acontece po foa de toda a subjectiidade. Isto, tambm metafísica e não histoicamente. No funcionaismo, no estutu-aismo e no estutua funcionaismo, os indiíduos estão submetidos abinitio  ao impio de cetos padões de conduta histoicamente inaiantes.

 A pespectia, em quaque das suas aiantes, impica pois um postuadohistoicamente impossíe: que as eaões ente os eementos de um padãohistóico de pode têm já deteminadas as suas eaões antes de toda ahistóia. Ou seja, como se fossem eaões denidas peiamente num einoôntico, ahistóico ou tanshistóico.

 A modenidade euocêntica não paece te teminado com o execício

de secuaia a ideia de um deus poidencia. De outo modo, concebe aexistência socia de entes concetas como conuada ab initio e po eemen-tos histoicamente homoneos e consistentes, destinados indenidamentea te ente si eaões contínuas, ineaes e unidieccionais, seia desnecessá-ia e, no m de contas, impensáe.

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2. A Heterogeneidade Histórico-Estrutural do Poder Semehante pespectia de conhecimento dicimente podeia da conta

da expeiência históica. Em pimeio ua, não se conhece padão aumde pode no qua os seus componentes se eacionem desse modo e espe-ciamente ao ono do tempo. lone disso, tata-se sempe de uma aticu-aão estutua ente eementos histoicamente heteoneos. Ou seja, quepoêm de históias especícas e de espaos-tempos distintos e distantesente si, que desse modo têm fomas e caactees não só difeentes, masdescontínuos, incoeentes e ainda conituosos ente si, em cada momentoe ao ono do tempo. Disso são uma demonstaão históica eciente, taemeho que nenhuma outa expeiência, pecisamente a constituião e o

desenoimento históicos da Amica e do Capitaismo Mundia, Cooniae Modeno.Em cada um dos pincipais meios da existência socia cujo contoo

disputado po indiíduos, e de cujas itóias e deotas se fomam as eaõesde expoaão/dominaão/conito que constituem o pode, os eementoscomponentes são sempe histoicamente heteoneos. Assim, no capita-ismo mundia o tabaho existe actuamente, como há 500 anos, em todase cada uma das suas fomas histoicamente conhecidas (saáio, escaidão,seidão, pequena poduão mecanti, ecipocidade), mas todas eas estãoao seio do capita, aticuando-se em tono da sua foma saaia. Mas domesmo modo, em quaque dos outos meios, a autoidade, o sexo, a subjecti-

 idade, estão pesentes todas as fomas histoicamente conhecidas sob a pi-maia ea das suas fomas chamadas modenas: o ‘Estado-naão’, a ‘famíiabuuesa’, a ‘acionaidade modena’.

O que eamente notáe de toda a estutua societa que eementos,expeiências, podutos, histoicamente descontínuos, distintos, distantes eheteoneos possam aticua-se juntos, não obstante as suas inconuênciase os seus conitos, na tama comum que os ude numa estutua conjunta. Apeunta petinente indaa aceca do que podu, pemite ou detemina

semehante campo de eaões e outoa-he o caácte e o compotamentode uma totaidade históica especíca e deteminada. E como a expeiênciada Amica e do actua mundo capitaista mosta, em cada caso o que na pi-meia instância ea as condiões paa essa aticuaão a capacidade que umupo conseue obte ou enconta, paa se impo sobe os outos e aticuasob o seu contoo, numa noa estutua societa, as suas heteoneas histó-ias. é sempe uma históia de necessidades, mas iuamente de intenões,de desejos, de conhecimentos ou inoâncias, de opões e de pefeências,

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de decisões ceteias ou eóneas, de itóias e deotas. De nenhum modo,em consequência, da acão de factoes exta-históicos. As possibiidades de

acão das entes não são innitas, ou seque muito numeosas e diesas. Osecusos que disputam não são abundantes. Mais sinicatio ainda o factode que as acões ou omissões humanas não podem sepaa-se do que estápeiamente feito e existe como condicionante das acões, extenamente ounão da subjectiidade, do conhecimento e/ou dos desejos e das intenões.Po isso, as opões, queidas ou não, conscientes ou não, paa todos ou paaauns, não podem se decididas, nem actuadas num vacuum históico. Distose deia, no entanto, não necessaiamente em todo o caso, que as opõesestejam inscitas já numa deteminaão exta-históica, supa-históica ou

tanshistóica, como no destino da tadia ea cássica. Não são, em suma,ineitáeis. Ou seia-o no facto de que Coombo topeasse no que chamoula Hispanioa em ua do que chamamos Noa Ioque? As condiões tc-nicas dessa aentua pemitiam o mesmo, fosse um ou outo esutado, ouo facasso de ambos. Pense-se em todas as impicaões fundamentais, nãobanais, de ta questão, paa a históia do mundo capitaista. Sobe o pobemada cooniaidade do pode, em pimeio ua.

 A capacidade e a foa que see a um upo paa se impo a outos não, no entanto, suciente paa aticua históias heteoneas numa odemestutua duadoua. Eas cetamente poduem autoidade enquanto capa-cidade de coeão. A foa e a coeão ou, no oha ibea, o consenso, nãopodem, contudo, podui nem epodui duadouamente a odem estu-tua de uma sociedade, ou seja, as eaões ente os componentes de cadaum dos meios da existência socia, nem as eaões ente os pópios meios.Nem, em especia, podui o sentido do moimento e do desenoimentohistóicos da estutua societa no seu conjunto. A única coisa que pode faea autoidade obia, ou pesuadi, os indiíduos a submete-se a essaseaões e a esse sentido ea do moimento da sociedade que os habita.Desse modo, contibui à sustentaão, à epoduão dessas eaões e ao

contoo das suas cises e das suas mudanas. Se desde Hobbes, no entanto,o ibeaismo insiste em que a autoidade decide a odem societa, a odemestutua das eaões de pode, poque tambm insiste em que todos osoutos meios de existência socia aticuados nessa estutua são naturais. Masse não se admite esse impossíe caácte não-históico da existência socia,dee pocua-se nouta instância históica a expicaão de que a existênciasocia consista em meios ou em campos de eaões sociais especícas e quetais campos tendam a aticua-se num campo conjunto de eaões, cuja

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conuaão estutua e sua epoduão ou emoão no tempo se econhececom o conceito de sociedade. Onde enconta essa instância?

 Já foi assinaada a dicudade das popostas estutuaistas e funcio-naistas, não só paa da conta da heteoeneidade históica das estutuassocietais, como tambm po impica eaões necessaiamente consistentesente os seus componentes. resta, consequentemente, a poposta maxiana(uma das fontes do mateiaismo históico) sobe o tabaho como meiopimado de toda a sociedade e do contoo do tabaho como o pimado emtodo o pode societa. São dois os pobemas que eanta esta questão e queequeem que sejam discutidos.

Em pimeio ua, edade que a expeiência do pode capitaista

mundia, euocentado e coonia/modeno, mosta que o contoo dotabaho o facto supemo neste padão de pode: este , em pimeio ua,capitaista. Em consequência, o contoo do tabaho peo capita a condiãocenta do pode capitaista. Mas em Max impica-se, de um ado, a homo-eneidade históica deste e dos outos factoes, e po outo, que o tabahodetemina, todo o tempo e de modo pemanente, o caácte, o ua e a fun-ão de todos os outos meios na estutua do pode. Contudo, se se examinade noo a expeiência do padão mundia do pode capitaista, nada pemite

 eica a homoeneidade históica dos seus componentes, nem seque dosfundamentais, seja do tabaho, do capita, ou do capitaismo. Peo contáio,dento de cada uma dessas cateoias não só coexistem, como se aticuam ese combinam todas e cada uma das fomas, etapas e níeis da históia de cadauma deas. Po exempo, o tabaho assaaiado existe hoje, como no início dasua históia, ao ado da escaidão, da seidão, da pequena poduão me-canti, da ecipocidade. E todos ees se aticuam ente si e com o capita. Opópio tabaho assaaiado difeencia-se ente todas as fomas históicas deacumuaão, desde a chamada oiináia ou pimitia, a mais aia extensia,incuindo todas as adaões da intensia e todos os níeis que a actua tec-nooia pemite e contm, at àquees em que a foa ia do tabaho indi-

 idua ituamente insinicante. O capitaismo abaca, e tem de abaca,todo esse compexo e heteoneo unieso sob o seu domínio. Em eaão àcadeia unidiecciona de deteminaões que pemite ao tabaho aticua osoutos meios e mantê-os aticuados no ono pao, a expeiência do padãodo pode capitalista, mundial, eurocentrado e colonial/moderno tambm não mos-ta nada que obiue a admiti que o aso capitalista tenha tonado necessá-ios, no sentido de ineitáeis, os outos. Po outo ado, sem dúida que ocaácte capitaista deste padão de pode tem impicaões decisias sobe o

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 A enoaão e a expansão da isão atomística da expeiência históico-socia em pena cise da modenidade/acionaidade tambm não um

acidente. é um assunto compexo e contaditóio. Mosta, po um ado, queaoa mais peceptíe o facto de que as ideias dominantes da totaidadedeixem de foa dea muitas, demasiadas, áeas da expeiência históico-socia,ou as acohem somente de modo distocido. Mas, po outo ado, tambmnão acidenta a expícita associaão da neaão da totaidade com a nea-ão da eaidade do pode societa, tanto no noo pós-modenismo como no

 eho empiismo.Com efeito, o que o paadima da totaidade pemitiu pecebe na

históia da existência socia de entes concetas foi, pecisamente, o pode

como a mais pesistente foma de aticuaão estutua de acance societa.Desde então, seja paa o cooca em questão ou paa sua defesa, o ponto depatida foi o econhecimento da sua existência ea na ida dos indiíduos.Mas, sobetudo, foi a cítica do pode o que acabou po se coocado no pó-pio cento do estudo e do debate históico-socia.

Po outo ado, na isão atomística, seja do eho empiismo ou donoo pós-modenismo, as eaões sociais não fomam campos compexosde eaões sociais em que estão aticuados todos os meios difeenciáeis daexistência socia e, consequentemente, de eaões sociais. Ou seja, ao quese podeia chama sociedade não tem ua na eaidade. Potanto, encontaexpicaão e sentido dos fenómenos sociais não possíe nem necessáio. Aexpeiência continente, e a descião como epesentaão, seiam a únicacoisa necessáia e eítima. A ideia de totaidade não só não seia necessáia,como, e sobetudo, seia uma distoão epistemoóica. A ideia que emetepaa a existência de estutuas duadoias de eaões sociais cede ua àideia de uências instáeis e cambiantes, que não cheam a soidica nasestutuas.11 

Paa pode nea a eaidade do pode societa, o empiismo e o pós--modenismo exiem a neaão da ideia de totaidade históico-socia e

da existência de um meio pimado na conuaão societa, aindo comoeixo de aticuaão dos outos. O pode no eho empiismo só existe como

osoa, mas, antes do mais, poque este debate ita paa a eaboaão de uma aciona-idade atenatia à euocêntica e paa a enoaão dos fundamentos do conhecimentohistóico-socia.

11  Anup (1985) apesenta uma boa eisão das posiões em debate e um bemamado ataque conta o conceito de totaidade.

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autoidade, num só meio de eaões sociais, po denião, dispesas. Nopós-modenismo, desde as suas oiens pós-estutuaistas, o pode só existe

à escaa das mico-eaões sociais e como fenómeno dispeso e uido. Nãotem sentido, consequentemente, paa nenhuma das etentes do debate,pensa na mudana de ao que se podeia chama sociedade no seu conjuntoe cooca paa isso os seus eixos de aticuaão ou os factoes de deteminaãoque deem se ateados. A mudana históica seia estitamente um assuntoindiidua, ainda que fossem áios os indiíduos compometidos em mico-eaões sociais.

Nesse confonto ente as ideias oânicas e sistmicas de totaidade, deum ado, e a neaão de toda a ideia de totaidade, do outo, paeceá, pois,

tata-se de opiniões muito contastantes, incusie efeidas a pespectiasepistmicas não conciiáeis. Ambas têm, no entanto, uma inhaem euo-cêntica comum: nas duas posiões, o paadima euocêntico de totaidade o único pensáe. Dito de outo modo, nas duas subja o pessuposto nuncaexpicitado e discutido, já que nunca foi uma questão, de que toda a ideiade totaidade impica que o todo e as pates coespondem a uma mesmaóica de existência. Ou seja, têm uma homoeneidade básica que sustentaa consistência e a continuidade das suas eaões, como num oanismo, ounuma máquina, ou numa entidade sistmica. Nessa pespectia, a neaãoda necessidade dessa ideia de totaidade na poduão do conhecimento extema, mas não de todo abitáia. Paa as nossas actuais necessidades deconhecimento históico-socia, essa ideia de totaidade impica hoje disto-ões da eaidade tão aes como as desantaens do eho empiismo ato-místico. Mas o que aconteceá se enfentamos as totaidades que consistemnuma aticuaão de eementos histoicamente heteoneos, cujas eaõessão descontínuas, inconsistentes e conituosas?

 A esposta que na existência societa as eaões ente o todo e as pa-tes são eais, mas necessaiamente muito difeentes das que postua o euo-centismo. Uma totaidade históico-socia num campo de eaões sócias

estutuado pea aticuaão heteonea e descontínua de diesos meiosde existência socia, cada um dees po sua e estutuado com eementoshistoicamente heteoneos, descontínuos no tempo, conituosos. Isso querdizer que as partes num campo de relações de poder societal não são só partes. São-noem eaão ao conjunto do campo, da totaidade que este constitui. Conse-quentemente, moem-se eamente dento da oientaão ea do conjunto.Mas não o são na sua eaão sepaada com cada uma das outas. E sobetudocada uma deas uma unidade tota na sua pópia conuaão poque tem

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iuamente uma constituião histoicamente heteonea. Cada elemento deuma totalidade histórica é uma particularidade e, ao mesmo tempo, uma especicidade e,

eventualmente até, uma singularidade. Todos ees se moem dento da tendênciaea do conjunto, mas têm ou podem te uma autonomia eatia e que podese, ou chea a se, eentuamente, conituosa com a do conjunto. Nissoeside tambm a moão da mudana históico-socia.

Sinica isso que a ideia de totaidade não tem ai ua, nem sentido?Nada disso. O que aticua os eementos heteoneos e descontínuos numaestutua históico-socia um eixo comum, atas do qua tudo tende amoe-se eamente de modo conjunto, aindo assim como uma totaidade.Mas essa estutua não , nem pode se, fechada, como, peo contáio, não

pode deixa de se uma estutua oânica ou sistmica. Po isso, ao contáiodestas, se bem que esse conjunto tenda a moe-se ou a compota-se numaoientaão ea, não pode faê-o de uma maneia uniinea, nem unidiec-ciona, nem unidimensiona, poque estão em acão mútipas, heteonease at conituosas pusões ou óicas de moimento. Em especia, se se con-sidea que são necessidades, desejos, intenões, opões, decisões e acõeshumanas as que estão constantemente em joo.

Po outas paaas, os pocessos históicos de mudana não consistem,não podem consisti, na tansfomaão de uma totaidade histoicamentehomonea nouta equiaente, seja adua e continuamente, ou po satose uptuas. Se assim fosse, a mudana impicaia a saída competa do cenáiohistóico de uma totaidade com todos os seus componentes, paa que outadeiada dea ocupe o seu ua. Essa a ideia centa, necessáia, expícitano eoucionismo adua e uniinea, ou impicada nas aiantes do estutu-aismo e do funcionaismo e, emboa ao seja conta o seu discuso foma,tambm do pópio mateiaismo históico. Assim não acontece, no entanto,na expeiência ea, e muito menos com o padão de pode mundia que seconstituiu na Amica. A mudana afecta de modo heteoneo, descontí-nuo, os componentes de um dado campo históico de eaões sociais. Esse

, poaemente, o sinicado históico, conceto, do que se postua comocontadião no moimento históico da existência socia.

 A pecepão de que um campo de eaões sociais constituído poeementos homoneos, contínuos, ainda que contaditóios (no sentidoheeiano), ea à isão da históia como uma sequência de mudanas queconsistem na tansfomaão de um conjunto homoneo e contínuo noutoequiaente. E o debate sobe se isso acontece adua e ineamente ou po‘satos’, e que costuma passa como um confonto epistemoóico ente o

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Pense-se, po exempo, na essonância da oba de Nicos Pouantas, numa eeda, ou na de Eik Oin Wiht nouta fente. Esfoos de cítica muito

mais fecunda, menos numeosos, com menos audiência imediata, como a deE. P. Thompson, infeimente não conduiam at a uma competa popostaatenatia14. De onde poêm as dicudades com a teoia das casses sociaisdo mateiaismo históico? O asto mais nítido condu a uma históia comtês estâncias distintas. Pimeia, a constituião do mateiaismo históiconos nais do scuo XIX, como um poduto da hibidaão maxo-positiista,no tadio Enes e nos teóicos da Socia-Democacia euopeia, especia-mente aemã, com ampas e duadoias eebeaões ente os sociaistas detodo o mundo. Seunda, a canoniaão da esão chamada maxismo-eni-

nismo, imposta peo despotismo buocático estabeecido sob o estainismoa pati de meados dos anos 20. Finamente, a noa hibidaão desse mate-iaismo históico com o estutuaismo, especiamente fancês, depois daSeunda guea Mundia.15 

O mateiaismo históico, a espeito da questão das casses sociais,assim como noutas áeas, em eaão à heana teóica de Max, não exacta-mente, uma uptua, mas uma continuidade pacia e distocida. Esse eadointeectua econhecidamente heteoneo e ainda mais o seu pecusona, poduido, pecisamente, quando Max coocou sob questão os núceoseuocentistas do seu pensamento, infeimente sem conseui encontauma eaão eca paa os pobemas epistmicos e teóicos impicados.

 Admite, pois, eituas heteoneas. Mas o mateiaismo históico, sobetudona sua esão maxista-eninista, petendeu, não sem êxito, faê-a passacomo uma oba sistematicamente homonea e impo a sua pópia eituano sentido de se admitido como o único eítimo hedeio.

é sabido que Max efeiu expessamente que não ea o descobido dascasses sociais, nem das suas utas, uma e que histoiadoes e economistasbuueses já o tinham feito antes (Max, 1947: 71-74). Mas, emboa Max,cuiosamente, não a mencione,16 não há quaque dúida que foi na oba de

14. Sobe estes autoes eja-se especiamente Pouantas, 1968; Wiht, 1978, 1985.15 Aceca do maxo-positiismo eja-se Shanin, 1984. Da aassaadoa inuência do

estutuaismo fancês no mateiaismo históico depois da Seunda guea Mundia, aoba de Athusse e dos athusseianos uma conincente e conhecida demonstaão. Edo deastadoa que cheou a se ente auns dees, seuamente um notóio exempo aoba de Hindess e Hist, 1975.

16 Não se pode passa po ato a intiante ausência em Max de quase toda a menão

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existência na sociedade de uma classe de ‘proletários’. Hoje em dia, uma massa imensa detrabalhadores é explorada pelos homens cuja propriedade utilizam. Os chefes de indústria

 sofrem eles mesmos, nas suas relações com os proprietários, esta exploração, mas num grauincomparavelmente menor; por sua vez, eles participam da exploração que recai com todo o

 seu peso sobre a classe operária, ou seja, sobre a imensa maioria dos trabalhadores.17 

 As tensões que oiina a diisão de casses da sociedade, diem osautoes, só podeão sada-se com uma eouão ineitáe que poá temo atodas as fomas de expoaão do homem peo homem.

é sem dúida notáe, e não pode se neado, que nesses paáafosesteja já contido ituamente todo o eisto de ideias que seão incopoa-

das à teoia das casses sociais do mateiaismo históico. Ente as pincipaisdstino: 1) A ideia de sociedade enquanto uma totaidade oânica, a patide Saint-Simon, eixo odenado de toda uma pespectia de conhecimentohistóico-socia e de que o mateiaismo históico seá a pincipa expessão.2) O pópio conceito de classes sociais, efeido a fanjas de popuaão homo-eneiadas peos seus espectios uaes e papis nas eaões de poduãoda sociedade. 3) A expoaão do tabaho e o contoo da popiedade dosecusos de poduão como o fundamento da diisão da sociedade em cas-ses sociais. Em Max fomaão mais tade pate do conceito de eaões depoduão. 4) A nomencatua das casses sociais cunhada a pati desse pos-tuado, amos e escaos, patícios e pebeus, senhoes e seos, industiais eopeáios. 5) A pespectia eoucionista, unidiecciona, da históia comosucessão de tais sociedades de casse, as quais no mateiaismo históico seãoconhecidas como ‘ modos de poduão’. 6) A eaão ente as casses sociaise a eouão na conta toda a expoaão, não muito depois chamada eo-uão ‘sociaista’.

Não se esotam ai as notáeis coincidências com o mateiaismo históicoa espeito da questão das casses sociais. Paa um texto escito depois de 300

17 A Doctrine de Saint‑Simon (1924), tambm conhecida como Exposição da Doutrina,tendo sido pubicada po Baad e Enfantin (o chamado Papa Saintsimoniano) antes deque as suas fustaões com a Ieja Saintsimoniana os eassem a dedica-se às andesconstuões e Enfantin a monta as bases do sistema bancáio fancês. Aceca do pensa-mento de Saint-Simon e dos saintsimonianos, eja-se Quijano, 1964a). Outo texto dessamesma poca em que já está fomuada a ideia de casses  L’Union Ouvrière, de Foa Tis-tan, a fanco-peuana que, depois da sua fustante estadia no Peu, no início do scuo

 XIX, se tansfomou numa aitadoa e oaniadoa dos tabahadoes fanceses.

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anos de históia do capitaismo mundia euocentado e coonia/modeno,não pode deixa de se chamatia a sua ceueia absouta a espeito de:

1) A coexistência e a associaão, sob o capitaismo, de todas as fomasde expoaão/dominaão do tabaho; 2) que, consequentemente, mesmoeduindo as casses sociais apenas às eaões de expoaão/dominaão emtono do tabaho, no mundo do capitaismo não existiam somente as cassessociais de ‘industiais’, de um ado, e a de ‘opeáios’ ou ‘poetáios’ do outo,mas tambm a de ‘escaos’, ‘seos’ e ‘pebeus’, ‘camponeses ies’; 3) sobeo facto de que as eaões de dominaão oiinadas na expeiência coonia de‘euopeus’ ou ‘bancos’ e ‘índios’, ‘neos’, ‘amaeos’ e ‘mestios’, impicaampofundas eaões de pode que naquee peíodo, po estaem tão esteita-

mente iadas às fomas de expoaão do tabaho, paeciam ‘natuamente’associadas ente si; 4) que em consequência, a eaão capita-saáio não eao único eixo do pode, nem seque na economia; 5) que haia outos eixos dopode que existiam e actuaam em meios que não eam somente económicos,como a ‘aa’, o neo e a idade; 6) que, consequentemente, a distibuião depode ente a popuaão de uma sociedade não poinha excusiamente daseaões em tono do contoo do tabaho, nem se eduia a eas.

O moimento da indaaão de Max sobe as casses sociais, não foipoaemente aheio ao debate dos saintsimonianos. Mas, juntamente comas suas simiaidades, tem tambm notáeis difeenas que aqui apenas petinente assinaa.

Em pimeio ua, Max mantee-se, edade, at quase na do seutabaho, dento da mesma pespectia saintsimoniana, euocêntica, deuma sequência históica uniinea e unidiecciona de sociedades de casse.Contudo, como muito bem se sabe aoa, ao i-se famiiaiando com asinestiaões históicas e com o debate poítico dos ‘popuistas’ ussos,pecebeu que essas unidieccionaidade e uniineaidade deixaam foa dahistóia outas expeiências históicas decisias. Cheou, assim, a se cons-ciente do euocentismo da sua pespectia históica. Mas não cheou a da

o sato epistemoóico coespondente. O mateiaismo históico posteioescoheu condena e omiti esse techo da indaaão de Max e aaou-sedomaticamente ao mais euocentista da sua heana (Shanin, 1984).

Po outo ado, tambm edade, como todo o mundo adete, que háuma distinão peceptíe ente a isão de Max das eaões de casse impi-cadas na sua teoia sobe o Capita e a que subja aos seus estudos históicos.O Capital  nessa teoia uma eaão socia especíca de poduão, cujos doistemos fundamentais são os capitaistas e os opeáios. Os pimeios, são os

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que contoam essa eaão. Nessa quaidade, são ‘funcionáios’ do Capita.São os dominantes dessa eaão. Mas faem-no no seu pópio, piado,

benefício. Nessa quaidade, são expoadoes dos opeáios. Desse ponto de ista, ambos os meios são as casses fundamentais do Capita. Po outo ado,no entanto, e sobetudo na anáise da conjuntua fancesa, especiamente emO 18 do Brumário de Luís Bonaparte, Max dá conta de áias casses sociais que,seundo as condiões do conito poítico-socia, emeem, consoidam-seou se etiam de cena: buuesia comecia, buuesia industia, poeta-iado, andes atifundiáios, oiaquia nanceia, pequena buuesia, cassemdia, umpen-poetaiado, ande buocacia. Tambm adete, nas Teoriasda Mais Valia, que Daid ricado se esquece de enfatia o constante cesci-

mento das casses mdias.18

 O mateiaismo históico posteio, especiamente na sua esão ma- xista-eninista, manipuou as difeenas na indaaão maxiana atas detês popostas. A pimeia que as difeenas se deem ao níe da abstac-ão, teóico em O Capital   e no históico-conjuntua em O 18 do Brumário.

 A seunda que essas difeenas são, am disso, tansitóias, uma e queno desenoimento do Capita a sociedade tendeá, de todos os modos, apoaia-se nas duas casses sociais fundamentais.19 A teceia que a teoiade O Capital  impica que se tata de uma eaão socia estutuada indepen-dentemente da consciência e da ontade das pessoas e que, consequente-mente, estas se encontam distibuídas nesta eaão de maneia necessáia eineitáe, po uma eaidade históica que as excede. Nessa isão, as cassessociais são apesentadas como estutuas dadas pea natuea da eaãosocia; os seus ocupantes são potadoes das suas deteminaões e, potanto,os seus compotamentos deeiam expessa essas mesmas deteminaõesestutuais.20 

 A pimeia poposta tem conmaão nas pópias paaas de Max. Assim, já no famoso e inacabado Capítuo sobe as Casses, do o. III deO Capital , Max defende que “os proprietários de simples força de trabalho, os pro‑

18 Apud Nicoaus, 1967.19 Não outo, obiamente, o sentido da pomica oba de lenine conta os ‘popu-

istas’ ussos, na sua oba O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia. Mas tambm o deauns socióoos da ‘sociedade industia’, em paticua Dahendof (1959).

20 A que foi duante mais de meio scuo consideada como a mais autoitáia detais popostas a de lenine, no conhecido tabaho Uma Grande Iniciativa (Max, Enes,

 Marxismo. Moscoo: Editoia Poesso).

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 prietários de capital e os proprietários de terras, cujas respectivas fontes de ingressos sãoos salários, o lucro e a renda do solo, ou seja, os operários assalariados, os capitalistas e

os latifundiários, constituem as três grandes classes da sociedade moderna, baseada noregime capitalista de produção”. Contudo, eica que nem seque em Inatea,não obstante se a mais desenoida e ‘cássica’ das modenas sociedadescapitaistas, “ se apresenta em toda a sua pureza esta divisão da sociedade em classes”, jáque as casses mdias e os estatos intemdios não deixam que sejam nítidasas inhas de sepaaão ente casses. Mas imediatamente adete que issoseá depuado peo poesso da ei do desenoimento capitaista que eacontinuamente à poaiaão ente as casses fundamentais (Max, 1966: o.I: 607, ss).

Com O 18 do Brumário  acontece, no entanto, uma dupa desocaãode pobemática e pespectia, que não se pode expica somente poquese tata de uma anáise históico-conjuntua. No moimento de eexãomaxiana, estão impícitas, de um ado, a ideia de que na sociedade fancesadesse tempo não existe só o saáio, mas áias e diesas outas fomas deexpoaão do tabaho, todas aticuados sob domínio do capita e em seubenefício. De aum modo, isso um peúdio à difeenciaão ente capita(eaão ente capita e saáio) e o capitaismo (eaões heteoneas entecapita e todas as outas fomas de tabaho), que confonta antecipada-mente a teoia da aticuaão de modos de poduão, poduida mais tadepeo mateiaismo históico. Po outo ado, a ideia seundo a qua as cassesse fomam, se desinteam ou se consoidam, pacia e tempoamente oude modo denido e pemanente, seundo o cuso das utas concetas daspessoas concetas disputando o contoo de cada meio do pode. Não sãoestutuas, nem cateoias, anteioes a tais conitos.

Essa inha de eexão de Max tambm está pesente em O Capital ,apesa de todas as suas conhecidas ambiuidades. Po isso, a teceia popostaestabeece uma difeena básica ente a pespectia maxiana e a do mateia-ismo históico. Enquanto neste as casses sociais são ocupantes de um neo

de nichos estutuais onde as pessoas são coocadas e distibuídas em funãodas eaões de poduão, em Max tata-se de um pocesso históico concetode cassicaão das pessoas. Ou seja, um pocesso de utas em que uns conse-uem submete outos na disputa peo contoo do tabaho e dos ecusos depoduão. Po outas paaas, as eaões de poduão não são extenas, nemanteioes, às utas das entes, mas o esutados das utas ente as pessoas peocontoo do tabaho e dos ecusos de poduão, das itóias de uns e dasdeotas de outos e como esutado das quais se coocam e/ou são coocadas

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modo, consistem na coexistência – obiamente tansitóia – do passado e dopesente da sua isão históica!

 Ao mateiaismo históico -he aheia e hosti a ideia de que não setata mais de ‘modos de poduão’ aticuados, mas do capitaismo comoestutua mundia de pode dento do qua e ao seu seio se aticuamtodas as fomas histoicamente conhecidas de tabaho, de contoo e deexpoaão do tabaho. Mas assim, apesa de tudo, como existe o podecapitaista mundia, coonia/modeno. E isso namente isíe paa todosno momento da obaiaão.

5. O Conceito de Classe: da ‘Naturea’ à ‘Sociedade’? 

 A ideia de ‘casse’ foi intoduida nos estudos sobe a ‘natuea’ ainda antesde se sobe a ‘sociedade’. Foi o ‘natuaista’ sueco linneo o pimeio a usá-ana sua famosa ‘cassicaão’ botânica do scuo XvIII. Ee descobiu que eapossíe cassica as pantas seundo o númeo e a disposião dos estamesdas oes poque estas tendem a pemanece sem ateaões no decuso daeouão.23 

Não paece te sido, e poaemente não foi, basicamente difeentea maneia de conhece que eou, pimeio, os histoiadoes fanceses doscuo XvIII, e depois os saintsimonianos das pimeias dcadas do scuo

 XIX, a difeencia ‘casses’ de entes na popuaão euopeia. Paa linneo aspantas estaam ai, no ‘eino eeta’, dadas, e a pati de aumas das suascaacteísticas empiicamente difeenciáeis, podiam se ‘cassicadas’. Osque estudaam e debatiam a sociedade da Euopa Cento-Nódica no nado scuo XvIII e no início do scuo XIX, apicaam a mesma pespectiaàs pessoas e eicaam que ea possíe ‘cassicá-as’ tambm a pati dassuas caacteísticas mais constantes e difeenciáeis (empiicamente, o seuua nos paes iquea e pobea, mando e obediência). Foi uma descobetasaintsimoniana eica que a fonte pincipa dessas difeenas estaa nocontoo do tabaho e seus podutos e dos ecusos da natuea empeues

no tabaho. Os teóicos do mateiaismo históico, desde o m do scuo XIX, não poduiam uptuas ou mutaões decisias quanto a esta pespec-tia de conhecimento.

23 Caos de linneo (Caous linnaeus em atim e em sueco Ca von linn [1707-1778]) foi o pimeio a eaboa um sistema de cassicaão dos oanismos, em pimeioua paa a botânica (lason, 1971).

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Obiamente, ao tansfei o substantio classe do mundo da ‘natuea’paa o da ‘sociedade’, ea indispensáe associá-o com um adjectio que

eitimasse essa desocaão: a casse deixa de se botânica e tansfoma-se em social . Mas esta desocaão foi basicamente semântica. O noo adjectio não

podia se capa, po si só, que de cota o codão umbiica que amaaa oecm-nascido conceito ao ente natuaista, que de he popociona umaatmosfea epistmica atenatia paa o seu desenoimento. No pensa-mento euocêntico, hedeio do Iuminismo Continenta,24 a sociedade eaum oanismo, uma odem dada e fechada. E as casses sociais foam pensa-das como cateoias já dadas na ‘sociedade’ como acontecia com as casses depantas na ‘natuea’.

Dee te-se em conta, em eaão a estas questões, que outos temostêm a mesma oiem natuaista, comum: estrutura, processos, organismo, temosque no euocentismo passam ao conhecimento socia com as mesmas ama-as conitias que o temo classe. A óbia incuaão ente a ideia euocên-tica das casses sociais com as ideias de estutua como uma odem dada nasociedade, e de pocesso como ao que tem ua numa estutua, e de todaseas com as ideias oanísticas e sistmicas da ideia de totaidade, iumina ca-amente a pesistência neas de todas as macas conoscitias da sua oiemnatuaista e atas deas, da sua duadoia impessão sobe a pespectiaeuocêntica no conhecimento históico-socia.

Não se podeia entende, nem expica, de outo modo, a ideia domateiaismo históico ou a dos socióoos da ‘sociedade industia’, seundoa qua as pessoas são ‘potadoas’ das deteminaões estutuais de casse edeem consequentemente ai seundo eas. Os seus desejos, pefeências,intenões, oiões, decisões e acões são conuados seundo essas dete-minaões e deem esponde a eas.

O pobema ciado pea ineitáe distância ente o pessuposto e asubjectiidade e a conduta extena das entes assim ‘cassicadas’, sobe-tudo ente às ‘casses’ dominadas, encontou no mateiaismo históico uma

impossíe souão: tataa-se de um pobema da consciência e este podiase ou eado at aos inteectuais (Kautsky – lenine), ta como o póen eado às pantas peas abehas; ou i-se eaboando e desenoendo numa

24. Sobe esta distinão eja-se o meu texto de 1988, especiamente o capítuo intitu-ado Lo Público y lo Privado: un Enfoque Latinoamericano. 

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poessão oientada paa uma impossíe ‘consciência possíe’ (lukacs,1923).25 

6. Reducionismo e Ahistoricidade na Teoria Eurocêntricadas Classes Sociais 

 A maca natuaista, positiista e maxo-positiista da teoia euocêntica dascasses sociais impica tambm duas questões cuciais: 1) Na sua oiem, ateoia das casses sociais está pensada excusiamente sobe a base da expe-iência euopeia a qua, po sua e, está pensada, obiamente, seundo apespectia euocêntica, ou seja, distocida. 2) Po essa mesma aão, paa os

saintsimonianos e paa os seus hedeios do mateiaismo históico, as únicasdifeenas que são pecebidas ente os euopeus como eamente sinica-tias – uma e aboidas as hieaquias nobiiáias pea reouão Fancesa– efeem-se à iquea/pobea e ao mando/obediência. E essas difeenasemetem, po um ado, ao ua e aos papis das pessoas em eaão ao con-too do tabaho e dos ecusos que na natuea seem paa tabaha, o queseá a seu tempo nomeado como ‘eaões de poduão’. Po outo ado, aosuaes e papis das pessoas no contoo da autoidade e, consequentemente,do Estado. As outas difeenas que na popuaão euopeia dos scuos XvIIIe XIX estaam incuadas a difeenas de pode, pincipamente de sexo eidade, nessa pespectia são istas como ‘natuais’, ou seja, faem pate dacassicaão na ‘natuea’.

Po outas paaas, a teoia euocêntica sobe as casses sociais, e nãosomente no mateiaismo históico maxo-positiista, ou ente os webeia-nos ou nos descendentes de ambos, mas no pópio Max, educionista:efee-se única e excusiamente a um único dos meios do pode: o contoo

25

  Esta ideia tem um cuioso paaeo com a poposta scheeiana de uma eaãoente a conduta indiidua e um eino de ‘aoes’, de caácte ahistóico, mas ‘mateia’, ouseja, ‘ea’. Em luckacs, a ‘consciência possíe’ tem paa a ‘casse’ uma funão efeenciade hoionte de oientaão e exempaidade, nunca penamente conseuido na históiaconceta, como em Schee a tem o ‘ao’ a espeito da conduta indiidua. A ‘consciênciapossíe’ ukacsiana habita, pois, um eino tão ahistóico como os ‘aoes’ scheeianos.Não pois coincidência acidenta, uma e que Max Schee (1916), não obstante a suaiaão fenomenoóica enquanto estee concentado nessa especuaão, apeou tambma Hee e a Max como efeências fundamentais em O Formalismo na Ética e a Ética dosValores.

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do tabaho e dos seus ecusos e podutos. E isso especiamente notáesobetudo em Max e nos seus hedeios, uma e que, não obstante, o seu

popósito foma seja estuda, entende e atea ou destui o pode nasociedade, todas as outas instâncias da existência socia onde se fomameaões de pode ente as pessoas não são consideadas em absouto ou sãoconsideadas apenas como deiatias das ‘eaões de poduão’ e detemi-nadas po eas.

Tudo isso sinica que a ideia de casses sociais eaboada no pen-samento euocêntico, ente o m do scuo XvIII e o m do scuo XIX,quando a pecepão da totaidade a pati da Euopa, nessa atua o ‘cento’do mundo capitaista, tinha já sido denitiamente oaniada como uma

duaidade históica: a Europa  (e neste caso sobetudo a Euopa Centa eInatea) e a Não‑Europa. E esta duaidade impicaa, am do mais, quemuito de tudo o que ea a Não-Euopa, ainda que existisse no mesmo cená-io tempoa, na eaidade coespondia ao passado de um tempo inea cujoponto de cheada ea (), obiamente, a Euopa.

Na Não-Euopa existiam nesse mesmo tempo, scuo XIX, todas as fo-mas não-saaiais do tabaho. Mas desde o saintsimonismo at hoje, no euo-centismo são o passado ‘p-capitaista’ ou ‘p-industia’. Ou seja, essascasses sociais são ‘p-capitaistas’ ou não existem. Na Não-Euopa tinhamsido impostas identidades ‘aciais’ não-euopeias ou ‘não-bancas’. Mas eas,como a idade ou o neo ente os ‘euopeus’, coespondem a difeenas‘natuais’ de pode ente ‘euopeus’ e ‘não-euopeus’. Na Euopa estaam emfomaão ou já estaam fomadas as instituiões ‘modenas’ de autoidade: os‘estados-naão modenos’ e as suas espectias ‘identidades’. Na Não-Euopasó eam pecebidas as tibos e as etnias, ou seja, o passado ‘p-modeno’.

Estes eementos ‘p-modenos’ destinaam-se a se substituídos nofutuo po Estados-Naão-como-na Euopa. A Euopa ciiiada. A Não-Euopa pimitia. O sujeito aciona Euopeu. A Não-Euopa objectode conhecimento. Como coesponde, a ciência que estudaá os Euopeus

chama-se-á ‘sociooia’. A que estudaá os Não-Euopeus chama-se-á‘etnoaa’.

7. Teoria das Classes Sociais ou Teoria da Classicaão Social? Nesta atua do debate não , pois, suciente mantemo-nos nos conhecidospaâmetos, poque isso não esota a questão, nem esoe os pobemascoocados ao conhecimento e à acão. limitamo-nos a insisti que neces-sáio histoia a questão das casses sociais, ou seja, fae uma efeência à

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históia conceta de pessoas concetas, em e de mante uma isão ’estática’ou ahistóica das casses sociais, ou pô Webe no ua de Max, ou ainda

expoa os seus entecuamentos iáeis como costuma acontece nasociooia escoa, passou a se inopotuno. Em quaque dessas opões eem todas juntas, tata-se somente de cassica as pessoas po aumas dassuas caacteísticas difeenciais, não haendo eamente nada fundamentaa anha se são estas ou aqueas caacteísticas que se escohem, ou deemse escohidas, paa que a opeaão cassicatóia seja menos ‘ideoóica’ e setone mais ‘objectia’.

Com a cassicaão dos eementos da ‘natuea’ o que impotaa ea,como coespondia à acionaidade catesiana, descobi as ‘popiedades’

que ‘denem’, ou seja, distinuem e ao mesmo tempo eacionam com dete-minados ‘objectos’ ente si ou, po outas paaas, os distinuem indiidu-amente e mostam o seu neo póximo e a sua difeena especíca. Mascom a questão das casses sociais, o que eamente está em joo – e esteedesde o início no popósito de quem intoduiu a ideia –, ao adicamentedifeente: a questão do pode na sociedade. E o pobema que nenhumadaqueas opões, nem juntas, nem sepaadas, está apta paa pemiti ape-ende e indaa a constituião históica do pode, muito menos a do podecapitaista, mundia e coonia/modeno. Po tudo isso, petinente sai dateoia euocêntica das casses sociais e aana paa uma teoia históica decassicaão socia. O conceito de cassicaão socia, nesta poposta, efee-se aos pocessos de ono pao nos quais os indiíduos disputam o contoodos meios básicos de existência socia e de cujos esutados se conuaum padão de distibuião do pode centado em eaões de expoaão/dominaão/conito ente a popuaão de uma sociedade e numa históiadeteminada.

 Já foi assinaado que o pode, nesta pespectia, uma maha de ea-ões de expoaão/dominaão/conito que se conuam ente as pessoasna disputa peo contoo do tabaho, da ‘natuea’, do sexo, da subjectiidade

e da autoidade. Potanto, o pode não se edu às ‘eaões de poduão’,nem à ‘odem e autoidade’, sepaadas ou juntas. E a cassicaão sociaefee-se aos uaes e aos papis das entes no contoo do tabaho, dosseus ecusos (incuindo os da ‘natuea’) e seus podutos; do sexo e seuspodutos; da subjectiidade e dos seus podutos (antes de tudo o imaináioe o conhecimento); e da autoidade, dos seus ecusos e dos seus podutos.

Nesse sentido especíco, quaque teoia possíe de cassicaão sociadas pessoas exie necessaiamente um indaa na históia sobe as condiões

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e as deteminaões de uma dada distibuião de eaões de pode numadada sociedade. Poque essa distibuião de pode ente as pessoas de

uma sociedade o que as classica socialmente, deteminando as suas ecípocaseaões e ea as suas difeenas sociais, já que as suas caacteísticas empii-camente obseáeis e difeenciáeis são esutados dessas eaões de pode,dos seus sinais e das suas macas. Pode-se pati destas paa um pimeiomomento e um pimeio níe de apeensão das eaões de pode, mas nãotem sentido fae esidi neas a natuea do seu ua na sociedade. Ou seja,a sua classe social .

8. A Heterogeneidade da Classicaão Social 

Na Amica, no capitaismo mundia, coonia/modeno, os indiíduoscassicam-se e são cassicados seundo tês inhas difeentes, emboaaticuadas numa estutua oba comum pea cooniaidade do pode: ta-baho, aa, neo. A idade não chea a se inseida de modo equiaentenas eaões societais de pode, mas sim em deteminados meios do pode.Esta aticuaão estutua-se em tono de dois eixos centais: o contoo depoduão de ecusos de sobeiência socia e o contoo da epoduãobioóica da espcie. O pimeio impica o contoo da foa de tabaho, dosecusos e podutos do tabaho, o que incui os ecusos ‘natuais’ e se insti-tucionaia como ‘popiedade’. O seundo, impica o contoo do sexo e dosseus podutos (pae e descendência), em funão da ‘popiedade’. A ‘aa’foi incopoada ao capitaismo euocentado em funão de ambos os eixos. Eo contoo da autoidade oania-se paa aanti as eaões de pode assimconuadas.

Nesta pespectia, as ‘casses sociais’ esutantes são heteoneas,descontínuas e conituosas. E estão aticuadas tambm de modo heteo-neo, descontínuo e conituoso. A cooniaidade do pode o eixo queas aticua numa estutua comum do pode, como seá demonstado maisadiante. Enquanto todos os eementos que concoem paa a constituião

de um padão de pode são de oiem, foma e caácte descontínuos,heteoneos, contaditóios e conituosos no espao e no tempo – ou seja,mudam ou podem muda em cada uma dessas instâncias em funão dassuas cambiantes eaões com cada um dos outos –, as eaões de podenão são, e não podem se, um neo de nichos estutuais p-existentespeos quais as pessoas são distibuídas, e que assumem estas ou aqueascaacteísticas, e onde as pessoas se compotam ou deem compota-sehamonicamente.

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epistemologias do sul102

O modo como as pessoas cheam a ocupa tota ou paciamente,tansitóia ou estaemente, um ua e um pape em eaão ao contoo das

instâncias centais do pode, conituoso. Ou seja, consiste numa disputa, ioenta ou não, em deotas e em itóias, em esistências e em aanos eetocessos. Acontece em temos indiiduais e/ou coectios, com eadadese taiões, pesistências e deseões. E uma e que toda a estutua de ea-ões uma aticuaão de meios e dimensões descontínuos, heteoneose conituosos, os uaes e os papis não têm necessaiamente nem podemte as mesmas coocaões e eaões em cada meio da existência socia, ouainda a cada momento do espectio espao/tempo. Ou seja, os indiíduospodem te, po exempo, um ua e um pape em eaão ao contoo do

tabaho e outo difeente e at oposto em eaão ao contoo do sexo ou dasubjectiidade, ou nas instituiões de autoidade. E nem sempe os mesmosno decuso do tempo.

Deste ponto de ista, a ideia euocêntica que os indiíduos num dadomomento de um padão de pode ocupam cetos uaes e execem cetospapis, e que po isso constituam uma comunidade ou um sujeito históico,aponta numa diecão histoicamente inconcusia. Semehante ideia sóseia admissíe se fosse possíe admiti tambm que tais indiíduos ocupas-sem uaes e cumpissem papis simeticamente consistentes ente si emcada uma das instâncias centais do pode.

 A distibuião dos indiíduos nas eaões de pode tem, consequen-temente, o caácte de pocessos de cassicaão, descassicaão e ecassi-caão socia de uma popuaão, ou seja, daquea distinão que ocoe numpadão societa de pode de ona duaão. Não se tata aqui somente dofacto que as pessoas mudam e possam muda o seu ua e os seus papis numpadão de pode, mas que ta padão está sempe em questão, uma e que osindiíduos disputam constantemente o tempo e os ecusos, aões e neces-sidades desses conitos nunca são os mesmos a cada momento de uma onahistóia. Po outas paaas, o pode está sempe em estado de conito e em

pocessos de distibuião e de edistibuião. Os seus peíodos históicospodem se difeenciados, pecisamente, em eaão a tais pocessos.

9. A Produão do Sujeito Colectivo Não cabe aqui um debate mais focaiado sobe a questão do ‘sujeito histó-ico’, ta como este foi coocado peas coentes pós-modenistas.

Po aoa, ceio se necessáio indica, apenas, em pimeio ua, omeu cepticismo em eaão à noão de ‘sujeito históico’ poque emete,

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tae ineitaemente, paa a heana heeiana não de todo ‘inetida’ nomateiaismo históico. Ou seja, a um ceto oha teeoóico da históia a um

‘sujeito’ oânico ou sistmico potado do moimento espectio, oientadonuma diecão já deteminada. Ta ‘sujeito’ só pode existi, em quaque caso,não como históico, mas, peo contáio, como metafísico.

Po outo ado, a simpes neaão de toda a possibiidade de subjec-ticaão de um conjunto de indiíduos, da sua constituião como sujeitocoectio sob cetas condiões e duante um ceto tempo, ai diectamenteconta a expeiência históica, se não se admiti que o que se pode chama‘sujeito’, não só coectio, mas at mesmo indiidua, sempe constituídopo eementos heteoneos e descontínuos, e que se tansfoma numa uni-

dade só quando esses eementos se aticuam em tono de um eixo especíco,sob condiões concetas, em eaão a necessidades concetas, e de modotansitóio.

De uma poposta atenatia ao euocentismo não se depeende,consequentemente, que uma popuaão afectada, num momento e numafoma do pocesso de cassicaão socia, não cheue a te os taos de umupo ea, de uma comunidade e de um sujeito socia. Mas tais taos sóse constituem como pate e esutado de uma históia de conitos, de umpadão de memóia associado a essa históia e que entendido como umaidentidade e que podu uma ontade e uma decisão de entana as heteo-neas e descontínuas expeiências paticuaes numa aticuaão subjectiacoectia, que se constitui num eemento das eaões eais mateiais. Asutas coectias de sectoes de tabahadoes, que cheam a oania-se emsindicatos, em patidos poíticos; ou as de identidades chamadas ‘nacionais’e/ou ‘tnicas’; de comunidades incusie muito mais ampas que se aupamcomo identidades eiiosas e que peduam po onos paos, são exem-pos históicos de tais pocessos de subjecticaão de ampas e heteoneaspopuaões, que são incusie descontínuos no tempo e no espao. E, muitonotoiamente, aqueas identidades que cheaam a constitui-se nos útimos

500 anos, pecisamente, em tono das ‘aas’.26 Contudo, nem todos os pocessos de subjecticaão socia ou de cons-

tituião de sujeitos coectios podem se econhecidos como pocessos de

26 Há uma questão maio po indaa sistematicamente nessa expeiência históica:que os eixos de aticuaão que eam popuaões heteoneas e descontínuas a identi-caem-se difeenciamente de outas de modo muito intenso e muito poonado, têmcaácte místico-socia: eiioso, naciona, tnico, acia.

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cassicaão societa. E nauns dos casos estamos peante pobemas esti-tos de fomaão de identidades, de um pocesso identitáio que não cooca

em questão, de maneia auma, essas instâncias de pode societa. Da nossa perspectiva, só os processos de subjecticação cujo sentido é o conito em torno da explo‑

ração/dominação, constituem um processo de classicação social. No capitaismo mundia, são a questão do tabaho, da ‘aa’ e do

‘neo’, as tês instâncias centais a espeito das quais se odenam as eaõesde expoaão/dominaão/conito. Potanto, os pocessos de cassicaãosocia consistião, necessaiamente, em pocessos onde essas tês instânciasse associam ou se dissociam em eaão ao compexo expoaão/dominaão/conito. Das tês instâncias, o tabaho, ou seja, a expoaão/dominaão, o

que se cooca como o meio centa e pemanente. A dominaão tona possíea expoaão e não a encontamos actuando sepaadamente senão em casosaos. As outas instâncias são, antes do mais, instâncias de dominaão, jáque a expoaão sexua, especicamente, descontínua. Ou seja, enquantoa eaão de expoaão/dominaão ente capita-tabaho contínua, omesmo tipo de eaão homem-muhe não acontece em todos os casos, nemem todas as cicunstâncias; neste sentido, não contínua. Tambm na eaãoente ‘aas’ se tata, antes do mais, de dominaão. Finamente, a aticuaãoente instâncias de expoaão e dominaão heteonea e descontínua.Da mesma maneia, a cassicaão socia como um pocesso em que as têsinstâncias estão associadas/dissociadas tem tambm, necessaiamente, essascaacteísticas.

Uma ideia, que oiinamente foi poposta com cao caácte históicopo Max, foi depois misticada peo mateiaismo históico: o interesse declasse. Na medida em que a ideia de casse se tonou educionista e se ahisto-iou, o inteesse de casse no capitaismo foi eduido à eaão ente capitae saáio. Os outos tabahadoes foam sempe istos como secundáios esusceptíeis de se subodinados aos dos opeáios assaaiados, em paticu-a à chamada casse opeáia industia.27 

O que se passaá, no entanto, se se assumi, como impeatio hoje,que o capitaismo aticua e expoa os tabahadoes sob todas as fomas

27  Não inúti menciona aqui que já no Manifesto Comunista  está expicitamenteestabeecido que o “ fantasma do comunismo” pecoe a Euopa, e não no esto do mundo, eque a ibetaão do poetaiado depende da acão unida de “ pelo menos dos países mais civili‑

 zados”. Po outas paaas então, euopeus ‘ocidentais’ e ‘bancos’. veja-se a este popósitouma notícia minha, de 1999.

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de tabaho e que os mecanismos de dominaão usados paa esse efeito,‘aa’, ‘neo’, são usados difeenciadamente nesse heteoneo unieso de

tabahadoes?Em pimeio ua, o conceito de inteesse de casse eque tambm

se pensado em temos da sua heteoeneidade históico-estutua. Emseuida, necessáio estabeece, paa cada momento e paa cada contextoespecíco, o eixo comum de eaão de expoaão/dominaão/conito entetodos os tabahadoes, submetidos a todas as fomas de tabaho e a todas asfomas de dominaão, e o capita e os seus funcionáios.

Po essas aões, e no que concene à cassicaão socia ou pocessosde subjecticaão socia peante a expoaão/dominaão, a questão centa

a deteminaão das condiões históicas especícas em eaão às quais possíe entende os modos, os níeis e os imites da associaão dos indi- íduos impicados nessas tês instâncias (tabaho, ‘neo’, e ‘aa’), numpeíodo e num contexto especícos.

De todos os modos, nenhum pocesso de cassicaão socia, de subjec-ticaão dos indiíduos peante o capitaismo, podeá se sucientementeseuo paa se epodui e se suste duante o peíodo necessáio paa eaàs ítimas da expoaão/dominaão capitaista a sua ibetaão, se – da pes-pectia imediata dos indiíduos concetos impicados –, essas tês instânciasfoem entendidas e manipuadas de modo sepaado ou, pio, em conito.Não po acaso que mante, acentua e apofunda ente os expoados/dominados a pecepão dessas difeenciadas situaões em eaão ao taba-ho, à ‘aa’ e ao ‘neo, foi e continua a se, um meio extemamente ecados capitaistas paa mante o contoo do pode. A cooniaidade do podetem tido nesta históia o pape centa.

10. Colonialidade do Poder e Classicaão Social Na históia conhecida anteio ao capitaismo mundia pode-se eica quenas eaões de pode, cetos atibutos da espcie tieam um pape centa

na cassicaão socia das pessoas: sexo, idade e foa de tabaho são semdúida os mais antios. Da Amica, acescentou-se o fenótipo. O sexo e aidade são atibutos bioóicos difeenciais, ainda que o seu ua nas eaõesde expoaão/dominaão/conito esteja associado à eaboaão desses ati-butos como cateoias sociais. Po outo ado, a foa de tabaho e o fenótiponão são atibutos bioóicos difeenciais. A co da pee, a foma e a co docabeo, dos ohos, a foma e o tamanho do nai, etc., não têm nenhuma con-sequência na estutua bioóica do indiíduo e cetamente menos ainda nas

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suas capacidades históicas. E, do mesmo modo, se tabahado ‘manua’ ou‘inteectua’ não tem eaão com a estutua bioóica. Po outas paaas, o

pape que cada um desses eementos joa na cassicaão socia, ou seja, nadistibuião do pode, não tem nada a e com a biooia, nem com a ‘natu-ea’. Ta pape o esutado das disputas peo contoo dos meios sociais.Da mesma maneia, a ‘natuaiaão’ das cateoias sociais que dão contado ua desses eementos no pode, um poduto históico-socia aio. Ofacto de que as caacteísticas que identicam uaes e papis nas eaõesde pode tenham todas a petensão de se simpesmente nomes de fenóme-nos ‘natuais’, possuam ou não auma efeência ea na ‘natuea’, umaindicaão muito eca de que o pode, todo o pode, eque esse mecanismo

subjectio paa a sua epoduão. E inteessante indaa poquê.Enquanto a poduão socia da cateoia ‘neo’ a pati do sexo , semdúida, a mais antia na históia socia, a poduão da cateoia ‘aa’ a patido fenótipo eatiamente ecente e a sua pena incopoaão na cassica-ão dos indiíduos nas eaões de pode tem apenas 500 anos, comea coma Amica e a mundiaiaão do padão de pode capitaista.28 

 As difeenas fenotípicas ente encedoes e encidos foam usadascomo justicaão da poduão da cateoia ‘aa’, emboa se tate, antes domais, de uma eaboaão das eaões de dominaão como tais.29  A impo-tância e a sinicaão da poduão desta cateoia paa o padão mundia dopode capitaista euocêntico e coonia/modeno dicimente podeia seexaeada: a atibuião das noas identidades sociais esutantes e sua disti-buião peas eaões do pode mundia capitaista estabeeceu-se e epodu-iu-se como a foma básica da cassicaão societa uniesa do capitaismo

28  leaia muito tempo discuti, aqui, extensa e especicamente a questão acia.remeto paa o meu estudo de 1992, “ Raza, Etnia, Nación: Cuestiones Abiertas” . De facto,a iteatua deste debate não páa de cesce. veja-se, po exempo, Mack (o.), 1963 e

Maks, 1995. Cetas amas piedosas quiseam a iuadade ente as ‘aas’, mas juam queestas existem eamente. Assim, em muitas das uniesidades note-ameicanas há cáte-das sobe ‘ Race and Ethnicity’  e Depatmanto do Inteio possui uma poixa cassicaão‘acista/etnicista’, baseada nos taos fonotípicos, sobetudo co, ainda que o oenofedea tenha sido obiado a admiti a iuadade ‘acia’. E quase todos os indíenas deoutos países que estudaam nessas uniesidades e passaam po esses seios de mia-ão eessam aos seus países conetidos à eiião da ‘coo consciousness’ e pocamama eaidade da ‘aa’.

29  Paa uma isão difeente desta pobemática, eja-se o texto de Nima gomesneste oume.

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mundia; estabeeceu-se tambm como o fundamento das noas identidadeseocutuais e das suas eaões de pode no mundo. E, tambm, cheou a

se a pate po detás da poduão das noas eaões intesubjectias dedominaão e de uma pespectia de conhecimento mundiamente impostacomo a única aciona.

 A ‘aciaiaão’ das eaões de pode ente as noas identidades sociaise eocutuais foi o sustento e a efeência eitimadoa fundamenta docaácte euocentado do padão de pode, mateia e intesubjectio. Ouseja, da sua cooniaidade. Coneteu-se, assim, no mais especíco dos ee-mentos do padão mundia do pode capitaista euocentado e coonia/modeno e ataessou -inadindo – cada uma das áeas da existência socia do

padão de pode mundia, euocentado, coonia/modeno.Fa fata estuda e estabeece de modo sistemático (não sistmico) asimpicaões da cooniaidade do pode no mundo capitaista.30 Nos imitesdeste texto, imita-me-ei a popo um esquema das pincipais questões.

I. Colonialidade da Classicação Social Universal do Mundo Capitalista

1) O que comeou na Amica foi mundiamente imposto. A popuaãode todo o mundo foi cassicada, antes de mais, em identidades ‘aciais’ ediidida ente os dominantes /supeioes ‘euopeus’ e os dominados/infeio-

es ‘não-euopeus’.2) As difeenas fenotípicas foam usadas, denidas, como expessão

extena das difeenas ‘aciais’. Num pimeio peíodo, pincipamente a‘co’ da pee e do cabeo e a foma e co dos ohos. Mais tade, nos scuos

 XIX e XX, tambm outos taos, como a foma da caa, o tamanho do cânio,a foma e o tamanho do nai.

3) A ‘co’ da pee foi denida como maca ‘acia’ difeencia mais sini-catia, po se mais isíe, ente os dominantes/supeioes ou ‘euopeus’, deum ado, e o conjunto dos dominados/infeioes ‘não-euopeus’, do outo.

4) Desse modo, adjudicou-se aos dominadoes/supeioes ‘euopeus’o atibuto de ‘aa banca’ e a todos os dominados/infeioes ‘não-euopeus’o atibuto de ‘aas de co’.31 A escaa de adaão ente o ’banco’ da ‘aa

30 As questões da cooniaidade do pode e do se são ampamente discutidas nostextos de ramón gosfoue e Neson Madonado-Toes, neste oume.

31 O pocesso de poduão socia da ‘co’ como o sina pincipa de uma cassicaãosocia uniesa do mundo coonia/modeno e euocentado do capitaismo ainda uma

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banca’ e cada uma das outas ‘coes’ da pee, foi assumida como uma ada-ão ente o supeio e o infeio na cassicaão socia ‘acia’.

II. Colonialidade aa Articulação Política e Geocultural 

1) Os teitóios e as oaniaões poíticas de base teitoia, coo-niados pacia ou totamente, ou não cooniados, foam cassicadospeo padão euocentado do capitaismo coonia/modeno, pecisamente,seundo o ua que as ‘aas’ e as suas espectias ‘coes’ tinham em cadacaso. Assim se aticuou o pode ente a ‘Euopa’, a ‘Amica’, a ‘Áfica’, a ‘Ásia’e muito mais tade, a ‘Oceânia’. Isso faciitou a ‘natuaiaão’ do contooeuocentado dos teitóios, dos ecusos de poduão na ‘natuea’. E

cada uma dessas cateoias impostas desde o euocento do pode teminousendo aceite at hoje, pea maioia, como expessão da ‘natuea’ e da eoa-a, e não da históia do pode no paneta.

2) Os upos dominantes das ‘aas’ não-‘bancas’ foam obiadosa se tibutáios, ou seja, intemediáios na cadeia de tansfeência de

 ao e de iqueas da ‘peifeia coonia’ paa o ‘euocento’ ou associadosdependentes.

3) Os estados-naão do cento constituíam-se, tendo, pimeio, comocontapatida os estados cooniais e, depois, os estados-naciona dependen-

tes. Como pate dessa eaão, os pocessos de cidadaniaão, de epesenta-ão desiua mas ea dos diesos sectoes sociais, a etibuião em seiospúbicos da poduão e da tibutaão dos tabahadoes,32 não deixou de se,denitiamente, piiio do cento, poque o seu custo pao, em ampamedida, pea expoaão do tabaho da peifeia coonia em condiões nãodemocáticas e não nacionais, ou seja, como sobe-expoaão.

4) Deido a essas deteminaões, todos os países cujas popuaões sãona sua maioia ítimas de eaões ‘acista/etnicistas’ de pode, não conse-uiam sai da ‘peifeia coonia’ na disputa peo ‘desenoimento’. E os

países que cheaam a incopoa-se no ‘cento’ ou estão a caminho dee, são

questão cuja inestiaão históica sistemática está po fae. Aqui, indispensáe assina-a que antes da Amica a ‘co’ não se eista como cassicado das pessoas nas eaõesde pode. O euocentismo do noo padão de pode não foi, sem dúida, ineitáe. Masfoi o seu estabeecimento que deu oiem, expicaão e sentido à imposião da cateoia‘aa’ e de ‘co’ como sua maca extena, desde o scuo XvI at hoje.

32 O chamado Welfare State.

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aquees cujas sociedades ou não têm eaões de cooniaidade – poque, pe-cisamente, não foam coónias euopeias, ou o foam de modo muito cuto e

muito pacia (ex. Japão, Taiwan, China) –, ou onde as popuaões coonia-das foam iniciamente minoias pequenas, como os ‘neos’ na constituiãodos Estados Unidos da Amica do Note, ou onde as popuaões natiasfoam eduidas a minoias isoadas, se não mesmo exteminadas, como nosEstados Unidos, Canadá, Austáia ou Noa zeândia.33 

5) De onde se depeende, de noo, que a cooniaidade do podeimpica, nas eaões intenacionais de pode e nas eaões intenas den-to dos países, o que na Amica latina foi denominada de dependênciahistóico-cutua.34 

III. Colonialidade da Distribuição Mundial do Trabalho

Não menos decisia paa o capitaismo euocentado coonia/modenofoi a distibuião mundia de tabaho em tono da cooniaidade do pode. Ocapitaismo oaniou a expoaão do tabaho numa compexa enenaemmundia em tono do pedomínio da eaão capita-saáio. Paa muitos dosteóicos, nisto que consiste todo o capitaismo. Tudo o esto p-capi-taista e, dessa maneia, exteno ao capita. Contudo, a pati do exempoda Amica sabemos que a acumuaão capitaista at aqui não pescindiu,

em momento aum, da cooniaidade do pode.35 O esquema de um mundocapitaista duamente odenado em ‘cento’ e ‘peifeia’, não abitáio pe-cisamente po essa aão, ainda que poaemente teia sido meho pensaem ‘cento coonia’ e ‘pefeia coonia’ (no sentido da cooniaidade e nãosó, e apenas, do cooniaismo), paa eita a seceão ‘natuaista’ físico-eo-áca da imaem.

No ‘cento’ (euocento), a foma não só estutuamente, mas tambm,a ono pao, demoacamente dominante, da eaão capita-tabaho, foia saaia. Ou seja, a eaão saaia foi, pincipamente, ‘banca’. Na ‘peifeia

coonia’, peo contáio, a eaão saaia foi com o tempo estutuamentedominante, mas sempe minoitáia na demoaa como em tudo o esto,

33 veja-se sobe a eaão ente cooniaidade e ‘desenoimento’, Quijano, 1993a.34 veja-se neste oume o capítuo de Moobe B. ramose, que aboda este tema paa

o contexto aficano.35 Não entaei aqui no debate, necessitado com uência de se enoado, sobe as

eaões ente capita, saáio e não-saáio na históia do capitaismo coonia/modeno.

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enquanto as mais espahadas e sectoiamente dominantes foam todas as

outas fomas de expoaão do tabaho: escaidão, seidão, poduão me-canti simpes, ecipocidade. Mas todas eas estieam, à patida, aticuadassob o domínio do capita e em seu benefício.

gobamente, a eaão saaia foi sempe, at hoje, a menos espahada,eoáca e demoacamente faando. O unieso mundia do tabaho edos tabahadoes do capita foi feito em sentidos diesos e heteoneos.Consequentemente, as ‘casses sociais’ ente a popuaão do mundo não sónão se eduiam ao ua dos indiíduos no contoo do tabaho e dos seuspodutos, como tambm, nesse meio estito, caam odenadas em funãoda base pincipa da cooniaidade do pode.

No euocento, pensado de modo isoado e sepaado da ‘peifeia coo-nia’, a cassicaão socia apaeceu, ineitaemente, apenas iada à eaãoao tabaho, já que os ‘euopeus’ não se então iam como ‘aciamente’difeenciados; peo contáio, joje em dia isto seia pecebido de imediato,quando as popuaões ítimas da cooniaidade do pode conseuiam ins-taa-se nas sedes oiinais dos cooniadoes. As ‘casses sociais’ foam, poisso, conceptuamente sepaadas e difeenciadas das ‘aas’ e as suas ecípo-cas eaões foam pensadas como extenas.

gobamente, no entanto, como foi sempe a pópia condião da

existência do capitaismo, as ‘casses sociais’ foam difeenciadamente disti-buídas ente a popuaão do paneta com base na cooniaidade do pode. No‘euocento’, o que dominam são Capitaistas. Os dominados são os assaaia-dos, as casses mdias, os camponeses independentes. Na ‘peifeia coonia’,os dominantes são os Capitaistas Tibutáios e/ou Associados Dependentes.Os dominados são escaos, seos, pequenos podutoes mecantis inde-pendentes, assaaiados, casses mdias, camponeses.

Esta cassicaão socia difeenciada ente o cento e a peifeiacoonia foi o mecanismo centa da enenaem de acumuaão oba em

benefício do cento. De facto, foi o que pemitiu podui, mante e custeaa eadade dos expoados/dominados ‘bancos’ peante as ‘aas’, sobetudona ‘peifeia coonia’, mas tambm dento do ‘cento’, como acabou de acon-tece sobetudo nos Estados Unidos.

Iv. Colonialidade das Relações de Género

 As eaões ente os ‘neos’ foam tambm odenadas em tono dacooniaidade do pode.

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1) Em todo o mundo coonia, as nomas e os padões foma-ideaisde compotamento sexua dos neos e, consequentemente, os padões de

oaniaão famiia dos ‘euopeus’ estão diectamente assentes na cassi-caão ‘acia’: a ibedade sexua dos homens e a deidade das muhees foi,em todo o mundo euocentado, a contapatida do ‘ie’ – ou seja, não paocomo na postituião, a mais antia na históia – acesso sexua dos homens‘bancos’ às muhees ‘neas’ e ‘índias’, na Amica, ‘neas’, em Áfica, e deoutas ‘coes’ no esto do mundo submetido.

2) Na Euopa, po outo ado, foi a postituião das muhees a conta-patida do padão de famíia buuesa.

3) A unidade e inteaão famiia, impostas como eixos do padão da

famíia buuesa do mundo euocentado foi a contapatida da continuadadesinteaão das unidades de paentesco pais-hos nas ‘aas’ não-‘ban-cas’, apopiáeis e distibuíeis não só como mecadoias, mas diectamentecomo ‘animais’. Em paticua, ente os escaos ‘neos, já que sobe eesessa foma de dominaão foi mais expícita, imediata e poonada.

4) A caacteística hipocisia subjacente às nomas e aoes foma-ide-ais da famíia buuesa, não , desde então, aheia à cooniaidade do pode.

 v. Colonialidade das Relações Culturais ou Intersubjectivas

 Já caam anotadas muitas das impicaões mais impotantes da hee-monia do euocentismo nas eaões cutuais, intesubjectias em eano mundo do capitaismo coonia/modeno.36  Aqui, ae apenas anota oseuinte:

1) Em todas as sociedades onde a cooniaão impicou a destuiãoda estutua societa, a popuaão cooniada foi despojada dos seus sabeesinteectuais e dos seus meios de expessão exteioiantes ou objectiantes.Foam eduidas à condião de indiíduos uais e ietados.37 

2) Nas sociedades onde a cooniaão não conseuiu a tota destuiãosocieta, as heanas inteectua e esttica isua não pudeam se destuídas.Mas foi imposta a heemonia da pespectia euocêntica nas eaões inte-subjectias com os dominados.

36 Paa uma anáise mais pofunda eja-se Quijano 1991 e 1993b.37 Paa outa eitua desta situaão, ejam-se os capítuos de Maia Paua Meneses e

de liaate Bonate, neste oume.

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3) A ono pao, em todo o mundo euocentado foi-se impondo aheemonia do modo euocêntico de pecepão e poduão de conheci-

mento e numa pate muito ampa da popuaão mundia o pópio imainá-io foi, demonstadamente, cooniado.

4) Last but not least , a heemonia euocêntica na cutua do mundo capi-taista impicou uma maneia misticada de pespectia da eaidade, que setate do ‘cento’, que da ‘peifeia coonia’. Mas os seus efeitos sobe a útima,no que concene ao conhecimento e à acão, foam quase sempe histoica-mente conducentes a becos sem saída. A questão naciona, a questão da eo-uão, a questão da democacia são tae dos exempos mais embemáticos.

 vI. Dominação/Exploração, Colonialidade e CorporeidadeHá uma eaão caa ente a expoaão e a dominaão: nem toda a

dominaão impica expoaão. Mas esta não possíe sem aquea. A domi-naão , potanto, sine qua non de todo o pode. Esta uma eha constantehistóica. A poduão de um imaináio mitoóico um dos seus mecanis-mos mais caacteísticos. A ‘natuaiaão’ das instituiões e das cateoiasque odenam as eaões de pode que foam impostas peos encedoes/dominadoes, tem sido, at aoa, o seu pocedimento especíco.

No capitaismo euocentado, sobe a base da ‘natuaiaão’ da coo-

niaidade do pode que a cutua uniesa foi e continua a se impenadade mitooia e de misticaão na eaboaão de fenómenos da eaidade. Aeadade ‘acia’ dos ‘bancos’ peante as outas ‘aas’, seiu como pedaanua da eadade, incusie ‘naciona’, dos expoados e dominados ‘ban-cos’ em eaão aos seus expoadoes em todo o mundo e, em pimeio ua,no ‘euocento’.38 

 A ‘natuaiaão’ mitoóica das cateoias básicas da expoaão/domi-naão um instumento de pode excepcionamente podeoso. O exempomais conhecido a poduão do ‘neo’ como se fosse idêntico a sexo.

Muitos indiíduos pensam que acontece o mesmo com ‘aa’ em eaão,

38  Tata-se de um fenómeno muito conhecido como o testemunha a continuadaseeaão dos ‘neos’ em muitas das centais sindicais diiidas po ‘bancos’ nos Esta-dos Unidos. Mas não afecta só os pópios tabahadoes; pio, afecta os seus ideóoos eídees poíticos que se ecamam sociaistas. Os mais iustatios exempos são a diisãoente todos os ‘sociaistas’, pimeio, e dos ‘maxistas’, depois, peante o ‘acismo’ e ocooniaismo em Áfica e na Ásia, nos scuos XIX e XX. veja-se, sobe este assunto, Dais,1967.

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sobetudo, à ‘co’. Mas esta uma confusão adica. Apesa de tudo, o sexo eamente um atibuto bioóico (impica pocessos bioóicos) e ao tem

a e com ‘neo’. Mas a ‘co’ , iteamente, uma inenão euocênticaenquanto efeência ‘natua’ ou bioóica de ‘aa’, já que nada tem a ecom a biooia. E, ainda po cima, a ‘co’ na sociedade coonia/modena nemsempe foi o mais impotante dos eementos de aciaiaão efectia e dospojectos de aciaiaão, como no caso dos ‘aianos’ em eaão aos outos‘bancos’, incuindo os ‘bancos judeus’ e, mais ecentemente, nos pocessosde ‘aciaiaão’ das eaões isaeo-áabes. Estas são, se mais fosse neces-sáio, ecientes demonstaões históicas do caácte estitamente mítico-socia da eaão ente ‘co’ e ‘aa’.39 

‘raa’ uma cateoia cuja oiem intesubjectia , nesse sentido,demonstáe.40  Poquê, então, esta tão pesente na sociedade ‘modena’,tão pofundamente injectado no imaináio mundia como se fosse ea-mente ‘natua’ e mateia?

Suio um caminho de indaaão: poque impica ao muito mateia,o ‘copo’ humano. A ‘copoaidade’ o níe decisio das eaões de pode.Poque o ‘copo’ impica a ‘pessoa’, se se ibeta o conceito de ‘copo’ dasimpicaões misticadoas do antio ‘duaismo’ euocêntico, especiamentejudaico-cistão (ama-copo, psique-copo, etc.). E isso o que tona possí-

 e a ‘natuaiaão’ de tais eaões sociais. Na expoaão, o ‘copo’ que usado e consumido no tabaho e, na maio pate do mundo, na pobea,na fome, na má nutião, na doena. é o ‘copo’ o impicado no castio, naepessão, nas totuas e nos massaces duante as utas conta os expoado-es. Pinochet um nome do que ocoe aos expoados no seu ‘copo’ quandosão deotados nessas utas. Nas eaões de neo, tata-se do ‘copo’. Na‘aa’, a efeência ao ‘copo’, a ‘co’ pesume o ‘copo’.

Hoje, a uta conta a expoaão/dominaão impica, sem dúida, empimeio ua, o enajamento na uta pea destuião da cooniaidade dopode, não só paa temina com o acismo, mas pea sua condião de eixo

aticuado do padão uniesa do capitaismo euocentado. Essa uta pate da destuião do pode capitaista, po se hoje a tama ia de todas asfomas históicas de expoaão, dominaão, disciminaão, mateiais e inte-

39 Deo a Immanue Waestein o te-me ecodado a popósito da cooniaidadedo pode, uma fase de Jean genet na sua conhecida pea teata Le Nége (gaimad, 1977,Pais, Fana).

40 veja-se, ente outos, Dumont, 1986, Quijano, 1992 e Maks, 1995.

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subjectias. O ua centa da ‘copoeidade’ neste pano ea à necessidadede pensa, de epensa, ias especícas paa a sua ibetaão, ou seja, paa a

ibetaão das pessoas, indiiduamente e em sociedade, do pode, de todoo pode. E a expeiência históica at aqui aponta paa que há outo cami-nho senão a sociaiaão adica do pode paa chea a esse esutado. Issosinica a deouão aos pópios indiíduos, de modo diecto e imediato,do contoo das instâncias básicas da sua existência socia: tabaho, sexo,subjectiidade e autoidade.

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CAPTUlO 3

ConheCimento de áfriCa, ConheCimentode afriCanos: duas perspeCtivas sobreos estudos afriCanos

 Paulin J. Hountondji 1

 A a mmoie de John Conteh-Moan2

Quando faamos de estudos aficanos, nomamente estamos a efei-nosnão apenas a uma discipina, mas a todo um eque de discipinas cujo objectode estudo Áfica. Ente estas incuem-se, fequentemente, discipinas comoa ‘históia aficana’, ‘antopooia e sociooia aficanas’, ‘inuística aficana’,‘poítica aficana’, ‘osoa aficana’, etc. Tona-se ineitáe, po isso, coocauma pimeia questão: existiá aum tipo de unidade ente estas discipinas?

Seá que apenas se eacionam indiiduamente com Áfica, sem estaeminteeacionadas de uma quaque foma? Seá que simpesmente se sobe-

1  Este atio uma esão eista de uma confeência pofeida na ceimónia deabetua da Bayeuth Intenationa gaduate Schoo of Afican Studies (BIgSAS), na Uni-

 esidade de Bayeuth, na Aemanha, em 13 de Deembo de 2007.2 John Conteh-Moan foi pofesso associado de liteatua Fancesa e Fancófona

na Ohio State Uniesity. Faeceu a 3 de Mao de 2008. Soube da sua mote quando

estaa a temina este atio. respeitosamente, dedico-he este tabaho em memóia deuma eha amiade. John e eu conhecemo-nos no na da dcada de 60 na Uniesidadede Besanon, em Fana, quando eu iniciaa a minha caeia acadmica, como assistentede osoa, e ee estaa a temina a sua Maîtrise em Fancês. Foi com supesa e enomeaeia que o eencontei de noo nos EUA. Ainda possuo um exempa com dedicatóiado seu io Theatre and Drama in Francophone Africa. Pubicou inúmeos atios ios e oa-niou áios ios (Conteh-Moan, 1994, Conteh-Moan, goe e Byce (o.), 2002;Conteh-Moan e Oaniyan (os), 2004), assim como eaiou aumas taduões como ade Dark Side of the Light: Slavery and the French Enlightenment , de louis Saa-Moins (2006) eo meu pópio io, The Struggle for Meaning .

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epistemologias do sul120

põem umas às outas, estudando o mesmo objecto a pati de pespectias eânuos difeentes, ou seão, peo contáio, intedependentes ao ponto de

estaem sujeitas a cesce ou desapaece juntas? Facimente se depeende oque isto impica: se estas discipinas não necessitam umas das outas, se cadauma deas conseue oesce po si só sem ecoe a discipinas iinhas,então não há quaque necessidade de as euni numa mesma instituião,nem de cia institutos de estudos aficanos.

Na edade, patimos do pessuposto de que estas discipinas estãode aum modo inteeacionadas e temos boas aões paa o fae. Poexempo, ente a históia aficana e a sociooia aficana existe, caa-mente, uma compementaidade objectia, isto que a situaão pesente

de quaque sociedade decoe, diecta ou indiectamente, do espectiopassado. Po outo ado, um bom conhecimento do pesente e da óicados acontecimentos na ida actua pode ofeece pontos de ista úteis paacompeende o passado. Assim, a sinconia emete paa a diaconia e ice--esa. A históia e a sociooia são apenas um exempo. Podem enconta-se eaões simiaes ente todas as discipinas que constituem os estudosaficanos.

Mas há mais. Paa am das iaões especiais que unem as discipinasque estudam o mesmo objecto, existe uma soidaiedade ea ente as ciên-cias, tanto do ponto de ista inteectua como históico. Os chamados estudosaficanos não só se baseiam em metodooias e teoias que se consoidaamem áios campos – como a históia ea, a sociooia, a inuística, a eco-nomia, a ciência poítica, etc. – muito antes de teem sido apicadas a Áficaenquanto noo campo de estudo, como , de esto, comum, em instituiõesacadmicas e de inestiaão, enconta esta matia associada a outas disci-pinas, como sejam a matemática, a física, a infomática, a biooia, a química,a eooia, a estão e administaão, a osoa ou a enenhaia. Em beespaaas, estas discipinas são objecto de ensino e inestiaão paa am dospópios estudos aficanos e das andes discipinas que hes deam oiem.

Este quado instituciona não excusio de Bayeuth. De facto, o mesmo sepassa em todo o ado, tonando caa a inteiaão pofunda ente as die-sas áeas de inestiaão. Como sabido, essa inteiaão que está na aida pópia ideia de uniesidade (Universitas) ta como foi tematiada, enteoutos, po um homem que não foi um meo pensado, mas sim o edadeiofundado da Wissenschaftspolitik  da Aemanha do scuo XIX: Wihem onHumbodt.

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conhecimento de áfrica, conhecimento de africanos 121

Todaia, peo menos uma outa questão se cooca: quão aficanos sãoos chamados estudos aficanos? Po exempo, po históia aficana entende-

se nomamente o discuso históico sobre Áfica, e não necessaiamente umdiscuso históico poeniente de Áfica ou poduido po aficanos. Emtemos amaticais, efeimo-nos à históia de Áfica: historia Africae em latim,em que Africae, enitio de Africa, seia um enitio objectio, e não um eni-tio subjectio. Na mesma odem de ideias, a sociooia ou a antopooiaaficanas sinicam a sociooia ou antopooia de Áfica enquanto enitioobjectio, ou seja, um discuso socioóico ou antopoóico sobre  Áfica enão uma tadião socioóica ou antopoóica desenoida por   aficanosem Áfica. Da mesma foma, a inuística aficana entendida como o estudo

de ínuas aficanas e não necessaiamente um estudo feito po aficanos.Imainemos um upo de acadmicos aficanos que estudem Japonês, poexempo, ou Inês, Aemão ou Potuuês. Dees não se diá que estão a con-tibui paa o desenoimento de uma tadião de inestiaão inuísticaem Áfica, mas sim que estão a podui uma inuística japonesa, inesa,aemã ou potuuesa.

 Ao ono do meu pópio pecuso inteectua, fui sensibiiado paaeste pobema e comecei a pecepcioná-o como pobema ao e ios sobe‘osoa aficana’ ou sistemas de pensamento aficanos. Nomamente, osautoes patiam do pincípio de que os aficanos não tinham consciência dasua pópia osoa e que apenas os anaistas ocidentais, que os obseaama pati do exteio, podeiam taa um quado sistemático da sua sabedoia.é ao pade Pacid Tempes, um missionáio bea a tabaha no antio ConoBea, que se dee a fomuaão mais expícita deste pessuposto:

 Não esperemos que o primeiro negro com quem nos cruzamos na rua (sobretudo se for jovem) nos dê um quadro sistemático do seu sistema ontológico. Não obstante, esta ontolo‑ gia existe; ela penetra e enforma todo o pensamento do primitivo e domina‑lhe todo o com‑ portamento. Recorrendo aos métodos de análise e síntese das nossas disciplinas intelectuais,

 podemos e, portanto, temos de auxiliar o “primitivo” a procurar, classicar e sistematizar oselementos do seu sistema ontológico (Tempes, 1969: 15).

E mais adiante:

 Não pretendemos que os Bantus sejam capazes de nos presentear com um tratado losóco acabado, já com todo o vocabulário próprio. É graças à nossa própria preparação

intelectual que ele irá sendo desenvolvido de uma forma sistemática. Cabe‑nos fornecer‑lhes

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epistemologias do sul122

um quadro preciso da sua concepção das entidades, de forma a que eles se reconheçam nasnossas palavras e concordem, dizendo: “Vós percebestes‑nos, agora conheceis‑nos completa‑

mente, ‘conheceis’ da mesma forma que nós “conhecemos”  (Tempes, 1969: 14).

O que está eado nesta petensa inconsciência dos natios em eaãoà sua pópia osoa esta se consideada a discipina mais autoconscientede todas, peo menos numa ceta tadião osóca, pecisamente aquea emque fui educado: a osoa da consciência, ta como foi desenoida desdePatão at Husse, passando po Descates e Kant, paa menciona apenasaumas das mais impotantes uas de efeência nesta tadião.3

O que mais me incomodaa ea o facto de um númeo cescente de

inteectuais aficanos estaem a seui nessa mesma diecão. Os acadmi-cos aficanos que se dedicaam à osoa, dento ou foa das uniesidadesocidentais, passaam a maio pate do tempo a edii teses de mestado, dis-setaões de doutoamento, atios, ios e comunicaões ou monoaas detodo o tipo, sobe tópicos como a osoa do se ente os poos do ruanda, oconceito de tempo ente os poos da Áfica Oienta, a pecepão dos ehosente os Fuas da guin, a concepão youba de se humano, o pensamentometafísico dos Youba, a osoa moa ente os Woof, a doutina akan deDeus, a concepão da ida ente os Fon do Daom, etc. Eu achaa estes temasinteessantes per se  e aumas das monoaas bastante pespicaes. Con-tudo, não podia aceita que o dee pimeio – e muito menos o dee único– dos ósofos aficanos fosse descee ou econstitui a mundiisão dosseus antepassados ou os pessupostos coectios das suas comunidades. Poisso, defendi que aquio que a maioia destes acadmicos estaa eamente apodui não ea osoa, mas sim etno-osoa: estaam a escee um capí-tuo especíco da etnooia que isaa estuda os sistemas de pensamento

3  Esta a tese defendida po Abioa Iee no início da sua bihante intoduão àminha oba African Philosophy, Myth and Reality. Este impotante tabaho contibuiu deci-siamente paa chama a atenão do púbico de ínua inesa paa este io, iniciamentepubicado em fancês. Paa am desta intoduão, Abioa Iee conhecido peo seuesfoo incansáe em constui pontes ente os mundos anófono e fancófono no campoacadmico, não apenas em Áfica, mas num pano oba, veja-se Iee, 1983, 2001.

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das sociedades habituamente estudadas pea etnooia4  – independente-mente da caacteiaão que se faa de tais sociedades.5

 Ao mesmo tempo, contudo, chamei a atenão paa a pópia existênciadestas monoaas. Paa mim, eas faiam pate inteante da osoa afi-cana num sentido adicamente noo. A meu e, a osoa aficana não deiase concebida como uma mundiisão impícita patihada inconscientementepo todos os aficanos. Fiosoa aficana não ea senão uma osoa feita poaficanos. Existia uma contadião na osoa ocidenta, quando esta seconsideaa a mais autoconsciente de todas as discipinas inteectuais, mas

4  Como do conhecimento ea, o temo ‘etno-osoa’ foi usado no início dadcada de setenta do scuo XX quase em simutâneo po mim e peo meu coea cama-onês Macien Towa, num sentido depeciatio e contoeso (Houtondji, 1970; Towa,1971). No entanto, a paaa em si mais antia. remonta, peo menos, ao início da dcadade quaenta, quando Nkumah a usou num sentido bastante positio paa descee umadiscipina paa a qua ee pópio se popunha contibui. Ta como menciona na sua auto-bioaa, Nkumah fomou-se em osoa em 1943 pea Uniesidade da Pensiânia, emFiada, e pouco depois insceeu-se num doutoamento em ‘etno-osoa’. Cheoumesmo a escee a tese, mas não conseuiu defendê-a antes de pati paa a gã-Beta-nha em 1945, onde tabahou como secetáio do quinto Conesso Pan-Aficano. Fico

ato a Wiiam Abaham po me te disponibiiado uma cópia da esão dactioafada.O temo ‘etno-osoa’ já apaecia no títuo: Mind and Thought in Primitive Society: a Study in Ethno‑Philosophy with special Reference to the Akan Peoples of the Gold Coast, West Africa – Espírito

e pensamento na sociedade primitiva: um estudo de etnolosoa, com especial referência aos povos akanda Costa do Ouro (Nkumah, circa 1945, 1957).

5  Hoje em dia, ampamente consensua que as noões tadicionamente usadaspaa identica o tipo de sociedades estudadas pea etnooia (po oposião à sociooia)são fotemente euocênticas e, neste sentido, tendenciosas ou ‘ideoóicas’. Os estudiososesfoam-se po expica exactamente o que entendem po sociedades ‘pimitias’. Cetasnoões atenatias, supostamente mais poiticamente coectas, como as expessões socie-dades ‘acaicas’, sociedades ‘tadicionais’, poos ‘indíenas’, etc., tambm não são muito

mais caas. Descee a etnooia como o estudo das sociedades ‘ietadas’ tambm não meho, na medida em que essas sociedades são, assim, caacteiadas neatiamentepo ao que não possuem: a iteacia. é mais podutio pesta atenão aos modos e dis-positios concetos atas dos quais o conhecimento tansmitido sem ecuso à escitata como ea usada no Ocidente. Po esta aão, deem se chamadas, como sueiu oinuista fancês Mauice Houis (1971), civilisations de l’oralité   – ciiiaões da oaidade.Mamouss Diane, um ósofo do Senea, anaisou detahadamente, na sua oba Critiqueof Oral Reason, esta ‘óica da oaidade’, em contaposião com a óica da escita descitapo Jack goudy e com o impacto deste modo conceto de tansmissão sobe o conheci-mento poduido (Houis, 1971; goody, 1986; Diane, 2005).

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pesumia ao mesmo tempo, que aumas osoas não-ocidentais podiam sedespoidas dessa consciência de si mesmas.

 votei as atenões, potanto, paa a existência de uma iteatua osó-ca aficana. loo a pimeia fase do meu io African Philosophy, Myth and

 Reality,6 de 1983, amaa ao que hoje pode soa como uma edade de aPaice, um ua comum bastante simpes mas que, deido ao panoama ide-oóico e inteectua da poca, paecia conte uma noidade extaodináia:“ Por losoa africana entendo um conjunto de textos” (Hountondji, 1977, 1983).

Se este io causou um impacto fote, ao ponto de te ecebido o p-mio Heskoit em los Anees em 1984 e te sido, posteiomente, seeccio-nado, na Feia Intenaciona do lio, que decoeu em 2002 no zimbabu,

ente os mehoes cem ios aficanos do scuo XX, isso te-se-á cetamentedeido a essa simpes e apaentemente innua amaão, cujas impicaõese consequências tinham, no entanto, um ande acance.

Uma das impicaões imediatas foi a seuinte: o noo conceito de o-soa aficana pemitiu estabeece uma distinão ente aficanistas e afica-nos no campo da osoa. Muitos dos pensadoes ocidentais que esceiampofusamente sobe os sistemas de pensamento aficanos deixaam de podese istos como petencentes à osoa aficana entendida neste noo sen-tido, ao passo que as obas dos seus paes aficanos faiam pate da escitaaficana sobe a etno-osoa e, po conseuinte, pate da iteatua osócaaficana. Isto não sinica que as obas escitas po aficanos fossem meho-es, seja em que acepão do temo fo. Am do mais, ninum pode inoaa soidaiedade temática ou at mesmo a cumpicidade inteectua existenteente a etno-osoa aficana e a não-aficana, nem nea a iaão enea-óica que fa com que a etno-osoa aficana seja ha do enoimentoocidenta com as mundiisões exóticas. No entanto, estabeece este tipo dedemacaão tonou possíe chama a atenão paa a ecepão aficana dastadiões de inestiaão ocidentais e ea os acadmicos aficanos a assumias suas esponsabiidades inteectuais pópias.7

Há ainda uma outa impicaão: a osoa aficana tambm incuiescitos que citicam ou põem em causa a etno-osoa. Isto um indíciocao de que não existe quaque unanimidade em Áfica sobe esta questão

6  NT : Em potuuês ‘ Filosoa africana, mito e realidade’. Este io foi pubicado inicia-mente em Fancês, em 1977.

7 Este tema iuamente abodado po D. A. Masoo, neste oume.

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conceta. Identica osoa aficana com a bibioaa ou iteatua o-sóca aficana pemitiu te noão das contadiões e dos debates intenos,

das tensões inteectuais que dão iacidade a esta osoa e que faem dacutua aficana, no seu todo, uma cutua ia e não mota. A etno-osoabaseaa-se, ente outos pessupostos, na ideia de que, nas sociedades depequena escaa ou sociedades pimitias, como são chamadas, ioaa umatota unanimidade, com toda a ente a concoda, po assim die, com toda aente. Am disso, essa petensa unanimidade ea ista como uma itude, e odesacodo como ao mau ou peioso. A esta dupo pessuposto dei o nomede iusão unânime. Em contaposião a isto, chamei a atenão paa a itudedo puaismo enquanto facto de poesso e paa o facto de não só a Áfica

modena como tambm a chamada Áfica tadiciona teem ienciado opuaismo ao ono dos tempos e em áios domínios. No que di espeito àosoa, este tipo de puaismo paeceu-me se ao muito aioso e futífeo(Hountondji, 2002).

Desnecessáio seá die que a osoa aficana abane todo um con-junto dieso de obas que pouco ou nada têm a e com a questão concetada existência de uma osoa aficana e que, potanto, não cabem dento dacassicaão Etno-osoa versus  Fiosoa Cítica. Auns desses tabahoseam po diante cetas tentatias aficanas no sentido de pensa, epensaou simpesmente compeende a osoa ocidenta, bem como no sentido deuma apopiaão, po assim die, das tadiões de pensamento não-afica-nas. Assim se ai dando oiem a intepetaões aficanas de Descates, Kant,Hee, Max, Husse, da Escoa Cítica de Fankfut, de pensadoes isâmicose, no futuo, tae de osoas chinesas e indianas, bem como muitas outastadiões inteectuais poenientes de foa de Áfica. Outos escitos êmtabahando temas e conceitos uniesais, incuindo temas iados à óicamatemática ou aos fundamentos da ciência, à históia e sociooia da ciência,à antopooia do conhecimento, à tica e à osoa poítica, à osoa dainuaem, etc. Todos estes esfoos faem, obiamente, pate inteante da

osoa aficana.Como que tudo isto se apica, então, aos estudos aficanos? De ceta

foma, o estudo da Áfica macado po uma espcie de pecado oiina,tendo em ista o pape objectio que desempenhou na históia da coonia-ão. No caso da Aemanha, o pobema ainda mais sio, dado o modo comoa discipina foi instumentaiada duante o peíodo do naciona-sociaismo,ao que suponho apesenta auns paaeismos com o que aconteceu emPotua duante o eime coonia-fascista.

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Tudo isto já petence à Históia. A cumpicidade históica tem sidodenunciada ees sem conta, não apenas po acadmicos não-ocidentais mas

tambm, e isto o mais impotante, peos pópios acadmicos do Ocidente. Am disso, no que espeita ao peíodo hiteiano, dee te haido, no auedessa teíe ditadua, peo menos auns tímidos potestos que não podiamse ebaiados em o ata, a não se que o seu auto quisesse comete sui-cídio. Pesumo que, como esceeu ecentemente um antopóoo aemão,“apesar dos exemplos com maior visibilidade, seria erróneo […] considerar que todos os

 participantes nos estudos africanos desempenharam um papel activo na Alemanha de Hitler. A imagem adequada seria mais, como lhe chamou Dostal, a do ‘silêncio na escu‑

ridão’”  (Dosta, 1994; Pobst, 2005).

Não obstante este pecado oiina, o meio acadmico ocidenta,incuindo a Afrikanistik  aemã, touxe um enome contibuto ao conheci-mento das ínuas, sociedades, históia e cutuas aficanas. Auns nomespemanecem inesquecíeis, ta como o de Adof Bastian, ‘pai da etnooia(Völkerkunde) aemã’, paa usa as paaas de um antopóoo aficano(Diao, 2001); Ca Meinhof, especiaista em ínuas bantu; Diedich Wes-temann, que foi missionáio no Too antes de inicia uma notáe caeiacomo antopóoo; leo Fobenius, cuja oba contibuiu em muito paa daa escitoes neos como Aim Cesaie e lopod Seda Senho uma maioconsciência dos pincípios fundamentais e do ao da sua pópia cutua;

 Janhein Jahn, que cou tão impessionado, após te assistido a uma paestaponunciada po Senho em 1951, que quase de imediato comeou a “ suaincansável recolha e tradução da literatura africana” (Pobst, 2005: 415); e ainda,mais póximo de nós, um homem como Ui Beie, que ciou em Bayeuth ainstituião a que em Aemão se chama ‘Ia-ea Haus’ (poque o som ‘w’ nãotem coespondência no Aemão), que na ínua dos Youba se ponuncia‘ Iwa lewa’ e sinica ‘beleza é carácter ’, como po exempo em ‘a mulher bela éaquela que sabe comportar‑se’. Po m, há que ecoda geo Ewet, já faecido,a quem os camponeses de Ayou, uma adeia do Benim onde eaiou a maioia

do seu tabaho de campo, pestaam uma ibante homenaem em Outubode 2006.8

8 Os adeões foam conidados a assisti a uma sessão de duas hoas em ‘homenaema geo Ewet, um aficanista aemão (1947-2005)’, duante um conesso intenacionaoaniado em Cotonou, ente 16 e 19 de Outubo de 2006, peo Cento Aficano deEstudos Aanados. Em e de um ou dois deeados, touxeam uma ande deeaãocomposta po 25 pessoas com tamboes e outos instumentos sosticados. Expicaam

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conhecimento de áfrica, conhecimento de africanos 127

Na quaidade de obseado exteno tae não dissesse, como fa PetePobst, que os estudos aficanos na Aemanha se encontam situados “a meio 

caminho entre […] duas grandes esferas de inuência”, a fancesa e a bitânica – ousentados ente duas cadeias, como ea a expessão fancesa, e que comoquem di, sem te uma identidade pópia (Pobst, 2005: 405). Peo contá-io, a tadião aemã paece-me se o modeo que deeíamos tenta constuiem Áfica. Em pimeio ua, um modeo que faa a sua pópia ínua, o

 Aemão. Em seundo, e consequentemente, diie-se pioitaiamente a umpúbico que faa Aemão e pocessa-se, antes de mais, seundo um debateinteno dento da Aemanha e dos países de ínua aemã, incuindo a Áustiae pate da Suía, onde os acadmicos se questionam mutuamente, espon-

dendo e discutindo ente si. Em teceio ua, as questões debatidas diemmuito à comunidade acadmica faante do aemão e são po ea aamentepatihadas, o que pemite o desenoimento de um debate que hoiontae tem uma sustentaão pópia. Não estamos numa situaão em que um aca-dmico isoado patiha uma pobemática desenoida num outo oca, poexempo no mundo fancófono ou anófono, como que faando po sobeas cabeas da sua pópia comunidade. Em quato ua, debate questõesendóenas não condu, foosamente, a uma autacia cientíca nem a umautofechamento inteectua. Não só auns acadmicos pubicam pate doseu tabaho em fancês ou, mais fequentemente, em inês – a noa língua

 franca da inestiaão acadmica intenaciona –, de modo a acanaem umpúbico mais asto, como tambm pode pesumi-se que, sempe que umadiscussão anada oiinaiamente na Aemanha anha impotância paa acomunidade cientíca intenaciona, os pópios acadmicos não-aemãessentem necessidade de a fae tadui o mais apidamente possíe.

Pode die-se que este modo de fae inestiaão pomoe uma acti- idade cientíca autónoma e autoconante. Em contapatida, eceio bemque o modo como faemos inestiaão em Áfica seja exactamente o opostodisso. As mais das ees, tendemos a inestia temas que são do inteesse,

antes de mais, de um púbico ocidenta. A maioia dos nossos atios pubi-

em Aizo (uma aiante do Fongbe) o que aquee homem sinicaa paa ees, eembando,ente outas coisas, como ee os tinha ensinado a escee e a e na sua pópia ínua,como os tinha ajudado a aanja ebas paa abi poos e obte áua potáe paa as suasadeias. Com a deida autoiaão dos anciãos, executaam danas saadas só pemitidasem cicunstâncias especiais. De facto, o eento acabou po se tona uma seunda ceimó-nia fúnebe.

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PArTE 2

 As Modernidades das Tradiões

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epistemologias do sul136

dicaão eicáe5  à edade,6  empíico po natuea (Passmoe, 1968:368; Aye, 1974: 12). O metafísico e o empíico patiham ao ente si: são

ambos postuados ou decaaões feitas po um se humano copoicado(zane, 1971: ii), incopoado ao mundo empíico. A pati desta base, asepaaão ente o metafísico e o empíico não mais do que uma questão deodenamento conceitua que contadi o caácte ontoóico do se humanoenquanto sinuaidade oânica.7  Se a metafísica e as questões eatiasao conhecimento empíico (a epistemooia) petencem aos domínios daosoa, então a obaiaão, entendida como coincidência e tensão entea cena e o conhecimento, pode se consideada uma pobemática eítimada osoa. é pecisamente como pobema osóco que me poponho ida

com a obaiaão.Se o indiíduo está incopoado e condicionado dento, na e pea expe-iência, isso sinica que a osoa está iuamente enaiada na expeiência.Paa mim, a osoa não uma eupão misteiosa de conceitos poenien-tes do espao sidea, sem quaque conexão com o nosso mundo empíico,apesa de o impessionaem. Tampouco consideo a osoa como um ôoao abstato e obtuso, ou seja, em dieão a temáticas obscuas e mistica-doas. Po estas aões, neste capítuo pocuaei iniciamente fonece umaexposião da expeiência da obaiaão e, posteiomente, pocua que oacíocinio osóco incida sobe esta.

1. Gloaliaão e FilosoaTendo apontado a identidade ontoóica oânica ente o metafísico e oepistemoóico, pocedeei como estando incopoado [embedded ] no mundoexpeiencia, enquanto se(es) humano(s). O sinicado e a intepetaãoda expeiência paticua – neste caso, a obaiaão – deeão constituio caácte osóco especíco deste capítuo. Assim, pocuaei questiona

5 Paa uma cítica do pincípio de eicaão eja-se, po exempo, rye, 1971: 127.Paa uma exposião do pincípio de fasicaão, paciamente otada paa a efutaãodo pincípio de eicaão, eja-se, po exempo, Few e MacIntye (os.), 1993: 98-99 e106.

6 A espeito da cítica da ‘edade’ baseada sobe a teoia da coespondência, eja-se Bohm e Hiey (1993: 16-17), cujo aumento defende que a edade uma constuãocompexa que não está dada antecipadamente.

7 Sobe a ontooia e a epistemooia do se como totai-dade e unici-dade, eja-se opimeio capítuo de Bohm, 1980.

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epistemologias do sul138

edo do qua tudo dee aita e fente ao qua todos se deem submete.Neste sentido, ostaía de empesta e endossa a pecepão seundo a qua

a inenão do dinheio o pecado oiina da economia.O aciocínio cicunscito, ou seja, o aciocínio e a aão sobe as bases

das fonteias já estabeecidas e das ainda-po-estabeece, cooboa a expe-iência de que tudo está em uxo. Tata-se de uma condião de incessantemudana e mutabiidade poque o moimento,8 e não o epouso, o pincí-pio do se. Se esta na condião de -dade9 e não de -ismo.10 Esta a baseontoóica da tensão subsequente ente -dade e -ismo. A tensão emee assimque tentamos constui a eaidade socia sobe a poposião de que há umadiisão adica e uma oposião ieconciiáe ente -dade e -ismo. Nesta inha

de aciocínio, o uxo do se necessita da busca de estabiidade. Isto cuminano feito de um -ismo. O -ismo , potanto, constuído paa se a eaidade nãoapenas em contaste, mas tambm em oposião ao se-ndo [be‑ing ] enquanto–dade. O absoutismo domático aimenta-se desta pespectia osócasobe a eaidade. Suio assim que a suposta diisão adica e oposiãoieconciiáe ente -dade e -ismo , na meho das hipóteses, putatia e, napio, fasa. Ao ins de estabeece um aumento sustentado em edo destaquestão, contento-me em subinha a ideia de que uma pespectia osócasobe a eaidade baseada no -dade pode eita o absoutismo domático

8 Na osoa ocidenta cássica, Heácito pode se identicado como um dos maio-es expoentes da pespectia de que o moimento, e não o epouso, o pincípio do se. Odebate ente os defensoes e os oponentes desta pespectia não foi concuído denitia-mente. Tanto Peice quando Bohm são os defensoes contempoâneos da pespectia – aqua endosso – seundo a qua o moimento o pincípio do se. De acodo com Peice,“ Eu início do, em, com e enquanto Movimento. Para mim, no mundo ‘espiritual’, bem como no físico,obviamente não há Repouso como meta derradeira ou como antítese do Movimento. O imutável é menos

do que a morte, ele é o não‑existente. [...] Tenho armado frequentemente que estou determinado a estarlivre de ser determinado. Porquê? Devido ao inominado Terceiro ainda residindo no útero do Movi‑mento, com o qual tanto o determinado quanto o indeterminado têm referência. [...] Para mim, a idéiado novo, do jovem, do fresco, do Possível são mais profundas do que qualquer importação‑do‑tempo, e sãoindeterminados apenas em um sentido especial . [...] O melhor que eu posso fazer é dizer ‘Eu desejo do

 futuro, nós poderíamos começar a falar do Inalcançável como o Ainda distante! ’” (Keeson, 1998: ).Que isto , de muitas maneias, um eco da posião de Hobbes em De Motu, não necessitade quaque defesa especia.

9  NT : No oiina inês, ‘‑ness’.10  NT : No oiina inês, ‘‑ism’ .

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globalização e UBUNTU  139

apenas se a óica do -dade fo penamente apeciada. Cetamente o -ismo apenas um momento, não a eiminaão ou a substituião do -dade.

Como foma de iustaão, apesento uma osoa ubuntu  dos diei-tos humanos. A naidade desta apesentaão antes popo, ao ins depocua esponde à seuinte questão: pode a opáxis ubuntu  se umadas espostas ao fundamentaismo económico contempoâneo na foma deobaiaão?

O ubuntu , ontooicamente, um -dade e não um -ismo. Enquanto ta,está epistemooicamente oientado em dieão à constuão de um conhe-cimento que , na sua essência, não-domático. Consequentemente, a distin-ão osóca fundamenta ente a osoa dos dieitos humanos ubuntu e o

fundamentaismo económico que o absoutismo domático ituamenteaieníena ao pimeio, e intínseco ao útimo. O ubuntu  um dos conceitososócos e dos pincípios oaniacionais essenciais das popuaões quefaam ínuas Bantu. Estas popuaões pecisam, face à obaiaão econó-mica, cimenta fotes íncuos de soidaiedade, em pimeio ua enteeas mesmas. Aqui, o desideato po soidaiedade , de facto, a constuãode uma fonteia. Potanto, o aciocínio cicunscito não nem aieníenanem necessaiamente epunante à osoa ubuntu.  Mas a deimitaão defonteias neste caso um meio paa um m, e não um m em si mesmo.

 As popuaões faantes de bantu deem pemanece abetas a coopea comtodos os sees humanos do mundo que estejam deteminados a substitui odoma mota do fundamentaismo económico pea óica futífea do -dade,pefeindo a peseaão da ida humana atas da coaboaão à buscaestita do uco. Feta kgomo o tshware motho.

2. Rumores da GloaliaãoNesta secão poponho discuti a ‘obaiaão’ sem pobematia o uso emsi mesmo do conceito. Esta a aão pea qua escohi o títuo desta secãodo texto, pois ee suee que ainda não estamos em posião paa conma

a eacidade da ‘obaiaão’. Como consequência, estamos a ida apenascom os umoes da obaiaão. Paa acompanha estes umoes, poponhoconsidea a famíia como um eemento difeenciado. Isto poque (1) assimcomo a eiião, o conceito ocidenta de famíia está intimamente eacio-nado à osoa económica do sistema de ie empesa; (2) ta intesecão eada e aimenta-se dos conceitos de cidadania e nacionaidade; (3) a asse-ão da ibedade paa funda uma famíia econhecida como um dieitoque não eque pemissão pia po pate de ninum. Do ponto de ista

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epistemologias do sul140

costumeio, ainda que não necessaiamente, o dieito a funda uma famíia concetiado atas do matimónio, seja ee monoâmico ou poiâmico.

O pópio acto de funda uma famíia, e o esutado de um matimónio, esta-beecem fonteias. Dento destas fonteias estão o casa, juntamente comas suas cianas. Foa deas eside a esfea do esto da humanidade. Assimsendo, o aciocínio cicunscito fa pate da famíia e do matimónio, assimcomo da cidadania e da nacionaidade. A eeância destes conceitos paaa inestiaão do aciocínio cicunscito eidente. Se o dieito a fundauma famíia um dieito humano, então a incusão da obaiaão nestaesfea dee se juada em temos de dieitos humanos. Os paáafos que seseuem apesentam umoes eatios à incusão da obaiaão dento das

fonteias da naão, da famíia e do matimónio.O impuso paa ampia o comcio,11  juntamente com a expansão daeiião, especiamente do Cistianismo e do Isão, constituem o fundamentoda obaiaão. Poponho-me a foca a atenão sobe o Cistianismo, uma

 e que seu sinicado e seu impacto na obaiaão continuam a te escopomais ampo do que aquees eatios à Isamiaão do mundo. Estou, em con-sequência, ciente de que optei po uma pespectia ‘euocêntica’ da históiado mundo.12 Todaia, esta minha escoha ecusa a posião de que a históiaeuopia sinónimo da históia mundia.13 Tampouco defendo que os meho-es bens e aoes see ncontam apenas na históia e na cutua euopeias.

Tanto o comcio quanto a eiião têm ua dento de um contextocutua especíco. A expansão, paa am de suas fonteias cutuais oii-nais, sinica que ambos podem sei como eícuos paa a tansmissão decutua. Dado que, no seu sentido mais ampo, a cutua incui a poítica, istosinica que tanto a eiião quanto o comcio simboiaam, numa dete-minada atua, a mateiaiaão de uma ideooia poítica paticua, tendosido os seus tansmissoes. De acodo com este aciocínio, a obaiaãopode se cutua, eiiosa, poítica e económica. Conm saienta que tademacaão de áeas especícas não impede de foma auma a sua sobepo-

sião, a sua coneência, o seu efoo mútuo e mesmo a unidade oânicaente eas. A questão a seuinte: o que que acontece quando cutuas,eiiões, sistemas poíticos e sistemas económicos diesos se encontam

11 Sobe este assunto, eja-se Needham, 1975, o. 1: 170-190.12 Este tema debatido em áios capítuos que inteam este oume.13 Sobe este tema ejam-se os textos de Boaentua de Sousa Santos e de Enique

Dusse neste oume, assim como Dusse, 1998a, 1998b.

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globalização e UBUNTU  141

uns com os outos? Quando que que isso ocoa, o esutado tem sido, comfequência, uma eaão de dominância e subseiência ente popuaões.

Nas esfeas da eiião (Mudimbe, 1988), da cutua (Ee, 1998) e da poí-tica,14  incuindo a economia, possíe descee ta situaão como umacondião de dominaão epistemoóica, empenhada em supimi a buscade econhecimento mútuo e paidade.15  Na esfea do comcio, poponhodesceê-a como um sistema económico-poítico oientado paa a domina-ão dos outos, isando benefícios pópios.16 A disposião paa a dominaãoassenta no aumento impícito de que toda a humanidade pode, e dee, iesob uma única ‘edade’ económica e poítica. Esta ‘edade’ sustentada pouma denião uniatea po pate do Ocidente, tanto da expeiência, quanto

do conhecimento. é minha intenão, neste capítuo, examina a aidadedeste aumento em eaão à obaiaão.

3. A Gloaliaão Económica As aíes da obaiaão contempoânea estão pofundamente imbicadascom o adento da industiaiaão, paticuamente no reino Unido, e coma subseqüente difusão oba do modeo económico bitânico atas dacooniaão (De Benoist, 1996: 121). liaões comeciais foam fojadasente os cooniados e o pode cooniado. Os pimeios eam entidades

14  Sobe este assunto, eja-se Hanke, 1937, 71-72; Hanke, 1959, Pakinson, 1977:24-25, e Wiiams, 1990.

15 veja-se Dusse, 1998a, 1998b, e neste oume, assim como Santos, neste oume– capítuos 1 e 13.

16 Há, obiamente, o sinicado metafóico de obaiaão. Este sinicado patedo pincípio de que nosso paneta como um obo ecebendo u de uma fonte pincipa,o so. Ainda assim, ecebe a u do so de maneia desiua e intemitente. loo, os huma-nos expeimentam o so difeentemente e seu biho exece inuências diesas sobe ees.Isto ea cetamente não apenas a concepões difeentes, mas em auns casos concoen-

tes, sobe o so. Um paadoxo ineente a esta condião pode se, todaia, expesso: a u doso continua execendo ascendência incompaáe sobe nosso paneta. Apesa disso, ossees humanos paecem dispostos a esisti a esta ascendência expondo teoias concoen-tes sobe a natuea e, potanto, sobe a u do so. Se há quaque ião a se obtida destefato – não obstante o biho mota de uma uea nucea tota (Junk, 1956) – que a uemanando de uma única fonte pincipa pode se apeciáe, mas não menos esistíe. Emconcodância, a obaiaão poaemente não seá bem sucedida, na medida em queea extinue ues diesas, existentes noutos espaos, com o aumento de que existeapenas uma fonte de u apopiada paa iumina todas as áeas da ida económica paa atotaidade da humanidade.

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epistemologias do sul142

teitoiais distintas, cuja sobeania tinha sido aboida peo chamado dieitode conquista (Koman, 1996: 18-40). Isto ocoeu no contexto das iaens

de ‘descobimento’.17 Quando a sobeania foi econquistada, facto que acon-teceu que atas da descooniaã, que das ueas pea independência, asiaões económicas sobeieam. Naquea poca, a iaão ente teitoia-idade e sobeania ea tão fote que os sobeanos podiam exece sobeaniasobe a actiidade económica dento dos seus teitóios com eitimidade.Ees estaam, potanto, em posião paa eua a actiidade económicaintena, de foma que ea afectasse as eaões económicas extenas comoutos Estados sobeanos. Dessa foma, a coesão ente sobeania e Estado-naão asseuou ao sobeano um pape pimodia na esfea das eaões

económicas intenacionais. Houe, contudo, um peo a se pao po isto,nomeadamente: esponsabiiaão e esponsiidade democáticas às exiên-cias da justia socia (De Benoist, 1996: 128-129).

Esta situaão modicou-se quando o dinheio (a moeda) adquiiucapacidade de se moimenta à eocidade da u e em tempo ininteuptoeatiamente a todas as outas mecadoias económicas. Isto foi faciitado,em paticua, pea eouão eetónica. Esta noa foma de cooniaismo,sustentada pea incansáe busca de mão-de-oba baata, conduiu à desoca-ão e à famentaão da actiidade económica de um cento paa mútipaspeifeias. A ede tonou-se o noo conceito opeado e euado que uiaa poduão de bens (van Houtum, 1998: 45-83). O ótuo ‘Made in Itay’,po exempo, ocuta a compexa históia da ede de poduão subjacente aopoduto na. Amado das edes de poduão, e impeido apenas pea buscado maio uco no meno pao possíe, o mecado nanceio pocuouaboiu as fonteias ente Estados-naão e obia as autoidades sobeanasa abdica ou eaxa o fote contoe sobe as suas economias. Esta foi a con-

17 O ‘descobimento’ foi um dispositio ea paa eiindica o dieito ao teitóio

estaneio po pate do pode ocidenta euopeu, dito descobido. é petinente apontaaqui que este útimo eaiou as iaens com o objectio de ‘descobi’, incuindo as conse-quências eais eacionadas. Paece estanho que os iajantes, e aquees em cujo benefícioestas iaens eam eaiadas, paecem não te consideado a possibiidade de que eestambm seiam descobetos no pópio acto da descobeta. Ees estaam conantes nauniesaiaão da sua eiião e cutua atas da assimiaão e inteaão, na meho dashipóteses, e tambm po meio de assassinato, pihaem, expusão e destuião, na pio.Paa uma discussão sobe como esta uniesaiaão aduamente eou a um ‘mundomonociiiaciona (ainda que poicutua)’ e como a ‘econciiaão’ apicada paa com-peende os contastes e contáios, eja-se Wikinson, 1992: 7-8, e zea, 1992: 11-22.

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globalização e UBUNTU  143

dião necessáia que o mecado nanceio impôs sobe os Estados-naãoque desejassem benecia dos seus seios. Assim se estabeeceu, duante as

útimas dcadas, a deseuamentaão, que se juntou à ede como conceitoeuado e opeado da actiidade económica intena e extena. A deseu-amentaão baseia-se no pessuposto, ceto, de que tudo mecantiiáe.E a mecantibiidade, nos temos do sistema económico de ie empesa (ocapitaismo), está indissociaemente iada à ucatiidade. At o tabahohumano, disponíe no mecado de tabaho, adquie um peo apenas se foaaiado como ucatio. Em útima instância, a mecantibiidade de todas ascoisas sinica a comodicaão de todas as coisas peo bem do uco máximo.Se que a ama existe, at mesmo ea mecantiiáe, pois pode se tocada

po dinheio e pea uxúia sobeba. Assim sendo, todas as fomas de coup-ão são coeentes e compatíeis com a óica do pode nanceio iestito(De Benoist, 1996: 120).18 Consequentemente, o desocamento da indústia,a deseuamentaão, as edes e a obtenão do máximo de uco a quaquecusto constituem o doma da eiião do fundamentaismo económico.19 Assacedotisas e os sacedotes desta eiião peam apenas um eaneho e

 eneam apenas um deus, nomeadamente, a ucatiidade do mecado. Paaees, o mecado o pode nanceio que sustenta a contaão do espao, dotempo e da poítica, não hes impotando possíeis consequências humanase ambientais. A obtenão de ucos iestitos sua pincipa meta. Aben-oados, potanto, são os ciadoes de uco innito, pois ees substituíam aiusão do cu eteno pea innita ucatiidade do mecado.

4. A Gloaliaão e a Família A expeiência e o conceito de famíia seão pobematiados nesta secão.Esta pobematiaão tem um dupo objetio: po um ado, demonstaque o fundamentaismo económico pefee, e, de facto pescee, a famíiabaseada no matimónio monoâmico. Po outo ado, petendo estabeeceas bases paa o aumento seundo o qua os dieitos humanos constituem

18 Em nome da obaiaão, os impeadoes nanceios contempoâneos assumi-am o pape de Mestófees e foaam à humanidade o pape de D. Fausto. No momentoem que o aceto de contas está paa acontece, o D. Fausto não mumua apenas emdesespeo, “O! lente! lente! currite noctis aequi ”, mas tambm econhece com esinaão que odinheio está na ai de todo o ma ( pecunia est radix malorum).

19 Sobe a questão eiiosa, eja-se lanon, 1996: 5; sobe o fundamentaismo eco-nómico, eja-se Kesey, 1995.

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epistemologias do sul144

os fundamentos e o contexto apopiados paa a aaiaão e a apeciaão daobaiaão. Num casamento monoâmico eatiamente mais fáci con-

toa e ajusta a famíia às exiências das foas de mecado. O mecanismopaa ta contoe e ajustamento a juidicaão da eaão ente o poenitoe ciana. Na medida em que a famíia pecede a juidicaão, ea nomeadacomo sendo natua.20 O homem e a muhe, cujo contato sexua esute nonascimento de uma ciana, são denominados, espectiamente, pai e mãe(gane, 1979). A juidicaão tem, desde então, estendido e expandido oescopo desta eaão natua paa incui um homem ou uma muhe so-teios que adotem fomamente uma ciana, ou ainda, po exempo, casosem que a matenidade ou a patenidade sejam esutantes de inseminaões

aticiais. De acodo com a juidicaão, um poenito ou um homemou uma muhe que, seja atas do coito ou de outos mtodos, eiindiquepossui uma ciana, submetendo ta eiindicaão ao econhecimento ea.

 Aqui possíe e como ao que em deteminados casos pode se encaadocomo um facto natua – o coito esutante no nascimento de uma ciana – eem outos casos como um facto tecnoóico – a inseminaão aticia, poexempo –, tansmutado em facto juídico. Desse modo, um facto natua eeado ao estatuto de facto juídico. Esta eeaão enconta expessãona Secão 3 do Atio 16 da Decaaão Uniesa dos Dieitos Humanos:“ A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da

 sociedade e do Estado”. Este postuado do dieito a funda uma famíia sinicaque ea pate e pacea do discuso dos dieitos humanos. Isto que die,potanto, que quando a famíia enta em contato com a obaiaão, estadee se examinada sob o pisma do discuso dos dieitos humanos. A idiada famíia como ‘unidade básica’ de um upo socia e da odem poítica nafoma do ‘Estado’ eea a eaão oânica ente a famíia, a cidadania e anacionaidade. Consequentemente, a obaiaão está impicada na famíiae no Estado-naão.

Enquanto que a Secão 3 do Atio 16 da Decaaão Uniesa dos

Dieitos Humanos econhece o dieito a funda uma famíia e estipua a po-tecão deste dieito, tanto pea sociedade quanto peo ‘Estado’, a Secão 1 domesmo Atio econhece “o direito de contrair matrimónio e de fundar uma famí‑lia”. Uma e que o ‘e’ aqui não de foma auma uma inseão despopo-

20 Sobe este tema eja-se gane, 1979: 543, assim como rechts Wötebuch, C.H.Beck’sche (1994, 12ª ed.), Munchen: veasbuchhandun, 409-410.

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epistemologias do sul146

 A famíia, ou seja, a eaão de sanue ente a mãe, o pai e a ciana, em pimeio ua natua – e apenas secundaiamente ea. Ea tambm

pode se entendida em sentido mais ampo, incuindo outos paentes con-sanuíneos paa am dos poenitoes e das cianas. Ao ono da históia(Westenack, 1891), o matimónio ea assumiu o pape de euado daseaões famiiaes (viadich, 1990: 69-79; ramose, 1998). Auns casamen-tos eais são excusiamente monoâmicos, mas outos não o são. Emboao Cistianismo24 insiste na pimeia foma, o Isão, po exempo, sustenta ocontáio. Nos dois casos, todaia, o matimónio ea tem estado intima-mente iado ao sistema económico iente. Foi pecisamente esta conexãoente a economia, a poítica e a monoamia baseada na eiião que faciitou

a consoidaão e a expansão do comcio dento e paa am dos domínios dagã Betanha (Tawney, 1977). E esta conexão continua a auxiia, iuamente,a consoidaão da obaiaão.

O matimónio ea monoâmico foi memente estabeecido quandoa industiaiaão assumiu maio isibiidade e acanou uma inuênciaimpotante na ida socia. A pati de então, as eaões ente esposo e esposapassaam a esta estutuadas com base na suposião de que ee se encontaanum patama supeio a ea. Esta suposta supeioidade do esposo deeaa-he ‘natuamente’ poeminência na esfea púbica. Neste caso, o pincípioea opeatio ea o pode maita, o qua estabeecia a minoidade eada esposa duante o matimónio. O mesmo atibuto da supeioidade doesposo, aiado à neaão do dieito da esposa ao oto (ray, 1919), possibi-itaa que ee assumisse uma posião piieiada, especiamente na esfeapúbica. A domesticaão ea da esposa iia a se utiiada pea industiai-aão cescente como foma de pesea a desiuadade estutua dento docasa, ao mesmo tempo que fonecia ao esposo um eeado pode económico,em detimento da esposa. Juntamente com as cianas, a esposa ea simpes-mente um apêndice do maido, popositamente chamada de ‘dependente’.Com o adento do feminismo, a continuidade desta desiuadade juídica

po eacionamento sexua. A sabedoia do pincípio demiúico, que fe incopoa a ‘fe-oada’ do desejo nos sees humanos, tambm não decetou nem poamou que a uênciapeo eacionamento sexua fosse necessaiamente e, unidieciona e etenamente xadaapenas num único paceio. Ao ins disso, a nomatiaão da ‘feoada’ do desejo o queimpõe, pea ei, a obiaão de se monoâmico.

24 veja-se Papa João XXIII “ Mater et Magistra” (1977: 193) e “ Pacem in Terris” (1977: 115e 133), assim como Dowe, 1995: 86.

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e económica foi posta em causa. As muhees questionaam e ejeitaam asbases osócas25  da supeioidade mascuina e, po extensão, do maido

(McMian, 1982: 1-15). Com efeito, a cítica feminista exiiu o econheci-mento do dieito da muhe a ota e, desta foma, abiu o caminho paa apaticipaão feminina na ida púbica. Esta cítica questionou e ejeitou a

 aidade do pode económico piieiado do esposo (Iiaay, 1996: 23).Neste sentido, petinente aponta que uma das coentes do pensamentofeminista aumentaa então tão sòmente a fao da inteaão das muheesno sistema económico iente,26 enquanto uma outa coente ejeitaa aspemissas básicas desse mesmo sistema (Makoic, 1976: 152). De acodocom a seunda coente, at mesmo o esposo, e potanto a famíia, ea utii-

ada como ‘ecuso’ paa sustenta um sistema que coocaa os ucos acimado espeito pea dinidade do tabaho humano e pea dinidade da famíia. A epoduão das cianas foi intepetada como um tabaho não-emune-ado que o esposo e a esposa eaiaam paa asseua a sobeiência dosistema, ao aanti a ofeta de mão-de-oba joem e enoada. O pobemaea, potanto, sistmico, uma e que nem a aboião do doma da supeio-idade mascuina, nem a inteaão das muhees, possibiitaa a extinão daexpoaão económica,27 a estauaão do espeito e da poteão à dinidadedo tabaho humano e da famíia (Eisenstein, 1979.). O sistema económicoda ie empesa ejeitou este aumento, tendo optado pea inteaão dasmuhees. Este facto foi concetiado atas de uma eisaão anti-disci-minaão neatia baseada no sexo (Osen, 1991). A disciminaão positia,ao pomoe o poesso das muhees, camuou e ameniou a cupa moado sistema. Sob tais bases, a inteaão das muhees seiu paa efoa osistema, asseuando a continuaão da sua sobeiência.

 A intensicaão da obaiaão fe com que o casamento tempoáioente as muhees e o sistema económico de ie empesa entasse em cise.

25 Sobe este assunto eja-se Dickanson, 1976; Whitbeck, 1976; lane, 1983; e Spe-man, 1983. veja-se iuamente o capítuo de João Aiscado Nunes neste oume.

26 veja-se, po exempo, a cítica de Eisenstein (1981: 220-244).27 A iaão ente a famíia e a cidadania um aumento comum. O que paece se

incomum a pobematiaão da cidadania em eaão à questão da ibedade de moi-mento tanto de bens quanto de dinheio (capita), isando detemina se as eaões entea famíia, a cidadania e a nacionaidade são expoadoas. Apesa de concoda com essapobematiaão, não concodo necessaiamente com aumas das concusões aanadaspo an Paijs, 1992: 157-162.

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epistemologias do sul148

 As muhees descobiam que a paticipaão, tanto na ida púbica quanto naactiidade económica, esutaa com muita fequência em anhos e benefícios

despopocionais, especiamente faoáeis aos detentoes de pode econó-mico iimitado. A pópia opão peo ceibato não esutaa obiatoiamentenuma patiha equitatia dos fados e benefícios da pospeidade económicaente estas e os detentoes do pode nanceio. As muhees casadas tambmnão se encontaam em meho posião. Po um ado, eas pecebeam que, adespeito da ibedade paa execeem os seus dieitos epodutios, o cuidae a ciaão de uma ciana poaam se, nas cicunstâncias dadas, nanceia-mente desastantes. A poebia ‘seuana’ que o matimónio ea ofeeciateminou po se especiamente easia no caso da dissouão do matimónio.

 A pomessa do casamento, como meio de subsistência itaício, acaetaafequentemente, em caso de diócio, imposiões que atentaam conta aauto-estima pessoa e conta o dieito ao execício da ibedade emociona,sem eceio de censuas eais ou sociais. Po outo ado, as muhees apece-beam-se de que a caa tibutáia sobe o matimónio ea compaatiamentemais pesada do que no caso do ceibato. Assim, o casamento monoâmicodento deste sistema foi pedendo ande pate do seu atactio. A co-habita-ão, sem eaiaão matimónio, foi-se tonando uma opão iáe e pática.Com efeito, e como aumenta um númeo impotante de autoes, a pópiapostituião ou “a indústria do sexo tornaram‑se uma alternativa positiva para umnúmero crescente de mulheres” (Kesey, 1995: 292), constituindo-se assim numescudo conta a ioenta aessão do fundamentaismo económico. Mas estadefesa paece se, com fequência, uma causa pedida, face à intensicaão daobaiaão ibea, que touxe consio a cescente feminiiaão da pobea.

 Assim, ta como auns homens, as muhees econhem que, apesa do casa-mento ea se um acto ountáio, a constuão juídica do casa matimoniaconstituí uma funão do sistema económico que subodina os inteesses deunião amoosa aos impeatios, sem estiões, da óica do pode nanceio.Como esutado, a taxa de nataidade tem indo a decesceu junto da maio

pate das economias ocidentais.Seia de espea que o decínio no númeo de cianas e o coespon-

dente aumento no númeo de pessoas idosas fosse um desenoimentoencaado como bem-indo peos detentoes de pode nanceio iimitado.

 Apesa disso, aconteceu o contáio. Estes útimos não consideaam que anecessidade ineente de desempeo estutua, indispensáe ao sistemaeconómico de ie empesa, podeia se satisfeita atas da utiiaão dajuentude desempeada já existente. Em temos da óica deste sistema,

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epistemologias do sul152

apicabiidade, a obaiaão está po denião estita ao nosso paneta30,paa am da face da Tea. vista deste pisma, a obaiaão uma fasa

eiião. A pespectia uniesaista da intenacionaiaão – não obstante o

tatado da ‘lua’ – paeceia não te quaque utiidade pática foa do âmbitodo nosso paneta. Nesse sentido, a uniesaiaão está, pamaticamentefaando, imitada à meta de homoeneiaão aqui na Tea, e não no cu.

 Apesa da obaiaão, da intenacionaiaão e da uniesaiaão seemconceitos distintos, na pática todos patiham a meta comum de pocuahomoeneia o obo. A homoeneiaão impica, na meho das hipóteses,o desmanteamento metafóico das fonteias. Esta tentatia ocoeu histo-

icamente quando os naios mecantes pocuaam demoiam as fonteiasao edo do mundo, contando paa ta com a pemissão dos seus sobeanos.Estes útimos execiam um contoo decisio sobe a actiidade económicadento e foa de suas fonteias. Na sequência dos umoes discutidos nassecões anteioes, um dos efeitos da obaiaão a demoião de fontei-as. Outo efeito seia o enfaquecimento sinicatio do dieito dos podeessobeanos execeem um contoo decisio sobe a actiidade económicadento de suas pópias fonteias. A níe oba, coem umoes de que osobeano foi eduido à posião de um meo espectado impotente. vejamos,pois, este útimo umo.

6. O Enfraquecimento da SoeraniaEm si mesmo, o nosso obo não tem fonteias. As fonteias existem dentodo obo. Potanto, o tânsito ininteupto de capita, quaque que seja asua eocidade, ataessa sempe fonteias, com o objectio cao de esca-pa ao contoe de uma sobeania paticua. Sendo esta não uma sobeaniaoba, mas paticua e conceta, faso decaa que ea esteja despossuídade pode, como se de facto existisse já o atibuto da sobeania oba. Pooutas outas paaas, a amaão de que o sobeano está eduido a uma

posião de espectado impotente apenas pode se sustentada caso se apee auma sobeania oba, que caamente inexistente. Em eaão ao seundoumo, ceto que a obaiaão tem indo, em áios contextos, a enfaque-ce sinicatiamente o dieito sobeano de exece um contoe decisio

30 Estende sua esfea de apicaão paa a lua, po exempo, exiiia um temo comounaiaão.

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globalização e UBUNTU  153

sobe a actiidade económica intena. Mas o enfaquecimento deste contooseuamente não sinónimo da sua extinão. O que está cao, todaia, que,

deido à obaiaão, emeiam noas questões eatias ao sinicado dasobeania. Neste sentido, estamos numa fase de cise intepetatia no quedi espeito à noão de sobeania (Camiei e Fak, 1992: 44-45). Quanto aopimeio umo, ceio que a obaiaão um acscimo tadio no que con-cene à destuião de fonteias. Acescente-se que a obaiaão neo-ibeaapenas destói fonteias num sentido metafóico, como já efei anteio-mente. O cooniaismo, nas suas áias metamofoses, e antes da obaiaãoeconómica neo-ibea, foi muito am da destuião metafóica de fontei-as. Sustentando o dieito aos noos teitóios ecm-adquiidos a pati

do muito questionáe ‘dieito de conquista’, a cooniaão aboiu a maiopate das fonteias existentes foa da Euopa. A cooniaão, neste sentido,não apenas ameaou, mas extinuiu, de facto, a sobeania das popuaõesindíenas conquistadas. Paa mim, instituiões sociais e poíticas de outostipos, mesmo que não fossem (ou não sejam) fomaões estatais, na medidaem que exeam funões simiaes àqueas atibuídas ao Estado modeno,são iuamente sobeanas (Thompson, 1990: 317). Duante o pocesso dedescooniaão, as popuaões indíenas anteiomente conquistadas ape-nas conseuiam e estituida uma sobeania ieua ou defeituosa. E estasobeania mantm-se defeituosa, pois que a sobeania ecm-adquiida inhasobecaeada pea seidão económica ao pode coonia anteio (Makon-nen, 1983). A dependência económica na atua da tansião paa as indepen-dências estaa tão intincada no tecido poítico e na pópia sobeania, que oexecício desta útima pemaneceu cicunscito. é, potanto, cucia apontaque peo menos dois tipos de sobeania estão ameaados pea obaiaão:a sobeania supostamente intea e a sobeania defeituosa. A desteitoia-iaão e o enfaquecimento da sobeania não são caacteísticas únicas ouespeciais da obaiaão neo-ibea.

 Após a ioenta destuião das fonteias com a cooniaão, a posse

e a ameaa po pate dos pincipais podees nuceaes de utiiaem as suasamas continuam a se um facto enuíno de desteitoiaiaão. Ao ins decontibui paa o m da sobeania, esta situaão, no contexto das modenaseaões intenacionais tem esutado no induto e na amaão do Estadosobeano como um acto impescindíe na conduão dos assuntos obais.O na do Boco Sociaista, juntamente com o m da chamada guea Fia,esutaam não na contacão, mas na poifeaão de Estados sobeanos.Nestas cicunstâncias, apenas uma uea nucea tota podeia obitea a

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epistemologias do sul154

sobeania. Mas, dado que a posse destas amas está sujeita à ei auto-impostada acionaidade,31  seundo a qua eas não deem se utiiadas em ci-

cunstância auma, a possibiidade de obiteaão da sobeania estata não apenas emota e eusia, como tambm iea (Camiei e Fak, 1992: 35).é pouco poáe que a obaiaão atee essa situaão, mesmo que enhaa foja uma aiana póxima e intensa ente potências nuceaes. Enquantodua a ei da acionaidade – no que di espeito à posse de amas nucea-es –, duidoso que quaque dos andes podees nuceaes facasse empesuadi a obaiaão neo-ibea da necessidade de se submete a estaei po necessidade pópia. Ao ins de indui auma potência nucea àamadiha da iacionaidade e, dessa foma, caia no pecipício nucea da

extinão humana, mais poáe que a obaiaão capitaista obedea àei da acionaidade ta como ea apesentada po um dos andes podeesnuceaes estatais. Assim sendo, mesmo ao ono do mais deicado e motados pecusos, esta obaiaão já está cicunscita peos impeatios daacionaidade, mesmo que se ecuse a econhecê-os. A opão pea acio-naidade po pate da obaiaão pode sinica, em útima anáise, a suasubmissão ao contoe da sobeania.

7. Em Direcão a Uma Economia Gloal A obaiaão neo-ibea um pocesso, e não um facto consumado. éinapopiado, potanto, intepeta a economia intenaciona como se setatasse, de facto, de uma economia já obaiada (Hist e Thompson, 1999:2-3). Em pimeio ua, at mesmo um ceo pode e que a esmaadoamaioia da humanidade ie ao ado, e não po meio, de uma economia o-baiante. Enquanto a maio pate da humanidade, mainaiada, eaiasua existência na esfea da economia de subsistência – o que obiamentebenecia a eduida minoia que ie na esfea estita de uma economiaintenacionaiada – pobemático faa de uma economia obaiante e iusóio ama que existe uma economia obaiada. Ao mainaia este

ampo semento da humanidade, a obaiaão neo-ibea comeou a minao seu pópio pode paa demoi fonteias. Isto poque os mainaiados,sendo ítimas de excusão, questionam cada e mais actiamente que o

31  Paa uma futífea e extensa discussão sobe o aumento da ‘acionaidade daiacionaidade’, com efeências paticuaes às amas nuceaes, eja-se o ainda actuaatio de Stephen Maxwe, 1968.

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globalização e UBUNTU  155

dieito da obaiaão capitaista de os excui, que a situaão de injustiaque esuta da sua pópia mainaiaão.

 A ideologia da revolução socialista pode ter poucos adeptos, mas não se deve imagi‑nar que os pobres do mundo permanecerão intimidados ou que aceitarão passivamente sua

 pobreza [...]. Um mundo de riqueza e pobreza, com diferenças assustadoras e crescentes entreos padrões de vida entre as nações mais ricas e as mais pobres dicilmente será um lugar

 seguro ou estável  (Hist e Thompson, 1999: 182)32.

 A minha seunda obseaão di espeito à expeiência e ao conceito desobeania. Uma históia ona e compexa subja a esta expeiência e a este

conceito.33

 Todaia, ampamente econhecido que o Tatado de Westfaia,assinado em 1648, maca o nascimento do Estado-naão sobeano. A máximaubi regio, eius religio, que ecoaia mais de cem anos depois a máxima uti posse‑detis, ita possedeatis a quando da independência dos países atino-ameicanos,pode se tomada como denião da estutua de pensamento da sobeania.Esta estutua de pensamento eaciona-se com a decaaão do dieito aestabeece fonteias e, subsequentemente, com o dieito de exece autoi-dade e contoe excusio sobe a áea especíca deimitada peas fonteias.O aciocínio cicunscito, potanto, está na essência da expeiência e do con-ceito de sobeania. é minha opinião que esta estutua de pensamento funda-menta, eacionada com o sentido de sobeania, não se modicou nos nossosdias, a despeito de seu enfaquecimento e dos desaos enfentados po áiosEstados sobeanos. Am disso, uma e que uma componente indispensáede um Estado são as pessoas – chamem-na de naão, se pefeiem – ca caoque, quando compaada à fáci mobiidade do capita, a maioia das pessoaspemanece imitada a um dado teitóio peas fonteias. Os empeadossão bem menos móeis do que o capita que os contoa (Hist e Thompson,1999: 181). Estes empeados são obiados a constuí as uas idas dentodos imites do teitóio em que se encontam. Isto sinica tambm que as

petensões obais da obaiaão têm impacto sobe ees a níe teitoiaoca, sendo a eaão noma a pocua de souões iniciamente em ta níe.Ees ião, potanto, inteai com o seu Estado. A obaiaão enquanto

32 Não admia pois os acontecimentos que temos indo a obsea no mundo, espe-ciamente a eaiaão dos Fóuns Sociais Mundiais.

33  Sobe este tema eja-se Uman, 1955, 1963, 1969 e 1975, assim como Wiks,1964.

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‘Estado sem fonteias’ de uma foma inacessíe e intaníe, não pemi-tindo o ea diáoo nem a inteaão. O ecuso das pessoas ao Estado-naão

sinica, uma e mais, que o m da sobeania estata impoáe (geen,1997: 165). Uma das consequências desta eicaão que a obaiaãoneo-ibea iá necessaiamente atea dento das fonteias do Estadosobeano, mais cedo ou mais tade, deendo po isso submete-se à dete-minaão do Estado paa oena não apenas a sua popuaão, mas tambmos popios aentes desta obaiaão. Desse modo, chea-se à questão daoenaão da obaiaão. A tese que defendo que a chamada ‘economiaoba’ continuaá a se uma miaem se pemiti que a obaiaão econó-mica se tansfome num Pometeu sem imites, ie das deas da oena-

ão. Paa intodui e saienta a impotância desta questão, intoduo aquiuma base osóca paa o discuso dos dieitos humanos, paa depois focao sinicado do mecado no sistema económico de ie empesa e das suasimpicaões sobe e paa o dieito humano à ida.

8. A Filosoa dos Direitos HumanosNesta secão poponho-me a estabeece as bases, assim como o contextodento do qua a obaiaão neo-ibea seá apeciada e aaiada. O meuobjetio tambm estabeece um supote cao à expeiência e ao conceitode dieito à ida,34 dado que este dieito, em paticua, o pimeio a secoocado em questão pea obaiaão capitaista.

Todas as teoias dos dieitos humanos encaam o se humano – humani-dade – como o seu ponto de patida. A pati daqui aanam atibuindo aoou deteminando a impotância do facto de se se humano. é pecisamenteneste níe de apeciaão que emeem as disputas em tono do sinicadodos dieitos humanos. De facto, a oientaão aoatia à humanidadeque está na base das teoias concoentes sobe os dieitos humanos. O quedesejo essata pom, sem enta na questão osocamente eeante do‘se/dee se’, que posiões axioóicas que sustentem uma deteminada

 isão do que a eaidade conceta dee se na esfea das eaões humanas são,na sua essência, decisões sobe o ao a se confeido à humanidade (Macdo-

34 Paa esponde a esta questão, ‘o dieito à ida’ usado não noq ue concene aaumentos conta o aboto ou a pena capita. Ao ins disso, pocuo subinha o enten-dimento deste dieito como um atibuto ao qua nenhum se humano paticua pecisa depemissão pia de outo se humano paa sua amaão e execício. Paa uma discussãoestendida e escaecedoa sobe esta posião, eja-se ramchaan, 1983: 297-329.

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nad, 1984: 34-35). Neste sentido, os dieitos humanos são decisões axioó-icas assetias. As eaões humanas constituem o contexto mais ampo e o

pincipa enfoque dos dieitos humanos. A despeito de suas difeenas empespectia e em ênfase, todas as teoias dos dieitos humanos compatihamuma caacteística fundamenta, a sabe, o facto de um-se-humano-iomeece econhecimento da pate de todos os outos sees humanos. Amdisso, este econhecimento dee se entendido como sinicando tantoespeito paa, quanto potecão peo facto de se tata de um-se-humano-

 io. Neste sentido, todas as teoias dos dieitos humanos estão, em útimainstância, peocupadas com um dieito humano fundamenta básico, nome-adamente, o dieito à ida. No seu aspecto mateia, bem como na sua faceta

existencia, este dieito enoe a ibedade ou a autonomia do se humanoindiidua em esfoa-se constantemente pea defesa e poteão de sua ida. A actiidade da ibedade humana neste esfoo equiae ao tabaho comoum postuado teeoóico, ou seja: uma actiidade humana intenciona oien-tada em pimeio ua, em dieão à peseaão da ida indiidua. Istodee se entendido como autopoiesis num sentido ampo, e, num sentidomais especico, como o dieito humano ao tabaho. De acodo com estaposião, po dieito à ida entendo um quateto fundamenta, indiisíe eintea de dieitos: os dieitos à ida, à ibedade, ao tabaho e à popie-dade (posse). Deido ao seu caácte indiisíe, estes dieitos constituemuma totaidade. Po esta aão, dee-se pefei uma abodaem hoística aosdieitos humanos.

O meu entendimento sobe o dieito humano à ida, ta como foi de-nido acima, de que na esfea poítica, um dieito constitui um pincípio demoaidade e de justia, econhecendo-se que cada um e todos os indiíduospodem-se enaja em actiidades paa adquii e possui o necessáio paasua ida, impondo imitaões aos outos em busca de ta actiidade (Wa-don, 1988: 103). A pimeia e fundamenta manifestaão eoísta que cadaindiíduo pode fae conta a comunidade, sem quaque constanimento

moa, a decaaão do dieito à aimentaão (Donney, 1985: 13). Tata--se de um dieito fundamenta que dá sinicado e conteúdo ao dieito à

 ida. O discuso sobe o dieito à ida pessupõe sempe e está intimamenteeacionado com o dieito à aimentaão. Na esfea das eaões humanas, aimposião de estiões sobe outos na sua busca po adquii e possui onecessáio paa pemanece io dee satisfae dois citios: em pimeioua, dee esta de acodo com a pecepão da comunidade ou da sociedadedo que consideado bom, ou seja, dee-se confoma com a moaidade

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socia; em seundo ua, dee satisfae as exiências da justia natua emea e, em paticua, da justia distibutia.35 As exiências da justia disti-

butia deem se satisfeitas com base no entendimento de que ta conceitopessupõe: (1) que os sees humanos têm ao iua no tocante à sua humani-dade. No seu sentido mais fundamenta, nenhum se humano sinua possuium dieito à ida supeio ou excusio em eaão a outos sees humanos.Nenhum se humano sinua dispõe de um atibuto que he conceda pio-idade, supeioidade ou excusiidade ao dieito inaienáe à subsistência.Consequentemente, todos os sees humanos meecem iua inteesse, apesade ecebeem econhecimento desiua (Chattopadhyaya, 1980: 177). (2)

 A justia distibutia pessupõe iuamente a eatia escasse de ecusos

mateiais a seem adquiidos e possuídos paa a eaiaão do dieito humanoà ida. Tata-se de uma questão contoesa dependendo, em condiõesobjectias, se a escasse fo aticia ou ea. Deido à escasse, eas dedistibuião deem se fomuadas e cumpidas, isando satisfae cada umae todas as eiindicaões indiiduais ao dieito à ida. Sem ta euamenta-ão, o mais podeoso ou astuto ente os indiíduos seá capa de satisfae asdemandas de seu dieito à ida, mas sempe em detimento dos mais facos.

 A justia distibutia eque, potanto, eas de distibuião dos ecusosnecessáios à manutenão da ida, pois a ida de cada indiíduo tem sempeiua ao a quaque outa ida humana. Com base neste entendimento, odieito à ida anteio ao estabeecimento de uma comunidade ou socie-dade. A questão dos dieitos e da justia emee com o estabeecimento dasociedade. A sociedade passa a existi como esutado (1) do tabaho comopostuado teeoóico (lukacs, 1980: 22-23), e (2) do consentimento de seusmembos em execeem o seu dieito à ida de acodo com eas especícas.O estabeecimento de uma sociedade não anua nem cia o dieito à ida, quehe anteio. Ao ins disso, a sociedade econhece ta dieito e pocede nosentido de desenoe mecanismos paa a poteão e o contoe do dieitoà ida. Neste sentido, o dieito à ida único (Donney,1985: 3). O consen-

timento ountáio dos membos de uma dada comunidada a teem o seudieito à ida (subsistência) execido de acodo com eas especícas estána essência da teoia contatuaista do Estado (Neumann, 1986: 7-8). Consi-deado esta posião em eaão ao tabaho como um postuado teeoóico,a substância da teoia contatuaista do Estado , em pimeio ua, o dieito

35 Sobe este tema eja-se resche, 1966 e Aoa, 1987.

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humano à ida. A eaiaão deste dieito sinica o acesso desimpedido àaimentaão, mesmo que ta acesso possa esta sujeito a eas especícas.

Seia inconcebíe que, ao tonaem-se membos de uma sociedade, os seeshumanos espontaneamente inessassem num contato que efutasse e anu-asse seu dieito à ida, no sentido em que neassem a si pópios a esponsa-biidade natua de adquii e possui o necessáio paa pemaneceem ios.Não há dúida, potanto, que:

Toda a vida humana envolve o uso de recursos materiais e algumas das mais profun‑das discordâncias entre os seres humanos e as civilizações humanas estão relacionadas comos princípios básicos sobre os quais tal utilização deve estar e ser organizada. A alocação de

recursos naturais, [...] é uma preocupação primordial e universal das sociedades humanas  (Wadon, 1988: 34).

 visto desta pespectia, o objectio do Estado cia e saauada ascondiões necessáias paa o execício pacíco do dieito humano à ida. OEstado não de maneia nenhuma o oeno. Todaia, o oeno, aindo emnome do Estado, não pode eitimamente imita-se à manutenão da ei eda odem, insistindo na iuadade foma peante a ei, desconsideando, aoono do pocesso, o dieito humano à ida.

O dieito à aimentaão um dieito humano fundamenta.36 Todos osoutos dieitos humanos fundamentais ‘tadicionais’ e todas as outas ibe-dades básicas aitam em tono do dieito à aimentaão, deiando deste asua eeância. Um atendência, bastante comum, pocua cassica e hiea-quia os dieitos humanos em temos de pimeia, seunda, teceia e atquata eaão. O dieito inaienáe à subsistência tido como petencente àseunda eaão de dieitos. A eneaoia putatia dos dieitos coesponde,em aa medida, às fases especícas de constitucionaiaão e industiaia-ão do Ocidente. Há, potanto, uma iaão ente, po exempo, o estado daeconomia em um dado momento e o nascimento de dieitos especícos. Os

dieitos são assim encaados como ciatuas ou podutos da economia. Seáesta pespectia sustentáe? Tata-se de um entendimento questionáe dosdieitos que o Ocidente paece decidido a impo aos outos em nome dademocatiaão, da uniesaiaão dos dieitos humanos e da obaiaão.Mas a expeiência e a históia paticuaes do Ocidente não podem se um

36 veja-se Eide et al., 1984.

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substituto eítimo ou sobeano da históia do mundo inteio. Subjacente aesta tendência está, po um ado, a pática de absoutia cetos aoes e, po

outo, uma concepão domática e uniinea da históia humana. Am disso,a famentaão do se humano num pastiche de dieitos pode se intees-sante paa uma pespectia osóca ocidenta. Contudo, o conceito de diei-tos humanos baseado na famentaão , do ponto de ista osóco, fái.Este conceito distancia-se abitaiamente do facto de que, em quaquemomento no tempo, o se humano se uma totaidade, e não um conjunto defamentos pontos a seem eunidos numa única teoia dos dieitos, como equando o sistema económico de ie empesa o detemina.

O quateto de dieitos humanos foma a base da estutua ontoó-

ica do se-humano-io. A pati deste ânuo ontoóico, estes dieitoscompementam-se uns aos outos e coexistem simutaneamente em qua-que conceito do dieito à subsistência. O Estado não pode cia, e não ciamesmo, este quateto paticua de dieitos. De facto, o Estado não estaapesente no momento do nascimento deste quateto de dieitos: ee não osciou nem inentou. “[O]  ser humano é mais antigo do que o Estado, e ele goza dodireito de garantir a vida de seu corpo antes da formação de qualquer Estado”.37 Assimsendo, o dieito à ida não-deoáe. Mesmo no contexto especíco de umdeteminado Estado, este dieito não dee se infinido. O Estado assumeassim a funão de econhece o quateto de dieitos. O econhecimento detais dieitos a única opão poítica que o Estado possui. Com efeito, umEstado pode se dissoido ou destuído como esutado do seu facasso emassumi o pape efectio de defenso ou faciitado deste quateto fundamen-ta de dieitos.

 Dado que o arranjo doméstico é anterior tanto à ideia quanto à realização da con‑ gregação de homens numa nação, este deve, em primeiro lugar, ter necessariamente direitos

e deveres que são prévios aos da última, e que assentam, de maneira mais imediata, sobre anatureza. Se os cidadãos de um Estado – quer dizer, as famílias –, ao entrarem em associação

e amizade, experimentarem às mãos do Estado, obstáculos ao invés de auxílio, e descobriremque os seus direitos estão a ser atacados ao invés de protegidos, estas associações deevriam sermais repudiadas do que desejadas.38

37 veja-se a Encícica do Papa leão XIII “ Rerum Novarum” (2004: 6, 16).38 Encícica do Papa leão XIII “ Rerum Novarum” (2004: 10); eja-se tambm, sobe

este assunto, encícicas já efeidas do Papa João XXIII (1992).

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9. O Mercado e o Direito à VidaDee ca cao desde o pincípio que esta secão em paticua não uma

inestiaão sobe economia. Tata-se antes de uma eexão osóca sobe aeaidade económica de nosso tempo. O mecado e, po extensão, o dinheio,no contexto do sistema económico capitaista, constitui o ponto de anáisedesta secão. Ao considea o tema do mecado e do dieito humano inaie-náe à subsistência, defendo a tese de que o sistema de ie empesa – tendoo mecado como coeato indispensáe –, po esta intinsecamente iadoà poduão de uco, no momento actua ja debiitou as suas pópias funda-ões. De facto, a aão da sua existência não eside mais na inioabiidadedo dieito humano inaienáe à subsistência, nas na ascensão do dinheio

à sobeania absouta (De Benoist, 1996). Possui andes quantidades dedinheio passou a se o noo fundamento do Estado. A sobeania popua,na foma da supemacia paamenta ou constituciona, na pática foi substi-tuída pea sobeania económica. De acodo com esta óica, que continua aopea em muitas pates da chamada ‘adeia oba’,

 A responsabilidade pelo bem‑estar social foi individualizada, privatizada, neutrali‑ zada. A riqueza foi aliviada do fardo da responsabilidade social e do comportamento ético

humano através da imposição de novas adversidades sobre aqueles que menos possuíam  [...]. Não havia espaço para colocar o altruísmo à frente do interesse próprio, a compaixãoà frente da eciência ou o compromisso mútuo e a identidade coletiva à frente do benefícioindividual. Nem havia qualquer dúvida sobre a superioridade intrínseca do mercado  (Ke-sey, 1995: 294 e 335).

é necessáio compeende, pom, que a poduão de uco não nemboa nem má em si mesma. é a maneia, a medida e o objectio paa o quaesta poduão buscada e eaiada que deeão esta sujeitos ao juamentomoa, sobe o bem e sobe o ma. A poduão de ucos tona-se paticua-mente imoa se e quando esta deibeadamente desenoida paa potee

e sustenta a desiuadade estutua atas da desumaniaão dos seeshumanos. Neste caso, a constuão e sustentaão deibeada da desiuadadedesumaniante constitui a base e o pincípio em funcionamento (Papa leão

 XIII “ Rerum Novarum”, 2004: 19). é impotante nota a tansmutaão subtique aqui ocoe. De acodo com esta tansmutaão, o dieito humano à sub-sistência não nem fundamenta, nem anteio à constituião do Estado. Oestatuto deste dieito tansfeido paa o dinheio, assumindo este útimoo caácte de uma substância. O ao está incuado ao dinheio, e dee

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se isto como a substância com maio ao ente todas as outas, ponta ase usada como paâmeto atas do qua deteminado e medido o ao

da totaidade das outas substâncias. Assim, o pópio ao do se humanopassa a se deteminado peo dinheio. Ao mesmo tempo, o dinheio cumpea dupa funão de se, po um ado, a medida de ao dos bens e seios e,po outo, a foma de toca (Wickse, 1935: 6-8). Neste sentido, o dinheio, no mundo actua, substância e funão.39 é pecisamente a pati desta suanatuea dua que o dinheio passa a se a medida de todas as coisas: da idaque ainda existe e que pode moe, e da ida que ainda iá a se e que nãodee nunca nasce. O mecado o oca especíco onde este pincípio demedião opea:

Os mercados, no sentido mais literal e imediato, são lugares onde as coisas sãocompradas e vendidas. No sistema moderno industrial, todavia, o mercado não é um local;o mercado foi expandido para passar a incluir toda área geográca onde os vendedorescompetem entre si por clientes [...]. Em geral, a função do mercado é colectar produtos devárias fontes e direcioná‑los através de canais dispersos  [...]. Há dois tipos principais demercados onde as forças da oferta e da demanda operam de modo bastante diferente, emboranalguns casos aconteçam sobreposições e casos‑limite. No primeiro tipo, o produtor ofereceos seus bens e aceita qualquer preço que seja determinado; no segundo, o produtor estabeleceo seu preço e vende a quantidade que o mercado quer  [...]. O conceito de mercado, tal comodenido anterormente, relaciona‑se predominantemente com mercadorias mais ou menos

 padronizadas, como a lã, o trigo, os sapatos ou os automóveis. A palavra também é utilizada para tratar, por exemplo, do mercado imobiliário ou do mercado artístico; e há o ‘mercado

de trabalho’, apesar de que um contrato para trabalhar em troca de certo salário não sejaexatamente a mesma coisa que a venda de um pacote de bens. Há uma idéia partilhada portodas estas utilizações diversicadas: nomeadamente, a inuência mútua entre a oferta e a

 procura (New Encyclopaedia Britannica, o. II: 511).

O mecado, de acodo com esta efeência, pode ainda se descito num

sentido espacia, ou seja, como ou oca ou áea eoáca onde uma dadaactiidade económica se eaia. Todaia que o mecado não pode mais seentendido unicamente num sentido espacia. Ee dee se encaado como

39 veja-se, a títuo de inteesse, a oba de Simme (1990: 131-203), que ajuda a dete-mina as simiaidades e difeenas do nosso entendimento do dinheio como substânciae funão.

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um ecuso no sentido dua, incuindo bens natuais e ‘ecusos humanos’. Ambos paticipam, ainda que com difeenas em eaão à dinidade e ao

espeito concedidos a cada um dees, na actiidade económica de compa e enda, de acodo com as eas de ofeta e da pocua. Ta paticipaão pes-supõe o pincípio de intecâmbio que, em nos tempos actuais, está baseadoem e faciitado peo dinheio. No contexto do sistema de ie empesa,ainhado à poduão de uco, o dinheio, enquanto substância de maio

 ao em temos económicos, está ocaiado ente a peseaão e a destui-ão da ida humana. De facto, o dinheio está iuamente eacionado com aexistência de outos oanismos ios. A ei do dinheio estende-se a todos osespaos da ida humana. A sobeania do dinheio a eaidade da economia

dominante de nossa poca.O empeo e o desempeo são conceitos anaíticos cuciais paa seentende o funcionamento do sistema de ie empesa. A economia de se-

 ios contempoânea está dominada peo capita nanceio.

O valor do ser humano esta baseado primordialmente em suas característicasenquanto  prouor , tanto para si próprio, quanto em termos económicos e sociais mais

 gerais (giaini e Stahe, 1993: 4).

Como ‘poduto’, o se humano tem o potencia paa fonece umseio paticua. Ta potencia tona-se ea e conceto se e quanto o me-cado de tabaho compa ta seio. Compa o seio sinica xa umpeo especíco po este, que então aceite peo endedo. O efeito desteintecâmbio ente compado e endedo que o se humano, enquanto‘poduto’, tona-se aoa um empeado. O mecado de tabaho compa‘podutoes’ humanos somente quando, e como, necessita. Com base nisto,os sees humanos podem se encaados como um ‘ecuso’ paa o mecado detabaho, uma e que este pode dispo de sua ajuda ou apoio (seio) coma intenão de atini objectio pópio (Kesey, 1995: 259). O mecado de

tabaho não pode absoe, e de facto não absoe, todo o tabaho empe-áe disponíe num dado momento. Assim o desempeo, a despeito dosesfoos continuados paa edui-o paa níeis consideados ‘aceitáeis’, uma necessidade estutua paa a sobeiência do mecado no sistema deie empesa. visando conte e contoa as consequências potenciamentepetubadoas do desempeo na esfea socia, “uma tese universalmente aceitadefende que as políticas públicas económicas e sociais devem andar de mãos dadas”(Aueytne, 1998: 25). A aidade desta tese eside no facto de ea aceita,

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epistemologias do sul166

actividade através de alguns meios de maneira que uma gama de resultados desejados seja obtida” (1999: 184). Este autoes econhecem, no mesmo paáafo da

mesma páina, que a oenaão tanto sociamente fundamentada quantooientada em diecão a um dado objectio; tata-se, no fundo, de “arranjos eestratégias institucionais” paa asseua “um nível mínimo de governação económicainternacional, pelo menos em benefício das principais nações industriais desenvolvi‑das”. loo, a questão não a oenabiidade ‘em si’, mas a oenaão embenefício dos que já são icos. Este , cetamente, um pobema de justiafundamenta, a despeito do desejo dos autoes em postua o contáio. Emseundo ua, os autoes deseitimam, e at contadiem, a sua pópia tesecom a petinente obseaão de que

 A ideologia da revolução socialista pode ter poucos adeptos, mas não se deve imagi‑nar que os pobres do mundo permanecerão intimidados ou que aceitarão passivamente sua

 pobreza [...]. Um mundo de riqueza e pobreza, com diferenças assustadoras e crescentes entreos padrões de vida entre as nações mais ricas e as mais pobres dicilmente será um lugar

 seguro ou estável  (Hist e Thompson, 1999: 189).

Paa mim, Hist e Thompson não desejam quaque injustia em nomeda oenaão ‘em si’. Mas se insistem e pesistem em defende a aidade desua tese, então cheou o momento de suei a osoa ubuntu dos dieitoshumanos, que discoda adicamente desta tese e das impicaões que eaacaeta em temos de justia socia.

11. A Metafísica da Competião‘Competião’, ‘competitiidade’ são o doma da obaiaão económicacapitaista. De acodo com este doma mesmo o dieito humano à ida – adinidade humana – dee se subodinado e eduido ao impuso totaia-do de podui ucos iimitados. A ucatiidade tona-se então iacionae não-tica, pecisamente poque pede sua disposião como meio paa

ns acionais e ticos. A óica e o dinamismo da obaiaão económicacontempoânea , de facto, contáia ao sinicado oiina de competião.Etimooicamente, competião sinica a busca comum de uma meta com-patihada (Anspee, 1996): sinica – cum petere – “ procurar em conjunto amelhor solução para um dado problema, em dado lugar e em um dado momento. Elatambém denota que o melhor não é sinónimo de único” (goup of lisbon, 1995: 90).

 visto a pati da pespectia do sinicado oiina de competião, o domada obaiaão neo-ibea da economia contempoânea está oientado

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paa a excusão do ‘outo’, neste caso, em especia do outo se humano. Taoientaão em dieão à excusão do outo , de maneia fundamenta e pá-

tica, uma neaão da exteioidade. Nea a exteioidade do outo , onto-oicamente, equiaente a nea a sua existência: iua a matá-os. Sobeta aciocínio, a óica do doma competitio contempoâneo baseia-se napemissa metafísica de que ‘ós deeis mata outo se humano paa sobei-

 e’. O pobema com esta pemissa metafísica que ea aceita um entendi-mento imitado de sobeiência. A estião eside no facto dea sustenta atese de que a sobeiência indiidua está em pimeio ua. Tudo o esto,incuindo mata um outo se humano, pemitido, desde que seja feito emnome da sobeiência indiidua. O pobema aqui o seuinte.

O impeatio da sobeiência indiidua não sinica nada, a menosque ee aceite uma pemissa anteio, qua seja, que quaque um que busquesua pópia sobeiência dee, em pimeio ua, existi. A aceitaão destapemissa incompeta se não se econhece que quaque um que exista o sem a possibiidade ou o dieito de concede concodância pia à sua exis-tência. Po outas paaas, a existência continente. Pensada de maneiaestutua, a continência da existência impõe ao se humano – e a tudo o queexiste – a obiaão de pia-se de mata quaque um, dado que ninumdetm o dieito anteio, supeio ou excusio, a existi. Ninum detentode um de popiedade anteio, excusio ou supeio à ida. loo, desde umapespectia metafísica, a obiaão de pia-se de mata o ‘outo’ esutanuma situaão de impasse existencia: tata-se de uma situaão na quaas eaões não se podem tona dinâmicas, dado que deem pemaneceestanadas. Na esfea das eaões humanas, a tansião da estanaão paao dinamismo impõe a obiaão de justica a mote de outo se humano.

 Ao mesmo tempo, pemite a mote de entidades não-humanas na busca peasobeiência indiidua ou coectia. Mas esta pemissão está condicionadapeo espeito e pea poteão destas entidades, em pimeio ua, paa seupópio bem e, a seui, paa pesea o seu uso paa a posteidade. Este

útimo postuado sinica que a sobeiência, popiamente pensada,impica antes de tudo a sobeiência da ida na sua totaidade. A sobeiên-cia indiidua, em útima instância, está em funão da sobeiência da idacomo uma totaidade. Se assim não fosse, então o patiotismo, a existênciade sodados ou de máties seia iaciona e ininteiíe. Tais exempos sãoacionais e compeensíeis pecisamente poque estão assentes no de que,se e quando fo necessáio, uma pessoa dee abi mão de sua pópia idaem nome da ida. A intepetaão imitada da sobeiência contadi esta

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pemissa. é pecisamente esta contadião que see de base ao doma dacompetião.

 A obaiaão económica capitaista contempoânea tadu paa apática a questionáe metafísica do ‘ós deeis mata em busca da sobei-

 ência indiidua’. é uma metafísica que pocua modica a condião deestanaão sem eacionamento paa uma de eacionamentos dinâmicos,constuída sobe um fundamento tico fái. Po outas paaas, ea auto-ia eaões intesubjetias, baseadas no entendimento que a sobeiênciaindiidua decisia, mesmo que sinique dispensa a necessidade de justi-ca a destuião de outo se humano. Esta metafísica contadi a tese ticade que “há, ou deveria haver, para que a própria noção de relacionamento possa ser

 sustentada, uma unicidade em cada pessoa que não pode ser apagada por nenhum modode pensamento sistemático ou totalizador ” (Anspee, 1996: 12). Ao sustenta tacontadião, o doma da competião temina po se, na pática, um acto deassassinato. O assassinato tanto itea quando metafóico.

 Em sentido metafórico, as empresas podem ‘matar‑se’ umas às outras no mercado;os clientes podem ‘matar’ uma empresa ao alterar a sua aquisição a favor de outra empresa;e as pessoas podem ‘matar‑se’ umas às outras na competição por empregos ou posições. Num

 sentido muito mais literal, uma empresa pode matar uma pessoa se esta empresa se decideralojar‑se e mover‑se de um país para outro quase que da noite para o dia, deixando todos os

 seus antigos empregados com a escolha de carem ou sem emprego ou de abandonarem o seuestilo de vida presente, ao serem obrigados a mudar‑se (Anspee, 1996: 13).

Enquanto metafísica do assassinato, o doma da competião socia emoamente pobemático.

 A despeito de sua popularidade, a competitividade está longe de ser uma respostaefectiva aos problemas actuais e às oportunidades dos novos mundo e sociedade globais. Acompetição excessiva é, inclusivé, fonte de consequências adversas. O resultado mais evidente

da ideologia competitiva é que ela gera uma distorção estrutural no funcionamento da própria economia, sem mencionar os seus devastadores efeitos sociais. Aumentar o número

de desempregados não é uma maneira de fazer enriquecer um país. Nem empobrecer osempregados, através da redução dos salários e dos benefícios, pode ser visto como uma formaaceitável para o aumento da produtividade (goup of lisbon, 1995: 97).

 A metafísica da osoa ubuntu discoda, no essencia, do doma con-tempoâneo da competião. Isto poque, na esfea das eaões económicas,

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ea está baseada na tica seundo a qua feta kgomo o tshware motho. votemosaoa a esta discussão.

12. A Filosoa Ubunu dos Direitos Humanos Botho, hunhu, ubuntu  o conceito centa da oaniaão socia e poítica da

osoa aficana, paticuamente ente as popuaões faantes das ínuasBantu. Ee consiste no pincípio de compatihamento de cuidado mútuo.é essencia compeende que na maioia das ínuas aficanas ubuntu  umeundio, um nome eba denotando, simutaneamente, um estado pa-ticua do se e um tona-se. Ubuntu indica, potanto, uma acão paticuajá eaiada, uma aão ou estado duadouo do se e uma possibiidade paa

outa aão ou estado do se. Mesmo sem a epetião de uma aão especícano futuo, a ideia básica denotada peo ubuntu  a da antecipaão do se,tendo a possibiidade de assumi um caácte especíco e conceto numdado ponto do tempo. Deido à suspensão do sendo, nenhuma especi-cidade única tem pemanência aantida. Assim, inadequado e de cetafoma mesmo enanado tadui botho paa  hunhuidmo  ou ubuntismo.41  Osuxo -ismo dá a impessão eada que estamos a ida com xaões a idiase páticas absoutas ou imutáeis. Oa isto abe espao paa o domatismo.Este tipo de entendimento do ubuntu  contáio à idia centa de que,poque o moimento o pincípio do se, as foas da ida estão aqui paaseem tocadas atas e ente os sees humanos. O pocesso de intecâmbiopeptuo, o moimento incessante de uxos inisíeis (giaue, 1965: 137),só fa sentido se econhecemos que as foas da ida não petencem a nin-um. Em seundo ua, deemos econhece tambm que as foas da idase manifestam atas de uma aiedade innita de conteúdos e fomas. Combase neste aciocínio, suio que mais coeto faa em humani -dade aficanado que em humanismo aficano.42 

Pocuaei discuti aqui duas teses encontadas na maioia das ínuasaficanas natias. A pimeia, Motho ke motho ka batho e a seunda, Feta kgomo

o tshware motho. Uma taduão itea destes dois afoismos osócos afi-canos em ínua sepedi (Sotho do Note) não seá aqui usada, uma e queea dicimente seia suciente paa tanspota de foma adequada o sini-

41 Sobe este debate eja-se Samkane e Samkane, 1980: 34-40.42 Paa uma outa dimensão desta discussão, ejam-se os atios de Pauin Houn-

tondji e de Dismas A. Masoo neste oume.

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cado exacto da ínua oiina. Pocuaei, potanto, estabeece apenas osinicado essencia. O pimeio afoismo ama que se humano ama a

humanidade pópia atas do econhecimento da humanidade dos outose, sobe ta embasamento, estabeece eaões humanas espeitosas paacom ees. Consequentemente, o ubuntu constitui o sinicado essencia doafoismo: Motho ke motho ka batho  (zobo, 1979: 93-94). O afoismo sus-tentado po dois pincípios osócos conceptuamente inte-eacionados.Um que o se humano indiidua o sujeito – e não um objecto – de aointínseco em si mesmo. Se assim não fosse, não teia sentido basea a a-maão da humanidade de uma pessoa sobe o econhecimento da mesma noouto. Aponta que depecia e desespeita o outo se humano , antes de

mais nada depecia-se e desespeita-se a si pópio, só aquie sinicadose a pessoa aceita que ea mesma um sujeito meecedo de dinidade eespeito. Pecisamente a exiência que aum cooca sobe si mesmo deeáse aquea a se concedida ao outo. loo, o conceito de dinidade humananão de foma auma estanho à osoa tadiciona aficana. E assim nadapodeia sei meho como base paa uma osoa indíena dos dieitoshumanos. Outo pincípio, eacionado de maneia póxima ao pimeio, que motho  humano somente e edadeiamente no contexto das eaõeseais com outos sees humanos. Isto não dee se pensado como sini-cando que as eaões com a, assim chamada, natuea física ou com o meioambiente em ea não são eeantes. Nem que die que o upo pi-modia, e potanto supeio, ao indiíduo. O ponto cucia aqui que motho nunca uma entidade acabada, no sentido que o contexto eaciona eea eocuta as potenciaidades do indiíduo. As potenciaidades ocutas são eea-das sempe que sejam eaiadas na esfea pática das eaões humanas. Foadesta esfea, motho  um fóssi coneado. Na inha deste aumento, a oso-a aficana indíena dos dieitos humanos aana a pati da dinidade ( seriti ,em Sepedi) do se humano e da neaão do absoutismo e do domatismo.

O seundo afoismo – Feta kgomo o tshware motho  – sinica que se e

quando uma pessoa enfenta uma escoha decisia ente a iquea e a pe-seaão da ida de outo se humano, ea dee opta pea peseaão da

 ida. Neste sentido concoda com os pobios gikuyu43 – Kiunuhu gitrua‑ gwo – (a aaea não aimenta), e – Utaana muingi uninagira murokeruo ng’ombe 

43  NT : línua faada no Qunia.

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– (eneosidade a mais esaia as acas que já foam isitadas pea manhã). 44 Isto sinica que o cuidado mútuo e o patiha ente ambos pecede a pe-

ocupaão com a acumuaão e com a poteão de iqueas. De acodo comesta osoa, o se humano indiidua dee se encaado não apenas comoum poedo de aoes, mas como ao básico e pincipa de ente todos os

 aoes. Uma oaniaão socia e poítica baseada em pincípios contáios aeste pincípio básico contm em si mesma fontes de instabiidade, conitose ueas. O desejo e a oientaão de possui e consumi mais em detimentodos outos conida à esistência que pode, em útima instância, ea à uea.Em sociedades nas quais a eneaão ao Dóa comanda a deoão, tanto deicos como de pobes, e numa ea de fundamentaismo económico em que

sobeania do dinheio substituiu o se humano como ao fundamenta,o impeatio paa a peseaão da ida coe um peio cao e imediato.Este o caminho da obaiaão neo-ibea contempoânea, que empuaande pate da humanidade paa sua amadiha de pobea estutua. Opincípio da soidaiedade, juntamente como os pincípios do patiha e decuidado mútuo, têm todos sido ao de ataque pea obaiaão capitaista.Nestas cicunstâncias, o discuso dos dieitos humanos, em especia o dieitoà ida, dicimente pode se cedíe ou anha maio eitimidade. A oso-a ocidenta dos dieitos humanos tambm pate do pincípio de que o sehumano indiidua o pincipa citio de ao. A difeena eside na ênfaseconceitua. A osoa ocidenta dos dieitos humanos enfatia a idia do sehumano como uma entidade famentada sobe a qua os dieitos são ae-ados de maneia continencia, enquanto que a concepão aficana subinhaa idia do se humano como uma totaidade, tendo seus dieitos asseuadoscomo ta. As impicaões páticas destas ênfases difeenciadas tomam-seeidentes com a obaiaão capitaista actua, cujos efeitos neatios con-tadiem a máxima, Feta kgmo o tshware motho. Concuo amando que, onede se uma nostaia po uma tadião obsoeta, a eocaão da osoa ubuntu dos dieitos humanos um desao eítimo à óica mota da busca do uco

em detimento da peseaão da ida humana.

44 veja-se Wanjohi, 1997: 164-165.

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CAPTUlO 5

CORPOS DE VIOLNCIA, LINGUAGENS DE RESISTNCIA: AS CO MPLExAS TEIAS DE CONHECIMENTOSNO MOçAMbIQUE CONTEMPORNEO1

 Maria Paula G. Meneses

Em Moambique, ao ono dos útimos quine anos, as acusaões e suspeitasde páticas de feitiaia têm conhecido uma enoada impotância.   Com

a emeência do modeno sistema coonia, a feitiaia tansfomou-se nosímboo do mundo seaem, numa pática a se aboida com a intoduão deuma acionaidade modena.2 Consequentemente, o ‘poquê’ da pesistênciade tais páticas não tem sido expoado. Todaia, no início do scuo XXI, aeiião e a maia pemanecem como uma das mais podeosas etóicas dacutua poítica em Áfica.3

 A dimensão máica da poítica em Áfica , no entanto, fequentementeinoada po muitos estudos poíticos e históicos. Como pocuaei au-menta neste atio, a dimensão máica da poítica não maina, mas simuma dimensão centa da natuea da autoidade púbica, da ideana e das

identidades popuaes no continente. Tomando como ponto de efeência oscasos ampamente diuados aceca do suposto táco de óãos humanos

1 Pate deste texto esuta de um pojecto de inestiaão nanciado pea Fundaãopaa a Ciência e Tecnooia – Potua (POCI/AFr/58354).

2 Estou consciente da natuea insatisfatóia de ‘feitiaia’ como um conceito anaí-tico. Paa uma discussão detahada das deniões e conceitos de feitiaia, buxaia e maiaem difeentes contextos ocais, bem como das imitaões e faácias de deimitaões eais

da feitiaia, em especia no contexto aficano e, namente, sobe as ambiuidades datansfeência dos conceitos euocênticos de maia e buxaia paa as sociedades aficanas, eja-se Douas, 1970: xiii-xxxiii; last e Chaunduka, 1986; Douas e Widasky, 1982;Hoton, 1993; e geschiee, 1997: 12-15, 215-224.

3  Esta temática tem conhecido um inteesse enoado, com áios inestiadoesa dedica atenão às poifeaões impeistas de páticas e cenas em feitiaia, e à suadesocaiaão nas conuaões ‘modenas’. veja-se, po exempo Fisyi e geschiee, 1991,1996; Ausande, 1993; Comaoff e Comaoff, 1993, 1999, 2006; geschiee 1997, 2003,2006; Asfoth, 1998, 2001; Niehaus 2001; West, 2005 e Hais, 2007, bem como as coec-tâneas oaniadas po Abams, 1994; Mooe e Sandes, 2001; e leack, 2001.

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no Note de Moambique em 2003-2004,4 este atio pocua anaisa estasacusaões como pate de um contexto cutua asto, em que mútipas eai-

dades cutuais se cuam numa compexa ede de uta peo pode; os boatose acusaões de páticas de feitiaia, quando anaisados num contexto sociamais ampo, são istos como estando eacionados com mudanas sociais,económicas e poíticas instáeis. Os boatos e acusaões de táco de óãos,de contabando de copos, são uma imaem ampiada da uneabiidadee ioência que ocoe no país. lone de petende banaia as eaidades

 iidas em Moambique, este atio pocua eea mais aceca do mundoem que as pessoas iem, tentando expica as suas anústias e desejos e po-cuando souões paa os pobemas que afectam as suas idas quotidianas.

Compaando os diesos sinicados que os boatos, suspeitas e acusaõesimpicam, pocua-se-á popociona uma meho compeensão aceca decomo as eaões de desiuadade passadas e pesentes são constuídas emantidas no país. Tais debates ajudam a eea os mútipos sentidos da ea-ão ente pode, discuso e instituiões e páticas poíticas, oo, poduindonoas ideias e intepetaões epistmicas das expeiências ocoidas queduante o peíodo coonia, que no pós-coonia.5

1. Somras que Pesam sore a Modernidade lone de se uma etospectia de eaidades antias, ou ecentes inenõesque espondem a necessidades e funões competamente noas, as estutuas

4  Os dados e infomaões subjacentes a este atio efeem-se ao peíodo ente2003 e 2007, emboa fosse tambm incopoada documentaão anteio paa pemitiuma discussão mais ampa e pofunda. Os dados documentais ecohidos nas bibiotecase instituiões de inestiaão foam compementados peos documentos e pubicaõesociais do oeno, epotaens de impensa, atios de jonais, e estudos eacionadoscom este tema. A inestiaão tambm incuiu enteistas com os actoes enoidos no

caso em estudo.5 Este tema abodado em áios capítuos que inteam este oume. Estes capí-tuos apontam que o ‘pós-cooniaismo’ não dee se tatado como um óão unicado depensamento; peo contáio, ee mútipo, dieso e não fáci de eneaia. Emboa o‘pós’ em pós-cooniaismo seja indicatio do m do cooniaismo e do impeiaismo comodominância poítica diecta, isto não impica o desapaecimento do cooniaismo como umsistema mundia de pode heemónico impeia. A abodaem pós-coonia pocua captaas continuidades, uptuas e compexidades especícas de peíodos históicos, na tentatiade i am das concepões conoóicas estitas, ineaes e dicotómicas, que dominam opensamento socia e poítico contempoâneo.

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de pode actuais têm uma ona históia na eião. Históias, epesentaõese detupaões ocais são aqui anaisadas tendo em ista a einseão destas

questões nas nomas de eidência de um contexto eiona e oba maisampo.

Duante o aue da inteenão coonia potuuesa, a feitiaia foi con-sideada de modos difeentes: como um conjunto de cenas, muitas eesincuindo modeos de compotamento inesos; como modeos de acusaão;e como um juamento da pesada ‘tensão socia’. Apesa de muitos assumi-em que, com o início da modenidade – ista como poduto da inteenãocoonia – a feitiaia iia desapaece, em muitas pates do mundo isíeuma fote pesena de buxas e páticas de feitiaia, com o númeo de acusa-

ões a aumenta (geschiee, 2003; Capan, 2004; Stewat e Stathen, 2004).No Moambique contempoâneo, a feitiaia pesiste como um conceito euma eaidade, tanto em ambientes uais como ubanos (Meneses, 2004a,2007; West, 2005); esta constataão emete-nos, de um modo doooso, paao facto de a feitiaia não se apenas uma assombaão do passado mas faepate do discuso e da expeiência da modenidade pesente.

Desta foma, óbio que não pode nea-se que há muitas inhas decontinuidade ente o passado e o pesente, ente a eha e a noa odemsocia – mas qua a impotância das continuidades? Um dos pessupostosdeste atio que as continuidades se eestem de uma impotância cucia,e que os conceitos supostamente tadicionais sobeiem poque encontamuma noa dimensão e uma noa apicaão em situaões contempoâneas. A

 Áfica anteio à modena cooniaão pate da históia, sobetudo de umahistóia oa, mas isso não sinica die que possa se inoada. Peo con-táio, paa econhece conceitos tadicionais e compeende como funcio-nam na Áfica contempoânea, necessáio, em pimeio ua, ê-os comopate de uma odem poítica e socia, o que nunca existiu num fomuáioimpouto. Na edade, a questão da tadião e modenidade foi ampamentediscutida em muitas pubicaões ecentes; tae a feitiaia seja um dos

pincipais temas a discuti na eaão de ‘Áfica com o esto’.6 Se a dicotomiaente o Ocidente e Áfica ainda, muitas ees, baseada em contastes entefeitiaia, maia e iacionaidade po um ado, e pocedimentos cientícos,

6 São especiamente epesentatias as obas de Douas, 1970; Comaoff e Coma-off, 1988, 1999, 2006; geschiee, 1997; Asfoth, 1998; Niehaus, 2001; Mooe e Sandes,2001; Stewat e Stathen, 2004; West, 2005; geen e Mesaki, 2005.

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tanspaentes e acionais po outo ado, deemos inteoa-nos sobe atque ponto este fenómeno excusio de Moambique, ou do continente

aficano. Ou seá uma questão de taduão?7 Um dos momentos base da inteenão coonia a tansfomaão do

‘outo’ num objecto, sobe o qua a odem de conhecimento coonia pode-ia exece o seu pode. O tabaho descitio piieiou a descião queacentuaa as difeenas do ‘outo’, tonando pessoas e ambientes distantese estanhos inteiíeis a púbicos ocidentais. Assim, a taduão actuoucomo um meio paa constui uma ‘epesentaão’ do outo. No entanto,o estudo das compexidades e contadiões das eaões ente cutuaspemite uma compeensão mais ampa do sinicado dos equíocos e dos

eados de cada um.

 Encontros no Litoral  A especicidade dos encontos que tieam ua duante o início da pi-meia modenidade coonia (Ibica)8  impotante paa as discussões dosencontos euopeus com os não-euopeus, uma e que, como auns estu-diosos aeam, os autoes potuueses comeaam po e a Áfica Oientaatas dos ohos dos muumanos do itoa (Pesthod, 2001: 385). A apo-piaão de cetas expessões peos naadoes potuueses paticuamenteeeadoa da sua adesão aos conceitos e apeos swahii.9 Como mediadoescutuais, os swahii tonaam-se nos tadutoes da Áfica Oienta paa ospotuueses conseuindo, assim, mante um contoe eatio do comcio

7 Sobe a questão da intepetaão, constuo a minha abodaem baseada nas ideiassueidas anteiomente po Asad, 1986, e Ciffod, 1997, mas, pincipamente, sio apoposta de Boaentua de Sousa Santos em eaão à taduão intecutua (2006a);

 eja-se iuamente o capítuo 1 deste oume, onde Boaentua de Sousa Santos aboda

iuamente este tema.8 Sobe este assunto, eja-se Dusse, 1995 e o capítuo da sua autoia neste oume,assim como Santos, 2006a.

9 Po exempo, a costa ocidenta e su do Oceano ndico foam descitas como sendohabitadas po ‘neos’, e os muumanos, emboa descitos como ‘neos’, foam chamados‘mouos’. Os aficanos não-muumanos, que foam chamados ‘neos’ nas pimeias des-ciões da costa este aficana, apidamente se tonaam ‘cafes’, uma esão ieiamenteapotuuesada da paaa swahii de deiaão áabe, ‘kai’ ou ‘não-centes’. Isto , ospotuueses compeendiam a ona costeia da Áfica Oienta como sendo pooada pocentes e não-centes muumanos.

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na eião atas de uma euaão do conhecimento dos potuueses sobeos mecados da Áfica oienta e o acesso a ees.

Esta atitude que caacteia a pesena potuuesa na costa oientado continente aficano contasta com a pespectia dominante pesente emande pate das abodaens cooniais modenas em eaão às eaões cu-tuais e inteectuais com os não euopeus, especiamente a pati de meadosdo scuo XIX. Na eaidade, a seunda modenidade coonia caacteia-sepea inteacão da Euopa com outas eiões do mundo atas do cânonedenido pea Euopa. Este cânone foi constuído atas da autoconstuãode uma identidade, apostando no econhecimento dos euopeus enquantodotados de uma identidade não só competamente distinta do que ea

entendido como sendo cutuamente distante, mas tambm, muitas ees,incomensuaemente supeio. Assim, o conhecimento e a compeensão domundo tonaam-se a expicaão do mundo atas do pisma monocutuada ciência modena (Santos, Meneses e Nunes, 2004).

 A heemonia cescente do conhecimento cientíco modeno naEuopa foi sinónimo, em ande pate do espao coonia, da missão deoania e discipina as popuaões autóctones. A ciência modena, como seu sentido ou odem e pode, tonou-se um meio de eua as eaõesente os ‘ciiiados’ e os ‘insubodinados’ (Meneses, 2007). O modenoempeendimento coonia potuuês comeou numa atua em que aciência deu uma noa foa e eitimidade à poítica púbica e coonia. Deepente, o conhecimento cientíco emeiu como um instumento deamaão da supeioidade potuuesa, uma mudana que tansfomou ossabees do ‘outo’, com quem tinham estado em contacto duante scuos,em fomas infeioes e ocais de intepeta o mundo. As fonteias da cii-iaão tonaam-se as maens de um sentido de odem socia euopeia;consequentemente, os natios tonaam-se a pópia encanaão da deso-dem, simboiada peo seu sofimento moa, deadaão física e mundodesodenado.

Esta neaão da diesidade das fomas de pecebe e expica o mundo um eemento constitutio e constante do cooniaismo. No entanto, e muitoemboa a dimensão poítica da inteenão coonia tenha sido ampamenteciticada, o ónus da monocutua coonia epistmica ainda actuamenteaceite como um símboo de desenoimento e modenidade. Os estudoscíticos pós-cooniais pemitem hoje, ao tae a difeena epistmica aodebate, aaa a cítica ao conhecimento monocutua da ciência modena

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2. Dos Feiticeiros e das CrisesEm Moambique, como em muitos países aficanos, a peseuião aos feiti-

ceios descita mais como um costume abeante e disfunciona, em uade se ista como faendo pate de um sistema espiitua compexo, pesenteno continente desde há muito. O que, paa um pensamento de oientaãocientíca e ocidenta, pode se consideado como um facto infei e impe-

 isíe – po exempo, uma doena, uma mote, um acidente, a peda de umapopiedade e um quaque outo infotúnio – fequentemente expicadona eião como esutado de feitiaia. As páticas associadas a esta expi-caão aiam de eião paa eião e de comunidade paa comunidade; noentanto, o denominado comum da maioia deas a sua natuea não pei-

síe ou contoáe. A anáise dos boatos eatios a páticas e acusaões de feitiaia consti-tui uma janea piieiada paa a compexa eaidade dos conitos de conhe-cimento e pode.11  Estudos ecentes aceca da eaão ente os domíniosmáicos/eiiosos e a poítica em Áfica pocuaam esponde a estas ques-tões, e popocionaam aos inestiadoes tipooias eistas e modeos teó-icos no quado das ciências sociais. Neste contexto, duas inhas de aumen-taão podem se detectadas: a pimeia, que apea à ‘e-tadicionaiaão’ docontinente, defende a anáise e a souão de cises poíticas contempoâneasatas da ecicaem de antias cenas e instituiões ocais; a seunda au-menta que a ‘modenidade’ da poítica aficana expica as poíticas ecentescomo sendo emeentes das imitaões da modenidade e obaiaão, ins-tiando contextos e dinâmicas competamente noas (Meneses et al., 2003;Meneses, 2004a, 2006, 2007). Um estudo cuidadoso dos sinicados atibu-ídos à feitiaia no Moambique contempoâneo ofeece um bom exempode conitos epistmicos, que enoem a manipuaão de mútipos sabees.Este um tema que meece uma anáise mais pofunda. De facto, a inestia-ão eaiada em Moambique suee, que one de se uma eminiscência deantias supestiões que pesistem, ou de inenões ecentes que espondem

a necessidades e funões competamente noas, as acusaões e suspeitas defeitiaia têm uma ona históia na eião.

11 Emboa a questão dos boatos esteja foa do âmbito deste atio, ees esoem asdesodens que esutam da expeiência. São uma espcie de fonte ‘ambíua’ de notícias,suspensos ente uma expicaão e uma amaão, que nos dão a conhece peocupaõesocais paa o domínio naciona. Neste sentido, os boatos são pecebidos e utiiados peosmembos de uma dada comunidade como um meio de exece contoo socia.

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 A feitiaia epesenta um compotamento que se desia das nomasaceites numa sociedade: os feiticeios são maus e ciam desamonia nas ea-

ões sociais; ees epesentam um isco paa a estabiidade da comunidade.Potanto, chama a aum ‘feiticeio’ equiae a ponuncia essa pessoacomo taioeia, situando-a num eacionamento antaónico com o esto dacomunidade/sociedade. Poque as páticas de feitiaia são impossíeis dedetecta ou eica po meios ‘nomais’,12 as pessoas acusadas de tais páti-cas são istas como destuidoas da soidaiedade socia do upo. Sendo umaameaa, eas deixam de meece apoio e econhecimento da comunidade.Em suma, já não faem pate da comunidade; não existem sociamente. Esteútimo aspecto centa paa a anáise das ecentes suspeitas aceca do táco

de óãos humanos em Moambique.Uma pessoa acusada de se feiticeia epesenta uma ameaa à soida-iedade comunitáia, deendo se descobeta e combatida atas de todos osmeios de que a comunidade dispõe. é esta ideia de taião ao pópio upo,um ataque à edadeia base da estutua socia que tansfoma a suspeita dapática de feitiaia num cime odioso (Eans, 1992: 50).

No passado, aquees que cometiam taião, desobedeciam às decisõestomadas, cometiam assatos, ofensas ebais paa com os mais ehos, incesto,sodomia, ioaão, homicídio e feitiaia eam consideados inimios púbi-cos. O castio paa estas ofensas aiaa desde uma muta que podia se paacom ado, at à pópia mote do acusado, passando po castios copoais,exíio e conscaão de bens petencentes à famíia do acusado.13 

Desciões ecohidas há mais de cem anos apontam semehanascom aumas das acusaões de feitiaia dos nossos dias: suspeita de oubode óãos humanos paa que os feiticeios da noite poduissem emdios(muti ), aeja os ebanhos de ado dos adeões duante passeios noctunos,

12 Poque a concepão e a pecepão do mundo distinta, as possibiidades de co-

espondência e mediaão ente o mundo ‘dos ios’ – peceptíe atas dos sentidos – eo mundo dos antepassados – não compeensíe atas dos sentidos – distinta. Nestesentido, os instumentos disponíeis paa anaisa cienticamente o socia são insucien-tes paa media estas eaões, pois que o que obseado/isíe não necessaiamentesinónimo do que se pessupõe existi empiicamente. Este eemento ‘inisíe’ eecte,em si mesmo, espaos de incetea, cujos efeitos sobe a ida dos upos/sociedades sãoindiscutíeis.

13 Sobe este assunto, eja-se, paa o caso de Moambique, Santos, 1999 [1891-92], Junod, 1996 [1898]; Peeia Caba, 1910; gonae Cota, 1944, 1946; Abeto, 1965;Feiciano e Nicoau (os.), 1998, de ente outos.

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o enenenamento das fontes de áua usadas pea comunidade e enfeitiaos campos paa que, quando as pessoas os fossem cutia, sucumbissem e

moessem. Os contibutos de missionáios, comeciantes, iajantes e, maistade, inestiadoes, desempenhaam um pape impotante na identicaãodos feiticeios e na tentatia de estabeece um sistema de intepetaão quepudesse expica o ataso (em eaão às expicaões acionais da mode-nidade ocidenta) da feitiaia, assim como das fomas paa eimina estapática.14 

Com a intoduão da eisaão coonia, a apicaão de ioentos cas-tios aos aeados feiticeios foi diminuindo; todaia, as cenas e as expi-caões não desapaeceam. Na Áfica do Su e noutos teitóios iinhos

a Moambique sob a administaão coonia bitânica, a apicaão das ‘leisconta a feitiaia’ (Witchcraft Acts) no início do scuo XX está na oiem,não apenas da poibião da pática (e das acusaões) de feitiaia, mas tam-bm da consuta a mdicos que podeiam detecta a existência de feitiaia.Em Moambique, onde a eisaão coonia nunca poibiu fomamentea pática de feitiaia, a identicaão de feiticeios, atas do ecuso àmedicina pea adiinhaão, eou à identicaão destes mdicos como patedo unieso da feitiaia (Meneses, 2000, 2004a; Honwana, 2002). Como

 áias pessoas enteistadas ainda ecodam, aduamente, a defesa contaacões de feitiaia foi-se imitando à consuta de adiinhos/cuandeios, atoma medicamentos peentios e, eentuamente, ao paamento de mu-tas e exíios ocasionais, pocedimentos estes que ocoiam num ambientede ‘semi-eaidade’, O Estado coonia nomamente inteia em situaõesde cime (mote), deixando aos cuandeios e adiinhos, juntamente comoutos ídees ocais, a esouão destes conitos. Esta situaão tambm nãoanjeou ande inteesse em temos de inestiaão acadmica – não foammuitos os tabahos acadmicos dedicados a este assunto. Esta foma de‘amnsia’ tonou possíe a pesistência da naatia cientíca ocidenta, aqua apenas tem sido paciamente questionada sobe o eniusamento da sua

abodaem em eaão à diesidade de conhecimentos pesentes no país.Nos nossos dias, e ta como duante o peíodo coonia, em Moambique aspopuaões ocais que ecoem aos cuandeios (mdicos tadicionais) sãoainda istas como utiiando páticas cuatias não ciiiadas, não modenas.

14 Paa am dos autoes efeidos na Nota 13, eja-se ainda Sia, 1884; Costa, 1899;Cu, 1910; Ameida, 1944; Poanah, 1967-68, 1987.

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mudaam, assim como se modicaam os pesadeos da sociedade; no entantoo pesadeo de feitiaia pesiste.

lone de se desestabiiada pea ea coonia, a feitiaia beneciouda existência das damatuias cooniais de autoidade – o monopóio daciência e da ei, o siio, e a ioência copoa – adequadas às epesentaõesocais do pode. As obsessões da administaão coonia potuuesa com afeitiaia pomoeam-na como um aspecto fundamenta das estatias deesistência e inoaão, ecentando-a, assim, no âmao da cutua poítica.Estes desenoimentos ajudam a eaaia o peíodo coonia, apesentando-o mais como um momento de econuaão estatica cutua do quecomo uma uptua caacteiada pea destuião das efeências e aoes

aficanos existentes. A poeminência cescente e a mudana de conceitos dospodees de um feiticeio eectem a inteacão ente a ida quotidiana e ossistemas maco-sociais e económicos. Esta inteacão usada como quadoteóico paa intepeta as cenas e acusaões de feitiaia, que deeão se

 istas como esutado das eaões de pode nos contextos contempoâneose pós-cooniais (Comaoff e Comaoff, 1999, 2006; geschiee, 1997; West,2005).

 Nampula – Uma Cidade Estruturada por Conitos As epotaens aceca do táco de óãos humanos em Moambique, emnais de 2003, inícios de 2004, tieam o seu epicento na cidade de Nam-pua, ocaiada no note de Moambique. Cidades como Maputo, Nampua,

 Joanesbuo, ou Naiobi têm sido capaes de atai e sedui, à sua maneia,cetas fomas de capita oba. Não há dúida de que essas fomas de capitasão, na sua ande maioia, pedatóias. Mas isto , peo menos em pate, umeemento do pocesso de obaiaão, que incui modos efactados, fa-mentados e factuados. Estas cidades não são simpesmente compostas deespaos de mainaiaão socia. São tambm cidades de dinheio, cidadesonde bosas de piiios coexistem com as de misia. Estas são “cidades

onde a circulação de riqueza, na forma de dinheiro, é imensa e ostensiva, mas as fontes dedinheiro são sempre restritas, misteriosas, ou imprevisíveis […] e a busca pelo dinheiro

 para se atingirem os ns é interminável ” (Appaduai, 2000: 628). Tais fomasde ida ubana factuadas, conituosas e famentadas podem se istas,cada e mais, como caacteísticas de muitas cidades do mundo de hoje,incuindo na Euopa e nos Estados Unidos.

Simutaneamente, nestes contextos ubanos, as especicidades dascondiões ‘pós-cooniais’ anham conuaões especiais. Aqui, a uai-

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dade da poítica contibui paa o que Mbembe descee como sendo “uma prática de convívio e uma estilística de conivência”, em que as pessoas comuns “brin‑

cam com o poder, em vez de o confrontar directamente” (1992: 22). Em Moambique, como em outos contextos aficanos, as pessoas

desenoem ‘estatias de identidade’, paticuamente em eaão aoEstado, incopoando no caácte monocutua do Estado sinicados econhecimentos mútipos. No entanto, as expeiências com o Estado e osdomínios ciados peo Estado nos contextos poíticos eados com a inde-pendência eaam as pessoas, atenatiamente, a senti que o seu pópiobem-esta depende do dos outos. Paaeamente, o econhecimento ‘info-ma’ de identidades mútipas ea as pessoas a tenta incopoa identidades

e capacidades dos ‘estaneios’ nas suas pópias identidades; ou, ainda, asustenta cenas de identidade sucientemente exíeis paa neocia defoma podutia os seus inteesses. Tais ‘estatias de identidade’ eectempecepões contestadas do que pensado paa o bem comum e paa quem, eda ambiaência eneaiada aceca de como e paa que ns o pode dee seusado. As acusaões de feitiaia em Nampua podem se intepetadas comoum execício paa histoicia a intesubjectiidade, isto , paa especicaas cicunstâncias em que as pessoas econhecem as suas intedependênciascomo sendo um campo de acão tão eítimo e necessáio como as suas aspi-aões mais indiiduaistas.

 A ocupaão efectia potuuesa do note da eião de Nampua só acon-teceu na tansião paa o scuo XX. Um scuo antes, o Note de Moambi-que testemunhou impotantes mudanas poítico-económicas esutantes,sobetudo, do efoo do seu enoimento nos sistemas comeciais intena-cionais de escaos e de amas. Este comcio deixou uma maca indee notecido socia e poítico da eião.

Na eião de Nampua, a ocupaão coonia não causou, de imediato,mudanas substanciais nas eaões ente os Amakhuwa16 e Potua. Quais-que que fossem as suas concepões sobe o pocesso de cooniaão, o

Estado potuuês não tee outa opão se não a de ecoe à administaãoindiecta, apoiando-se nas estutuas ocais de pode paa administa o te-itóio. Todaia, a adicaiaão da estutua coonia exiia que a modena

16  Amakhuwa  o pua de makhuwa, o pincipa upo etnoinuístico em Moambi-que, distibuído ao ono das poíncias de Nampua, Cabo Deado, Niassa e zambia.

 A ínua faada o emakhuwa.

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administaão tansfomasse adicamente as eaões existentes. Com oEstado Noo (quando Moambique passou a esta sob contoo de um só sis-

tema de administaão), o cooniaismo potuuês passou a se caacteiadopo um contoo poítico atamente centaiado e autoitáio; peo contá-io, o contoo administatio pemaneceu ainda seectio e descentaiado.Este sistema – pofundamente ‘aciaiado’ – aiaa a assimiaão aos pincí-pios da administaão indiecta (Santos e Meneses, 2006; Meneses, 2007).17

 A fomaão da cidade de Nampua eecte a diesidade tnico-poíticada eião. Po exempo, os imiantes da Iha de Moambique pedominamnos baios de Namicopo-Nametequiiua e Caupeia, enquanto os mian-tes de Anoche compõem a maioia dos muumanos em Muhaa. Os Koti

comeaam a pooa estas teas no pico do comcio de escaos duanteo scuo XIX, mas os imiantes da Iha de Moambique cheaam à eiãosobetudo no início dos pojectos de ubaniaão na dcada de 1930 (Bonate,2006: 163-164). Nestes baios, ande pate dos conitos e pobemas eamsoucionados atas do ecuso a nomas e páticas ocais.

Com a independência, as autoidades tadicionais e ocais foamsupimidas peo Estado modeno, como foma de “combater o tribalismo paraconstruir a nação”;18  esta opão poítica tinha como objectio desenaia aidentidade naciona do seu passado tnico (Meneses, 2007).19 Os defensoesda modeniaão – em Moambique, a exempo de outos países – assenteque em instituiões cooniais, que (pós)cooniais, desejaam, em nome dopoesso, extipa a feitiaia o mais depessa possíe, de pefeência ata-

 s meios eais, campanhas educatias, campanhas de justia popua e demedicina paa o poo.

 A uta peo apoio das comunidades ‘ocais’20  apontada como sendoum dos pincipais ectoes da uea cii que assoou Moambique duante

17 As autoidades tadicionais apicaam as nomas costumeias (que passaam a se

consideadas como o domínio do ‘dieito piado’) paa esoe os conitos pesentesnas sociedades ocais, enquanto, nas onas ubanas, se utiiaa uma mesca das nomas ecostumes dos diesos upos, com as páticas do dieito modeno.

18 Atas do Deceto nº 6/78, de 22 de Abi de 1978.19 Na pimeia dcada após a independência, os cuandeios ou adiinhos só aa-

mente foam usados paa poa ou efuta as acusaões de feitiaia, po seem istoscomo pate da ‘ideooia opessia coonia’. Na maioia dos casos, as acusaões eameadas aos tibunais comunitáios, que as pocuaam escaece, po ees com apoio dosmdicos tadicionais (Meneses, 2004a).

20 Ou seja, peo econhecido da diesidade poítica oca pesente no país.

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eiiosas e oaniaões da sociedade cii contestaam os ‘outos donosdo pode’, ou seja, as ideanas poíticas tadicionais, cuandeios e outos

ídees, que são aoa, de noo, actoes estaticos no xade poítico oca.No início da dcada de 1990, com o m da uea cii e com a adesão do

Estado às poíticas sócio-económicas neoibeais, num contexto de difeenasde iquea e de conito eaciona cescentes, as suspeitas de feitiaia aumen-taam damaticamente. Este pocesso foi intepetado ocamente peas popu-aões e ídees das comunidades como coespondendo ao estabeecimentode uma odem moa quebada peo Estado (que do Estado coonia como docontempoâneo, futo da independência). O essuimento das aticuaõesente a poítica e o ‘ocuto’, como noas aticuaões ocais ente uma ‘modeni-

dade ocidenta’ e ‘páticas tadicionais aficanas’ tem eado noas etnoaas.Semehantes aos ocoidos noutos contextos aficanos, estes encontos acen-tuam o pape das páticas ‘ocutas’ como fomas de da sentido às ápidas e po-fundas tansfomaões na poítica e na economia. A ioência cescente – emque se incuem as acusaões de feitiaia e áios ituais ioentos – um efeitodas pessões de monetaiaão económica, aiadas à desaticuaão socia dascomunidades (geschiee, 1997; Comaoff e Comaoff, 1999; Niehaus, 2001).Estudos feitos na eião destacam a foma atas da qua os imaináios tadi-cionais sobe as ‘foas inisíeis’ concebem o pode como um espao ‘opaco’.Isto podu um contaponto ente pespectias ‘ocais’ e uma acionaiaão‘obaiada’ de tanspaência e esponsabiiaão sustentada peo Estado epeas aências estaneias ou exóenas à eião.

 A impotância ita da soidaiedade ente os membos da comunidadee os seus iinhos inibiu as acusaões de feitiaia; asseuou que as pessoasnão compometeiam as eaões intepessoais. A inestiaão eada a cabosobe este tema em auns países iinhos (Minnaa, Offina e Paye, 1992;Chanock, 1998; Niehaus, 2001), suee que a emeência de núceos uba-nos e a consequente sepaaão das famíias aaadas e a sua tansfomaãoem famíias mais pequenas, associada à miaão de tabahadoes paa as

cidades eaam ao desapaecimento de tais inibiões; consequentemente,tonou-se menos aiscado fae acusaões de feitiaia aos iinhos e paen-tes, uma e que tais acusaões não eam tão cíticas à pópia existência doupo como quando a ida se encontaa oaniada comunamente. No casoda Áfica do Su, Isak Niehaus ea esta tese mais one, amando que ascenas na feitiaia têm mais a e com as expeiências de “miséria, exclusão,doença, pobreza e insegurança” (2001: 192), do que com a identidade aficana.Estas expeiências são os pópios iscos quotidianos com que as popuaões

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desta eião do continente idam, um bom sina de que as acusaões de fei-tiaia eectem e ampicam os eais pobemas sociais e económicos que

estas sociedades ataessam.Tabahos de inestiaão eaiados nas áeas ubanas e uais de

Moambique mostam que a difeenciaão socia e económica está me-mente enaiada e que as comunidades são, essenciamente, heteoneasquanto à composião socia (g20 Moambique, 2004; PNUD, 2006). Asandes difeenas ente icos e pobes causam tensões sociais, uma e queos pimeios tentam eita exiências excessias feitas peos iinhos e paen-tes mais pobes; já os membos mais pobes da comunidade cada e maisentendem os icos como sendo eoístas. Como os mais icos suspeitam dos

 iinhos pobes, e como os iinhos mais pobes taaeam e citicam os maisabastados e os acusam de teem pospeado atas de feitiaia, as tensõesecodem em desconanas e acusaões de feitiaia.

Como em outas áeas de Moambique, tambm em Nampua a feitia-ia um conceito ambiaente. Teoicamente, o ecuso à feitiaia consi-deado eado. No entanto, quaque pessoa com pode poítico e/ou sucessoeconómico pecisa de podees eados pea feitiaia e, nesses casos, os pode-es ocutos podem se uma fonte de admiaão, uma foa que pode se usadapaa atini auns ns ‘positios’ (geschiee 1997: 9-12, 23; Niehaus 2001:192; Meneses, 2004a), que podeão benecia um indiíduo ou o seu upo.

 Am disso, os ídees poíticos e eiiosos só podem afasta os peios defeitiaia se ees pópios tieem acesso a tais podees, tendo assim o dieitoeítimo de usá-os. O esutado um choque de aoes que, a seu tempo,suscita aitaão e tensões nas eaões sociais e, eentuamente, condu àssuspeitas e acusaões de feitiaia.

3. Disputas que Denem Corpos No início de 2004, as desciões sobe cimes medonhos e contabando deóãos abaaam Moambique e o mundo.21 Supostamente, haia uma ede

21  Este caso foi ampamente debatido nos media  ocais e intenacionais. Cf., poexempo, as notícias pubicadas em diesos jonais moambicanos, como O País, Notícias,

 Expresso da Tarde, Diário de Moçambique, Zambeze e Savana, bem como na impensa intenacio-na (como Público, El País, Le Monde, BBC  e Catholic Post ). O caso de Nampua poocou umfote inteesse aceca deste assunto e eou à eeaão, nas notícias moambicanas, de umande númeo de casos enoendo supostamente o sequesto e táco humano; sobeeste assunto, eja-se tambm Sea, 2006.

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a opea na poíncia de Nampua que tacaa cianas e pates do copohumano.

No cento desta campanha intenaciona, estaa uma missionáia cató-ica basieia que, na atua, iia num conento nos aedoes da cidade deNampua.22 Foi ea que, iniciamente, denunciou a suposta existência dumaede intenaciona enoida no contabando humano, actia naquea cidade.O facto mais inteessante, pom, ea que, no epicento desta acusaão,estaa um casa banco, ‘iinho’ do conento e enoido num ande po-jecto aícoa, que ea apesentado como sendo o íde de um ‘bando cimi-noso de oubo de óãos’.

 A histeia que se seuiu à notícia – que fe os cabeahos dos media 

intenacionais duante aum tempo – eou a uma inestiaão uentefeita peo abinete do Pocuado-gea de Moambique. No entanto, asinestiaões eeaam-se inconcusias, sem que nenhumas poas siastenham suido (Pocuadoia gea da repúbica, 2004).23 Pio ainda, po-que as concusões dos possionais daquea equipa não apoiaam a opiniãodifundida peos boatos, ees foam acusados de menti e de esconde cimesaes.24  Como expica este facto? A (sempe) aeada incompetência dasinstituiões moambicanas? Um ma-entendido cutua? Ambos? Que outaspistas continuam po desinda nesta históia?

 As acusaões fomuadas pea missionáia25 e a atitude inicia da IejaCatóica, epoduida pea maioia dos media, embam a Inquisião. Poexempo, os media  moambicanos e intenacionais desceeam em deta-he como que, aeadamente, a muhe do casa supostamente enoidono táco humano tinha aedido sicamente o Pocuado Poincia em

22 Jona Domingo, de 25 de Janeio de 2004, e de 29 de Feeeio de 2004.23

 Uma esão difeente pesistiu nos media. veja-se, po exempo, ‘Concusões ái-das paa 4 copos exumados’ (Amnia Mucaee, Vertical , 12 de Mao de 2004).24  Como eatado po áios jonaistas, a eacão não foi o suspio de aíio que

podeia espea-se – peo contáio, a equipa da Pocuadoia-gea da repúbica foidifamada e insutada po áios sectoes da impensa e at mesmo po áios dinitáioseiiosos (Pau Fauet, AIM , 6 de Mao de 2004).

25 Como eatou o jona Savana, esta missionáia, que tinha estado na eião duante áios anos, mantee eaões compicadas e de ceto modo conituais com áias institui-ões e indiiduaidades ocais (‘Históia duma misticaão em nome da ciana’, de Paoaroetta e Naita Ussene, 12 de Mao de 2004).

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Nampua, apesa de enteistados teem amado que o Pocuado estaaamado e a muhe não.26 

Em suma, o caso, e os seus pincipais actoes, foam juados e conde-nados, mesmo antes de o pocesso judicia ocia te comeado. Não podeiase de outa maneia. guiados po uma ideooia de modenidade, os media,com um fote apoio de cetos sectoes cistãos, não podiam toea se desa-ados na sua heemonia peas ‘tadiões ocais’.

Em seis meses, houe tês inquitos que não conseuiam poduiquaque poa sinicatia no que di espeito às aeaões de táco.Quando a útima inestiaão foi concuída, dos supostamente mais de 50cianas e adoescentes desapaecidos (istados peos missionáios), o depa-

tamento da Pocuadoia-ea só conseuiu identica 14 copos, mas nãohoue nenhuma conmaão aceca do suposto táco de pates de copohumano.27 No entanto, o caso não foi enceado e os debates continuaam.

 As opiniões eticentes manifestadas po aumas das pessoas que iiam naeião da expoaão aícoa são indicadoas de fotes conitos de inteessespesentes na eião.

 Rostos da DisputaUma muhe de nome Auna Oma, mas que conhecida po Apwyiamwénè,28 eantou o u sobe auns dos pobemas subjacentes a esta acusaão,amando que “aquele estrangeiro impede‑nos de cultivar os nossos campos, e está amatar os nossos lhos. Quando íamos aos campos, encontrávamos no caminho roupasmanchadas de sangue e órgãos amputados”.29

26 Enteistas eaiadas na cidade de Nampua, em 2004.27 “Moambique deaths bamed on foein witch doctos” ( AFP , 6 de Abi de 2004).

Supeendentemente, em 2007, um site esceeu que a inestiaão eada a cabo em

Moambique tinha poado que os óãos dessas pessoas acabaam em hospitais isaeitas,então um dos ocais pefeidos paa a eaiaão de tanspantes ieais (“Táco de óa-nos en Intenet”) http://www.mienio.com/edomex/mienio/nota.asp?id=43315, acedidoa 22 de Janeio de 2007).

28 A imã ‘mais eha’ (uteina ou econhecida como ta pea sua expeiência) de umchefe (mwénè) nas sociedades makhwua do Note de Moambique. Em temos simbóico-eiiosos, a pwyiamwénè  um dos póos do pode nas sociedades matiineaes do Notedo país, epesentando a iaão ente a fundadoa do upo e as eaões mais noas(Mbwiia, 1991: 148-150).

29 Pau Fauet, AIM , 18 de Abi de 2004.

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O casa estaneio sob suspeita tinha ecebido apoio nanceio – ata- s do Estado moambicano (ia gAPI30) – paa a constuão do aiáio,

ainda em Setembo de 2002. Os 300 hectaes atibuídos ao pojecto estãoocaiados na peifeia da cidade, um ote de teeno que foi, em tempos,pate de uma ande quinta do Estado – eminiscências do peíodo sociaista– mas que, apaentemente, tinha sido abandonado há muito. As estutuaspoinciais enoidas no pocesso de distibuião de teas, confome ogAPI conmou, tinham concedido ao casa um títuo de utiiaão do te-eno ainda em Deembo de 2000, em confomidade com a lei de Teasmoambicana. No entanto, deido aos atasos buocáticos, o pojecto sóaancou, de facto, em nais de 2003. No entanto, emboa o gAPI tenha

assumido que o oca escohido paa instaa o pojecto aícoa estaa deso-cupado eamente, na pática, camponeses iinhos tinham ocupado otesde tea ‘poisoiamente’; ou seja, o gAPI não econheceu o dieito à teadestes camponeses.

Num país caacteiado pea pesistência de uma economia de subsis-tência, o secto ua continua a se impotante paa a economia naciona.Uma e que a quinta do Estado estaa há muito abandonada, paa os cam-poneses – pincipamente muhees – ea uma pática ‘noma’ cutiaem osteenos em desuso. Isto aconteceu duante a intoduão dos títuos de te-enos no país, ao noo que suiu no país com a expansão neoibea desdeos meados da dcada de 1990. Isto expica a centaidade, neste pocesso decontestaão, da ‘disputa pea tea’. Emboa tenha sido paneado paa eaempeos e eceitas, o pojecto paece te sido pouco discutido a níe oca,componente que, na lei de Teas, pea fundamenta (Neão, 2003).

 váias das pessoas que estieam enoidas na toca de acusaões defeitiaia são pessoas que ecamam o dieito à tea que o oeno poinciade Nampua atibuiu ao pojecto aícoa. Aumas dos indiíduos que con-testaam a decisão de tituaão dos teenos eniaam mesmo uma petião aogoeno Poincia, ecamando dieitos sobe o teeno. A souão poposta

peas autoidades ociais foi da aos peticionáios teenos noutos sítios;todaia, isso não os impediu de continuaem a inadi o teeno cedido aopojecto aícoa. Um dos camponeses enteistados amou mesmo que o

30 gabinete de Apoio às Pequenas Indústias (gAPI). O gAPI penamente eco-nhecido peo Banco de Moambique como uma instituião nanceia. Ciado em 1990,o gAPI uma impotante fonte de empstimos paa pequenos e mdios pojectosindustiais.

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pai tinha sido um chefe tadiciona com dieito àquee teeno, mas que estehe tinha sido tiado peos coonos potuueses (poaemente, antes da

independência de Moambique).Quando o pojecto aancou, as tensões aumentaam, tendo-se assistido

a áias inasões do teeno, o que eou à pocua de assistência da poíciapo pate dos tituaes do pojecto aícoa. Poucos meses depois, já em naisde 2003, a missionáia basieia comeou a espaha boatos de que o casa,sob o disface de um aiáio, estaa enoido no desapaecimento de cian-as e no táco de pates do copo humano. Estas aeaões tomaam umadiecão petubante quando a missionáia faou à impensa intenacionasobe “a situação horrível e de corpos mutilados encontrados nas estradas públicas”.31 

Estas acusaões saíam efoadas, poque o ‘casa banco estaneio’ tinha,apaentemente, constuído uma pista piada no seu teeno, a pati da qua,aeaam auns dos missionáios, aiões descoaam fequentemente paa a

 Áfica do Su, ota pefeencia deste tipo de táco.32 Tambm impotante te em consideaão que a cidade de Nampua

maca a tansião de uma áea essenciamente muumana, a ona costeia,com o inteio, pedominantemente cistão. A uta pea inuência ideoóicapode tambm te desempenhado um pape impotante nesta discussão,33 emboa a Ieja Catóica nunca tenha assumido ociamente uma posiãoaceca do aeado táco de copos.34  No entanto, po inoância ou má

31 Jodane Betand, ‘Moambique oan tafckin scanda petes out’, IOL África,16 de Mao de 2004.

32 Ea nas cidades su-aficanas de Duban e Pietemaitbu que os tanspanteseam supostamente eaiados, paa antaem de pessoas poenientes da Euopa e dosEstados Unidos da Amica que tinham meios paa compa óãos ‘sob encomenda’ (She-pe-Huhes, 2000). Em nais de 2003, a poícia su-aficana desmanteou uma ede inte-naciona de tacantes de óãos cuja base ea um hospita piado, situado em Duban.

Os ‘dadoes’ de óãos, neste caso, eam ecutados nas poíncias mais pobes do Basi.Isso poaemente expica a epotaem nos media  sobe ‘táco de óãos’ pomoidapea missionáia basieia.

33 Um dos epesentantes poinciais do Conseho Isâmico, uma das mais impotan-tes oaniaões de epesentantes de muumanos do país, expimiu pesa peo facto deo então ecm-nomeado (moambicano) bispo catóico de Nampua te inteompido aseuniões semanais que o bispo anteio faia com a comunidade muumana.

34 Dee menciona-se que áios sacedotes e missionáios se dissociaam do casosensacionaista, acusando at a missionáia basieia de não te quaque cedibiidade(Jona Savana, 12 de Mao de 2004).

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 ontade, auns sacedotes catóicos e ande pate da impensa opuseam-se fotemente ao pojecto aícoa, assim como às ambiões apaentes da

missionáia paa contoa o teeno do pojecto, adjacente ao conento, sobdisputa.

 A tea estaa no cento desta disputa. Como áias pessoas enteista-das efeiam, os 300 hectaes tinham sido iuamente pometidos (emboasem que a autoiaão tiesse sido fomaiada) peo anteio oenadoà Ieja Catóica. Am disso, áios ‘ídees tadicionais’ tinham benecia-dos das endas cobadas aos camponeses que tinham indo a ocupa áiospedaos de teeno paa pantio. Auns destes camponeses foam chamadoscomo testemunhas pea missionáia, pese emboa o facto de muitas das pes-

soas enoidas no pocesso seem muumanas.resumindo, a desinfomaão poocada peos media  eou a um totadesentendimento da situaão, em que difeentes actoes desempenhaamactiamente estatias poíticas paa aanti o seu dieito ao teeno.

 Ama que aum está a ende óãos ou pates do copo equiaentea acusá-o/a de canibaismo, uma pática que identicada com a feitiaia.Uma e que o feiticeio tem de se expuso da comunidade, este foi o objec-tio dos camponeses de Nampua, enquanto utaam paa mante os seusteenos. Ou seja, peante o isco de pedeem os seus teenos – fonte desubsistência – estes upos accionaam mecanismos de defesa assentes emsimutâneo no efoo da conana do upo, e na poduão de acusaõesàs foas extenas, pois que “cada tipo de sociedade produz um tipo de responsabi‑lidade, focado para perigos especícos” (Douas e Widasky, 1982: 7) Em suma,estas acusaões podem se istas como momentos de (e)constuão de umacomunidade tica (Capan, 2004). A funão ideoóica desta uta poíticatem que se entendida em funão das exiências coocadas pea poíticamonocutua do Estado. A expoaão dos pesadeos da sociedade, atasda feitiaia, escaece-nos aceca de como as sociedades funcionam, e acecado pode e do contoo, da compacência e da esistência, e de como estes

são acanados, não somente diiidos paa o manifesto domínio poítico. váios dos sujeitos que paticipaam nesta uta comunicaam a sua opiniãopea manipuaão do pio pesadeo da modenidade – o ecuso a páticasincompeensíeis, consideadas como estos de uma fase ‘tadiciona’ e dep-ciiiaão.

Este moimento de base popua, com áias conotaões e cambiantespoíticos, utiiou as acusaões de feitiaia como uma foma de ioênciaconta os seus inimios poíticos. De facto, os esidentes de Nampua, em

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conjunto com as missionáias basieias, poduiam uma aa de suspeitasem eaão às eaiaões do Estado, oiinando pânicos quanto ao possíe

enoimento de aentes da poícia estata e de outos actoes do Estado naoaniaão deste comcio iea. Num ceto sentido, foi uma foma de acãopoítica popua, oientada paa pomoe o desponta de uma noa odemdemocática, pocuando iuaa a distibuião dos endimentos e da iquea,ou ainda defende o idea de soidaiedade dento das comunidades.

Simutaneamente, não deemos esquece que auns copos foamencontados em diesas áeas da poíncia de Nampua, o que suee queuma só expicaão não suciente. Na edade, têm indo a acontece homi-

cídios e ituais de mutiaões em áios ocais do país.35

  Como esutadodas inestiaões feitas no país, o então ministo do Inteio conmou apesena das páticas de feitiaia que enoem pates do copo humano,36 facto que poocou uma ande onda de epúdio po pate dos mdicos ta-dicionais moambicanos.37 

 A pesistência da ioência epistmica, quando os copos e os contex-tos são inscitos epetidamente na óica cientíca modena, não ajuda aesoe a ioência inscita naquees copos. A possibiidade de áios doscidadãos de Nampua teem sido motos paa que os seus óãos pudessemse utiiados em tanspantes não foi conmada (Pocuadoia gea darepúbica, 2004). A maioia dos óãos etiados de pessoas assassinadas não ainda utiiada em tanspantes, como o caso dos óãos enitais, ínua,mãos, etc. Am disso, as secões dos óãos paa seem tanspantados foamfeitas usando facas uaes, tendo estas acões sido eaiadas num ceeio,e os óãos utiiados paa estes ns peseados num fioíco domstico,ente eumes. Po útimo, os eistos do contoo de táfeo do aeopotonão eeaem quaisque poas aceca de aiões adicionais que tenham ate-ado na áea paa ea os possíeis óãos.

35 O oeno moambicano já tinha, em 2000, econhecido a existência de tácode óãos humanos no país. At aoa, as inestiaões deteminaam que a maioia destetáco em Moambique oaniado peos ans ciminosos su-aficanos. A maioia dosóãos – ins e cóneas – são tacados paa ns de tanspantes, emboa o táco de óãospaa feitiaia tambm exista.

36 ‘Há extacão de óãos paa efeitos de feitiaia’ (Jona Notícias, 16 de Mao de2004).

37 Jona Savana, de 19 de Mao de 2004.

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corpos de violência, linguagens de resistência  199

Os mdicos enteistados conmaam o que os seus paes tinhamamado: a impossibiidade de fae tanspantes em Nampua; os ado-

ados enoidos na disputa não conseuiam que as acusaões essemsentido, uma e que as páticas de feitiaia não são consideadas no dis-cuso juídico modeno; os jonaistas intenacionais só pudeam pubicaas epesentaões que ‘faiam sentido’ paa ees. Aindo desta foma, todoscontibuíam, de aum modo, paa eintodui a epesentaão coonia deMoambique como um espao de desodem, incapacidade e peios, a seoaniado e sao peo espíito da ciiiaão ocidenta.

4. A Aastana do Conhecimento, a Riquea do Poder 

Na feitiaia, o copo tona-se uma aena poítica, uma extensão dos con-itos que petubam a sociedade. O copo intuso tona-se numa extensãoda estanhea da aessão, iniciamente pesonicada peos cooniaistaseuopeus e, mais tade, num contexto pós-coonia, peas inteenõeseconómicas e poíticas estaneias (exta-ocais ou intenacionais). O meio,aoa habitado po noas inuências, noos objectos, se despoteido,eea-se impotente paa ida com estas inasões. Em suma, metáfoa deuma peocupaão com as fonteias sociais e com a inteidade da cutuacomunitáia.

 As eexões sobe as quaidades eosias do dinheio e da poduão demecadoia ajudam a intepeta estas eaidades (Taussi, 1980, 1986; Snod-ass, 2002; West, 2005). Tabahos mais ecentes têm indo a pô de pateo esteeótipo que dene as ‘sociedades tadicionais’ como sendo esistentesà economia de mecado. O pensamento dominante que a monetaiaãoaaa as fustaões e os desejos das pessoas, tonando muitas mecadoiasteoicamente acessíeis mas, na pática, inatiníeis (Pay e Boch, 1989). Amonetaiaão tende a aumenta o níe das difeenas de iquea ente osmembos de uma comunidade, face à difeena de opotunidades de ida.Mas esta mesma monetaiaão tambm pemite que as pessoas se afastem

das obiaões de ‘nieamento’, de ecipocidade e edistibuião pessu-postas peas nomas de ida na adeia, ou que ecusem essas obiaões.

Os boatos aceca do aeado táco de óãos paa feitiaia deem seanaisados no ampo contexto da abetua neoibea poítica e económicamoambicana. Como esceeam Jean e John l. Comaoff, “os feiticeiros incor‑

 poram todas as contradições da experiência da própria modernidade” (1991: xxxix).Neste sentido, impota ampia a pesquisa sobe o pape que a feitiaiadesempenha nas poíticas ocais no Moambique contempoâneo. Nampua

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epistemologias do sul200

emee, assim, como um exempo de muitas cidades do Su oba, onde,duante a longue durée, os moadoes das cidades apendem a podui mú-

tipos, po ees contaditóios, paadimas cutuais – ou ainda a ida compespectias cutuais mútipas – como foma de fae sentido do mundoque habitam. A mudana da apaente heemonia da acionaidade modenapaa a compeensão de um cenáio em que os aumentos são apesentadosinscitos cutuamente e codicados nomatiamente fa-nos emba queos encontos cutuais têm dimensões não apenas poíticas, mas tambmepistemoóicas. Ambas essas dimensões coneem, enquanto utam paaconseui aquio a que Nui wa Thion’o (1986) chama “a descolonização damente”.

Contastando com o discuso da modeniaão sociaista, ou do desen- oimento estutua contempoâneo, com as suas pomessas de instituiõeseconómicas, poíticas e sociais, pefeitamente estutuadas e acionaiadas,o contexto socia de feitiaia aeta os moambicanos paa a na inha quesepaa o pode sociamente constutio e o pode que podu uptuas sociaise uína. Dento deste sistema, o teeno do pode está em constante mudanae os actoes que nee se moem estão pemanentemente sob escutínio eaaiaão socia. Nenhuma decaaão aceite como denitia, nenhumasentena ista como na. Neste sentido, as noas foas económicas e sociais– que no âmbito dos aeados famiiaes, que junto das famíias aaadasou das dinâmicas comunitáias – são pecebidas como potenciando tensõese hostiidades no seio dos upos, tonando-se estes aentes de mudanasuspeitos de não só causa, mas tambm benecia dos pobemas e aiõesdos outos.

 As poíticas socioeconómicas e sociopoíticas em io desde meadosde 1980 poduiam níeis eeados de instabiidade poítica e económica.No país, o desempeo aastou, tonando-se numa condião cónica. Osduos eentos cimáticos (secas e inundaões) que têm fustiado o país têmfomentado o êxodo ua, com o consequente aumento da busca de opotu-

nidades nas áeas ubanas. O conito poítico ente os dois pincipais pati-dos poíticos (Feimo e renamo), juntamente com o aumento do níe doscimes de popiedade causado peas más condiões económicas, deixou naspessoas uma fote sensaão de uneabiidade.

Os estudos eaiados pemitiam atesta como os estudos antopoó-icos cooniais usaam a feitiaia paa estimatia, cassica, e distancia

 Áfica da Euopa; todaia poucos são as inestiaões que aceca do modocomo o oeno coonia usou estas concepões ocais paa oania ataques

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corpos de violência, linguagens de resistência  201

concetos às cenas aficanas no pano oca, que sobe as fomas como osaficanos intepetaam, paticipaam e esistiam a tais esquemas.

Nos dias de hoje, a inuaem da feitiaia utiiada como uma fomapesuasia paa expica as doenas, infotúnios ou at mesmo a mote, ea-cionando estes acontecimentos com padões de ineja e desconana enteas pessoas. Ou seja, a feitiaia enquada e codica situaões de infotúnio– que pocuam desespeadamente expicaões pesuasias – como com-ponentes poíticas da esfea púbica, pobematiando a sepaaão ente opúbico e o piado.

 As ideias aceca de foas espiituais (entendidas aqui como sendotanto beneoentes, como macas, capaes de cua ou de destui – Mene-

ses, 2004a, 2004b), não esutam mecanicamente de um eho e imutáe stock de cenas antias. O conhecimento contempoâneo em cicuaão nasdistintas eiões do país ia, de foma ciatia, difeentes esfeas de podees,constantemente acumuadas: ituais ocais, tadiões muumanas, tadiõescistãs, cutua ocidenta mateia, ciência, cutos tansnacionais. A fusão e aintepenetaão destes diesos epetóios aetam paa a exibiidade dascenas ocais e a sua capacidade de se aticuaem com eementos ‘mode-nos’ estaneios.

No ua de pocua abaca um conjunto de ‘uniesais abstactos’,o desao consiste em abaca os momentos especícos da diesidade epis-tmica. é uma posião que apea a pensa de foma difeente a difeena. Opode ‘ocuto’ da feitiaia está associado à faiidade física, ao isco, umadimensão essencia da poítica contempoânea. redutos poíticos ou tnicossão fequentemente istos como ecipientes eoácos de foas ‘ocutas’.No entanto, a iaão ente feitiaia, identidades coectias e teitóiossaados, não sinónimo da estião da poítica a um espao físico poteidoe estabiiado. Cada eião pode, at ceto ponto, se edesenhada, incopo-ada ou ampiada, de acodo com as eaões poíticas de pode dominantes(West, 2005). Chama a atenão paa estes padões pode ajuda a entende

a disseminaão da poítica em Moambique, sobetudo em tempos de cise.Com a intensicaão dos pocessos de monetaiaão económica

associados à faiiaão das comunidades uais, a feitiaia conheceutansfomaões, passando a se entendida menos como um instumento deajustamento socia e mais como uma feamenta de inteenão competitia(e muitas ees destutia), ataindo dependentes conta a sua ontade oucaptuando a itaidade espiitua e mateia dos iais. O isco e o peioeados po situaões desconhecidas e, po isso, não contoáeis, efoam,

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epistemologias do sul202

de modo inountáio, ideooias ocais que iam o pode ao execício deacões sobenatuais, ocutas e macas.

 A (e)inenão do seaem como ateidade do Ocidente aponta paauma imaem ao espeho, na qua se eecte a auto-imaem conceta, aindaque inetida, da ‘missão ciiiadoa’ da inteenão coonia. As mútipastentatias de ciminaiaão das cenas ocais (Meneses, 2000) atiniamo cene das odens sociais e moais aficanas. No entanto, atas de utasdiáias com a mote, desastes, e conta a disciminaão, os Moambicanosesfoam-se a esisti, apopia e muda o sistema ideoóico monocutuaque que o Estado coonia, que o Estado contempoâneo, têm pocuadoimpo.

Hoje em dia, a cicuaão de ideias e de atefactos das edes mun-diais (media, cicuaão de mecadoias, cutua impessa e isua, eii-ões estaneias), fonece noos ecusos paa as pecepões popuaes e(e)conuaões do espao poítico. Desde o scuo XX que a econua-ão dos epetóios do pode saado tem estado estateicamente iada àcutua popua oca e à ideana máica. As actuais pecepões popuaesocais da obaiaão neoibea, combinadas com um aumento da cicua-ão de pessoas e bens, e com o aaamento da situaão de debiidade eco-nómica, aimentam continuamente as ‘outas’ expicaões sobe a situaão;os seja, a cicuaão de boatos aceca da expoaão humana peos podeesinisíeis, ou ainda sobe o eceio quanto a mecadoias tidas como tendofeitios macos, ta como o caso do aeado táco de óãos humanos noNote de Moambique.

 As manipuaões das acusaões de feitiaia, no teeno, coespondema espostas ocais à obaiaão neoibea. repesentam um aspecto daiaão íntima ente a feitiaia e a modenidade, ente a Áfica e o ‘esto(do mundo)’. Pom, se a ideia da feitiaia como foma de intimidaão úti paa compeende aumas das páticas aeadas do táco de óãos,não dee se usada paa eitima e defende, em nome da difeena cutua,

estas páticas.O feiticeio pocua nta as nomas sociais, da mesma foma que o

faem outos actoes poíticos. Quaque um pode, pois, se sujeito a umaacusaão de feitiaia. Este tema , quiá, o mais podeoso foco de conitosnas comunidades ocais, eectindo a potenciaidade atente desta exteioi-aão do isco, manifestaão das tensões pesentes na sociedade. A ida daspessoas de Nampua, bem como da maioia da popuaão moambicana, bastante inceta e difíci, a cise está instaada na sociedade. O desempeo

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corpos de violência, linguagens de resistência  203

eneaiado, a ata incidência de ioência (incuindo uma eeada ocoên-cia de assatos), a peaência de áias epidemias e a sensaão da fata de

petena são efeências comuns. As efomas oenamentais, económicase poíticas, em cuso desde a dcada de 1980, têm poduido o aaa dosdesníeis sociais; em paaeo, o ápido pocesso de ubaniaão condu àfata de ecusos e de espao. A uta po noas posiões económicas e sociaispo pate dos mais pobes e dos sectoes mais mainaiados da sociedademoambicana, em contextos sociais e económicos mutáeis e incetos, umadas pincipais causas paa as áias fomas de ioência obseadas no país.

Neste sentido, as acusaões de feitiaia são fequentemente diiidasa pessoas cujo pestíio e poeminência socia tem estado a se efoado

atas das suas paticipaões na ‘noa’ economia: páticas comeciais, eco-nomia infoma e administaão oenamenta. Em Nampua, aquees quesão bem sucedidos nos neócios, que têm pode, iaões ao Estado e/oupatidos poíticos ou anham saáios atos, são os mais susceptíeis à inejae à suspeita de feitiaia. A feitiaia actua como um espeho, eectindo eaaando as desiuadades e os conitos que as noas condiões económicase sociais taem. Aqui, as acusaões de feitiaia são feitas aos funcionáios dooeno, aos empesáios. Estes são istos como os noos potadoes do ma,e a sua aiana a fontes económicas extenas e de poduão de mecadoiaintepetada como sendo a fonte do pode do ma.

 A feitiaia aqui não se assume como sendo uma continuaão do ‘ta-diciona’, uma supestião acaica que teimosamente pedua e que estaádestinada a desapaece com a penetaão da ciência e do desenoimento.Peo contáio, estes encontos, epetos de enanos, poduem choqueseadoes e ampicadoes de noas acusaões e intepetaões da feitiaia,noas naatias sobe o ma.

 A aaiaão das áias denúncias do aeado táco de pates do coposuee que essas acusaões são um aiso de uma eentua sanão paa todasaqueas pessoas enoidas em eaões que os membos da comunidade de-

nem como anti-sociais ou desiantes; ou seja, cujo compotamento istocomo sendo ioento, nefasto paa a comunidade: numa fase, um aetafente a potenciais peios que a comunidade oca dee pocua esoe.Esta ameaa impícita indu medo e ansiedade; simutaneamente, estas acu-saões são um ecuso actio paa afasta os aentes de opessão, poque asuspeita de se se feiticeio ai maca o compotamento duante toda a idadessa pessoa. Os consideados cupados são excuídos da comunidade ticae punidos. Neste sentido, pocua compeende estas suspeitas e acusaões

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epistemologias do sul204

passa pea ecoocaão de questões centais sobe o que o conhecimento eo isco, sobe o que se considea se um eime de edade (e, neste contexto,

quem o ponuncia e fa o quê, quando e como). As comunidades ecoem aboatos e insinuaões paa citica os icos e os potenciamente pobemáticosecm-cheados, sem condena a pópia iquea, expessando a sua fusta-ão e espeana numa sobeposião apeensia paa com os outos.

 As mudanas nos domínios sociais, poíticos e económicos paecemedunda numa caa feo aos taidoes, aos feiticeios ou bodes expiatóios,como foma de utapassa a incetea e de estaua a odem; todaia, napocua de sentidos que justiquem a sua existência como sees sociais; tambm impotante anaisa os contextos em que estas acusaões e boatos

ocoem, eitando tansfoma estas expicaões – ou seja, os contextos cu-tuais, em áibis que justicam a pesistência destas acusaões.Como Nancy Schepe-Hues (2000) aponta, os boatos de apto e oubo

de pates do copo seem paa despeta nas camadas sociais mais pobes efaiiadas aetas paa o estado em que iem. Neste sentido, as ideias sobea feitiaia e endas ubanas não são apenas metáfoas que eeam ideias deexpoaão e embuste; peo contáio, emeem das expeiências quotidianasdas pessoas – e dos seus encontos euaes com o isco, o peio e a mote.O caso de táco de óãos em Moambique suee que estas acusaõesactuam como mecanismos ituais que concoem paa o eaia peiódico desentimentos coectios, enquanto, simutaneamente, actuam como um meca-nismo de enoaão de sentimentos ticos comuns, edenindo os contonosda eaidade socia. Auns dos cimes denunciados peas popuaões podemte sido imaináios, mas isso tona-se ieeante; o que cítico que as pes-soas aceditam que estão a impa a sua sociedade, eamando os objectiospoíticos despoetados peo sentido tico. Num compexo ambiente cutuade ioência constante, no qua a históia, a memóia e o boato se encontamenedados, e em que a comunicaão boca a boca ia as pessoas conta asfoas adesáias, em contextos atamente poitiados, a foa das acusaões

pode se, simutaneamente, uma foa de mobiiaão e esistência. é a nãocompeensão das páticas poíticas ocais que dá oiem aos boatos de tá-co de copos, eacionados com a cicuaão obaiada de tais pobemas.

Os moambicanos de Nampua eceaam pede as suas teas, as suasfontes de endimento. A hostiidade e o pânico eados encontaam expes-são nas suspeitas eantadas quanto aos intentos dos estaneios (bancos).

 As acusaões de feitiaia foam intepetadas pea missionáia basieiacomo uma pate do contabando oba de óãos humanos.

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corpos de violência, linguagens de resistência  205

Os anhos poíticos da comunidade – o pode poítico atas dasacusaões da pática de compotamentos (i)eais – intimidam aquees que

podeiam opo-se a ees. Como esutado, o casa estaneio abandonou aeião pouco tempo depois, desistindo apaentemente do pojecto. A popa-aão dos boatos e de acusaões estabeece os desejos amejados pea comu-nidade, expondo as eaões de pode pesentes. Numa escaa mais ampa,pode deni o eacionamento da comunidade com o do Estado moambi-cano, consideado injusto e, po isso, como deendo se desaado.

5. Cosmopolitismo Imaginativo? Em Moambique, as utas contempoâneas, que manipuam áias foas,

incuindo a cicuaão dos boatos, empstimos e taduões de atefactos,ideias e ansiedades, têm pesistentemente econuado e eniquecidoepetóios e estatias ocais. No entanto, impota eecti sobe o que que tona essas dinâmicas especícas e oiinais neste espao e tempo pa-ticuaes, indaando sobe a impotância das intepetaões poduidas nasdistintas edes de comunicaão e associaões sobe a eaão ente a feitia-ia e as poíticas ocais, eionais, nacionais e obais. Ao faê-o, aaa-se acompeensão (e não necessaiamente a aceitaão) da compexa natuea de‘mati moa’ da poítica desta eião, popocionando noas pistas acecada históia do pode oca e da acumuaão de conhecimentos. As poíticas dafeitiaia ‘modena’ popocionam tambm um noo ânuo de estudo sobea natuea modena da etnicidade e das identidades sociais contempoâneasem Moambique.

 A inteenão modena em Moambique continua a assomba ocenáio poítico contempoâneo, confeindo sentidos e fomas difeentesaos conitos institucionais. A tensão ente os pocessos intenos de tans-fomaão do Estado, e a eacão das comunidades a exii que o Estado faaao de sinicatio paa ees, tem poduido noas estutuas de contoosocia, as quais, one de seem unicamente símboo de uma uptua com

a situaão coonia, podem se anaisadas como uma continuidade do pas-sado: a (e)inenão de uma cutua tadiciona que se aimenta, tambm, damodenidade.

 Auns dos pobemas eatiamente à intepetaão da natuea dosconitos sociais actuais do país são um eexo da compexidade do caáctedos encontos ente as ideooias poíticas exta-ocais (nacionais, eionais,obais) e os imaináios ocais do pode; uma anáise cuidadosa, situada emutifacetada das cicunstâncias que eam estas acusaões cucia paa

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epistemologias do sul206

meho se compeende a uta peo pode, no âmbito da qua distintas fomasde conhecimento concoem paa impoem as suas estutuas de sentido.

No caso de Nampua, o discuso sobe o pode da feitiaia , caamente,uma cítica à iquea e à ostentaão, uma ameaa conta quaque ataque pos-síe à tica económica duma comunidade. Tais cíticas podem te, incusie,um efeito nieado, quando a pópia feitiaia desaada como uma fomade difeenciaão socia. Na edade, os discusos de feitiaia supimem-seem simutâneo. As pessoas podem facimente suei, ecoendo à amáticada feitiaia, que a iquea e o pode de deteminados indiíduos foam aode feiticeios ambiciosos, desejosos de auina quaque pojecto indiiduaque passe pea mehoia – e consequente difeenciaão – das condiões de

 ida. Mas esta acão inejosa de um feiticeio – e o seu efeito de nieamento– pesumem necessaiamente pocessos de difeenciaão socia, onde os ‘quetêm’ se tansfomam em ítimas de cimes ocutos.

De quaque foma, a amática da feitiaia um fenómeno distintoda pópia feitiaia, emboa intimamente iado a ea. reeando, momen-taneamente, um domínio nomamente entendido como sendo ocuto, faade feitiaia sinica aponta fenómenos supostamente isíeis que, de facto,pemanecem inisíeis, como a ineja e o sentimento de inseuana.

Os discusos que diem espeito à feitiaia não são anti-modenidade;peo contáio, constituem eexos de uma uta constante po uma idameho, paa um sentido mais ampo de saúde e bem-esta que incui ‘pasocia’ e a possibiidade de contoa e maneja os iscos poduidos peamodenidade. Poque o bem-esta da comunidade um sistema abeto, ape-nas fomamente deimitado na sua pática, as possibiidades de expicaãopaa os pobemas são inúmeas, tonando possíe a inteacão antopofá-ica ente difeentes eementos. Neste sentido, as acusaões de feitiaia,one de efoaem um sentido atenatio, inteiamente difeente, de eso-uão de conitos, constituem um discuso que di espeito aos pobemasque afectam a famíia, a comunidade e a sociedade.

O caso discutido neste atio chama caamente a atenão paa apossibiidade de um cosmopoitismo ‘maina’, subateno, mas extao-dinaiamente imainatio quanto ao pode.38  O mundo contempoâneo,

38 A descooniaidade dos sees e dos conhecimentos uma condião necessáia paacapta a essência das fomas atenatias do cosmopoitismo, que auns deniam como‘enácuo’ (Bhabha, 1996), ‘tnico’ (Webne, 2002) ou ‘insuente e subateno’ (Santos,2006a). A possibiidade de outas acionaidades não centadas no Ocidente necessita

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corpos de violência, linguagens de resistência  207

muticentado, com inúmeos momentos enácuos e de impantaão eefoo tnico, maca a possibiidade de abetua à difeena cutua e à

possibiidade do cuamento de inúmeas aiantes de consciência cíica e desentidos de esponsabiidade moa, utapassando a dicotomia oca/unie-sa. Isso cooca a questão de sabe se o oca, o poinciano, o enaiamento,o cutuamente especíco e o demótico podem coexisti com o tansoca,tansnaciona, tanscendente, eitista, iuminista, uniesa e modeno Noteoba. Na edade, a questão fequentemente inetida, quando se suscita aquestão da possibiidade de hae um cosmopoitismo nomatio iuminadoque, em útima anáise, não esteja enaiado ocamente e cutuamente emcompometidas eadades e conhecimento.

 A expoaão dos cosmopoitismos mainais, actios na sua die-sidade, exempo, em contextos pós-cooniais, de uma inha de pesquisaaceca da dinidade, dos dieitos cutuais e de uma ampa ea de dieito,que incui o dieito à justia conitia, a pati de um cuamento de aciona-idades (Bhabha, 1996; Santos, 2006a).39 Neste contexto, uma pática acad-mica pós-coonia deeá oiina de um empenho constutio com o papedo pode na fomaão das identidades e das subjectiidades, bem como doeacionamento ente os sabees e as páticas poíticas.

Nampua epesenta um paimpsesto de cutuas, um sistema compexode iaões e contactos que são o supote paa o execício da taduão, com oobjectio de identica, expica e aaia o que comum na diesidade. Estecontactos e tansfomaões cutuais epesentam o esfoo socia paa (e)constui comunidades a pati das memóias e expeiências de difeentespessoas. Apesa de teem pontos de efeência difeentes, nestes espaosde inteacão as pessoas epatem sabees, o que impica a possibiidade dehae pontos comuns e contempoâneos, onde os hoiontes das memóias

de se desenoida atas das entes da cooniaidade, ocaiando as oiens espaciais

e tempoais da modenidade e as difeentes fomas e metamofoses desta. Emboa adifeena coonia – que se efee ao conhecimento e às dimensões cutuais de pocessossubatenos efectuados peo enconto coonia – ee às pesistentes difeenas cutuaiscom as estutuas de pode oba, a cooniaidade do se, como dimensão ontoóica dapesistência do cooniaismo, pocua identica as expessões com que o outo esponde àsubateniaão ou ao epistemicídio de outos conhecimentos deido ao enconto coonia(Santos, 2006a). Este tema iuamente etomado po áios autoes que inteam este

 oume.39 veja-se tambm o capítuo 1 deste oume, de Boaentua de Sousa Santos, assim

como o capítuo 15, de Dismas A. Masoo, que abodam esta temática.

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epistemologias do sul208

e expeiências se sobepõem e (e)intepetaões têm ua. Estes hoiontespemitem a coexistência e comunicaão da/na difeena; one de se unica-

mente um facto de famentaão e isoamento, esta diesidade tambmuma condião de patiha e soidaiedade. Esse pocesso afasta-se da ceteacatesiana, já que nee existe, nomamente, um aoáe questionamentoepistemoóico, a incetea e a inoância. A taduão de sabees e expeiên-cias desenda noas fomas de pensa o conhecimento, eando noas fomasde acomoda a diesidade do sabe da humanidade. Na senda da popostaaanada po Boaentua de Sousa Santos (2006a), pocessos equiaentespodem ea semehanas, as quais são itais paa quaque intepetaão,como foma de aaa e apofunda o diáoo intecutua ente fomas

e pocessos de conhecimento. A identicaão e a intepetaão de poces-sos semehantes e contempoâneos um momento-chae do pocesso deintecomunicaão, que tonaá possíe detecta fenómenos esquecidos,subateniados ao anaisa a simiitude destas memóias e expeiências.Em suma, as epistemooias dos Su, como Boaentua de Sousa Santos po-põe, ecamam o ecupea máximo das expeiências de conhecimentos domundo, aaando o espao de poduão de conhecimentos e de modos depensa, instauando a pópia possibiidade de faa com – em e de faa sobre – outos mundos e sabees.

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CAPTUlO 6

o resgate da epistemologia 1

 João Arriscado Nunes

Introduão Ao ono das útimas tês dcadas, o pojecto da epistemooia tem indo ase objecto de cítica e de uma tansfomaão que cuminou, ecentemente,no apaecimento de popostas de ejeião desse pojecto e da eiindicaão aee associada da capacidade de denião dos citios que pemitem estabe-ece o que e não conhecimento e como este pode se aidado. Essa tans-fomaão passou, sucessiamente, pea tansfeência da sobeania epistmicapaa o ‘socia’, pea edescobeta da ontooia e pea atenão à nomatiidadeconstitutia e às impicaões poíticas do conhecimento.

Paa auns, estaíamos peante uma ‘cise na’ da epistemooiaou, peo menos, peante a sua ‘natuaiaão’ ou histoiciaão denitia,ibetando-a da petensão de se estabeece como o ua de deteminaãodo que conta e não conta como conhecimento e da denião dos citios

que pemitem distinui e adjudica a edade e o eo. Ao mesmo tempo,contudo, foi anhando contonos uma consteaão de posiões cíticas daepistemooia que, mais do que pomoe e ceeba a sua dissouão, iiaa eiindica a necessidade de uma epistemooia adicada nas expeiênciasdo Su oba. é na oba ecente de Boaentua de Sousa Santos – que nosofeeceu aumas das mais petinentes e aanadas eexões cíticas sobe aona cise da epistemooia enquanto pojecto nomatio associado à ciên-

1

 A inestiaão que seiu de base a este atio foi eaiada no quado do pojecto Biograas de objectos e narrativas de descoberta nas ciências biomédicas, em cuso no Cento deEstudos Sociais e nanciado pea Fundaão paa a Ciência e a Tecnooia (Potua). Aa-deo aos meus coeas do Núceo de Estudos de Ciência, Tecnooia e Sociedade do CES,aos estudantes do Poama de Doutoamento ‘goenaão, Conhecimento e Inoaão’(CES/Facudade de Economia da Uniesidade de Coimba) e a Pete Tayo po me teemajudado a caica as pincipais inhas de aumentaão aqui apesentadas. Este atio pate de um já ono diáoo inteectua com Boaentua de Sousa Santos, a quem deo oencoajamento constante à expoaão dos debates epistemoóicos e das suas impicaõessociais, ticas e poíticas.

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cia modena –, que amos enconta a fomuaão mais adica e, ao mesmotempo, mais consistente de um ‘pensamento atenatio de atenatias’

neste domínio. Tata-se de um pojecto que, como pocuo aumenta maisadiante, ai mais am das cíticas da epistemooia que abiam caminho aoactua ambiente inteectua ‘pós-epistemoóico’, efundando adicamentea pópia noão de epistemooia no quado do que o auto desina como‘pensamento pós-abissa’.

Neste atio, e num pimeio momento, são discutidos os umos dacítica da epistemooia enquanto pojecto indissociáe desse fenómenohistóico que a ciência modena e que conduiam, em anos ecentes, àsposiões que postuam o abandono ou econuaão da eexão episte-

moóica a pati de um debate centado nas ciências e nas suas páticas. Naseunda pate, poponho aumas pontes possíeis ente essa cítica e a po-posta, aanada po Boaentua de Sousa Santos, de uma epistemologia do Sul .Essas pontes passam po eisita uma coente osóca que execeu, umas

 ees de foma expícita, outas de maneia menos isíe mas não menosimpotante, uma inuência decisia nas difeentes coentes cíticas da epis-temooia. Essa coente o pamatismo. A poposta de Santos conua,expicitamente, um pragmatismo  epistemológico, que apesenta continuidades,mas tambm impotantes eementos de inoaão em eaão ao pamatismocássico e à sua descendência.

 A teceia pate situa essa poposta dento do pojecto de uma cíticamais ea do pensamento associado à modenidade ocidenta como pen‑

 samento abissal  – e, em paticua, da sua eexão sobe os imites da cíticaintena do pojecto da modenidade, incuindo essa sua componente cen-ta que a ciência – e do pocesso de constuão do que o mesmo autodesina como pensamento alternativo de alternativas, um pensamento não abissal  (Santos, 2007b). A poposta de Santos assenta numa amaão positia dadiesidade dos sabees existentes no mundo. A caacteiaão dos difeentessabees e modos de conhece e a denião das condiões da sua aidaão

passam, nesta concepão, po um caminho que ecusa a ambião eisatiada epistemooia e a possibiidade de quaque foma de sobeania epist-mica. A dupa efeência à epistemooia e ao pamatismo e a sua associaãoàs expeiências dos opimidos no mundo em que iem constitui, simutane-amente, uma ponte possíe com a cítica da epistemooia enquanto po-jecto osóco e uma uptua com os pessupostos e condiões dessa cítica.Tona-se possíe, assim, uma dupa opeaão de ‘esate’ da epistemooia.Po um ado, esta deixa de esta connada à eexão sobe os sabees cien-

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tícos ou centada nea – mesmo se essa eexão passa po uma iaem‘natuaista’, que a tona indissociáe da inestiaão sobe as páticas, a

poduão de objectos e de enunciados, a sua cicuaão e aidaão, que de-nem os modos de existência dos sabees cientícos. A epistemooia passaa abane expicitamente todos os sabees – deixando de os tata apenasatas da sua eaão com os sabees cientícos – e pocua estabeece ascondiões da sua poduão e aidaão, indissociáeis de uma hieaquiaãoincompatíe com quaque foma de sobeania epistmica, mas tambmcom um eatiismo que, em nome da amaão da iua dinidade e ao detodos os sabees, acaba po inoa as consequências e as impicaões dessessabees, os seus efeitos sobe o mundo. A epistemooia do Su, enquanto

pojecto, sinica, ao mesmo tempo, uma descontinuidade adica com opojecto modeno da epistemooia e uma econstuão da eexão sobeos sabees que, como eemos, tona econhecíeis os imites das cíticas daepistemooia ta como eas têm emeido num quado ainda condicionadopea ciência modena como efeência paa a cítica de todos os sabees.

O popósito deste ensaio não o de popo uma eneaoia desse‘outo’ pamatismo, mas o de, expoando o pamatismo como ‘atacto’,contibui paa o poama de pesquisa esboado po Santos a pati da suaconcepão da oposião ente pensamento abissa e pós-abissa, em paticu-a quando subinha a impossibiidade de econhece os imites das cíticasà epistemooia no quado de um pensamento abissa. Mais pecisamente,pocua-se identica um possíe espao de diáoo ente epistemooia doSu e cítica (‘natuaista’, feminista, pós-coonia, epistemoáca, epistópicaou pamatista) da epistemooia.

1. Será a Epistemologia Solúvel – no Social, na Ontologia,na Ética, na Política…?

 A epistemooia enquanto pojecto osóco indissociáe da emeência econsoidaão da ciência modena. Se a sua petensão ea constitui-se numa

teoia do conhecimento, ea acabaia po se tona um pojecto paadoxa.Po um ado, a epistemooia petendeu identica um ua exteio a todasas fomas de conhecimento e de páticas de poduão de conhecimentoque pemitisse aaiá-as de maneia independente atas da adjudicaãoda sua capacidade de estabeece a distinão ente a edade e o eo, mastambm de deni os citios de distinão ente enunciados edadeios efasos. recoendo a uma anaoia com a eexão osóca sobe o pode,

 Joseph rouse (1996) desinou esta posião como ‘sobeania epistmica’. Ao

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mesmo tempo que postuaa a sobeania epistmica, pom, a epistemooiatomaa como modeo uma das fomas de conhecimento que se popunha

aaia, a ciência. De teoia do conhecimento, a epistemooia conetia-se,assim, em teoia do conhecimento cientíco. Am disso, e desde muito cedo,a epistemooia, especiamente nas suas esões conencionais, empiistas,positiistas ou eaistas, chocou com a constataão petubadoa de que,apesa das suas petensões nomatias, os seus enunciados eam – sao emsituaões muito paticuaes, iadas às exiências de defesa púbica da ciên-cia –, aamente inocados peos cientistas. Mais: ees paeciam muitas eesieeantes paa da conta das páticas de poduão do conhecimento cien-tíco. Não seá supeendente, po isso, que se tenha desenoido, ao ono,

sobetudo, do scuo XX, uma tadião de eexão pópia e autónoma decientistas tabahando em difeentes discipinas sobe a sua pópia pática esobe as espectias impicaões epistemoóicas.2

Mas foi duante as útimas dcadas do scuo XX que esta epistemoo-ia ‘imanente’ se expandiu, num pocesso que constituiu o tema pincipade Um Discurso sobre as Ciências, de Boaentua de Sousa Santos (1987). Essefenómeno não deixou de te inuência no pocesso paaeo que eio a sedesinado de ‘natuaiaão’ e histoiciaão da epistemooia. Na sua oi-em, está a assunão da cítica de que as condiões de poduão e aidaãodo conhecimento só podeiam se deteminadas de maneia adequada apati de um conhecimento das pópias páticas de poduão e aidaão deconhecimentos. Esse pocesso apesentou duas etentes pincipais. A pi-meia consistiu na decomposião da osoa da ciência e do conhecimentoem osoas especiaiadas, iadas a discipinas ou áeas de conhecimentoespecícas e eaboadas em eaão esteita com as páticas e debates nas dis-cipinas a que se efeiam. Um citio centa aqui paa aaia os enunciadososócos passou a se a compatibiidade destes com os enunciados podui-dos peas páticas cientícas. Um exempo especiamente inteessante destaoientaão o da osoa da biooia (Caebaut, 1993). A seunda etente

eou ao desenoimento de oientaões socioóicas e históicas no estudodos temas e conceitos da epistemooia. A ‘epistemoaa’, como he cha-mou o histoiado Pete Dea (2001), pocuaa assim examina, atas deestudos ancoados empiicamente, a nese e tansfomaão desses temas

2 veja-se o caso exempa de Nis Boh, que desinou a sua eexão como ‘osoa-física’. veja-se a discussão em Baad (2007), especiamente o capítuo 3.

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e conceitos atas da sua eaiaão pática em actiidades de poduão deconhecimento cientíco e nos debates e contosias atas dos quais esse

conhecimento ea aidado.3 Os estudos sociais da ciência, tanto nas difeentes esões da sociooia

do conhecimento cientíco como no conjunto de coentes que Pete Tayo(2008) desina po ‘constuão heteonea’, poduiam, ao ono de quasetinta anos, um impessionante conjunto de tabahos que foneceam umaimpotante base empíica e contibuiões eeantes paa as osoas ‘natua-iadas’ das ciências. A inexão da eexão epistemoóica foi acompanhadapo uma isibiidade cescente das epistemooias adjectiadas de constu-cionistas ou constutiistas, coespondendo a uma desocaão da sobeania

epistmica paa o socia (denido de maneias difeentes po coentes die-sas). A históia das ciências inspiada pea sociooia do conhecimento cientí-co, po sua e, mostou a impossibiidade de denião de citios de aaia-ão e aidaão do conhecimento que não estiessem ancoados em situaõese contextos históicos paticuaes. Conceitos como os de edade e eo,objectiidade e subjectiidade, obsea e expeimenta, descee e expica,medi e cacua, passaam, assim, a te sinicados e utiiaões aiáeis,confome os contextos. Uma consequência impotante deste tipo de estudosfoi a demonstaão de que a poduão de conhecimento cientíco enoe umconjunto de actoes, de sabees e de contextos distintos, e que a fonteia quesepaa a ciência dos seus ‘outos’ (senso comum, sabees ocais ou páticos,sabees indíenas, cenas, incuindo cenas eiiosas, osoa e humanida-des) obia a um tabaho de demacaão (boundary work) pemanente e a umesfoo de institucionaiaão das difeenas ente ciência e opinião, ciênciae poítica ou ciência e eiião (gieyn, 1999). A demacaão ente ciênciae não-ciência , assim, um pocesso macado pea continência, e não umasepaaão estabeecida de uma e po todas a pati de citios ‘sobeanos’.4 

3 Etnometodóoos como Michae lynch popuseam a expessão ‘epistópicos’ paadesina o estudo das fomas de eaiaão pática dos conceitos e cateoias da epistemo-oia (lynch, 1993, especiamente o capítuo 7).

4 Ao ono do scuo XX, foam áias as tentatias de pobematia as fonteiasente a ciência e os seus ‘outos’. Os tabahos de pamatistas como John Dewey (1991a),do mdico e bacteiooista poaco ludwik Feck (1980), pioneio dos estudos sociais daciência, ou as já efeidas eexões de Nis Boh contam-se ente as contibuiões maissinicatias das pimeias dcadas do scuo paa temas que continuam no cento dodebate.

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Neste pocesso, dee se eaada a contibuião da cítica feminista,tanto a que suiu no inteio das pópias discipinas cientícas como a que

foi desenoida no âmbito da osoa, da históia e dos estudos sociais daciência. Essa cítica pemitiu identica o que caia conhecido, num pi-meio momento, como as distoões mascuinistas tanto da epistemooiacomo das pópias teoias e conhecimentos substantios poduidos podifeentes discipinas. Foi, sobetudo, na biooia e na medicina que essainuência foi mais isíe, iniciamente.5  Mas as contibuiões da cíticafeminista iiam a se muito mais ampas, tanto em temos discipinaes(aaando-se à física, à enenhaia, à pimatooia ou às ciências sociais)como, sobetudo, atas de eexões mais aaadas sobe as condiões de

poduão do conhecimento, popondo conceitos como os de objectiidadefote e epistemooia posicionada (Hadin, 2004), conhecimento situado(Haaway, 1991), conhecimento socia (lonino, 1990) ou a indissociabii-dade do conhecimento e da nomatiidade (lonino, 1990, 2002; Couh,2003; Baad, 2007).

Uma noa inexão iia a maca o debate epistemoóico duante osanos 90, desta e iada ao postuado da centaidade das páticas na com-peensão da poduão de conhecimento. Esta oientaão ‘paxiáca’ (Mo,2002) deu oiem a um impessionante epetóio de tabahos de inestia-ão centados nas actiidades de cientistas, enenheios, mdicos e outospodutoes de sabees cientícos e tcnicos, ampiando e tansfomandoconsideaemente os pimeios passos dados nesse sentido peos chamadosestudos de aboatóio das dcadas de 70 e de 80. A inexão ‘paxiáca’tee duas consequências impotantes, que se eam senti tanto nos estu-dos sociais da ciência como na osoa da ciência. A pimeia tem a e como debate em tono da noão de ‘pática’ e, em paticua, da sua eaão como pobema da nomatiidade da actiidade cientíca. Na inha da eexãoabeta po Stephen Tune, ósofos e cientistas sociais inteoaam-sesobe a foma como as pópias páticas cientícas poduiam de maneia

‘imanente’ as nomas que pemitiam aaiá-as e aidá-as. O caácte cons-titutiamente nomatio das páticas cientícas seia assim defendido poósofos como Joseph rouse (2002), com a impicaão de que toda a actii-

5  veja-se Schiebine (1999), paa uma caacteiaão e discussão das eaõesente o feminismo, as ciências, a epistemooia e os estudos sobe a ciência. Paa umacompiaão das contibuiões mais eeantes at meados da dcada de 90, eja-se Keee lonino, 1996.

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o resgate da epistemologia  221

dade cientíca podu efeitos ou consequências que tonam o/a cientista co-esponsáe peas difeenas que essas páticas ciam no mundo. Nos estudos

sociais da ciência, autoes como Annemaie Mo e John law iiam a cunhaa expessão ‘poítica ontoóica’ paa desina essa indissociabiidade dasimpicaões conitias, mateiais e nomatias da actiidade cientíca e, emea, de todas as fomas de poduão de conhecimento.

 A oientaão ‘paxiáca’ tee duas consequências impotantes. Apimeia consistiu em tae paa o cento da eexão sobe o conhecimento,a sua poduão e as suas impicaões a questão da nomatiidade – um temaque iia a se etomado, sob os ocabuáios da tica e da poítica, em muitasdas discussões que ocoeam neste campo ao ono da útima dcada. 6  A

seunda está eacionada com o ‘eesso’ da ontooia como peocupaãocenta da eexão sobe a ciência e os sabees. Mais do que as condiõesde poduão e aidaão do conhecimento, essa eexão paece oientada,sobetudo, paa as suas consequências e impicaões, paa as difeenas queo conhecimento podu no mundo. Daqui at ao postua do abandono ou,peo menos, da secundaiaão da eexão epistemoóica. ai um passo, quefoi dado, po exempo, pea ósofa feminista Shayn Couh (2003). Maisecentemente, autoes como rouse e a física feminista Kaen Baad, aindaque pehando muitas das cíticas aanadas po Couh, têm pocuadoeconua a eaão ente a epistemooia, a ontooia e a tica, eanandoo debate sobe a possibiidade de uma ‘outa’ epistemooia. A contibuiãode Baad especiamente inteessante pea foma como ecupea e ampiao pojecto de uma ‘osoa-física’ de Nis Boh, no quado de uma eitua‘difactia’ de difeentes contibuiões feministas, pós-estutuaistas e dosestudos sobe a ciência.7  A ‘tica-onto-epistemo-oia’ de Baad constitui,poaemente, a esão mais adica do que pode descee-se como a cítica

6 veja-se, po exempo, o debate em tono da ‘iaem nomatia’, abeto peas ee-

 xões de Coins e Eans (2002) sobe os sabees peiciais e de lynch e Coe (2005) sobeos diemas dos especiaistas em Estudos sobe a Ciência quando chamados a intei comopeitos.

7 A eitua difactia, que haia já sido poposta po Donna Haaway (1997), distin-ue-se da eitua eexia po confonta eituas de posiões distintas de modo a poduidifeenas que ‘contam’ – ‘differences that matter ’ – no dupo sentido de sinicaem e detansfomaem mateiamente o mundo. Essa eitua, ta como quaque pocesso depoduão de conhecimento, , nesta pespectia, uma pática semiótica-mateia. Paauma apesentaão e discussão pomenoiada desta oientaão, eja-se Baad (2007) e oescaecedo comentáio de rouse (2004).

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epistemologias do sul222

intena do pojecto epistemoóico (Baad, 2007). O natuaismo defendidopo rouse (2002, 2004), po sua e, baseia-se em dois postuados, que ee

considea indispensáeis a quaque natuaismo osóco ‘obusto’: a) nãodeem se impostas estiões osócas abitáias à ciência; b) deem sedescatados todos os apeos a expicaões po foas sobenatuais ou ‘miste-iosas’. O seundo postuado tona pobemática a ampiaão de um natua-ismo assim concebido a outas páticas de poduão de conhecimento paaam da ciência. O pobema está em detemina o que conta como ‘sobe-natua’ ou ‘misteioso’ num dado modo de conhecimento. Ao pessupoa denião de uma e outa dessas quaicaões nos temos denidos peasciências, deixaia de se possíe anaisa de modo ‘natuaístico’ páticas que

inocam expicitamente essas entidades e que as constituem em eementoscuciais às desciões ou expicaões do mundo que eas popõem. Desteponto de ista, as popostas de autoes como Buno latou (1991, 1996) ouIsabee Stenes (1997) ão bastante mais one, ao assumi expicitamentea simetiaão das difeentes cosmoisões e modos de conhecimento e aopessupo a necessidade de inteoa os temos em que ees denem asentidades e pocessos que existem no mundo.8 

Uma obseaão atenta destes debates não podeá deixa de nota acontibuião, de outas oientaões cíticas do pojecto da epistemooia e,em paticua, das que estão associadas à cítica ao pópio pojecto da ciên-cia modena enquanto pojecto euocêntico e enquanto pate da dinâmicade cooniaidade que maca a eaão ente os sabees cientícos e outossabees e modos de conhecimento. Os tabahos de Sanda Hadin sãoum exempo de contibuião paa o debate ‘inteno’ sobe a epistemooiae sobe a ciência modena apoiada nos estudos pós-cooniais. Mas mesmoneste caso, notóia a dicudade em sai do quado euocêntico em queo debate se tem desenoado. recode-se, a títuo de exempo, que Hadin

8 Esta oientaão ‘natuaista’ tem sido objecto de um outo tipo de cítica, como ade Stee Fue (2000), que considea que, ao popo uma isão famentada da ciência,ea acaba po iniabiia a possibiidade de constuão de fomas de esponsabiiaão eoeno da ciência que não sejam baseadas na nomatiidade ‘imanente’ das áias páticascientícas. O pojecto de uma epistemooia socia, adoado po Fue, cuiosamente, aopetende combate essa famentaão, acaba po postua uma outa foma de sobeaniaepistmica, assente no contoo poítico ou cidadão sobe a ciência. A aumentaão deFue meece, contudo, se eada a sio pea foma como confee isibiidade aos pobe-mas associados ao que se tem chamado a oenaão da ciência.

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o resgate da epistemologia  223

(1998) defende a utiiaão do temo ‘ciência’ paa caacteia outosmodos de conhecimento e aoiá-os peante a desquaicaão que dees

pomoida pea ciência modena e euocêntica. Ainda que compeensíeenquanto pate de uma estatia de amaão do ao e da dinidade deoutos modos de conhecimento, esta posião pode te como consequência oefoo da autoidade epistmica da ciência, contibuindo paa a sua ampia-ão, em ua de pobematia a pópia adopão da ciência e do conheci-mento cientíco como padão paa afei a aidade e dinidade de todas asfomas de conhecimento. A cítica de Hadin mosta, assim, a dicudadeem sai do quado que o debate epistemoóico deniu paa a compeensãodo que conta como conhecimento. Um baano desse debate, incuindo as

popostas mais adicais de abandono do pópio pojecto da epistemooia,tona isíeis os obstácuos a pensa os conhecimentos e a sua poduão emtemos de uma diesidade que não necessite de um cento, constituído peaciência.

Seá possíe, então, desenha um pojecto que ecupee as peocupa-ões que estieam na oiem da epistemooia sem que esse pojecto acabepo ca efm da efeência centa à ciência modena enquanto padãoa pati do qua são aaiados e aidados outos sabees? Antes de passa àdiscussão dessa possibiidade e do modo como ea toma foma na popostade uma epistemooia do Su, necessáia uma bee incusão po uma ta-dião osóca que expicitamente eocada po esta útima, e que tee umainuência impotante, ainda que nem sempe expicitamente econhecida,nos debates atás mencionados. Essa tadião a do pamatismo. Na pateseuinte, discutida a eeância do pamatismo paa a epistemooia e paaa sua cítica.

2. Pragmatismo, Epistemologia e Pragmatismo EpistemológicoO pamatismo enquanto coente osóca fequentemente caacteiadocomo a única foma oiina de osoa poduida nos Estados Unidos, como

esutado do enconto das tadiões osócas euopeias com as condiõespaticuaes da expeiência da edicaão da sociedade note-ameicana. Opamatismo foi a coente dominante na osoa ameicana desde a iaemdo scuo XIX paa o scuo XX, at te sido destonado, na seunda metadedeste, pea osoa anaítica. O conhecimento e a ciência constituem, nashistóias do pamatismo, um tema centa. Os pamatistas cássicos – Cha-es Sandes Peice, Wiiam James e John Dewey – dedicaam muitas páinasà discussão das condiões de poduão e de aidaão do conhecimento e,

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em paticua, do conhecimento cientíco. A ideia de comunidade em Peicetoma mesmo como modeo a comunidade dos podutoes de conhecimento

cientíco. James tatou de maneia oiina a questão da diesidade dosmodos de conhece e da sua eaão com a expeiência, e Dewey foi tae, deente os ósofos pamatistas, o que mais contibuiu paa a eexão sobe ascondiões sociais daquio a que chamaa inquiry, o pocesso de enoimentoactio com o mundo atas da constuão de conhecimentos e de expeiên-cia esutante de actiidades coectias ou, nas paaas do pópio Dewey, as‘maneias de inestia’ que dão foma ao ‘conjunto de estatias inteien-tes paa esoe pobemas’, sejam estes pobemas páticos (associados àsmútipas situaões da ida quotidiana, ou teóicos (como os pobemas cien-

tícos), ‘de facto’ (como descee uma entidade ou pocesso) ou ‘de ao’(o que fae em deteminada situaão) (Dewey, 1991a). é em Dewey queencontamos a fomuaão mais enfática da continuidade ente os difeentesmodos de conhece associados a difeentes fomas de expeiência coectiae de ida socia.

Confome os comentadoes, possíe e as contibuiões dos pa-matistas paa a teoia do conhecimento, seja como uma ‘anti-epistemooia’,que postua a impossibiidade de aboda o conhecimento a não se atasdas eaões mutuamente constitutias que mantm com a expeiência domundo e com as condiões do enoimento com este no quado de comuni-dades, seja como uma coente que popõe uma isão oiina da epistemoo-ia. A pimeia intepetaão apoiada nas cíticas que Dewey diiiu à epis-temooia em difeentes momentos da sua ona e podutia caeia, desdea sua diatibe conta “essa variedade bem documentada de tétano intelectual chamadaepistemologia” (Dewey, 1977) at à denúncia da ‘indústia epistemoóica’, daepistemooia como actiidade especuatia e auto-efeencia, consistindona discussão de conceitos sem efeência aos pocessos ocoendo no mundoe aos sujeitos desses pocessos (Dewey, 1991b). A seunda intepetaãoapoia-se no inteesse que Dewey nunca deixou de manifesta na eucidaão

dos pocessos de poduão de conhecimento, da eaão ente conhecimentoe expeiência e de aidaão do conhecimento e que constituem a matiacenta de aumas das suas obas mais impotantes, cuminando em Logic: theTheory of Inquiry, de 1938.9 Em todo o caso, e a aceita-se a existência de uma

9  Paa uma exceente discussão do que pode se uma epistemooia pamatistainspiada na oba de Dewey, eja-se Hickman, 2001.

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o resgate da epistemologia  225

epistemooia pamatista, esta apesenta caacteísticas substanciamentedifeentes das coentes que dominaam a epistemooia duante ande

pate do scuo XX. De facto, ea eou, em difeentes momentos, a entendi-mentos opostos do que ea o seu pojecto. A ideia de que toda a ida socia(incuindo a ate, a eiião e a poítica) podeia se intepetada a pati deum ocabuáio ‘empestado’ da ciência e da epistemooia – e apesa de nãose essa a posião, po exempo, de Dewey –, acabaia, paadoxamente, pocontibui paa que os defensoes autopocamados da ciência e da aciona-idade atiassem Dewey paa o ado ‘eado’ da inha epistemoóica abissa,e paa que os cíticos das concepões dominantes da epistemooia o acusas-sem, po ees, de ‘cientismo’.

Conm ecoda beemente, numa síntese que, ineitaemente,não fa justia à iquea e diesidade intena das posiões dos pamatistascássicos, os aspectos centais da osoa pamatista, em paticua no es-peitante ao conhecimento:

– A máxima pragmática (Peice, 1992: 132) postua que um objecto (ouentidade) pode se denido peo conjunto dos seu efeitos, ou seja, po tudoaquio que ee fa, como diia James, impicando que não tem essência, eque a sua denião pode tansfoma-se à medida que ão sendo conhecidosnoos efeitos.

– Paa Dewey, se uma coisa aquio que ea fa, o conhecimento esutade um pocedimento expeimenta – a que chamou inquiry  – baseado noque acontece quando inteaimos com objectos e entidades no mundo, “atransformação controlada ou directa de uma situação indeterminada numa outra que étão determinada nas suas distinções e relações constituintes que converte os elementos da

 situação original num todo unicado”. A situação denida que emee desta actii-dade o esutado de uma opeaão de tansfomaão dos eementos de umasituaão abeta a áias intepetaões, mas tambm a áios futuos, ciandoo que Dewey chama um noo “universo de experiência” (Dewey, 1991a: 108). Opocesso de poduão de conhecimento, seundo Dewey, ocoe atas de

actiidades coectias de difeentes tipos, que conuam, no seu conjunto,o que ee desina po ‘maneias de inestia’ ou ‘conjunto de estatiasinteientes paa esoe pobemas’ (Dewey, 1991a, 1991b).

 – ‘Památico’ sinica, seundo o mesmo auto, que as consequências“ funcionam […] como testes necessários da validade das proposições desde que essas con‑

 sequências sejam instituídas de maneira operacional e sejam tais que permitam resolver o problema especíco que suscitou essas operações” (Dewey, 1991a: 4).

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– A noão de verdade, nesta pespectia, associada ao que Dewey de-niu como ‘waanted assetibiity’, isto , como enunciados ou amaões

justicados e sempe susceptíeis de eisão (Dewey, 1991a, 1991b).Boaentua de Sousa Santos (1989) efee-se ao pamatismo como

uma das pincipais inspiaões da sua cítica à epistemooia conenciona. James, Dewey e Benstein, em paticua, apaecem como efeências impo-tantes de uma concepão do conhecimento, da sua poduão e aidaão que,como o mesmo auto iá a eama quase duas dcadas depois, piieiaas consequências em ua das causas. O pamatismo continuaá a se umapesena impotante na oba posteio de Santos, e ee eapaece de fomaexpícita nas suas abodaens da ciência e dos conhecimentos ‘outos’. Mas

a foma que ai assumi a apopiaão do pamatismo nessa oba ai passapo impotantes tansfomaões, que o situam num unieso cateoia dis-tinto do que encontamos em 1989. Ea não pode se dissociada do encontocom as expeiências do Su, não a pati da imposião de quados teóicosou de citios epistemoóicos ‘impotados’, mas de um estio de inestia-ão e de poduão compometida de conhecimento que ai enconta a suaexpessão mais sinicatia no pojecto A Reinvenção da Emancipação Social .10 Todo esse pojecto pode se ido como uma econstuão adica de umpamatismo que pocua emancipa-se dos útimos esquícios do pojectoda epistemooia conenciona – nomeadamente da sobeania epistmica –,simetiando os sabees existentes no mundo e, ao mesmo tempo, ancoandoa eexão sobe ees no seu caácte situado e nas condiões ocais e situa-das da aidade de cada um dees, afeidas a pati das suas consequências.

 A eaiaão desse poama depaa-se, contudo, com aumas di-cudades. A aaiaão de um dado modo de conhecimento ou de um sabepeas suas consequências impica que existam citios a pati dos quaisessa aaiaão possa se feita. Uma aaiaão não uma mea descião deconsequências. E, se tiemos em conta que o pópio sabe sobe os sabeesa pati do qua se pocua eaia essa aaiaão ee pópio sujeito a con-

diões que têm de se aaiadas, o impeatio de deni citios e padõesde aaiaão que possam se objecto de pestaão de contas ao upo oucoectio enoido na poduão ou uso do conhecimento ou po este afec-tado tona-se uma condião indispensáe paa eita o eatiismo. A posiãode Santos consiste em toma como ponto de patida da sua concepão de

10 veja-se Santos (o.), 2003b, 2003c, 2004a, 2004b e 2005.

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conhecimento a expeiência e o mundo dos opimidos. Esta posião difeeda dos pamatistas cássicos, na medida em que toma deibeadamente

o patido de piieia citios de aaiaão dos conhecimentos assentesna defesa e pomoão da ida e da dinidade dos opimidos. Em Dewey, oauto que, dos pamatistas cássicos, eou mais one a eexão sobe asimpicaões poíticas do pamatismo, a noão de ‘comunidade’ ea utiiadade maneia demasiado aa paa pode considea de maneia adequada oefeito das desiuadades e das eaões de pode. Na pespectia de Santos,o citio de aaiaão de um dado conhecimento depende do modo comoee afecta a condião dos opimidos. Uma epistemooia památica , pois,indissociáe do econhecimento do caácte constitutio da nomatiidade

na poduão de conhecimento e na sua aaiaão. é impotante emba queauns autoes que, como Santos, podemos situa na ‘consteaão da ibeta-ão’ (temo inspiado em Adono e que tomo empestado a Benstein, 1991)– como o caso de Pauo Feie e Enique Dusse – assumem posiões muitopóximas, mesmo quando não desenoem expicitamente as suas impica-ões epistemoóicas.

é esta peocupaão que pemite enconta uma coneência comconcepões da cítica epistemoóica que pocuaam eucida a dimensãoconstitutia da nomatiidade nas páticas cientícas e deni a esponsa-biidade inaienáe dos cientistas ou podutoes de conhecimento nos seusefeitos sobe o mundo (o que, como já foi efeido, tem sido denominadotambm poítica ontoóica). A epistemooia do Su, ao mesmo tempo queexpoa o eado do pamatismo, com o qua patiha a ideia da indissocia-biidade da poduão de conhecimento e da inteenão tansfomadoa nomundo, apesenta, contudo, a difeena em eaão a ee de se situa expícitae inequiocamente do ado dos subatenos e dos opimidos, confeindo àsnoões de comunidade ou de púbico um conteúdo mais peciso do que oeam pamatistas como Dewey e acentuando os aspectos conituais ouaonísticos do enoimento actio com o mundo, que decoem de uma

diesidade de fomas de desiuadade e de opessão e de esistência a eas. As históias conencionais, mas tambm aumas tentatias mais ecen-

tes de econstuão da eneaoia do pamatismo, têm-no caacteiadocomo, ao mesmo tempo, uma eapopiaão de áias tadiões da osoaeuopeia e a inenão de um pensamento oiina diiido às cicunstânciaspaticuaes da constituião históica e da eouão da sociedade note-ame-icana. Mesmo as intepetaões adicais, como a de Cone West (1989),situam as oiens do pamatismo na expeiência dos descendentes dos coo-

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nos euopeus, ainda que pocuem mosta a impotância das contibuiõesda expeiência aficana-ameicana ou da cítica feminista no seu desenoi-

mento posteio.11

Uma eintepetaão ecente da históia do pamatismo, popostapo Scott Patt (2002), popõe uma eneaoia difeente. Esse ‘pensamentonote-ameicano’ oiina seia muito mais do que a fusão da apopiaãoda tadião osóca euopeia e a intepetaão das noas cicunstânciasencontadas peos cooniadoes e seus descendentes. A oiem do pa-matismo estaia, antes, no modo como, no enconto ente os coonos e ospoos natios da Costa leste da Amica do Note, se foi fojando, contao que Patt desina de atitude coonia, uma ‘óica do ua’, baseada no

econhecimento da diesidade de comunidades humanas e das suas ea-ões com os espaos em que se insceem as suas históias. Neste pocesso,um conceito natio, o de  wunnégin  (um temo naanasett que pode setaduido po ‘boas-indas’, e com equiaente em outas ínuas e cutuasnatias da mesma eião), cia as condiões paa um outo modo de eacio-namento. Este basea-se-ia ao mesmo tempo, no econhecimento e espeitopeas difeenas e no enoimento mútuo ente difeentes comunidades, demodo a cia fomas de ida em comum pacícas e capaes de fae ‘cesce’as eaões e as capacidades das difeentes comunidades enoidas. Nestapespectia, o conito e a ioência não estão ausentes, mas apaecem sempecomo esposta a ioaões da ‘óica do ua’, como as associadas à atitudecoonia.

é na históia dessa concepão e das páticas a ea associadas, e nas dife-entes maneias como, desde o scuo XvII, com o peado dissidente roe

 Wiiams, passando depois, no scuo XvIII, po uas como CadwaadeCoden ou Benjamin Fankin e, no scuo XIX, lydia Maia Chid e raph

 Wado Emeson, at aos pamatistas cássicos e a uas como Jane Addams, W. E. B. Du Bois, Aain locke e outos, se foam denindo os quato andes

11 Ao discuti as coneências ente o pamatismo e a osoa da ibetaão atino-ameicana, Enique Dusse ainda endossa a ideia de que “o pragmatismo é a losoa própriados Estados Unidos”, e de que os seus “ primeiros antecedentes” se podem “rastrear ” em 1867, nosanos a seui à guea da Secessão e duante o peíodo de eunicaão do país e de iníciodo pocesso de tansfomaão económica e socia que conduiia à expansão impeia nosnais desse scuo (Dusse, 1998: 237). A aumentaão de Dusse sobe a coneência dasduas coentes osócas podeá enconta aumentos obustos na eneaoia atenatiapoposta po Patt, e que discutida a seui.

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pincípios que caacteiam, seundo Patt, o pamatismo, e que enfomama concepão pamatista do conhecimento e da sua poduão: inteacão,

puaismo, comunidade e cescimento ( growth). Cada um destes pincí-pios entendido de maneia ao mesmo tempo especíca e em eouão. Opincípio da inteacão está na base de toda a concepão pamatista dosobjectos, entidades e pocessos existentes no mundo, cuja caacteiaãoadequada passa po conhece as suas eaões ou inteacões com outos. Oenoimento com o mundo consiste no enoimento mútuo dessas entida-des e pocessos puais, sempe no quado de uma comunidade que pemitedeni o sentido desse enoimento. O modo como esse enoimento aaiado depende da sua contibuião paa o cescimento das comunidades

enoidas e dos membos dessas comunidades, entendendo-se cescimentocomo a extensão das suas eaões, a ampiaão das suas capacidades ou oaumento do bem-esta. ‘Cesce’ adquie, neste caso, um sentido póximo doque se atibui ao ‘cesce’ indiidua dos sees humanos, mas consideando-osempe numa pespectia eaciona.12 Apoiado nesta eneaoia, Patt ede-ne deste modo o pocesso de emeência do pamatismo cássico:

 Na última década do século XIX, Dewey, Peirce e James conseguiram combinara ciência experimental e baseada na comunidade de Franklin13, o activismo social das

 pragmatistas feministas e correntes da losoa europeia numa epistemologia e ontologiaque começa na experiência vivida. Num certo sentido, os compromissos da atitude indígena

 passaram a ser expressos numa outra lógica. Partindo do processo de dúvida e inquirição,nos termos de Peirce, essa lógica convergiu com a concepção, avançada por James, de uma

 subjectividade localizada socialmente, delimitada por condições  materiais, pela siologia, por hábitos, e pelas visões dos outros, e depois, com Dewey, com a ampliação da lógica

12 ‘Cescimento’ sinica, pois, paa os pamatistas, ao de adicamente difeentedo que entendido como ta pea economia.

13

 Patt popõe uma eanáise das concepões e páticas da ciência expeimenta emCadwaade Coden e Benjamin Fankin que antecipam peocupaões expessas peospamatistas, tais como a ideia de que o conhecimento das coisas e das suas difeenas“consiste nas suas diferentes acções, ou maneira de agir ” (Coden, citado po Patt, 2002: 196).

 A utiidade da ciência expeimenta não está nem no conhecimento das causas, nem nasapicaões, mas naquio que as coisas faem (ou seja, como eas inteaem), e naquio quese podeá fae com esse conhecimento, seja paa podui mais conhecimento, seja paa oapica. Contaiamente a uma intepetaão ua da concepão pamatista, não , pois,pea sua utiidade ou pea sua apicaão que um conhecimento aaiado, mas po aquioque com ee se faá no futuo.

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experimental, que se tornaria a lógica do naturalismo  cultural. Em cada um destes casos,o desenvolvimento losóco formal foi delineado sobre uma atitude herdada em parte do

 pensamento dos nativos  [note-]americanos que emergiu ao longo da fronteira com a América Europeia. Essa atitude indígena esperava já encontrar sentido nas interacções num

contexto pluralista, enquadrado em comunidades, e tendo como objectivo o crescimento (Patt, 2002: 283).

Esta pespectia pode ajuda a compeende como e po que que opamatismo apaece, ao mesmo tempo, como uma das fomas cetamentemais adicais de cítica do pensamento abissa e, em paticua, do pojectoda epistemooia, e como um ecuso paa o esate da epistemooia, paa

a sua econstuão adica como epistemooia do Su e como pate da eme-ência de um pensamento pós-abissa.14 

3. O Resgate da EpistemologiaNum atio que cumina uma ona eexão cítica poonada po um taba-ho de identicaão e econhecimento da diesidade de fomas de conheceque coexistem e/ou se confontam no mundo, Boaentua de Sousa Santosfundamenta o ambicioso pojecto de uma epistemooia atenatia, umaepistemooia do Su, na constuão mais ampa de uma caacteiaão dopensamento ocidenta ou do Note como pensamento abissal .15 Paa quem tieacompanhado de peto os debates epistemoóicos que foam tatados napimeia pate deste atio, esta poposta podeá suscita auma pepe-

 xidade. Se a epistemooia um pojecto osóco indissociáe da ciênciamodena e que tee sempe no seu cento a justicaão e eitimaão da auto-

14  O pamatismo cássico eio a da oiem, ao ono do scuo XX, a difeentescoentes, com oientaões po ees muito distintas. O neopamatismo de richad roty

teá sido, poentua, a coente com mais isibiidade. A itaidade do pamatismo, con-tudo, e em paticua a sua capacidade de tansfomaão atas do diáoo e aticuaãocom outas coentes osócas e cientícas e com difeentes moimentos sociais podeáse apeciada de maneia mais adequada atas das contibuiões incuídas em obascoectias, como Hoine e Depew (1995), Hickman (1998), Dickstein (1998), Haskinse Seipe (1999), Seified (2002), Shusteman (2004), Kasenti e Qu (2004) e Debaise(2007). veja-se tambm o impotante ensaio de West (1989) e a sua poposta de um ‘pa-matismo poftico’.

15 Este tema abodado em maio detahe po Boaentua de Sousa Santos no capí-tuo 1 deste oume.

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idade epistmica desta, seá possíe concebe uma epistemooia que nãose oanie em tono da ciência enquanto padão de todo o conhecimento?

Não sendo possíe, no quado deste atio, econstui a eneaoia dapoposta de Santos – o que teá de se deixado paa outa ocasião –, impo-tante comea po uma bee e, necessaiamente, simpicada caacteiaãodo modo como se fe a passaem da cítica da epistemooia, uma peocu-paão que tem pecoido a oba de Santos ao ono dos útimos 30 anos, aodesao de uma epistemooia do Su que, em tabahos mais ecentes, eioancoa-se na oposião ente pensamento abissa e pensamento pós-abissa.Nesta pespectia, a ciência e a epistemooia não desapaecem no quado deum pensamento pós-abissa, mas passam a existi numa conuaão distinta

de sabees, que Santos desina po ecooia de sabees. As contibuiões de Santos paa o debate epistemoóico no Note(Santos, 1987, 1989, 2000, 2003a, 2007a, 2007b; Nunes, 2003, 2007) caac-teiam-se pea identicaão de um conjunto de pocessos e de manifesta-ões de cise que são intepetados no quado de uma cise mais ea dopojecto da modenidade. O adjectio ‘pós-modeno’ foi, assim, utiiado,em difeentes momentos, como uma foma estenoáca de caacteia umpocesso de tansfomaão que questionaa o pópio pojecto da ciênciamodena e a sua iabiidade. Nessas contibuiões, a eexão centaa-se nasdinâmicas intenas das ciências e no que o auto iia a descee como asmanifestaões do seu puaismo inteno. A cise das epistemooias conen-cionais ea abodada a pati de uma eexão epistemoóica que continuaaa te como seu cento pincipa as ciências, mas com uma difeena: pocu-aa expoa as fomas de eacionamento das ciências com outos sabees eexpeiências.

 A passaem desta eexão a um outo enquadamento tonou-se possí- e a pati do enoimento com as expeiências do Su e com as inteoa-ões po estas suscitadas sobe a eeância dos sabees do Note paa abo-da um mundo que mais do que o mundo ocidenta e uma compeensão

do mundo que não se esota, como tem amado Santos, na compeensãoocidenta do mundo. Essa passaem tem sido descita de áios modos poSantos, mas enconta-se bem esumida no títuo de um dos seus tabahos:“ Do pós‑moderno ao pós‑colonial e para além de um e de outro” (Santos, 2006: 23--46). Mais ecentemente, na oposião ente o pensamento abissa asso-ciado à modenidade e um pensamento pós-abissa associado a uma ecooiade sabees que a dimensão epistemoóica desse tabaho de constuão deum ‘pensamento atenatio de atenatias’ ea à fomuaão do pimeio

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esboo do que podeá se um poama de inestiaão sistemático sobe asquestões epistemoóicas suscitadas peo peíodo de tansião em que ie-

mos (Santos, 2007b). Uma pate cucia desse poama seá, pecisamente,a inteoaão e edenião dos citios e pocedimentos que pemitemestabeece o que conta como conhecimento ou como sabe. Santos fomuatês andes conjuntos de inteoaões:

a) Qual a perspectiva a partir da qual poderemos identicar diferentes conhecimen‑tos? Como podemos distinguir o conhecimento cientíco do conhecimento não‑cientíco?Como distinguir entre os vários conhecimentos não‑cientícos? Como se distingue o conhe‑cimento não‑ocidental do conhecimento ocidental? Se existem vários conhecimentos ociden‑

tais e vários conhecimentos não‑ocidentais, como distingui‑los entre si? Qual a conguraçãodos conhecimentos híbridos que agregam componentes ocidentais e não‑ocidentais? 

b) Que tipos de relacionamento são possíveis entre os diferentes conhecimentos?Como distinguir incomensurabilidade, contradição, incompatibilidade, e complementari‑dade? Donde provém a vontade de traduzir? Quem são os tradutores? Como escolher os par‑ceiros e tópicos de tradução? Como formar decisões partilhadas e distingui‑las das impostas?Como assegurar que a tradução intercultural não se transforma numa versão renovada do

 pensamento abissal, numa versão ‘suavizada’ de imperialismo e colonialismo? c) Como podemos traduzir esta perspectiva em práticas de conhecimento? Na busca

de alternativas à dominação e à opressão, como distinguir entre alternativas ao sistemade opressão e dominação e alternativas dentro do sistema ou, mais especicamente, comodistinguir alternativas ao capitalismo de alternativas dentro do capitalismo? (Santos,2007b: 33)

O caminho apontado po estes conjuntos de inteoaões pate dedois postuados que, à pimeia ista e seundo os citios defendidos peascoentes dominantes da epistemooia modena, seiam incompatíeis.O pimeio o do econhecimento da dinidade e da aidade de todos ossabees. O seundo o da ecusa do eatiismo, ou seja, da ideia de que todos

os sabees se equiaem. A posião de Boaentua de Sousa Santos a de con-sidea que a aceitaão do pimeio postuado impica, de facto, a aceitaãodo seundo. reconhece a aidade e dinidade de todos os sabees impicaque nenhum sabe podeá se desquaicado antes de te sido posta à poa asua petinência e aidade em condiões situadas. Inesamente, a nenhumafoma de sabe ou de conhecimento dee se outoado o piiio de seconsideada como mais adequada ou áida do que outas sem a submete aessas condiões situadas e sem a aaia peas suas consequências ou efeitos.

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Nenhum sabe podeá, assim, se eeado à condião de padão a pati doqua seá afeida a aidade dos outos sabees sem considea as condiões

situadas da sua poduão e mobiiaão e as suas consequências. As opeaõesde aidaão dos sabees decoem, pois, da consideaão situada da eaãoente estes, conuando uma ecologia de saberes. Dado que a “ecologia de saberesnão concebe os conhecimentos em abstracto, mas antes como práticas de conhecimentoque possibilitam ou impedem certas intervenções no mundo real ”, Santos ai caacte-ia a sua posião como um pragmatismo epistemológico, “ justicado [acima detudo] pelo facto de as experiências de vida dos oprimidos lhes serem inteligíveis por via deuma epistemologia das consequências” que, “no mundo em que vivem, […] vêm sempre

 primeiro que as causas” (Santos, 2007b: 28).16

O pojecto de uma epistemooia do Su indissociáe de um con-texto históico em que emeem com paticua isibiidade e io noosactoes históicos no Su oba, sujeitos coectios de outas fomas de sabee de conhecimento que, a pati do cânone epistemoóico ocidenta, foaminoados, sienciados, mainaiados, desquaicados ou simpesmenteeiminados, ítimas de epistemicídios tantas ees pepetados em nome daraão, das lues e do Poesso. Nesta pespectia, o que conta como conhe-cimento muito mais do que a epistemooia conenciona – e a sua cítica,mesmo a ‘natuaista’ – admite. O econhecimento da diesidade das fomasde conhece – uma diesidade cujos imites são impossíeis de estabeecepeiamente ao enoimento actio com essas fomas – obia a edenias condiões de emeência, de desenoimento e de aidade de cada umadessas fomas, incuindo a ciência modena, que passa assim a se objecto deuma aaiaão situada que obia à ‘simetiaão’ adica de todos os sabees.Os citios que pemitem detemina a aidade desses difeentes sabeesdeixam de se efei a uma padão único – o do conhecimento cientíco – epassam a se indissociáeis da aaiaão das consequências desses difeentessabees na sua eaão com as situaões em que são poduidos, apopiadosou mobiiados. A difeena que esta posião apesenta em eaão às epis-

temooias ‘natuaistas’ está na ampiaão e tansfomaão da ideia de que,se só podemos compeende e aaia os sabees quando os abodamos como

16 Nouto ua, no mesmo atio, Santos suee a necessidade, no peíodo de tan-sião em que nos encontamos, de uma “epistemologia negativa ou residual ” ou como “epistemo‑logia da impossibilidade de uma epistemologia geral ” (Santos, 2007b: 24). A epistemooia do Suenquanto pamatismo epistemoóico seá, assim, a foma que assume essa epistemooiade tansião.

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páticas, não se compeende po que cetas páticas podeão se excuídasdessa compeensão e aaiaão po postuaem o ecuso a expicaões ou

intepetaões que inocam entidades ou pocessos que uma foma paticu-a de sabe – a ciência modena – ejeita ou caacteia como inexistentes.é o caso, po exempo, da efeência a entidades sobenatuais ou a foasque não podem se descitas ou expicadas no quado da cosmooia acio-naista que enquada a ciência modena, mas são cuciais paa as expicaõesdo mundo, das coisas e dos sees que foam eaboadas no quado de outascosmooias e fomas de enoimento actio com o mundo. Se a demonsta-ão da edade de um enunciado ou da ecácia de uma acão está nas suasconsequências, não faá sentido postua a excusão ex ante de cetas fomas

de descião ou de expicaão como fasas ou iacionais. A emeência do pópio pojecto de uma epistemooia do Su deese compeendida como pate de uma históia, de um pecuso que patedo enoimento cítico com as epistemooias dominantes associadas àsciências modenas, com as suas tensões, dinâmicas de debate e popostas deinoaão, coneindo com o que Santos desinou de cítica intena da ciên-cia. Num seundo momento, a cítica das ciências passou a outo patama, oda cítica a pati de sabees, conhecimentos e páticas que a epistemooiadominante caacteia como não-cientícos ou aos quais, sumaiamente,nea quaque ao conitio. Neste seundo momento, a pópia concep-ão da epistemooia como discuso nomatio sobe as ciências, como uade eaboaão de uma sobeania epistmica que pemite distibui a quai-dade do que e não conhecimento que posta em causa. A consequênciadeste passo , apaentemente, paadoxa. Se a epistemooia um pojectoheemónico, de imposião de uma sobeania epistmica, indissociáe daciência modena, como entende um pojecto atenatio que etoma apópia ideia de epistemooia paa caacteia de maneia positia a die-sidade das fomas de conhecimento existentes no mundo e as condiõesda sua aidade? Num texto ecente, Santos aponta duas chaes que pemi-

tem esponde a este apaente paadoxo. O pimeio a caacteiaão daepistemooia do Su como uma epistemooia ea da impossibiidade deuma epistemooia ea. Esta concepão incomensuáe com a de umaepistemooia que dene a sobeania epistmica, que atibui a uma fomade conhecimento o pode de deni a existência e a aidade de todos osoutos modos de conhecimento. O seundo a fomuaão de um poamade inestiaão que impica eexamina a epistemooia dominante a patidos ohaes noos ancoados nas expeiências históicas e emeentes do Su.

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Estes podem se os pontos de patida paa, seuindo uma ia abeta peopópio Boaentua de Sousa Santos em tabahos anteioes, pocua um

enoimento actio e cítico com as esões da epistemooia do Note quemais aanaam na cítica à epistemooia dominante, e que meho podeãopotaonia um diáoo que tenha como hoionte a descooniaão daeexão epistemoóica. As condiões de iabiidade desse diáoo, contudo,estão ainda one de se eaiadas. O que sepaa a cítica epistemoóicapoduida no Note da epistemooia do Su adica numa oposião maisampa ente um pensamento abissal , associado ao pojecto da modenidade, euma diesidade de fomas de pensamento que apontam paa a emeênciade um pensamento pós-abissa.

No que se efee à epistemooia, o pensamento abissa funda-se no queSantos desina de linha abissal epistemológica. A inha abissa epistemoóicaapesenta uma etente intena e uma etente extena. A pimeia coocatodos os sabees e enunciados com petensão a enunciados de conhecimentoque não sejam econhecidos peas fomas ientes de execício da sobea-nia epistmica – sumaiamente ‘aumados’ do ado da não-ciência – como

 ectoes de eo ou de inoância, como cenas ou fomas de supestião. A seunda etente ampia essa desquaicaão, seja atas da apopiaãode auns desses sabees, mas condicionando a espectia aidaão ao ti-buna da sobeania epistmica ou às sobeanias paticuaes de difeentesdomínios do sabe ceticado – eja-se, po exempo, a tansfomaão dossabees ocais sobe a biodiesidade em ‘etno-ciências’ –, seja eiminando-asou àquees(as) que são os sujeitos desses sabees, atas de difeentes fo-mas de epistemicídio – desde a eaneiaão e a escoaiaão ao enocídioou à deastaão ambienta. A tansfomaão do sabe e do conhecimentoem ao que pode se objecto de apopiaão piada, sepaado dos que opoduem, tanspotado, compado e endido, sujeito a fomas de dieitode popiedade estanhas ao contexto em que esse sabe ou conhecimentofoi poduido e apopiado coectiamente coesponde, de facto, a uma

opeaão de eiminaão obscuantista de sabees e de expeiências, em nomeda sua acionaiaão e da sua subodinaão aos cânones epistemoóicosassociados à ciência modena. Esse esutado pode se obtido, assim, atasde dois caminhos: o da destuião física, mateia, cutua e humana, e o daincopoaão, cooptaão ou assimiaão (Santos, 2007b: 9).

Peante este panoama, at que ponto e como seá possíe aimenta aespeana de um diáoo constutio ente as fomas de cítica epistemoó-

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ica ‘imanente’ que têm macado o debate no Note e a epistemooia do Suem constuão?

Se as cíticas ‘natuaistas’ e feministas e as oientaões mais ecentesdos estudos sociais da ciência têm pocuado eucida a eaão constitutiaente o epistemoóico, o ontoóico e o tico-nomatio que caacteia ossabees cientíco-tcnicos modenos, pouco caa a sua posião em eaãoaos ‘outos’ sabees, não-cientícos, e às condiões da sua aidaão. é cetoque o que a cítica feminista tem desinado de epistemooias ‘posicionadas’ou situadas tem em atenão as difeentes conuaões de sabees que sãoaccionadas po actoes especícos, incopoando históias ou expeiênciascoectias, em cicunstâncias ou situaões paticuaes. Mas a aidaão

desses outos sabees, como sueido peos tabahos de Hadin, paecepassa pea sua incusão num epetóio aaado de ‘ciências’ ou de sabeescientícos, como se fosse necessáio esse econhecimento nos temos dosmodos heemónicos de conhecimento paa que o diáoo ente os sabeesse tone, senão possíe, peo menos podutio. Seia eítimo peunta se,peante estas posiões, o mesmo não podeia die-se do ecuso ao temo‘epistemooia’ paa faa das condiões de poduão, apopiaão e ai-daão das difeentes fomas de sabe. O pobema só se cooca quando sepensa o uso de expessões como ‘ciência’ ou ‘epistemooia’ (ou ‘osoa’,ou ‘iteatua’, ou ‘economia’, ou ‘poítica’, ou ‘eiião’…) no modo de pensa‘cateoia’ pópio do pensamento abissa.17  Ao passaem do pensamentoabissa paa uma consteaão de pensamento pós-abissa, os temos sãoeapopiados no quado de conuaões de sentido e de contextos de pá-ticas distintos. Não sendo possíe, peo menos na actua fase de tansião, aeiminaão pua e simpes dos ehos temos e a sua substituião po temosadicamente noos, toda a inoaão conceptua ou cateoia passaá, neces-saiamente, po esse pocesso de eapopiaão-tansfomaão. Mas tona-setanto mais impotante, po isso, examina de peto quais as tansfomaõespo que passam esses temos nesse pocesso, e o que ees passam a sinica

nas noas condiões do seu uso. Uma das impicaões dessa eapopiaão doconceito de epistemooia a sua incuaão, ancoaem ou enaiamentoem expeiências históicas que situam os seus potaonistas e que pemitem

 incua esse pojecto a uma mais ampa ‘consteaão da ibetaão’. A epis-temooia do Su apaece como uma efundaão adica da eaão ente o

17 A expessão ‘pensa cateoia’ tomada de empstimo a Huo zememan.

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epistemoóico, o ontoóico e o tico-poítico a pati, não de uma eexãocentada na ciência, mas em páticas, expeiências e sabees que denem os

imites e as condiões em que um dado modo de conhecimento pode se ‘ta-duido’ ou apopiado em noas cicunstâncias, sem a petensão de se cons-titui em sabe uniesa. Se todos os sabees são econhecidos, a aidade decada um dees depende do modo como está incuado às condiões situadase památicas da sua poduão e apopiaão. As hieaquias dos sabees nãopodem se denidas a pati da sobeania epistmica de um modo de sabeou de uma instância ‘extena’ aos sabees, mas de foma památica, isto ,indissociáe das páticas situadas de poduão dos sabees. é este tipo deeaão que dene o que Santos desina de ecooia de sabees:

 A ecologia de saberes não concebe os conhecimentos em abstracto, mas antes como práticas de conhecimento que possibilitam ou impedem certas intervenções no mundo real,

e deixa de conceber a ciência como a referência ou ponto de passagem obrigatório para oreconhecimento de todos os saberes e conhecimentos. Deste modo, é a própria concepção doque é a epistemologia que é radicalmente transformada. Um pragmatismo epistemológicoé, acima de tudo, justicado pelo facto de as experiências de vida dos oprimidos lhes sereminteligíveis por via de uma epistemologia das consequências. No mundo em que vivem, asconsequências vêm sempre primeiro que as causas (Santos, 2007b: 28).

Se o que caacteia a epistemooia do Su um pamatismo episte-moóico que piieia as consequências em eaão às causas, não seá aquique podeemos enconta um ponto de coneência com as peocupaõesepistemo-onto-ticas das cíticas ‘natuaistas’ e feministas à epistemooia?

 A inuência – nem sempe econhecida, mas nem po isso menos pesente– do pamatismo osóco nessas cíticas pemite, peo menos, xa o pontode patida possíe de um execício de taduão que podeá ajuda a identi-ca as peocupaões comuns, mas tambm as concepões dieentes quemoem os dois campos em diáoo.

Conclusãoreessemos, paa concui, à poposta, mencionada mais acima, atas daqua Boaentua de Sousa Santos pocua da copo à taefa de “construçãoepistemológica de uma ecologia de saberes” (Santos, 2007b: 33). O auto identica“três conjuntos principais de questões, relacionados com a identicação de saberes, com os

 procedimentos que permitem relacioná‑los entre si e com a natureza e avaliação das inter‑venções no mundo real que possibilitam” (ibid.). Em eaão ao pimeio conjunto,

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que têm apaecido em iaão com os estudos sociais da ciência, os estudosfeministas e pós-cooniais e a osoa ‘natuaista’ das ciências.

O pamatismo adoado po Santos, pom, apesa das suas ‘pae-cenas de famíia’ com a coente osóca do mesmo nome, emee deuma econstuão adica que esuta do enconto ente as expeiências depopuaões, upos e coectios subatenos, especiamente no Su oba, e o‘fae tabaha’ as popostas de ósofos pamatistas como Wiiam James e

 John Dewey paa a cítica das epistemooias conencionais. é na efeênciaexpícita ao mundo e às expeiências dos opimidos como ua de patida ede cheada de uma outa concepão do que conta como conhecimento oucomo sabe que a epistemooia do Su confonta o pamatismo com os seus

imites. Esses imites são os imites da cítica da epistemooia no quado dopensamento abissa.

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CAPTUlO 7

O DEbATE SObRE O ‘ENCERRAMENTO DO  Ij tI had’ E A SUA CRTICA 

 Liazzat J. K. Bonate

Os conceitos de direito islâmico ou de  lei islâmicanão eam conhecidos nomundo isâmico antes do scuo XIX, quando os acadmicos euopeus adapta-am estas noões ocidentais à teoia juídico-ea do Isão (Khaafaah, 2001:144). De facto, a concepão e a pática juídica tomaam as mais aiadas fo-mas ao ono da históia e ente os difeentes pontos eoácos e cutuaismuumanos. Mas o temo  qh  eamente usado paa indica o corpus  daiteatua que ida com os mtodos e o pocesso da eisaão e, muitas ees,o qh  identicado tambm com a juispudência ou ciência da ei isâmicapeos acadmicos ocidentais. O temo Shari’a, po outo ado, indica o pincí-pio da eaidade no sentido ato em efeência ao códio eiioso do Isão.

Neste atio, petende-se discuti uma das teoias da juispudênciaisâmica cássica, conhecida como do ‘enceamento dos potões do ijtihad’( Insidad Bab al‑Ijtihad ) ou a teoia da abdicaão do uso da aão humana  paa

ns de extapoaão da ei a pati das fontes isâmicas. Sobetudo os aca-dmicos oientaistas obseaam que os eistas isâmicos cheaam a umconsenso (ijma) no scuo X que impedia o execício do ijtihad . Po exempo,

 Joseph Schacht (1964: 70-71) e Noe J. Couson (1964: 80-81), que patiha- am esta posião com muitos outos acadmicos do seu tempo, defendiamque, a pati desse scuo, o dieito do ijtihad   foi substituído peo dee dotaqlid  ou da imitaão, e isto aeadamente conduiu não só a uma estanaãoe fata da ciatiidade no pensamento juídico-ea, mas ao decínio aduada ciiiaão isâmica.

No entanto, mais ecentemente outos inestiadoes têm indo aaponta que que o ijtihad, que a ciatiidade juídico-ea deixaam auma e de se paticadas po muumanos. As posiões destes inestiadoescontempoâneos estão eectidas neste texto.

1. A formaão da Jurisprudência Sunni 

O Pofeta Muhammad foi o fundado de uma sociedade baseada nos ideaisdo Isão, e, ao ono da ida, seiu de intemediáio ente os humanos e a

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epistemologias do sul244

 ontade diina. A pati da sua mote, em 632, os muumanos enfentaamo diema de esoe as questões do seu quotidiano em confomidade com as

exiências da Shari’a na ausência de um mediado io. O al‑Qur’ão, o io daeeaão diina, apesa de conte uns 500 esícuos sobe as questões dodieito e da eisaão, , basicamente, um io de pesciões moais e ei-iosas. Como ta, não podia esponde a todas os pobemas suscitados peaexpansão e a compexidade cescente da sociedade isâmica (Haaq, 1997: 3).

 A pati do eino dos Umaiades (661-750), os estudiosos isâmicos, ou ‘ulam,1 concentaam-se na compiaão dos ditos e feitos do Pofeta Muhammad( sunna) em manuais de Hadith (Haaq, 1997: 9-12). Com a ascensão ao podeda dinastia dos Abássidas, em 750, auns ‘ulama  foam conidados paa

conseheios do oeno. Nessa atua, o caifa Haun a-rashid (786-809)estabeeceu um pode judicia centaiado, nomeando Abu Yusuf (m. 798)como pincipa jui do Estado (o qadi al‑qudat ). O qadi   al‑qudat  execia umaautoidade judicia (wilayat   al‑qada) na quaidade de hakm  (o administadosobeano) (Kamai, 1993: 55).

O copo da doutina juídico-ea comeou a se constuído neste peí-odo peos ‘ulama, que se empenhaam na sistematiaão das metodooias aseem apicadas ao al‑Qur’ão e aos Hadith. Como assinaa Couson (1964: 82),a juispudência isâmica cássica não cesceu a pati da pática de tibunais,mas desenoeu-se a pati de discussões teóicas dos inteectuais. Os ‘ulama acabaam po foma escoas juídicas,2 ente as quais se destacam a de Kufa,no Iaque, e a de Medina. Estas escoas tieam um impacto assinaáe nodesenoe da juispudência isâmica sunni  (Couson, 1964: 37-52). Emboaambas as escoas fossem eniquecidas po contibuiões inteectuais de áiosjuistas, a fundaão da escoa de Kufa atibuída a Abu Hanifa (m. 767) e a daMedina a Maik ibn Anãs (m. 796). Mas facto Muhammad ibn Idis a-Sha’i(767-820), esidente do Caio, o ande aquitecto da juispudência isâ-mica (usul al‑qh): coube-he a ee intodui auma unifomidade na sua teo-ia e metodooia (Schacht, 1964: 48; Couson, 1964: 53- 61; Makdisi, 1991:

5-47; Haaq, 1997: 18-21). Depois de Sha’i, todos os actos eais passaama se aaiados com efeência a cinco cateoias que são a base da Shari’a,ta como ea conhecida hoje: 1) os actos compusios ou obiatóios ( fardwajib), impostos inequiocamente po Deus sobe os indiíduos ( fard ‘ayn) e

1 P., sin., ‘alim, os detentoes do conhecimento, ‘ilm, sobe as escituas saadas.2 Sin., madhhab, p., madhhahib.

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o debate sobre o ‘encerramento do IJ TI HA D’ e a sua crítica  245

sobe a comunidade no seu todo ( fard kifaya); 2) os actos ecomendáeis (mus‑tahabb), que acaetam uma ecompensa, mas cuja omissão não castiada;

3) os actos pemissíeis (mubah), que são actos cuja omissão ou eaiaão sãoiuamente indifeentes, isto um muumano pode opta iemente enteas duas possibiidades; 4) os actos impunáeis (makruh), que são ecompen-sados quando omitidos e punidos quando cometidos; e 5) os actos poibidos(haram), que são inaiaemente castiados quando cometidos (lambton,1981: 2; Haaq, 1997: 40-41).

 A-Sha’i tambm euaiou as pincipais fontes ou ‘aíes’ (usul ) daeisaão, estatuindo que as eis podem se deiadas somente das escituassaadas do al‑Qur’ão  e da Sunna do Pofeta Muhammad, que mutuamente

se compementam no teo e na hemenêutica. A Sunna,  que sinica atadião e os pecedentes, tinha at então muitas conexões com a Aábiap-isâmica, mas A-Sha’i iou-a inaiaemente ao Isão, imitando-a àstadiões do Pofeta Muhammad eistadas em Hadith.  A extapoaão dasdecisões juídicas a pati das escituas saadas dee se feita somente poum mujtahid , cuja quaicaão incuía o conhecimento pofundo da ínuaáabe, dos conteúdos juídicos do io saado e da teoia de naskh (aboa-ão). O juista dee usa a Sunna na intepetaão daquees esos Qur’anicosque têm um sinicado e uma inuaem ambíuos e, se não houe umaSunna apopiada, dee sabe se houe aum consenso (ijma) a espeito docaso. O ijma , eamente, de toda a comunidade isâmica (umma), mas, empaticua, da coectiidade dos juistas da mesma eaão quaicados paaexece o ijtihad  (os mujtahids) (Couson, 1964: 60; Haaq, 1997: 75-81). Se jáhoue um ijma, o juista dee seui a sua deibeaão. Se não, ee dee usao mtodo da deduão anaóica (qyias) ou empea o seu aciocínio e a suaintepetaão ciatia (ijtihad ) sobe os textos saados, paa chea a umadeibeaão juídica.

Em eaão às decisões juídicas, a-Sha’i aumentaa que eas pos-suiam caácte obiatóio quando baseadas em textos caos e não ambí-

uos e, no caso de Hadith, quando esta foi ampamente tansmitida e aceite(Couson, 1964: 55-58; Haaq, 1997: 22-30). No caso em que os textos eamambíuos e o juista cheasse a uma sua deibeaão a pati de qyas ou ijtihad ,essa deibeaão não possuia caácte obiatóio, podendo se sujeita a dis-codância e a apeaão.

O qyias  não foi aceite unanimemente po toda a camada dos ‘ulama,e auns, como Ahmad ibn Hanba (m. 855), insistiam na pimaia do al‑Qur’ão  e das Hadith  como únicas fontes da ei (Couson, 1964: 71; Haaq,

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1997: 32-33). Compaatiamente a ibn Hanba e a-Sha’i, Abu Hanifa eIbn Maik atibuíam maio impotância às fontes supementaes da ei. Po

exempo, ibn Maik econhecia o istislah, uma deibeaão ea justicadapo inteesse púbico (al‑masalih al‑mursala) (Haaq, 1997: 112). Ao mesmotempo, os seuidoes de Abu Hanifa podiam ecoe à istihsan, ou pincípioda pefeência juídica nas suas deibeaões (Couson, 1964: 91).

 váias são as discepâncias existentes ente as quato escoas, escoasestas que foam emeiam em difeentes contextos socio-eoácos etomaam os nomes dos seus supostos fundadoes, nomeadamente: de AbuHanifa (hana), de Maik ibn Anãs (maliki ), de a-Sha’i ( sha’i ) e de ibnHanba (hanbali ). A coexistência toeante e o econhecimento mútuo destas

escoas, apesa das difeenas, foam seados po uma ijma baseada no pin-cípio do ikhtilaf   (a aceitaão da diesidade), que as eitimou como quatoescoas otodoxas Sunni . A fomaão destas madhhahib no scuo X, de acodocom Schacht (1964: 70-71), assinaa

[...] um momento em que os estudiosos de todas as escolas sentiram que as perguntasessenciais tinham sido discutidas por completo e esclarecidas em denitivo, estabelecendo‑seentão gradualmente um consenso (im) nos termos do qual, a partir desse momento, nin‑

 guém poderia ser julgado detentor das qualicações necessárias para o exercício e aplicaçãodo raciocínio independente  (ii ) sobre a lei, e toda a actividade futura teria que serconnada à explanação, aplicação, e interpretação da doutrina […] da maneira como elatinha sido estabelecida de uma vez para sempre.3

 Assim, pôs-se em pática o eime de taqlid , e os juistas, aeadamente,abandonaam a sua ciatiidade independente, tansfomando-se em meosimitadoes (muqallid ). A pati de então, ees demonstaam, na sua quasetotaidade, “uma adesão servil não somente à substância mas também à forma e àorganização da doutrina de maneira como ela fora elaborada pelos seus predecessores”(Couson, 1964: 84). De acodo com Schacht, Couson e outos acadmicos

fundadoes da discipina do Direito Islâmico  no ocidente, a actiidade dosjuistas teia cado – a pati de então – eduida à uma anáise detahada doscitios já estabeecidos.

3 Todas as taduões do inês são da autoa.

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o debate sobre o ‘encerramento do IJ TI HA D’ e a sua crítica  247

2. O Encerramento do Ii ”e a Teoria JurídicaEmboa não tenha desenoido este tema em detahe, e apesa de acescen-

ta eementos contaditóios ao aumento citado anteiomente, Schacht(1964: 72-73) não deixa de efei que, posteiomente ao estabeecimentodo taqlid , a actiidade juídica “não era menos criativa” e “não faltou à lei islâmicaa criatividade e o pensamento original ”.

De facto, os inestiadoes contempoâneos coneem na opiniãode que nem a ciatiidade juídico-ea nem o ijtihad  auma e cessaam.Ente ees, Benad Weiss (1978: 208-9) indica que, em pincípio, nempodia hae nenhuma baeia pemanente paa o execício do ijtihad , poisa eouão históica da juispudência isâmica mosta que ea foi capa de

enfenta as situaões noas e, face aos noos factos que suiam, foi capa decontinuamente podui deibeaões eais que eectiam estas situaões.Como poa manifesta do execício ininteupto do ijtihad , rudoph Petes(1984) cataoou uma cadeia de mujtahids ao ono de toda históia do Isão,com especia destaque paa os scuos XvIII a XIX. refoando a opinião dePetes, Wae B. Haaq (1984) cita outos tantos mujtahids, e menciona quea questão do enceamento do  ijtihad   em si emeiu na iteatua juídicaisâmica muito mais tade (nos scuos XII ou at XvI) do que os oientaistasiniciamente pessupunham – o scuo X. Sobetudo, Haaq identica a pe-dominância do ijtihad face às eiindicaões de deteminados juistas quantoao facto de deeem se ees pópios os mujtahids e at os mujjaddids (os queenoam o compomisso com o Isão ou eedicam o Isão no início de cadascuo), e com o econhecimento, po auns destes juistas da existência deoutos mujtahids e dos espectios mujjaddids ao ono dos scuos.

refutando quaque possibiidade de aboião do ijtihad , Haaq (1984:5) aumenta que ta acto seia consideado iea, pois Deus impôs a suaobiatoiedade ( fard kifaya) a quaque pessoa capa. Deus tambm dete-minou que o paticante do ijtihad seá sempe etibuído. Se o seu ijtihad  focoecto, o mujtahid  seá ecompensado duas ees no mundo do am e, se

fo eado, seá ecompensado uma e, peo seu esfoo e po cumpi a suaobiaão. Mesmo um pecado que exea a ijtihad  eá aantido o seu uano paaíso (Fauki, 1962: 152-166; Hasan, 1976: 16-17, 25).

 Weiss (1978: 209) e Haaq (1986: 132) ofeecem ambos aumentospuamente teóicos sobe o consenso (ijma) em tono do enceamento doijtihad , amando que isto seia tanto oicamente impossíe quanto iea,não só poque o ijtihad   fard kifaya, mas tambm poque o ijma uma fonteda ei (usul ) sujeita ao ijtihad , e cada ijma sinica não o m, mas o início do

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epistemologias do sul248

noo ijtihad . A teoia juídica isâmica ou ciência de usul al‑qh, , de facto,composta po compêndios que focam os modos de usa o ijtihad, o que po

si constitui o mtodo centa e uma condião sine qua non de usul al‑qh. Sóatas do ijtihad  pode o juista chea a uma decisão judicia. Sendo assim,o enceamento do ijtihad  sinicaia uma apicaão deciente ou impefeitada Shari’a – ao inaceitáe no Isão –, ou toná-a-ia impossíe.

De acodo com Weiss (1978: 208), a decaaão do enceamento doijtihad  e a impementaão do taqlid  foam mais um acaso da históia do queuma exiência das fontes teóicas. Indo mais adiante, e assinaando que, nateoia juídica, os muftis (juisconsutos) e os qadis (juíes) deem se obiato-iamente mujtahids, Haaq (1986: 135-36) aponta que as aões paa ta deca-

aão deem se pocuadas foa do campo teóico-juídico. A hipótese desteauto que esta decaaão estee intimamente iada, desde a queda do cai-fado no scuo XI, à ideia da cheada iminente do Dia do Juío Fina; a patidesta atua os ‘ulama tansfomaam-se na única foa capa de uni a socie-dade isâmica, meuhada numa cise sócio-poitica eneaiada (Haaq,1986: 134-135, 137-40). Neste contexto, os ‘ulama aceditaam que os mujthids do caibe de a-Sha’i, po exempo, tinham deixado de existi e, como nãohaia mujtahids, oicamente os potões do ijtihad caiam enceados.

3. Ii e tqli : Hegemonias em ConcorrênciaFank E. voe (1993) e Babe Johansen (1993) citicaam Petes e, sobe-tudo, Haaq po se concentaem na impotância da cadeia de ijtihad   e naiteatua teóica de usul   (os ios que etatam a metodooia da ei) e demutun  (os manuais de madhhahib), factoes que tieam pouca impotânciana apicaão ea das eis. Johansen (1993: 31) aponta que os mutun são textosescitos paa ensina e teina os juistas, e que os usul   apenas cobem asfontes e os mtodos da ei, não ofeecendo ambos os neos supote aumpaa demonsta a apicaão pática da juispudência.

 Johansen (1993: 29-30) efee tambm que a discussão do encea-

mento do ijtihad  ente os juistas citados po Haaq não tee quaque inu-ência pática no desenoimento dos sistemas nomatios da ei, emboaHaaq (1986: 140) tenha opinado que “a controvérsia em torno da extinção dosmuis  e do encerramento doii  situava‑se no campo da teoria jurídica e nãoda prática da lei ”. voe (1993: 399), po seu tuno, expicando este ‘paadoxo’no estudo de Haaq, suee que os ‘ulama da eite podiam execita o ijtihad ,“ se tivessem capacidade e coragem”, “enquanto, no funcionamento quotidiano do sistema

 jurídico”, o taqlid, “abrangia o qis  e osmufis  comuns, e não a elite”.

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epistemologias do sul250

(Haaq, 1984: 11-12). Neste peíodo inicia, o juista indiidua pemaneceuautónomo e pôde patica o ijtihad  independentemente, pois não haia inte-

esse em amaa os juistas a um copo especíco de eas. Neste contexto,se membo de uma madhhab sinicaa apenas aceita a pimaia da ei comoum idea. Isto eectiu-se nas opiniões de áios estudiosos isâmicos, taiscomo, Abd a-Jabba (m. 1024), Ibn Abd a-Ba (m. 1070), a-Khatib a-Ba-dadi (m. 1058), Juwayni (m. 1085), ente outos.

 Já no scuo XIII, as madhhahib, tonando-se num “corpo especíco deregras jurídicas concretas”, deixaam de se o enquadamento de um mtodode aciocínio juídico (Jackson, 1996: xxx). A pati de então, o taqlid, comoeime, anhou heemonia sobe as madhhahib, como foma de pepetua a

sua existência e ofeece-hes a sua autoidade.O desejo de pesea a madhhab  em simutâneo como atenatia aoEstado e epositóio da autoidade juídica ajudam a expica o estabeeci-mento do eime de taqlid . De acodo com Jackson (1996: 70), neste peíodoo econhecimento da eitimidade mútua ente as madhhahib com base naijma foi quebado po uma inteenão cescente do Estado sobe o sistemaeiioso. Os sutões sajuques (1169-1250) e mameucos (1250-1517) doEipto iaam a casse do ‘ulama às instituiões do Estado (lapidus, 1988:353). À conquista do Eipto fatimida e xiíta po Saadino, um sutão sajuque,em 1169, seuiu-se a imposião do sunismo. Saadino intoduiu tambm amadhhab hanata no Eipto, at então dominado peo xiísmo e pea madhhab sha’i, ecutando poeminentes qadis e muftis hanatas, taidos do exteio.Emboa os Sajuques adoptassem uma poítica de tatamento iuaitáio detodas as madhhahib, na pática a escoa hanata conheceu uma posião sócio-poítica piieiada face às estantes madhhahib (ibid.). Os sutãos mameucosseuiam a mesma poítica. Quando o Sutão Baybas (1260-70) se tansfo-mou num sha’ita, esta madhhab anhou inuência e pode no seio do seuestado. Shihab a-Din A-Qaa (m. 1285) e Taqi a-Din ibn-Taymiyya (1263-1328), petencentes às madhhahib  maikita e de hanbaita espectiamente

– ambas supostamente ‘mainaiadas’ peo Estado – aumentaam que aassociaão de uma madhhab ao Estado tinha po consequência que o copo deeas dessa madhhab anhaia uma posião pefeencia na sociedade. Tantoo sinicado quanto o ao do ijma foam, assim, desaados e diminuídos.

 A tansfomaão das madhhahib em copoaões possionais (mios)aantiu, no entanto, de ceta foma a continuidade desta ijma  (Jackson,1996: 70-73, 103-112; Makdisi, 1990: 125). Quando a madhhab  adquiiuum estatuto copoatio – com capacidade paa confei auma potecão

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o debate sobre o ‘encerramento do IJ TI HA D’ e a sua crítica  251

aos seus membos e às suas doutinas –, esta tansfomaão tee ua numcontexto onde todos os tipos de intepetaões juídicas podeiam ocoe.

Makdisi (1990: 131) aumenta que uma madhhab, ta como quaque copo-aão, está estutuada hieaquicamente, apesentado tês aus: o neóto(mutaffaqih), o estudante aduado ( sahib) e o meste/pofesso (mufti/mudar‑ris). Cada madhhab possuia um meste diiente (o ra’is). Os ra’is, mudarris oumufti   de cada madhhab, fequentemente consideados como os mujtahids ’l madhhab,5 emitiam opiniões indiiduais, que se tansfomaam depois emopiniões eais da sua escoa. reconhecendo os imamos (fundadoes) de cadamadhhab como os mujtahids absoutos e independentes (mujtahid mutlaq), os ra’is e muftis das madhhahib  não eiindicaam, no entanto, este pape paa

si, sendo tae a única excepão o caso de Suyuti (1445-1505) (Haaq,1984-29-33).Entetanto, os eatos históicos demonstam que o pode executio

dos caifas não efoou sempe as decisões judiciais e, fequentemente, oscaifas execeam o seu pópio pode discicionáio (Kamai, 1996: 56).Couson (1964: 121) assinaou que, emboa o dee de jua com impaciai-dade competa fosse exiida peo pópio al‑Qur’ão, o eacionamento ente opode judicia e o pode executio ea ta que tonaa impossíe a apicaãopena deste pincípio.

 A puaidade de escoas juídicas e a diesidade das suas doutinascausaam tambm confusão e dispaidade nas decisões dos tibunais, o queconduiu o oeno muumano a adopta uma das escoas como ‘a’ madhhab ocia do Estado. Mesmo um defenso tão ídimo do ijtihad   como o juistaa-Mawadi (974-1058) defendeu que as necessidades páticas ‘equeiam’que cada jui (qadi ) seuisse uma escoa paticua da ei nas suas deibeaões(voe, 1993: 400). Po esta aão, voe (1993: 398) eaciona a tansfo-maão dum qadi‑mujtahid  em um qadi‑muqallid  com a emeência do Estadomuumano.

Ente os scuos X e XIII, os estudiosos isâmicos seuiam fomuaões

difeentes a espeito da ibedade de qadi  (Haaq, 1984). Mas a ideia de queos mujtahids eam inacanáeis foi aastando, em paaeo com a ideia danecessidade de os qadis assumiem autoidade sobe todo o Estado. A ces-cente inteenão do Estado no sistema judiciáio tonou o ua de qadi  indesejáe paa muitos mujtahids, que decinaam com notáe fequência o

5 Ou seja, os mujtahids dento de uma madhhab.

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epistemologias do sul252

execício desta funão. Como consequência, e como efee Makdisi (1985:87), a necessidade de noos qadis foi peenchida atas do ecutamento dos

juistas menos quaicados (muqallids).Os exempos citados po voe (1993), Kamai (1993) e Jackson (1996)

iustam como o taqlid comeou a anha supemacia sobe a instituião dojui (qadi ). Jackson (1996: 152-162), a pati do estudo dos textos de difeen-tes juistas dos scuos X a XIII, atesta como a exiência de um qadi  se ummujtahid  foi aduamente abandonada a fao de ee se apenas um muqallid .Po outo ado, voe (1993: 398-401) mosta que a decisão de um qadi‑mujtahid não ea obiatóia (hukm), mas apenas zanni (inceta), e, potanto,dicimente apicáe na pática. O facto de um qadi se o mujtahid  sinicaa

que a sua opinião indiidua (ijtihad ) tinha mais um caácte de ecomenda-ão ou paece, do que popiamente de decisão judicia. Este facto eou IbnMuqaffa (m. 757) a queixa-se da existência de uma “multiplicidade de decisõeslegais ou jurídicas que eram mutuamente contraditórias”.  O pocesso judicia foitambm compicado pea ibedade dos eios de escohe ente os difeentesqadi s e as espectias opiniões. Makdisi (1985: 82) efee que um ijtihad  indii-dua tanto podia se seuido po um eio como podia se ejeitado; ou seja,esse ijtihad  não ea hukm.

 Ao mesmo tempo, o conceito de que todos os mujtahids eam ies eindependentes eou uma ceta confusão a espeito da apicaão da ei a todoum espao eo-poítico, fosse este uma cidade ou a um estado; em paaeo,abiu espao paa a coupão e abitaiedade judicia, neando iuamenteaos itiantes a peisibiidade da ei. Isto sinicou que, no que conceneaos conteúdos juídicos das decisões judiciais, cada qadi  cou imitado peasopiniões da sua espectia madhhab. Quando um qadi  optaa seui o paecede uma dada fatwa6 endossada pea sua maddhab, o seu acto de escoha tans-fomaa este paece de uma fatwa numa decisão judicia (hukm). 

Neste sentido, a emeência do taqlid   incuou o juista a uma escoaespecíca do dieito, ao mesmo tempo que poduiu uma souão paa as

dicudades páticas que o Estado enfentaa quanto à apicaão da ei. Masisto tambm faciitou que as opiniões dos juistas indiiduais adquiissem oestatuto de uma decisão judicia (hukm). O juista faaa aoa em nome deuma escoa econhecida peo ijma, que eitimaa as madhhahib  existentes.Em compaaão ao conceito de zann,  o ijma ea infaíe e obiatóio, e

6  Fatwa  (pua fatawa ) – paece juídico poduido peo mufti. 

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epistemologias do sul254

De facto, as eis hana do peíodo anteio indicaam que o imposto deiase xado sobe todas as teas aáeis. Todaia, no scuo XII, os juistas da

 Ásia Centa já faiam uma difeenciaão ente as teas usadas peos cam-poneses paa a poduão e as que petencem aos popietáios que tiaampoeito das endas coectadas, e dos espectios impostos (Johansen, 1993:40). Ente os scuos Xv e XvIII, os juistas hana do Eipto e Síia achaamque a ea eatia ao imposto fundiáio deibeada peos fundadoes da suaescoa já não se apicaa a estes países. Esta noa opinião dieia caamenteda doutina fundamenta da escoa hana, e ente os muftis discutiu-se an-cadamente das aões peas quais a antia doutina foa substituída po umanoa. A noa doutina daa conta das necessidades sociais e económicas que

justicaam uma mudana na ei. Os muftis  amaam “que as  fw  podemdiferir da tradição anterior, e podem até negligenciá‑la; e podem desenvolver doutrinasnovas e impô‑las aos qis ” (Johansen, 1993: 35-6).

No ea, não há nenhuma dúida de que os muftis  não discutiam asdoutinas das suas escoas como um corpus  juris inateáe, mas antes comouma tadião em pemanente mudana, que deeia se ajustada e adaptadaàs mudanas do tempo e da sociedade. Tudo indica que o pincípio de taqlidnão apicáe aos muftis e às fatawa. Um bom exempo disto a actiidadejuídica de Ibn-Taymiyya, que, nos seus tabahos, camou po um iooso ijtihad adica (Makai, 1983: 87). victo E. Makai menciona que Ibn Tay-miyya, na quaidade de mufti , ea caamente um mjutahid  mutlaq, absouto eindependente, apesa de subinha constantemente a sua petena à escoahanbai. Este ponto efoado po Benjamin Jokisch (1997), que, concen-tando a sua pesquisa nas fatawa de ibn Taymiyya, eea que estas fequente-mente contaiaam as posiões estabeecidas pea escoa hanbai e tinhamum espíito sobejamente inoado e uma intepetaão independente eoiina (Jokisch, 1997: 129).

Os juistas medieais decaaam expessamente que o muft i, ao contá-io do qadi, tinha todo o dieito de discuti os motios, a consciência eiiosa,

e as intenões ou, po outas paaas, “os aspectos internos” (al‑batin) dumcente. Somente quando um mufti  ea chamado a emiti uma oientaão eapaa um caso taido peante o qadi,  que ee deia efei-se ao zahir , ou aosaspectos extenos da ei e da acão humana (Johansen, 1993:33). A m desepaa a funão de oientaão eiiosa e de peícia juídica, a pimeia deiase apesentada oamente, enquanto a pate de peícia juídica deia feita eapesentada po escito, como uma fatwa.

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o debate sobre o ‘encerramento do IJ TI HA D’ e a sua crítica  255

 A-Qaa aceditaa que, neste peíodo, o padão caacteístico dopocesso judicia no seu todo assentou na diisão efectia de competências

ente o qadi  e o mufti  – enquanto as actiidades do qadi  caam estinidas àsquestões factuais, o mufti  mantee a juisdião da ei (Jackson, 1996: 145). Omufti ea um mujtahid, uma e que a sua opinião não tinha que se seuida eobiatoiamente adoptada peos eios ou peos qadis; ee tabahaa sobe apate teóica do corpus ea, intepetando e emitindo opiniões sobe comoas eis deiam se apicadas. O qadi ea um muqallid  (seuido da deibeaõesdo mufti‑mujtahid ); ee podeia potenciamente tansfoma o ijtihad   numadecisão judicia obiatóia e na (hukm).

Fauki, Hasan e Couson aeaam que desde a instituião do eime de

taqlid , o ijtihad  absouto (ijtihad mutlaq) deixou de se paticado. Estes auto-es aumentam tambm que o ijtihad ’ l madhhab (o ijtihad  dento de umamaddhab) tinha substituído o ijtihad mutlaq. Esta opinião contadita o facto de

 áios muftis e mujtahids, tais como Juwayni (m. 1085), Ibn Taymiya, a-ghaai(m. 1111), a-ra’i (m. 1226), Suyuti e outos teem continuado a exece oijtihad   mutlaq, apesa de petenceem a madhhahib difeentes. Emboa estesjuistas fossem identicados como mujtahid   muntasib (os mujtahids iados auma dada escoa juídica), ou como mustaqill (mujtahids dento de uma escoajuídica), as suas intepetaões inoadoas e oiinais baseaam-se diecta-mente nas escituas saadas do Qur’ão e da Sunna, e não eam imitadas peostemos doutinais das suas espectias escoas (Haaq, 1984: 13-20, 26-27).

 Apesa de Haaq opina que o qiyas ea a “espinha dorsal do ii ”, estenão foi paticado eamente po muqallids, e a-Qaa conma que quaquepessoa podia patica qiyas com base na madhhab do seu imamo, nos casos emque o ijtihad  ea chamado takhrij , e pemanecendo ainda assim um muqallid  (Haaq, 1984: 7; Jackson, 1996: 128). Mas, se os  ra’is e muftis dominaam adiscipina de usul  al‑qh a m de pode extapoa (executando takhrij ) umadecisão ea com base no madhhab do imamo,ees podiam tambm apicao mesmo mtodo diectamente às escituas saadas (execendo o ijtihad  

mutlaq). Na pática, o que ees eiindicaam como uma mea imitaão domtodo dos imamos  eam, na pática, e em muitos casos, os seus pópiosijtihad   independentes e absoutos. Como intpetes da ei diina, ees nãotinham pode paa aboi a ei iente, mas, em cetas ocasiões, um juistapaticuamente taentoso podia conseui, pea aumentaão, modicauma ei anteiomente estabeecida. O mecanismo po ees adoptado paaintodui mudanas e inoaões na ei ea o da “ justaposição de soluções diferen‑tes a um mesmo problema” (Jackson, 1996: 96-112; Johansen, 1993: 30).

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epistemologias do sul256

Na discussão do taqlid, Schacht equipaou-o à “aceitação inquestionável dasdoutrinas das escolas e das autoridades estabelecidas”  (1964: 71). Em contapatida,

paa o juista mediea muumano a-Qaa, existiam potenciamente mú-tipas doutinas expessas peos imamos  das madhhahib e peas autoidadesantias que, no entanto, não foam enquadadas nas suas espectias escoasjuídicas e, po isso, não se tonaam tambm um objecto taqlid (po exempo,o batin) (apud  Jackson, 1996: 127). Este juista subinhaa que as opiniões dosepónimos das escoas e das autoidades antias não deiam se seuidas cea-mente, mas antes examinadas de maneia a excui as ‘doutinas’ exta-eaisdo santuáio da ei.

O taqlid, seundo a-Qaa, consiste em cinco componentes: as cateo-

ias eais (ahkam), as causas eais (asbab), os p-equisitos eais ( shurut ), osimpedimentos eais (mawani’) e as aiadas fomas das poas apesentadasao tibuna (hijaj)  (apud   Jackson, 1996: 139). O taqlid, como o que incuaauma madhhab, áido somente como um constituinte da ei. Mesmo nestecampo estito e dominado peo taqlid,  o ijtihad , peo menos no sentido daobseaão pessoa ou cientíca, não ca obiteado, tendo assumido o seupópio ua ao ado do taqlid , e, em muitos casos, como uma pate necessá-ia do pocesso juídico.

 A-Qaa indicou que os ponunciamentos judiciais nas questões foada áea do taqlid não eam decisões obiatóias, mas somente acões disci-cionáias. Tanto um mujtahid como um muqallid  podiam deibea àceca dasquestões paa-eais, na tentatia de detemina se uma ea podia ou nãose apicada no caso em juío. O que impotante, entetanto, que nenhumdos dois tomasse estas questões como pate da apicaão da ei popiamentedita. Paa a-Qaa, ea impotante impedi quaque coneência – sempeindesejáe – ente a autoidade disciciona (ijtihad ) e ea (taqlid ).

O facto de o  taqlid   sei como um meio pático paa a apicaão doijtihad não sinicaa que o taqlid  pudesse ecipsa ou substitui o ijtihad  po-piamente dito, situaão que foi caamente aumentada po a-Qaa. Po

um ado, como amou a-Qaa, a ei a madhhab, e assim ea domínio detaqlid, estita peo copo das eas da espectia madhhab. O ijtihad, po outoado, não imitado pea madhhab. Mas, poque o ijtihad  see paa fonecea justicaão paa o taqlid , mesmo um ijtihad absoluto dee se connado, peomenos teoicamente, a uma madhhab. Assim, apesa de o ijtihad   (mesmo oabsouto) se continuamente execido e não se poibido de maneia auma,no quotidiano da pática ea funcionaa somente o ijtihad   connado ao

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o debate sobre o ‘encerramento do IJ TI HA D’ e a sua crítica  257

copo das eas duma madhhab especíca. A existência de ijtihad  aantiu edeixou maem paa a ciatiidade na ei.

 Ao contáio da opinião de Couson (1964: 84) de que o taqlid sini-caa que um muqallid  seuia ioosamente a doutina da sua madhhab, as po-

 as históicas e os documentos eais mostam que a pática da escoha enteas posiões das aias madhhahib – conhecida como talq  ou do ecectismoea – ea aamente aceite. Po exempo, Cade (1995: 57-75) efee comoos juistas hana, tais como al‑Sarakhsi (m. 1097), adoptaam uma isão sha’ia espeito da questão do zakat.  A-Qaa mencionou que um bom númeode Sha’itas pemitiam a pática de talq. Ibn a-Hajib (m. 1244) pemitiu-aabetamente dento da escoa maliki  (Jackson, 1996: 111). Assim “a lealdade à

escola particular não era dogmática, […] e o relacionamento entre as escolas era dialéc‑tico” (Cade, 1995: 72).

4. Conclusão A emeência da teoia do ‘ enceamento dos potões do ijtihad’conheceudifeentes expicaões, fossem eas de acadmicos oientaistas dos anos 1950e 1960, ou dos pópios juistas muumanos. Os oientaistas encontaamnea uma expanaão históica paa a aeada fata da ciatiidade juídico-ea e paa o decínio da ciiiaão isâmica, que, paa estes acadmcios,simboiaa um mundo p-modeno e atasado.

Os inestiadoes contempoâneos apontam que nem o ijtihad  nem aciatiidade juídico-ea deixaam auma e de se paticados po juis-tas muumanos. Pesquisando a escita dos juistas muumanos de áiaspocas, ees demonstaam que os juistas expessaam atas da teoia doenceamento do ijtihad  o seu desaado peante a cise que assoaa a socie-dade mediea, e que, no entende dees, denotaa e iminente apoximaãodo Dia do Juío Fina. Po outo ado, nesse momento, as bases das teoiasjuídicas já haiam sido fomuadas e inscitas em madhhahib, o que ciou umaceta eeência peante os seus fundadoes, istos como os únicos possíeis

mujtahids. Esta pecepão tambm podia condui-os à decaaão da impos-sibiidade do suimento de noos mujtahids à atua e, consequentemente, adecaa o enceamento do ijtihad .

No entanto, mais ecentemente, auns inestiadoes têm indo aaponta as discepâncias ente uma teoia ideaiada do ijtihad, pomoidapeos juistas, e a pática ea da apicaão da ei. Peante a cescente inteen-ão e contoo do pode judicia peo Estado, as madhhahib tansfomaam-senos aantes da supemacia da ei sobe a sociedade, opondo-se à inuência

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cescente do Estado. Neste pocesso, o ijma muniu-os de autoidade e ei-timidade. Po outo ado, o ijtihad , sendo uma deibeaão não obiatóia,

dicimente podia tansfoma-se numa decisão judicia, facto este quecompicou a apicaão da ei na pática. Assim, as madhhahib, o Estado, e asnecessidades páticas impuseam o eime do taqlid  em detimento do ijtihad .Emboa isto faciitasse a apicaão pática da ei, na eaidade, o ijtihad  e taqlid  têm indo a co-existi, pois o suimento do taqlid   não extinuiu o ijtihad .Outossim, possibiitou a sua tansfomaão do taqlid  de zanni (inceto e não-deibeatio) paa hukm (obiatóio).

O taqlid   cou mais associado com a posião do jui, o qadi , enquantoo ijtihad   peaeceu no seio dos muftis. O ijtihad , mesmo o absouto, nunca

deixou de se execido, peo menos no domínio teóico da ei, apesa de, napática este te de esta associado a uma madhhab. Assim, o ijtihad  continuoua estimua a ciatiidade e as mudanas juídicas e eais ao ono de toda ahistóia do Isão.

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CAPTUlO 8

transições no ‘progresso’ da Civilização:teorização sobre a história, a prátiCae a tradição

 Ebrahim Moosa

 A ida muda apidamente. A ida muda num instante.

Uma pessoa senta-se paa janta e a ida que conhecia temina. A questão da autocompaixão…

Tinha de te sentido a mudana da ma. Tinha de te acompanhado a mudana.Foi o que ee me disse. Ninum obsea o pada, mas foi o que ee me disse.

 Joan Didion, The Year of Magical Thinking 

 As pessoas inteientes não são juadas peas suas oucuas:que piaão dos dieitos humanos!

Fiedich Nietsche, Beyond Good and Evil 1

IntroduãoQuem pensa que o Isão ‘poessista’ constitui uma ideooia feita, ouum cedo, moimento ou conjunto de doutinas à disposião, sofeá umamao desapontamento. Nem seque constitui uma teoia ou intepetaãocuidadosamente ajustadas da ei, teooia, tica e poítica muumanas. Tão-pouco constitui uma escoa de pensamento. Eu defendeia antes que o Isãopoessista constitui uma ista de aspiaões, um desejo e, quando muito,iteamente, um conjunto de acões, ta como suee a paaa ‘poesso’na expessão ‘um tabaho em poesso’. No máximo, constitui uma pática.

Outo modo de considea a questão die que o Isão poessistaconstitui uma postua: uma atitude. Que espcie de atitude? Eis a dicudadeda questão. Die em que consiste essa atitude, atibui-he um conteúdo ouat mesmo te a audácia de decaa aquio que ea não , paece um sumo-

1  NT: taduido da esão inesa.

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epistemologias do sul262

sacedote ou um uadião dos potões do ‘Isão poessista’. Conm nãoda ao a tais eciminaões.

No entanto, as pessoas pofunda ou ieiamente associadas ao que eamente identicado como ‘Isão poessista’ popõem difeentespáticas e metodooias concomitantes paa conma e justica o teodas poposiões ticas, isões osócas e contestaões sobe a históia quedefendem. Todas estas discodâncias e difeenas são pefeitamente sauta-es paa a eexão ciatia no pensamento muumano, especiamente nopensamento tico. O que cetamente assinaaia o toque de nados do pen-samento poessista muumano seia o suimento de uma única o, umainstituião unicadoa, uma copoaão ou associaão excusia de euditos

e paticantes que monopoiassem o epíteto ‘poessista’ e ditassem as suasacões, debatessem os seus aoes e deteminassem o seu teo, como umaotodoxia. Se ta acontecesse, então, o naio do Isão poessista abandona-ia o poto aemente incinado.

 Aquio que se insee na asta ubica do Isão poessista assumemuitas fomas. Em cetos uaes são as utas de ida ou mote de pessoasque tentam da um sentido às situaões extemas da ida, seja em contextospatiacais epessios, nas aas da pobea, da fome e da uea excessias,seja no meio de doenas de popoões pandmicas. Em condiões maisfaoáeis, tambm nos auadam desaos semehantes, emboa disfaadospea abundância e po uma inejáe seuana. Conando nas suas mútipastadiões e nos ecusos de ciiiaões tansnacionais, muitos muumanostentam enconta um sinicado paa as suas idas. De um modo ainda nãomuito caamente denido, estas pessoas e comunidades constituem a foa

 ita daquio a que chamo o Isão poessista. Nesta eexão, peo desta-ca auns conceitos e ideias-chae que suiam duante a minha jonada edescobeta sobe o modo de eaciona citicamente as tadiões do conhe-cimento muumano. Como se tataá sempe de um tabaho em poesso,tenho mais peuntas do que espostas; aumas das minhas obseaões su-

ião sob a foma de escaecimentos e adetências. Aconseho iamente oeito a considea como expeimenta, apesa da sua eemência, tudo aquioque possa paece uma esposta ou uma exotaão.

Como se desenoe uma abodaem cítica à tadião? Se as expeiên-cias do passado se tonaam o aboatóio socia paa a fomaão da tadião,po que motio não podeão as nossas actuais expeiências enquanto muu-manos tona-se os os paa a poduão do estuáio da tadião? Emboanão exista um modo sensato e inteiente de sabe como uma tadião eita-

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epistemologias do sul264

a um ceto essenciaismo estatico paa descee, em temos eais, deque modo as minhas pespectias se distinuem das dos meus opositoes.

Uma compaaão mais cuidadosa, e de teo mais tcnico, petenceá a outoneo de escita, peo que, peante a beidade de espao e de âmbito con-cedida, não podeá se aqui eaiada. A amaão, ainda que muito aa, deque peo menos aumas pessoas iadas nas tendências supacitadas apoiamcetos aspectos da metodooia e da pática poessistas, mas tambm seabstêm de o fae em eaão a outos aspectos, pemanece edadeia. Estaobseaão dee pô m a quaque iusão de que as pespectias poessis-tas constituem apenas um ua eseado a euditos.

 Assim, quando aeo que auns pontos de ista mantidos po upos

muumanos são ideoóicos, fao-o tendo em consideaão questões muitoespecícas. Pepetua uma heana cutua inibidoa suee uma neaãodos factos óbios do mundo e uma ausência de bom-senso. Em suma, diiaque a pincipa difeena ente os poessistas muumanos e aquees queos citicam eside no facto de estes útimos seuiem metodooias uta-passadas ou teem-se compometido com doutinas e intepetaões quepedeam a sua aão de se e a sua eeância, com o passa do tempo. Poouto ado, os poessistas estão tambm dooosamente conscientes deque sucumbi sem cíticas a tudo o que edadeio ou faso tambm nãofaia muito sentido, uma e que isso esutaia na opão panossiana3 de sese inabaáe e ieaisticamente optimista aceca de tudo o que se efee aoestio modeno.

Muitas pessoas juam o temo ‘poessista’ como excusiista. Pooutas paaas, impicaá o temo que, se não subsceemos um poamapoessista estaemos, po noma, a adei a um poama etóado? Naminha opinião, tata-se de uma infeência eada. Quaque denião podese coocada de modo amatio e neatio. Die que uma pessoa nea,constitui uma decaaão que ama, em pimeia instância, a identidadenea de uma pessoa e não impica, necessaiamente, a neaão de uma

identidade banca. Em todo o caso, o que ta amaão suee a existênciade uma difeena de identidades. Do mesmo modo, ama que uma pessoa ameicana ou indiana não impica necessaiamente que se despee os cana-dianos ou os paquistaneses. Pom, efectiamente, subjacente a ta cassica-

3  NT:  Panoss, pesonaem do omance Cândido, de votaie, que pofessaa umoptimismo exaeado.

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ão enconta-se um conjunto de eaões de eadade e de compomissos, queem cicunstâncias muito paticuaes, especiamente duante conitos, pode

 i a tona-se um embema de hostiidade e excusão.Outo modo abeiado de descee a minha abodaem inteectua

seia chama-he tadicionaismo cítico, po motios que espeo tonaem-seeidentes, mais adiante. Mas tae aum possa aumenta que atas dopópio acto de nomea, estamos a impica que os outos são pecisamente ooposto: tadicionaistas não cíticos. Na eaidade, estamos a tenta deni ofacto que distinue o nosso poama inteectua do dos outos. Aquio quetona o meu tabaho distintio um enajamento cítico com a tadião: uminteoa constante aceca da tadião e, simutaneamente, um esfoo paa

cooca questões podutias.

2. Amivalência do progressoEnquanto cetas pessoas se sentem ataídas peo temo ‘poesso’, outasecuam peante as suas epecussões. As pessoas que cêem numa isão hee-iana do mundo imainam que a históia se desenoe em diecão a um nacaamente denido e conceto. Paa quem acedita nesta ideia, quaquemudana podutia e nitidamente oientada paa um ‘poesso’ sauta.Fancis Fukuyama, na sua contoesa oba intituada  O Fim da História e oÚltimo Homem (1992), sintetia esta pespectia. Paa Fukuyama, os antiosósofos defendiam que a históia tinha um m, não como os eentos, asocoências e os acontecimentos, mas como ao mais intensamente osó-co e pofundo. Sob esta pespectia, ‘históia’ sinica um pocesso eou-tio único e coeente que ea em conta as expeiências de todos os poos aoono de todos os tempos. Como pocesso eoutio, se não como poama,Fukuyama cê que a históia não nem aeatóia, nem ininteiíe. As socie-dades desenoem-se de modo coeente, de sociedades tibais, baseadas naescaatua e em aicutuas de subsistência, paa teocacias e aistocacias,que cuminam nas democacias ibeais impusionadas peo capitaismo ico

em tecnooia. Tudo isto o esutado do ‘poesso’ na históia.Na opinião de Fukuyama, acanámos um aue de poesso ta que os

pincípios e instituiões subjacentes às sociedades democáticas ibeais jánão teão de sofe ateaões, nem teão de se modicados. A eouão dahistóia deteminou o que deeíamos considea como instituiões ideais:não o comunismo, mas o capitaismo; não o sociaismo, mas a democaciaibea; e, denitiamente, nenhuma teceia ia impondeáe. Na sua dete-minaão em poa os benefícios saícos do poesso democático ibea,

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Fukuyama desia-se paa o teitóio teoóico cistão, e moamente descon-cetante, da escatooia que podu a utopia e o messianismo.

No entanto, existe ao de pofundamente petubado e inquestionadonuma ta concepão de poesso. O poesso tona-se aoante quando seimita a saienta o domínio sobe a natuea mas não econhece a etoes-são da sociedade. Uma ta isão do poesso, obsea o pensado aemão

 Wate Benjamin, eea as caacteísticas tecnocáticas que constituíama maca do fascismo e de outos tipos de sociedades autoitáias. Muitosmoimentos odiosos foam tatados, em nome do poesso, como nomashistóicas, quando na eaidade constituíam abeaões. Ateada à tianiade pincípios imutáeis enconta-se a noão de poesso secua, tão funda-

mentaista na sua posião como os seus homóoos de inspiaão eiiosa.Esta isão do poesso foi inspiada po cetos temas bíbicos de umm apocaíptico e motiada po uma isão mecanicista de se cia uma Noa

 Jeusam. Em inúmeos escitos apocaípticos, como obsea Enest leeTueson (1949: 5), a históia foi dotada de uma intia e incuiu uma naa-tia do que se passou antes e do que se espeaa que iesse a sucede. Funda-mentando-se na tadião hebaica, os pensadoes e pioneios cistãos adap-taam as naatias moais da Bíbia às suas pópias intepetaões aceca dodiino. Mais tade, as posiões potestantes defendeam impicitamente quea históia aanaa, atas de fases diinamente p-estabeecidas e ee-adas, paa a souão dos diemas humanos. Poessiamente, esta postuacontaminou, tambm, as osoas da modenidade, acabando po dominaas teoias modenas sobe a históia e a ciência, apesa de uma pofusão de

 oes discodantes. Ente eas, de saienta os pensadoes omânticos, enteos quais Hede e, tambm, T. S. Eiot, que não aceitaam a ineitabiidade dopoesso, admitida po muitos outos. Emboa todos aceitem que a noãode mudana constitui a essência da ida, a discodância baseia-se em aomuito mais subti, mas penhe de consequências impotantes.

 Aquio que distinue um modenista de aum menos apaixonado po

tudo o que modeno o seuinte: o modenista à moda de Fukuyama cê nainevitabilidade do poesso, enquanto a pespectia discodante admite, po

 ees de má ontade, a possibilidade da mudana ou do poesso. O poessocomo ao de fotuito, ao ins de ineitáe, contm a pomessa de que amudana pode ocoe sob diesas e mútipas fomas, e não sob a foma denaatia totaitáia de poesso, induida peo cientismo e peo capitaismoibea. A teoia deteminista ou apocaíptica de poesso encea-nos atodos nós numa jaua de feo webeiana, ou num coete-de-foas sufo-

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cante de uma modenidade sinua. Inoa esta subtiea pode pooca osdiemas mais ieconciiáeis, e ofeece não-opões, foando as pessoas a

te de escohe ente ciência ou eiião, acionaidade ou f e poesso outadião.

Infeimente, muitos pensadoes muumanos adoptaam a tese da ine- itabiidade do poesso sem pensaem nas suas impicaões. MuhammadIqba (faecido em 1938), o poeta e pensado da ndia, tambm topeouinadetidamente em auns destes teenos espinhosos. redimiu-se atasda sua poesia, efusia em omantismo e em manifestaões do eu emotio.

 A poesia de Iqba difeia extaodinaiamente das suas ocasionais eexõesaceca da modenidade cientíca que foam seeadas paa a sua osoa.

3. A localiaão do traalhoNo tabaho inteectua, ta como no amo imobiiáio, a ocaiaão tudo.O contexto ou o ambiente em que estiemos ocaiados identicaá, emande medida, o nosso púbico-ao. A questão do púbico constitui um ee-mento cítico em todos os pojectos intepetatios e eisionistas. Uma eque o Isão poessista não apenas um empeendimento teóico, mas tam-bm está esteitamente eacionado com a pática, a ocaiaão e o púbico,estas peocupaões são, em muitos aspectos, decisias. Po exempo, a fouxaaiana dos euditos que actuamente esceem aceca do Isão poessistana Amica do Note tem oiem em difeentes antecedentes e contextos.

 Auns nasceam na Amica do Note ou são cidadãos natuaiados cujascomunidades base são indubitaemente note-ameicanas. Outos, po seuado, tabaham nos Estados Unidos, mas o seu aboatóio socia pincipasão as comunidades de Áfica, da Ásia ou do Mdio Oiente.

Pate do desao de apeende a tajectóia do Isão poessista con-siste na compeensão dos caminhos que muitas pessoas associadas a estatendência, bastante indenida, pecoeam, ataessando a eudião e oactiismo. No meu caso, o meu tabaho fomatio desenoeu-se na Áfica

do Su e o que se seue econhecidamente uma poão bastante incompetade uma naatia muito mais compexa e pomenoiada. A natuea seectiadesta naatia petende destaca auns factoes cuciais da uta poessistamuumana no contexto su-aficano.

Haendo-se icenciado nas escoas ou madrasas da ndia, do Paquistãoe de outas eiões do mundo muumano, muitos dos meus contempoâ-neos, ta como eu, eessaam à sua tea natia, na dcada de 1980, paa ienconta nada mais do que um tubihão de conitos poíticos e de injus-

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tias sociais cometidas peo sistema do Apatheid. Joens e inexpeientes,estáamos no entanto decididos a enoemo-nos na uta pea ibetaão

a pati de uma pespectia moa isâmica. Ana, o discuso isâmico ea oque meho conhecíamos e aquio a que as nossas identidades se enconta-

 am íntima mas tambm compexamente iadas. Emboa existissem áiasoaniaões secuaes a pati das quais podíamos paticipa na uta peaibetaão, muitos de nós tambm econheciam a necessidade de mobiiaas nossas comunidades na inuaem que meho entendiam: a inuaem daf e da tadião.

Enquanto aspiantes a euditos e cios, estáamos conencidos deque o Isão pesonicaa uma mensaem de justia, iuadade e ibedade,

um ensinamento que necessitáamos de inteioia e de patica de modopoamático. O nosso púbico-ao ea a comunidade muumana minoitá-ia da Áfica do Su, a quem tiemos de ecoda o seu dee moa e a espon-sabiidade de considea a disciminaão acia eaiada como uma ioaãoda dinidade humana, e um pecado tão ae como o de se se cúmpice, emtemos de tica muumana. Emboa uma pate da comunidade muumanaestiesse disposta a abaa esta mensaem, um upo maio contentaa-se em seui a posião quietista e acomodatícia que a esmaadoa maioiadas associaões eiiosas muumanas adoptaa, ao toea os hooes do

 Apatheid.Tataa-se, indubitaemente, de uma bataha difíci, a de pesuadi

os muitos indiíduos e a ideana da comunidade uama de que estaam aconsidea eadamente cetas doutinas como faendo pate da tadião, tacomo ao exii que as pessoas obedecessem a um estado opesso. As nossasexiências equeiam que essas doutinas fossem eistas. A maioia doscios muumanos consideaa como seu dee pincipa defende os seusesteitos inteesses sectáios e eiiosos, uma e que não sentia quaqueobiaão de fae sacifícios em nome de uma maioia em ande patenão-muumana e nea, subjuada e desumaniada po dcadas de poíticas

seeacionistas eaiadas e de ioência sistemática. Inúti seá die que,consciente e inconscientemente, muitas comunidades não-neas da Áficado Su, incuindo os muumanos, tambm haiam inteioiado o acismoestutua da sociedade, que não os deixaa e as eaidades de um estadoopesso e os eaa a inoa o apeo tico à justia exiido pea sua f.

Paa os poessistas muumanos, este estado de coisas exiia umamini-eouão na tica juídica ( qh) e na teooia (kalam) tadicionais. Eanecessáio asseua que as deibeaões ticas muumanas abandonassem

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os inteesses sectáios e desenoessem uma isão humanista e incusia, queabanesse todos os sees humanos, independentemente da co, do cedo

ou da aa. Isto sinicaa i conta a semente de uma tadião excusiistamuito fote, que emonta aos dias do impio muumano.

O que eou a que tudo fosse um pouco faciitado foi a isibiidade daeouão isâmica no Ião, em 1979. Esta mensaem eoucionáia deupodees a pessoas sem dieito de oto em todo o mundo, aas à pomessade emancipaão de eimes e ditaduas autoitáios apoiados peas andespotências. Ta como os Estados Unidos foam andes apoiantes da ditaduadestonada de Pahai no Ião, tambm duante bastante tempo apoiaama minoia banca e o oeno do Apatheid na Petóia, como aiados da

guea Fia. Am disso, po ota da dcada de 1980, upos muumanosem difeentes pates das eiões maioitaiamente muumanas combatiamtambm oenos autoitáios. Como eidente, a soidaiedade paa comesses moimentos ibetadoes e eoucionáios inspiou-nos na Áfica doSu.

Não obstante, tambm nos fe compeende que um poama po-essista na Áfica do Su seia adicamente difeente dos tipos de deseno-

 imento que ocoiam no Eipto, no Sudão, ou no Paquistão. Nesses países,o enfoque ea na apicaão de uma noão pua da Shai’a, cujo teo poduiaconsequências sanentas e eos de justia chocantes. Na Áfica do Su,pocuáamos uma Shai’a que easse em conta as nossas eaidades, muitodifeentes das dos muumanos nos contextos maioitáios.

Ea fequente descobimos oes ocaiadas nas maens das tadi-ões inteectuais muumanas: aqueas mensaens, ideias e conceitos quetinham essonância na nossa expeiência eam paticuamente ataentes.Po exempo, a tadião pedominante e canoniada poibia aianas comnão-muumanos, e nutia suspeitas aceca das nossas associaões a judeuse cistãos, tendo em conta uma ona e desaadáe históia de hostiidadespoíticas com essas comunidades ao ono de scuos, que emontaa ao iní-

cio do Isão, na Aábia, e às Cuadas. Com o tempo, estas postuas cistaia-am-se numa teooia muumana paticamente sepaatista que, peo menosem teoia, mantinha as associaões a judeus e cistãos imitadas ao mínimo,sao notáeis excepões na Espanha muumana. Am disso, intepetaõesjuídicas esteitas desaoiaam o pape das muhees na ida púbica e napoítica.

gande pate desta tadião hedada não se adaptaa ao nosso con-texto, deixando os actiistas anustiados com os obstácuos psicoóicos que

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epistemologias do sul270

aquees ensinamentos hes eantaam. Muitos cios e opositoes da causapoítica muumana poessista epetiam as intepetaões autoitáias que

tinham desenteado de textos, paa desacedita as nossas exíuas noasintepetaões. Uma e que as autoidades – do passado e do pesente – datadião que ofeeciam quaque espcie de auxíio no nosso contexto eamescassas e seeccionadas, a nossa teooia da ibetaão e a nossa tica juídicatinham de se basea em noas intepetaões do Coão e em seecões da ta-dião poftica. No seu cebe texto Qur’an, Liberation and Pluralism (1997),Faid Esack expõe cuidadosamente as inhas eais das nossas utas ticas edemonsta como ecupeámos as mensaens de ibetaão e de puaismodas naatias do Coão. No cima poítico assustadoamente epessio

e nos combates de ida ou mote que caacteiaam a Áfica do Su, eaeconfotante e que Deus estaa do ado dos justos e dos opimidos que semantinham paciente e justamente is à causa de Deus.

Duante a dcada de 1980, dicimente nos podíamos da ao uxo depensa as intincadas questões da tica muumana de uma foma sistemáticae teoicamente ioosa. Os equiaentes muumanos a teóicos como Max,Enes e lenine eam Qutb, Mawdudi e Khomeini: estes útimos apesenta-

 am uma etóica pesuasia mas eam imitatios a níe inteectua, ou atmesmo, po ees, castadoes.

Tendo em conta as exiências do combate, ea-nos continuamenteexiido que ciássemos postuas ticas dinas de conana em eaão a umasie de questões. Em etospectia, os nossos escitos eam humanos na sua

 isão, mas supeciais em pofundidade inteectua; fotes na pomica, masfacos na poítica. Naquea atua, as eintepetaões cíticas da tadião, deuma foma sistemática que nos pemitisse teoia as expeiências que haía-mos iido dento da tadião, constituíam um uxo e escasseaam.

O que se espea de pessoas enoidas em discusos muumanospoessistas no aue da cise que paticipem numa eexão cítica dessasexpeiências. Há muitas iões a apende e outas, em iua númeo, tinham

de se desapendidas. Dee da-se a máxima pioidade à teoiaão dessasexpeiências e páticas. Tata-se de uma taefa que uma sie de poessistasmuumanos necessita de eaia, na espeana de que os nossos esfoosa pati das maens eoácas, bem como das oas do pode inteectuavis‑à‑vis  as otodoxias pedominantes, possam pomoe noos debates ediesica a tadião.

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4. Tradião progressista?O poesso como o osto de Jano: tem dois ados opostos. Poesso sini-

ca tambm uma eaão paticua com a históia; que a históia tem um m(telos) e um objectio peestabeecido. De um modo mais benino, poessopode sinica aanos no conhecimento e a aquisião de cetas capacidadese a peda de outas, independentemente da osoa da históia. Nas suas Teses

 sobre a Filosoa da História (1986), Benjamin eecte sobe o quado do pintosuío Pau Kee (faecido em 1940), intituado Angelus Novus. A imaem doanjo , paa Benjamin, a imaem sedutoa do anjo da históia. Aqui, a pu-dência e a pofunda ambiaência de Benjamin em eaão ao histoicismoemee fotemente, pois, na sua opinião, os adeptos do histoicismo, como

Fukuyama, tendem a senti empatia peos encedoes da históia.O que intia Benjamin no quado de Kee o modo como  o anjo oa:as suas asas estão abetas mas o seu osto está iado paa o passado. As asasdo anjo não se podem fecha: obiado a mantê-as abetas deido a uma

 ioenta tempestade do Paaíso que o impee paa o futuo. Com uma fotedose de ionia, Benjamin obsea: “ É a esta tempestade que chamamos progresso”(1986: 257–258).

No peciso momento em que o indefeso anjo da históia empuadopaa o futuo pea tempestade do poesso que em do Paaíso, ee esisteà tempestade heoicamente e conta todas as adesidades, otando o ostopaa o passado. O ota-se paa tás uma ausão à históia e à tadião,que Benjamin cê podeem estini uma ideia de poesso aoante edescontoada.

Paa eita o sentido neatio da paaa ‘poesso’, decaa Benjamin, necessáio esisti a cetos sentidos da paaa  (1986: 260–261). Entendeo ‘poesso’ como ao que impica a tansfomaão de toda a humanidadeconstitui, no mínimo, uma postua aoante. Sim, de facto, podem econhe-ce-se aanos humanos em capacidades e conhecimentos. Mas considea opoesso como sinicando a pefectibiidade innita da humanidade em

competião com a natuea inconsistente com as noões de humidade eequiíbio defendidas peo discuso tico muumano. Como eidente, auta paa chea à pefeião moa e espiitua constitui o pópio cene dosensinamentos ticos muumanos, mas aquea muito difeente de umanoão histoicista da pefeião.

Paa auns poessistas, o conhecimento da tadião impotante.Não defendo que se dea considea o conhecimento da tadião como aosaado e imutáe; tata-se antes de ao sujeito a inteoaões, coecões,

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epistemologias do sul272

e aanos. Isto poque o conhecimento não ao que dea se adoado e eneado, mas que dee se posto a uso e que esute na pática tica. Assim, a

pincipa questão, se não a mais estimuante, que se cooca consiste em sabese uma pática dee assemeha-se etenamente à sua oiem. A esposta aesta peunta etóica não tem souão fáci: a esposta dee se esoida natadião, no estado do que uma pessoa e, ainda mais impotante, no modo como uma pessoa existe.

Uma coisa ceta: a tadião não , denitiamente, um conjunto detextos. Estes são apenas uma fonte de conhecimento aceca da tadião. Atadião um estado de espíito e um conjunto de páticas inteioiadas.Como pática, a tadião tem indubitaemente autoidade e funciona de

acodo com cetas eas do joo. A tadião, citando as paaas feies dePiee Bodieu, aquio que o copo apendeu ou o que “ foi aprendido pelocorpo”; não ao que se adquie como o conhecimento, mas sim aquio queuma pessoa  (1990: 73). Meho diendo, podeia ama-se que a tadião a auto-inteiibiidade do passado no pesente; uma inteiibiidade ouestado de existência em constante eouão e mudana. Podeia tambmdie-se que a tadião tem tudo a e com a subjectiidade de uma pessoa.

O facto cucia paa aum se uma pessoa de tadião consiste emte uma noão históica “não só do passado do passado”, como obseou T. S.Eiot, “mas da sua presença” (1975: 38). A noão de tadião impica mais doque uma consciência do tempoa e do eteno. Paa semos uma pessoa detadião, temos de concebe o tempoa e o eteno em conjunto; temos denos tona pofundamente conscientes do nosso ua no tempo e da nossapópia contempoaneidade. Em e de ie no pesente, um escito oupensado que se enaje com a tadião ie no “momento presente do passado” eeea uma consciência, nas paaas de Eiot, “não daquilo que está morto, mas doque ainda vive”. Uma e que a tadião no Isão está tão iada às páticas, sãoentão essas páticas que o copo apende. A tadião, como indica Boudieu(1990), ta como o copo, não memoia o passado mas epesenta o passado,

essuscitando-o. A tadião não se assemeha à painenesia, em que cetos oanismos

epoduem apenas as suas pesonaidades ancestais sem modicaões. Atadião funciona mais como a cenoenese: ea descee o modo como, nabiooia, um oanismo etia caacteísticas do ambiente imediato paamodica o desenoimento heeditáio de um eme ou oanismo.

Se a tadião caiu em descdito, isso dee-se ao facto de cetas pessoasque petendem se paticantes tadicionaistas não pensaem na tadião

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transições no ‘progresso’ da civilização 273

como páticas dinâmicas, mas antes confundiem o conhecimento da tadiãocom a pópia tadião. Patindo desse ponto de ista, a tadião ca eduida

a um conjunto de memóias. Peante cicunstâncias difíceis e neatias, essasmemóias dão oiem a uma nostaia esutante da autocompaixão. Uma eque auns epesentantes da otodoxia muumana contempoânea confun-dem aeemente o conhecimento com a tadião, eam ao imaina que atadião imune às inuências ambientais. Po esse motio, as uas e osaentes deteminantes da históia da tadião são tansfomados em peso-naidades iniuaáeis e ideaiadas num passado quase mítico. Nesta óptica,a históia eeada ao níe da mitooia e os sees humanos que deamoiem à tadião são tansfomados em sees haioácos, paa am do

escutínio das poas históicas. é esta eeência excessia peo passado, naminha opinião, que paaisa os tadicionaistas domáticos. Paadoxamente,o que sucede nos centos ostensios do tadicionaismo que o tempo aasado e homoeneiado. Infeimente, o tempo pede a sua densidade enatuea compexa, e ca eduido a uma esão secua com uma cobetuasupecia de piedade.

Uma das macas da ideooia do poesso, e que miita ioentamenteconta as noões de tadião, a que considea e imaina o tempo como aohomoneo e aio. De um modo subti, essa noão do tempo eadica a dife-ena: difeenas ente as pessoas e difeenas das expeiências humanas. Posua e, isso inspia a fantasia de um pocesso históico utópico que impeetodas as naões paa o secua e se pecipita em diecão a um modenismoindifeenciado. O que difeencia o estio modeno – pois isso que a mode-nidade eamente, um estio e não uma uptua – po oposião aos seusantecessoes a mudana fundamenta da noão do tempo, antittica daspessoas de tadião.

Na imainaão da modenidade, reinhat Koseeck di-nos que “otempo já não constitui apenas o meio em que todas as histórias ocorrem, mas adquireuma qualidade histórica. Como consequência, a história já não ocorre no tempo, mas

através do mesmo. O tempo torna‑se uma força dinâmica e histórica por direito próprio”(1985: 246). Po dinâmico, o auto petende die que se atibui ao tempofoa ciatia, não ontade e desejo. E paa cia e ecia constantementeeste dinamismo, o tempo tem de se tona sinua e homoneo. Po outaspaaas, o tempo deixa de se o eícuo em que a históia ocoeu, paa se to-na antes no seu conduto em pioto automático. Todos os passaeios do eí-cuo encontam-se totamente à mecê do conduto. Os passaeios não têmpode paa decidi que automóeis, macas ou modeos conduião, uma e

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epistemologias do sul274

que o conduto não pode ecebe instuões, pois um autómato fabicado! As concepões do tempo que outoa eam modadas peas especicidades de

ambientes, itmos e ituais difeentes encontam-se aoa minadas.Nesta fente, os poessistas muumanos deem se extemamente

pudentes. Se existe um desejo de enajamento com o conhecimento datadião, deemos esisti ao desejo de edui a tadião a ‘coisas’, ou auma ‘única’ intepetaão, e considea a tadião como ‘uma’ única pática.Emboa cetas fomas do tadicionaismo domático se apesentem fequen-temente como as oes sinuaes e autênticas do Isão, uma inestiaãomais atenta das tadiões de conhecimento muumano eeaá fequen-temente que os pópios temas em questão foam debatidos, contestados e

objecto de discodância e, como ta, menos autoitáios. No entanto, quandose imaina que a pópia tadião uma espcie de concepão p-fabicadada existência, tata-se de um sina eidente de que os tadicionaistas enou-queceam, obcecados peo pode, mas paadoxamente tambm se ataiaamcom os tajes impeiais do modenismo. A isto eu chamaia de tadiciona-ismo de útima moda.

Os poessistas deem seui o exempo de pudência de Miche Seese do seu auno Buno latou e não se deixaem cai no eo em que todos caí-mos, po ees: a questão da dataão de um peíodo. O pensamento inteec-tua do scuo xvii (poduto do pensamento cítico) sepaou aticiamenteo modeno do p-modeno (Wesin, 1997: 200). A ciência e o capitaismopimitios, saienta latou, necessitaam de se incuaem a uma osoaeducionista que constituísse a eaidade sobe a diisão natuea-cutua,com o m de aceea os poessos tecnoóicos e cientícos. Fae diisõestão abitáias num ‘tabaho de puicaão’ seia aoa injusticáe. Aqueesepaa, abitaiamente, os objectos dos sujeito, a natuea/tea da humani-dade/ciência. Ionicamente, este pecioso citio ataca o temo ‘poesso’,uma e que o poesso faciita a fasa sepaaão, pois assume que o seuoposto o imutáe (como já expiquei anteiomente, utiio o temo sob

potesto).Sobe os ombos dos poessistas ecai a ande esponsabiidade de

eaia a tadião em todo o seu io, inteiibiidade e diesidade. Taetenhamos de eita o eo cometido po auns pensadoes judeus e cistãose escoas de pensamento, que adoptaam de foma acítica a tese da ineita-biidade do poesso.

Desejo aqui expessa a opinião de que deíamos comea po aspiaà possibilidade do poesso, num enace com o conhecimento da tadião

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que não o mainaie ou neiencie a sua sabedoia. Com efeito, a maiopate das pessoas que pensam em si como tadicionaistas tae se sentissem

supeendidas po sabe que cada epesentaão da tadião tambm impicauma cítica. Uma postua de inteectua poessista impica uma inteoa-ão cítica sobe o tapete oante da tadião, nomeadamente, textos, páticase históias, coocando uma sie de questões aos conhecimentos hedadosda tadião. Po outas paaas, um muumano cítico, ou um muumanopoessista tambm está incuado ao tadicionaismo cítico. A cítica datadião não consiste em destui a tadião, tata-se antes de uma intospec-ão em tono do que uma pessoa : uma inteoaão constante aceca doque somos. Conm ecoda que amei anteiomente que a tadião tem a

 e com aquio que uma pessoa : mais do que uma identidade, mais do quetextos e páticas, mais do que históia. é tudo isso e mais ainda: o eementoadiciona pemanece po deni, mas impica todas as coisas que poduemem nós o sentimento de petena.

5. Transiões, não conclusões: conhecimentos sore o iliz   (interstício) Ao ono deste capítuo, não debati a que se deeia assemeha o conteúdoespecíco de ao que possa se chamado de modo concebíe Isão poes-sista. Tatou-se de ao popositado. Pefei, antes, eecti sobe as minhaspópias expeiências no enconto com o conhecimento da tadião e tenteifonece aumas eexões teóicas e autocíticas ‘após o facto’. Existe ummotio paa me senti eutante em se nomatio em eaão a um conteúdo.Se o moimento poessista fo nomatio, então acabaá po se tona numa

 esão de tamanho único do Isão poessista, com desastes peisíeis aeboque. Assim que se defende um conteúdo especíco paa o Isão poes-sista, este tansfoma-se-á numa instituião com inteesses ideoóicos quecauteiaão o seu dinamismo. E, de um ponto de ista pático, se os poes-sistas assumiem a epesentaão instituciona, caeaão um fado maiodo que conseuem auenta. Dicimente se podem pee todos os cenáios

e contextos num país ou eião, quanto mais defendemo-nos peante umaaudiência oba. Consideo antes o impuso paa o Isão poessista comoum cataisado paa outas tendências existentes no Isão, não um substituto.Com efeito, os poessistas têm de inteioia e desaa as páticas e inte-petaões existentes como membos dessas comunidades, e não como umaieja ou tendência sepaada cujas cedenciais são postas em causa deidoa uma ceta indifeena das comunidades maioes. Tata-se da pate maisdifíci e mais estimuante de se um defenso do Isão poessista, uma e

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que fáci pea e tabaha com pessoas que pensam como nós. O desaoconsiste em pesuadi pessoas de quem se discoda. Em seundo ua, eceio

que, assim que as páticas poessistas do Isão foem institucionaiadas eimpostas a pati de cima, ocoam uma sie de efeitos nocios. Ta comoas obas bem-intencionadas dos modenistas muumanos há um scuoatás, os muumanos poessistas coem o isco de se tonaem escaosdo pode. A modeniaão do Isão conduida peo Estado tansfomou osmodenistas muumanos em paceios e escaos dos eimes autoitáiosmais butais do Eipto ao Paquistão, da Tunísia à Indonsia. Os poessistasmuumanos podeão te de pensa no ao da sua entada paa a base demo-cática das suas sociedades, em e do meo apaca de eites. Escusado seá

die que muito mais fáci die do que fae, e tem de se inesti muito maisem ideias sobe como deinea as estatias mais ecaes. Em teceio ua,os poessistas muumanos deem eita coe o isco de paeceem estaa compo uma esão de uma missão ciiiadoa paa os muumanos. Se

 iiante em eaão aos desínios do pode de cooptaão dos poessistaspo pojectos neoconseadoes, impeiaistas ou nacionaistas, sejam eesisâmicos ou não isâmicos, constitui um pimeio passo. Uma autocítica eum debate constantes ajuda-nos-ão a eita epeti os eos que os nossosbem-intencionados antecessoes cometeam.

 As abodaens cíticas ou poessistas à pática do Isão, especia-mente as questões oientadas paa as tadiões de conhecimento juntamentecom as suas espostas eeantes, são deteminadas po contextos especícos.Com efeito, o contexto uma pate ineáe da questão da pática; o pópiocontexto impime-se na tadião. Fonece espostas nomatias foa dessecontexto especíco constituiia uma postua cooniadoa, que dee seeitada a todo o custo. Contudo, a questão tona-se totamente difeente seas pessoas de um contexto desejaem apende com as expeiências de outocontexto, paa não teem de einenta a oda em assuntos anáoos. Nessecaso, quando as pessoas eamente aceitam os citios poenientes de outa

expeiência, faem-no ountaiamente, sem uma imposião do exteio, etomam a ideia e a pática como suas.

Quando se pemite que a intepetaão e a pática do Isão sejam impe-idas peo contexto, tambm se asseua uma diesidade e um puaismosóidos. Mas sobetudo, ea-se as expeiências de cada contexto a sio.Emboa a ideia e a pática do Isão tenham sido inspiadas po impusos nãohistóicos de pofecia e de eeaão, tudo depois desse momento iniciaocoe em pena u da históia. Po esse motio, impeatio que as nomas

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isâmicas sejam inspiadas peas expeiências históicas dos poos. Assim, seo diáoo e a soidaiedade inte-eiiosos e a justia dos neos eam ques-

tões pementes na Áfica do Su da dcada de 1980, paa efei um exempo,isso não sinica que essas pioidades sejam as mesmas no scuo xxi. Hipo-teticamente, os muumanos do Eipto podem muito bem considea o pu-aismo poítico e a justia como as suas pioidades uentes, enquanto nosEstados Unidos da Amica o acesso das muhees às mesquitas e o dieito àideana eiiosa podem se consideados uentes.

é fequente as páticas e as expeiências não seem impeidas poteoias e poíticas bem denidas, apicadas em ambientes puicados. Peocontáio, as páticas são ciadas em contextos muito mais desodenados

e cicunstâncias continentes. Ao naa mais uma e as expeiências dospoessistas muumanos na Áfica do Su, obseei que a eexão teóicaea um uxo e, muito fequentemente, a necessidade pática, o senso comume a isão tica, juntamente com um ceto pamatismo, inspiaam as nossaspáticas naquee paco de combate especíco. A teoia ocoe eamentedepois da pática, ta como as discipinas de teoia juídica (usul al‑qh) e teo-ia da teooia (usul al‑din ou ‘ilm al‑kalam), suiam como eexões teóicasapós a pática da ei, da tica e da teooia especuatia se encontaem em

 oa há aum tempo. A teoia necessáia po áios motios. Um dos motios mais óbios

paa a existência de uma teoia consiste na necessidade de confei uma cetacoeência inteectua e inteiibiidade socia às páticas existentes. A teoiatem a capacidade de manipua e acentua os pincípios óicos subjacentesàs páticas, bem como de as ena. A teoia tona as ideias e as expeiênciascompicadas acessíeis e assimiáeis paa ns pedaóicos. A uniesaidadede ideias e páticas juntamente com a beidade da abstacão faoece umafáci tansmissão de um contexto paa outo. Como eidente, a puaidadede teoias hedadas do passado e as teoias fabicadas no pesente, consti-tuem poas taníeis das difeentes expeiências muumanas, que têm de

se apoiadas a todo o custo se desejamos eita esutados totaitáios nopensamento eiioso.

Uma puaidade de expeiências esuta das difeenas de conheci-mento. A faibiidade do conhecimento humano tona-se manifesta na die-sidade e no hibidismo ineitáeis do conhecimento. A faibiidade constituiuma impefeião, mas uma impefeião necessáia, que tona a busca doconhecimento impeatia. Não de supeende que auns dos mehoesexempos da tadião isâmica, desde o Pofeta e os Companheios a uas

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epistemologias do sul278

posteioes como Abu Hamid a-ghaai (faecido em 1111 d.C.), Abu a- Waid Ibn rushd (faecido em 1198 d.C.) e Muhyi a-Din Ibn Aabi (faecido

em 1240 d.C.) essem da pomiscuidade inteectua uma itude. gha-ai demonstou esta diesidade nas suas obas monumentais, insistindono ao do espao intemdio (dihliz ) da ida e das eexões quotidianas(Moosa, 2005). A metáfoa espacia de uma soeia ou um pota, um dihliz  – um pota intemdio que sepaa o a pesa do seu exteio – tambm umespao diaóico podutio. Com ghaai e muitos outos, apendemos comoa podutiidade inteectua foi intensicada nos intestícios das cutuas.ghaai imainou e teoiou que todo o pensamento e toda a pática eamum moimento diaóico constante ente o inteio e o exteio; o esotico

e o exotico; o copo e o espíito, de uma foma podutia. Não conuouo diaóico numa eaão bináia simpista, mas imainou que se tatasse daspoaidades de um campo de foas.

Suspenso nesse campo de foas, encontaa-se o sujeito, cuidandodiientemente das necessidades da matia e do espíito. Subjacente a todaa nossa actiidade cítica enconta-se um hibidismo e uma incoeênciacompexos, apesa de todas as nossas petensões de os apana. E emboaduante uma maio duaão possamos po ees assisti a mudanas dásticasdo conhecimento, na maio pate das ees passamos po tansiões, sucos e

 iaens no conhecimento e no tempo. A etena busca consiste em pocua o conhecimento emeente que

sue dos nossos combates e tansiões paa futuos atenatios. Sabemosao que a expeiência efectiamente nos ensinou: que os paadimas pedo-minantes necessitam de se constantemente contestados com modos ate-natios de conhece, difeentes tipos de conhecimento e de modeos paaa constuão da sociedade. O futuo, como saientou Boaentua de SousaSantos (1995), tonou-se uma questão pessoa paa nós, uma questão de

 ida ou mote. Paa pati em busca desses futuos, necessitamos tambm deecoe ao passado, não como uma souão ponta, mas como um pobema

ciatio susceptíe de abi noas possibiidades. “Certamente que necessitamosda história”, esceeu Nietsche. “ Mas a nossa necessidade da história é bastante dife‑rente da do ocioso mimado no jardim do conhecimento”, continuou, acescentandoainda: “… Necessitamos da história para a vida e para a acção, e não para evitar, pre‑

 sunçosamente, a vida e a acção, ou para camuar uma vida egoísta e as más, e cobardes,acções” (Nietsche, 1980: 7).

ghaai e Ibn Aabi, ta como Nietsche mais tade, sentiam-se compe-idos a ee o passado como uma pofecia que ateaia o pesente. Infei-

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transições no ‘progresso’ da civilização 279

mente, demasiados pensadoes compeendeam o poesso da ciiiaãoem temos fotemente económicos, associando a diisão do tabaho ao

desenoimento da sociedade. Tae isso possa se pate da edade, mascetamente não constitui a sua totaidade. é a actiidade poftica dedicadaà ida que pocuamos em toda a sua intensidade. é necessáia uma idabaseada no equiíbio e na distibuião, paa eita o m niiista que nosespea se aquea não existi. O poesso que faemos ao da foma a esseespíito poftico – uma ida de pática e ontade de pode – abe a possibili‑dade de noas históias, e não a sua ineitabiidade ou, menos ainda, o m dahistóia, que constitui, na eaidade, um disface paa uma teooia escatoó-ica, excusia de uma ceta isão cistã do mundo, mas não necessaiamente

patihada po todos. é justamente deido à possibiidade da históia e à on-tade de pode que a pofecia do m da históia de Fukuyama, aoa encahadanas uínas da Mesopotâmia e nas montanhas Hindu Kush, bem como nascinas do Wod Tade Cente em Noa Ioque, poa como estaa tão otes-camente eado. Os neoconseadoes e capitaistas ibeais, que estão aoano cume da históia, conam na ineitabiidade do poesso. Mas o seu naassinaaá tambm o ui da ciiiaão? Paa aquees que consideam a histó-ia como uma uta constante, uma ofeenda que tanspota as possibiidadesdo poesso, a cutua da ciiiaão pemanece apeatia e absoutamentesedutoa (Kaamustafa, 2003).

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epistemologias do sul280

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PArTE 3

Geo-políticas e a sua Suversão

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CAPTUlO 9

 MEDI TAç ES ANTI-CARTESIANAS SObRE A ORIGEMDO ANTI-DISCURSO FILOSFICO DA MODERNIDADE1

 Enrique Dussel

Tenho consciência de que este tabaho expicitamente pomico. Pomicoface ao juío depeciatio da existência de um ‘Su da Euopa’ (e, po isso, da

 Amica latina) construído epistemicamente peo Iuminismo do cento e donote da Euopa desde os meados do scuo XvIII. O Iuminismo construiu (foi um making  inconscientemente espahado) tês cateoias que ocutaama ‘exteioidade’ euopeia: o oientaismo (descito po Edwad Said), o oci-dentaismo euocêntico (fabicado, ente outos, po Hee) e a existênciade um ‘Su da Euopa’. O efeido ‘Su’ foi  (no passado) cento da históia em

 ota do Mediteâneo (gcia, roma, os impios de Espanha e de Potua,isto sem fae efeência ao mundo áabe do Maebe, já desaceditado doisscuos antes), mas nessa atua já ea um esíduo cutua, uma peifeiacutua, poque, paa a Euopa setecentista que faia a reouão Industia,todo o mundo Mediteânico ea um ‘mundo antio’. Nas paaas de Pauw

(1991): “nos Pirinéus começa a África”, e as Amicas Ibicas, como eidente,coocaam-se como coónias dos já semipeificos Espanha e Potua. Comisso, a Amica latina simpesmente “desapareceu do mapa e da história” at hoje,inícios do scuo XXI. Tenta comea a einstaá-a na eopoítica mundia ena históia da osoa o objectio deste pequeno tabaho, que seá ceta-mente citicado como ‘petensioso’.

1

  Este atio comeou po se uma comunicaão apesentada no II Conesso da Asociación Filosóca del Caribe  (Poto rico), 2005, a conite do seu pesidente lewis go-don. Posteiomente, expus o tema com noos conteúdos numa confeência pofeida na

 X Feia do lio de Santo Domino, a 25 de Abi de 2007, onde tambm comeámos apepaa a ceebaão do Quinto Centenário do pimeio ito cítico messiânico em SantoDomino (em 1511, à maneia de um Tempo‑agora de Wate Benjamin) conta a injustiada modenidade nascente, do cooniaismo que se inauuaa não apenas no Continente

 Ameicano, mas tambm na peifeia do Sistema-Mundo. Este texto foi po útimo ape-sentado em 2008 no Poama em ‘Pós-cooniaismos e Cidadania goba’ do Cento deEstudos Sociais/FEUC da Uniesidade de Coimba.

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epistemologias do sul284

1. Foi René Descartes o Primeiro Filósofo Moderno? vamos comea com uma inestiaão de uma das históias euopeias da

osoa dos dois útimos scuos. As históias não indicam apenas o tempodos acontecimentos, mas tambm o seu ua eopoítico. A modenidadetem oiem, seundo a intepetaão coente que iemos tenta efuta,num ‘ua’ e num ‘tempo’. O ‘desocamento’ eopoítico desse ‘ua’ e desse‘tempo’ iá sinica iuamente um desocamento ‘osóco’, temático epaadimático.

Onde e Quando tem sido Situada Tradicionalmente a Origem da Modernidade? 

Stephen Toumin escee:

 Algumas pessoas datam a origem da modernidade no ano de 1436, com a adopçãoda imprensa por Gutenberg; outras em 1520, com a rebelião de Lutero contra a autoridadeda Igreja; outras em 1648, com o m da Guerra dos Trinta Anos; outras em 1776 ou 1789,com as Revoluções Americana e Francesa; enquanto que para algumas outras os temposmodernos só começaram em 1895. (1992: 5).

Mais adiante Toumin acescenta:

 A ciência e a tecnologia modernas podem, assim, ser encaradas como a fonte quer debênçãos quer de problemas, ou de ambas as coisas. Em qualquer dos casos, as suas origensintelectuais tornam a década de 1630 a data mais plausível para o início da modernidade .(1992: 9).

Em ea, mesmo paa Habemas (1989)2, a oiem da modenidadetem um ‘moimento’ do Su paa o Note, do Este paa o Oeste da Euopa dosscuos Xv a XvII que apoximadamente o seuinte: a) o renascimento ita-iano do Cuattrocento (não consideado po Toumin), b) a refoma uteana

aemã, e c) a reouão cientíca do scuo XvII cuminam na d) reouãopoítica buuesa inesa, note-ameicana ou fancesa. Obsee-se a cuado pocesso: de Itáia paa a Aemanha, daqui paa Fana e depois paa a

2  Habemas incui “o descobrimento do Novo Mundo” (1989: 15), mas seuindo asteses de Max Webe não pode tia nenhuma consequência dessa indicaão puamenteacidenta.

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meditações anti-cartesianas 285

Inatea e os Estados Unidos. Pois bem, deemos efuta esta construção históica ‘iuminada’ do pocesso de oiem da modenidade po se uma

 isão ‘inta’-euopeia, euocêntica, autocentada, ideoóica e a pati dacentaidade do Note da Euopa desde o scuo XvIII e que se tem impostoat aos nossos dias.

Encaa a oiem da modenidade com ‘noos ohos’ exie cooca-se fora da Euopa emano-atina e ê-a como um obseado exteno (‘com-

pometido’, eidentemente, mas não como ‘ponto eo’3  da obseaão). Achamada Euopa medieval , feudal  ou da idade das trevas não senão a miaemeuocêntica que não se autodescobe desde o scuo vII como uma ciii-aão periférica, secundária, isolada, ‘encausuada’, ‘sitiada’ peo – e peante

o – mundo muumano mais desenoido e iado à históia da Ásia e da Áfica at 1492. A Euopa deia eaciona-se com as andes cutuas atasdo Mediteâneo oienta, que, desde 1453 (com a tomada de Constanti-nopa), ea denitiamente otomano. A Euopa estaa ‘fechada’ desde oefeido scuo vII, o que impedia (apesa da intenão das Cuadas) todoo contacto com o mais denso da cutua, da tecnooia e da economia do‘mundo antio’, a que tenho chamado o ‘Estádio III do sistema inte-eionaasiático-afo-mediteânico (Dusse, 2007a).

Tenho estudado esta eaão eoáco-ideoóica em numeosasobas.4 Faamos um esumo do estado da questão. A Euopa nunca foi o centroda história mundial  at nais do scuo XvIII (diamos, at ao scuo XIX, ape-nas há dois scuos). Passaá a se o cento em consequência da reouãoIndustia. Mas aas a uma miaem, como já dissemos, aos ohos obnubi-ados do euocentismo toda a história mundial anterior  he apaece como tendoa Euopa como cento (a posião de Max Webe), o que distoce o fenómenoda oiem da modenidade. vejamos mais uma e o caso de Hee.

Em todas as sua Lições universitárias, Hee expõe os seus temas tendocomo hoionte de fundo uma ceta cateoiaão históica mundia. Nas suas

3 Santiao Casto-góme (2003) desina de ‘hybris do ponto eo’ a petensão desme‑ surada do pensa catesiano de se situa paa am de toda a pespectia paticua. Como

o atista enascentista que, ao taa a inha do hoionte e o ponto de fua na pespectiade todos os objectos que iá pinta, não apaece ee pópio no quado, mas sempe sub-jectiamente ‘o que oha e constitui o quado’ ( o ‘ponto de fua’ ao contáio) e que passacomo o ‘ponto eo’ da pespectia.

4 Sobe este tema eja-se Dusse, 1995, 1998, 2001, 2007a, 2007b.

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epistemologias do sul286

 Lições de Filosoa da História,5 Hee diide a históia em quato momentos: ‘omundo oienta’6, ‘o mundo eo’, ‘o mundo omano’ e o ‘mundo aemão’.

Pode e-se o sentido esquemático desta constuão ideoóica, competa-mente euocêntica, ou meho: emano-cêntica do Note da Euopa (jáse tinha poduido a neaão do ‘Su da Euopa’). Po outo ado, o ‘mundoemânico’ (não se di ‘euopeu’) diide-se em tês momentos: ‘o mundoemânico-cistão’ (descatando-se o ‘atino’), ‘a Idade Mdia’ (sem a situaeopoiticamente na históia mundia), ‘o tempo modeno’. Este útimo, poseu ado, tem tês momentos: ‘a refoma’ (fenómeno emânico), ‘a refomana constituião do Estado modeno’ e ‘o Iuminismo e a reouão’.

Nas Lições de Filosoa da Religião,7 noamente, a históia diide-se em tês

momentos: a) ‘a eiião natua’ (que compeende as eiiões ‘pimitias’–chinesa, dica, budista, dos Pases, siíaca); b) ‘a eiião da indiiduaidadeespiitua’ (judaica, ea, omana) e, como cuminaão deas, c) ‘a eiiãoabsouta’ (o cistianismo). O Oiente sempe popedêutico, infanti, dá os‘pimeios passos’. O ‘mundo emânico’ (a Euopa do ‘note’) o m dahistóia.

Nas Lições de Estética,8  po outo ado, a históia consideada comoo “desenvolvimento do ideal das formas particulares da beleza artística” em têsmomentos: a) ‘as fomas da ate simbóica’ (ooástica, bamânica, eípcia,hindu, maometana e a mística cistã), b) ‘a foma da ate cássica’ (os eose omanos) e c) ‘a foma da ate omântica’. Esta útima diide-se em tês: a)a do cistianismo pimitio, b) a do ‘caaheiesco’ na Idade Mdia e c) a da‘autonomia foma das paticuaidades indiiduais’ (como nos casos anteio-es, tata-se da modenidade).

Mas nada meho paa o nosso tema do que as Lições de História da Filo‑ soa.9 Comea pea a) ‘Fiosoa oienta’ (seundo o ‘oientaismo’ ecente-

mente constuído), com a osoa chinesa e hindu (dica em Shankaa ebudista em gautama e outos). Passa depois à b) ‘Fiosoa ea’ (sem tataa osoa omana). Continua com c) a ‘Fiosoa da Idade Mdia” (em dois

momentos: a) ‘Fiosoa áabe’, incuindo os judeus, e b) ‘Fiosoa escoástica’,

5 veja-se Hee, 1970, o. 12.6 Ou seja, ama já a ideooia do ‘oientaismo’.7 Hee, 1970, os. 18-20.8  Ibid ., os. 13-15.9  Ibid ., os. 18-20.

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que cumina com o renascimento e a refoma luteana).10 Po útimo, a c)‘Fiosoa modena’ ( Neuere Philosophie). Aqui temos que nos dete um pouco.

Hee pessente aumas questões, mas não hes sabe da uma aoabiidadesuciente. Sobe a modenidade escee:

O ser humano adquire conança em si mesmo  [zutauen u sich sebst]. [...]Com a invenção da pólvora11 desaparece da guerra a inimizade individual  [...]. O homem12 descobre a América, os seus tesouros e os seus povos, descobre a natureza, descobre‑se a simesmo [sich sebst] (Hee, 1970, o. 20: 62).

Tendo disto isto eatiamente às condiões eopoíticas exteioes à

Euopa, Hee fecha-se numa eexão puamente centada na Euopa. Tentaassim, nas pimeias páinas sobe a Fiosoa Modena, expica a noa situa-ão do ósofo peante a eaidade sócio-históica. O seu ponto de patida aIdade Mdia (paa mim, o ‘Estádio III do sistema inte-eiona’). “ Nos séculos

 XVI e XVII é quando reaparece a vereir  losoa.”  13  Em pimeio ua, paaHee esta osoa noa desdoba-se: a) po um ado, há um realismo da expe-iência, que contapõe “o conhecimento e o objecto sobre o qual recai ” (Hee, 1970,

 o. 20: 68), e que possui uma etente a1) enquanto obseaão da natureza física, e outa a2) enquanto anáise política  do “mundo espiritual dos Estados”.

10 Ou seja, paa Hee, o renascimento ainda não pate constitutia da modeni-dade. Neste ponto, mas po aões muito difeentes, coincidimos com Hee conta gio-

 anni Aihi, po exempo (1994). Numa isão ‘euocêntica’ – como habitua – Heeindica que: “ Ainda que já Wiclef, Hus e Arnaldo de Brescia se tenham afastado do caminho da losoaescolástica [...] é de Lutero que arranca o movimento da liberdade do espírito” (1970, o. 20:50). Senão se tiesse abeto o Atântico paa a Euopa do Note, luteo teia sido um Wicef ouHus do comeo do scuo XvI, sem eeância posteio.

11

 Paece que não sabe que a póoa, o pape, a impensa, a bússoa e muitos outosdescobimentos tcnicos já tinham sido inentados há scuos na China. Euocentismoinfanti de pua inoância.

12 Como se os indíenas ameicanos não fossem ‘humanos’ que tinham ‘descobeto’o seu pópio continente muitos minios antes. Tinha que se espea peos euopeus paaque ‘o homem’ descobrisse a Amica. Ideooema ua que não dino de um ósofo deenome.

13  ‘reapaece’ a osoa da antiuidade, ainda que com difeenas, sem descobicabamente a eiaota eopoítica adica da modenidade – que se situa pea pimeia

 e num sistema-mundo competamente impossíe paa eos e omanos.

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Po outo ado, b) há uma diecão idealista, em que “tudo reside nopensamento eo próprio Espírito é todo o conteúdo” (Hee, 1970, o. 20: 67).

Em seundo ua, Hee pomenoia os problemas  centais da noaosoa (Deus e a sua deduão a pati do espíito puo; a concepão do beme do ma; a questão da ibedade e da necessidade).

Em teceio ua, ocupa-se de duas fases históicas: “a) primeiro,anuncia‑se a conciliação daquelas contradições sob a forma de umas quantas tentativas  [...] ainda não sucientemente claras e precisas; aqui temos Bacon14 e Jacobo Boehme”15.

 Ambos nascem na seunda metade do scuo XvI. E “b) a conciliação metafísica. Aqui inicia‑se a autêntica losoa deste tempo: começa com Descartes” (Hee, 1970, o. 20: 70). Meditemos no que já foi dito.

Em pimeio ua, como eidente, Hee intodu Jacobo Boehme,que aemão, o místico e popua pensado da ‘inteioidade emânica’, queconstitui uma nota focóica simpática e nacionaista, mas nada mais do queisso. Em seundo ua, apesa de tenta faa de “aspectos histórico‑externos dascircunstâncias de vida dos lósofos” (Hee, 1970, o. 20: 70), não ai am deindica aspectos socioóicos que faem do ósofo modeno não um monemas, sim, um homem comum da ua, que “não se isola do resto da sociedade”(Hee, 1970, o. 20: 71-72). Não imaina de todo na sua inoância note-euopeia o catacismo eopoítico mundia que se poduiu a pati dos naisdo scuo Xv em todas as cutuas da Tea (no Extemo Oiente, no Sudeste

 Asiático, na ndia, na Áfica subsaiana e na Ameíndia) po causa da inasãoeuopeia do ‘quato continente’.

é nesta isão euocêntica e poinciana que Descates apaece no dis-cuso históico de Hee como aquee que “começa a autêntica losoa da épocamoderna” (Hee, 1970, o. 20: 70). vejamos esta questão com mais atenão.

 Descartes e os Jesuítasren Descates nasce em Fana em 1596, em la Haye, peto de Tous, emoe em 1650. Ou seja, ie no início do scuo XvII. Fica ófão pouco

depois de nasce e educado pea aó. Em 1606 enta no coio dos jesuítasde la Fèche onde, at 1615, iá ecebe a sua única fomaão osóca fo-

14 Bacon nasceu em londes em 1561. Há que ecoda as datas, já que na sua ehice ieá at ao comeo do scuo XvII, tendo nascido 70 anos depois do comeo da ‘inasão’da Amica po Cistóão Coombo, quando Batoom de as Casas estaa a apoxima-seda sua mote (+1566).

15 Jacobo Boehme nasceu em At-Seidenbe, em 1575.

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ma.16 Ou seja, abandona a sua casa aos de anos. O pade jesuíta Chasteie como um seundo pai paa ee. A pimeia oba osóca que Descates

estuda  Disputationes Metaphysicae de Fancisco Suáe, pubicada em 1597,um ano depois do seu nascimento.

é sabido que o espanho basco Inácio de loyoa (que nasce quase coma modenidade, em 1491, um anos antes do ‘descobimento do Atânticoocidenta’ po Coombo, e que moe em 1556, quaenta anos antes do nas-cimento de Descates), estudante de osoa em Pais, fundou coios paafoma osocamente cios e joens da nobea ou da buuesia. Em1603 os jesuítas foam chamados peo rei Henique (depois de teem sidoexpusos de Fana em 1591), fundando o coio de la Fèche em 1604, ao-

jado num enome paácio (numa popiedade com quato hectaes) doadoaos pades peo pópio ei. A fomaão seundo o concíio de Tento17 eacompetamente ‘modena’ no seu ratio studiorum. Cada jesuíta constituía uma

 subjectividade sinua, independente, modena, sem cantos nem oaões nocoo de uma comunidade como ea o caso dos mones beneditinos medie-

 ais, eaiando diaiamente um ‘exame de consciência’ indiidua.18 Ou seja,o joem Descates todos os dias19, po tês ees, deia etia-se em siêncio,reectir  sobe a sua pópia subjectiidade e ‘examina’ com extema clareza eautoconsciência a intenão e o conteúdo de cada acão, as acões executadashoa a hoa, juando a sua actuaão sob o citio de que “o homem é criado

 para gloricar, venerar e servir a Deus” (loyoa, 1952: 161). Tataa-se de umaememoaão dos exercitatio animi  de Aostinho de Hipona. Ea uma páticaquotidiana do ego cogito: ‘Eu tenho autoconsciência de te feito isto ou aquio’;que dominaa discipinadamente a subjectiidade (ainda antes do Cai-nismo, poposto po Max Webe como a tica do capitaismo). Os estudoseam extemamente metódicos:

 Não estudem por compêndios as faculdades principais nem imperfeitamente, emvez disso aprofundem‑nas, dando tempo e estudo competente [...]. As faculdades que todos

16 veja-se Cottinham, 1995 e gauckoe, 1997.17 O concíio que ‘modenia’, acionaiando, todos os aspectos da Ieja Catóica.18  Faa-se, já em 1538, “do examinar a consciência com aquele modo das linhas” (loyoa,

1952: 109). Num cadeno, atibuía-se uma inha paa cada dia, em que se indicaam as fa-tas cometidas, contabiiando-as po hoas, desde manhã ao eanta-se, depois do meio-dia e à noite (tês ees po dia). veja-se iuamente loyoa, 1952: 162.

19 “Dediquem‑se a examinar cada dia as vossas consciências”(loyoa, 1952: 430).

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ordinariamente devem aprender são: letras de humanidades, lógic, loso nurl   e,havendo preparação, algumas matemáticas e moral, metafísica e teologia escolástica  [...].

Sem este estudo, haja cada dia uma hora para debater em qualquer faculdade que se estude[...]. Haja cada domingo depois de comer debates públicos (loyoa, 1952: 588-590).

 Assim, o joem Descates, de 1606 a 1611, deia patica a lectio, repetitio‑nes, sabbatinae disputationes e, no m do mês, a menstruae disputationes.20 Nestesexecícios ia-se Easmos, Meanchton e Stum e textos dos ‘Imãos da idacomum’, ainda que o mais efeido fosse o jesuíta espanho Fancisco Suá-e.21 Descates tinha então comeado a sua fomaão popiamente osó-ca pea Lógica (apoximadamente em 1610, depois dos seus estudos cássicos

em atim). Estudou-a no texto consagrado e usado em todos os coios euo-peus da Companhia, peo que tee inúmeas ediões no eho continente,de Itáia a Espanha, da Hoanda à Aemanha e tambm, na atua, em Fana.Tataa-se da Logica Mexicana sive  Commentarii in universam Aristotelis Logicam (Coónia, 1606, ano em que Descates entaa no coio de la Fèche), doósofo mexicano Antonio rubio (1548-1615).22 Quem haia de die que Des-cates estudou a parte dura da osoa, a Lógica, a Dialéctica, numa oba de umósofo mexicano! Isto constitui uma pate do meu aumento. Em 1612, Des-cates iniciou-se nas matemáticas e na astonomia, pate do cuícuo, comojá efeido. A metafísica23  e a tica ocupaam-he os anos de 1613 e 1614.

20 Não extaodináio então que a oba cimeia de Suáe tiesse po títuo o que ecomendado pea Regla de San Ignacio: Disputationes Metaphysicae  e que, po seu ado, opópio Descates tiesse escito umas Regles sur la direction de l’esprit  (ainda que a expessão‘direction de l´esprit ’ nos ecode os ‘diectoes espiituais’ dos coios jesuítas)? No Discoursde la Méthode, II e III, continua a faa de ‘eas’: “Pincipaes règles de a mthode”, “Que-”, “Que-ques règles de a moae”. Memóias da juentude?

21 Fancisco Suáe ainda iia na atua em que Descates estudou osoa e que

 iia a moe apenas em 1617, na atua em que Descates abandonou o coio.22 Ainda que de oiem peninsua, cheou ao Mxico com 18 anos e estudou todaa sua osoa na Uniesidade do Mxico (fundada em 1553), onde esceeu a oba que,po isso, ea po nome Logica Mexicana. Esceeu tambm no Mxico uma Dialecticam (pubicada posteiomente em 1603, em Acaá), uma Physica  (pubicada em Madid, em1605), uma De Anima (Acaá, 1611), e In de Caelo et Mund o (Madid, 1615). Outos mesteseam iuamente estudados no coio, como o potuuês Pedo de Fonseca (pofesso deCoimba – como efeiei a seui – desde 1590).

23 As Disputationes Metaphysicae de Fancisco Suáe foam a pimeia oba que Des-cates eu, ta como ee pópio indicou, e como já indicado anteiomente neste texto.

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Como se eá e mais à fente, esta oba de Suáe (antecipada posuestões de Pedo de Fonseca, em Coimba) já não um comentáio da

 Metafísica  de Aistótees mas, sim, a pimeia oba sistemática  do tema, queantecipa todas as ontooias do scuo XvII e XvIII (como as de Baumaten,leibni ou Woff, e a que ees ecoeam expicitamente).

Em todos os momentos do ‘aumento catesiano’ podem detecta-seas inuências dos seus estudos com os jesuítas. Desde a eexão adica daconsciência sobe si mesma no ego cogito at ao ‘saamento’ do mundo empí-ico aas ao ecuso ao Innito (questão tatada com essa denominaãona Disputatio 28 da oba de Suáe), demonstando ansemamente (questãotatada na Disputatio  29) a sua existência, paa a pati dee econstui um

mundo matematicamente conhecido. O método  (que tomaa a matemáticacomo exempa) ea um dos temas que eam discutidos apaixonadamente nasauas dos coios jesuítas. Estes, como eidente, são poenientes do Suda Euopa, de Espanha, do scuo XvI, do Mediteâneo iado ecentementepaa o Atântico. Não teá, então, o scuo XvI aum inteesse osóco?Não seá Descates o futo de uma eaão anterior  que pepaou o caminho?Não haeá ósofos ibeo-ameicanos modernos anteioes a Descates e queabiam a pobemática da osoa modena?

 Descartes e o Agostinismo do Ego Cogito. O ‘novo paradigma’ modernoO tema do ego cogito24 tem os seus antecedentes ocidentais e mediteânicos,ainda que isto não he etie nada da sua novidade. As efeências a Aostinhode Hipona são inocutáeis, ainda que Descates po ees petendesse apa-enta não se te inspiado no ande etóico omano do Note de Áfica(tão-pouco admitia inuências de Fancisco Sanches ou de quaisque outos).Com efeito, no seu tempo Aostinho aumentaa conta o cepticismo dosacadmicos; Descates, conta o cepticismo dos ibetinos. Paa isso, ecoeà indubitabiidade do ego cogito.

O aumento ota sempe à ‘consciência de si’ (ou autoconsciência),

questão osóca que se efeia tambm a um texto cássico de Aistóteesna Ética a Nicómaco, em que se iá inspia Aostinho e posteiomente, enteoutos, ren Descates.

24 Os textos centais encontam-se na Iv Pate do Discours de la méthode (Descates,1953: 147 ss.) e na ‘Meditaão seunda’ das Méditations touchant la Première Philosophie( Meditationes de prima philosophia, que, na sua pimeia esão fancesa, se assemehaa maisa Suáe: Méditations métaphysiques).

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 Há uma faculdade pela qual sentimos os nossos actos  […]. Aquele que vê sente (isánei )25 que vê, o que ouve [sente] que ouve, o que caminha [sente] que caminha

e assim nas restantes coisas senimos   (isnómenon) o que operamos. Por isso pode‑mos senir   (isnóme)  que senimos   (isnóme) e conhecer   (noômen) que conhecemos. Mas senimos  e pensamos porque somos, porque ser  (eînai )  sentir  e pensar 26 (Aistotees, 2003, IX: 29-34).

Tata-se então de fenómenos da ‘autoconsciência’, que, seundo Antó-nio Damásio (2003), se dee deni como um ‘sentimento’ ( feeling ) iadoneuooicamente aos centos da faa.27

Po seu ado, e de maneia anáoa, Aostinho tinha escito em De

Trinitate:

Vivere se tamen, et meminisse et intelligere et velle et cogitare et scire et iudicare quisdubitet?  Quando quidem etiam si dubitat, vivit. ( De Trinitate, X, 10, n. 14)

 Nulla in his veris academicorum argumenta formido dicentium: quid, si falleris?  Sienim fallor, sum ( De Trinitate, Xv, 12, n. 21).

é po isso que assim que eu o Discours de Descates, Mesenne efeiuao seu amio a semehana do seu texto com o de Aostinho no De civitate

 Dei , (io XI, capítuo 26). Descates espondeu-he que he paecia que

 Aostinho “ se serviu do texto com um outro sentido do que aquele que eu lhe dei ” (apudgison, 1951: 191). Anaud eae da mesma foma, efeindo-se ao texto DeTrinitat  já citado mais atás. Mais tade, nas suas espostas às objecões contaas Meditationes, Descates suee ainda outo texto.28  Pode die-se, então,que Descates cetamente tinha ido e se tinha inspiado em Aostinho, oque não etia o sentido pofundo e de noidade do seu aumento – que nãosó efuta o cptico, mas tambm que funda a subjectiidade nea pópia,intenão competamente ausente de Aostinho, que a fundaa em Deus, e,am disso, nunca como subjectiidade soipsista no caso do catainês. Esta

25 é um acto da ‘sensibiidade’ paa o Estaiita e tambm paa António Damásio,que emba que o cogito  um ‘ feeling ’ (Damásio, 2003).

26 Esta autoconsciência dos actos humanos ea denominada synaísthesis peos estói-cos (Anim, 1964, o. 2: 773-911) e tactus interior  po Cíceo. é toda a questão da ‘hight selfconsciousness’  de Edeman (1992).

27 veja-se tambm Edeman, 1992.28 “Si non esses, falli omnino non posses” ( De libero arbitrio). veja-se a edião da oba de

Descates oaniada po Adam e Tanney (1996), o. 7: 197, ss.

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noa fundamentaão, intuída na expeiência ontoóica de 1619 junto ao ioreno, dee inscee-se de quaque modo na tadião aostiniana:

O método de Agostinho é da mesma natureza que o de Descartes. [...] Porque [Des-cates], enquanto matemático, decide partir do pensamento, já não poderá, enquantometafísico, partir de outro pensamento que não seja o seu. Porque decidiu ir do pensamentoà coisa, já não poderá denir o seu pensamento de outra maneira que não seja pelo conteúdoque o referido pensamento exibe à intuição que o apreende [...]. Uma metafísica da distinçãodo corpo e da alma tinha em Agostinho um forte apoio, [... o mesmo que] a prova da exis‑tência de Deus [(...) que] Santo Anselmo tinha julgado necessário modicar e simplicar ,[(...) sendo] a única saída que se oferecia a Descartes (gison, 1951: 201).

Descates tomaa então as matemáticas, no teceio níe de abstacãode Fancisco Suáe29, como o modo pototípico do uso da aão. Desco-bia, assim, um novo paradigma losóco que, ainda que conhecido na osoaanteio, nunca tinha sido usado num ta sentido ontoóico edutio. Ametafísica do ego indiidua modeno, o paradigma da consciência solipsista (diiaKa-Otto Ape), iniciaa a sua ona históia.

 A Ratio Mathematica, o Racionalismo Epistémico e a Subjectividade como Fundamentoda Dominação Política de Corpos Coloniais, de Cor e Femininos

 Antopooicamente (o que sinica die tica e poiticamente), Descatesenfentou uma apoia que nunca podeia souciona. Po um ado, pecisaaque o ego do ego cogito fosse uma ama independente de toda a mateiaidade,de toda a extensão. Paa Descates, a ama ea uma res, mas uma ‘coisa’ espii-tua, imota, substância sepaada do copo:

[...] Soube, por isso, que eu era uma substância  [substance] cuja essência na tota‑lidade ou na natureza consistia apenas em pensar e que para ser não tinha necessidade de

29  Já no Commentarii Collegii Conimbricensis, sobe a Física ( In octo libros Physicorum Aristotelis) se faa das “tres esse abstractiones…” ( Art. 3, Proemium; Mai, 1592: 9): A abstacão

da matia sensíe (osoa natua), a abstacão da matia inteiíe (a metafísica) ea abstacão de toda a matia (matemáticas). Neste io faa-se da sabedoia oiináia“ secunum Aegyptios” ( Proemium, Mai, 1592: 1), quando ainda não se tinha caído num hee-nocentismo absouto, já que foam ees que descobiam que a inteecão do unieso nãose pode acana sem “ solitudine, atque silentio” ( a skholé  que Aistótees tambm atibui aosEípcios) ( Ibid.). Máio de Caaho (2007) mosta que neste cuso de Física já temos umconceito modeno do tempo imaináio (que nos fa pensa em Kant).

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nenhum lugar nem dependia de nenhuma coisa material. De modo que este eu  [moi], ou seja, a minha alma [âme ], pela qual sou o que sou, era ineirmene  distinta do corpo, e

ainda era mais fácil de conhecer do que ele, e que, ainda que ele não fosse, ela não deixaria de ser tudo o que é ( Descates, 1953: 148, 1996, o. 6: 33).30

Depois da pubicaão, em 1637, do Discours  e, posteiomente, das Méditations, Anaud entendia que Descates “ provava demasiado” (apud gison,

1951: 246), poque ao ama otundamente a substanciaidade indepen-dente da ‘ama’ (res cogitans) ea-he impossíe depois uni‑la a um copo iua-mente substancia (res extensa). reius, de foma mais caa, indicaa que sóhe estaa como saída uma unidade acidental  ( per  accidens) da ama e do copo.

Descates necessitaa, pois, de ama a substanciaidade da ama paapode te todas as aantias sucientes peante os cpticos da possibiidadede uma mathesis universale, de uma cetea sem possibiidade de dúida. Mas,paa pode intea o pobema das sensaões, da imainaão e das paixões,deia deni a maneia como o copo (uma máquina quase pefeita, consis-tindo apenas em quantidade) se podia fae pesente na ama. Am disso,depois de se estabeece a existência de Deus (pea demonstaão ansemianapuamente a priori ), deia aoa pode acede iuamente a um ‘mundo exte-io’, físico, ea. O copo ea a mediaão necessáia. Caía assim num cícuo:paa se abi a um mundo exterior  necessitaa como pessuposto da união docopo e da ama; mas a união do copo e da ama fundaa-se no pessuposto deum mundo exterior  a que nos abimos peos sentidos, pea imainaão e peaspaixões que foam postos em causa peo cogito. Escee gison (1951: 250):

 A partir do momento em que Descartes se decide a unir a alma e o corpo torna‑se‑lhedifícil poder distingui‑los. Não os podendo pensar senão como ois , deve no entantoseni‑los  comoum.

Pensando o copo como uma máquina sem quaidade (puamente

quantitatia: objecto da matemática, da mecânica), compica-se-he a hipó-

30 Nos Commentarii Collegii Conimbricensis pode e-se um Tractatus De Anima Separata(1592: 442 e ss.), sobe a imotaidade da ama onde Descates se pôde inspia. veja-se o atio de Máio de Caaho (2006: 127) que indica que, seuindo Pomponai eCaetanus, os Conimbricensis popunham: “ La singularité de l´âme … ne tient uniquement à sonindépendance de la matière, mais aussi au fait d´avoir un activité propre”, que Descates iá tomacomo paadima.

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meditações anti-cartesianas 295

tese quanto a duas objecões. A pimeia: como que uma máquina físicase pode comunicar   com uma substância imateia? A hipótese dos ‘espíitos

animais’ (tanspotados peo sanue), que se unem ao copo na ‘ânduapinea’, não ea conincente. A seunda: como podem as paixões mover   oureter  o acto conitio da ama? Po mais que o tente, nunca conseue mos-ta que as paixões, iadas ao copo, se iam à ama e ao seu acto conitiomoendo-a. Am disso, como o copo apenas uma máquina quantitatiae as paixões necessitaiam de um oanismo quaitatio, cam eas pópiasnuma ambiuidade tota.

Essa máquina pua não iá assinaa a sua co de pee nem a sua aa(eidentemente, Descates só pensa a pati da aa banca) nem obiamente

o seu sexo (tambm só pensa a pati do sexo mascuino), que são de umeuopeu (não descee nem se efee a um copo coonia, de um índio, de umescao aficano ou de um asiático). A indeteminaão quantitatia de todaa qualidade tambm seá o início de todas as abstacões iusóias do ‘pontoeo’31 da subjectiidade osóca modena e da constituião do copo comomecadoia quanticáe com um peo (como acontece no sistema da esca-

 idão ou no do saáio no capitaismo).

2. A Crise do ‘ anigo Paradigma’ e os Primeiros Filósofos Modernos. O Ego

Conquiro: Ginés de SepúlvedaMas antes de Descates tinha acontecido todo o scuo XvI, que a históia daosoa modena cento-euopeia e note-ameicana petendeu desconhe-ce at ao pesente. Com efeito, a maneia mais diecta de fundamenta a pa-

 xis de dominaão coonia tans-oceânica – cooniaidade que simutâneaà pópia oiem da modenidade e, po isso, noidade na históia mundia– mosta que a cutua dominante outoa à mais atasada (‘topea’ quegins chamaá de turditatem, em atim, e Kant de unmündigkeit 32) os benefíciosda ciiiaão. Este aumento, que está subjacente a toda a osoa modena

31 veja-se a nota 3. De facto, one de se um ‘ponto de ista’ sem compomisso, oponto que constitui todos os compomissos. Max Webe (1930), com a sua petensão deuma pespectia objectia ‘sem aoes’ pessupostos, o meho exempo dessa petensãoimpossíe do ‘ponto eo’. O ego cogito inauua esta petensão na modenidade.

32 E naquio que consistiia no que temos chamado uma ‘faácia desenoimentista’,na cena que a Euopa está mais ‘desenoida’ – como ‘desenoimento’ [ Entwicklung ]do conceito paa Hee – que as outas cutuas (eja-se Ape e Dusse, 2005: 107 e Dusse,1995).

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epistemologias do sul296

(desde o scuo XvI ao XXI), esimido pea pimeia e, com andemestia e epecussão, po gins de Sepúeda (+1573), auno do ósofo

enascentista P. Pomponai (1462-1524), no debate de vaadoid de 1550– que Caos v (1500-1558) pomoeu à maneia dos Caifas isâmicos paa‘tanquiia a sua consciência’. Ea uma disputa ‘atântica’ (e já não medite-ânica, ente cistãos e ‘saacenos’), em que se tataa de entende o estatutoontoóico dos índios; ‘bábaos’ difeentes dos da gcia, da China ou domundo muumano, que Montaine, com pofundo sentido cítico, deniacomo canibais (ou caibes33), ou seja, aos quais “ podemos chamar bárbaros emrelação às nosss regrs  da razão” (Montaine, 1967: 208). gins esceeu:

Será sempre justo e conforme ao direito natural que tais gentes [bábaas] se subme‑tam ao império de príncipes e nações mis culs  eumns , para que, pelas suas virtudes e

 pela prudência das suas leis, abandonem a barbárie e se submetam a uma vida mais humanae ao culto da virtude (gins, 1967: 85).

Tata-se de uma eeitua de Aistótees, o ósofo escaaista eo doMediteâneo oienta, aoa situado no hoionte do Oceano Atântico, ouseja, com sinicaão mundia:

 E, se rejeitam esse império,  poe‑se‑lo impor por meio s rms  e essa guerra será justa de acordo com o que declara o direito natural  [...]. Resumindo: é justo, conveniente

e conforme à lei natural que os varões probos, inteligentes, virtuosos e humanos dominem sobre todos os que não possuem estas qualidades (gins, 1967: 87).

Este aumento tautoóico, poque pate da superioridade da própriacultura simpesmente po se a pópia, iá impo-se em toda a modenidade.Decaa-se como não-humano o conteúdo das outas cutuas po se dife-ente da pópia, como quando Aistótees pocamaa os asiáticos e os euo-peus como bábaos, poque ‘humanos’ eam apenas “os habitantes que viviam

nas cidades [henicas]” (Aitotees, 1974, o. 3: 19-20).O mais ae deste aumento osóco que se justica a uea justa

conta os indíenas peo facto de impedi a ‘conquista’, que, aos ohos de

33 Os tainos das Antihas não ponunciaam o ‘’, daí que ‘car ibe’ e ‘caniba’ fosse omesmo.

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gins, a ‘ioência’ necessáia que se deia exece paa que o bábao seciiiasse, poque se fosse ciiiado já não haeia causa paa a uea justa:

Quando os pagãos não são mais do que pagãos [...] não há justa causa para os cas‑tigar, nem para os atacar com as armas: de tal modo que, se se encontrasse no Novo Mundoalguma gente culta, civilizada e humana que não adorasse os ídolos mas, sim, o Deus verda‑deiro [...], a guerra seria ilícita (gins, 1967: 117).

 A causa da uea justa não ea po seem paãos, mas po seem inci- iiados. De modo que as cutuas do Impio Ateca, a dos Maias ou a dosIncas não eam exempo de ata ciiiaão paa gins. Po outo ado, pode

enconta outo poo que adoasse ‘o Deus edadeio’ (euopeu e cistão)ea uma condião absuda. Po isso, peante poos ‘atasados’ caa tauto-oicamente justicada a uea de conquista. Mas sempe sob o aumentoque incui a ‘faácia desenoimentista’ gins aumenta:

 Mas olha o quanto se enganam e quanto eu divirjo de semelhante opinião, vendo, pelo contrário, nessas instituições  [atecas ou incas] uma prova da barbárie rude e da

inata servidão destes homens [...]. Têm  [cetamente] uma forma institucional de repú‑blica, mas ninguém possui coisa alguma como própria34, nem casa, nem um campo de que

 possa dispor nem deixar em testamento aos seus herdeiros [...], sujeitos à vontade e ao capri‑cho [dos seus senhores] e não à sua liberdade [...]. Tudo isto [...] é sinal evidente da alma de

 servos e de submissos destes bárbaros (1967: 110-111).

E concui de foma cínica, indicando que os euopeus educam os indí-enas na “virtude, na humanidade e na verdadeira religião [que] são mais valiosas queo ouro e a prata” (gins, 1967: 111) que os euopeus extaem butamente dasminas ameicanas.35

Uma e poada a justia da expansão euopeia como uma oba ciii-adoa, emancipadoa da babáie a que estaam submetidos, tudo o esto (a

conquista peas amas, a espoiaão do ouo e da pata efeidos, o decaa

34  Adiantando-se em eaão a locke ou a Hee, cooca a ‘popiedade piada’como condião de humanidade.

35  Numa iaem do papa João Pauo II à Amica latina, um indíena do Equa-Numa iaem do papa João Pauo II à Amica latina, um indíena do Equa-do enteou-he uma Bíbia paa simboia que he deoia a eiião que he tinhampetendido ensina e pediu--he paa que he deoesse as iqueas extaídas das ndiasOcidentais.

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os índios ‘humanos’ em abstacto, mas não as suas cutuas, uma oaniaãopoítica em que o pode eside nas instituiões cooniais, a imposião de uma

eiião estaneia de uma foma domática, etc.) ca justicado. Aum tempo antes, o pofesso Juan Mayo (1469-1550), de Pais,

escotista escocês, tinha escito no seu Comentário às Sentenças, efeindo-seaos índios ameicanos: “aquele povo vive bestialmente  [bestialiter ] [...] pelo que o

 primeiro que os conquistar imperará justamente sobre eles, porque são por nurez

escrvos  [quia natura sunt servi ]” (Mayo, 1510: 54).Todo o aumento se fundaa poiticamente, em útima instância, no

dieito que tinha o rei de Espanha paa esse domínio coonia. No io I,títuo 1, ei 1 da Recompilação das Leis dos Reinos das Índias [Ocidentais] (1681),

ê-se: “ Deus nosso Senhor por sua innita misericórdia e bondade foi servido de nos dar sem merecimentos nossos tão grande parte no Senorio ese muno” (1943, o. 1:1). Essa concessão, outoada pea bua Inter caetera  de 1493, assinada peopapa, funcionaa como justicaão poítica (ou eiiosa), mas não osóca.Po isso, o aumento de gins ea necessáio e compementa.

Existe um útimo aumento que desejo ecoda e que o seuinte:“ A segunda causa é o abandono das torpezas nefandas [...] e salvar de grandes injúriasmuitos inocentes mortais a quem estes bárbaros imolavam todos os anos” (gins, 1967:155). Ou seja, estaa justicada a uea paa esata as ítimas humanasofeecidas aos deuses, como acontecia no Mxico. Iemos e mais à fente asupeendente esposta de Batoom de as Casas.

3. A Primeira Filosoa Académico-metafísica Moderna Inicil :Francisco SuáreO impacto da inasão modena da Amica, da expansão da Euopa no oci-dente do Atântico, poduiu uma cise no paadima osóco antio, masainda sem fomua outo inteiramente novo  – como iá tenta, a pati dosdesenoimentos do scuo XvI, ren Descates. Dee efei-se que a po-duão osóca do scuo XvI em Espanha e Potua estaa euamente

aticuada com os acontecimentos atânticos, com a abetua da Euopa aomundo. A Penínsua Ibica ea o teitóio euopeu que iia a efeescênciados descobimentos inespeados. Cheaam constantemente notícias daspoíncias do utama, da Amica hispânica e das Fiipinas paa Espanha, doBasi, Áfica e Ásia paa Potua. Os pofessoes uniesitáios de osoade Saamanca, vaadoid, Coimba ou Baa (que, desde 1581, pea unidadede Potua e Espanha, funcionaam como um único sistema uniesitáio)tinham aunos poenientes desses teitóios ou que paa ees iiam pati

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e os temas eacionados com esses mundos eam paa ees inquietantes econhecidos. Na Euopa, nenhuma uniesidade a note dos Piinus tinha

essa experiência mundial . A chamada seunda escoástica não ea uma simpesepetião do que já tinha sido dito na Idade Mdia atina. A iupão nasuniesidades de uma Odem eiiosa competamente moderna  – não sim-pesmente po esta inuenciada pea modenidade mas, sim, po se uma das

 suas causas intrínsecas36 –, os jesuítas, impusiona os pimeios passos de umaosoa modena na Euopa.

O pensamento osóco da noa Odem moderna dos Jesuítas, fundadaem 1539, tendo cheado ao Basi em 1549 e ao Peú em 1566, quando a con-quista e a oaniaão instituciona coonia das ndias [Ocidentais] se tinha

estabeecido denitiamente, tem inteesse paa uma históia da osoaatino-ameicana. Os jesuítas já não puseam em causa a odem estabeecida.Em e disso, ocupaam-se das duas aas ‘puas’ do continente: os ciouos(hos de espanhóis nascidos na Amica) e os poos ameíndios autócto-nes. As aas, como demonstou Aníba Quijano, eam a foma habitua decassicaão socia no início da modenidade.37 O mestio e a aa aficananão tinham a mesma dinidade. Po isso, nos coios e nas quintas jesuítashaia escaos aficanos que tabahaam paa que os ucos obtidos fosseminestidos nas missões de índios.

Po seu ado, na Penínsua Ibica houe um desenoimento simutâ-neo poque, nos acontecimentos, a Amica ibica e coonia e a Espanha e oPotua metopoitanos fomaam um mundo osóco que se inuenciaacontínua e mutuamente. vejamos auns desses andes meste da osoada pimeia modenidade inicia, que ião abi caminho à segunda  mode-nidade inicia (a de Amestedão de Descates e Espinosa, este útimo judeuhispânico ou sefadita, incusiamente pea sua fomaão osóca).

Não se pode deixa de ado Pedo de Fonseca (1528-1597), um dosciadoes em Potua da chamada escolástica barroca (1550-1660).38 Pedo de

36 Os jesuítas apidamente cheam a te quase o monopóio do ensino da osoa naEuopa catóica, poque o potestantismo se incinaa paa da maio impotância excu-siamente à teooia.

37 veja-se o capítuo de Quijano neste oume.38 Sobe este ósofo, eja-se Feate y Moa, 1963. A segunda escolástica, no seu sen-

tido mais tadiciona, inauua-se com a oba de Juan de Santo – Tomás Cursus philosophi‑cum (1648) – que, de quaque foma, tem uma caidade e uma pofundidade excepciona,que iá decai com o passa das dcadas.

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epistemologias do sul300

Fonseca estudou em Coimba de 1548 a 1551, onde comeou a ensina a pa-ti de 1552. Os Comentários à Metafísica de Aristóteles (1577)39  a sua oba mais

famosa. Os seus escitos foam pubicados, em ediões consecutias,40  emlião, Coimba, lisboa, Coónia, venea, Moúncia ou Estasbuo.

 Ainda que não tenha sido oba pessoa de Fonseca, este fomou aequipa de jesuítas (ente ees, Macos Joe, Cipiano Soaes, Pedo gomes eManue de góis) que se popôs modica competamente a exposião da o-soa de uma maneia mais pedaóica, pofunda e modena, incopoandoas descobetas ecentes, citicando os mtodos antios e inoando em todasas matias. O cuso, constituído po oito oumes, comeou a se editado em1592 e cou concuído em 1606, sob o títuo Commentarii Collegii Conimbri‑

censis,41

 texto impescindíe paa os aunos e pofessoes de osoa de todaa Euopa (Descates e leibni, po exempo, eoiaam a sua consistência).Descates, na sua famosa oba, popõe-se fae uma eexão sobe o

método. Este ea o tema pefeido dos ósofos conimbicenses do scuo XvI,42 que se inspiaam na pobemática abeta, ente outos, po r. Aí-coa (1442-1485), que iá inuencia Pedo ramo, nos tatados sobe Dia‑léctica, que ea onde se estudaa o mtodo. luís vies (1492-1540) tambm outo pensado inuente na questão do mtodo. O pópio Fonseca, nasua famosa oba Instituições Dialécticas  (1564),43  identica o ‘mtodo’ como“a arte de raciocinar sobre qualquer questão provável ” (1592, o 1: 2). Depois depecisões inoadoas, Fonseca indica que a “ordem metódica tem três objectivos:

 solucionar problemas, revelar o desconhecido e claricar o confuso”  (Peeia, 1967:340), tendo como exempo o mtodo matemático, o que o condu a um‘essenciaismo tópico-metafísico’ sui generis que, de aum modo, antecipa omtodo catesiano.

Po seu ado, Fancisco Suáe (1548-1617), da mesma Odem e como mesmo impuso enoado, deu concusão à oba dos seus pedecessoes.

39 veja-se Fonseca, 1577, com texto em eo e atim e, simutaneamente, os comen-táios.

40 36 ees no caso dos seus comentáios à Metafísica.41 veja-se Mai, 1592-1606.42 veja-se Peeia, 1967: 280, ss.43  Em Coimba, pudemos consuta a Institutionum Dialecticarum, Libri Octo, pubi-

cada po Iannis Baii, em 1564. No início ama-se: “ Hanc artem, qui primi invenerunt Dialecticam nominarunt, postrea veteres Peripatetici Logicam appellaverunt ” (cap. 1: 1). veja-se

iuamente gomes, 1964.

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meditações anti-cartesianas 301

 A pati de 1570 foi pofesso em Saamanca, e tambm em Coimba e roma. As suas Disputationes Metaphysicae (1597) podem se consideadas como a pi-

meia ontooia modena. Deixou de ado o modo de exposião dos Comen‑tários a Aistótees e, pea pimeia e, apesentou um io sistemático queiá maca todas as ontooias posteioes.44 Tinha um espíito de indepen-dência exempa, tendo ecoido aos andes mestes da osoa, mas semnunca se xa num só dees. A seui a Aistótees e a Tomás de Aquino foiDuns Escoto aquee que mais o inspiou. A oba tem uma odem sistemática.Nas pimeias 21 Disputas tata da ontooia em ea. A pati da 28ª enta naquestão do ‘Se Innito’ e do ‘se nito’. As Disputationes  Metaphysicae45 tie-am 19 ediões ente 1587 e 1751, 8 deas na Aemanha, onde, duante scuo

e meio, substituíam os manuais de Meanchton.Pea sua eentua inuência sobe Descates, e pea sua oiinaidade,tínhamos que efei Fancisco Sanches (1551-1623), pensado potuuêsque esceeu uma oba inoadoa, Quod Nihil Scitur (Que nada se sabe), apae-cida em lião em 1581 e eeditada em Fankfut em 1628, de onde poáeque Descates tenha tiado aumas ideias paa a sua oba cimeia. FanciscoSanches popunha-se chea, atas da dúida, a uma cetea fundamenta.

 A ciência fundamenta a que pode poa que nihil scimus (nada sabemos):‘Quod magis cogito, magis dubito’ (quanto mais penso, mais duido). O desen-

 oimento posteio de uma ta ciência deia se, pimeio, o Methodus sciende (o mtodo de conhece); depois o Examen rerum (a obseaão das coisas) e,em teceio ua, De essentia rerum (a essência das coisas). Po isso, ainda que‘ scientia est rei perfecta cognitio’ (a ciência o conhecimento pefeito da coisa),na eaidade nunca se acana.

Do mesmo modo, góme Peeia, judeu sefadita conetido, nascidoem Medina de Campo, famoso mdico e ósofo que estudou em Saamanca,esceeu uma oba cientíca autobioáca (ta como O Discurso do Método),que tem o estanho títuo de Antoniana Margarita, opus nempe physicis, medicisac theologis..., em que se ê, depois de, como os nominaistas, te posto em

44 Baumaten, Ch. Wof – e, po seu intemdio, de Kant – e leibni, mas tambmde Schopenhaue a Heidee ou zubii.

45 Esta oba, pubicada em 1597, intea no pimeio oume as 27 pimeias Dis‑ putationem e o oume 2 as estantes 25. A questão do ‘Se Innito’ e do ‘se nito’ taa-se

desde a Disp. 28 (sec. 2, o. 2: 6 ss.), a pati da “opinio Scoti expenditur ”. Na secão 3 tata dopobema da ‘anaoia’. À sua Dialéctica dee junta-se a Isagoge losóca, pubicada em 1591,que tee tambm 18 ediões at 1623.

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epistemologias do sul302

dúida todas as ceteas: “ Nosco me aliquid noscere, et quidquid noscit est, ergo ego sum”46 (gom, 2000: 328). No ambiente osóco do scuo XvI, um ceto

cepticismo em eaão ao antio abia as potas ao noo paadima osócoda modenidade do scuo XvII.

 A inuência destes autoes do Su na Euopa centa e nos Países Baixosfoi deteminante no início do scuo XvII. Ees ompeam a estutua doantio paadima (áabe-atino da Idade Mdia).

4. O Primeiro Anti-discurso Filosóco da Modernidade Inicil . A Crítica àEuropa do Império-Mundo: bartolomé de las Casas

 Ainda que seja anteio aos outos pensadoes expostos, deixámos a posião

osóca de Batoom de as Casas (1484-1566) paa útimo ua paamosta com maio caidade a difeena com as outas posiões. Batoom o primeiro crítico frontal da modernidade, dois decnios depois do pópiomomento do seu nascimento. Mas a sua oiinaidade não se situa na Lógica ou na Metafísica mas, sim, na Ética, na Política e na História. Tudo tem inícionum Domino de Noembo de 1511 quando Antón de Montesinos e Pedode Códoa anaam, na cidade de Santo Domino, a pimeia cítica contao cooniaismo inauuado pea modenidade. A pati de textos semitas (de

 Isaías e de João 1, 23), excamaam: “ Ego vox clamantis in deserto […] Eu sou umavoz […] no deserto desta ilha […] todos estais em pecado mortal, e nele viveis e morreis,

 pela crueldade e tirania que usais com essas inocentes vítimas” (las Casas, 1957, o.2: 176). Tata-se de um ego clamo acusatio, que citica a noa odem estabee-cida, um eu crítico peante o ego conquiro oiináio da modenidade.

 Não são homens  [os índios]? Não têm almas racionais? Não sois obrigados aamá‑los como a vós mesmos?  […] Como estais em tanta profundidade de sono tão letárgicoadormecidos?  (las Casas, 1957, o. 2: 176).

Duante cinco scuos, toda a modenidade pemaneceá nesse estado

de consciência ético‑política  em situaão ‘etáica’, como ‘adomecida’, sem‘sensibiidade’47 peante a do do mundo peifico do Su.

46 Em potuuês, ‘Sei que conheo ao, e aquee que capa de conhece ao ,oo eu sou’.

47 Montesinos peunta: “ Isto não [o] sentis?” (las Casas, 1957, o. 2: 176). O que seconhece dos semões deste auto dee-se aos esumos que Batoom de as Casas incuiuna sua Historia de las Indias (1951). As páinas seuintes da Historia de las Indias são dinas

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meditações anti-cartesianas 303

Só tês anos depois, e não sem eaão com esta iupão cítica emSanto Domino, desta e em Cuba, na adeia de Sancti Spiitus, e tês

anos antes de luteo te exposto as suas teses em Efut ou de Maquiaete pubicado O Princípe, Batoom de as Casas compeende caamente aaão desta cítica. Quando a Euopa ainda não tinha despetado do choquecausado peo descobrimento (paa ea) de todo um Noo Mundo, Batoom jádaa início à sua crítica peante os efeitos neatios desse pocesso ciiiadomodeno.

De uma foma estitamente osóca, aumentatia, Batoom efutaa) a petensão de supeioidade da cutua ocidenta, da qua se dedu ababáie das cutuas indíenas; b) com uma posião osóca sumamente

ciatia, dene a difeena caa ente b1) outoa ao Outo (ao índio) apetensão uniesa da sua edade, b2) sem deixa de ama honestamentea pópia possibiidade de uma petensão uniesa de aidade na sua po-posta a fao do Eaneho; e, po, útimo, c) demonsta a fasidade da útimacausa possíe de fundamentaão da ioência da conquista, a de saa as

 ítimas dos sacifícios humanos, po se conta o dieito natua e injusta sobquaque ponto de ista. Tudo poado aumentatiamente em oumosasobas escitas no meio de contínuas utas poíticas, a pati de uma paxiscoajosa e no meio de facassos que não eam a sua ontade de seioaos injustamente tatados habitantes ecm-descobetos do Noo Mundo: oOuto da modenidade nascente.

 A ida de Batoom de as Casas pode diidi-se em fases que pemitemdescobi o seu desenoimento teóico-osóco. Desde a sua cheada aoCaibe at ao dia da uptua com uma ida de cumpicidade com os conquis-tadoes (1502-1514). De joem sodado de veásque em Cuba a sacedotecatóico (odenado em roma em 1510), e como pade encomendeio emSancti Spiitus at Abi de 1514, quando ê o texto de Ben Sira (34, 20-22),numa ceebaão itúica pedida peo oenado vasque: “ É imolar o lho

de se idas com atenão (1957: 177, ss.). é o momento em que a modenidade podia temudado o seu umo. Não o fe e a ota xou-se inexíe at ao scuo XXI. Ea ta o assom-bo dos conquistadoes de que tudo o que faiam ea injustia e fata moa conta os índiosque não pudeam cê-o. Discutiu-se bastante, os dominicanos tinham os aumentososócos, os coonos, os seus costumes tiânicos e injustos. No na, peaeceam paasempe os costumes e foi sobe ees que se fundou a osoa modena euopeia. A pati doscuo XvII nunca mais se iá discuti o dieito dos euopeus modenos (e, no scuo XX, odos note-ameicanos) em conquista o Paneta.

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epistemologias do sul304

em presença de seu pai oferecer em sacrifício o roubado aos pobres. O pão é a vida do pobre,quem lho tira comete um assassinato. É matar   o próximo subtrair‑lhe o seu alimento;

é derramar o seu sangue privá‑lo do salário devido.”48 E num texto autobioácoesceeu:

Começou – recorda Bartolomé –, disse, a considerar a miséria e servidão que pade‑ciam aquelas gentes  [os índios]. [...] Aplicando um  [o texto semita] ao outro [a ea-idade do Caibe] determinou em si mesmo, convencido da mesma verdade, ser injusto etirânico tudo quanto acerca dos índios nestas Índias [Ocidentais] se cometia (las Casas,1957, o. 2: 356).

E aquee ósofo da pimeia hoa efee ainda:

 Em conrmção disso, tudo quanto lia achava favorável e usava dizer e armar que,desde a primeira hora que começou a rejeitar o obscurantismo daquela ignorância, nuncaleu em livro de latim ou razão ou autoridade para  Provr  ecorroborr  a justiça daquelas

 gentes índias, e para condenação das injustiças que se lhes têm feito e males e danos  (lasCasas, 1957, o. 2: 357).

Os anos de 1514 a 1523 são de iaens a Espanha, consehos com Cis-neos (eente do reino), com o rei, de pepaaão paa a fundaão de umacomunidade pacíca de camponeses espanhóis que haiam de patiha a

 ida com os índios em Cumaná (o pimeio pojecto de cooniaão pací-ca), o facasso posteio e o seu etio em Santo Domino.49 A noa etapa(1523-1539) seá de muitos anos de estudo, o início da Historia de las Indias,em 1527, io que dee se ido sob a pespectia de uma noa osoa dahistóia, e a monumenta Apologética historia de las Indias, em que comea a des-cião do desenoimento exempa e do tipo de ida tico das ciiiaõesameíndias, conta as cíticas da sua babáie:

 Divulgaram que não eram gentes de boa razão para se governarem, carentes dehumana política e de ordenadas repúblicas  [...]. Para emonsrção da verdade que é aocontrário, trazem‑se e compilam‑se neste livro [inúmeos exempos]. Quanto à política,digo, não só se mostraram ser gentes muito prudentes e de vivos e notáveis entendimentos,

48 veja-se o meu comentáio em Dusse, 2007b, o 2: 179-193.49 veja-se Dusse, 1977: 142, ss.

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meditações anti-cartesianas 305

tendo as suas repúblicas [...] prudentemente regidas, abastecidas e com justiça em prosperi‑dade. (las Casas, 1957, o. 3: 3-4).

Todas estas universas e innitas gentes a todo o género criou Deus as mais simples– sem maldades nem duplicidades, obedientíssimas e delíssimas aos seus senhores naturais,

 sem rancores nem alvoroço – que há no mundo (las Casas, 1957, o. 5: 136).

Poa então que em muitos aspectos eam supeioes aos euopeus,e cetamente do ponto de ista tico, no cumpimento iooso dos seuspópios aoes. Po isso não pode supota, e expode em imensa cóea, abutaidade ioenta com que os modenos euopeus destuíam estas ‘in-nitas entes’:

 Duas formas gerais e principais têm tido os que lá têm passado, que se cmm cris‑

ãos  [e não o são nos actos], em extirpar e arrancar da face da terra aquelas miserandasnações. Uma, através de injustas, cruéis e sangrentas guerras. A outra, depois de terem mortotodos os que podiam desejar ou aspirar ou pensar em liberdade, 50 ou em sair dos tormentosque padecem, como são todos os senhores naturais e os homens varões (porque comummentenão deixam nas guerras a vida senão os moços e as mulheres), oprimindo‑os com a maisdura, horrível e áspera servidão em que jamais homens e bestas puderam ser postos (lasCasas, 1957, o. 5: 137).

Em 1537 – um scuo antes do Discurso do Método  de Descates51 –escee em atim De unico modo ( Do único modo de atai a todos os poos paa a

 edadeia eiião) e com essa oba na mão empeendeu a peaão pacícaente os poos indíenas que ecebeam o nome de vea Pa, na guatemaa.O que mais chama a atenão na pate do io que cheou at nós (apenas oscapítuos quinto a stimo52) a potência teóica do escito, o entusiasmopeo tema, a imensa bibioaa com que deia conta na cidade de guate-

50 repae-se que Batoom está a descee a ‘diactica do senho e do escao’. Am disso, mosta que a ‘pacicaão’ das ndias pôde efectua-se “depois de terem morto todosos que poderiam desejar ou aspirar ou pensar em libere ”. Batoom tem uma isão antecipadae caa da ioência do cooniaismo.

51 Descates iá fundamenta a ontooia moderna no ego cogito abstacto e soipsista.Batoom, peo contáio, fundamenta a crítica tica-poítica dessa ontooia a pati daesponsabiidade peo Outo, ao qua dee aumentos paa demonsta a pópia peten-são de edade. é um paadima instauado a pati da Ateidade.

52 Que competam 478 páinas na edião mexicana de 1942.

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epistemologias do sul306

maa naquea atua. Tata-se de uma oba inteectua impessionante. Comuma óica pecisa, com um incíe conhecimento dos textos semitas, da

tadião ea e atina dos Pades da Ieja e da osoa atino-mediea,com um impetubáe sentido das distinões, ai esotando os aumentoscom uma quantidade pofusa de citaões, que ainda hoje em dia faia ineja aum escito meticuoso e poífeo. Batoom tinha 53 anos, uma pooaãode conquistadoes conta ee e um mundo indíena maia que desconheciaem conceto, mas que espeitaa como iuais. é um manifesto de osoaintecutua, de pacismo poítico e de cítica ceteia e po antecipaão atodas as ‘ueas justas’ (como a justicada po John locke) da modenidade(desde a conquista da Amica latina, que se poona depois com a con-

quista puitana da Noa Inatea, da Áfica e da Ásia, das ueas cooniaisat à uea do gofo Psico, do Afeanistão ou do Iaque na actuaidade).Seia úti que os diientes euopeus e note-ameicanos eessem esta obacimeia do pópio início crítico do pensamento modeno.

O aumento centa está fomuado osocamente da seuintefoma:

O entendimento conhece voluntariamente quando aquilo que conhece não se lhemanifesta imediatamente como verdadeiro, sendo então necessário um prévio raciocínio

 para que possa aceitar que se trata, na ocasião, de uma coisa verdadeira [...] procedendo deuma coisa conhecida a outra desconhecida por intermédio do discurso da razão (las Casas,1942: 81).

 Aceita como edadeio o que di o Outo sinica um acto pático, umacto de fé  no Outo que petende die ao edadeio, e isto “ porque o entendi‑mento é o princípio do acto humano que contém a raiz da liberdade  [...]. Efectivamente,a razão de toda a liberdade depende do modo de ser do conhecimento, porque tanto avontade quer como o entendimento entende” (las Casa, 1942: 82). Tendo-se adian-tado em scuos à tica do discuso, ecomendou po isso “estudar a natureza

e os princípios da retórica” (las Casas, 1942: 94). Ou seja, o único modo de ataios membos de uma cutua estanha a uma doutina paa ees desconhecida, apicando a ate de conence (po “um modo persuasivo, por meio de razões emrelação ao entendimento e suavemente atractivo em relação à vontade” 53), conta com aie ontade do ouinte paa que, sem coacão, possa aceita as aões acio-

53 las Casas, 1942: 303-304.

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meditações anti-cartesianas 307

namente. é eidente que o temo, o castio, o uso das amas e a uea sãoos meios mais afastados de uma ta eentua aceitaão de uma aumentaão.

Paa Batoom cao que a imposião ao Outo de uma teoia peafoa, peas amas, se tataa da mea expansão do ‘Mesmo’ como o ‘mesmo’.Ea a incusão diactica do Outo num mundo estanho e como instu-mento, como aienado.54

. 1  Moimento ioento de expansão da modenidade

 A 

1

2  III

B

 Explicação da gura: I. Mundo indíena. II. Mundo modeno euopeu. A. Hoionte ontoó-

ico euopeu. B. Hoionte da incusão do Outo no pojecto do Impio-Mundo cooniamodeno. 1. Acto ioento da expansão modena (a conquista, que situa o mundo indíenaI como um ente, um objectum  dominatum)55. 2. Acto de dominaão do modeno sobe omundo peifico.

Peo contáio, Batoom de as Casas popõe um dupo acto de f:a) no Outo como outo (poque, se não se ama a iua dinidade doOuto e se cê na sua intepeaão, não há possibiidade de acodo acionatico); e b) na petensão da aceitaão peo Outo da poposta de uma noa

54 veja-se esta questão em Dusse, 1983: 295, ss.55  Em Descates ou Husse o ego cogitum  constói o Outo (neste caso coonia)

como cogitatum, mas antes o ego conquiro constituiu-o como ‘conquistado’ (dominatum). Ematim, conquiro  sinica: pocua com diiência, inquii com cuidado, euni. Po isso,conquisitum  o que pocuado com diiência. Mas na reconquista espanhoa conta osmuumanos a paaa tomou o sentido de domina, submete, ao saíem paa ecupeateitóios paa os cistãos. Neste noo sentido, queemos aoa usá-a ontooicamente.

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epistemologias do sul308

doutina, o que exie po pate do Outo tambm um acto de f. Paa isso necessáio que o outo seja ie, que aceite voluntariamente as aões que se

he popõem.

. 2  Moimento da f na paaa do Outo como esponsabiidade peo Outo

 A    B

III

1

2

 Explicação da gura:  Em pimeio ua: I. Mundo cistão (Batoom de as Casas). II.Mundo indíena. A. Hoionte ontoóico cistão. B. Ateidade do Outo. 1. Intepeaãodo Outo à justia (do indíena). 2. F de Batoom na sua paaa (a eeaão da suacutua outa). Em seundo ua, se se inete aoa a situaão, I seia o mundo indíenae 1 a intepeaão fundamentada de Batoom de as Casas. Esta intepeaão deeia seseuida de uma aumentaão, sobe quais as razões, e peo ‘suae moimento da ontade’56 pemitiia ao Outo (ao indíena) (seta 2) aceita as popostas dos que não usaam amaspaa popo o cistianismo (II: Batoom de as Casas).

Tendo paticado em vea Pa o mtodo pacíco de doutina os maias,Batoom pate paa Espanha, onde, aas a muitas utas, conseue a po-muaão das Leis Novas de 1542, que pauatinamente supimiam as ‘conces-sões’ (encomiendas) em todas as ndias Ocidentais. é uma poca de muitosescitos aumentatios em defesa do índio: o Outo da modenidade. Ba-toom nomeado bispo de Chiapas, mas tem que enuncia pouco depoisface à ioência dos conquistadoes (não só conta os maias, mas tambm

conta o bispo). A pati de 1547 instaa-se em Espanha, ainda que tenha ataessado

 áias ees o Oceano. é em Espanha que edie a maio pate das suas obasda matuidade. Em 1550 enfenta gins de Sepúeda em vaadoid, o pri‑meiro debate público losóco e central da modernidade. A peunta constante face

56 las Casas, 1942: 65.

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meditações anti-cartesianas 309

à modenidade seá: Que dieito tem a Euopa de domina cooniamente asndias [Ocidentais]? Uma e esoida a questão (que, osocamente, Ba-

toom, efuta conincentemente, mas que facassa otundamente na paxiscoonia modena das monaquias absoutas e do sistema capitaista comosistema-mundo), a modenidade nunca mais se peuntaá, existencia e o-socamente, po este dieito à dominaão da peifeia at à actuaidade. Estedieito à dominaão iá impo-se como a natureza das coisas e estará subjacente atoda a osoa modena. Ou seja, a osoa modena posteio ao scuo XvIiá desenoe-se como pessuposto óbio e ocuto à não necessidade racio‑nal  (poque impossíe e iaciona) de fundamenta tica e poiticamentea expansão euopeia, o que não impede que se imponha essa dominaão

como o facto incontestáe de se te constuído um sistema mundia assentena contínua expoaão da peifeia. No entanto, a primeira losoa modernada modernidade inicial tinha a consciência intanquia da injustia cometida eefutou a sua eitimidade.

Queo, po isso, ota aos aumentos acionais que poam a injus-tia da expansão coonia da modenidade. refutando que a fasidade dosseus ídoos pudesse se causa de uea paa os extemina, Batoomaumenta:

 Dado que eles [os índios] se comprazem em manter  [...] que, ao adorar os seus ído‑los, orm o vereiro deus  [...], e apesar da suposição de que eles têm uma consciênciaerrónea, enquanto não se lhe pregar o verdadeiro Deus com melores e mis creíveis e

convincenes rgumenos , sobretudo com os exemplos da sua conduta cristã, eles estão, sem dúvida, obrigos efener o culo os seus euses e su religião e sir com

s forçs rms  contra todos aqueles que tentem privá‑los de tal culto [...]; estão, assim,obrigos lur conr eles, má‑los, cpurá‑los e exercer oos os ireios  que são corolários e um guerr us, de acordo com o direito de gentes (las Casas,1989: 168).

Este texto mosta muitos níeis osócos paa anaisa. O essencia que se outoa ao índio uma petensão uniesa de edade (já que, a patida sua pespectia, ‘adoam o verdadeiro Deus’), o que não que die que opópio Batoom, po seu ado, não tenha uma petensão semehante (jáque ee opina que, po pate dos índios, se tata de uma ‘consciência eó-nea’). Batoom de as Casas outoa essa petensão aos índios poque eesnão ecebeam ‘cedíeis e conincentes aumentos’. Como não os ecebe-am, têm todo o dieito de ama as suas conicões e de as defende at

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epistemologias do sul310

à eentuaidade de uma uea justa.57 Ou seja, inete-se a poa de gins.Não que a sua ‘babáie’ ou os seus fasos deuses justiquem que se hes

faa uma uea justa, mas que, muito peo contáio, ao teem ‘deuses eda-deios’ (enquanto não se poa o contáio), são ees que têm motios paataa uma uea justa conta os inasoes euopeus.

O aumento chea ao paoxismo ao enfenta a objecão mais difícipaa um cistão, e que gins de Sepúeda popõe, que justica a uea dosespanhóis paa saa a ida das ítimas inocentes dos sacifícios humanos aosdeuses astecas. Batoom de as Casas aumenta da seuinte foma:

[Os] homens, por direito natural, estão obrigados a honrar a Deus com os melhores

meios ao seu alcance e a oferecer‑lhe as melhores coisas em sacrifício […]. No entanto,corresponde à lei humana e à legislação positiva determinar que coisas devem ser oferecidasa Deus; esta última parte é conada a toda a comunidade   [...]. A própria natureza dita eensina […] que, à falta de uma lei positiva que ordene o contrário, evem imolar inclusiva‑mente vítimas humanas ao Deus, verdadeiro ou falso , consiero como vereiro, demaneira que, ao oferecer‑lhe a coisa mais preciosa, se mostrem especialmente agradecidos portantos benefícios recebidos (las Casas, 1989: 155-156, 157 e 160).

De noo se pode eica, como sempe, que ao outoa ao Outo a pretensão de verdade  (‘faso, consideado [po ees, enquanto não se poa o

contáio] como edadeio’). Batoom chea, assim, ao que se podeíachama ‘o máximo de consciência crítica possíe paa um euopeu nas ndias’– que, no entanto, não a consciência crítica do pópio índio opimido – eo aumento tão oiina que depois confessa que “tive e experimentei muitasconclusões que antes de mim nunc omem [nenhum] ousou ocr ou escrever  e umadelas foi não ser contra a lei nem a razão natural  [...] oferecer homens a Deus, falso ouverdadeiro (tendo o falso por verdadeiro), em sacrifício” (las Casa, 1957, o. 5: 471).Com isto, concui que a petensão de gins de justica a conquista paasaa a ida das ítimas humanas dos sacifícios não só não poa o que se

popõe, mas tambm mosta que os indíenas, ao considea esses sacifícioscomo o mais dino de ofeece seundo as suas conicões (que não foamefutadas com aumentos conincentes), têm o dieito, se se hes impedi

57 Se apicamos uma doutina tão caa ao caso da conquista da Noa Inatea, e deaí em diante at à actua guea do Iaque, podeá entende-se que os patiotas que defen-dem a sua tea estão justicados peo aumento ascasiano. veja-se Dusse, 2007b: 299.

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meditações anti-cartesianas 311

pea foa de os eaia, de taa uma uea, neste caso uma ‘uea justa’,conta os espanhóis.

Tambm na Fiosoa Poítica, um scuo antes de Hobbes ou Espinosa,dene a sua posião a fao do dieito do poo (neste caso, poo índio)peante as instituiões ientes, incusiamente o pópio ei, quando nãocumpem as condiões de eitimidade nem se espeita a ibedade dos mem-bos da epúbica. Na atua em que os encomendeios do Peu desejaampaa um tibuto ao ei paa paticamente se apopiaem paa sempe dosseios dos índios, Batoom esceeu De regia potestate, que está eacionadocom o De thesauris  e com o Tratado de las doce dudas. Na pimeia das obasefeidas, escee:

 Nenhum rei ou governante, por muito supremo que seja, pode ordenar ou mandarnada relativo à república, em prejuízo ou detrimento do povo ( populi ) ou dos súbditos,

 sem ter obtido o consenso (consensu) deles, de forma lícita e devida. De outra maneira nãovaleria (vle ) por direito  [...]. Ninguém pode legitimamente  (legiime ) [...] inferir pre‑

 juízo algum à liberdade dos seus povos (liberi populorum suorum); se alguém decidissecontra a comum utilidade do povo, sem contar com o consenso do povo (consensu populi ),

 seriam nulas essas decisões. A liberdade (libers ) é o mais precioso e estimável que um povolivre pode ter  (las Casas, 1969, pp. 47 e 49).

Isto ia conta a petensão do ei de exece um pode absouto. PaaBatoom de as Casas cao que a sede do pode eside no poo, ente ossúbditos (não apenas ente os reinos que assinaam o pacto com o ei ou aainha de Castea), e po isso a eitimidade das decisões poíticas fundaa-seno pio consenso do poo. Estáa-se no pimeio scuo da modenidadeinicial , antes de se consoida como óbio e uniesa o mito da modenidadeeuopeia como ciiiaão que exece o pode com dieito uniesa sobe ascoónias e o obo (o ius gentium europeum de Ca Schmitt) denitiamentefetichiado na Filosoa do Direito de Hee.58 Expica Batoom de as Casas:

Todos os inéis, de qualquer seita ou religião que forem [...], quanto ao direito natu‑ral ou divino e ao que chamam direito de gentes, justamente têm e possuem senhorio sobre as

 suas coisas [...]. E também com a mesma justiça possuem os seus principados, reinos, estados,dignidades, jurisdições e senhorios. O regente ou governador não pode ser outro senão aqueleque toda a sociedade e comunidade elegeu no princípio (las Casas, 1957, o. 5: 492).

58 veja-se Dusse, 2007a.

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epistemologias do sul312

Como o pontíce omano ou os eis hispânicos, sob a obiaão de‘pea o eaneho’, se outoaam um ‘dieito sobe as coisas (iure in re)’59 

– sobetudo os índios –, Batoom nota noamente que esse dieito só seapicaa in potentia enquanto não ocoesse um consenso po pate dos indí-enas (como ‘dieito às coisas’ [ius ad rem]) paa opea in actu e, como esseconsentimento não existiu, a conquista ieítima. Daí que concui de fomaceteia: “ É, pois, obrigado o rei, nosso senhor, sob pena de não se salvar, a restituir aque‑les reinos ao rei Tito [assim se chamaa um Inca ainda io], sucessor ou herdeirode Gayna Cápac e dos demais Incas, e de colocar nisso todas as suas forças e poder”  (lasCasas, 1954: 218).

Tata-se da oba do início da modenidade mais aumentada acio-namente, da pimeia osoa moderna, que efutaa minuciosamente aspoas que se enunciaam a fao de uma justicaão da expansão cooniada Euopa modena. Tata-se, como temos tentado poa, do primeiroanti‑discurso da modernidade  (anti-discuso esse que osóco e modeno),em cuja tadião haeá sempe epesentantes em toda a históia da osoaatino-ameicana ao ono dos cinco scuos seuintes.

O anti-discuso osóco cítico de Batoom de as Casas iá se usadopeos ebedes dos Países Baixos na sua uta de emancipaão em eaão aEspanha no comeo do scuo XvII, seá eido noamente na eouão no-te-ameicana, na independência das coónias atino-ameicanas na dcada de1810 e noutos pocessos de tansfomaão pofunda no continente. Deo-tado poiticamente, a sua osoa iadiaá at ao pesente.

5. A Crítica à Modernidade a Partir da ‘Eterioridade Radical’. O Anti-dis-curso Crítico de Filipe Guamán Poma de AyalaMas o máximo de consciência possível universalmente  a consciência cítica dopópio indíena que sofe a dominaão coonia modena, cujo copo ecebefontamente o taumatismo do ego conquiro modeno.

Nada meho que o eato comoedo, o anti-discuso popiamentedito conta a modenidade de guamán Poma de Ayaa. é a pópia ítima quepofee a cítica. Iemos tenta astea os aumentos que guamán Pomaeantou conta a pimeia modenidade inicia.

59 las Casas, 1954: 101.

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meditações anti-cartesianas 313

Naquea atua houe tês momentos em que as comunidades indíenassofeam de maneia cescente o pocesso de dominaão coonia modena.

No pimeio, os indíenas sofeam os hooes da conquista e as comunida-des indíenas que conseuiam sobeie foam enquadadas no sistema daconcessão (encomienda) e da epatião po soteio (mita) paa tabaha nasminas e Batoom de as Casas citicou fontamente ambas as instituiões.No seundo, a pati da denominada ‘Junta Mana’ que Fiipe II conoca paaunica a poítica coonia, que encabeada peo vice-rei do Peu, Fan-cisco Toedo, as utopias messiânicas fanciscanas e dos utadoes a fao dascomunidades indíenas ecebem o choque fonta de um noo pojecto coo-niado (1569). Nesta atua decidida uma noa estatia diectamente

anti-ascasiana. O conta-aumento dento da acionaidade modena foioquestado duante o oeno do efeido vice-rei, euocêntico decidido,que encomendou (seundo paece) a seu pimo gacia de Toedo o Parecerde Yucay60, em que se tenta demonsta que os Incas eam ieítimos e tiâni-cos, daí que os euopeus tenham tido justicaão paa efectua a conquistae ‘epatião’ dos índios, paa os emancipa de uma ta opessão. A posiãode Juan gins de Sepúeda tinha sido ateada, mas de quaque foma, nosfactos, iá impo-se como a aumentaão heemónica. Da ecipocidadeeconómico-comunitáio das andes cutuas indíenas passou-se paa o des-potismo; houe uma hecatombe demoáca (em cetas eiões apenas umteo da popuaão sobeieu), os indíenas abandonam as comunidades e

 aueiam peo ice-eino (são os yanas, de onde deia o nome de yanaconas)paa, ente outas aões, não paa o tibuto que aoa hes exiido emmoedas de pata.61 

60 De 15 de Mao de 1571. veja-se a Colección de documentos inéditos para la historia de España, 1842, t.13: 425-469.

61  veja-se Wachte, 1971: 134 e ss sobe ‘A desestutuaão’. O auto mosta (no

esquema da p. 184) que nos tempos do Inca o ayllu (comunidade básica) paaa tibutosem tabahos e podutos aos curacas (caciques) e ao Inca; o curaca paaa tibutos ao Inca edaa seios ao aullu; o Inca daa seios ao curaca e ao ayullu. A iquea pemanecia numcicuito fechado, no Impio inca. Com a conquista, o ayllu paa tibutos em pata (tendoque ende-se po saáio paa o conseui) ao curaca e ao espanho; o curaca paa tibutosao espanho e seios ao ayullu, mas o espanho não dá nenhum seio ao ayullu nem aocuraca. Paa am disso, a iquea do espanho sai do cicuito peuano e ai paa a Euopa. Aextacão coonia de iquea, que tem 500 anos e em que consiste o sistema coonia hojeobaiado, tem mudando mecanismos, mas não o seu sentido pofundo de tansfeênciade ‘ao-tabaho’.

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epistemologias do sul314

No teceio momento, sob os eimes da faenda, a oaniaão daexpoaão mineia da mita, o paamento de tibutos em pata e as ‘eduões’

(de muito diesos tipos), cam os poos indíenas submetidos de maneiadenitia à estutua de dominaão da sociedade coonia. A crítica de gua-mán situa-se neste teceio momento.

Iei, pois, dete-me num eato damático, num potesto cítico contao cooniaismo nascente modeno, uma útima tentatia de saa o que sepudesse da antiga ordem que einaa sob os Incas – a impessionante oba deFiipe guamán Poma de Ayaa. A Primeira Nova Crónica e Bom Governo (a patide expeiências ecohidas poaemente ente 1583 e 1612, mas ediidade foma denitia at 1616)62  um testemunho da interpelação crítica  do

Outo da modenidade, uma pespectia única no neo, já que nos pemitedescobi a autêntica hemenêutica de um índio, de uma famíia inca, escitae descita com uma espêndida capacidade semiótica, com uma mestiainimitáe.

guamán Poma, ainda mais do que no caso do inca gaciao de a vea,po se um indíena que domina a ínua quechua e as tadiões do seu poodominado, mosta aspectos desconhecidos da ida quotidiana da comuni-dade indíena anteio à conquista e sob a dominaão modena coonia. Defacto, guamán Poma podu uma síntese intepetatia, uma naaão crítica que contm uma tica e uma poítica a pati de uma ‘ocaiaão’ da sua isãoque situa numa pespectia centa, tanto no tempo como no espao, exte-mamente ciatia. Em pimeio ua, ama:

Considera como os índios do tempo dos Incas idolatraram como gentios e adoraram oSol seu pai do Inca e à Lua sua mãe e às estrelas seus irmãos [...]. Com tudo isso guardaramos mandamentos e as boas obras de  misericórdia de Deus neste reino, o que não guardamagora os cristãos.(guamán Poma, 1980, o. 3: 854).

 Adopta então a pespectia cistã modena que iá citica, como pate

de uma estatia etóica que tona mais aceitáeis as suas popostas. A patidea esboa o passado, poca idoática, edade, mas em que cumpiam comexiências ticas semehantes aos mandamentos cistãos. A única difeena que os índios cumpiam essas exiências e os conquistadoes modenos

62 veja-se a intoduão a este tabaho escita po roeta Adono, em guamán, 1980, o. 1: xxxii ss.

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não. Ou seja, guamán iá apesenta aões paa demonsta a contradição emque ie a modenidade. Citica, então, a paxis de dominaão dos cistãos

espanhóis a pati do pópio texto saado dees: a Bíbia. é uma aumen-taão ceada que mosta a contadião pefomatia da modenidade na suatotaidade. Petendo deixa cao, pois, que Fiipe guamán distinue ente acena que podeíamos chama teóica (ou ‘cosmoisão’) e a pática ou ticapopiamente dita. No tempo dos Incas, estes ‘idoataam’ na sua cosmoi-são (a pati da domática cistã), mas ‘uadaam os mandamentos’ no seucompotamento tico, ‘o que não uadam aoa os cistãos’ euopeus. Ouseja, os indíenas foam, paticamente, ainda antes da conquista, mehoes‘cistãos’, peas suas páticas, do que os cistãos espanhóis ‘aoa’. Toda a

Crónica  uma aeaão conta a modenidade que taiam os espanhóis con-quistadoes em nome do pópio cistianismo que ees peaam.63  Comoos ciouos, o índio Fiipe guamán, já cistão, opina que o cistianismo nãofoam os espanhóis64  que o touxeam, e esta amaão tona-se possíepo causa de uma compeensão híbida do tempo e do espao pópia dasua naatia sinctica. Unica num ‘ande eato’ (que não meamentefamentáio como o pós-modeno) a isão inca e cistã a pati da existênciaopimida dos índios, ‘os pobes de Cisto’. Po isto mesmo, manifesto quetem uma isão pópia (índia, ameicana, a pati dos pobes e dos opimidos,peificos, cooniais) do pópio cistianismo:

 Digo verdadeiramente que Deus se fez homem e Deus verdadeiro e  pobre , que setrouxesse a majestade e a luz não haveria quem se aproximasse, pois que o Sol que criounão se pode ver 65 [...]. E assim mandou trazer   pobrez pr que os pobres e pecores

se proximssem e le flssem. E assim o deixou mandado aos apóstolos e santos que fossem  pobres e umiles   e caritativos  [...]. Digo certo, contando da minha pobreza,

63 Cao que há excepões: “Considera como os sábios […], santos doutores iluminados pelo

 Espírito Santo [...] como frei Luís de Granada [...], como o reverendo frei Domingo [de Santo Tomás...],muitos doutores e licenciados, mestres, bacharéis  […]. Outros  [peo contáio] que não escreveramo começo das letras a, b, c querem ser chamados de licenciados, asno, de farsante e assinam como dom

 Bebendo e dona Cabaça”, escee com bastante humo, ionia e sacasmo (guamán Poma,1980, o. 3: 855).

64 No pocesso de emancipaão de nais do scuo XvIII e comeos do XIX (como nocaso de Fei Seando de Mie, no Mxico), o não dee aos espanhóis ‘nem o cistianismo’ea aão paa pode nea outos benefícios que podeiam te taido paa a Amica jun-tamente com a conquista e a oaniaão coonia.

65 Ente os incas, ninum deia oha o So ( Inti ), nem seque o pópio Inca.

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epistemologias do sul316

metendo‑me como pobre entre tantos animais que comem pobres, comiam‑me também amim como a eles (guamán Poma, 1980, o. 2: 845-846).

Todo o eato intepeado está constuído, nomatiamente, a patido hoionte da diactica que se estabeece ente a) a ‘ pobreza, a humildade eo feliz equilíbrio da satisfação das necessidades primárias’ de todos na comunidadedo passado inca, conta b) a ‘riqueza, a soberba e o desejo innito e insatisfeito’ deouo e pata, o ídoo da modenidade nascente. é uma cítica cateóica damodenidade a pati do mundo anteio à modenidade; a pati de umautopia ecoóica de justia tico-comunitáia em que haia ‘bom oeno’ enão haia ioência, oubo, sujidade, feadade, ioaão sexua, excessos, bu-

taidade, sofimento, cobadia, mentia, ‘sobeba’… mote. A oba diide-se sistematicamente em tês pates. Na pimeia patemosta-se – com muitas noidades infomatias e em ínua quechua – aodem poítico-cutua anteio à conquista. é a utopia ex quo. Na seundapate desceem-se as atocidades do domínio modeno coonia sobe aande cutua inca, compaáe no seu espendo às dos impios omano,chinês ou outos tidos como exempaes peos modenos euopeus. Na te-ceia pate, que comea sempe com ‘conzedérese’,66 estabeece-se um fente-a-fente com o rei de Espanha, Fiipe III, paa he expica possíeis souõespeante o desaste da desodem coonia. A oba de guamán foi escita umscuo depois da oba cássica O Príncipe, de Maquiae (escita em 1517 paaum condottiero itaiano), e tem um sentido mundia e já não itaiano poin-ciano, e uns quaenta anos antes de Ming‑i tai‑fang lu ( À Espera da Aurora), deHuan Tsun-hsi (1610-1695), escito poítico chinês de 1663 que fa eco-mendaões a um joem píncipe Manchu.

Na pimeia pate, guamán Poma manifesta uma inteaão sui gene‑ris  das tadiões históico-conoóicas modenas e incas, mas sob a óicadominante das ‘cinco idades’ cássicas do mundo Ateca, Maia ou Inca. Pate,então, do Antio e do Noo Testamento judaico-cistão e de uma isão histó-

ica euopeia, mas ai-se aticuando de foma inespeada com a conooiahistóica dos incas. O ‘Pimeio Mundo’ (como o pimeio So dos astecase dos maias) o de Adão e Ea,67  o ‘Seundo Mundo’, de No; o ‘Teceio

66 I.e, considee-se, medite-se, anaise-se, tome-se em consideaão a pati da cons-considee-se, medite-se, anaise-se, tome-se em consideaão a pati da cons-ciência tica.

67 guamán Poma, 1980, o. 1: 16.

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Mundo’, de Abaão; a ‘Quata Idade do Mundo’ comea com o ‘rei Daid’, 68;a ‘Quinta Idade do Mundo’, que paa a cosmoisão indíena a odem actua,

inicia-se “a partir do nascimento de Jesus Cristo”.69 Depois seue-se a históia dos‘papas’ São Pedo, Dâmaso, João e leão.

Nesta atua da naatia, at aoa puamente euopeia, inteompe-seo eato com um esquema exempa: “ Pontical mundo/ as Índias do Peru no altode Espanha/ Cuzco/ Castela abaixo das Índias/ Castela”.70 No imaináio espaciade guamán Poma, ‘acima’, com as montanhas como hoionte e no cu o So( Inti ), estaa o Peu. Cuco estaa no cento com os ‘quato’ suyos.71 ‘Abaixo’,ao cento, estaa Castea, tambm com ‘quato’ eiões. A óica espacia incaoania o mundo modeno euopeu.

 Acto contínuo apaecem Amao e Piao que cheam da Euopa comos seus bacos e situam aoa o eato do Peu (guamán Poma, 1980, o. 1:39). Já ocaiado peo acto da ‘iupão’ da modenidade no Peu, o eatonas Índias, paadoxamente só aoa, e pea pimeia e – e sem descião incasobe a oiem do cosmos, o que denota uma ceta inuência modena noindíena ‘cistianiado’ –, comea a naatia das ‘cinco idades’ ou ‘eaões’dos mitos ameíndios,72 e com isso expessa-se todo um discuso de andecompexidade, que indica a maneia paticua de guamán Poma estutuahibidamente a sua ‘cosmoisão’. De facto, o eato tem diesos níeis depofundidade, bipoaidades pópias, estutuas sinicatias de andeiquea.

Em pimeio ua, tudo comea de noo com as ‘cinco eaões’ deindíenas (iniciando-se com as ‘quato eaões’, de Uari Vira Cocha Runa at

 Auca Runa).73 Sendo o Impio inca a ‘quinta’,74 pocede-se então à desciãodos doe incas, desde Capac Ynga. Mas inteessante nota que no einado doseundo Inca, Cinche Roca Ynga, todos os eatos se aticuam (o modeno e o

68

 guamán Poma, 1980, o. 1: 23.69 guamán Poma, 1980, o. 1: 25.70 guamán Poma, 1980, o. 1: 35.71 Quato eiões seundo os quato pontos cadeais.72 guamán Poma, 1980, o. 1: 41, ss.73  guamán, petencente poaemente a uma aistocacia p-inca poinciana,

ideaia o tempo anteio aos Incas, cassicando estes como ‘idóatas’. Tae assim efuteo aumento de Fancisco de Toedo, o vice-rei, aceitando deteminadas cíticas conta osIncas, mas não conta a cutua do Tawantinsuyo na sua totaidade.

74 guamán Poma, 1980, o. 1: 63, ss.

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inca, equipaando os Incas aos impeadoes omanos). guamán situa nestetempo o nascimento de “ Jesus Cristo em Belém” (guamán Poma, 1980, o. 1:

70).75 Pouco depois, o apóstoo São Batoomeu apaeceu no Peu, instaandoa ‘cu de Caabuco’, na poíncia de Coao, testemunhando a tadião dapeaão do cistianismo na poca dos apóstoos (guamán Poma, 1980, o.1: 72). Esta maneia de uni conooias (a da cutua ocidenta modenacom a dos incas) mosta-nos um modo pópio de eato históico, do ‘sen-tido da históia’, exempa, que nos ensina a tenta efectua compaaões nokhrono‑topos cento-peifeia, em que a peifeia está ‘acima’ e não ‘abaixo’ e oSu o ponto de ‘ocaiaão’ do discuso, o locus enuntiationis.76

Depois descee os factos, a pati do pincípio dual   (de todas as cos-

moisões, do Aasca à Tea do Foo, na Amica), já que depois de desceeos incas, aoa a e das doe “rainhas e senhoras coys   (pincesas)”, esposasdos Incas;77 dos quine ‘capitães’ do Impio;78 das quato pimeias ‘ainhassenhoas’ das quato pates do Impio.79 Pode obsea-se que tanto as ‘coyas incas’ como as ‘ainhas’ das quato eiões manifestam uma pesena caa damuhe na cosmoisão andina: junto ao aão (o So) está sempe a muhe(a lua).

Teminada a ona ista de pincipais, guamán descee um conjuntodesconhecido de odenanas, mandatos ou eis pomuadas peos Incas,80 um ‘Códio de Hamuábi’ peuano, mas muito mais competo que o meso-

75 “ Nasceu no tempo em que reinava Cince Roc Yng, que tinha oitenta anos de idade. E, notempo de Cince Roc Yng, padeceu mártir e foi crucicado” (guamán Poma, 1980, o. 1: 70).O nascimento de Jesus Cisto iniciaa a ‘quinta idade’ da conooia euopeia-cistã, masaoa aticuaa-se com a ‘quinta idade’ inca na atua do seundo Inca. Como indicaa oeato do Noo Testamento: No tempo do “imperador Tibério…” ( Lucas, 3, 1). guamán Pomaexpessa-o metafoicamente: “ No tempo do imperador Cinche Roca Ynga...”

76 veja-se Minoo, 1995: 5 e Minoo 2000: 51 e ss.77

 guamán Poma, 1980, o. 1: 99.78 guamán Poma, 1980, o. 1: 122.79 guamán Poma, 1980, o. 1: 154. Há istas das outas ‘ainhas’ de cada eião do

Impio.80 guamán Poma, 1980, o. 1: 159-167. Chea-se a odena: “ Mandamos que aos pregui‑

çosos e porcos sujos lhes seja dado o castigo de que a sujidade da ccr [sementeia] ou da casa ou dos pratos com que comem ou da cabeça ou das mãos ou pés lhes seja lavada e dada a beber à força num me ,

como pena e castigo em todo o reino” (guamán Poma, 1980, o. 1: 164). A hiiene e a impeaeam uma exiência tão impotante como o tipo mandamento de: ‘Não mentiás; nãodeixaás de tabaha; não oubaás!’

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potâmico, (peo menos na sua temática, que mais aiada). As autoidadesdo Impio ‘mandam e odenam’, a pati de Cuco, às diesas eiões, po-

 íncias, poos e comunidades, às diesas estutuas de oeno, de contabi-idade, de administaão, miitaes, de constuão de aquedutos e caminhos,de tempos, paácios e casas; de sacedotes pincipais e secundáios, de auxi-iaes, de festas, itos, cutos, tadiões e deuses (huacas); todas as maneiasde oania o tabaho dos aicutoes, dos que faiam as coheitas, dos quetinham que paa tibuto, de epatião de teas; assim como os códiosticos da famíia, do casamento, da educaão, dos juíes e dos juíos, dos tes-temunhos, que manifestam a compexidade poítica da ciiiaão inca.

Descee depois as obiaões dos aões po idades (a que chama

‘ias’).81

 Expica a situaão dos doentes e dos que estão impedidos de taba-ha (chamados uncoc runa):

Casavam o cego com uma cega, o coxo com uma coxa, o mudo com uma muda, oanão com uma anã, o corcunda com uma corcunda, o de lábio fendido com uma de lábio

 fendido. E estes tinham as suas sementeiras, casas, herdades e ajuda ao seu serviço e assimnão havia necessidade de hospital 82  nem de esmolas com esta ordem santa e polícia destereino, como nenhum reino da cristandade nem dos inéis teve nem pode ter por mais cristão [que seja] (guamán Poma, 1980, o. 1: 177. )83.

De facto, quando nascia uma ciana no Impio inca atibuía-se-heuma pacea de tea paa seu ‘aimento e sustento’, que, no caso de a nãopode tabaha, outo o faia em seu ua. Ao moe, esse teeno eaedistibuído. Po dieito de nascimento não ea dada à ciana nem umceticado nem um documento, mas os meios para reproduzir a sua vida até à suamorte. é a este tipo de instituiões que guamán se efee como as que não seencontam no sistema ciiiaciona modeno.

81 guamán Poma, 1980, o. 1: 169, ss. Dos ueeios a pati da idade de 33 anos(ainda que os houesse dos 25 at aos 50 anos); ‘dos ehos que caminham’ (a pati dos60 anos); dos de 80 anos; dos doentes e mutiados; joens de 18 anos; de 12 anos, de 9; de4; cianas que atinham; beb de um mês. Cada idade tinha os seus dieitos no pincípioe depois tambm deees.

82 Esta instituião inca teia inteessado Miche Foucaut.83 Da mesma foma, “as mulheres e enfermas, coxas e cegas, viúvas, corcundas, anãs, tinham

terras e sementeiras e casas e pastos de onde se sustentavam e comiam e assim não tinham necessidade deesmolas” (guamán Poma, 1980, o. 1: 197).

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epistemologias do sul320

Tambm se desceem da mesma maneia as idades (‘caminhos’) dasmuhees (guamán Poma, 1980, o. 1: 190, ss). As actiidades ou tabahos

tambm são expicados mês a mês (guamán Poma, 1980, o. 1: 219, ss. ). 84 Desceem-se os deuses (‘ídoos’), itos, sacifícios,85 ceimónias de feitiaia,jejuns, penitências e enteos das ‘monjas coyas’ (iens estais do So).  86

 A tudo isto seue-se um “Capítulo da Justiça”,87 que contm os ‘castios’que o Inca apicaa aos que não cumpiam as suas odens. Haia coas ( zancay)em que animais peonhentos comiam ios os inimios (auca), taidoes ( yscai

 songo), adões ( suua), adúteos (uachoc), buxos (hanpioc) e os que faaamconta o Inca ( ynca cipcicac), etc. Haia pisões menoes, aoites, apidaão,foca, puxa os cabeos dos cupados at moeem, etc.

Tambm haia andes festas,88

 saadas e pofanas, ‘canões de amo’(haray haraui )89  com bonitas músicas, baies e danas, confome as eiõesdo impio. Desceem-se ainda os andes paácios (sempe com desenhosde ande ao) das difeentes cidades, os andes depósitos de mecado-ias, as estátuas, as cauaens do Inca, os tipos de pesentes. Po útimo,desceem-se aumas funões poíticas:90 o ice-ei (Yncap rantin), o acaideda cote, o auai-mo, o coeedo (tocricoc), o administado ( suyucoc), osmensaeios (chasqui ) e os aimensoes ( sayua cchecta suyoyoc) – que con-maam os teenos de cada um, do Inca, da comunidade. Am disso, efeeos caminhos eais,91  as pontes suspensas, etc. E concui faendo efeência

84 No na da oba há uma exceente descião dos ‘tabahos’ popiamente ditos dopoo campesino (guamán Poma, 1980, o. 3: 1027), em que guamán coie um pouco asua pimeia descião, feita a pati de ‘cima’, das festas do Inca.

85  Cetamente sacifícios humanos, desde “criaturas de cinco anos” (guamán Poma,1980, o. 1: 241), outos de doe anos ou adutos.

86 guamán Poma, 1980, o. 1: 272, ss.87 guamán Poma, 1980, o. 1: 275, ss.88

 guamán Poma, 1980, o. 1: 288, ss.89 Das que esta oba deixou testemunhos desconhecidos em quaque outa fonte emquechua (guamán Poma, 1980, o. 1: 288, ss).

90 guamán Poma, 1980, o. 1: 312, ss.91  lembo-me de na minha juentude te subido montanhas de 6500 metos de

atua em Uspaata, num ande ae, e de epente cuamos um caminho ecto, at aohoionte (tae uns 30 km). Foi-nos dito: o caminho do Inca, a uns 4000 km de Cuco.De facto, disse guamán: “Com a sua légua e medida com marcos e assinalada, cada caminho de qua‑tro varas de largura e com pedras postas dos dois lados que vai direito, que não zeram em todo o mundo osreis como o Inga” (guamán Poma, 1980, o. 1:327). No Mediteâneo i caminhos de pedas

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aos secetáios do Inca, ao contabiista e tesoueio (com o seu quipoc: textoescito em nós de codas, onde eistaam os seus cácuos, númeos, tibu-

tos, díidas, etc.92), do isitado, do conseho ea.guamán temina a pimeia pate com um texto intepeado:

Cristão leitor, vês aqui toda a lei cristã .93  Não encontrei que sejam tão cuidadososem ouro e prata os índios, nem encontrei quem deva cem pesos nem mentiroso nem jogadornem preguiçoso nem puta nem puto. Dizeis que o haveis de restituir, não vejo que o restitu‑íeis em vida nem em morte. Parece‑me a mim, cristão ,94 [que] todos vós vos condenais aoinferno [...]. Em saindo a terra, logo sois contra os índios pobres de Jesus Cristo [...]. Comoos espanhóis tiveram ídolos, como escreveu o reverendo padre frei Luys de Granada [...], os

índios como bárbaros e gentios choravam dos seus ídolos quando lhos partiram no tempo daconquista. E vós tendes ídolos nas vossas fazendas e prata de todo o mundo.95

Tata-se de uma cítica feo ao noo fetichismo do capitaismomodeno, que iá imoa a humanidade do Su e a natuea ao noo deus:o aumento da taxa de uco (o capita). guamán ê isso e descee-ocaamente.

Na seunda pate da sua oba mana comea, sistematicamente, amosta a contadião ente o cistianismo peado e a paxis peesa damodenidade inicia. é a descião mais desapiedada, iónica e buta da io-ência da pimeia expansão da cutua ocidenta modena. Comea o eatocom a peunta que o Inca guaina Capac fa a Candía, o pimeio espanhoque cheou ao Peu:

 E perguntou ao espanhol o que é que comia; respondeu em língua de espanhol e por gestos que lhe fazia que comia ouro e prata. E assim deu muito ouro em pó e prata e baixelas

de ouro ( guamán Poma, 1980, o. 2: 342).

do Impio romano, do Note de Áfica à Paestina, em Itáia e em Espanha. Nenhum eatão ‘dieito’ como o do Inca.

92 guamán Poma, 1980, o. 1: 332-333. Aqui se pode e o esboo desta antecipaãodo contabiista modeno.

93  Ou seja, nos costumes dos Incas já se pode obsea toda a beea e ao domeho da tica cistã modena, que ees peam… mas que não cumpem.

94 é a censua de um índio ‘cistão’.95 guamán Poma, 1980, o. 1: 339.

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meditações anti-cartesianas 323

E guamán descee uma a uma as funões púbicas e a foma comooprimem, roubam, castigam e violam os índios e as índias, peo que “ se perderá a terra

e cará solitário e despovoado todo o reino e cará muito pobre o rei ” ( guamán Poma,1980, o. 2: 413). E depois dos pimeios tempos dos pesidentes e ouidoesdas Audiências, “cristianíssimos,97  jamais se achou que tenha vindo a favor dos pobresíndios. Que, antes, todos vêm pôr mais carga nos índios e favorecer os vizinhos e os ricose os mineiros” (guamán Poma, 1980, o. 2: 453). A guamán escandaia-opaticuamente a foma como as autoidades, e at os outos espanhóis e osescaos, usam as muhees dos índios, já que “andam roubando as suas fazendase fornicam as casadas e desvirginam as donzelas. E assim andam perdidas e tornam‑se

 putas e parem muitos mesticecos98 e não multiplicam os índios”.99 Os espanhóis, em

especia o “cristão [sic] encomendeiro de índios deste reino”,100

 são citicados peassuas acões, que manifestam um sadismo especia, uma e que “castiga[m] os pobres de Cristo em todo o reino” (guamán Poma, 1980, o. 2: 523).101 guamán

desmantea, assim, uma a uma as injustias de toda a odem poítica e econó-mica coonia da modenidade. Tão-pouco se saa a Ieja da sua ceteia,iónica e auda cítica (guamán Poma, 1980, o. 2: 533, ss). 102 Coecciona

97  repae-se na ionia pemanente: “Chamam‑se cristãos”, diia Batoom de as

Casas, o mesmo que di aqui guamán: “cristãos da boca para fora”, edadeios “demónios daboca para dentro”, como a poposta de geoe W. Bush de expandi a ‘democacia’ no Iaque. A modenidade sempe iua a si mesma.

98 guamán despea paticuamente os ‘mestios’, a que chama “mesticecos”.99  guamán Poma, 1980, o. 2: 468. Uma das obsessões de guamán que “antes

irão acabar‑se os índios deste reino” (guamán Poma, 1980, o. 2: 483), uma e que as índiassão aancadas aos seus esposos natuais. Ente os mineios, os espanhóis tomam “as lhasdos índios  [… à] força e afastam‑no  [ao pai] e desvirginam‑na eles e os seus maiorais e forçam as

 suas mulheres, enviando os seus maridos para as minas de noite ou mandam‑nos a algum lado muitoafastado” (guamán Poma, 1980, o. 2: 489). rea-se de passaem que inimaináe osofimento dos índios nas minas, nas pisões. Am disso, caacteia os espanhóis e as

espanhoas como sendo de baixa estatua, odos, peuiosos, cheios de sobeba e sádicosno tato com os índios domsticos (guamán Poma, 1980, o. 2: 506-515): “ Antes sois contraos pobres de Cristo” (guamán Poma, 1980, o. 2: 515).

100 guamán Poma, 1980, o. 2: 519, ss.101 “ E também às mulheres porque se amancebam e reservam de serviços pessoais […]. E as soltei‑

ras e viúvas fornica‑as” (guamán Poma, 1980, o. 2: 526).102 A cítica conta a Ieja e os cios, são uma das instituiões de que se ocupa de

maneia paticua. “ As índias dão grandes putas e não há remédio. E assim não se querem casar por‑que vão atrás do padre ou do espanhol. E assim não se multiplicam os índios neste reino, só mestiços e mes‑tiças e não há remédio” (guamán Poma, 1980, o. 2: 534). Os fanciscanos e em especia os

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ainda auns documentos sobe ‘acódãos’ e ‘sentenas’, paa da exemposda opessão injusta que se exece sobe os índios (guamán Poma, 1980, o.

2: 670-687).Quanto aos índios que coaboam com os conquistadoes, a que chama

de ‘mandõeitos’, fequente faeem passa-se po nobes, mesmo quandonão são de famíias de incas, peo simpes facto de manda em nome dos espa-nhóis. Haia incas, senhoes ‘pincipais’, que tinham sob as suas odens miíndios tibutáios (quranga curaca), ou quinhentos, ou ‘mandões maioes’ quetinham cem índios, ou ‘mandõeitos de cinquenta índios’, de de e de cinco(guamán Poma, 1980, o. 2: 688, ss  ). São tambm os curacas que diiem asminas e as pestaões de tabaho impostas aos índios (obrajes). Tambm os

haia expoadoes, adões, ‘boachos’, mentiosos, ‘nidoes’, sateadoesde caminhos, “que levam os bens dos pobres índios” (guamán Poma, 1980, o.2: 736).103 Como sempe, seue-se a ista de ‘senhoas, ainhas ou coyas’, asmuhees dos ‘mandõeitos’, a que se chama ‘donas’ (guamán Poma, 1980,

 o. 2: 707, ss).Paa cúmuo, os índios cistãos, coaboacionistas, postos peos espa-

nhóis paa fae ‘justia’,104 dada a coupão eneaiada (que não ea pe-mitida no tempo dos Incas), nem sempe cumpem as suas funões.

Po útimo, guamán capata efee-se aos pópios índios, os do poopobe:

“Se os padres, os curas das doutrinas e os referidos corregedores e encomendeiros eespanhóis o deixassem, haveria santos e grandes letrados e cristianíssimos. Mas os ditos tudoestorvam com os seus tratos”  (guamán Poma, 1980, o. 2: 764).

Que ainda assim os índios sejam bons e ‘poíticos’, dee-se mais à em-bana dos seus antios costumes, apesa de todas as extosões que os conquis-

Pades da Companhia de Jesus são os únicos que se saem bem. Isto mosta uma hipótese defundo na históia ideoóica da Amica latina. “Se fossem os clérigos e dominicanos, mercedáriose agostinhos como estes ditos padres da Companhia de Jesus que não querem ir para Castela ricos nemquerem ter fazenda, senão que a sua riqueza são as almas!” (guamán Poma, 1980, o. 2: 447).

103 guamán petencia a uma famíia dos Yaoicas, senhoes ocais anteioes aosIncas (eja-se o o 3: 949). Uns curacas  impostoes, coaboacionistas dos espanhóis,despojaam-no das suas teas. Po isso, guamán despea estes ‘mandõeitos’, cuacas quenão eam nobes mas que ‘o apaentaam’. Pea pate da mãe guamán podeia esta iadoa auma inhaem secundáia dos Incas.

104 guamán Poma, 1980, o. 2: 739, ss.

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tadoes execem sobe ees. A modenidade neste caso causa de coupãoe destuião. A seui guamán descee as cenas, ‘a pati de baixo’, a pati

dos indíenas (como antes tinha descito os deuses e as uacas do tempo dosIncas): o Cisto cucicado, a Tindade, Santa Maia, os santos, o puatóios,as deoões, o baptismo, a esmoa. Apesa de tantas edades, aoa as adeiasestaam cheias de pobes que pediam esmoa (como efeido, não haia pos-sibiidade de hae pedintes no tempo dos Incas): “ Disto têm a culpa os ditosvisitadores da santa madre igreja por não visitarem os pobres, enfermos, paralíticos, coxose mancos e velhos e cegos, órfãos de cada aldeia” (guamán Poma, 1980, o. 2: 791).

Isto mosta-nos uma ande misia ente os índios. Misia que ea

impossíe no tempo do Inca. A situaão do índio tinha pioado isiementecom a pesena da modenidade. Assim, apaeceam os “crioulos e crioulas índios,índios nascidos nesta vida do tempo dos cristãos”, que se coompem facimentepoque pedeam a sua comunidade, tansfomaam-se em yanaconas,105 embêbados, iciados em coca, e “o mais cristão, ainda que saiba ler e escrever, trazendoum rosário e vestindo como espanhol, com gola, parece santo, [mas] na bebedeira falacom os demónios e reverencia às  gucs ” (guamán Poma, 1980, o. 2: 809). Poisso já são poucos “os índios lósofos, astrólogos que sabem as horas e domingos e diase meses, anos, para semear e para colher as comidas de cada ano  [...].”106 Esta anáisecítica temina com a descião do estado amentáe das ndias, indicandoque o seu auto “andou no mundo pobre [...] com os demais pobres índios para ver omundo e alcançar e escrever este livro e crónica, para serviço de Deus e de sua Majestade eo bem dos pobres índios deste reino” (guamán Poma, 1980, o. 2: 845).

Na teceia pate, a pati da utopia do passado107 e da neatiidade donefasto pesente, guamán imaina aoa um pojecto futuo de “bom governo”,

105 guamán Poma, 1980, o. 2: 803.106 guamán Poma, 1980, o. 2: 830.107

 No entanto, paece hae um dupo passado. O do Inca, que tomado fequente-mente como ponto de efeência, mas às ees nota-se uma ceta cítica à dominaão inca ista a pati das eiões afastadas de Cuco (às quais petencia guamán) e po isso ê-se:“O quarto  auc Run era gente de pouco saber, mas não eram idólatras. E os espanhóis eram de pouco

 saber, mas desde o princípio foram idólatras gentios, como os índios desde o tempo do Yng foram idóla‑tras”. Paece que o maio desenoimento ciiiaciona incui paa guamán a idoatia, oque não acontecia com os poos mais simpes, sem mútua dominaão, como as ciiiaõesanteioes ao impio Inca. “Olhavam para o céu os antigos índios até à quarta idade do mundochamada auc Run [...]. Os índios do tempo dos Yngs  idolatraram como gentios e adoraram o Sol,

 pai do Yng” (guamán Poma, 1980, o. 3: 854).

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a pati do hoionte utópico futuo da “Cie o céu  para os bons pecadores”108 e da “Cie o Inferno109 [paa] o rico avarento, ingrato, [paa] a luxúria, soberba,

castigo dos pecadores com soberba e dos ricos que não temem a Deus”.110  A aeaãoocupa a pimeia pate (“Consideração do cristão do mundo que existe Deus”111).Entenda-se que a modenidade coocada ‘no infeno’.

Seue-se o “capítulo da pergunta”,112  em que guamán Poma aumentanuma óica poítica de ata densidade aciona, peante um eito cítico,aceca dos pobemas mais aes que se foam descobindo no mundo coo-nia da modenidade, naados na sua Crónica. Põe na boca do ei de Espanha‘peuntas’ anadas ao ‘auto’ [guamán], que meeceiam se tatadas empaticua, mas dada a extensão deste tabaho não as podemos comenta.

Po útimo, descee com tistea “o mundo [a que] volta o autor ”, o seupobe ponto de patida, o poo ‘dos pobes de Cisto’, depois de teem pas-sado mais de tinta anos, tempo duante o qua pecoeu, pobe, todo o Peupaa infoma o ei de Espanha e he popo coii tanta desodem.

Essas ‘coecões’, possíeis, denominam-se ‘Consideaões’. Comoem toda a sua oba, essas popostas enquadam-se a pati de um hoionteque anha o seu sentido a pati de uma pofunda sabedoia cósmica, e quecomea oo no início: “Criou Deus o céu e todo o mundo e o que há nele”   (gua-mán Poma, 1980, o. 3: 852). Aqui diide o tempo em de idades, tendo o‘Peu’ como eixo – e já não a modenidade nem o judaico-cistianismo. Asquato idades já conhecidas (da Uari Vira Cocha  at à Auca Runa); a quintados Incas; a sexta do Pachacuti Ruma (a idade em que se pôs tudo de ‘cabeapaa cima’ e tudo foi posto ‘ao contáio’: tata-se de uma eouão cósmicaanteio à conquista); a stima a da pópia ‘conquista cistã runa’ ; a oitaa a das ueas ente os conquistadoes no Peu; a nona a da ‘justia cistã,

108 guamán Poma, 1980, o. 3: 88. Escee-se: “ A cidade de Deus e dos pobres homens que guardaram a sua palavra”. Nesta cidade entam muito poucos espanhóis e todos os índios

opimidos, os ‘pobes de Cisto’.109 é inteessante eica que usa as cateoias históico-poíticas de Aostinho deHipona. veja-se Dusse, 2007, [44-45].

110  guamán Poma, 1980, o. 3. 882. Comenta ainda este auto: “Considera comotêm tanta paciência os índios e as índias nesta vida de tantos males de espanhóis, padres, corregedores emestiços e mulatos, negros,  yncons  e cincons  que lhes tiram a vida e as entranhas dos índios.Considera.”

111 Assim titua o tema no ‘ndice’ na (guamán Poma, 1980, o. 3: 1067). O tema tatado em detahe no oume 3.

112 guamán Poma, 1980, o. 3: 896.

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o bem-esta’ (eia-se esta expessão com sentido iónico) da pimeia pocacoonia; a dcima a da odem coonia imposta.

guamán comea, a pati do quado da oiem e do pocesso do‘unieso’ ( pacha), com uma pimeia ‘consideaão’: o seio aos ‘pobesenfemos e peeinos’, que cumpe com a ‘ei antia113 e a ei de Deus’, como corpachanqui  (‘Dees hospedá-os!’). As ‘obas de miseicódia’ são o citiona da aeaão de guamán, a compaixão peante o faco, o doente, o pobe.Nesta exiência tica e poítica coincidem a ‘ei antia’ do Peu e o meho docistianismo eintepetado po este auto. Na edade, guamán tinha umaintepetaão messiânica do cistianismo, uma Teologia da Libertação expícitaantecipada.

 Morreu Jesus Cristo pelo mundo e pelos homens. Passou tormentos e mártir  [...]. Nesta vida andou  pobre, perseguio. E depois do dia do juízo virá   […] para  pgr  os

 pobres esprezos  (guamán Poma, 1980, o. 3: 876).O primeiro sacerdote do mundo foi Deus e o homem vivo, Jesus Cristo, sacerdote que

veio do céu pobre  e amou mais o pobre do que o rico. Foi Jesus Cristo, o Deus vivo, que veiobuscar as almas e não a prata do mundo […]. São Pedro […] deixou tudo aos pobres […].

 E todos  [os apóstoos] foram pobres e não pediram salário nem renda nem procuravambens (guamán Poma, 1980, o. 3: 899).

E temina:

Quem efene os pobres e jesus Criso serve deus .  Esta é a palavra de Deusno seu evangelho e, defendendo os índios de vossa Majestade, serve a vossa coroa real  (gua-mán Poma, 1980, o. 3: 906).

 Am disso, ecomendaa que se odenassem as instituiões com umaceta unidade, uma e que antiamente tudo se entendia poque estaa sobo pode pateno de um só Inca, enquanto que na desodem da modenidade

coonia “há muitos  Incs : corregedor   Inc, doze tenentes são Inc, o irmão ou o lho

113  De noo se efee a uma ‘ei’ anteio aos Incas: “Como os índios primeiros, aindaque dos Yngas foram idólatras, tiveram fé e mandamentos dos seus deuses e lei e boa obra guardaram ecumpriram” (guamán Poma, 1980, o. 3: 857). guamán citicaa os incas a pati destestempos oiináios utópicos, já que não ea de famíia inca mas, sim, de uma nobeadominada peos incas.

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do corregedor e mulher e o escrivão são Inc […]”.114 Tambm ea necessáio que setiesse consciência que, com a pesena dos euopeus, tudo pioou paa os

índios: “considera que os índios têm [agora] tantos pleitos nesta vida.  No empo os Incs não os in” (guamán Poma, 1980, o. 3: 857).

Mas o ande aumento poítico paa o “bom governo” consistia na ‘es-tituião do pode’ aos Incas:

Que tendes de considerar que todo o mundo é de Deus e assim Castela é dos espanhóise as Índias são dos índios e a Guiné é dos negros. Que cada um destes são legítimos proprie‑tários, não tanto apenas pela lei  […]. E os índios são proprietários naturais deste reino e osespanhóis naturais de Espanha. Aqui neste reino são estrangeiros, miimys   (guamán

Poma, 1980, o. 3: 857-858).

 A pati da compeensão inca da espaciaidade eopoítica mundia,guamán tenta justica o seu pojecto contando estateicamente com oapoio do ei de Espanha. Assim como antiamente o Impio inca tinha sidoo ‘cento’ do unieso ( Pacha), com o seu ‘Umbio’ (Cuzco), a pati do qua seestendiam as ‘quato pates’ do mundo (em diecão aos quato pontos ca-deais, como na China ou ente os Astecas no ‘altepetl ’115), fomando uma ‘cucósmica’, assim aoa popunha, extapoando essas estutuas eopoíticasimaináias num mundo mais oba, e coocando no ‘cento’ o rei Fiipe deEspanha, com as suas ‘quato pates’ ou einos (os Incas, que etomaam opode na Amica toda, os cistãos à ota de roma, os aficanos da guin e osTucos at à gande China).116 Um ‘monaca do mundo’ com ‘quato’ einos

114 guamán Poma, 1980, o. 3: 857.115 veja-se lockhat, 1994. Sobe a oaniaão ‘dua’ e em ‘quato’ eiões do imp-

io Inca e a cutua do atipano em ea, eja-se Pässinen, 1992.116 “ Haveis de considerar que tão grande majestade que tinha o Yng top Ing Yupnqui , rei

do Peru [(...) como a que têm] os reis e príncipes, imperadores do mundo, tanto cristãos como do GrãTurco e do rei chinês, imperadores de Roma e de toda a cristandade e de judeus e do rei da Guiné ”. OInca ea um ei do mesmo níe dos que nos eatam as históias de outas cutuas e, amdisso, o “Yng tinha quatro reis das quatro partes deste reino” (guamán Poma, 1980, o. 3: 888).Este auto popõe aoa um pojecto noo: “ A de ser monarca o rei Dom Filipe  [sob o quahaeá quato eis menoes:] O primeiro, ofereço um lho meu, príncipe deste reino, neto e bisneto detop Ingá Yupngi  [desta maneia epoduia um pouco o pojecto da Monarquia Indiana deToquemada…]. O segundo, um príncipe do rei da Guiné, negro; o terceiro, do rei dos cristãos de Roma […]; o quarto, o rei dos mouros do Grã Turco, os quatro coroados com o seu ceptro e tosões” (guamánPoma, 1980, o. 3: 889).

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(eam uma pojecão obaiada do Impio inca, mas ao mesmo tempo po-punha-se a estituião, como opinaa Batoom de as Casas, da autonomia

dos Incas, ainda que fosse ‘debaixo da sua mão mundo’ 117 do ei de Espanha):“ Porque é  Inc e rei, que nem outro espanhol e padre tem que entrar porque o Inca era

 proprietário e legítimo rei” (guamán Poma, 1980, o. 3: 858). Enteê-se entãocaamente um pojecto de ibetaão poítica futua – a actua ‘seundaemancipaão’, a pimeia cumpiu-se paciamente em 1810, a seunda incuia emancipaão dos poos oiináios, anunciada po Eo Moaes na Boíia,um aymaa, e não um quechua como guamán.

 A não se possíe esta ‘estituião’ ea necessáio pensa numa muti-tude de medidas a todos os níeis da estutua administatia, poítica, ece-

siástica, miita, sexua, educatia, etc., que guamán, com paciência innita,se ocupa a descee nestas ‘consideaões’. Como exempo, uma útimacitaão:

Considera isto que o corregedor entra a dizer: ‘Que eu te farei justiça’, e rouba. Eo padre entra: ‘Eu te farei cristão. Baptizarei e casarei e doutrinarei’, e rouba e desonra etoma mulher e lha. O encomendeiro e os demais espanhóis dizem: ‘Justiça, que sirva ao rei

 porque sou seu vassalo’. E rouba e furta quanto têm. E pior os caciques [índios] e mandões;arruínam de todo os pobres desventurados índios (guamán Poma, 1980, o. 3: 893).

Hokheime e Adono, em San Dieo, não expessaam com tanta ca-ea a face mais obscua da modenidade, nem na sua Dialéctica da Modernidade (1998). Po isso, depois destas damáticas ‘consideaões’, guamán passa aoseundo ponto, oaniado com base em quine peuntas que o auto põena boca do rei Fiipe. Di a seunda deas:

‘Diga‑me, Dom Filipe [guamán] Ayala, naquele tempo, como havia tantos índiosnos tempos do  Inc?’ Digo a Vossa Majestade que naquele tempo era só o  Inc  rei   [...].

 Mas vivia‑se na lei e nos mandamentos dos  Incs . E como havia um rei , serviam descan‑

 sadamente neste reino e multiplicavam e havia fazenda e de comer, lhos e mulheres suas (guamán Poma, 1980, o. 3: 896).

117 guamán Poma, 1980, o. 3: 889.

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Na quinta peunta, o ei indaa:

‘Diga‑me, autor, como se farão ricos os índios?’ Saiba Vossa Majestade que têm deter fazenda em comunidade, que eles chamam de sapci, com sementeiras de milho e trigo,batatas, pimentos, mgno, algodão, vinhas, coc, árvores de fruto (guamán Poma,1980, o. 3: 898).

O “bom governo”, po pate dos membos da modenidade, e nisso pode-ia esumi-se tudo, consistiia em “que todos os espanhóis vivam como cristãos”(guamán Poma, 1980, o. 3: 902). Mas, se isto acontecesse, a modenidadecomo ta iia abaixo, não haeia acumuaão de iquea no cento. vê-se

então que guamán, como Ka Max, oania a sua estatia aumentatiaseuindo o mesmo pincípio que o cítico de Tie: cooca o que petendese cistão numa contadião pefomatia eidente ente os seus actos pe-

 esos e os actos ticos pescitos peo pópio cistianismo.118 Que mundo encontou o ‘auto’ ao eessa ao seu poo?

Trinta anos que esteve ao serviço de Sua Majestade, encontrou tudo no chão, entran‑do‑lhe nas suas casas e sementeiras e pastos. E encontrou os seus lhos e lhas esfarrapados,

 servindo a índios piceros . Os seus lhos e sobrinhos e parentes não o conheceram porquechegou muito velho; teria oitenta anos de idade, completamente encanecido e fraco e andra‑

 joso e descalço (guamán Poma, 1980, o. 3: 1008).

E não tudo, já que a sua oba, a sua Crónica, caá seputada numabibioteca de Copenhaa at 1908. O mundo dos pobes ‘índios’, os ‘pobesde Cisto’ em pena modenidade, ainda iá espea scuos paa que se faajustia…

6. ConclusõesTambm se podeía considea o pensamento da sabedoia dos pópios

poos oiináios ameicanos que não sofeam o impacto do cistianismo

118 O texto de Max a que nos efeimos di o seuinte: “ Ao Estado [uteano aemão]que professa como norma suprema o cristianismo, que professa a Bíblia como sua Carta, há que con‑

 frontá‑lo com as Palavras da Sagrada Escritura, que, como tal Escritura, é sagrada até na letra [para osluteranos]. Este Estado […] cai na dolorosa conrição, irredutível no plano da consciência religiosa,quando se confronta com aquelas máximas do evangelho que não só não acata, mas também que não podetão‑pouco acatar ” (Max, 1956, o. 1: 359-360).

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meditações anti-cartesianas 331

(ao contáio do que acontecia com guamán Poma). Ees sinicam uma‘esea de futuo’, cítica pea sua exteioidade adica. Mas o eato ca po

aqui.Paece que em 1616 Fiipe guamán Poma de Ayaa concuiu a sua Cró‑

nica. No ano anteio o joem ren Descates abandonaa, quase com inteanos, os seus estudos no coio jesuíta de la Fèche. Nada sabia, nem podiasabe, o noe ósofo, de todo um mundo peifico e coonia que a mode-nidade tinha instauado. O seu futuo ego cogito  iia constitui um cogitatum que, ente outos entes à sua disposião, situaia a copoaidade dos sujeitoscooniais como máquinas expoáeis, dos índios na encomienda, da mita  ouda faenda atino-ameicana, ou dos escaos aficanos na ‘casa ande’ das

pantaões do Basi, do Caibe ou da Noa Inatea. Às costas da modeni-dade iia tia-se paa sempe aos sujeitos cooniais o seu ‘se humano’, athoje.

Se a suspeita que petendi intodui fo edadeia, iia deama muitau sobe noas inestiaões sobe o sentido da modenidade osóca. Sea modenidade não comea osocamente com Descates – e este dee sesituado como o ande pensado do segundo momento da modenidade inicial ,quando já se tinha poduido ieesiemente a ocutaão, não do ‘se’heideeiano, mas do ‘se colonial ’ –, deeia inicia-se todo um pocesso dedescolonização losóca. A Hoanda do scuo XvII à ota de Amestedão, a daCompanhia das ndias Oientais, seia um mundo suido posteiomente àcise da Espanha dos reis hispânicos do scuo Xv e do Impio de Caos v(o Impio-Mundo de Waestein) que abiam a Euopa ao ampo hoiontedo pimeio Sistema‑Mundo, cooniaista, capitaista, euocêntico, modeno.O ano de 1637 do Le Discours de la Méthode, pubicado nos Países Baixos, a pa-ti de uma odem já dominada pea buuesia tiunfante, não seia a oiemda modenidade mas, sim, o seu segundo momento. O paadima soipsista daconsciência, do  ego cogito, inauua o seu desenoimento esmaado, des-bastado, duante a modenidade euopeia posteio e cheaá, já bastante

ateado, at Hume, Kant, Hee, Sate ou Pau ricoeu. No scuo XX seáciticado adicamente po leinas que, patindo da quinta meditaão das

 Meditações Cartesianas de Edmund Husse (1963),119 tenta abi-se ao Outo,

119 vae a pena aqui uma eitua esumida da V Meditação de Husse sobe a “ Descriçãoda esfera transcendental do ser como intersubjectividade monológica” (1963: 121, ss.), em que esteósofo tenta i mais am do ego cogito quando tata a questão ‘do Outo’ a pati do “mundocomum da vida” [der gemeisamen Lebenswelt ] (1963: 162), patindo do que se dee “admitir que

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epistemologias do sul332

tambm ao Outo da modenidade euopeia… mas ainda na Euopa. O hoo-causto judeu seá, de quaque modo, um desaste iaciona inta-euopeu,

futo onínquo do Iuminismo – confome exposto po Hokheime e Adono. No entanto, o pópio leinas – e toda a Escoa de Fankfut nas suastês eaões – não conseue supea a modenidade po não te obseado acooniaidade do execício do pode ocidenta. leinas pemanece ineitae-mente euocêntico, ainda que descuba a iacionaidade da totaiaão dasubjectiidade modena, mas não se pode situa na exteioidade da Euopametopoitana, impeia, capitaista.120

é em mim que os outros se constituem enquanto que outros ” 1963: 156). Po seu ado, Sate nãopodeá supea de todo a apoia constatada no ‘oha’ ( le regard ) (1943: 310, ss.), peo quaiemediaemente constitui ‘o Outo’ como objecto. O Outo, po seu ado, constitui-meiuamente como objecto: “ La personne est présente à la consciente en tant qu´elle est objet pourautrui ” (1943: 318).

120 Paa uma cítica do pensamento euocêntico de leinas a pati da cooniaidadedo se, eja-se o capítuo de Madonado-Toes neste oume.

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CAPTUlO 10

 A TOPO LO GIA DO SER E A GE OPOLTICADO CONHECIMENTO. MODERNIDADE, IMPÉRIOE COLONIALIDADE1

 Nelson Maldonado‑Torres

 Até hoje, a fundamentação ontológica tem considerado o Centrocomo ponto de chegada e de partida. O ‘Ser’ tem sido, na verdade, oCentro. O ‘Pensamento’ tem sido um Pensamento Central. No Centro se

encontraram ambos. Fora do Centro, encontra‑se o ente, o contingente e o subdesenvolvido; aquilo que só passou a ser reconhecido através do Centro. Na sua globalidade, a metafísica impôs uma fundamentação lo‑

 sóca que passa pelo Centro. A teoria do conhecimento, em todas as suas formas, impôs e continua a impor um Centro Esclarecido. A ética, por sua

vez, impõe um Centro através do qual os valores se fazem valer.

(Austín T. de a riea, apud Adíes et al., 1973: 216)

IntroduãoTonou-se uma edade coiqueia econhece que a teoia socia sofeu, de

um modo enico, uma iaem espacia compaáe à iaem inuística

1 Em 29 de Mao de 2003, apesentei no Enconto Anua da Associaão de Estudoslatino-ameicanos, no Texas, uma esão anteio deste atio, com o títuo ‘Impio ycooniaidad de se’. gostaia de aadece aos membos do gupo de ética Diaóica eCosmopoitismo Cítico da Uniesidade de Duke po me teem popiciado um contextoóptimo paa testa ideias atenatias do pensamento poítico adica. Tambm queo aa-dece a Eduado Mendieta peos comentáios que fe à seunda esão do atio e peasecomendaões fundamentais no sentido de um posteio aaamento. gostaia de dedi-

ca o atio ao upo de joens ósofos que, há 30 anos, expuseam, de foma expícita,aumas das ideias que aqui apaecem, espeitantes ao ua do Se e do conhecimento.Foam ees Osado Adíes, Huo Assmann, Maio Casaa, Hoacio Ceutti, Caos Cu-en, Juio de zan, Enique Dusse, Aníba Fonai, Danie guiot, António Kinen, rodofoKusch, Dieo Pó, Austín de a riea, Atuo roi e Juan Caos Scannone. veja-se, apopósito, a coectânea de Adíes et al., 1973. Esta oba fomua cíticas oiinais e popõeatenatias à eopoítica acista do conhecimento e à topooia do Se, que seão ao deuma inestiaão cítica no decoe do pesente atio. O facto de a oba destes autoeste pemanecido desconhecida duante tanto tempo , de aum modo, a demonstaãocaba de como pobemática a eopoítica.

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epistemologias do sul338

sofida pea osoa ocidenta. No campo da osoa tambm estão a eme-i, aduamente, eexões em tono do o modo como as ideias sobe a espa-

ciaidade modeaam o pensamento osóco. Duante demasiado tempo, adiscipina da osoa aiu como se o ua eopoítico e as ideias efeentesao espao não passassem de caacteísticas continentes do aciocínio o-sóco. Eitando, e bem, o educionismo das deteminaões eoácas, osósofos têm tido tendência paa considea o espao como ao demasiadosimpista paa se osocamente eeante.2 De facto, exiem outas aõeseeantes paa expica a aeia ao espao enquanto facto osóco poidode sinicado. Há questões efeentes ao espao e às eaões eopoíticasque enfaquecem a ideia de um sujeito epistmico neuto, cujas eexões não

são mais do que a esposta aos constanimentos desse domínio despoidode espao que o uniesa. Tais questões tambm põem a descobeto as fo-mas como os ósofos e os pofessoes de osoa tendem a ama as suasaíes numa eião espiitua inaiaemente descita em temos eopoíti-cos: a Euopa.3 A ausência de eexões sobe a eopoítica e a espaciaidade

2 é cao que existem excepões. Tae a mais óbia deas seja Hee, que combinoua tempoaidade e a espaciaidade na sua expicaão do Espíito. é ceto que esse Espíito

atiniu um címax na Euopa, tendo na Amica um hoionte futuo (Hee, 1991). Paauma anáise cítica da pespectia de Hee aceca da Amica, eja-se Casaa, 1992. Paauma expicaão atenatia da históia mundia ofeecida a pati de um ponto de ista‘ameicano’, eja-se Dusse, 1995.

3 Existem outas modaidades desta eaidade. Munido de uma auda pecepão dome íncuo da discipina da osoa à Euopa enquanto ua epistmico, um upo dejoens ósofos atino-ameicanos euniu-se na Aentina na dcada de 70 do scuo XX,paa debate a eeância do espao na osoa e a possibiidade de ma a eexão osó-ca na Amica latina, e não na Euopa (eja-se a Nota 1). Num esto semehante, em naisda dcada de 80 auns ósofos dos Estados Unidos otaam-se paa o pamatismo comofoma de expessa uma osoa note-ameicana. Não obstante os dois pojectos patiha-

em com a osoa euopeia uma especia tendência paa busca aíes não destituídas depobemas, o upo atino-ameicano tem eeado uma tendência paa se mais cosmopo-ita do que o dos Estados Unidos – o que se tona especiamente eidente na oba de Eni-que Dusse. O upo atino-ameicano tambm foi mais cítico em eaão ao ibeaismodo que o seu equiaente do Note. reecti sobe auns destes aspectos em ‘EnisioninPostcoonia Phiosophies in the Ameicas: the cases of pamatism and latin Amica ibe-ation thouht’ (“Paa uma consideaão das osoas pós-cooniais nas Amicas: os casosdo pamatismo e do pensamento da ibetaão atino-ameicano”), apesentado na SessãoPenáia da Sociedade paa o Aano da Fiosoa Ameicana, em Dene, Cooado, em 15de Mao de 2003. Aumas dessas ideias encontam-se em Madonado-Toes, no peo.

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 a to po lo gi a do se r e a ge op ol ít ic a do co nh ec im en to 339

na poduão de conhecimento ai a pa com a fata de eexão cítica quantoao empenhamento da osoa e dos ósofos ocidentais com a Euopa

enquanto oca epistmico piieiado.Emboa a intoduão da espaciaidade como facto sinicatio na

compeensão da osoa seja um impotante aano paa a discipina, podese um passo imitado se pomoe a eamaão de um noo sujeito epist-mico neuto, capa, po si só, de catoafa o mundo e estabeece associa-ões ente pensamento e espao. Isto constitui um isco não apenas paa aosoa, mas tambm paa a teoia socia. A ideia não substitui a supostaneutaidade do ósofo pea imaem iuamente mítica do catóafo cien-tíco neuto. A intoduão da espaciaidade enquanto facto sinicatio na

compeensão da osoa e na poduão da teoia socia pode i a se o noolocus da ideia de um obseado ou obseadoa distanciado(a) que só capade examina as intincadas eaões ente conhecimento e ideias de espaopoque, no fundo, se enconta paa á dessas eaões. é minha conicãoque este tipo de cena na impaciaidade tende, em útima anáise, a epo-dui uma ceueia, não a espeito do espao enquanto ta, mas a espeitodos modos não-euopeus de pensa e da poduão e epoduão da eaãocoonia/impeia, ou daquio a que, na esteia da oba do socióoo peuano

 Aníba Quijano, ostaia de desina po colonialidade.Este atio concene ao que denomino po esquecimento da colonialidade 

po pate tanto da osoa ocidenta como da teoia socia contempoânea.De facto, neste contexto só posso ofeece bees anáises, desejaementesucientes paa caica que as minhas cíticas eatiamente às tendênciasmodenas e contempoâneas da osoa e da teoia socia, que as minhassuestões sobe como utapassa tais imitaões. Na pimeia secão doatio, pocedo a uma anáise cítica de pensadoes inuentes da audida ia-em inuística. Cento-me na eaão ente a ontooia de Matin Heideee a tica metafísica de Emmanue linas. A minha intenão demonstaque se, po um ado, a ontooia heideeiana e a tica de linas deam

uma base sóida à iaem inuística e foneceam meios enenhosos deutapassa os imites da ideia ocidenta de Homem, po outo, as suas o-soas pemaneceam cúmpices de fomaões espaciais de cai impeia. Asosoas de um e outo encontam-se macadas peo esquecimento da coo-niaidade. Na seunda secão, apesento um apanhado teóico da coonia-idade, eacionando-a com o conceito de modenidade. Aí estabeeo umadistinão ente esta pespectia cítica e as teoias cíticas que concebem ooba como uma ede pós-impeiaista de eaões, nomeadamente a oba

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epistemologias do sul340

 Império de Michae Hadt e Antonio Nei. Na teceia e útimas secões, po-ponho uma atenatia à poítica de identidade ocidenta ta como se encon-

ta expessa no pojecto da busca de aíes no Ocidente. Em e de eitimaa busca de aíes euopeias e note-ameicanas e a espectia iaão com umponto de ista petensamente uniesa, iei defende uma noão de diesa-idade adica. A diesaidade adica uma cítica das aíes que põe a caonão só a cooniaidade mas tambm o potencia epistmico das epistemasnão-euopeus.

1. Entre Atenas e Jerusalém: Heidegger, Lévinas e a busca de Raíes

 A oba de Matin Heidee ocupa um ua centa na ista de ósofos cujotabaho inuenciou a ciaão e popaaão da pespectia comummenteconhecida como iaem inuística, especiamente nas suas aiantes he-menêutica e desconstucionista. Heidee comeou po atini notoie-dade intenaciona quando mudou as bases da osoa, desocando-as daepistemooia paa uma foma de eexão ontoóica que ofeecia noosmodos de pensa o sujeito, a inuaem e a histoicidade (Heidee, 1996a).Paa ee, a questão do sinicado do Se epesentaa o esate de um pontode patida adica caído em esquecimento deido à tadião da metafísicaocidenta. Este ponto de patida fonecia os meios paa esponde à cise damodenidade, pois popunha uma posião osóca indicadoa de modosatenatios de se e de ai. Heidee não estaa a pensa especicamentena tica quando consideou modos de se atenatios que desaaam ospaâmetos da modenidade. Os seus escitos pocuaam, sim, fomuaposiões do sujeito não inspiadas no pimado do sujeito nem no modeo dese humano que dominante na modenidade, isto , o modeo do Homem.

 A chae paa escapa aos pobemáticos efeitos da metafísica e à con-cepão modena de homem que, seundo Heidee, sustentaam o idea da

 ida modena em temos de aano tecnoóico, esidia em desoca a ee-

 xão osóca das questões epistemoóicas paa as ontoóicas. O que nãosinica que Heidee não tiesse nada a e com a epistemooia; em ede popo a epistemooia como osoa pimeia, expoou as questões epis-temoóicas em temos do hoionte de questionamento abeto pea questãodo sinicado do Se. Emboa os pimeios esfoos de Heidee neste sen-tido tenham confeido uma impotância centa à antopooia, a sua cíticada epistemooia e da ideia de Homem – o sujeito da epistemooia euopeiamodena – eou-o a passa de uma pespectia que ia a existência humana

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como uma abetua ao Se, paa a pópia inuaem e paa a inuaemenquanto lugar  da eexão ontoóica. Depois da iaem – a chamada Kehre 

– heideeiana, a iaem ontoóica acabou po epesenta tambm uma iaem inuística.4

 A inuaem, como Heidee iia a ama, a casa do Se, e os seeshumanos não são tanto senhoes dea como seus pastoes. Ao ota-se destafoma paa a inuaem, Heidee aceditaa te encontado uma abetuaque he pemitia expessa uma atenatia à osoa ocidenta de oientaãometafísica e epistemoóica que faia com que, em útima anáise, os seeshumanos se tonassem pisioneios das suas pópias ciaões. À semehanade outos ósofos ocidentais que o antecedeam, Heidee aceditaa

esta a defonta-se com um momento único e que as pespectias osócasdesempenhaam um pape fundamenta na sustentaão de ideias e pojectoshistóicos denidoes desse momento. O momento em causa ea, a seu e,a cise da Euopa expessa no niiismo ocidenta e no desenaiado cosmo-poitismo dos modeos ibeais de Estado-naão desenhados no contexto dareouão Fancesa (Bambach, 2003: 6). Chaes Bambach examinou comminúcia as iaões ente o pensamento de Heidee e os temos com queeste deniu e pocua enfenta aquio que consideaa se a cise da Euopa.Uma bee expoaão das teses de Bambach a espeito do pojecto e do dis-cuso osóco de Heidee eucida-nos-á de que a iaem ontoóica einuística de Heidee não pode se compeendida na totaidade sem quese peceba na sua oba uma iaem eopoítica que eio confei uma noabase ao acismo.

Em Heidegger’s Roots, Bambach anaisa a oba de Heidee no contextode debates poíticos e inteectuais em tono da cise da Euopa. váios pen-sadoes aemães concebiam esta cise não como a cise da Euopa per se, mascomo uma cise do cento da Euopa (Bambach, 2003: 137). Paa ees, nocento da Euopa encontaam-se a Aemanha e o Volk5  aemão. A cise daEuopa iia, desta foma, a se entendida como uma cise do Volk aemão e

do ambiente ua em que ande pate dee iia. Neste contexto, ea impo-tante o mito ateniense da autoctonia, seundo o qua o fundado de Atenas,Eictónio, se haia concebido a si pópio a pati da tea (Bambach, 2003:52). Este mantinha uma eaão indíena com a tea e a paisaem atenien-

4 Paa uma eexão sobe a iaem de Heidee, eja-se risse, 1999.5  NT : Poo.

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epistemologias do sul342

ses. A isão do mito caa: a andea de Atenas dependia de uma eaãoiuamente íntima ente os cidadãos de Atenas e o seu soo. Na Aemanha,

muitos pensadoes consideaam a cise poítica do seu país em temos simi-aes. Só a amaão das aíes da tea podeia esisti à foa do niiismoe do cosmopoitismo desenaiado do Iuminismo fancês. E essas aíesencontaam-se, pecisamente, no mundo dos geos. Bambach efee que

 Numa época em que a cultura alemã se desenvolvia sem o enquadramento de um Estado‑nação unicado, uma série de lósofos e escritores recorria aos termos da sua visão da Antiguidade para armar os seus ideais nacionais. No contexto desta helenomania alemã, fortalecida pela invasão napoleónica de 1806, Fichte, Hegel e os seus contemporâneos

viriam a invocar o mito de uma singular anidade greco‑germânica enraizada quer nalinguagem, quer na Heimat (Bambach, 2003: 116).

Uma das pincipais obseaões de Bambach a de que a iaemontoóica e inuística de Heidee epesenta uma expessão oiina dapocua de um a ou pátia ( Heimat ).6 Enquanto Eictónio continua a se omodeo paa o mito poítico das aíes madas na tea, Heidee consideaque o pensamento p-socático, ‘que bota da arche do pópio se’, a aienuína do pensamento – um modo de pensa que iia contasta fotementecom a metafísica e a epistemooia ocidentais. (Bambach, 2003: 112)

 A ocaiaão de uma arche na gcia estee po tás da tentatia de to-na a Aemanha (a ínua aemã e o Volk aemão) na noa arche da Euopa. Aeopoítica de Heidee , como efee Bambach, uma poítica baseada naeaão íntima ente o poo, a sua ínua e a sua tea. A eopoítica , simu-taneamente, uma poítica da tea e uma poítica de excusão. Haia que po-tee a Aemanha do “espírito francês do Iluminismo e da latinidade tanto da cultura

 gaulesa como da igreja católica” (Bambach, 2003: 117). A eopoítica tambm

6 As consideaões de Bambach aceca da metafísica heideeiana da Heimat  con-tastam com a isão de espaciaidade e de existência que, seundo Aejando vaea, sepodem enconta na oba de Heidee. Ao contáio do pojecto de Bambach, o de vaea mais constutio e osóco do que históico ou aqueoóico. Mas, tendo em conta ameticuosa pocua da concepão heideeiana de ‘aíes’ empeendida po Bambach,

 vaea tem de demonsta, de foma caa, em que medida pode edadeiamente atibuia Heidee um conceito de ‘terras de exílio’. Tambm tem de mosta, com exactidão, comoesta concepão de espao, em útima anáise, não se enconta associada à eopoíticaacista de Heidee (vaea, 2003).

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epistemologias do sul344

osóco mais estito. Na edade, esta intepetaão epistmica do pojectonão o tona menos ideoóico ou acista.

 As atitudes heideeiana e nai em eaão à Euopa tieam antece-dentes. Ente os nais do scuo XvI e o scuo XIX, os Fanceses e os Ineseshaiam taado uma inha diisóia ente a Euopa do Note e a Euopa doSu.7 A difeena foi suindo aduamente atas da popaaão da lendaNea, do pestíio do aano tecnoóico e da asseão do pode cooniaem Áfica e no Sudeste Asiático. Os Fanceses e as eouões industiaisfoneceam justicaões acescidas paa que Potua e Espanha fossemmainaiados da históia da modenidade. O apaecimento de noas disci-pinas no sistema uniesitáio ocidenta modeno duante o scuo XIX e a

sua contínua expansão ao ono do scuo XX só ieam cimenta a posiãosubateniada da Euopa do Su. A iaem inuística de Heidee epeteauns destes padões. A difeena que, enquanto auns estabeeciam umadiisão ente Euopa do Note e Euopa do Su, ee e outos pensadoes con-seadoes aemães postuaam a metafísica da Mitteleuropa. Paa Heidee,o noo início está no meio. E o meio , pecisamente, o que ameaado,pimeio peos ideais fanceses e depois peas foas estaneias. Os pensa-does conseadoes aemães insistiam, desde cedo, na ameaa da Zivilizationda Fana conta a Kultur  da Aemanha. Como Bambach assinaa, Heideenão só comunou desta posião, como tambm chamou a atenão paa aameaa de duas potências emeentes: a União Soitica, po um ado, e osEstados Unidos da Amica, po outo.

 A União Soitica tinha-se tonado uma impotante foa poítica apósa reouão Bocheique de 1917. Depois de Hite te quebado o Tatadode vesahes, na dcada de 30, a Fana fe um pacto com a União Soitica.O objectio ea, caamente, deixa a Aemanha isoada no cento. Em 1936,consciente da aiana ente o cosmopoitismo desenaiado da Fana e a‘asiática’ União Soitica, Heidee amaa:

O nosso  dsein histórico sente, com uma clareza e apreensão crescente, que o seu futuro equivale a uma nua e crua alternativa: ou o salvamento da Europa, ou a sua destrui‑

ção. Porém, a possibilidade de salvamento exige duas coisas:1. A preservação dos Völker  europeus contra os asiáticos.

7 Paa uma eucidaão sobe a difeena impeia ente a Euopa do Note e do Su, eja-se Minoo, 2000.

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O acismo de Heidee ea muito cao na sua pecepão dos judeus eda tadião hebaica. Numa cata escita a um coea em 1929, ama:

Gostaria de ser mais claro acerca daquilo a que apenas z uma breve referência nomeu relatório. Em causa está, nada mais, nada menos do que a premente consideração deque nos encontramos perante uma escolha: ou damos, uma vez mais, à vida espiritual alemã

 forças genuínas e educadores radicados no que há de vernáculo e autóctone, ou acabamos porentregá‑la à crescente judaização (Bambach, 2003: 53).

 A isão que Heidee tinha dos Judeus assentaa na ontooia nacio-naista da pátia ( Heimat ). Aos seus ohos, a iência do êxodo e da diáspoa

tansfomaa os Judeus em sujeitos intinsecamente desenaiados (Bam-bach, 2003: 53). Consideaa que os judeus eam uma ameaa à pátria. Dotadade uma identidade ubana e não ua, esta ente eante desaa o pincípioateniense da autoctonia. Po este motio, mesmo os judeus que faaam aínua aemã ainda epesentaam uma ameaa paa o Volk  emãnico. Ofacto de Heidee te um sentimento de atidão paa com o seu pofessoEdmund Husse não epesenta uma excepão ao que foi dito. A Heideenão o peocupaa tanto cada indiíduo per se, mas sim a ‘cescente judaiaão’,a qua tem que e, não com a sua eaão com um quaque judeu em paticu-a, mas com a sua atitude peante a inuência coectia obamente execidapeos Judeus na Aemanha.

é cao que o acismo epistmico de Heidee não passou sem con-testaão. Um dos mais iuentos cíticos de Heidee, senão mesmo o mais

 iuento de todos ees, foi um antio auno de Edmund Husse em Feibuo,que tambm fequentou as auas de Heidee: Emmanue linas. Toda aoba mais madua de linas uma tentatia de subesão do pensamento deHeidee. Na sua pimeia ande oba, Totalidade e innito, linas desceea ontooia como uma osoa do pode (linas, 1988). Em contaposiãoà ontooia heideeiana, linas popôs a tica como osoa pimeia.

E esta tica tinha uma base sóida pecisamente naquio em que Heideenão conseuia enconta ao nenhum: a tadião hebaica. Se a cítica aoOcidente feita po Heidee tem po base o petenso esquecimento do Se,a cítica empeendida po linas assenta antes no esquecimento do factohebaico po pate do pensamento ocidenta. linas encontou nas fontesjudaicas a possibiidade de expessa uma metafísica tica que impunhaimites às ideias cistãs e ibeais aceca da autonomia do sujeito. As fontes

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judaicas tambm he deam aumas pistas paa desenoe uma concepãode copoaidade muito difeente da óica acia nai.8

 A iaem tica de linas na osoa saa a eeância epistmica dojudaísmo ao mesmo tempo que etm o eado eo. Ta como Husse játinha feito, o que ee apoeitou e aoiou dos geos não foi o mito daautoctonia, mas a ideia de uniesaidade. linas insistia que essa ideia deuniesaidade ea pefeitamente compatíe com as fontes judaicas. Paa ee,a osoa tonou-se pecisamente a fusão ciatia das fontes eas e judai-cas. A seu e, Atenas e Jeusam não constituíam pincípios opostos, massim coabitaões do uniesa no humano.

linas espondeu de foma diecta ao acismo epistmico de Heide-

e, tentando demonsta que os Judeus não podiam se excuídos da Euopaou do Ocidente po causa de aeadas difeenas epistmicas. A iência e oconhecimento hebaicos baseados numa combinaão das tadiões de pen-samento hebaicas e eas não eam, neste aspecto, exta-ocidentais; eam,de ceta foma, paadimaticamente ocidentais. linas econuou a ideiado Ocidente e tentou constui um quado osóco atenatio que espon-desse às ameaas de acismo e ioência e que, simutaneamente, tonassecaa a eeância epistmica do judaísmo.

linas tinha uma eopoítica osóca difeente da de Heidee.Ee conseuia imaina Atenas e Jeusam ado a ado, seindo de aiceceao Ocidente. A questão at que ponto esta aiana espondia satisfatoia-mente aos desaos com que se confontaam outas eiões e cidades domundo. Enquanto Heidee se apea ao chão ou à tea do ambiente ua,ao mito da autoctonia ea e ao aemão como ínua do Volk do cento daEuopa, linas está mais deteminado em adopta o cosmopoitismo daexpeiência ubana, emboa as únicas ínuas que he ocoam como eícuoeítimo do pensamento sejam o eo e o hebaico. Finamente, só Atenase Jeusam se destacam, na sua oba, como cidades do conhecimento. Deaum modo, linas escee como se a incusão epistmica do judaísmo na

dinâmica intena do Ocidente bastasse paa enfenta a excusão epistmicaem todos os outos ocais. Assim, ainda que linas tenha defendido, comêxito, os Judeus e o judaísmo em eaão ao acismo epistmico heidee-iano (em eaão, de facto, a um acismo epistmico endmico a ande

8 Apofundei esta questão num io intituado Against War: Views from the Undersideof Modernity (2008).

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pate da osoa modena), ee não escapa à óica heideeiana da buscade aíes nem à sua tendência paa pensa a epistemooia apenas po

efeência às andes eaiaões do mundo ocidenta. Na sua quaidade dejudeu euopeu, linas pocua aíes no Ocidente e, assim, tansfoma aideia heemónica do Ocidente de modo a encaixa nea. Contudo, só pa-ciamente tanside o discuso de Heidee (e de ande pate da osoaeuopeia), pois continua peocupado com a busca de aíes e com a defesada ideia de Euopa (e, eidentemente, de Isae) enquanto pojecto. A suaeopoítica enconta-se, potanto, imitada peo seu fote desejo de encon-ta aíes na Euopa.

Onde podeá enconta-se uma esposta mais adica paa o pojecto de

Heidee? linas tem uma esposta cítica paa a isão anti-semita de Hei-dee. No entanto, o acismo epistmico de Heidee, ta como o de mui-tos ósofos euopeus, ai muito am desse âmbito. Não ea só em eaãoa Jeusam que Heidee se mostaa cptico. Ta como já imos, em causaestaam tambm roma, a Ásia Meno, a rússia e a Amica. Heidee enun-ciou a sua osoa num contexto em que o impeiaismo euopeu estaa a seao de uma contestaão poinda de áias diecões. Tendo em considea-ão este contexto eopoítico mais ampo, Bambach cooca em confonto osesfoos de Heidee no sentido de enconta aíes no Ocidente com osde Fant Fanon, psiquiata e ósofo natua da Matinica (Bambach, 2003:177-178). Fanon, que se bateu conta os Aemães na Seunda guea Mundiae, mais tade, conta o impeiaismo fancês na uea da Aia, tinha emmente não apenas a difíci situaão dos Judeus duante o Hoocausto, mastambm a situaão de outas ítimas do ethos impeia e acista euopeu nou-tas pates do mundo, especiamente no mundo coonia. Esta expeiênciahistóica e este seu compometimento poítico eaam Fanon a ama, defoma caamente contastante com Heidee e linas, que

O jogo europeu está denitivamente acabado; é preciso encontrar outra coisa…

 Durante séculos, em nome de uma pretensa aventura espiritual,  [os Euopeus] sufoca‑ram quase toda a humanidade. Vejam‑nos hoje oscilar entre a desintegração atómica e adesintegração espiritual  […]. A Europa adquiriu uma tal velocidade, louca e desordenada,que escapa hoje em dia a todo o condutor e a toda a razão  […]. Foi em nome do espírito, doespírito europeu, bem entendido, que a Europa justicou os seus crimes e legitimou a escra‑vidão em que mantém quatro quintos da humanidade. Sim, o espírito europeu teve raízes

 singulares (Fanon, 1975-1976: 312).

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O comentáio de Bambach em eaão a este passo escaecedo: “ À semelhança de Fanon, Heidegger percebeu que a Europa ‘se precipitava de cabeça para

o abismo’. Contudo, enquanto o antigo colonizado percebeu a necessidade da diferença, Heidegger procurou a saída para a crise da Europa na possibilidade de uma forma de

identidade mais restrita” (Bambach, 2003: 178). Peante uma usupaão quenão excusia do pojecto heideeiano da busca de aíes na Pátia aemã,uma usupaão e um acismo que duante scuos se haiam apesentado aospoos cooniados em áias eiões do obo, Fanon eio popo uma des-ocaão adica da Euopa e espectias aíes. Paa Fanon, a modenidade/niiismo não eam senão uma outa expessão da modenidade/acismo,a i seeaão e a petensão de supeioidade da Euopa sobe todos os

outos poos da Tea (Fanon, 1975). A eopoítica osóca de Fanon eatansessia, descoonia e cosmopoita. Ea sua intenão tae à u o quetinha pemanecido inisíe duante scuos. recamaa a necessidade doeconhecimento da difeena, assim como a necessidade da descooniaãoenquanto equisito absouto paa o adequado econhecimento da difeenahumana e da concetiaão de uma foma de humanismo pós-coonia e pós-euopeu (Fanon 1965, 1988).

O cosmopoitismo descoonia de Fanon assentaa na uta do pooaeino pea descooniaão. O seu cosmopoitismo não sacicou o com-pometimento com a uta oca. Mais do que um cosmopoitismo popia-mente dito, tae se dea caacteia este pojecto como uma tentatiade da expessão a uma consciência descoonia consistente. Paa Fanon, adescooniaão não se esume a acana a ibetaão naciona, antes impicaa ciaão de uma noa odem mateia e simbóica que ea em consideaão oespecto competo da históia humana, incuindo as suas conquistas e facas-sos. é este o ado da históia que nem Heidee nem linas conseuiam– ou quiseam – e. A pocua de aíes euopeias ceou-os paa este tipo deeopoítica descoonia. Ao ins de da pimaia à busca de aíes na Euopaou nouto ado quaque, a consciência descoonia de Fanon petende des-

oca o sujeito, sensibiiando paa uma esposta aos que se encontam api-sionados em posiões de subodinaão. Em e de tenta enconta aíes naterra, Fanon popôs-se da uma esposta esponsáe aos condenados da terra. Aeopoítica descoonia de Fanon ofeece uma atenatia ao acismo osó-co de Heidee e às pespectias imitadas daquees que, à semehana delinas, emboa sejam cíticos em eaão a cetos aspectos deste pojecto,continuam, de auma foma, a se cúmpices dee.

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ceitos tem a e com tempo (o modeno), enquanto o outo fa efeência aoespao (expansionismo e contoo das teas). Di-se-ia que a modenidade

impica a cooniaão do tempo peo euopeu, isto , a ciaão de estádioshistóicos que conduiam ao adento da modenidade em soo euopeu.Todaia, os pópios aos que iam a modenidade à Euopa nos discusosdominantes da modenidade não conseuem deixa de fae efeência àocaiaão eopoítica. O que o conceito de modenidade fa esconde,de foma enenhosa, a impotância que a espaciaidade tem paa a poduãodeste discuso. é po isso que, na maioia das ees, aquees que adoptam odiscuso da modenidade tendem a adopta uma pespectia uniesaistaque eimina a impotância da ocaiaão eopoítica. Paa muitos, a fua ao

eado da cooniaão e da dependência facutada pea modenidade, comose a modenidade enquanto ta não tiesse estado intinsecamente associadaà expeiência coonia.

Os pobemas da modenidade ão am dos excessos da acionaidadeinstumenta. A cua paa ees, se que existe, eside muito paa am da i-tude edentoa de uma iaem comunicatia supostamente intínseca, comoecomenda Jüen Habemas.11 A concepão de modenidade de Habemas,dos seus imites e possibiidades, não tee sucientemente em conta os aosexistentes ente a modenidade euopeia e aquio que J. M. Baut denominamito difusionista do aio. Como escee Baut,

 Esta proposição do vazio reivindica uma série de coisas, cada uma delas sobrepostaàs restantes em camadas sucessivas: (i) Uma região não‑europeia encontra‑se vazia ou pra‑ticamente desabitada de gente (razão pela qual a xação de colonos europeus não implicaqualquer deslocação de povos nativos). (ii) A região não possui uma população xa: os habi‑tantes caracterizam‑se pela mobilidade, pelo nomadismo, pela errância (e, por isso, a xaçãoeuropeia não viola nenhuma soberania política, uma vez que os nómadas não reclamam

 para si o território). (iii) As culturas desta região não possuem um entendimento do que seja a propriedade privada – quer dizer, a região desconhece quaisquer direitos e pretensões

à propriedade (daí os ocupantes coloniais poderem dar terras livremente aos colonos, já queninguém é dono delas). A camada nal, aplicada a todos os do sector externo, corresponde aum vazio de criatividade intelectual e de valores espirituais, por vezes descrito pelos europeus[…] como sendo uma ausência de ‘racionalidade’  (Baut, 1993: 15).

11 reo-me aqui à poposta de Habemas contida em Habemas, 1990, ente outos.

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epistemologias do sul352

O discuso da modenidade não pemitiu aos seus inexíeis seui-does expoa o modo como as concepões impeiais de espao têm sido

eementos de fomaão da expeiência modena. Quais são as eaões ente,po um ado, as tendências instumentaistas e monoóicas da modenidadee, po outo, o mito do aio das teas e do aio de acionaidade dos poosdessas teas? Como se pode comunica com sujeitos que a priori  se suspeitanão seem dotados de aão? A m de aboda estas questões, necessáiointodui um conceito de modenidade que tenha seiamente em conside-aão a eaão que esta mantm com as eaões eopoíticas. Isto o que,em pate, o upo da cooniaidade dos Estados Unidos e da Amica latina

 em tentando fae há já auns anos.

Ta como saientou Wate Minoo (2000), uma das fomas mais eca-es de eita as questões atinentes ao pape da expeiência coonia da mode-nidade tem sido situa o nascimento da ea modena nos nais o scuo

 XvIII. é edade que os estudos pós-cooniais chamaam a atenão paa asquestões da espaciaidade e da cooniaidade. No entanto, na maioia doscasos os inestiadoes dos estudos pós-cooniais acatam a autodenião damodenidade, e em paticua a xaão tempoa do seu início, ente os naisdo scuo XvIII e pincípios do scuo XIX. Assim, emboa sejam capaes deiusta o modo como as aentuas impeiais da gã-Betanha e da Fanano scuo XIX foam constitutias da modenidade ocidenta, acabam popede de ista os padões de mais ono pao da dominaão e expoaãocoonia.12 Po exempo, não possíe compeende os aos existentes entea modenidade e o mito difusionista do aio de que Baut faa, sem te emconta a descobeta e a conquista das Amicas. é po esta aão que Quijanoe Waestein atibuem à ameicanidade um pape centa na expicaão queofeecem da modenidade:

 Nas Américas  […] houve uma tamanha destruição generalizada das populaçõesindígenas, especialmente entre as populações recolectoras, e uma tamanha importação gene‑

ralizada de mão‑de‑obra, que o processo de periferização envolveu não tanto a reconstruçãodas instituições económicas e políticas como a sua construção, praticamente a partir do zeroe um pouco por todo o lado (exceptuando talvez as zonas do México e dos Andes). Por essemotivo, desde o início o modo de resistência cultural às condições opressivas residiu menos

12 Isto apica-se a Edwad Said, gayati Spiak e Homi Bhabha, ente outos. Anaisoauns dos imites da cítica pós-coonia em Madonado-Toes, no peo.

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nas pretensões de historicidade do que na fuga em frente, rumo à ‘modernidade’. As Améri‑cas eram o ‘Novo Mundo’, uma divisa e um fardo assumidos desde os primórdios. Porém, à

medida que os séculos foram passando, o Novo Mundo foi‑se tornando o padrão, o modelode todo o sistema‑mundo (Quijano e Waestein, 1992).

Suscita a questão da eaão ente modenidade e expeiência coo-nia na Amica latina e em outas onas das Amicas, especiamente seta fo feito po sujeitos cpticos eatiamente às pomessas da modeni-aão e às quaidades ‘edentoas’ do Estado-naão, saienta a eeânciado que Quijano e Waestein efeem como sendo o ono scuo XvIna poduão da modenidade. Se, po um ado, ceto que as aentuas

impeiais do scuo XIX intoduiam noas tcnicas de subodinaão ede contoo coonia, efomuando, assim, de uma foma oiina, os aosente a modenidade e a expeiência coonia, po outo ado, a óica queanimou os pojectos impeiais não foi assim tão difeente dos padões queemeiam no contexto da conquista das Amicas. De facto, seia impos-síe compeende esta óica sem hes fae efeência. A consciência dospadões de ono pao de aciaiaão, dominaão e dependência, testadose postos em pática no contexto da conquista das Amicas (mas que obia-mente se não estiniam ao teitóio ameicano) foi o que eou aunsacadmicos da Amica latina e auns acadmicos ‘atinos’ dos EstadosUnidos, incuindo ente enoida em confontos indíenas na Amica doSu, a enta num diáoo cítico com pespectias como as defenddidas poQuijano ou Waestein, que identicam a existência de padões de eaõesde pode de ono pao naquio que iemos a chama modenidade. Se ateoia pós-coonia, po um ado, constituiu um enome contibuto paa acompeensão da modenidade na sua eaão com a expeiência coonia e adesocaão do Estado-naão enquanto unidade de anáise – ideias que aindatêm de se assumidas po inteio a pati da pespectia do sistema-mundo–, po outo ado, ea tambm se aisca a toma como ceta a naatia da

modenidade: eja-se, a este popósito, a sua xaão no secuaismo, a suacítica à tadião, o etato que taa dos impios de Espanha e Potua, eos seus mútipos sujeitos cooniais entendidos como antecedentes insini-cantes da modenidade ocidenta. A ideia aqui que, emboa seja edadeque a ‘gã-Betanha modena foi poduida conjuntamente com a ndiamodena’, impossíe expica cabamente a ‘modenidade’ destas naõessem, de todo, fae efeência a um quado mais asto que tone isíeis asexpeiências dos poos cooniados das Amicas ou de outos ocais, peo

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epistemologias do sul354

menos a pati do scuo XvI.13 Como Syia Wynte insiste em ama, tam-bm especiamente eeante a eaão de Áfica, pimeio, com a Euopa

do Su e, depois, com a Euopa do Note (Wynte, 1995 e 2000; Mudimbe,1988). A eaão da Euopa com Áfica constitutia tanto da pimeia comoda seunda modenidade.

De acodo com Wynte e com estudiosos como Aníba Quijano, o queemee no scuo XvI uma noa maneia de cassica os poos de todoo mundo.14  Quando os mappae‑mundi   medieais passam a Orbis UniversalisChristianus, ocoe uma sinicatia mudana na concepão dos poos e doespao. À medida que iam sendo desenhados os mapas, descitos os poos eestabeecidas as eaões ente conquistadoes e conquistados, foi emeindo

um noo modeo de pode. Seundo Quijano,

 Dois processos históricos associados na produção daquele espaço/tempo convergirame estabeleceram os dois eixos fundamentais do novo modelo de poder. Um consistiu em codi‑

 car, na ideia de ‘raça’, as diferenças entre conquistadores e conquistados, uma estruturabiológica supostamente diferente que colocava uns numa situação de natural inferioridadeem relação aos outros… O outro processo foi a constituição de uma nova estrutura de con‑trolo do trabalho, dos seus recursos e produtos. Esta nova estrutura traduzia todas as estru‑turas historicamente já conhecidas de controlo do trabalho, da escravatura, da servidão, da

 pequena produção independente de mercadorias e da reciprocidade, em torno e em função docapital e do mercado mundial  (Quijano, 2000: 532-533).

O noo padão de dominaão e expoaão enoia uma aticuaãoente aa e capitaismo na ciaão e cescente expansão da ota comeciaatântica. Quijano efeiu-se a esta compexa mati de pode como coonia-idade do pode. ‘Cooniaidade do pode’ um modeo de pode especi-

13

 As efeências à gã-Betanha e à ndia modenas apaecem em an de vee (2001: 7).14 Se as concepões de Wynte espeitantes à modenidade, à aa e ao pode poêmda tadião de W. E. B. Du Bois e Fant Fanon, a teoiaão que Quijano fa destes concei-tos emonta à teoia da dependência da Amica latina e à oba de Jos Caos Maiáteui.

 Wynte e Quijano são ‘heees’ do pós-estutuaismo e do maxismo, espectiamente.é extemamente necessáio que exista um maio diáoo ente estas ‘heticas’ tadiõescíticas. Uso o conceito de heesia na acepão desenoida po Anthony Boues em Black

 Heretics (Boues, 2003). Quanto às obas de Quijano e Wynte, e em especia Quijano,2000, e Wynte, 1995. Paa mais efeências sobe a emeência da ideia de aa no scuo

 XvI, eja-se Minoo, 2003b.

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camente modeno que inteia a fomaão acia, o contoo do tabaho,o Estado e a poduão de conhecimento (Quijano, 2001). No entanto, este

caácte constitutio da expeiência coonia e da cooniaidade pedem-senas expicaões de modenidade que despeam a impotância que as ea-ões espaciais tieam paa a emeência do mundo modeno. Paa abodaesta situaão, Minoo intodu o conceito de mundo coonia/modeno.Conceitos como o de renascimento e peíodo p-modeno tendem a apaao sinicado da espaciaidade e da cooniaidade. Paa Minoo,

 A expressão colonil/moerno tem, relativamente a períoo pré‑moerno, a van‑tagem de introduzir uma noção espacial que este último não possui. Períoo pré‑moerno 

 pressupõe uma narrativa linear e ascendente que vem em desde a Antiguidade, atravessaa Idade Média, a era pré‑moderna, a moderna e a contemporânea. Em termos de espaço,uma macronarrativa deste tipo é delimitada pelo território que abarca desde a parte leste enorte do Mediterrâneo até ao Atlântico Norte, e pressupõe o Ocidente como moldura global.

 Em contraste com isto, a expressão muno colonil/moerno convoca todo o planeta, namedida em que contempla, em simultâneo, o aparecimento e expansão do circuito comercialatlântico, a sua transformação com a Revolução Industrial, e a sua expansão para as Amé‑ricas, Ásia e África. Além disso, muno colonil/moerno abre a possibilidade de contarhistórias não só a partir da perspectiva do ‘moderno’ e da sua expansão para o exterior, mastambém a partir da perspectiva do ‘colonial’ e da sua permanente posição subalterna (Mi-noo, 2002: 452; subinhados no oiina).

 A ‘cooniaidade do pode’ chama a atenão paa a questão da espacia-idade e exie um conceito do modeno que eicta o pape constitutio dacooniaidade na ideia do modeno. Como ama Minoo, num contextodifeente, “[a] colonialidade do poder abre uma porta analítica e crítica que revela olado mais escuro da modernidade e o facto de nunca ter existido, nem poder vir a existir,modernidade sem colonialidade” (Minoo, 2003a: 633).

Foi com base nestas eexões sobe a modenidade, a cooniaidade e o

mundo modeno/coonia que suiu o conceito de cooniaidade do Se. Aeaão ente pode e conhecimento conduiu ao conceito de se. E se, então,existia uma cooniaidade do pode e uma cooniaidade do conhecimento(colonialidad del saber ), pôs-se a questão do que seia a cooniaidade do se.15 Minoo expessou de foma sucinta a eaão ente estes temos ao escee:

15 Paa apofunda a noão de cooniaidade do sabe, eja-se lande, 1993.

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epistemologias do sul356

 A ‘ciência’ (conhecimento e sabedoria) não pode ser separada da linguagem; as lín‑ guas não são apenas fenómenos ‘culturais’ em que as pessoas encontram a sua ‘identidade’;

elas também são o lugar onde se inscreve o conhecimento. E, dado que as línguas não são algoque os seres humanos têm, mas algo de que os seres humanos são, a colonialidade do podere a colonialidade do conhecimento engendraram a colonialidade do ser   [colonili el

ser ] (Minoo, 2003a: 633).

Ta como Heidee, Minoo eaciona se e inuaem. Mas ao con-táio de Heidee, que oicou uma ínua especíca e adoptou umafoma fote de acismo epistmico, Minoo indica o locus da cooniaidadedo se como o ser‑colonizado  que foma o ado mais escuo das eexões de

Heidee. Este ser‑colonizado emee quando pode e pensamento se tonammecanismos de excusão, ta como já haiam sido as popostas de Heidee.é edade que o ser‑colonizado  não esuta do tabaho de um deteminadoauto ou ósofo, mas antes o poduto da modenidade/ cooniaidade nasua íntima eaão com a cooniaidade do pode, com a cooniaidade dosabe e com a pópia cooniaidade do se.

Na esteia de Fanon, o ser‑colonizado podia se tambm efeido comodamné  – ou o condenado – da tea. Os damnés são aquees que se encontamnas teas emas dos impios, assim como em países e meacidades tans-fomados, ees pópios, em pequenos impios – como sejam as ‘faeas’ dorio de Janeio, a ‘ia misia’ de Buenos Aies, os sem abio e as comuni-dades macadas pea pobea extema no Bonx, em Noa Ioque. Estes sãoos teitóios e as cidades que, quase sempe, são simpesmente inoadosnas diatibes osócas sobe o ua do sabe. vimos isto na secão anteio.Heidee piieiaa Atenas e a Foesta Nea. linas questionou esteemanocentismo situando a edadeia osoa (a ‘sabedoia do amo’)em Atenas e Jeusam. O contaste ente Heidee e linas esume-se,at ceto ponto, ao seuinte: enquanto Heidee se atomentaa com ajudaiaão da Euopa, linas iu na osoa uma opotunidade de com-

bate o anti-semitismo epistmico e, assim, eitima a pesena dos Judeusna Euopa e os seus contibutos epistmicos paa a ciiiaão ocidenta. Opobema do pojecto de linas que, no pocesso de edenão da tadiãohebaica enquanto raiz  sinicatia do Ocidente – sendo Atenas e Jeusamas duas mais impotantes fontes do pensamento ocidenta –, linas esquece ou põe de pate a eeância da expeiência coonia nas eexões sobe o see a modenidade. Po esse motio, não foi capa de tata a questão da facetacoonia do Se.

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O esquecimento da cooniaidade nas eexões sobe o Se não excusio da tadião fenomenoóica. Encontamo-o, como já suei antes,

em muitos outas expicaões da modenidade que tendem a intepeta adiactica do Iuminismo apenas e só em temos de aão instumenta ou daemeência de eimes totaitáios. Estas intepetaões podem ea a umacítica dos excessos do Se como ao que , de um modo ea, ioento ouat mesmo enocida, mas não cooniado. Um passo de uma oba de Anto-nio Nei ecentemente pubicada em fancês e espanho mosta caamenteo que queo die com isto:

O livro de Job é não apenas um protesto contra a sedução da razão, mas também a

descoberta fenomenológica e a sugestão metafísica do desastre a que a coerência da razão ins‑trumental conduz. A tragédia atinge o Ser e a dor penetra‑o profundamente. O que não pode

 ser medido não pode ser nomeado. A razão ca louca e confusa se tentamos dar‑lhe nome. Atragédia não pode ser vivida e muito menos manipulada ou dominada. A tragédia dominatodas as perspectivas e bloqueia todos os meios de fuga possíveis. A tragédia derruba qualquermeio de salvação possível. É isto que acontece a Job. O obstáculo com que se confronta repete‑

 se incessantemente na história: como acreditar na razão depois de Auschwitz ou Hiroxima?Como continuar a ser comunista depois de Estaline?  (Nei, 2003: 33).

Em consonância com um tema que, com o tabaho da Escoa de Fank-fut, se tonou moeda coente, Nei expica a tadia da modenidade àu da extema coeência da acionaidade instumenta. Ta como indicamas efeências que fa a Auschwit, Hioxima e Estaine no na da citaão,está caamente pesente uma eopoítica no seu texto. A tadia a queNei se efee constitui (paa um euopeu) o facasso mais eidente de têspojectos da modenidade: o fascismo (Auschwit), o ibeaismo (o bom-badeamento de Hioxima peos EUA) e o comunismo (Estaine na UniãoSoitica). Aqui, a Aemanha, os EUA e a União Soitica suem, não comoloci  de saaão ou como ameaas, a exempo do que sucede em Heidee,

mas como uaes eopoíticos de cise. Nei comeou a escee o seu iosobe Job em 1982-83, quando já estaa na pisão e não he estaa mais doque tenta confoma-se com a deota. Da mesma foma que Heidee semantee aiceado na Aemanha apofundando os pontos de contacto enteo Aemão e o geo, Nei, em tempos de cise, tambm cutia as suas aíesocidentais, mas atas de uma eexão sobe as fontes judaico-cistãs, nestecaso, o lio de Job. De ceta foma, o essencia, paa estes pensadoes, mante ia a modenidade ocidenta. Esta foma de poítica heemónica de

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identidade não seia tão pobemática se não patisse do pincípio de que acítica da aão instumenta suciente paa expica a óica da coonia-

idade. Em ande pate do pensamento cítico existe uma tendência paaeconhece a pesena deste apenas quando usa os temos de debate esu-tantes da consideaão de cetas coodenadas, que, po ea, se situam emespaos cuciais paa a poduão de ideooias modenas e pós-modenas.Na eopoítica de Nei quase não existe uma eexão sia sobe a condi-ão do acismo ou do sexismo que isíe na eaão do Ocidente com assuas coónias. As tadias causadas po scuos de incusões, enocídios, desubmissão e de seeaão da maio pate do paneta paecem passa despe-cebidas no quado que este auto taa do ma. é como se se quedassem po

um pape secundáio à u das manifestaões mais abetamente macas(paa um euopeu) das ideooias modenas. Contaiamente a esta atitude,Fanon tentou debua-se sobe as fomas do ma ta como se apesentamem Auschwit e na Aia, em Hioxima e nas Caaíbas Fancesas, na UniãoSoitica e onde que que as idas de auns sees humanos se hajam au-ado dispensáeis aos ohos de outos. visto desta pespectia, o ma não apa-ece como um acontecimento que em petuba as tanquias áuas do Se,mas sim como um sintoma do pópio Se. À semehana de linas, Fanoninsinuou que o pópio Se pode conte em si um ado mau e que o pópioma pode se poduto do excesso do Se.16 Fanon estabeeceu esta conexãopestando atenão aos pocessos duadouos (cooniaidade) que faem ascomunidades cooniadas sentiem-se encuaadas num mundo em que, às

 ees, at Deus paece se um inimio (Jones, 1998).linas popôs a ideia do ado mau do Se, mas não o eacionou com

a cooniaidade.

Qual a estrutura desse ser puro? Será a universalidade que Aristóteles lhe confere?Será o contexto e o limie  das nossas preocupações como pretendem certos lósofos moder‑nos? Não será, pelo contrário, senão a marca de uma certa civilização instalada no facto con‑

 sumado do ser e incapaz de dele sair (escapar, evadir‑se) [ en sorir  ]?  (linas, 2001: 64).

Paa linas, a doena da ciiiaão ocidenta pode se eacionadacom um ta inestimento no Se que o Ocidente se iu apisionado po ee.

16 Desenoi o tema dos imites e do excesso do Se em eaão ao ma no posfácioda minha tese de doutoamento (Madonado-Toes, 2001).

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é bastante cuioso constata que esta noão de apisionamento num domí-nio iimitado tambm apaece numa das obas mais ecentes e inuentes

de Nei. Compae-se a concepão do pobema do Se de linas com aconcepão que Michae Hadt e Antonio Nei têm de impio, na oba domesmo títuo. Um impio

caracteriza‑se fundamentalmente pela ausência de fronteiras: o governo do Império não em

limies . Sobretudo, o conceito de império estabelece como princípio um regime que englobaefectivamente a totalidade do espaço ou que governa o mundo ‘civilizado’ no seu conjunto.

 Nenhuma fronteira territorial circunscreve o seu reino (Hadt e Nei, 2004: 14).

De ceto modo, o Impio dá uma expessão consistente à desciãoque linas dá do Se. Se e Impio estão intimamente iados na medidaem que, mais do que se imitados, são imitadoes. Ees dão expessão onto-óica e eopoítica aos impeatios da expansão, do pode e do contoo.

Distinta da tematiaão inicia do Se po Heidee, a associaão enteontooia e fomaões impeiais põe em destaque a eeância do espaopaa a ontooia. Contudo, o iimitado espao do Se dicimente admitedifeenciaões cooniais, o que tona impossíe justica o caácte seectioda ioência impeia/ontoóica no mundo modeno e pós-modeno. Esta uma das dicudades da concepão de Impio poposta po Hadt e Nei.Um dos taos caacteísticos da poposta destes dois autoes o facto de oImpio se, de aum modo, um não‑lugar . Seundo ees,

este espaço estriado da modernidade construiu lugres  continuamente implicados e funda‑dos num jogo dialéctico com os respectivos lados de fora. O espaço da soberania imperial,

 pelo contrário, é liso e sem estrias. Dir‑se‑ia livre das divisões binárias e da estriação das fronteiras modernas, mas é, na realidade, cruzado por tantas linhas de fractura que acaba por ter o aspecto de um espaço contínuo e uniforme. Neste sentido, a crise da modernidade,

claramente denida, cede lugar a uma omnicrise do mundo imperial. Neste espaço liso

do Império não há um lugr   do poder, que está ao mesmo tempo em toda a parte e emnenhuma. O império é uma ou‑opi, ou seja, na verdade, um não‑lugr  (Hadt e Nei,2004: 215).

Se juntamos linas a esta concepão de Impio, podeá paece queo Se cumpe o seu destino impeia na fomaão do não‑lugar que o Imp-io. Mas aqui, uma e mais, a concepão de se que sue nas obas de pen-sadoes enraizados no Ocidente diee daquea que emee com pensadoes

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epistemologias do sul360

que têm sobetudo consideaão o modo como difeentes sujeitos, com dife-entes históias e memóias, ienciam a modenidade e como espondem

aos eados esta no mundo contempoâneo. Teoiando na tadião de W. E.B. Du Bois, no na do scuo que este auto consideaa se aquee que iiaconfonta-se dasticamente com o pobema da inha diisóia da co, Syia

 Wynte aumenta que essa diisóia não um pobema apenas do scuo XX, mas da pópia modenidade, o que incui as suas expessões obais maisecentes. Wynte di que

 Em lado nenhum mais vincadas [hoje] do que na situação ainda subordinada e de pobreza generalizada dos descendentes dos idólatras/ Outros Humanos, sejam eles indígenas

ou de descendência ex‑escrava africana ou afro‑mestiça, estas desigualdades expressam‑sevivamente na ilógica do actual rácio de 20/80 da distribuição global dos recursos mundiais.

 Este rácio, como Du Bois também anteviu, teve e tem uma correlação causal com a questãoda linha divisória da cor enquanto problema maior do século XX   (Wynte, 1995: 40).

Hadt e Nei, ao contáio de Wynte, imitam a anáise de Du Bois aoscuo XX e defendem que “[o acismo impeia], pelo contrário, tendo talvez porhorizonte o século XXI, assenta no jogo das diferenças e na gestão das microconitualida‑des dentro de um domínio em expansão permanente” (Hadt e Nei, 2004: 220). Aquestão óbia, aqui, eside em sabe se a cescente desiuadade dos ecusosmundiais, uma desiuadade que paece seui, a áios títuos, um hoiontede sinicaão paticuamente modeno no que di espeito a quem humano e a quem não o totamente, podeá se expicada po esta ênfase no‘joo de difeenas’ e na ‘estão das micoconituaidades’.

Seuindo o exempo de Du Bois e de Wynte, ostaia de suei que,na pespectia dos upos da modenidade eiteadamente aciaiados,sobetudo de poos indíenas e pessoas de descendência ex-escaa aficanaou afo-mestia, mas tambm de judeus e muumanos, um conceito deSe assente na pemissa daquio a que nomamente se chama diactica da

modenidade e da naão, bem como a sua suposta supeaão atas do eme-i da sobeania impeia ou Impio, passa ao ado do caácte não diacticoda condenaão. Ou seja, e esumindo, aquio que paa muitos são mudanas,paa aquees a quem Fant Fanon chamou os condenados da terra mais paecese a eencenaão peesa de uma óica que duante muito tempo funcio-nou conta ees. O espao, paa ees, nunca se tona iso, e o peconceito paacom ees não pode se compeendido atas do ‘joo de difeenas’ nem da‘estão das micoconituaidades’. Emboa eee impotantes dinâmicas na

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estutua da sobeania do mundo pós-modeno, o não-espao do Impiotambm pode sei um popósito ideoóico, na medida em que esconde da

 ista a cooniaidade ou a modena óica da condenaão. A cooniaidade fa efeência à aa e, consequentemente, ao espao e

à expeiência. Os espaos pós-modenos podem se denidos de uma fomapós-coonia, isto , paa am das estiões da eaão ente impio e coó-nias, mas isso não sinica que, que a aa, que a cooniaidade se tenham

 isto o seu pode eduido. Sendo edade que, at ceto ponto, podeia exis-ti um Impio sem coónias, não existe Impio sem aa ou cooniaidade. OImpio (se que existe) opea dento da óica oba ou da maca d’áua daaa e cooniaidade. é po isso que os muos e as fonteias do Ocidente con-

tinuam a efoa-se, com tanta faciidade, em tantos ocais-chae do mundomodeno; tambm po isso que os EUA são capaes de se efei expicita-mente a auns países como sendo maoos e que, po exempo, assistimosactuamente, em países como a Fana, a uma caa às buxas que peseuemuumanos cíticos da noa dieita.17 Passaei a desenoe auns dessesaspectos antes da concusão do pesente atio. O que queo deixa caoaqui que esta concepão de espao conida à eexão não apenas sobe oSe, mas, mais concetamente, sobe a sua faceta coonia, aquea que fa comque auns sees humanos sintam que o mundo uma espcie de infeno doqua não possíe escapa.

 A cooniaidade do Se suee que o Se, de ceta maneia, contaiaa nossa pópia existência. linas, um indiíduo aciaiado e peseuido,tee a pecepão desta eaidade. O Se não ea ao que he abisse o einoda sinicaão, mas ao que paecia toná-o ao da aniquiaão. é estaexpeiência acia que, em pate, expica como aquio que paa Nietsche,ho de um pasto potestante aemão, assumia a expessão de uma misti-caão asctica, paa linas, judeu da lituânia, se aua caamente comomadade e ioência. Ee iencia um aspecto difeente das modaidadesocidentais de se. Pom, emboa linas comece a afasta-se adicamente

das concepões euopeias do Se, o seu compometimento com o Ocidente

17 O caso de Taiq ramadan impotante aqui. veja-se, ente outos, atios eean-tes em Le Monde (23 de Deembo de 2003) e E. Scioino, ‘A Musim Schoa raises Hackesin Fance’, New York Times, 16 de Noembo de 2003. Ente as obas de ramadan, eja-seramadan, 1999 e 2004. Ente os seus cíticos, contam-se ‘noueaux phiosophes’ comoBenad-Heni ly, que, em asta medida, epoduem auns dos aspectos mais pobe-máticos do pojecto de outos pensadoes fanceses judaicos, como o caso de linas.

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epistemologias do sul362

enquanto pojecto de ciiiaão e fomaão epistmica impede-o, em útimaanáise, de expessa uma isão do se que expique a óica da condenaão. é

po isso que a sua isão do Se paece desaba tão facimente, dando ua auma concepão como a de Hadt e Nei.

Os imites da expicaão de Se de linas êm ao de cima, se ea focompaada com a de uas que tambm espondeam citicamente aos ide-ais ocidentais a pati da pespectia de subjectiidades aciaiadas. Na suaoba cássica Is God a White Racist?  (Será Deus um branco racista? ), Wiiam Jonesdefende que o sofimento do poo neo eitima que se intodua a questãodo acismo diino. Ou seja, ta enomidade, que seja não-catastóca, queseja natua, e, acima de tudo, a deciente distibuião do sofimento deeia,

po si só, ea-nos a peunta se Deus, ee pópio – ou ea pópia – nãoseá um(a) Banco(a) racista (Jones, 1998). A sensaão de esta encuaadonum paadima de ioência que já dua há scuos e a expeiência de e omodo como as mudanas paa todos estão one de se tadui em mudanaspaa a pessoa indiidua e paa a sua comunidade conduem, natuamente,à questão de sabe se o se intinsecamente cooniado ou se Deus acista. é cao que existe uma impotante difeena ente uma e outa coisa.Emboa Deus seja capa de, aas à sua capacidade de aência e autonomia,seecciona o objecto do seu diino peconceito, não ca cao como que a

 ioência do Se enquanto ta se pode aponta paa um deteminado upo oupopuaão. Em suma, emboa a ioência ontoóica possa da oiem a umImpio, que die, a uma foma tansnaciona e impessoa de sobeania, nãose tona cao como se enconta iada ao cooniaismo e ao acismo. O quenão encontamos aqui uma expanaão do caácte pefeencia da ioên-cia; pois quando o Se opessio, não o iuamente paa todos. Podeemos,potanto, faa de uma ioência ontoóica eneaiada, mas não, necessa-iamente, de uma cooniaidade do Se.

 A cooniaidade do Se teá de se efei não apenas a um acontecimentode ioência oiináio, mas tambm ao desenoa da históia modena em

temos de uma óica da cooniaidade.18  Poponho que, paa concetiaisto, teemos de seui Heidee, eacionando o Se com a histoicidade ea tadião – um moimento que sustenta uma ande pate da hemenêuticade gadame. A difeena em eaão a Heidee e gadame seia que, em eda histoicidade e tadião, o que meho expicaia o desenoa do Se e a

18 Deo a Wate Minoo o conceito de óica da cooniaidade.

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cooniaidade do Se seia a difeena coonia e a óica da cooniaidade. Pooutas paaas, consideo que o Se epesenta, paa a históia e a tadião, o

mesmo que a cooniaidade do Se epesenta paa a cooniaidade do podee paa a difeena coonia. A cooniaidade do Se efee-se ao pocesso peoqua o senso comum e a tadião são macados po dinâmicas de pode decaácte pefeencia: disciminam pessoas e tomam po ao deteminadascomunidades. O caácte pefeencia da ioência pode tadui-se na coonia-idade do pode, que ia o acismo, a expoaão capitaista, o contoo sobe osexo e o monopóio do sabe, eacionando-os com a históia coonia modena(Quijano, 2000). O que poponho, enm, o seuinte: paa deni e deseaa cooniaidade do se podeemos seui o tajecto de Heidee e gadame,

mas apenas – como fe tambm, em pate, linas – tansedindo as suasfonteias e as suas pespectias euocentadas. Teemos de intodui ideiasnascidas da expeiência da cooniaão e da peseuião de difeentes subjec-tiidades. A cooniaidade do Se podeá i a se uma foma possíe de teoiaas aíes essenciais das patooias do pode impeia e da pesistência da coo-niaidade. Ea pemitiá estabeece eaões ente Se, espao e históia, que seencontam ausentes das expicaões heideeianas e que tambm se pedeãose se associa o Se ao Impio. Am disso, a cooniaidade do Se intoduiáa questão do ser‑colonizado ou do condenado, o qua se peaá como uma ate-natia não só ao Dasein de Heidee, como tambm ao modeno conceito de‘poo’ e ao conceito de ‘mutidão’ de Hadt e Nei.19 Apesa de não me sepossíe apofunda aqui estas ideias, minha intenão descobi po que aãolinas, que fe uma eexão cítica sobe a ontooia com tanta oiinaidadee sosticaão, não pecoeu o caminho que acabo de menciona.20 Isto, po sua

 e, ea-me-á a expoa a questão das conexões ente a busca de aíes tnicas(em Atenas) e a busca de aíes eiiosas (em Jeusam).

3. Entre Nova Iorque e bagdad, ou a Cegueira Perante a Condenaão:Cristianismo, Judaísmo e a Renovada busca das Raíes

gostaia de inicia esta secão com a questão do poquê de linas não sentique tiesse de expica o caácte compexo, mas seectio da ioência, tão

19 Hadt e Nei desenoem a compaaão ente as ideias de ‘poo’ e ‘mutidão’ emHadt e Nei, 2003.

20 Desenoo estas ideias em ‘On the Cooniaity of Bein’, uma paesta indita quepofei no Cento paa os Estudos gobais nas Humanidades, na Uniesidade de Duke, a5 de Noembo de 2003.

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epistemologias do sul364

 isíe no cooniaismo. Peo menos de uma ceta foma, a esposta a estapeunta di-nos que, não obstante linas te fotes suspeitas em eaão à

bondade euopeia, especiamente quando esta assentaa excusiamente emtemos de inspiaão ibea, não he inteessaam os eados dos impioseuopeus ibeais e não-ibeais nem dees tinha seque consciência, e muitomenos ainda da óica da condenaão que subja à modenidade. Ao passaem eista muitos dos seus escitos, tona-se cao que a cítica que linasdiie à ontooia se baseia mais na sua expeiência enquanto judeu euopeue no seu inteesse em edimi o ao epistmico do judaísmo, do que nasconexões ente a sua posião e a dos poos cooniados inteessados em po-jectos de descooniaão e na fomuaão de cosmopoitismos descooniais.

Ou seja, o pojecto inteectua de linas está fotemente cicunscito peointeesse em mosta a petinência das fontes judaicas paa o pensamentoocidenta e em apesenta poas das aíes ontoóicos do anti-semitismo.linas fa isto muito bem. Pom, quando se tata de demonsta como aciiiaão ocidenta usa de paciaidade conta os áios outos cooniados,linas etoque simpesmente defendendo a ideia de que esses outos são

 ítima do mesmo anti-semitismo, do mesmo ódio peo Outo homem.21 Paalinas, o Judeu denota que a possibiidade de tansfomaão epistmica,que essa cateoia mais eneaiada que a opessão. Todos os cooniadossão, no seu sofimento e mainaiaão, judeus. Sendo assim, po que aãoa sociedade ocidenta peseue os judeus? A peseuião enconta-se iadaà eiião e à possibiidade de tansfomaão epistmica. O que o Judeu emintodui de noo na cutua ocidenta aquio que, paa linas, o tonaúnico enquanto judeu, isto , uma tica de esponsabiidade supema paacom os outos sees humanos. O Judeu foi eeito po Deus paa sei osoutos e paa, assim, hes emba a esponsabiidade dee paa com os outos(linas, 1990). Paa linas, o pobema da ciiiaão ocidenta não esideno esquecimento do Se, mas sim na peseuião aos Judeus. Peseuiãoque natua num contexto em que as exiências de peseaão e consea-

ão ofuscam as exiências da tica e da esponsabiidade adica paa com oouto, ou peo menos esse o entendimento de linas.

Concuindo, potanto, um facto que linas aboda a questão daseectiidade da dominaão, mas a expicaão que ofeece seiamente imi-tada pea sua isão osóca e eiiosa, bem como pea sua peocupaão mais

21 ve dedicatóia em linas, 1998.

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ou menos excusia com a identidade dos Judeus, em especia os Judeus euo-peus e os de Isae.22  Infeimente, a iaão tnica e o compometimento

eiioso tomam o ua da anáise históico-socia ioosa. Há um andeinestimento na ideia do Ocidente que cea linas paa as áias fomas deopessão, paa as expeiências de cai coonia, paa os eados impeiais,paa os ocais de conito e paa a mudana epistmica. é edade que taceueia não excusia de linas. Em minha opinião, há que entendê-a,antes de mais, como um tao constitutio da modenidade e da pós-mode-nidade enquanto ta. Po este motio, não supeende e uma óica seme-hante noutos textos sobe os quais já me detie, como sejam Job de Nei e

 Império de Hadt e Nei.

 A pocua de espostas po pate de Nei, no lio de Job, e a sua pati-cua intepetaão do texto, tambm mostam como um compometimentocom o Ocidente, neste caso atas do cistianismo ocidenta, pode cea uminteectua no que di espeito à óica da cooniaidade. Na intoduão de

 Job, Nei escee:

Uma vez que nós érmos  como Job, que lutou contra os poderes que escravizam edominam o mundo e contra a miséria que os mais fortes e cruéis criam, houve a necessidadede insistir numa relação corpo a corpo, semelhante àquela que Job tinha com Deus.

 Deste ponto de vista, é fácil compreender a importância da crença dos padres cristãosda antiguidade, que viam em Job uma preguração de Cristo: tal como nós , ele atravessouo deserto para que pudesse alcançar um nível de  vida mais elevado, uma redenção absoluta‑mente materialista, que corresponde à felicidade de revolucionar o mundo (Nei, 2003:20; subinhados meus).

O que este exceto tem de pecuia a foma como Nei fa substitui,com um ao ‘nós’, sujeitos que se encontam em posiões inescapáeis desofimento semehantes à de Job. Este esto contasta fotemente com outaseituas de Job que êem nas espostas dadas po este a Deus uma descobeta

da inocência do sofimento dos outos e um compometimento com a con-dião pecáia daquees que paecem se condenados po uma situaão quenem ciaam nem pediam (gutie, 1987; Nemo e linas, 1998). No

22  Encontam-se atenatias a estas tendências excusiistas nos pojectos espei-tantes a indiiduaidades judaicas poenientes das Caaíbas, Amica latina e EUA, como

 Jane Anna godon, lewis godon e Santiao Sabodsky.

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debate cítico em que se enoeu com Hadt e Nei, Timothy Benan tam-bm chamou a atenão paa a estanhea e a pecuiaidade da substituião

deste ao ‘nós’ de uma ceta esqueda euopeia, po sujeitos em mútipasposiões de subodinaão:

Cada vez que os novos italianos falam de trabalhadores, vêem uma imagem de si pró‑ prios, ainda que essa imagem, necessariamente, se esbata em constructos que vão para além

dos mexicanos à jorna, dos moços da entrega de comida rápida, das secretárias, domésticase mecânicos de automóveis. Esse tipo de especicidade mancha a aura da ‘multidão’ – umtermo com laivos do Novo Testamento, que os autores adoptam para escapar ao telos culposoda classe operária. Mas o termo mulião  trai uma teleologia inversa, por assim dizer,

uma etiologia que é religiosa na forma: a designada ‘ muliue elium’  (429). Apesarde quase ter passado despercebida, há que, neste contexto, mencionar a formação política eintelectual de Negri no radicalismo católico da década de 50 do século XX italiano. A maior

 parte dos autores de recensões críticas tem tido muito pouco a dizer acerca da inspiraçãoinicial de Negri no radicalismo católico – a qual não deixa de ter uma certa relação coma harmonia universal das suas concepções mais recentes  (Bennan, 2003: 364-365).

Ta como em linas, existe na oba de Hadt e Nei uma ‘teooia eada’ que toma o ua de uma cuidadosa eucidaão das aiedades deutas e condiões existenciais de sujeitos com difeentes eados impeiais,difeentes cosmooias e difeentes aspiaões à tansfomaão do eo e domundo. O caso de linas o mais inteessante, pois, emboa desae os cons-tanimentos do cânone osóco ocidenta e eactie, com isso, as iões doTamude e da Bíbia hebaica de uma foma cítica, mesmo assim acaba ponão chea a obsea a cooniaidade do sabe em funcionamento. Potanto,não chea a associa, de uma foma sinicatia, a sua uta à de outos sujeitosaciaiados da modenidade. Tata-se de sujeitos cujos copos e contibutosepistmicos caam macados, como linas, peo ma do acismo. Os estu-diosos que se especiaiam em linas nomamente centam-se nos seus

contibutos paa a iaem inuística, endo-o em diáoo com Heidee,Deida e outas uas da osoa continenta. Ao abodaem o tabahode linas apenas no que di espeito à eneaoia e discipina da osoaocidenta, tendem a deixa as questões da espaciaidade e da cooniaidadetotamente de foa das suas eexões. Tendem, assim, a epeti o mesmotipo de pobemas que encontamos na oba de linas. A espaciaidade, acooniaidade e a uta pea diesidade epistmica tambm são deixadas deado na conceptuaiaão que Hadt e Nei faem do Impio e na fomaão

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da ‘mutidão’. As expicaões como as de linas e as de Hadt e Nei sãoincapaes de econhece o impeatio da puiesaidade tica e epistmica

no mundo. Um dos motios paa que assim seja que as metanaatias dojudaísmo e do cistianismo são fotemente piieiadas nos escitos destesautoes. Enquanto linas identica o acismo com o anti-semitismo, Hadte Nei (na edade, muito mais Nei do que Hadt) conseuem apenas eS. Fancisco de Assis como o exempo mais adequado de um miitante comu-nista (Hadt e Nei, 2004: 413). De auma foma, Hadt e Nei queemfae justia a roma (numa esão [catóica] omana da utopia comunista),enquanto outos insistiam na Foesta Nea e outos ainda em Atenas e

 Jeusam.

 vota a fae entonca a espeana comunista no cistianismo euopeutonou-se muito impotante paa a esqueda euopeia após a queda da UniãoSoitica. Peante a incapacidade de enconta um a na União Soitica ouno patido comunista tadiciona, não se peaam muitas opões paa man-te io o pojecto comunista. Houe, po isso, a necessidade de econciiaa esqueda maxista euopeia com a Euopa e com o cistianismo ocidenta.Quando essa necessidade se tonou instante, a pópia ideia de Euopapassaa a se contestada po estudiosos que, etomando a isão de Fanonsobe as aíes da Euopa, se otaam paa uma cítica seea do pojectoda ciiiaão euopeia. Como aum que, desespeado, andasse em buscadas suas aíes, a esqueda tem mostado tendência paa se tona cada emais eaccionáia, a ponto de adopta a otodoxia como diisa da cítica.23 Omaxista acaniano Saoj Žižeck epesenta a mais ata expessão da anústiadas aíes que caacteiou o pojecto esquedista na Euopa e tambm nosEUA.24  A sua busca de aíes não totamente difeente da de Heidee.

 À semehana deste, na oba de Žižeck está pesente uma cítica extema àmodenidade ocidenta e, simutaneamente, uma iua tentatia de saa

23 veja-se o capítuo The ‘Thrilling Romance of Orthodoxy’  (pp. 34-57) de Žižek, 2003.Os pontos de ista de Žižeck sobe a otodoxia estão eacionados com as suas conesascom John Mibank e outos pensadoes do pojecto da otodoxia adica. Paa uma isãoea do pojecto da otodoxia adica, eja-se Mibank et al., 1999.

24 Nos EUA foi mais o patiotismo do que, popiamente, o cistianismo que seiude aicece aos ibeaistas památicos de tendência esquediante, como richad roty eCone West. ve nomeadamente roty, 1998, e West, 1989. Fao uma anáise cítica destastendências em Madonado-Toes, ‘Towad a Citique of Continenta reason’, in Compa‑nion to African‑American Studies. Cambide, MA: Backwe (no peo).

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o Ocidente. A difeena eside no facto de Heidee se te otado paa ofascismo e o emanocentismo, enquanto Žižeck ecupea o maxismo, o

euocentismo e uma esão otodoxa do cistianismo ocidenta (Žižeck,2000, 1998). Esta difeena, contudo, só efoa a maio anidade ente Hei-dee e Žižeck, e que o seu acismo epistmico. Isto poque, se Heideenão conseuia pensa uma osoa enuína foa da ínua aemã, Žižeck nãoconseue considea o adicaismo poítico foa da díade maxista-cistão.Como o pópio ama em The Puppet and the Dwarf  ,

O que aqui defendo não é só que sou um materialista por inteiro e que o cerne subver‑ sivo do cristianismo também se encontra acessível a uma abordagem materialista; a minha

tese é muito mais forte: este cerne só é acessível a uma abordagem materialista – e vice‑versa: para se ser um verdadeiro materialista dialéctico, deve‑se passar pela experiência cristã .25

O conseadoismo de Žižeck adica e, po isso, desaa a compa-cência tanto de conseadoes como de não-conseadoes. O adicaismo,pom, não esconde a dimensão do acismo epistmico, ta como as suesti-

 as anáises do pobema da tecnooia e do niiismo po pate de Heideenão a escondiam. Este acismo eidente no passo acima tanscito. Uma eque, na oba de Žižeck, nunca aoa a ideia de que podeiam existi opõespoíticas edadeiamente adicais paa am dos hoiontes do mateiaismo

diactico, depeende-se que o cistianismo a única fonte de edadeioadicaismo. Isto expica, ente outas coisas, o modo como o auto encaa obudismo. A isão de Žižeck sobe o cistianismo e a esqueda pemitem-headei a uma noa foma de oientaismo que não conhece fonteias. Depoisde aumas páinas dedicadas à anáise das decaaões de uns quantosbudistas zen e de uma pate do Bhagavad Gita, Žižeck aoa-se autoidadesuciente paa fae a seuinte obseaão:

 Isto signica que a Compaixão budista (ou hindu, já agora), que tudo abarca, se temde contrapor à intolerância cristã, ao Amor violento. A atitude budista é, em última instân‑cia, uma atitude de Indiferença, de extinguir todas as paixões que procurem xar diferenças;

 por seu lado, o amor cristão é uma paixão violenta que visa introduzir a Diferença, um fossona ordem de ser, para privilegiar e elevar um qualquer objecto à custa de outros   (Žižeck,2003: 33).

25 Žižeck, 2003: 6. Esta tese compementa ideias que Žižeck já tinha expoado emŽižeck, 1999.

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Žižeck eica o budismo e o cistianismo e atibui-hes óicas intín-secas que ajudam a fae a distinão ente um e outo de uma foma tão fáci

como a que pemitiu a Heidee fae a distinão ente ínuas osócas enão-osócas. Paa Žižeck, a espiituaidade oienta indifeente ao mundoe a sua óica de não-distinão ea os seus seuidoes a tonaem-se cúmpi-ces dos podees miitaes, se não mesmo a apoiá-os abetamente. Os mono-teístas, peo contáio, ou são toeantes com as difeenas ou intoeantesem eaão ao amo.26 A busca de aíes inibe a capacidade de examina cui-dadosamente a foma como aquio a que chamamos eiião nunca funcionano ácuo. O extemismo do acismo epistmico de Žižeck manifesta-se namedida em que ee, emboa descatando a ‘espiituaidade oienta’ deido às

anidades desta com o miitaismo, mantm Hee no seu santuáio, apesade Hee se te mantido um dos mais fotes apoiantes da uea no mundoocidenta.27

Em contaste com Žižeck, que tenta fae uma distinão ente entida-des discetas – a que se dá o nome de eiiões ou espiituaidades-, poponhoque os pobemas de inteectuais como linas ou Nei, que inestem fotenas isões eiiosas, não são tanto as isões eiiosas em si mas tambm,e tae mais essenciamente, o seu desejo de enaiamento no Ocidente.é muito mais um ímpeto e um pojecto do que uma fonte ideoóico-ei-iosa disceta que os cea em eaão ao ado mais neo da modenidade.

 As efeências à tica como osoa pimeia ou à expeiência nómada nãoescondem as tendências tautoóicas que eam muitos pensadoes cíticosa pemanece dento dos íidos imites do cânone ocidenta. é ceto que opobema do cistianismo e, at ceto ponto, do judaísmo que ajudaam adeni o Ocidente, estando, po isso, impicados nas suas couptas aíes.Esta consciência não deeia condui necessaiamente ao deotismo ou aodesespeo, mas antes a um sentido de esponsabiidade acescida que ajudea tae ao de cima aquio que o pojecto da modenidade euopeia tonou

26 Žižeck escee: “[Os] verdadeiros monoteístas são tolerantes: para estes, os outros não sãoobjecto de ódio, mas apenas pessoas que, embora não sejam iluminadas pela verdadeira crença, devem serrespeitadas, uma vez que não são intrinsecamente más” (Žižeck, 2003: 27).

27 O dupo citio de Žižeck no que di espeito à sua cítica do ‘Oiente’ e o ta-tamento mais suae que dá a uas como Hee tonam-se caas em eexões sobe oBudismo zen em The Puppet and the Dwarf   e na defesa que fa de Hee (em Žižeck, 2002).

 veja-se tambm o diáoo cítico que Wiiam D. Hat mantee com Žižeck, em Hat, 2002,assim como a pica de Hat em Hat, 2003.

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inisíe na Euopa e em todo o ado. Um dos eementos mais óbios queestão ausentes nas suas eexões a outa face menos poeminente do Oci-

dente e do monoteísmo: o Isão e os muumanos.São áias as aões paa aqui intodui o tema do Isão e dos poos

muumanos. Antes de mais poque, hoje em dia, quaque efeência ànatuea da ioência seectia po pate das potências impeiais ou mesmodo Impio tona obiatóio que peo menos se hes faa menão. Isto não noidade, mas está a tona-se mais notóio nos anos do peíodo pós-gueaFia. Oa, se óbio o poquê de não se coecto subsumi os muumanos naideia ea de mutidão (hoje, os muumanos seiam como a mutidão moi-bunda, a mutidão isada no pós-guea Fia), po que haeíamos de espea

que linas mencionasse os muumanos ou pensasse sobe a sua condião? A pimeia esposta a esta peunta o facto de linas te iido não só notempo do Hoocausto, como tambm no tempo da cue e sanenta ueada Aia, que cuminou na mote de muitos mihaes de muumanos. Aseunda que o Estado de Isae mantee, desde os seus pimódios, umaespcie de eaão impeia com os paestinianos, que são, na maioia, muu-manos. Actuamente moem tês paestinianos po cada isaeita. A teceiaaão dá mais que pensa. O que linas não menciona, mas Pimo lei nãoesquece, que Muselmann, Muselmänner  ou muumano eam temos “que os

 prisioneiros dos campos de concentração nazis atribuíam a uma certa categoria de judeusdesses campos que estavam prontos para morrer ”. Pimo lei escee:

 Mas com os Muselmänner , os homens em decadência, nem vale a pena falar  […].Vale ainda menos a pena fazer amizade com eles, porque não têm conhecidos de monta nocampo, não ganham rações extra  […] daqui a umas semanas, não irá restar nada deles,

 senão um punhado de cinzas num terreno aqui perto e um número riscado numa lista. Ape‑ sar de engolidos e varridos juntamente com o resto pela incontável multidão dos seus seme‑

lhantes, eles sofrem e arrastam‑se numa solidão íntima e opaca, e é na solidão que morremou desaparecem, sem deixar vestígio na memória de ninguém (lei, 1986: 89).

Os Musselmänner   são “aqueles que não têm história, que descem a encosta emdirecção ao fundo, como riachos que correm para o mar ” (lei, 1986: 90). De facto,lei mais petubado quando di tata-se de “não‑homens que marcham etrabalham em silêncio, a divina centelha extinta dentro deles, já demasiado vazios para

 sofrerem realmente. Hesita‑se em dizer que estão vivos, hesita‑se em chamar morte àmorte deles, perante a qual eles não têm medo, pois encontram‑se demasiado cansados

 para entender ” (lei, 1886: 90). Como ama Ebahim Moosa, estudioso do

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Isão Mediea e da lei Isâmica, na esteia das pespectias de lei, nestecontexto o sinicado de muumano anha a conotaão de “os fracos, os inca‑

 pazes, os condenados à selecção, os verdadeiros condenados da história”.28

 A diaboiaão de indiíduos muumanos não esutado excusio dasiniciatias impeiais euopeias do scuo XIX. O esquecimento dos contibu-tos epistmicos do Isão e a sua excusão enquanto fonte eeante do Oci-dente ai muito am do judaísmo de linas, do contexto catóico omanode Nei ou da otodoxia de Žižeck. Se Minoo está ceto quando ama queo imaináio do mundo coonia/modeno “ surgiu no processo de estabelecimentode diferenças coloniais na fronteira sul do Mediterrâneo (com o mundo árabe) e na fron‑teira ocidental do Atlântico (com os ameríndios)”, então, estes taos podem muito

bem fae pate inteante da pópia ideia de Ocidente modeno (Minoo,2002: 466). Ees deniam e continuam a deni o hoionte da modeni-dade e, com ee, eitimam o tabaho inteectua, a denião das poíticas e osenso comum. Isto tona-se, hoje, patente na dinâmica eopoítica, aoa queo mundo ocidenta (os EUA e a Euopa) está uma e mais em conito como Mdio Oiente. A ‘uea conta o teo’ tambm eou dinâmicas dentodo pópio Ocidente, que paecem cooboa a peocupaão de Heideequanto à ‘ameaa’ que o ameicanismo dos EUA epesenta paa o mundoeuopeu.

 Actuamente, ta como aconteceu na Euopa do scuo XvI, o impioemeente está a efae os imites e as fonteias que ião deni a noa odemimpeia. À semehana da pópia Euopa, o noo impio eue-se ‘no po-cesso de estabeecimento de difeenas cooniais na fonteia su do Medi-teâneo [e Mdio Oiente] (com o mundo áabe) e na fonteia [sud]oestecom o Atântico’. O facto de a eamaão e a efomuaão destas difeenasompeem, de aum modo, com o modeo poítico da eaão ente impioe coónia não hes edu o sinicado nem o pode. A óica da cooniaidadeajudou não só a intepeta os ataques teoistas como actos de uea, mastambm a concede a um íde poítico a autoidade moa paa taa no

mapa um ‘eixo do ma’. O ataque à cidade do Impio (ou cidade do EmpireState) eou à ciaão do Homeand Secuity Ofce, ou gabinete paa a Seu-ana da Pátia, que iia a te na mia não só quem iaja paa os EUA indodo exteio, mas tambm todos os estaneios que, iendo no país, sejamconsideados uma ameaa à Pátia. Seuindo uma óica semehante àquea

28 Comunicaão po coeio eectónico, a 2 de Deembo de 2003.

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que fe com que os actos de teoismo fossem consideados actos de uea,a fonteia ente os EUA e o Mxico foi sendo, a pouco e pouco, miitaiada.29 

O Iaque e a fonteia ente o Mxico e os EUA tonaam-se onas da mote.No nosso mundo, as fonteias suem como mapas da mote impeiais. Odiscuso em tono da ideia de defesa da Pátia, com os seus ecos da queida

 Heimat  de Heidee, faoece eopoíticas acistas e condu à justicaão deaessões miitaes, que são istas como tabaho missionáio. A Amica temde se defendida dos homens maus que êm de sítios maus. O Mdio Oientee a Amica latina são os pimeios da a, juntamente com esses outossujeitos indos de espaos iminaes das modenidades ocidentais (aficanos,neos, pessoas indíenas e, de modo ea, pessoas de co).

O discuso dos EUA aceca do ma acompanhado po uma oaão peaPátia (‘Deus abenoe a Amica’). O ameicanismo dos EUA funda a óicada cooniaidade na eha e tadiciona onto-teooia que atibui a Deus umafunão pimodia, o pode sobe o bem e o ma. Desta pespectia, compe-ende-se o eceio de Heidee em eaão aos EUA. Enquanto o seu ema-nocentismo ontoóico e ancoa a Euopa pecisamente no seu cento, ametafísica da ‘US Homeand’ – a Pátia dos EUA – epesenta um etocessoà onto-teooia e um eposicionamento do coaão do Ocidente, da Euopapaa a Amica. é a pati deste cento eposicionado do Ocidente, queestão a podui-se noos desenhos obais. O Sonho Ameicano, ta como actuamente adoptado peo Estado, expessa-se no desejo de acana a paxamericana  oba, na qua os ideais dos EUA no que espeita a sociaidade,oenaão e ida em ea, se tonam ideais euadoes paa as pessoas detodo o mundo. O Isão, econhecido como uma ‘eiião da pa’, seá aceitá-

 e na medida em que se assemeha ao tipo de cistianismo paticado peoshabitantes dos EUA. O muticutuaismo esconde, assim, um muti-acismomais pofundo que apenas econhece o dieito à difeena quando as pes-soas estão bem domesticadas peo capitaismo, pea economia de mecado epeos ideais ibeais de ibedade e iuadade. A poítica (tanto extena como

intena) seue os contonos de uma diisão ente a bem-aentuana e o ma,o ua de Deus na tea (a ciiiaão ocidenta acanou-o em soo amei-

29 Sobe o pobema de edesenha as fonteias da Pátia, eja-se   Andeas e Bies-tecke (os.), 2003. Aadeo a Jos Paafox esta efeência. ve tambm o ídeo The NewWorld Border , poduão e edião de Casey Peek, co-poduão de Paafox (Bekeey, CA: PeekMedia, 28 min.).

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cano) e os uaes do ma. é esta a noa face da óica da cooniaidade; umaface que, como Heidee temia, não iia deixa a Euopa intacta.

Ta como discuti anteiomente, a ideia de Euopa suiu não só dapoduão de difeenas cooniais, mas tambm, como mosta Minoo, ata-

 s das difeenas impeiais ente a Euopa do Note e do Su. O emano-centismo de Heidee e a metafísica da Mitteleuropa foam o eexo de umpojecto poítico que tentou econstitui difeenas impeiais. Hite mos-tou, de foma bastante caa, como as sociedades com um passado impeiaeaem à sua mainaiaão. respondeu de foma ioosa, tentando ede-senha as difeenas impeiais a fao da Aemanha. Heidee foi um dosinteectuais mais sosticados de quantos pocuaam pomoe esta causa,

fomuando um pojecto semehante a níe epistmico. Quando se ponun-ciaa pubicamente em Fana ou Itáia, Heidee subinhaa a necessidadede uma unidade euopeia paa fae fente à ameaa asiática e ameicana. AEuopa encontaa-se ente a Ásia e a Amica, da mesma foma que a Ae-manha se encontaa no meio da Euopa. O apeo à defesa da Euopa seuiaa mesma óica do seu emanocentismo.

Hoje já não existe uma ameaa asiática – ou meho, tae aoa o ostodessa ameaa não seja soitico, mas sim do Mdio Oiente. A pouco e pouco,à medida que os EUA se ão amando como único hegemon a níe mundia,o pesadeo de Heidee comea a tona-se eaidade. A Euopa comea aesbate-se na somba da ieeância. Em e de acana a saaão atasde uma associaão íntima com uma Aemanha fote, a Euopa, duante tantotempo ista po muitos como o fao da ciiiaão ocidenta e o apoeu daacionaidade humana, pede a sua antia e inejáe eeância eopoítica.Uma ‘coiaão da boa-ontade’ fomada ad hoc (ou, como auns he chama-am, uma coiaão da boa-factuaão) poou se suciente paa anha aautoidade moa e poítica aticia de que os EUA pecisam paa ea podiante as suas incusões impeiais. O Su da Euopa, em especia Potuae a Espanha, puseam-se ao ado dos EUA. Este passo contibui paa fae

fente à óica das difeenas impeiais intínsecas ao continente euopeuque tonaam a Euopa meidiona ieeante em temos eopoíticos aoono dos útimos duentos anos. Aoa, aquees países faem pate daquioque os EUA denominam Noa Euopa, que tambm composta po países daEuopa de leste que passaam a intea a União Euopeia. Os EUA estão aefoa as difeenas cooniais (eatiamente à Amica latina e ao MdioOiente) e a edesenha as difeenas impeiais (eatiamente à Euopa e àUnião Soitica). A inha diisóia que sepaa a Euopa do Note da Euopa

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do Su está tambm a econstitui-se de acodo com a oposião bináia ente veha Euopa e Noa Euopa. A Noa Euopa di espeito aos que faoecem a

incontestada potência heemónica, enquanto a veha Euopa o nome dadoaos que, na Euopa, não se esinam à sua posião na noa odem mundia.

 A efomuaão da eopoítica impeia peos EUA, que eou uma cetainstabiidade na União Euopeia, expica po que aão os Euopeus tieam deefomua a sua pópia metafísica da Pátia. Muito ecentemente, um ósofoaemão e um fancês, Jüen Habemas e Jacques Deida, juntaam-se paaexii uma poítica extena comum ‘a comea no núceo da Euopa’. À medidaque a ameaa que Heidee eceaa se foi tonando ea, estes dois pensadoesuniam foas numa tentatia de esisti à sua aoa óbia subateniaão poí-

tica. Habemas e Deida tentam demonsta “o que mantém a Europa unida”, ati-cuando “as rízes  históricas de um perl político” (Habemas e Deida, 2003: 295;subinhado meu). Se Heidee ainda fosse io estaia, poaemente, simu-taneamente contente e descontente: contente poque o pojecto da busca deaíes continua io na Euopa; descontente poque a Aemanha sucumbiupeante a Fana e a incuiu como faendo pate do ‘núceo’ da Euopa.

Passando ao ado da distinão muito macante que o omantismoaemão estabeece ente as ideias fancesas de ciiiaão e a Kultur aemã, aua que estabeece uma ponte ente a Fana e a Aemanha o mais notá-

 e iuminista aemão, Immanue Kant. A oba de Kant apoxima a Fana e a Aemanha ao mesmo tempo que pomoe instituiões obais de autoidadeque, taduidas no pesente, faiam fente à uniateaidade dos EUA. Habe-mas e Deida não se inteoam sobe os aos de Kant com a mentaidadeimpeia da poca em que ieu ou sobe a foma como o apeo de ambos‘a uma poítica extena comum, a comea no núceo da Euopa’ está tota-mente iado à pobemática tadião de busca das aíes na Euopa.30 Numesto de ande condescendência, Habemas e Deida esceem que osEuopeus “ poderiam aprender, a partir da perspectiva dos derrotados, a perceberem‑sea si próprios no papel dúbio dos vitoriosos que são chamados a responsabilizar‑se pela

violência de um processo de modernização brutal e desenraizador. Isto poderia apoiar arejeição do eurocentrismo e inspirar a esperança kantiana de uma política interna global ”(Habemas e Deida, 2003: 297). Na sua efeência aos ‘itoiosos’ que sãochamados a esponsabiia-se peo ‘pocesso desenaiado da modeni-

30 Paa anáises cíticas de Kant que têm em consideaão auns destes pontos, eja--se Coes (1997) e Ee (1997: 103-140).

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dade’, paeceia que Habemas e Deida estão a pensa mais em Heideedo que nos poos anteiomente cooniados. é tambm como se estiessem

a esponde mais às queixas dos omânticos aemães, que eam muito cíticosquanto ao Iuminismo, do que aos poos cooniados de todo o mundo. Eeseduem os desaos do passado impeia da Euopa ao ‘desenaia causadopea modenidade’, um pocesso do qua os Euopeus, ente outos, foam

 ítimas. Não conseuem e a paticuaidade do desao que emee nomundo coonia. é po isso que postuam que a esposta à mainaiaão daEuopa está na busca de aíes no núceo da Euopa. A amaão de Fanon hoje tão sinicatia como o ea no tempo em que Heidee estaa a fojao seu pojecto mítico de busca de aíes:

 Durante séculos, em nome de uma pretensa aventura espiritual , [os Euopeus] sufocaram quase toda a humanidade. Vejam‑nos hoje oscilar entre a desintegração atómica

e a desintegração espiritual   […]. A Europa adquiriu uma tal velocidade, louca e desorde‑nada, que escapa hoje em dia a todo o condutor e a toda a razão  […]. Foi em nome do espí‑rito, do espírito europeu, bem entendido, que a Europa justicou os seus crimes e legitimoua escravidão em que mantém quatro quintos da humanidade. Sim, o espírito europeu teveraízes singulares (Fanon, 1975-1976: 312).

 At uas como Habemas e Deida se confomaem com esta a-maão, acedito que seá impossíe utapassaem o acismo epistmico quecontinua hoje a ioa atas dos mais difeentes meios.

Habemas e Deida apeam quando muito a uma cítica euocênticado euocentismo. Ao ins de desaaem as eopoíticas acistas do conhe-cimento que se tonaam tão centais no discuso ocidenta, ees pepetuam-nas po outos meios. Po que não ea a sio os inteectuais muumanos?31 Po que não tenta compeende as eiindicaões pofundamente teóicasque suiam em contextos que conheceam a cooniaidade euopeia? Po

31 Meece se assinaado que a Academia da latinidade, de base maioitaiamenteeuopeia e atino-ameicana, e cujos membos incuem Cândido Mendes, Máio Soaes egianni vattimo, ente muitos outos, comeou a centa-se nas questões do diáoo inte-cutua. O upo já se euniu em Teeão e otou a uni-se em Aexandia, no Eipto, paatoca ideias sobe este tópico com inteectuais muumanos. Outos passos impotantesneste sentido incuem tambm Buck-Moss (2003). Buck-Moss paticipou nos encontosda Academia da latinidade. Esta estabeeceu, assim, uma eaão inteessante ente acad-micos euopeus, atino-ameicanos, do Mdio Oiente e dos EUA.

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que não ompe com o modeo do oba ou do uniesa e pomoe o ces-cimento de um mundo dieso, do ponto de ista epistmico?32 Fanon não

fe tudo isso, mas, de ceta foma, estabeeceu uma maca, abaixo da qua osteóicos e inteectuais deeiam eita desce. O seu adicaismo tinha que

 e com uma cítica das aíes, inspiada na necessidade de esponde aoscondenados da terra. Os conceitos de cooniaidade do pode, cooniaidade doconhecimento e cooniaidade do se seuem o adicaismo de Fanon. Toda-

 ia, tambm podem tona-se pobemáticos se não deem espao à enuncia-ão de cosmooias não-ocidentais e à expessão de difeentes memóias cu-tuais, poíticas e sociais. A cítica adica deeia assumi fomas diaóicas.Deeia tambm assumi a foma de um auto-questionamento e um diáoo

adicais. O pojecto da busca de aíes estaia, neste aspecto, subodinado aopojecto de cítica das aíes que mantêm ias a dominante topooia do See a eopoítica acista do conhecimento. A diesaidade adica impicaiaum diócio efectio e uma cítica das aíes que inibem o diáoo e a fomu-aão de uma eopoítica do conhecimento descoonia e não-acista. Patedo desao consiste em pensa seiamente em Fot-de-Fance, Quito, la Pa,Badad e Ae, e não apenas em Pais, Fankfut, roma ou Noa Ioque, comopossíeis uaes de conhecimento. Tambm pecisamos de pensa naqueesque estão pesos em posiões de subodinaão e que tentam entende queos mecanismos que ciam a subodinaão, que os que escondem a sua ea-idade da ista dos outos. No mundo, há muito paa apende com aqueesoutos que a modenidade tonou inisíeis. Esta ocasião deeia sei maispaa examina a nossa cumpicidade com os ehos padões de dominaãoe de pocua de faces inisíeis do que paa pocua aíes impeiais; seimais paa uma cítica adica do que paa um ainhamento otodoxo conta osque são pesistentemente consideados os bábaos do conhecimento.

Num ensaio escito em 1955, em esposta à tentatia de Enst Jüne decatoafa o niiismo e as espostas a ee, Heidee esceeu:

Certamente que é necessária uma opogr o niilismo, da forma como se pro‑cessa e da sua superação. Contudo, a topograa tem de ser antecedida de uma topologia:uma discussão que localize o lugar onde o ser e o nada se reúnem na sua essência, determi‑nando a essência do niilismo e deixando‑nos, assim, identicar rumos onde surgem formas

 possíveis de superar o niilismo (Heidee, 1988: 311-12).

32 Apaecem efeências à diesaidade em gissant (1998). veja-se tambm Mi-noo (2000: 26, 244, 273).

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 Atas de uma anáise da impícita topooia do Se de Heidee, quese enconta inscita na sua eopoítica, popus que a apaente neutaidade

das ideias osócas pode muito bem esconde uma catoaa impeiaimpícita que funde espao e aa. O acismo – sob a foma de esquecimentoda condenação, acismo epistmico e muitas outas fomas – está mais disse-minado do que fequentemente se pensa. Está inscito na catoaa do quemuitas ees se considea se um pensamento cítico e um tabaho osócoconsistente. Paa am das justicaões bioóicas de acismo, ou das justi-caões baseadas em difeenas de cutua ou maneias de esta, possíeenconta em aumas tendências inuentes do pensamento ocidenta umajusticaão ontoóica e epistemoóica mais subti. As consequências são

nefastas, uma e que a fusão de espao e aa está po tás de concepõesmiitaes e impeiais da espaciaidade, que tendem a da um noo sinicadoà fomuaão cássica de Santo Aostinho aceca das cidades teenas e dii-nas: a difeena ente a Cidade de Deus e a Cidade Teena dos Homens ta-du-se na diisão ente as cidades impeiais dos deuses humanos e as cidadesdos condenados. Infeimente, a busca de aíes na Euopa e as eopoíticasacistas costumam anda de mãos dadas.

O pojecto da busca de aíes na Euopa tambm condu, ou peo menosassim o defendi neste atio, à ejeião das eaões eopoíticas mais ampasque opeam na pópia fomaão da modenidade. Fente a esta amnsiasistmica, Fanon popõe uma outa eopoítica. Enquanto Heidee tentaenconta aíes na tea e linas aicea a osoa em duas cidades (Ate-nas e Jeusam), Fanon abe um caminho de eexão que encaa a difeenacoonia como ponto de patida paa o pensamento cítico. Um dianósticocítico da topooia euopeia do Se e da sua eopoítica do conhecimentodeeá, ou peo menos foi o que tentei deixa cao aqui, tona isíe o quepemaneceu inisíe ou maina at aoa e desenda como funcionam ascateoias da condenaão – po exempo, o neo, o judeu e o muumano.Foi com este popósito que foam fomuados conceitos como modeni-

dade/cooniaidade, cooniaidade do pode, cooniaidade do conhecimentoe cooniaidade do Se. Estes são apenas auns dos conceitos que teiam defae pate de uma amática descoonia da anáise cítica capa de econhe-ce a sua pópia uneabiidade ao ca abeta a posicionamentos cíticosbaseados nas expeiências e memóias de poos que se confontaam com amodenidade/o acismo sob quaque uma das suas fomas.

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CAPTUlO 11

para desColonizar os estudos de eConomiapolÍtiCa e os estudos pós-Coloniais:transmodernidade, pensamento de fronteirae Colonialidade global

 Ramón Grosfoguel 

Seá que podemos cia uma poítica anticapitaista adica que á am dapoítica identitáia? Seá possíe fomua um cosmopoitismo cítico que

 á am do nacionaismo e do cooniaismo? Seá que podemos cia conhe-cimentos que ão am dos fundamentaismos teceio-mundistas e euocên-ticos? Seá que podemos supea a tadiciona dicotomia ente economiapoítica e estudos cutuais? Seá que podemos tanspo o educionismoeconómico e o cutuaismo? Como podemos nós utapassa a modenidadeeuocêntica sem despedia o meho da modenidade, como eam mui-tos fundamentaistas do Teceio Mundo? Neste atio, poponho que uma

pespectia epistmica poeniente do ado subateno da difeena cooniataá um ande contibuto a este debate. Pode contibui paa a ciaão deuma pespectia cítica capa de tanscende as dicotomias deineadas e paaa edenião do capitaismo enquanto sistema-mundo.

Em Outubo de 1998, tee ua na Uniesidade de Duke um con-esso/diáoo ente o gupo Su-asiático de Estudos Subatenos e o gupolatino-ameicano de Estudos Subatenos. O diáoo iniciado neste con-esso iia a da oiem à pubicaão de áios númeos da eista cientíca

 Nepantla. Contudo, foi essa a útima e que o gupo latino-ameicano de

Estudos Subatenos se euniu, antes de se desaea. Ente os muitos moti- os e debates que causaam essa desaeaão, existem dois que ostaia desaienta. Os membos do gupo latino-ameicano de Estudos Subatenoseam, na maioia, acadmicos atino-ameicanistas a ie nos EUA. Apesade teem tentado podui um conhecimento atenatio e adica, eesepoduiam o esquema epistmico dos Estudos reionais nos EstadosUnidos. Sao aas excepões, optaam po fae estudos sobe a pespectiasubatena, em e de os podui com essa pespectia e a pati dea. À

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epistemologias do sul384

semehana da impeia epistemooia dos Estudos reionais, a teoia pe-maneceu sediada no Note, enquanto os sujeitos a estuda se encontam no

Su. Esta epistemooia coonia foi deteminante paa o meu descontenta-mento com o pojecto. Sendo eu um atino a ie nos Estados Unidos, queidescontente com as consequências epistmicas do conhecimento poduidopo esse upo atino-ameicanista. Os seus membos subestimaam, na suaoba, as pespectias tnico-aciais oiundas da eião, dando pefeênciasobetudo a pensadoes ocidentais. Isto está eacionado com o seundoaspecto que queia saienta: os atino-ameicanistas deam pefeência epis-temoóica ao que chamaam ‘os quato caaeios do Apocaipse’ (Maon,1994; rodiue, 2001), ou seja, a Foucaut, Deida, gamsci e guha. Ente

estes quato, contam-se tês pensadoes euocênticos, faendo dois dees(Deida e Foucaut) pate do cânone pós-estutuaista/pós-modeno oci-denta. Apenas um, rinajit guha, um pensado que pensa a pati do Su.

 Ao pefeiem pensadoes ocidentais como pincipa instumento teóico,taíam o seu objectio de podui estudos subatenos.

Ente as muitas aões que conduiam à desaeaão do gupo lati-no-ameicano de Estudos Subatenos, uma deas foi a que eio opo os queconsideaam a subatenidade uma cítica pós-modena (o que epesentauma cítica euocêntica ao euocentismo) àquees que a iam como umacítica descoonia (o que epesenta uma cítica do euocentismo po patedos sabees sienciados e subateniados) (Minoo, 2000: 183-186, 213--214). Paa todos nós que tomámos o patido da cítica descoonia, o diáoocom o gupo latino-ameicano de Estudos Subatenos tonou eidente anecessidade de tanscende epistemooicamente – ou seja, de descoonia– a epistemooia e o cânone ocidentais. O pincipa pojecto do gupo Su-asiático de Estudos Subatenos consiste em anaisa citicamente não só ahistoioaa coonia da ndia feita po ocidentais euopeus, mas tambma histoioaa euocêntica nacionaista indiana. Pom, ao ecoe a umaepistemooia ocidenta e ao piieia gamsci e Foucaut, ta pespectia

constaneu e imitou a adicaidade da sua cítica ao euocentismo. Emboaestes autoes epesentem difeentes pojectos epistmicos, o piieiado cânone epistmico ocidenta po pate da escoa subatena su-asiáticaacabou po espeha o apoio dado ao pós-modenismo peo secto do gupolatino-ameicano de Estudos Subatenos. Não obstante, ainda que comtodas as suas imitaões, o gupo Su-asiático de Estudos Subatenos epe-senta um impotante contibuto paa a cítica do euocentismo. O upoinsee-se num moimento inteectua denominado cítica pós-coonia (uma

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cítica da modenidade inda do Su goba) po oposião à cítica pós-modena do gupo latino-ameicano de Estudos Subatenos (uma cítica

da modenidade feita peo Note goba) (Minoo, 2000). Estes debates to-naam cao paa nós (aquees que tomaam o patido da cítica descooniaacima descita) que ea necessáio descoonia não apenas os Estudos Suba-tenos mas tambm os Estudos Pós-cooniais (gosfoue 2006a, 2006b).

Esta não uma cítica anti-euopeia fundamentaista e essenciaista.Tata-se de uma pespectia que cítica em eaão ao nacionaismo, aocooniaismo e aos fundamentaismos, que euocênticos, que do TeceioMundo. O pensamento de fonteia, uma das pespectias epistmicas queseão discutidas neste atio, , pecisamente, uma esposta cítica aos

fundamentaismos, sejam ees heemónicos ou mainais. O que todos osfundamentaismos têm em comum (incuindo o euocêntico) a pemissade que existe apenas uma única tadião epistmica a pati da qua podeacana-se a vedade e a Uniesaidade. No entanto, há tês aspectos impo-tantes que têm de se aqui efeidos: 1) uma pespectia epistmica descoo-nia exie um cânone de pensamento mais ampo do que o cânone ocidenta(incuindo o cânone ocidenta de esqueda); 2) uma pespectia descoonia

 edadeiamente uniesa não pode basea-se num uniesa abstacto (umpaticua que ascende a desenho – ou desínio – uniesa oba), antesteia de se o esutado de um diáoo cítico ente diesos pojectos cíticospoíticos/ticos/epistmicos, apontados a um mundo puiesa e não a ummundo uniesa; 3) a descooniaão do conhecimento exiiia ea a sioa pespectia/cosmooias/isões de pensadoes cíticos do Su goba, quepensam com e a pati de copos e uaes tnico-aciais/sexuais subate-niados. Enquanto pojectos epistemoóicos, o pós-modenismo e o pós-estutuaismo encontam-se apisionados no inteio do cânone ocidenta,epoduindo, dento dos seus domínios de pensamento e pática, umadeteminada foma de cooniaidade do pode/conhecimento.

No entanto, o que disse aceca do gupo latino-ameicano de Estudos

Subatenos apica-se aos paadimas da economia poítica. Neste atio,poponho que uma pespectia epistmica que pata de uaes tnico-aciaissubatenos pode contibui em muito paa uma teoia cítica descooniaadica, capa de tanscende a foma como os paadimas da economiapoítica tadiciona conceptuaiam o capitaismo enquanto sistema obaou sistema-mundo. A ideia aqui descoonia os paadimas da economiapoítica, bem como a anáise do sistema-mundo, e popo uma conceptuai-aão descoonia atenatia do sistema-mundo. A pimeia pate consiste

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numa discussão epistmica sobe as impicaões da cítica epistemoóicaque inteectuais feministas e de upos tnico-aciais subateniados dii-

iam conta a epistemooia ocidenta. A seunda pate apesenta as impi-caões destas cíticas no modo como conceptuaiamos o sistema-mundo ouoba. A teceia pate uma discussão da cooniaidade oba dos nossosdias. A quata pate uma cítica, que à anáise do sistema-mundo, que aosestudos pós-cooniais/cutuais que usam a cooniaidade do pode comoesposta ao diema cutua versus economia. Po m, a quinta, sexta, stima eútima pates são uma discussão do pensamento de fonteia, da tansmode-nidade e da sociaiaão do pode como atenatias descooniais ao actuasistema-mundo.

1. A Crítica EpistemológicaO pimeio aspecto a discuti o contibuto das pespectias subatenastnico-aciais e feministas paa as questões epistemoóicas. Os paadimaseuocênticos heemónicos que ao ono dos útimos quinhentos anos inspi-aam a osoa e as ciências ocidentais do ‘sistema-mundo patiaca/capi-taista/coonia/modeno’ (gosfoue, 2005, 2006b) assumem um ponto de

 ista uniesaista, neuto e objectio. Aumas inteectuais feministas chica-nas e neas (Moaa e Anadúa, 1983; Coins, 1990) e tambm auns estu-diosos do Teceio Mundo, tanto dento como foa dos Estados Unidos (Dus-se, 1977; Minoo, 2000), ieam ecoda-nos que faamos sempe a patide um deteminado ua situado nas estutuas de pode. Ninum escapa àshieaquias de casse, sexuais, de neo, espiituais, inuísticas, eoácase aciais do ‘sistema-mundo patiaca/capitaista/coonia/modeno’. Comoama a feminista Donna Haaway (1988), os nossos conhecimentos são,sempe, situados. As estudiosas feministas neas apeidaam esta pespec-tia de “epistemologia afrocêntrica” (Coins, 1990) (o que não o mesmo quepespectia afocentista). Já Enique Dusse, ósofo da ibetaão atino-ameicano, denominou-a “ geopolítica do conhecimento” (Dusse, 1998), e eu, na

esteia de Fanon (1967) e Anadúa (1987), iei usa a expessão “corpo‑políticado conhecimento”.

Esta questão não tem a e apenas com aoes sociais na poduão deconhecimento nem com o facto de o nosso conhecimento se sempe pacia.O essencia aqui o locus da enunciaão, ou seja, o ua eopoítico e copo-poítico do sujeito que faa. Na osoa e nas ciências ocidentais, aquee quefaa está sempe escondido, ocuto, apaado da anáise. A ‘eopoítica doconhecimento’ da osoa ocidenta sempe piieiou o mito de um ‘Eo’

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não situado. O ua epistmico tnico-acia/sexua/de neo e o sujeitoenunciado encontam-se, sempe, desincuados. Ao queba a iaão ente

o sujeito da enunciaão e o ua epistmico tnico-acia/sexua/de neo,a osoa e as ciências ocidentais conseuem ea um mito sobe um conhe-cimento uniesa vedadeio que encobe, isto , que ocuta não só aqueeque faa como tambm o ua epistmico eopoítico e copo-poítico dasestutuas de pode/conhecimento coonia, a pati do qua o sujeito seponuncia.

Eis que se tona impotante distinui ‘ua epistmico’ e ‘ua socia’.O facto de aum se situa sociamente no ado opimido das eaões depode não sinica automaticamente que pense epistemicamente a pati de

um ua epistmico subateno. Justamente, o êxito do sistema-mundo coo-nia/modeno eside em ea os sujeitos sociamente situados no ado opi-mido da difeena coonia a pensa epistemicamente como aquees que seencontam em posiões dominantes. As pespectias epistmicas subatenassão uma foma de conhecimento que, indo de baixo, oiina uma pespec-tia cítica do conhecimento heemónico nas eaões de pode enoidas.Não estou a eiindica um popuismo epistmico em que o conhecimentopoduido a pati de baixo seja automaticamente um conhecimento epis-tmico subateno. O que defendo o seuinte: todo o conhecimento sesitua, epistemicamente, ou no ado dominante, ou no ado subateno daseaões de pode, e isto tem a e com a eopoítica e a copo-poítica doconhecimento. A neutaidade e a objectiidade desinseida e não-situada daeopoítica do conhecimento um mito ocidenta.

ren Descates, fundado da osoa ocidenta modena, inauua umnoo momento na históia do pensamento do Ocidente.1 Descates substi-tui Deus, fundamento do conhecimento na teopoítica do conhecimento daEuopa da Idade Mdia, peo Homem (ocidenta), fundamento do conhe-cimento na Euopa dos tempos modenos. Todos os atibutos de Deus sãoaoa extapoados paa o Homem (ocidenta). Essa vedade uniesa que

está paa am do tempo e do espao, o acesso piieiado às eis do unieso,e a capacidade de podui conhecimento e teoias cientícas, tudo isto estáaoa situado na mente do Homem ocidenta. O ego‑cogito catesiano (‘Penso,oo existo’) o fundamento das ciências modenas ocidentais. Ao cia um

1 Paa uma cítica do pensamento osóco da modenidade ocidenta, eja-se iua-modenidade ocidenta, eja-se iua-mente o capítuo de Dusse neste oume.

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duaismo ente mente e copo e ente mente e natuea, Descates conseuiupocama um conhecimento não-situado, uniesa, isto peos ohos de

Deus. A isto o ósofo coombiano Santiao Casto-gome (2003) chamoua pespectia do “ ponto zero” das osoas euocênticas. O ‘ponto eo’ oponto de ista que se esconde e, escondendo-se, se cooca paa á de qua-que ponto de ista, ou seja, o ponto de ista que se epesenta como nãotendo um ponto de ista. é esta isão atas do oha de Deus que escondesempe a sua pespectia oca e conceta sob um uniesaismo abstacto. Aosoa ocidenta piieia a ‘eopoítica do conhecimento’ em desfao da‘eopoítica do conhecimento’ e da ‘copo-poítica do conhecimento’. Emtemos históicos, isto pemitiu ao homem ocidenta (esta efeência ao sexo

mascuino usada intencionamente) epesenta o seu conhecimento comoo único capa de acana uma consciência uniesa, bem como dispensa oconhecimento não-ocidenta po se paticuaístico e, potanto, incapa deacana a uniesaidade.

Esta estatia epistmica tem sido cucia paa os desenhos – ou desí-nios – obais do Ocidente. Ao esconde o ua do sujeito da enunciaão, adominaão e a expansão cooniais euopeias/euo-ameicanas conseuiamconstui po todo o obo uma hieaquia de conhecimento supeio einfeio e, consequentemente, de poos supeioes e infeioes. Passámos dacaacteiaão de ‘poos sem escita’ do scuo XvI, paa a dos ‘poos semhistóia’ dos scuos XvIII e XIX, ‘poos sem desenoimento’ do scuo XXe, mais ecentemente, ‘poos sem democacia’ do scuo XXI. Passámos dos‘dieitos dos poos’ do scuo XvI (o debate Sepúeda versus de as Casas naescoa de Saamanca em meados do scuo XvI), paa os ‘dieitos do homem’do scuo XvIII (ósofos iuministas), paa os ecentes ‘dieitos humanos’do scuo XX. Todos estes faem pate de desenhos obais, aticuadossimutaneamente com a poduão e a epoduão de uma diisão intena-ciona do tabaho feita seundo um cento e uma peifeia, que po sua ecoincide com a hieaquia tnico-acia oba estabeecida ente euopeus e

não-euopeus.Pom, como nos eembou Enique Dusse (1994), o ego cogito  ca-

tesiano (‘Penso, oo existo’) foi pecedido, 150 anos antes (desde o inícioda expansão coonia euopeia em 1492), peo euopeu ego conquistus (‘Con-quisto, oo existo’). As condiões históicas, poíticas, económicas e sociaisque possibiitaam a um sujeito assumi a aoância de se assemeha a Deuse de se aoa em fundamento de todo o conhecimento veídico foi o SeImpeia, ou seja, a subjectiidade daquees que estão no cento do mundo

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poque já o conquistaam. Quais as impicaões descooniais desta cíticaepistemoóica na nossa poduão de conhecimento e no nosso conceito de

sistema-mundo?

2. A Colonialidade do Poder Enquanto Matri de Poderno Mundo Colonial/modernoSao aas excepões, os estudos dedicados à obaiaão, os paadimasda economia poítica e a anáise do sistema-mundo não tiaam as iaõesepistemoóicas e teóicas da cítica epistmica poeniente dos uaessubatenos caados peo fosso coonia, que encontaam expessão no meioacadmico atas dos estudos tnicos e dos estudos feministas. Com efeito,

essas abodaens continuam a podui conhecimento atas dos ohos dedeus, a pati do ‘ponto eo’ do homem ocidenta. Isto eou impotantespobemas no que espeita à foma como conceptuaiamos o capitaismooba e o ‘sistema-mundo’. Estes conceitos pecisam de se descooniadose ta só pode se conseuido po meio de uma epistemooia descoonia queassuma abetamente uma eopoítica e uma copo-poítica do conhecimentodescooniais como pontos de patida paa uma cítica adica. Os exemposque se seuem podem iusta esta questão.

Se anaisamos a expansão coonia euopeia de um ponto de istaeuocêntico, o que obtemos um quado em que as oiens do chamadosistema-mundo capitaista são poduidas sobetudo pea concoência enteos diesos impios euopeus. O pincipa motio paa esta expansão foienconta otas mais cutas paa o Oiente, o que, acidentamente, eou àchamada descobeta e posteio cooniaão das Amicas po pate da Espa-nha e de Potua.2 Seundo este ponto de ista, o sistema-mundo capitaistaseia essenciamente um sistema económico que detemina o compota-mento dos pincipais actoes sociais atas da óica económica da obtenãode uco, manifestando-se na extacão de excedentes e na incessante acumu-aão de capita à escaa mundia. Am disso, o conceito de capitaismo sub-

jacente a esta pespectia piieia as eaões económicas sobe as eaõessociais. Po conseuinte, a tansfomaão das eaões de poduão oiinauma noa estutua de casses típica do capitaismo, em contaste com outossistemas sociais e outas fomas de dominaão. A anáise de casses e as tans-

2 Este tema tambm objecto de anáise no capítuo 1, de Boaentua de Sousa Santos.

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fomaões estutuais no âmbito económico são piieiadas em eaão aoutas eaões de pode.

Sem nea a impotância da pemanente acumuaão de capita à escaamundia e a existência de uma estutua de casses especíca do capitaismooba, cooco a seuinte questão epistmica: Como seia o sistema-mundo sedesocássemos o locus da enunciaão, tansfeindo-o do homem euopeu paaas muhees indíenas das Amicas, como, po exempo, riobeta Menchuda guatemaa ou Domitiia da Boíia? Não tenho a petensão de defende ouepesenta a pespectia destas muhees indíenas. O que petendo fae desoca o ua a pati do qua estes paadimas são pensados. A pimeiaiaão a tia do desocamento da nossa eopoítica do conhecimento que

aquio que cheou às Amicas nos nais do scuo XvI não foi apenas um sis-tema económico de capita e tabaho destinado à poduão de mecadoiaspaa seem endidas com uco no mecado mundia. Essa foi uma pate fun-damenta, ainda que não a única, de um ‘pacote’ mais compexo e enedado.O que cheou às Amicas foi uma enedada estutua de pode mais ampa emais asta, que uma edutoa pespectia económica do sistema-mundo não capa de expica. vendo a pati do ua estutua de uma muhe indí-ena das Amicas, o que então suiu foi um sistema-mundo mais compexodo que aquee que etatado peos paadimas da economia poítica e peaanáise do sistema-mundo. Às Amicas cheou o homem heteossexua/banco/patiaca/cistão/miita/capitaista/ euopeu, com as suas áiashieaquias obais enedadas e coexistentes no espao e no tempo, as quais,po motios de caea da pesente exposião, passaei em seuida a enume-a como se fossem independentes umas das outas:

1) uma especíca fomaão de casses de âmbito oba, em que die-sas fomas de tabaho (escaatua, semi-seidão feuda, tabahoassaaiado, pequena poduão de mecadoias) ião coexisti e seoaniadas peo capita enquanto fonte de poduão de mais-aias

atas da enda de mecadoias no mecado mundia com ista aouco;

2) uma diisão intenaciona do tabaho em cento e peifeia, em queo capita oaniaa o tabaho na peifeia de acodo com fomasautoitáias e coecias (Waestein, 1974);

3) um sistema inteestata de oaniaões poítico-miitaes contoa-das po homens euopeus e institucionaiadas em administaõescooniais (Waestein, 1979);

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4) uma hieaquia tnico-acia oba que piieia os poos euopeuseatiamente aos não-euopeus (Quijano, 1993, 2000);

5) uma hieaquia oba que piieia os homens eatiamente àsmuhees e o patiacado euopeu eatiamente a outos tipos deeaão ente os sexos (Spiak, 1988; Enoe, 1990);

6) uma hieaquia sexua que piieia os heteossexuais eatiamenteaos homossexuais e sbicas (e impotante ecoda que a maio-ia dos poos indíenas das Amicas não ia a sexuaidade entehomens como um compotamento patoóico nem tinha quaqueideooia homofóbica);

7) uma hieaquia espiitua que piieia os cistãos eatiamenteàs espiituaidades não-cistãs/não-euopeias institucionaia-das na obaiaão da ieja cistã (catóica e, posteiomente,potestante);

8) uma hieaquia epistmica que piieia a cosmooia e o conheci-mento ocidentais eatiamente ao conhecimento e às cosmooiasnão-ocidentais, e institucionaiada no sistema uniesitáio oba(Minoo, 1995, 2000; Quijano, 1991);

9) uma hieaquia inuística ente as ínuas euopeias e não-euo-

peias que piieia a comunicaão e a poduão de conhecimentoe de teoias po pate das pimeias, e que subatenia as útimasexcusiamente como podutoas de focoe ou cutua, mas não deconhecimento/teoia (Minoo, 2000).

Não po acaso que a conceptuaiaão do sistema-mundo feitaseundo pespectias descooniais do Su ai pô em causa as tadicionaisconceptuaiaões poduidas po pensadoes do Note. Na esteia do soci-óoo peuano Aníba Quijano (1991; 1998; 2000), podeíamos conceptuai-a o actua sistema-mundo como um todo históico-estutua heteoneo

dotado de uma mati de pode especíca a que chama ‘mati de podecoonia’ (‘ patrón de poder colonial ’). Esta afecta todas as dimensões da existên-cia socia, tais como a sexuaidade, a autoidade, a subjectiidade e o tabaho(Quijano, 2000). O scuo XvI ana uma noa mati de pode coonia que,nos nais do scuo XIX, haia aastado a todo o paneta. Indo um passo amde Quijano, conceptuaio a cooniaidade do pode como um enedamentoou, paa usa o conceito das feministas note-ameicanas de Teceio Mundo,como uma inteseccionaidade (Censhaw, 1989; Feoso, 2003) de mútipas

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e heteoneas hieaquias obais (‘heteaquias’) de fomas de dominaãoe expoaão sexua, poítica, epistmica, económica, espiitua, inuística e

acia, em que a hieaquia tnico-acia do fosso caado ente o euopeu e onão-euopeu econua tansesamente todas as estantes estutuas o-bais de pode. O que a pespectia da ‘cooniaidade do pode’ tem de noo o modo como a ideia de aa e acismo se tona o pincípio oaniado queestutua todas as mútipas hieaquias do sistema-mundo (Quijano, 1993).Po exempo, as difeentes fomas de tabaho que se encontam aticuadascom a acumuaão de capita no âmbito mundia são distibuídas de acodocom esta hieaquia acia; o tabaho coecio (ou baato) feito po pessoasnão-euopeias situadas na peifeia, e o ‘tabaho assaaiado ie’ situa-se

no cento. A hieaquia oba das eaões ente os sexos tambm afectadapea aa: ao contáio dos patiacados p-euopeus em que todas as muhe-es eam infeioes aos homens, na noa mati de pode coonia aumasmuhees (de oiem euopeia) possuem um estatuto mais eeado e ummaio acesso aos ecusos do que auns homens (de oiem não-euopeia). Aideia de aa oania a popuaão mundia seundo uma odem hieáquicade poos supeioes e infeioes que passa a se um pincípio oaniado dadiisão intenaciona do tabaho e do sistema patiaca oba. Contaia-mente ao que ama a pespectia euocêntica, a aa, a difeena sexua,a sexuaidade, a espiituaidade e a epistemooia não são eementos queacescem às estutuas económicas e poíticas do sistema-mundo capitaista,mas sim uma pate inteante, entetecida e constitutia desse ampo ‘pacoteenedado’ a que se chama sistema-mundo patiaca/capitaista/coonia/modeno euopeu (gosfoue, 2002). O patiacado euopeu e as noõeseuopeias de sexuaidade, epistemooia e espiituaidade foam expotadaspaa o esto do mundo atas da expansão coonia, tansfomadas assimnos citios heemónicos que iiam aciaia, cassica e patooia a es-tante popuaão mundia de acodo com uma hieaquia de aas supeioese infeioes.

Esta conceptuaiaão tem enomes impicaões, a que aqui não possofae senão uma bee menão:

1)  A eha ideia de que, no âmbito do Estado-naão, as sociedades sedesenoem de acodo com uma eouão inea que ai de modosde poduão p-capitaistas paa o modo capitaista, enconta-seutapassada. Estamos todos enoidos num sistema-mundo capi-taista que aticua difeentes fomas de tabaho de acodo com a

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pensam de imediato que estamos a faa de ‘economia’. No entanto,o ‘capitaismo’ apenas uma das mútipas e enedadas consteaões

da mati de pode coonia do ‘sistema-mundo patiaca/capita-ista/coonia/modeno euopeu’. é impotante, mas não a única.Dado o seu enedamento com outas eaões de pode, destuios aspectos capitaistas do sistema-mundo não seia suciente paadestui o actua sistema-mundo. Paa o tansfoma seia essenciadestui um todo históico-estutua heteoneo a que se chama a‘mati de pode coonia’ do ‘sistema-mundo’.

6)  A descooniaão e a ibetaão anticapitaistas não podem seeduidas a uma única dimensão da ida socia. é necessáia uma

tansfomaão mais ampa das hieaquias sexuais, de neo, espi-ituais, epistmicas, económicas, poíticas, inuísticas e aciais dosistema-mundo coonia/modeno. A pespectia da ‘cooniaidadedo pode’ desaa-nos a eecti sobe as mudanas e tansfomaõessociais de uma foma que não seja edutoa.

3. Do Colonialismo Gloal à Colonialidade GloalNão podemos pensa na descooniaão como a conquista do pode sobe asfonteias juídico-poíticas de um Estado, ou seja, como a aquisião de con-too sobe um único Estado-naão (gosfoue, 1996). A eha emancipaãonaciona e as estatias sociaistas de tomada do pode ao níe do Estado-naão não são sucientes, poque a cooniaidade oba não edutíe àpesena ou ausência de uma administaão coonia (gosfoue, 2002) nemàs estutuas poítico-económicas do pode. Um dos mais podeosos mitosdo scuo XX foi a noão de que a eiminaão das administaões cooniaisconduia à descooniaão do mundo, o que oiinou o mito de um mundo‘pós-coonia’. As mútipas e heteoneas estutuas obais, impantadasduante um peíodo de 450 anos, não se eapoaam juntamente com adescooniaão juídico-poítica da peifeia ao ono dos útimos 50 anos.

Continuamos a ie sob a mesma ‘mati de pode coonia’. Com a des-cooniaão juídico-poítica saímos de um peíodo de ‘colonialismo  oba’paa enta num peíodo de ‘colonialidade oba’. Emboa as ‘administaõescooniais’ tenham sido quase todas eadicadas e ande pate da peifeiase tenha oaniado poiticamente em Estados independentes, os poosnão-euopeus continuam a ie sob a ude expoaão e dominaão euo-peia/euo-ameicana. As antias hieaquias cooniais, aupadas na eaãoeuopeias versus não-euopeias, continuam aeiadas e enedadas na ‘diisão

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intenaciona do tabaho’ e na acumuaão do capita à escaa mundia (Qui-jano, 2000; gosfoue, 2002).

é aqui que eside a petinência da distinão ente ‘cooniaismo’ e‘cooniaidade’. A cooniaidade pemite-nos compeende a continuidadedas fomas cooniais de dominaão após o m das administaões cooniais,poduidas peas cutuas cooniais e peas estutuas do sistema-mundocapitaista modeno/coonia. A expessão ‘cooniaidade do pode’ desinaum pocesso fundamenta de estutuaão do sistema-mundo modeno/coonia, que aticua os uaes peificos da diisão intenaciona do ta-baho com a hieaquia tnico-acia oba e com a inscião de miantesdo Teceio Mundo na hieaquia tnico-acia das cidades metopoitanas

obais. Os Estados-naão peificos e os poos não-euopeus iem hojesob o eime da ‘cooniaidade oba’ imposto peos Estados Unidos, atasdo Fundo Monetáio Intenaciona (FMI), do Banco Mundia (BM), do Pen-táono e da OTAN. As onas peificas mantêm-se numa situaão coonia,ainda que já não estejam sujeitas a uma administaão coonia.

 A paaa ‘coonia’ não desina apenas o ‘cooniaismo cássico’ ouum ‘cooniaismo inteno’, nem pode se eduida à pesena de uma ‘admi-nistaão coonia’. Quijano estabeece uma distinão ente cooniaismo ecooniaidade. Eu uso a paaa ‘cooniaismo’ paa me efei a ‘situaõescooniais’ impostas pea pesena de uma administaão coonia, como o caso do peíodo do cooniaismo cássico, e, na esteia de Quijano, uso adesinaão ‘cooniaidade’ paa me efei a ‘situaões cooniais’ da actua-idade, em que as administaões cooniais foam paticamente eadicadasdo sistema-mundo capitaista. Po ‘situaões cooniais’ entendo a opessão/expoaão cutua, poítica, sexua e económica de upos tnicos/aciai-ados subodinados po pate de upos tnico-aciais dominantes, com ousem a existência de administaões cooniais. Cinco scuos de expansão edominaão coonia euopeia ciaam uma diisão intenaciona do taba-ho ente euopeus e não-euopeus, que se enconta epoduida no que se

chama a actua fase ‘pós-coonia’ do sistema-mundo capitaista (Waestein,1979, 1995). Actuamente, as onas centais da economia-mundo capitaistacoincidem com sociedades pedominantemente bancas/euopeias/euo-ameicanas, tais como a Euopa Ocidenta, o Canadá, a Austáia e os EstadosUnidos, enquanto as onas peificas coincidem com poos não-euopeusoutoa cooniados. O Japão a única excepão que conma a ea, namedida em que nunca foi cooniado nem dominado peos euopeus e, àsemehana do Ocidente, desempenhou um pape actio na constuão do

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seu pópio impio coonia. A China, emboa nunca cooniada na suatotaidade, iu-se peifeiada peo uso de entepostos cooniais como Hon

Kon e Macau, e po inteenões miitaes diectas. A mitooia da ‘descooniaão do mundo’ toda as continuidades ente

o passado coonia e as actuais hieaquias cooniais/aciais obais, am deque contibui paa a inisibiidade da ‘cooniaidade’ no momento pesente.Duante os útimos cinquenta anos, os Estados peificos que hoje são o-ciamente independentes, ainhando com os discusos ibeais eocênticosdominantes (Waestein, 1991a, 1995), constuíam ideooias de ‘identidadenaciona’, ‘desenoimento naciona’ e ‘sobeania naciona’ que poduiamuma iusão de ‘independência’, ‘desenoimento’ e ‘poesso’. Contudo,

os seus sistemas económicos e poíticos foam modados pea sua posiãosubodinada num sistema-mundo capitaista que se oania em tono deuma diisão hieáquica intenaciona do tabaho (Waestein, 1979; 1984;1995). Os mútipos e heteoneos pocessos do sistema-mundo, junta-mente com a pedominância das cutuas euocênticas,3  constituem uma‘cooniaidade oba’ ente, po um ado, poos euopeus/euo-ameicanose, po outo, poos não-euopeus. Po conseuinte, a ‘cooniaidade’ inte-ia-se com a diisão intenaciona do tabaho, mas não pode se eduidaapenas a isso. A hieaquia tnico-acia oba de euopeus/não-euopeus pate inteante do desenoimento da diisão intenaciona do tabahono sistema-mundo capitaista (Waestein, 1983; Quijano, 1993; Minoo,1995). Nestes tempos de ‘pós-independência’, o eixo ‘coonia’ ente euo-peus/euo-ameicanos e não-euopeus inscee-se não só nas eaões deexpoaão (ente capita e tabaho) e nas eaões de dominaão (enteEstados metopoitanos e Estados peificos), mas tambm na poduão desubjectiidades e de conhecimento. resumindo, pate do mito euocêntico que iemos numa chamada ea ‘pós’-coonia e que o mundo e, em especia,os centos metopoitanos, não necessitam de descooniaão. Seundo estadenião conenciona, a cooniaidade eduida à pesena de adminis-

taões cooniais. Pom, como compoou o tabaho do socióoo peuano Aníba Quijano (1993, 1998, 2000) com a sua pespectia da ‘cooniaidadedo pode’, continuamos a ie num mundo coonia e temos de nos ibetadas fomas esteitas de pensa as eaões cooniais, de modo a concetia

3 veja-se Said, 1979; Waestein, 1991b, 1995; lande, 1998; Quijano, 1998; Mi- veja-se Said, 1979; Waestein, 1991b, 1995; lande, 1998; Quijano, 1998; Mi-Said, 1979; Waestein, 1991b, 1995; lande, 1998; Quijano, 1998; Mi-noo, 2000.

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esse inacabado e incompeto sonho do scuo XX que a descooniaão. Istoobia-nos a examina noas atenatias cooniais utópicas, que ão am dos

fundamentaismos euocêntico e ‘teceio-mundista’.

4. Pós-colonialidade e Sistemas-mundo: Um Apelo ao Diálogorepensa o mundo coonia/modeno a pati da difeena coonia ateaimpotantes pessupostos dos nossos paadimas. Aqui, ostaia de me cen-ta nas impicaões que a pespectia da ‘cooniaidade do pode’ tem paa osistema-mundo e paa os paadimas pós-cooniais. A maioia das anáises dosistema-mundo debuam-se sobe a foma como a diisão intenaciona dotabaho e as utas miitaes eopoíticas são eementos constitutios dos po-

cessos de acumuaão capitaista à escaa mundia. Emboa use esta aboda-em como ponto de patida, pensa a pati da difeena coonia obia-nosa considea com maio seiedade as estatias ideoóico-simbóicas, bemcomo a cutua coonia/acista do mundo coonia/modeno. recentemente,a anáise do sistema-mundo desenoeu o conceito de eocutua paa seefei às ideooias obais. No entanto, o uso do temo ‘eocutua’ na abo-daem do sistema-mundo enquada-se no paadima maxista da infa-estu-tua/supeestutua. Contaiamente a esta conceptuaiaão, consideo queas estatias ideoóico-simbóicas obais e a cutua coonia/acista, jun-tamente com os pocessos de acumuaão capitaista e o sistema inteestata,são constitutias das eaões cento/peifeia à escaa mundia. Estas dife-entes estatias e pocessos fomam uma heteaquia (Kontopouos, 1993)de hieaquias heteoneas, compexas e enedadas que não são passíeis deexpicaão atas do paadima infa-estutua/supeestutua.

 A pós-cooniaidade e a abodaem do sistema-mundo patiham entesi uma cítica ao desenoimentismo, às fomas euocênticas de conhe-cimento, às desiuadades ente os sexos, às hieaquias aciais e aos po-cessos cutuais/ideoóicos que fomentam a subodinaão da peifeia nosistema-mundo capitaista. Contudo, as isões cíticas pemitidas po uma e

outa abodaem dão ênfase a difeentes causas deteminantes. Enquanto ascíticas pós-cooniais saientam a cutua coonia, a abodaem do sistema-mundo subinha a acumuaão intemináe de capita à escaa mundia. Ese, po um ado, as cíticas pós-cooniais dão ênfase à aência, po outo, aabodaem do sistema-mundo enfatia as estutuas. Auns acadmicos dateoia pós-coonia, como, po exempo, gayati Spiak (1998), econhecema impotância da diisão intenaciona do tabaho enquanto eemento cons-titutio do sistema capitaista. Outos, pom, patidáios da abodaem do

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sistema-mundo, como, po exempo, Immanue Waestein, econhecem aimpotância de pocessos cutuais como o acismo e o sexismo enquanto

ao de ineente ao capitaismo históico. No entanto, no ea, os dois cam-pos pemanecem diididos no que di espeito às oposiões bináias cutuaversus economia e aência versus estutua. Isto dee-se, em pate, ao eadodas ‘duas cutuas’ do sabe ocidenta, que diide as ciências das humanida-des, uma diisão po sua e assente no duaismo catesiano que sobepõe oespíito à matia.

Sao aas excepões, a maioia dos teóicos pós-cooniais em docampo das humanidades, de áeas como a iteatua, a etóica e os estudoscutuais. Apenas uma pequena pate dos acadmicos do campo da pós-

cooniaidade em das ciências sociais, nomeadamente da antopooia.Po outo ado, os acadmicos da anáise do sistema-mundo são, na suamaioia, poenientes de discipinas das ciências sociais, como a sociooia,a antopooia, as ciências poíticas e a economia. Ente estes, são poucosos que êm das humanidades – à excepão dos histoiadoes, que costumamte maio anidade com a abodaem do sistema-mundo –, e tambm sãomuito poucos os que êm da iteatua. Saientei as discipinas que pe-dominam em ambas as abodaens poque consideo que estas fonteiasdiscipinaes são constitutias de aumas difeenas teóicas existentesente uma e outa.

 A cítica pós-coonia caacteia o sistema capitaista enquanto sistemacutua. Estes teóicos aceditam que a cutua o facto constitutio quedetemina as eaões económicas e poíticas no capitaismo oba (Said,1979). Po outo ado, a maioia dos acadmicos do sistema-mundo saientaa impotância das eaões económicas à escaa mundia como facto cons-titutio do sistema-mundo capitaista. As eaões cutuais e poíticas sãoconceptuaiadas que como instumento, que como epifenómeno, dos po-cessos de acumuaão capitaista. O facto que os teóicos do sistema-mundosentem dicudades em teoia a cutua, enquanto os teóicos pós-cooniais

têm dicudade em conceptuaia os pocessos poítico-económicos. Paa-doxa que muitos acadmicos do sistema-mundo econheam a impo-tância da cutua, mas não saibam o que fae com ea ou como o expessade uma foma não edutoa; po seu ado, muitos acadmicos pós-cooniaiseconhecem a impotância da economia poítica, mas não sabem como aintea na anáise cutua sem epodui um educionismo de tipo ‘cu-tuaista’. Assim, a bibioaa poduida de uma e outa banda oscia enteo peio do educionismo económico e o peio do cutuaismo. Tanto os

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Estudos Pós-Cooniais como a Anáise do Sistema-Mundo estão a necessitade uma inteenão descoonia.

Eu suio que a dicotomia cutua versus economia um diema ‘do ooe da ainha’, ou seja, um faso diema que nasce daquio a que Immanue Wa-estein chamou o eado do ibeaismo do scuo XIX (Waestein, 1991a:4). Este eado impica que se faa uma sepaaão da economia, poítica,cutua e sociedade em áeas autónomas. Seundo Waestein, a constuãodestas áeas ‘autónomas’ e a sua mateiaiaão em domínios de conheci-mento sepaados, tais como a ciência poítica, a sociooia, a antopooiae a economia, nas ciências sociais, assim como as difeentes discipinas dashumanidades, são o penicioso esutado do ibeaismo enquanto eocutua

do sistema-mundo modeno. Numa apeciaão cítica da anáise do sistema-mundo, Waestein ama que

 A análise do sistema‑mundo pretende ser uma crítica à ciência social do século XIX. Porém, é uma crítica incompleta, inacabada, pois ainda não conseguiu encontrar uma forma de ultrapassar o mais persistente (e enganoso) legado da ciência social do século XIX

– a divisão da análise social em três áreas, três lógicas, três níveis – o económico, o político e o sociocultural. Este trio atravessa‑se‑nos no caminho, sólido como granito, a bloquear o nosso

avanço intelectual. Muitos consideram‑no insatisfatório, mas, a meu ver ainda ninguémarranjou maneira de prescindir dessa linguagem e respectivas implicações, algumas das quaiscorrectas, mas a maioria delas talvez não (1991a: 4).

[…] todos nós recorremos ao uso da linguagem das três áreas em praticamente tudoo que escrevemos. É o momento de tentar enfrentar seriamente a questão. […] estamos air atrás de falsos modelos e a comprometer a nossa argumentação quando continuamos ausar essa linguagem. É urgente começarmos a elaborar modelos alternativos (1991a: 271).

Há que desenoe uma noa inuaem descoonia paa epesentaos compexos pocessos do sistema-mundo coonia/modeno, sem estamos

dependentes da eha inuaem ibea destas tês áeas. Po exempo, o factode os teóicos do sistema-mundo caacteiaem o sistema-mundo modenocomo uma economia-mundo ea muitas pessoas a pensa eoneamente quea anáise do sistema-mundo consiste em anaisa a chamada ‘óica econó-mica’ do sistema. é exactamente este tipo de intepetaão que Waesteintenta eita na sua cítica a estes tês domínios autónomos. Contudo, comoadmite o pópio Waestein, a inuaem usada pea anáise do sistema-mundo ainda está pesa à eha inuaem da ciência socia do scuo XIX e

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inteadas de pocessos económicos, poíticos e cutuais’. A pati domomento em que as eaões hieáquicas mútipas são istas como eneda-

das, seundo Kontopouos, ou inteadas, seundo Waestein, deixam deexisti óicas ou domínios autónomos. A noão de uma óica única coeo isco de educionismo, o que contáio à ideia de sistemas compexos, ea noão de óicas mútipas coe o isco de duaismo. A souão paa estasquestões ontoóicas (o diema educionismo/duaismo) do pensamentoheteáquico supea a oposião bináia monismo/duaismo, no sentido deum mateiaismo emeentista que impica mútipos pocessos enedados adifeentes níeis estutuais, inseidos numa única eaidade mateia histó-ica (que incui o simbóico-ideoóico como pate dessa mesma eaidade

mateia). As heteaquias continuam a usa a noão de ‘óica’ apenas paans anaíticos, de modo a estabeece deteminadas distinões ou paa to-na abstactos cetos pocessos que, uma e inteados ou enedados numpocesso históico conceto, adquiem um efeito e um sinicado estutuaisdifeentes. O pensamento heteáquico fonece uma inuaem paa dieaquio a que Immanue Waestein chama um noo modo de pensamentocapa de ompe com as ciências sociais do scuo XIX ibea e centa-se emsistemas históicos compexos.

 A noão de ‘cooniaidade do pode’ tambm úti em temos de desco-oniaão do diema cutua versus economia. O tabaho de Quijano ofeeceuma noa foma de pensa sobe este diema, a qua utapassa os imitestanto da anáise pós-coonia como da anáise do sistema-mundo. Na Amicalatina, a maioia dos teóicos dependentistas piieiam as eaões eco-nómicas em pocessos sociais, em detimento das deteminaões de odemcutua e ideoóica. A escoa dependentista pecepcionou a cutua comosendo um facto instumenta nos pocessos de acumuaão capitaista. Emmuitos aspectos, a anáise dos dependentistas e a anáise do sistema-mundoepoduiam pate do educionismo económico das abodaens maxistasotodoxas. Isto causou dois pobemas: em pimeio ua, um subestima

das hieaquias cooniais/aciais; e, em seundo ua, um empobecimentoanaítico que se eeou incapa de expica as compexidades dos pocessospoítico-económicos heteáquicos obais.

 As ideias dependentistas têm de se compeendidas enquanto pateda longue durée das ideias da modenidade na Amica latina. O desenoi-mento naciona autónomo um tema ideoóico centa do sistema-mundomodeno desde nais do scuo XvIII. Os dependentistas epoduiam aiusão de que o desenoimento e a oaniaão aciona podem se acan-

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ados po meio do contoo do Estado-naão. Isto eio contadie a posiãoseundo a qua desenoimento e subdesenoimento são o esutado de

eaões estutuais no inteio do sistema-mundo capitaista. Não obstantedeniem o capitaismo como um sistema oba que está paa am doEstado-naão, os dependentistas ainda aceditaam se possíe queba o

 íncuo, ompendo com o sistema-mundo ao níe do Estado-naão (Fank,1969: 11, 104, 150, cap. 25). Isto sinicaa que um pocesso eoucionáiosociaista de âmbito naciona podeia isoa o país em eaão ao sistema o-ba. Contudo, ta como sabemos actuamente, impossíe tansfoma umsistema que opee à escaa oba piieiando o contoo/administaão doEstado-naão (Waestein, 1992b). Nenhum tipo de contoo ‘aciona’ do

Estado-naão podeá, po si, atea a ocaiaão de um deteminado paísna diisão intenaciona do tabaho. O paneamento e o contoo ‘aciona’do Estado-naão contibuem paa a iusão desenoimentista da eiminaãodas desiuadades do sistema-mundo capitaista ao níe do Estado-naão.

No sistema-mundo capitaista, um Estado-naão peifico pode passapo tansfomaões na sua foma de incopoaão na economia-mundo capi-taista, e uma minoia desses Estados pode mesmo desoca-se paa uma posi-ão semipeifica. No entanto, ompe com ou tansfoma todo o sistemaao níe do Estado-naão está competamente foa do eque das suas possibii-dades (Waestein, 1992a, 1992b). Po isso, um pobema oba não pode teuma souão naciona. Não se tata de nea a impotância das inteenõespoíticas ao níe do Estado-naão. O impotante seá não eica o Estado-naão e compeende os imites das inteenões poíticas, a este níe, paaa tansfomaão a ono pao de um sistema que opea à escaa mundia.Emboa continue a se uma impotante instituião do Capitaismo Históico,o Estado-naão um espao imitado paa tansfomaões poíticas e sociaisadicais. Paa seem capaes de intei ecamente no sistema-mundocapitaista, as aências coectias da peifeia pecisam de te um âmbitooba. Os conitos sociais ocoidos em níeis situados abaixo e acima do

Estado-naão são espaos estaticos de inteenão poítica fequente-mente inoados quando o foco dos moimentos piieia o Estado-naão.Paa que a inteenão poítica seja eca, as iaões ocais e obais dosmoimentos sociais assumem uma impotância cucia. Os dependentistasnão tieam isto em conta, deido, em pate, à sua tendência paa piieia oEstado-naão como unidade de anáise e tambm à ênfase economicista dassuas abodaens. Isto tee teíeis consequências páticas paa a esquedada Amica latina e paa a cedibiidade do pojecto poítico dependentista.

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epistemologias do sul404

pespectia peifica como a atino-ameicana, e de um modo ea, estasfomas de tabaho aticuaam-se, todas eas, simutaneamente no tempo e

enedaam-se no espao, aiando ente, po um ado, fomas ‘ies’ de ta-baho atibuídas no cento ou a popuaões de oiem euopeia, e po outoado fomas ‘coecias’ de tabaho enteues à peifeia ou a popuaõesde oiem não-euopeia. A acumuaão capitaista à escaa mundia opeaem simutâneo atas de diesas fomas de tabaho que são diididas,oaniadas e atibuídas de acodo com a acionaidade acista euocênticada ‘cooniaidade do pode’. Am disso, paa Quijano, não existe uma teeo-oia inea ente as difeentes fomas de acumuaão capitaista (pimitia,absouta e eatia, seundo a odenaão da anáise maxista euocêntica).

Seundo este auto, as mútipas fomas de acumuaão tambm são tempo-amente coeas. Enquanto tendência a ono pao, as fomas ‘ioentas’ (aque o maxismo euocêntico chama ‘pimitias’) de acumuaão de capitasão pedominantes na peifeia não-euopeia, enquanto as fomas ‘abso-utas’ de acumuaão pedominam nas onas de tabaho ‘ie’ do centoeuopeu.

O seundo pobema decoente do facto de a isão dependentistasubestima as dinâmicas cutuais e ideoóicas que isso empobeceu a suapópia abodaem poítico-económica. Tanto as estatias ideoóico-sim-bóicas como as fomas euocênticas de conhecimento são constitutias daeconomia poítica do sistema-mundo capitaista. As estatias simbóicas/ideoóicas são um impotante pocesso estutuante das eaões cento-peifeia no sistema-mundo capitaista. Os Estados centais, po exempo,desenoem estatias ideoóico-simbóicas ao incentia fomas deconhecimento ‘ocidentaistas’ (Minoo, 1995) que piieiam o Ocidente,ou ‘Oeste em detimento do resto’. Isto caamente isíe em discusosdesenoimentistas que, no decuso dos útimos cinquenta anos, se to-naam uma foma de conhecimento dito ‘cientíco’. Este conhecimentopiieiou o ‘Ocidente’ enquanto modeo de desenoimento. O discuso

desenoimentista ofeece uma fómua coonia de como se assemeha ao‘Ocidente’.

 Apesa dos esfoos paa combate estas fomas uniesaistas/ociden-taistas de conhecimento, os dependentistas iam este conhecimento comouma ‘supeestutua’ ou o epifenómeno de uma ‘infa-estutua económica’,nunca consideando que ee fosse constitutio da economia poítica da

 Amica latina. A postuaão de onas peificas, como a Áfica ou a Am-ica latina, como ‘eiões com pobemas’ ou com ‘um atasado níe de

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desenoimento’ dissimuou a esponsabiidade euopeia e euo-ameicanana expoaão destes continentes. A postuaão de eiões ‘patoóicas’ na

peifeia, po oposião aos chamados padões ‘nomais’ de desenoimentodo ‘Ocidente’, justicou uma inteenão poítica e económica ainda maisintensa po pate das potências impeiais. Deido ao tatamento do ‘Outo’como ‘subdesenoido’ e ‘atasado’, a expoaão e a dominaão po patedas metópoes tonaam-se justicáeis em nome da ‘missão ciiiadoa’.

 A petensa supeioidade do sabe euopeu nas mais diesas áeas da ida foi um impotante aspecto da cooniaidade do pode no sistema-mundocoonia/modeno. Os sabees subatenos foam excuídos, omitidos, sien-ciados e/ou inoados. Isto não um apeo a uma missão fundamentaista ou

essenciaista de saamento da autenticidade. Do que aqui se tata de coo-ca a difeena coonia (Minoo, 2000) no cento do pocesso de poduãode conhecimento. Os sabees subatenos são aquees que se situam na inte-secão do tadiciona e do modeno. São fomas de conhecimento híbidas etanscutuais, não apenas no sentido tadiciona de sincetismo ou mestizaje,mas no sentido das ‘amas miaosas’ de Aim Csaie ou daquio a que cha-mei ‘cumpicidade subesia’ (gosfoue, 1996) conta o sistema. Estas sãofomas de esistência que einestem de sinicado e tansfomam as fomasdominantes de conhecimento do ponto de ista da acionaidade não-euo-cêntica das subjectiidades subatenas, pensadas a pati de uma episte-mooia de fonteia. Eas constituem aquio a que Wate Minoo (2000)chama uma cítica da modenidade baseada em expeiências eopoíticase memóias da cooniaidade. Seundo Minoo (2000), este um espaonoo que meece se ao de maio expoaão, como noa dimensão cíticada modenidade/cooniaidade e, simutaneamente, como um espao a patido qua podem concebe-se noas utopias. Isto ta impotantes impicaõesà poduão de conhecimento. Iemos nós podui um noo conhecimentoque epita ou epodua essa espcie de pespectia dos ohos de deus que a

 isão uniesaista e euocêntica? Die que a unidade de anáise o sistema-

mundo, e não o Estado-naão, não equiae a uma isão neuta do mundoatas do oha diino. Acedito que a anáise do sistema-mundo pecisade descoonia a sua epistemooia, eando a sio o ado subateno dadifeena coonia: o ado da peifeia, dos tabahadoes, das muhees, dosindiíduos aciaiados/cooniados, dos homossexuais/sbicas e dos moi-mentos anti-sistmicos que paticipam no pocesso de poduão de conhe-cimento. Isto sinica que, emboa o sistema-mundo tome o mundo comounidade de anáise, ee pensa a pati de uma deteminada pespectia no

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mundo. Contudo, a anáise do sistema-mundo não encontou uma maneiade incopoa os sabees subatenos nos pocessos de poduão de conheci-

mento. Sem isto não pode hae uma descooniaão do conhecimento nemuma utopística capa de supea o euocentismo. A cumpicidade ente asciências sociais e a cooniaidade do pode na poduão de conhecimento edos desenhos impeiais obais eque noos uaes institucionais e não-ins-titucionais, a pati dos quais o subateno possa faa e se ouido.

5. O Pensamento de Fronteira At ao momento, a históia do sistema-mundo patiaca/capitaista/coo-nia/ modeno tem piieiado a cutua, o conhecimento e a epistemooia

poduidos peo Ocidente (Spiak, 1988; Minoo, 2000). Nenhuma cutuano mundo pemaneceu intacta peante a modenidade euopeia. Não há, emabsouto, como esta foa deste sistema. O monooismo e o desenho mono-tópico oba do Ocidente eacionam-se com outas cutuas e poos a patide uma posião de supeioidade e são sudos às cosmooias e epistemoo-ias do mundo não-ocidenta.

 A imposião do Cistianismo a m de conete os chamados seaense bábaos no scuo XvI, seuida da imposião do ‘fado do homem banco’e da sua ‘missão ciiiadoa’ nos scuos XvIII e XIX, da imposião do ‘po-jecto desenoimentista’ no scuo XX e, mais ecentemente, do pojectoimpeia das inteenões miitaes apoiadas na etóica da ‘democacia’ edos ‘dieitos humanos’ no scuo XXI, tudo isto foi imposto com ecuso aomiitaismo e à ioência sob a etóica da modenidade, com o seu apeo asaa o outo dos seus pópios babaismos. Em face da imposião cooniaeuocêntica, suem duas espostas: os nacionaismos e os fundamentais-mos do Teceio Mundo. O nacionaismo apesenta souões euocênticaspaa um pobema oba euocêntico; epodu uma cooniaidade intenade pode dento de cada Estado-naão e eica o Estado-naão enquantoua piieiado de mudana socia (gosfoue, 1996). Os conitos que

ocoem em níeis acima e abaixo do Estado-naão não são tidos em consi-deaão peas estatias poíticas nacionaistas. Am do mais, as espostasnacionaistas ao capitaismo oba efoam o Estado-naão enquanto fomapoítico-instituciona po exceência do sistema-mundo patiaca/capitaistacoonia/modeno. Neste sentido, o nacionaismo cúmpice do pensamentoe das estutuas poíticas euocênticas. Po outo ado, os fundamentaismosteceio-mundistas da mais aiada espcie espondem com a etóica de umessenciaista ‘puo espao exteio’ à modenidade, uma ‘absouta exteioi-

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dade’ eatiamente a esta. São foas ‘modenas antimodenas’ que epo-duem as oposiões bináias do pensamento euocêntico. Se o pensamento

euocêntico eiindica que a ‘democacia’ um atibuto natua do Ocidente,os fundamentaismos do Teceio Mundo aceitam esta pemissa euocênticae eiindicam que a democacia não tem nada que e com o não-Ocidente.Ea , assim, um atibuto intinsecamente euopeu e imposto peo Ocidente.

 Ambos neam o facto de muitos dos eementos que hoje consideamos pateda modenidade, como po exempo a democacia, teem sido ciados numaeaão oba ente o Ocidente e o não-Ocidente. Os euopeus foam buscamuito do seu conhecimento utópico aos sistemas históicos não-ocidentaisque encontaam nas coónias, apopiando-se dees e faendo-os pate dessa

sua modenidade euocentada. Os fundamentaismos do Teceio Mundoespondem à imposião da modenidade euocentada enquanto desenhooba/impeia com uma modenidade antimodena que tão euocêntica,hieáquica, autoitáia e antidemocática como aquea.

Uma das muitas souões pausíeis paa o diema euocêntico versus fundamentaista aquio a que Wate Minoo, inspiado em pensadoeschicanos(as) como goia Anadúa (1987) e Jose Daid Sadia (1997), cha-mou “ pensamento crítico de fronteira” (Minoo, 2000). O pensamento cíticode fonteia a esposta epistmica do subateno ao pojecto euocênticoda modenidade. Ao ins de ejeitaem a modenidade paa se ecoheemnum absoutismo fundamentaista, as epistemooias de fonteia sub-sumem/edenem a etóica emancipatóia da modenidade a pati dascosmooias e epistemooias do subateno, ocaiadas no ado opimido eexpoado da difeena coonia, umo a uma uta de ibetaão descooniaem po de um mundo capa de supea a modenidade euocentada. Aquioque o pensamento de fonteia podu uma edenião/subsunão da cida-dania e da democacia, dos dieitos humanos, da humanidade e das eaõeseconómicas paa á das deniões impostas pea modenidade euopeia. Opensamento de fonteia não um fundamentaismo antimodeno. é uma

esposta tansmodena descoonia do subateno peante a modenidadeeuocêntica.

Um bom exempo disto mesmo a uta apatista no Mxico. Os apatis-tas não são fundamentaistas antimodenos, não ejeitam a democacia nemse emetem a uma espcie de fundamentaismo indíena. Peo contáio, osapatistas aceitam a noão de democacia, mas edenem-na patindo dapática e da cosmooia indíena oca, conceptuaiando-a de acodo coma máxima ‘comanda obedecendo’ ou ‘todos difeentes, todos iuais’. O que

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paece se um soan paadoxa , na edade, uma edenião cítica desco-onia da democacia, ecoendo às páticas, cosmooias e epistemooias

do subateno. Isto ea-nos à questão de como tanscende o monóooimpeia estabeecido pea modenidade euopeia-euocêntica.

6. A Transmodernidade ou Cosmopolitismo Crítico EnquantoProjectos utópicosUm diáoo intecutua Note-Su não pode se acanado sem que ocoauma descooniaão das eaões de pode no mundo modeno. Um diáoode tipo hoionta, po contaposião com o diáoo etica caacteísticodo Ocidente, exie uma tansfomaão nas estutuas de pode obais.

Não podemos pesumi um consenso habemasiano ou uma eaão iuaente cutuas e poos obamente extemados nos dois póos da difeenacoonia. Pom, podemos comea a imaina mundos atenatios paa ádo euocentismo e do fundamentaismo. A tansmodenidade o pojectoutópico que o ósofo da ibetaão Enique Dusse (2001) popõe paatanscende a esão euocêntica da modenidade. Ao contáio do pojectode Habemas (2000), em que o objectio concetia o incompeto e ina-cabado pojecto da modenidade, a tansmodenidade de Dusse isa con-cetia o inacabado e incompeto pojecto noecentista da descooniaãoda Amica latina. Em e de uma única modenidade, centada na Euopae imposta ao esto do mundo como um desenho oba, Dusse popõe quese enfente a modenidade euocentada atas de uma mutipicidade deespostas cíticas descooniais que patam das cutuas e uaes epistmi-cos subatenos de poos cooniados de todo o mundo. Na intepetaãoque Wate Minoo fa de Dusse, a tansmodenidade seia equiaente à‘diesaidade enquanto pojecto uniesa’, que o esutado do “ pensamentocrítico de fronteira” enquanto inteenão epistmica dos diesos subatenos(Minoo, 2000). As epistemooias subatenas podeiam fonece, seundoa edenião do conceito do pensado caibenho édouad gissant po Wa-

te Minoo (2000), uma ‘diesaidade’ de espostas paa os pobemas damodenidade, conduindo à ‘tansmodenidade’.5

Paa Dusse, a osoa da ibetaão só pode sui se os pensadoescíticos de cada cutua entaem em diáoo com outas cutuas. Uma dasiaões que as difeentes fomas de democacia, os dieitos ciis e a eman-

5 veja-se gissant, 1989.

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cipaão das muhees só podem sui das espostas ciatias de epistemo-oias ocais subatenas. Assim, e po exempo, as muhees ocidentais não

podem impo a sua noão de emancipaão às muhees isâmicas. Os homensocidentais não podem impo a sua noão de democacia a poos não-oci-dentais. Isto não um apeo a uma souão fundamentaista ou nacionaistapaa a pesistência da cooniaidade ou paa um paticuaismo de incidênciaoca e isoada. é um apeo ao pensamento cítico de fonteia, como esta-tia ou mecanismo conducente a um ‘mundo tansmodeno’ descooni-ado enquanto pojecto uniesa que nos ee am do euocentismo e dofundamentaismo.

Nos útimos 510 anos do ‘sistema-mundo patiaca/capitaista coo-

nia/modeno euopeu/euo-ameicano’, passámos do ‘cistiania-te ou dou-te um tio’ do scuo XvI, paa o ‘ciiia-te ou dou-te um tio’ do scuo XIX, paa o ‘desenoe-te ou dou-te um tio’ do scuo XX, paa o ecente‘neoibeaia-te ou dou-te um tio’ dos nais do scuo XX e paa o ‘demo-catia-te ou dou-te um tio’ do início do scuo XXI. Não houe espeitonem econhecimento peas fomas de democacia indíenas, fossem eas afi-canas, isâmicas, ou outas não-euopeias. A foma ibea da democacia aúnica aceite e eitimada. As fomas outas de democacia são ejeitadas. Se apopuaão não-euopeia não aceita as condiões da democacia ibea euo-ameicana, esta imposta pea foa em nome da ciiiaão e do poesso.é peciso econceptuaia a democacia de maneia tansmodena, de modoa que seja descooniada da democacia ibea, ou seja, da foma ocidenta dedemocacia, que uma foma aciaiada e centada no capitaismo.

 Ao adicaia a noão einasiana de exteioidade, Dusse ê umapotenciaidade adica nos espaos eatiamente extenos que não foamtotamente cooniados pea modenidade euopeia. Estes espaos extenosnão são puos nem absoutos. Foam afectados e poduidos pea modeni-dade euopeia, mas nunca totamente subsumidos ou instumentaiados.é a pati da eopoítica do conhecimento desta eatia exteioidade, ou

maens, que emee o “ pensamento crítico de fronteira” como uma cítica damodenidade, com ista a um mundo tansmodeno puiesa (Minoo,2000) de mútipos e diesos pojectos tico-poíticos em que podeiaexisti um diáoo e uma comunicaão edadeiamente hoiontais entetodos os poos do mundo. No entanto, paa concetia este pojecto utó-pico essencia tansfoma os sistemas de dominaão e de expoaão daactua mati de pode coonia do sistema-mundo patiaca/capitaistacoonia/modeno.

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7. Os Conitos Anticapitalistas na Actualidade A inuência nocia da cooniaidade, em todas as suas manifestaões aos

difeentes níeis (oba, naciona, oca), assim como os espectios sabeeseuocênticos, têm-se eectido em moimentos anti-sistmicos e pensa-mento utópico po todo o mundo. Assim, a pimeia taefa de um pojecto deesqueda enoado confonta-se com as cooniaidades euocênticas nãoapenas da dieita mas tambm da esqueda. Muitos pojectos de esqueda,po exempo, subestimaam as hieaquias tnico-aciais, e quando assumi-am o contoo das estutuas estatais acabaam po epodui, no seio dassuas oaniaões, o domínio banco/euocentado sobe os poos não-euo-peus. A ‘esqueda’ intenaciona nunca pobematiou, de foma adica, as

hieaquias tnico-aciais constuídas duante a expansão coonia euopeia eque ainda hoje se encontam pesentes na ‘cooniaidade do pode’ mundia.Nenhum pojecto adica podeá hoje te êxito sem antes desmantea estashieaquias cooniais/aciais. A subestimaão do pobema da cooniaidadecontibuiu, em ande medida, paa a desiusão popua peante os pojectos‘de esqueda’. A democacia (ibea ou adica) não podeá se concetiadana totaidade enquanto as dinâmicas cooniais/aciais mantieem andepate ou, em auns casos, a maioia da popuaão sob o estatuto de cidadãosde seunda.

 A pespectia aqui enunciada não uma defesa da ‘poítica de identi-dade’. As identidades subatenas podeiam sei de ponto de patida epis-tmico paa uma cítica adica dos paadimas e modos de pensa euocên-ticos. Pom, uma ‘poítica de identidade’ não o mesmo que a ateidadeepistemoóica. O âmbito da ‘poítica de identidade’ imitado, não podendoacana uma tansfomaão adica do sistema e da espectia mati depode coonia. Uma e que todas as identidades modenas são uma cons-tuão da cooniaidade do pode no mundo coonia/modeno, a sua defesanão tão subesia como pode paece à pimeia ista. A identidade ‘nea’,‘indiana’, ‘aficana’ ou identidades nacionais como a ‘coombiana’, ‘queniana’

ou ‘fancesa’ são constuões cooniais. A defesa destas identidades podeáeentuamente sei popósitos poessistas, dependendo do que está emcausa num deteminado contexto. Po exempo, nas utas conta uma inasãoimpeiaista ou em confontos anti-acistas conta a supemacia banca, estasidentidades podeão sei paa unica o poo opimido conta um inimiocomum. Contudo, a poítica de identidade só see os objectios de um únicoupo e exie a iuadade dento do sistema, ao ins de desenoe uma utaanticapitaista adica conta o sistema. O sistema de expoaão um espao

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de inteenão cucia que eque aianas mais astas, em temos não apenasde aa e difeena sexua, mas tambm de casses e ente uma diesidade de

upos opimidos, em tono da adicaiaão da noão de iuadade socia.Mas, ao contáio da noão imitada, abstacta e foma de iuadade que típica da modenidade euocêntica, a ideia aqui aaa a noão de iua-dade a todas as eaões de opessão, sejam eas aciais, de casse, sexuais oude neo. O noo unieso de sinicaão ou noo imaináio de ibetaãonecessita de uma inuaem comum, apesa da diesidade de cutuas efomas de opessão. Esta noa inuaem comum podeia se obtida atasda adicaiaão das noões ibetadoas nascidas do eho padão de podecoonia/modeno, tais como a ibedade (de impensa, eiiosa ou de

expessão), as ibedades indiiduais ou a iuadade socia, iando-as a umademocatiaão adica das hieaquias poíticas, epistmicas, de neo,sexuais, espiituais e económicas do pode à escaa oba.

 A poposta que Quijano fa de uma “ socialização do poder ”, po oposião auma “nacionalização estatista da produção”, fundamenta aqui (Quijano, 2000).Em e de pojectos ‘estatais sociaistas’ ou ‘estatais capitaistas’ centados naadministaão do Estado e nas estutuas hieáquicas do pode, a estatiada ‘sociaiaão do pode’ em todas as esfeas de existência socia piieia osconitos ocais e obais a fao de fomas coectias de autoidade púbica.

 As comunidades, empesas, escoas, hospitais e todas as instituiõesque actuamente euam a ida socia seiam autoeidas po ente apostadaem aaa a iuadade socia e a democacia a todos os espaos do existisocia. Tata-se de um pocesso de capacitaão e de democatiaão adicaa pati de baixo que não excui a fomaão de instituiões púbicas obaispaa democatia e sociaia a poduão, a iquea e os ecusos a umaescaa mundia. A sociaiaão do pode tambm iia impica a fomaãode instituiões obais paa á das fonteias nacionais ou estatais, de modoa aanti a iuadade e justia na poduão, epoduão e distibuião dosecusos mundiais. Isto exiiia aum tipo de oaniaão oba demo-

cática autoeida, que funcionasse como uma autoidade coectia obacom o m de aanti a justia socia e a iuadade socia à escaa mundia.

 A sociaiaão do pode ao níe oca e oba impicaia a ciaão de umaautoidade púbica que fosse exteio e contáia às estutuas estatais.

Baseando-se nas antias comunidades indíenas dos Andes e nas noascomunidades ubanas mainais, em que a ecipocidade e a soidaiedadesão as pincipais fomas de inteacão socia, Quijano ê o potencia utópicode um eemento piado socia, atenatio à popiedade piada, e de um

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eemento púbico não-estata iuamente atenatio, paa á das noões capi-taistas/sociaistas de piado e púbico. Este eemento púbico não-estata

(po oposião à identicaão do estata com o púbico na ideooia ibeae sociaista) não está, seundo Quijano, em contadião com um eementopiado de índoe socia (po oposião a uma popiedade piada de tipoempesaia e capitaista). O piado socia e a sua autoidade institucionapúbica não-estata não contadiem as ibedades pessoais/indiiduais nemo desenoimento coectio. Um dos pobemas do discuso ibea e socia-ista que o Estado sempe a instituião de autoidade púbica em conta-dião com o desenoimento de um cescimento atenatio do ‘piado’ edos ‘indiíduos’.

Os pojectos desenoimentistas que se centam nas mudanas depoíticas ao níe do Estado-naão são obsoetos no actua quado da eco-nomia-mundo, conduindo a miaens de tipo desenoimentista. Umsistema de dominaão e expoaão que opee à escaa mundia, como ocaso do sistema-mundo capitaista, não pode te uma ‘souão naciona’.Um pobema oba não pode se esoido no pano do Estado-naão. Sãonecessáias souões descooniais de âmbito oba. Assim, a descooniaãoda economia poítica do sistema-mundo patiaca/capitaista coonia/modeno exie a eadicaão das contínuas tansfeências de iquea do Supaa o Note e a institucionaiaão de uma edistibuião oba e da tans-feência de iquea do Note paa o Su. Depois de scuos de “acumulação

 por espoliação” (Haey, 2003), o Note detm uma concentaão de iqueae ecusos inacessíeis ao Su. Podeia pomoe-se mecanismos obais com

 ista a edistibui a iquea do Note paa o Su, po meio da inteenãodiecta de oaniaões intenacionais e/ou pea apicaão de impostos sobeos uxos obais de capita. Contudo, isto exiiia uma uta de pode desco-onia e oba, com ista a uma tansfomaão da mati oba e coonia depode e, po consequência, uma tansfomaão do sistema-mundo patia-ca/capitaista coonia/modeno. O Note mosta-se eutante em patiha

a concentaão e acumuaão de iquea eada peo tabaho não-euopeudo Su depois de anos de expoaão e dominaão. Ainda hoje, as poíticasneoibeais epesentam uma continuaão da “acumulação por espoliação”(Haey, 2003) iniciada pea expansão coonia euopeia com a conquista das

 Amicas no scuo XvI. Muitos países peificos iam-se piados da suaiquea e ecusos nacionais duante os útimos inte anos de neoibeaismoà escaa mundia, sob a supeisão e inteenão diecta do Fundo MonetáioIntenaciona e do Banco Mundia. Estas poíticas conduiam à bancaota

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muitos países da peifeia e eaam à tansfeência da iquea do Su paaandes empesas e instituiões nanceias tansnacionais sediadas no

Note. O espao de manoba das eiões peificas muito eduido, deidoaos constanimentos à sobeania dos Estados-naão peificos impostospeo sistema inteestata oba. resumindo, a souão paa as desiuadadessociais exie que se imainem atenatias descooniais obais utópicas eque se supeem os modos bináios de pensamento em temos de coonia-istas e nacionaistas, fundamentaistas euocênticos e fundamentaistas deTeceio Mundo.

8. Rumo a um Projecto de ‘Diversalidade Anticapitalista Descolonial,

Universal e Radical’ A necessidade de uma inuaem cítica comum de descooniaão equeum tipo de uniesaidade que já não seja um desenho impeia oba/uni-

 esa monoóico e monotópico, que de dieita ou de esqueda, impostoao esto do mundo pea pesuasão ou pea foa e em nome do poessoou da ciiiaão. A esta noa foma de uniesaidade, enquanto pojectode ibetaão, chamaei ‘diesaidade anticapitaista descoonia uniesaadica’. Ao contáio dos uniesais abstactos das epistemooias euo-cênticas, que subsumem/diuem o paticua no que indifeenciado, uma‘diesaidade anticapitaista descoonia uniesa adica’ um uniesaconceto que constói um uniesa descoonia, espeitando as mútipaspaticuaidades ocais nas utas conta o patiacado, o capitaismo, a coo-niaidade e a modenidade euocentada, a pati de uma aiedade de po-jectos históicos tico-epistmicos descooniais. Isto epesenta uma fusãoente a ‘tansmodenidade’ de Dusse e a ‘sociaiaão do pode’ de Quijano.

 A tansmodenidade de Dusse conduiu-nos ao que Wate Minoo (2000)caacteiou como “diversalidade enquanto projecto universal ” paa descoonia amodenidade euocentada, ao passo que a sociaiaão do pode de Quijanofa um apeo a um noo tipo de imaináio uniesa anticapitaista adica

que descoonie as pespectias maxistas/sociaistas dos seus imites euo-cênticos. A inuaem comum deeá se anticapitaista, antipatiaca, anti-impeiaista e conta a cooniaidade do pode, umo a um mundo em que opode seja sociaiado sem deixa de se mante abeto a uma diesaidadede fomas institucionais de sociaiaão do pode assentes nas difeentesespostas tico-epistmicas descooniais dos upos subatenos do sistema-mundo. Caso não seja edenido e econuado a pati de uma pespectiatansmodena, o apeo de Quijano no sentido de uma sociaiaão do pode

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podeá tona-se em mais um uniesa abstacto conducente a um desenhooba. As fomas de uta anticapitaista e de sociaiaão do pode que eme-

em no mundo isâmico são bastante difeentes das que emeem nos poosindíenas das Amicas ou nos poos bantu da Áfica Ocidenta. Todas pati-ham o pojecto anti-impeiaista, antipatiaca, anticapitaista descoonia,mas dão ao pojecto da sociaiaão do pode concepões e fomas institu-cionais diesas, de acodo com as suas mútipas e difeentes epistemooias.repodui os desenhos obais euocênticos sociaistas do scuo XX, quepatiam de um cento epistmico euocentado e uniatea, não faia maisdo que epeti os eos que conduiam a esqueda a um desaste oba.Do que aqui se tata de um apeo a um uniesa que seja um puiesa

(Minoo, 2000), um apeo a um uniesa conceto que há-de incui todasas paticuaidades epistmicas umo a uma ‘sociaiaão tansmodena edescoonia do pode’. Como diem os apatistas, “luchar por un mundo dondeotros mundos sean posibles”.

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CAPTUlO 12

inteleCtuais negros e produçãodo ConheCimento: algumas reflexõessobre a realidade brasileira 

 Nilma Lino Gomes

Petendo tematia nesse capítuo aumas eexões efeentes ao inteectuaneo e o seu ua no contexto acadêmico basieio. Tata-se de uma discus-

são e um pocesso que têm a sua oiem na tensa dinâmica socia e acia dapópia sociedade e não no inteio da academia, entendida aqui como auniesidade, pincipa instituião esponsáe pea poduão e sociaiaãodo conhecimento cientíco. A inseão de neos e neas no campo da pes-quisa cientíca e da poduão do conhecimento não mais como objetos deestudo, mas como sujeitos que possuem e poduem conhecimento fa pateda históia das utas sociais em po do dieito à educaão e ao conhecimentoassim como da uta pea supeaão do acismo.

 Aumas discussões sobe o ua, o pe e a poduão dos inteectuaisneos eaiadas nesse texto têm como inteocuão e diáoo as eexões de

Santos (2006)1 sobe a puaidade intena e extena da ciência, a supeaãoda monocutua do sabe e a constuão de uma ecooia dos sabees.

Seundo o auto, a discussão sobe a puaidade intena da ciência macada peas contibuiões das pespectias feministas, pós-cooniais,muticutuais e památicas e podem se consideadas como epistemooiasde páticas cientícas. Eas pocuam uma teceia ia ente a epistemooiaconenciona da ciência modena e outos sistemas de conhecimentos ate-natios à ciência. Tata-se de questiona a neutaidade da ciência, tonandoexpícita a dependência da atiidade da pesquisa cientíca das escohas sobe

os temas, os pobemas, os modeos teóicos, as metodooias, as inuaense imaens e as fomas de aumentaão. Ou seja, toda inestiaão cientíca contextuamente ocaiada e subjetiamente poduida.

 A puaidade extena, ou seja, a constuão de outos sabees, di es-peito a abetua a uma diesidade de modos de conhecimento e as noas

1 veja-se iuamente os capítuos de Boaentua de Sousa Santos neste oume.

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epistemologias do sul420

fomas de eacionamento ente estes e a ciência. Esse pocesso, seundoSantos (2006), tem sido conduido com esutados positios, especiamente,

nas áeas mais peificas do sistema mundia modeno, onde o encontoente os sabees heemônicos e não heemônicos mais desiua e ioento.é nesse contexto que se encontam os inteectuais neos basieios.

Paa o auto supa citado, ta pocesso se dá em um contexto de utaconta uma monocutua do sabe, não apenas no campo teóico, mas napática constante dos pocessos de inestiaão. Ama a existência dopotencia innito da diesidade epistêmica do mundo e discuti o caátecontextua e incompeto do conhecimento são oientaões pesentes na eco-oia de sabees ou de páticas de sabees.

Paa Santos (2006: 154) “a ecologia dos saberes é um conjunto de epistemolo‑ gias que partem da possibilidade da diversidade e da globalização contra‑hegemônicase pretendem contribuir para credibilizá‑las e fortalecê‑las”. Ea se assenta em doispessupostos:

1) não há epistemologias neutras e as que reclamam sê‑lo são as menos neutras; 2) a ree‑ xão epistemológica deve incidir não nos conhecimentos em abstrato, mas nas práticas de

conhecimento e seus impactos noutras práticas sociais. Quando falo de ecologia de saberes,entendo‑a como ecologia de práticas de saberes. (Santos, 2006: 154)

Dessa foma, a ecooia dos sabees podeá nos ajuda a compeendea poduão, a históia, as tensões e os desaos iidos pea inteectuaidadenea basieia destacando o caáte inoado, contestado e a adicaidadepoítica do conhecimento e das páticas po ea poduidos.

1. Anos 90 e a Intelectualidade Negra: Um Novo ContetoPodemos die que, atuamente, a questão acia tem encontado um espaomaio no campo da poduão cientíca basieia. Ta inseão aponta umapossíe inexão, a pati dos anos 90, na tentatia de meho compeende as

eaões aciais no contexto das desiuadades sócio-aciais. As pesquisas aca-dêmicas e ociais comeam a considea com mais seiedade outas dimen-sões e cateoias paa am dos aspectos socioeconômicos. Esse pocesso nãosinica apenas uma mudana do oha da ciência sobe a eaidade. repe-senta, ente outos fatoes, o esutado da pessão dos moimentos sociais decaáte identitáio e os seus sujeitos sobe o campo da poduão acadêmica:neos, indíenas, muhees, homossexuais etc. (gomes, 2008).

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intelectuais negros e produção do conhecimento 421

 Aos poucos, pesquisadoes e pesquisadoas oiundos de difeentesupos sociais e tnico-aciais e/ou compometidos com esses setoes sociais

comeam a se insei de maneia mais sinicatia nas difeentes uniesida-des do país, sobetudo as púbicas, e desencadeiam um outo tipo de podu-ão do conhecimento. Um conhecimento eaiado ‘po’ esses sujeitos que,ao desenoeem suas pesquisas, piieiam a paceia ‘com’ os moimentossociais e extapoam a tendência ainda heemônica no campo das ciênciashumanas e sociais de podui conhecimento ‘sobe’ os moimentos e osseus sujeitos.

Dente os pesquisadoes e pesquisadoas que inauuam essa noa fasena poduão de um conhecimento aticuado às suas iências nos (e com) os

moimentos sociais auns passaam a ocupa ua de destaque no cenáioacadêmico oca e naciona, nas associaões de pesquisa, na fomaão depofessoes e em óãos de estão. A educaão tae seja o campo em que tainseão se fe mais pesente e isíe.Tais sujeitos se conuam não só comopesquisadoes que atuam no meio acadêmico. Ees poduem conhecimentoe ocaiam-se no campo cientíco. São inteectuais, mas um outo tipo deinteectua, pois poduem um conhecimento que tem como objetio da

 isibiidade a subjetiidades, desiuadades, sienciamentos e omissões emeaão a deteminados upos sócio-aciais e suas iências. Paa ta, con-uam-se como um coetio, oaniam-se e ciam associaões cientícas am de mapea, pobematia, anaisa e podui conhecimento. é aqui quese ocaiam os inteectuais neos.

O desao desse upo de inteectuais está na abetua do oha daciência e de upos que ocupam espaos de pode e decisão no campo dapesquisa cientíca paa que enxeuem a eaidade socia paa am dosocioeconômico e compeendam o peso da cutua, das dimensões simbó-icas, da disciminaão, do peconceito, da desiuadade acia, de êneo ede oientaão sexua na ida dos sujeitos sociais. Ta desao está, tambm,no entendimento de que não há como hieaquia desiuadades. Ou seja,

toda e quaque foma de desiuadade pecisa se supeada. Esse upo deinteectuais desaa a ciência a entende as imbicaões das dimensões socio-econômicas, cutuais e poíticas e não de hieaquiá-as.

O pape dos inteectuais neos tem sido, nesse contexto, indaa apoduão do conhecimento acadêmico e o ua ocupado peo ‘outo’, peodifeente e peas difeenas. Ao eaia essa indaaão ees se coocam comosujeitos coetios e poíticos que questionam a eaão ente a uniesidade, aciência, a poduão, o econhecimento e a distibuião desiua do conheci-

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epistemologias do sul422

mento na sociedade. Uma desiuadade que extapoa as fonteias eionaise que possui aspectos tnico-aciais, de êneo, de oientaão sexua e de

idade. Taem tambm a eexão de que uma sociedade e uma uniesidadeque se petendem democáticas são econhecidas não somente pea suacontibuião teóica paa o campo da poduão do conhecimento e paa oaano tecnoóico que conseuem pooca na sociedade. Esse econheci-mento passa, necessaiamente, pea sua capacidade de se cooca diante dospobemas e demandas sociais do seu tempo e ea conhecimento e aõesque impusionem a sociedade e a pópia ciência a se democatiaem cada

 e mais e se edeniem po dento e po foa. Uma democacia que não sepeca na constuão de uma cidadania abstata, mas, sim, na efetiaão da

iuadade de dieitos e, dente estes, o dieito à difeena.O acismo e a desiuadade acia que amentaemente ainda pesistemno Basi são exempos de como este país, a despeito da intensa diesidadecutua e da popaada miscienaão acia, ainda pecisa aana. Esse umdos temas taidos po esse upo de inteectuais, os quais aticuam a mii-tância poítica e a poduão do conhecimento sobe a eaidade tnico-acia apati da sua pópia iência acia. Emboa a pesena, ainda que mínima, detais sujeitos já se esse senti nos cícuos inteectuais basieios, somentea pati dos anos 90 que ea passa a assumi uma especicidade no campo doconhecimento acadêmico. Esse momento macado pea fomaão de umanoa eaão de neos e neas que concuem a pós-aduaão nos anos80 e se inseem na uniesidade, sobetudo a púbica, como pesquisadoes.

 Ao eaiaem suas pesquisas e tematiaem a questão acia nas maisdiesas áeas do conhecimento, com ênfase nas ciências sociais e humanas,esses sujeitos poduem um conhecimento pautado não mais no oha do‘outo’, do inteectua banco compometido (ou não) com a uta anti-acista,mas peo oha cítico e anaítico do pópio neo como pesquisado datemática acia. Não mais um oha distanciado e neuto sobe o fenômenodo acismo e das desiuadades aciais, mas, sim, uma anáise e eitua cítica

de aum que os iencia na sua tajetóia pessoa e coetia, incusie, nosmeios acadêmicos. Essa inseão, sem dúida, ta tensões. Eniquece e po-bematia as anáises at então constuídas sobe o neo e as eaões aciaisno Basi, ameaa teitóios histoicamente demacados dento do campodas ciências sociais e humanas, ta eementos noos de anáise e noas dis-putas nos espaos de pode acadêmico. é tambm coocada sob suspeita poaquees que ainda aceditam na possibiidade de poduão de uma ciêncianeuta e descoada dos sujeitos que a poduem.

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Mas os inteectuais neos que assumem esse pape poítico e acadêmiconão se contentam em somente podui conhecimento sobe a eaidade

acia nas mais diesas áeas. Enquanto poduem conhecimento ees tam-bm se inseem poiticamente na uta anti-acista e desaam a uniesidadee os óãos do Estado a impementaem poíticas amatias. São, potanto,inteectuais enajados. Mas po que seá que a ciência se tonou um espao dedisputa teóica e poítica dos inteectuais neos? Seá que os fóuns poíticosda miitância nea não seiam sucientes como espaos não acadêmicos depoduão de sabees sobe a eaidade acia? Não podemos nos esquece deque foi no contexto cientico do na do scuo XIX e início do scuo XXque os ‘homens de ciência’ ajudaam a podui as pseudo-teoias aciais

que, naquee momento, atestaam a existência de uma suposta infeioidadee supeioidade acia. A ciência seiu, naquee momento, como um instu-mento de dominaão, disciminaão e acismo e a uniesidade foi o pinci-pa espao de diuaão dessas idias e páticas. No decoe do pocessohistóico, tais teoias foam deubadas, supeadas e condenadas nos meiosinteectuais e na eaidade socia, mas isso não isenta os pejuíos sociais e oimaináio acista que eas ajudaam a efoa e podui, pincipamente, natajetóia dos upos tnico-aciais sobe os quais eas incidiam. Tais esu-tados afetaam não somente o campo da poduão inteectua e a sociedadede um modo ea, mas de maneia especíca, a ida e as tajetóias de cian-as, adoescentes, joens e adutos neos e neas, incusie, na educaão.

2. A Conguraão de Um Outro Perl Intelectual: O Intelectual NegroMas possíe ama a existência do inteectua neo como um noo (ououto) tipo de inteectua que, aos poucos, inade o cenáio acadêmico ba-sieio? váias têm sido as eexões, debates e tentatias de denião sobequem o inteectua e qua a sua eaão com a poduão de um conheci-mento dito enajado. gamsci, Sate, Meeau-Ponty, Boudieu, Bobbio etantos outos já se debuaam sobe esse debate.

Dente estes, Bobbio (1997) ê o inteectua como aquee dotado de umceto distanciamento ente a poduão das idias e o pode:

[...] uma posição de separação critica de toda forma de domínio exercido exclusivamentecom meios coercitivos, e que tendem a propor o domínio das idéias (...) em substituição aodomínio dos instrumentos tradicionais do poder do homem sobre o homem, e portanto,em última instância, a transformar a sociedade existente, considerada distante demais da

 sociedade tal qual deveria existir  (Bobbio, 1997: 122).

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epistemologias do sul424

O mesmo auto acescenta ainda:

[...] um grupo de homens (e mulheres) não políticos, conhecidos por sua atividade prevalentemente literária, que tomam posição como homens de letras com respeito a uma prevaricação do poder político, e combatem a razão de Estado em nome da razão sem outras

especicações, defendendo a verdade da qual se consideram os depositários e defensores contraa ‘mentira útil (Bobbio, 1997: 123).

Difeentemente de Bobbio, a denião de gamsci tae seja a maisconhecida, pois efuta a existência de uma única camada de inteectuais, dis-tinuindo dois upos ente ees: o dos inteectuais tadicionais e o dos inteec-

tuais oânicos. Esse seundo upo, em sua concepão, aticuaia o poíticoe o cutua. Paa esse auto, os upos sociais, nascendo no teeno oiináiode uma funão essencia no mundo da poduão econômica, ciam paa si, aomesmo tempo e de um modo oânico, uma ou mais camadas de inteectuaisque he dão homoeneidade e consciência da pópia funão, não apenas nocampo econômico, mas tambm no socia e no poítico. (gamsci, sd.: 7).

Se inteectua neo seia uma foma especíca de inteectua oâ-nico? A pópia oiem, iência e atuaão desse sujeito socia e poíticonos oienta a i mais am. Pato do pessuposto de que existem difeentesmaneias de se inteectua neo e nea. Nem todos são patícipes de pen-samentos e poduões emancipatóias. Há aquees que se nutem de idiasconseadoas e outos não. Há aquees que possuem uma eaão mais oâ-nica com o Moimento Neo e outos não. Auns poduem conhecimentomais ampiado e de maio econhecimento acadêmico e outos nem tanto.Há difeenas de êneo ente se homem e muhe nea e ocaia-se noteeno da inteectuaidade. Admiti as difeentes possibiidades e posicio-namentos de tais sujeitos no campo cientíco considea a ibedade deexpessão e a puaidade de idias que maca o ua da uniesidade comoócus piieiado de poduão do conhecimento.

 Ao faa sobe os inteectuais neos inspio-me na discussão eaiadapea inteectua e feminista nea Be Hooks (1995), a espeito do ua dasinteectuais neas note-ameicanas. A despeito das difeenas ente os doiscontextos acadêmicos, as eexões da autoa taem contibuiões paa odebate sobe o enajamento do inteectua neo basieio. Seundo ea,

 Nos círculos políticos progressistas o trabalho dos intelectuais raramente é reconhecidocomo uma forma de ativismo; na verdade, expressões mais visíveis de ativismo concreto são

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intelectuais negros e produção do conhecimento 425

consideradas mais importantes para a luta revolucionária do que para o trabalho mental. É essa desvalorização do trabalho intelectual que muitas vezes torna difícil para indivíduos

que vêm de grupos marginalizados considerarem importante o trabalho intelectual, isto é,uma atividade útil (Hooks, 1995: 464-465).

Mas, paa am da discussão sobe a oiem, o destino e o destinatáiodo conhecimento poduido peos inteectuais neos, tae a sua caacte-ística pincipa seja o fato de se ocaiaem em uma sociedade e uma aca-demia aciaiados e se posicionaem poiticamente nesse campo. Esse pede inteectua sempe existiu e em aumentando nos útimos anos. é o queconma Saes Santos:

[...] devemos deixar evidente que intelectuais negros sempre existiram no meio acadêmicobrasileiro (inclusive intelectuais do porte de Milton  Santos, geógrafo mundialmente

 famoso), embora estes fossem – e ainda sejam – poucos, mas não tão poucos quanto searma.[...] Contudo, no geral, a maioria desses poucos intelectuais negros provavelmente

 passou e passa por diversas diculdades para chegar aonde eles chegaram, ou seja, paraocupar um cargo e ter o status de professor em uma universidade pública brasileira. Ade‑mais, o isolamento a que, praticamente, estão relegados em seus departamentos, muito

 provavelmente os impossibilita de debater a questão racial brasileira de forma franca, pro‑ funda, sem medo de represálias e com apoio ou solidariedade racial, visto que raramente há pares intelectuais negros em suas unidades acadêmicas, como a pesquisa de Santos (2002)

demonstrou (2008: 1-2).

  O auto acima citado ainda fa uma distinão ente inteectuaisneos e neos inteectuais. Este seundo upo, seundo ee, seia aqueeconsideado mais ao na academia basieia, como po exempo, Abetogueeio ramos, lia gonáe, Beati Nascimento, Abdias do Nasci-mento, ente outos. A difeena que paa Santos (2008) os neos inte-ectuais são potadoes de uma tica da conicão do anti-acismo adquiida

ou incopoada dos Moimentos Sociais Neos, bem como um ethos acadê-mico-cientíco atio, posicionado em po da iuadade acia e poíticas depomoão da mesma. A inteatiidade ente a tica constuída nesses doisespaos seia, potanto, uma maca dos neos inteectuais.

Sem me pende à difeenciaão poposta peo auto e, ao mesmotempo, buscando deni, nesse texto, o pe de inteectua neo queemee a pati dos anos 90, possíe die que a denião aqui adotadacoesponde àquea apontada po Santos (2008) ao conceitua o neo inte-

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epistemologias do sul426

ectua. Sendo assim, o inteectua neo aqui discutido efee-se àquee po-ssiona que constói sua tajetóia de poduão, eexão e inteenão na

inteatiidade ente o ethos poítico da discussão da temática acia e o ethosacadêmico-cientíco adquiido no mundo da ciência modena. No entanto,há um difeencia na denião que apesento. O inteectua neo tambmaquee que indaa a ciência po dento e pobematia conceitos, cateoias,teoias e metodooias cássicas que, na sua poduão, esaiam a iqueae a pobemática acia ou tansfomam aa em mea cateoia anaíticaetiando-he o seu caáte de constuão socia, cutua e poítica. E ainda, aquee que cooca em diáoo com a ciência modena os conhecimentospoduidos na iência tnico-acia da comunidade nea.

Esse upo de inteectuais o pincipa esponsáe pea constu-ão, desde o ano 2000, da Associaão Basieia de Pesquisadoes Neos(ABPN).2  Esta associaão, de caáte naciona, aticua poduão teóica einteenão poítica e oania o Conesso Basieio de PesquisadoesNeos – COPENE –, o qua se enconta na sua quinta edião.3 O COPENE um momento de apesentaão e mapeamento da poduão cientíca eai-ada peos inteectuais neos, discussões poíticas, constuão de estatiasacadêmicas e de diáoo sobe a temática acia com inteectuais aficanos,afo-ameicanos e atino-ameicanos. é tambm um espao/tempo de iên-cias fotes: desde aos de soidaiedade at tensões e disputas teóicas epoíticas.

 A ABPN uma associaão sem ns ucatios que se destina à defesa dapesquisa acadêmico-cientíca e/ou espaos ans eaiados pioitaiamentepo pesquisadoes neos, sobe temas de inteesse dieto das popuaõesneas no Basi e todos os demais temas petinentes à constuão e ampia-ão do conhecimento humano. No atio 3º do estatuto da Associaão pos-síe enconta a sua naidade: a) conea os Pesquisadoes Neos Basi-

2 Tie o osto de pesidi a esta associaão duante o biênio 2004 -2006.3 1º COPENE, data: 22-25/11/2000, recife/UFPE. Tema: O neo e a poduão do

conhecimento: dos 500 anos ao scuo XXI; 2º COPENE, data: 25-29/11/2002, São Caos/UFSCAr, Tema: De peto a afo-descendente: a pesquisa sobe eaões tnico-aciais noBasi; 3º COPENE: data: 05-08/09/2004, São lui/MA, Tema: Pesquisa socia e poíticasde Aão Amatia paa Afo-descendentes; 4º COPENE: data: 13-16/09/2006, Tema: OBasi neo e suas aficanidades: poduão e tansmissão de conhecimentos; 5º COPENE,data: 29/08/08 a 01/08/08, goiânia/UFg, Tema: Pensamento neo e anti-acismo: dife-enciaões e pecusos.

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intelectuais negros e produção do conhecimento 427

eios; b) conea os Pesquisadoes que tabaham com temas de inteessedieto das popuaões neas no Basi; c) assisti e defende os inteesses da

 ABPN e dos sócios, peante os podees púbicos em ea ou entidades autá-quicas; d) pomoe confeências, euniões, cusos e debates no inteesse dapesquisa sobe temas de inteesse dieto das popuaões neas no Basi; e)possibiita pubicaões de teses, dissetaões, atios, eistas de inteessedieto das popuaões neas no Basi; f) mante intecâmbio com associa-ões conênees do país e do exteio; ) defende e ea pea manutenão daPesquisa com nanciamento Púbico e dos Institutos de Pesquisa em gea,popondo medidas paa seu apimoamento, fotaecimento e consoidaão;h) popo medidas paa a poítica de ciência e tecnooia do País.

Os inteectuais neos que oaniaam, fundaam e paticipam ati- amente desta Associaão são tambm aquees que, na sua maioia, inte-am, fundam e coodenam os áios Núceos de Estudos Afo-Basieios(NEAB´S) existentes no Basi, sobetudo, a pati de meados dos anos 90 doscuo passado. é tambm a pati dos anos 90 que assistimos à emeênciade um númeo sinicatio de núceos de pesquisa e extensão futo do po-cesso mencionado anteiomente, o qua se efee à entada pauatina de umnoo quado de inteectuais neos nas uniesidades púbicas e piadas dopaís, enajados na uta em po da supeaão do acismo.4 

Os NEAB’s são núceos compostos de pesquisadoes e pesquisadoas, nasua maioia nea, que tematiam a diesidade tnico-acia e eaiam aõesde ensino, pesquisa e extensão otados paa a mesma. Esses núceos, apesade nem sempe ocupaem uaes heemônicos no inteio das uniesidadesonde estão ocaiados possuem uma atuaão que se tadu na poduão deum conhecimento poiticamente posicionado. A questão tnico-acia não consideada peos pesquisadoes que os inteam apenas como mais umtema de pesquisa, mas, sim, como uma questão socia, poítica e de pesquisaque demanda da uniesidade a poduão de noos conhecimentos e doEstado noas fomas de inteenão na uta anti-acista. A poduão aca-

4  No v Conesso Basieio de Pesquisadoes Neos – eaiado de 29/07/08 a01/08/08 – foi instituído ociamente o Consócio de Núceos de Estudos Afo-basieios.Os inteantes do Consócio são pesquisadoes e pesquisadoas incuados à AssociaãoBasieia de Pesquisadoes Neos. Tata-se da institucionaiaão da paceia e do taba-ho conjunto que já êm sendo eaiados po áios desses núceos e caecia de uma foma-iaão. Um dos objetios centais do Consócio a eaiaão de paceias e intecâmbiosente os núceos, eaiaão de pesquisas e contatos intenacionais.

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dêmica e poítica dos NEAB´s questiona a isão de conhecimento cientícodesconectada da eaidade socia e poítica do país e das demandas coocadas

peos moimentos sociais e difeentes setoes da sociedade.é nesse contexto que os inteectuais neos basieios poduem hoje

conhecimento. No seu discuso, na sua poduão escita, na sua inteenãosocia, iteáia e acadêmica esses inteectuais expessam um oha macadonão só pea sua condião de casse, mas, tambm, pea aa. E mais, a aana sua intemediaão com o êneo, a idade e demais uaes sociais dosquais paticipam. São tambm sujeitos que não estão obiados a somentepodui conhecimento sobe o neo, mas que dento de quaque campodo conhecimento onde estieem, indaam a sociedade, a uniesidade e a

ciência do ua da aa, ou seja, não têm eceio de expessa que já nascemosem um espao/tempo aciaiado e at em um pensamento socia aciaiado. Esses possionais sabem a dimensão poítica desse posicionamento e, po-tanto, não neam que estamos em um campo no qua se cuam eaões deaa e pode. Essas mesmas eaões, na eaidade, fundam as ciências sociaisno scuo passado.

Casto-góme (2005) aeta que as ciências sociais e humanas nocontexto do pojeto modeno desempenhaam mecanismos podutoesde ateidades. Seundo ee, a pópia acumuaão de capita tinha comoobjetio a eaão de um pe de ‘sujeito’ que se adaptaia facimente àsexiências da poduão: banco, homem, casado, heteossexua, discipinado,tabahado, dono de si mesmo. retomando as idias de Foucaut, este autodestaca que as ciências humanas contibuíam paa a ciaão desse pe namedida em que fomaam o seu objeto de conhecimento a pati de páticasinstitucionais de ecusão e seqüesto, tais como pisões, hospitais, manicô-mios, escoas, fábicas e sociedades cooniais. Estes foam “os laboratórios queas ciências sociais obtiveram à contraluz aquela imagem de “homem” que devia promo‑ver e sustentar os processos de acumulação do capital ” (Casto-góme, 1995: 181).O auto ainda discute:

 Esta imagem do ‘homem racional’, obteve‑se contrafaticamente  mediante oestudo do ‘outro da razão’: o louco, o índio, o negro, o desadaptado, o preso, o homossexual,o indigente. A construção do perl de subjetividade que requeria tal projeto moderno exigiaentão a supressão de todas estas diferenças (2005: 181).

O mesmo auto econhece que as mudanas da acumuaão do capitada atuaidade não demandam mais a supessão das difeenas, mas, sim, a

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sua poduão. Nesse sentido, o íncuo estutua ente as ciências sociais eos noos dispositios de pode passa po mudanas. As ciências sociais e as

humanidades são impeidas a eaia uma ‘mudana de paadimas’ que hespemita ajusta-se às exiências sistêmicas do capita oba. A questão quese cooca se o oha e o imaináio estimatiado que histoicamente ecaisobe essas difeenas conseuiu se ateado, de fato, nesse noo contextopaadimático ou se ambos faem pate de uma estutua mais pofunda dedominaão acia que ainda pesiste. Uma estutua que aimenta a descon-ana a espeito da eitimidade do conhecimento poduido po sujeitosque histoicamente foam consideados foa do ua da aão.

Os inteectuais neos – pincipamente aquees que eeem a ques-

tão acia como seu foco de inestiaão – iompem conta essa ateidadefojada em contextos de pode. A difeena tnico-acia que deeia sesupimida no pojeto modeno ou que poduida em outos modes noatua pocesso de obaiaão do capita adquie outo tipo de isibiidade.O ‘outo da aão’ passa a ocupa os uaes da acionaidade cientíca desa-ando-a po meio de uma outa acionaidade que não se dissocia da copo-eidade, da musicaidade, das naatias, da iência da peifeia, das cutuasneas, das fomas comunitáias de apende. Confome aponta Boaentuade Sousa Santos (2006:161) “aliás, as práticas de saber não têm que ser linguísticase incluem outros tipos de expressão e comunicação”. Tudo isso se dá em meio a ten-sões e conitos.

 A taefa de tona isíeis os noos mecanismos de poduão das dife-enas em tempos de obaiaão apontada po Casto-góme como umataefa da teoia cítica da sociedade e a descooniaão das ciências sociais eda osoa pode se ista como um desao tambm dos inteectuais neos.

 A este se soma mais um: a essinicaão da idia de aa, não se esquecendodo fato que ea pode se compeendida como uma foma de cassicaãosocia constuída no pocesso de dominaão coonia modeno e euocen-tado. Se nesse contexto a aa pode se entendida como uma constuão

menta que expessa a expeiência básica da dominaão coonia e que desdeentão pemeia as dimensões mais impotantes do pode mundia, incuindosua acionaidade especíca, o euocentismo (Quijano, 2005), os inteec-tuais neos, ao eeeem a essinicaão da aa, como cateoia úti deanáise paa entende as eaões aciais, coocam-se no teeno poítico eepistemoóico de ‘desconstuão menta’, essinicaão e descooniaãode conceitos e cateoias. Ao tematiaem a aa como constuão socia,cutua, históica e poítica, ao discutiem que a incidência do acismo

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sobe os neos (petos e pados) não se estine à sua ascendência afi-cana e nem à sua cutua, mas está incuada às intepetaões que ecaem

sobe os sinais diacíticos inscitos no copo neo, os inteectuais neose-poitiam a aa e e-semantiam-na. Apesa de não se consenso ente ainteectuaidade nea basieia, a adoão da aa como cateoia anaítica,socioóica, antopoóica e poítica passou a opea com mais foa nocontexto acadêmico quando da cheada desses inteectuais e suas anáises,intepetaões e inestiaões.

O inteectua neo econhece que, nesse contexto, se neo ou nea epodui conhecimento sobe a temática acia ou que contibua dietamentepaa a eexão, discussão e pobematiaão de questões concenentes à

popuaão nea e suas inte-eaões na sociedade podui um conheci-mento que extapoa o seu upo tnico-acia especíco, pobematia e tanoas questões paa difeentes áeas do conhecimento, cutuas e sujeitossociais. Tata-se de uma poduão do conhecimento e de uma postua acadê-mica que pocuam intei. Uma poduão que pode constitui noos sujei-tos, subjetiidades e sociabiidades e supea o epistemicídio ou o assassíniodo conhecimento pópio da cutua subodinada e, potanto, dos upossociais seus tituaes (Santos, 1996).

Desse modo, nos diees do escito Adai Fancisco (1987) apud San-tos (2005) o inteectua neo pode se isto como um “militante ativo da pala‑vra”. Podeíamos acescenta um miitante atio do conhecimento sobe si eo seu unieso tnico-acia aticuado a uma eaidade mais ampa. Mesmonão sendo assumido penamente no cicuito inteectua basieio ee impõea sua pespectia de mundo, mesmo que ea seja intituada de maina.

 As paaas e os conceitos não estão sepaados da ida, do mundo,da eaidade, das contadiões, do sofimento humano, das espeanas edesespeanas. Os inteectuais neos assumem um enajamento poítico eacadêmico poque aceditam que aquio que poduem e esceem não seedu a intepetaão da eaidade seundo uma teoia especíca ou um o

de conceitos. Na eaidade, a sua poduão tem um objetio mais ousado: aemancipaão socia e a contestaão de cômodas anáises cientícas aicea-das no mito da democacia acia. retia-nos desse comodismo e ibeta-nos do nosso sienciamento em eaão ao peso da aa em nossa sociedadetem sido uma impotante contibuião desse upo.

Um dos maioes desaos do inteectua neo que assim se posicionatae seja a sua capacidade e coaem de ompe com estutuas opessoas,de constui noas cateoias anaíticas e iteáias atas da ciaão. Isso

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o impee a não somente incopoa a ínua e as cateoias cooniadoasou heemônicas, mas pobematiá-as e aponta os seus imites. Com essa

atitude, o inteectua neo assume a sua pópia o, a sua faa, a sua cutuae a do seu upo tnico-acia. Sinica se conta-heemônico nas ciências,numa tensa eaão de incusão-excudente, a m de expicita a puaidadeintena dessa mesma ciência e não a sua homoeneidade. Ee não um pota-

 o, mas um sujeito que expicita o seu petencimento a um upo histoica-mente excuído do ua de poduto da ciência e que caea esse mesmoupo na sua o, no seu copo, na sua foma de e, intepeta e poduiconhecimento.

Potanto, o pe de inteectua neo discutido nesse capítuo pode

se consideado como enajado ou poiticamente posicionado. Sendo assim,tambm padece dos áios pontos de tensão e de busca de denião aponta-dos po Chauí, na sua eexão sobe o siêncio dos inteectuais. Dente ees:

 A nova situação do saber como força produtiva determina a heteronomia do conhe‑cimento e da técnica, que passam a ser determinados por imperativos exteriores ao saber,bem como a heterononia dos cientistas e técnicos, cujas pesquisas dependem do investimentoempresarial. Ora a autonomia racional era a condição tanto da qualidade do saber como daautoridade do intelectual engajado para transgredir a ordem vigente. Perdida a autonomia,o que resta senão o silêncio?  (Chauí, 2008:12).

Emboa estejam inseidos no mesmo contexto, os inteectuais neosque se conuam a pati dos anos 90, no Basi, ocupam um ua paticu-a. Estão na sua maioia nas áeas das ciências sociais e humanas e eaiampesquisas que não se tonam aos tão fáceis do inteesse empesaia. Noentanto, são futos da mesma onda de podutiismo acadêmico e ainda iemsob suspeita deido ao tipo de conhecimento poiticamente posicionado queeaiam.

Difeentemente do contexto destacado pea autoa, em que os inteec-

tuais basieios consideados poessistas foam questionados po aunssetoes da mídia a espeito do seu siêncio em eaão aos umos poíticos dopaís no início dos anos 2000, os inteectuais neos são indaados deido aum outo fato: o incômodo poocado peo seu discuso e peo conteúdo domesmo. Um discuso que , ao mesmo tempo, denúncia de uma situaão deestabiidade inaceitáe da desiuadade acia e anúncio de que ao noo possíe de se eaiado pea sociedade basieia na supeaão desse quado.Ou seja, quando a mídia indaa os inteectuais neos o questionamento não

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ecai sobe o seu siêncio, mas sobe a sua faa e o conteúdo do seu discuso.Um discuso que não ocupa a mesma isibiidade midiática, mas contesta-

do o suciente paa causa uído, constanimentos e umoes.Os inteectuais neos basieios piieiados nesse texto são, po-

tanto, sujeitos capaes de intepeta e pessiona a entada paa o campodo conhecimento cientíco de fomas de sabe e conhece poduidas emum unieso sócio-poítico-cutua que tem a sua históia enaiada em umcontexto de ioência, opessão e uta. Ees constoem e oaniam sabeesa m de supea a condião imposta aos neos basieios e seus conheci-mentos, ou seja, de seem peas famentadas da históia e memóia afo-basieia. Nesse sentido, ees poduem, intepetam e eintepetaam a

expeiência afo-basieia iida na eiiosidade, memóia, copoeidade,espao, tempo, inuaens, tansfomando-a em poduão de conhecimentoe indaando a ciência desse ua de petencimento e iência.

Em meio a um contexto tão compexo, esses sujeitos ienciam umaidentidade nea dinâmica. Uma identidade capa de se mútipa e pua e,ao mesmo tempo poiticamente unicadoa de sujeitos cujas idas, históiase petencimento foam e ainda são ioentamente macados peo acismo. Aidentidade nea , no contexto das eaões sociais, cutuais e do acismobasieio, sucientemente compexa, sinuosa e pua. Dependendo dafoma e do ua onde opea ea podeá podui aianas e distanciamentosente os pópios neos e os seus difeentes. Ea se dá ataessada po ques-tões cutuais, subjetias e de pode. Apoxima-se desse campo exie nãosó conhecimento teóico, mas tambm a sensibiidade históica e poíticapaa entende as mútipas identidades neas no contexto da euaão doacismo e da emancipaão da esistência nea, nos moimentos heemôni-cos e conta-heemônicos da históia. Esse um desao paa a inteectuai-dade nea e paa aquees que se dedicam ao campo de poduão do conhe-cimento sobe eaões aciais.

3. Intelectuais Negros e Universidade: Novos e Velhos DesaosEsse upo de inteectuais neos que hoje podu conhecimento sobe aseaões aciais na uniesidade possui tajetóias e iaões diesas. Pos-suem oiens socioeconômicas difeentes, emboa a maioia seja oiundade expeiências de pobea, faem escohas poíticas, patidáias diesas,pom, têm ao em comum: o Moimento Neo pode se consideado oseu pincipa ua de apendiaem emboa não seja necessaiamente oseu espao oiináio de atuaão poítica. No entanto, o pe de inteectua

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neo oiundo dietamente do Moimento Neo e do Moimento de Muhe-es Neas está pesente nesse upo.

Nesse contexto, possíe obsea que nos útimos anos, aos poucos, em se constituindo um outo pe de inteectua neo mais joem cuja ta-jetóia passa peo moimento socia, mas não se incua dietamente a ee defoma oânica. Todaia, se tiemos uma concepão mais aaada e menosesteeotipada de miitância nea que nos possibiite extapoa, mas não des-considea o atiismo poítico do Moimento Neo seá possíe entende aatuaão dos inteectuais neos que optam po podui conhecimento sobeeaões aciais no inteio da uniesidade como uma foma de miitância.

Miitância entendida, aqui, como uma foma de podui conhecimento

na academia tão áida e tão cientíca quanto outas que já existem na unie-sidade. Miitância entendida tambm como poduão de um conhecimentoque não se esota em si mesmo, mas popõe eexões teóicas que induemaões emancipatóias e de tansfomaão da eaidade. Uma eaidade deupos sócio-aciais com históico de disciminaão e excusão e cujos meiosacadêmicos, em aum momento da sua históia, contibuíam com pseudo-teoias aciais que ajudaam a aimenta essa situaão.

Entende esse contexto e constui noas fomas de atuaão acadêmicacooca esse upo de inteectuais diante de ehos e noos desaos. vejamosauns dees:

Pimeio desao. Compeende que, quanto mais adentam o uniesoacadêmico, os inteectuais neos se depaam com as tensões em tono defomas de conhece heemônicas e não heemônicas, eitimadas e nãoeitimadas. Estas têm a e com a imbicaão ente ciência, pode, casse,aa, êneo e acismo. O espao da uniesidade um espao macado peaseaões de pode, potanto, mexe nas estutuas intenas da uniesidade desoca focos de pode do ua.

Seundo desao. Compeende que há uma especicidade na fomacomo a academia e as humanidades idam com a aa e com a inteectuaidade

nea, pois iemos no contexto do acismo ambíuo, do mito da democaciaacia e a academia ainda um fote espao de expessão da banquitude.

Seundo Bento (2002), o padão idea de banqueamento fonecidopea eite banca à sociedade pojetado ao ono da históia como umpobema do neo. Este padão etata uma estatia de poteão do pi-

 iio ea e simbóico da bancua iido pea popuaão banca basieiatanto nos setoes popuaes quanto nas camadas mdias. Nesse pocesso,inteesses, medos e enfentamentos se cuam e a banquitude, enquanto

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identidade acia do banco constuída em contextos nos quais se cuamaa e pode se eaia.

 A questão que se cooca que ao eiindica o dieito ao conhecimentoe o dieito como podutoes de conhecimento os inteectuais neos, desna-tuaiam o cânone e ajudam a desea o quanto ee sempe foi acia, ando-cêntico, euocêntico, adutocêntico e cassista. E esse mesmo potenciade denúncia que exie desses inteectuais fôeo e competência paa podu-iem um conhecimento denso que se cooca como atenatia ao cânone eaos ideais da banquitude nee pesentes. Exie, tambm, o deseamento dasfomas po meio das quais a ideooia acista ocuta a dominaão econômicae tnico-acia e sustenta a aienaão sobe os conhecimentos poduidos

peos upos sociais com históico de disciminaão e excusão pesente noimaináio e nas páticas sociais e acadêmicas. Tata-se de uma contibuiãoimpotante à ecupeaão da históia, das conquistas e da memóia afo-ba-sieias. Os inteectuais neos são sujeitos auto-conhecedoes dessa históiae das utas do seu poo e as intepetam, eintepetam, anaisam e inesti-am no inteio da ciência (Kin, 1996).

Teceio desao. A entada dos ‘difeentes’ como podutoes de ciênciae a cheada dos ‘ex-objetos’ ao mundo da pesquisa acadêmica conuamum noo campo de tensão epistemoóica e poítica. Como nos di Santos(2004), todo conhecimento situado, ocaiado e que se tona sensocomum. A ciência modena uma foma de conhece e não a única. A ines-otáe expeiência do mundo podu conhecimentos diesos os quais,no contexto do pode e na teoia socia heemônica, são poduidos comoausências. E paa supea esse estado de coisas peciso que os faamosemei como pesenas. E mais, peciso constui ente nós uma ecooiade sabees, capa de cooca em diáoo as consteaões de sabees adindosdas mais difeentes expeiências sociais. Estes deem diaoa com o sabecientíco sem hieaquias ou disciminaões.

Os inteectuais neos iem, potanto, um pocesso de pessão e pas-

saem do ua não-heemônico paa o conta-heemônico na uea enteacionaidades e nos espaos de pode histoicamente instauados. A ecáciada entada dos inteectuais neos nesse espao e as mudanas que os mes-mos têm taido paa a poduão do conhecimento não dependem apenasda sua capacidade de fomuaão teóica e do domínio dos instumentaisacadêmicos, mas da sua capacidade de aticuaão intena e extena em con-textos aciaiados e macados po disputas de pode. Depende, tambm, dasua capacidade de não se pede em meio a um contexto tão compexo e de

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esisti às cobanas e acusaões oiundas daquees que adoam pea ciênciade tadião positiista. O desao poduiem conhecimento sem pede a

sua foma de se e e o mundo em uma pespectia afo-basieia.

4. A Atuaão Política e Acadêmica A atuaão acadêmica e poítica dos inteectuais neos que tematiam e pes-quisam as eaões aciais possui um tipo efeito. Ea pobematia, poitiae tensiona  o pópio campo do conhecimento cientíco a se abi paa oconcuso democático de difeentes fomas de conhece, incusie, aqueaspoduidas peos diesos moimentos sociais, aões coetias e upostnico-aciais. Ou seja, ao foca a questão acia, esses inteectuais coocam

em cena dimensões de êneo, de idade, de oientaão sexua, da eaãocampo/ubano, ente outos. A poduão de sabees do unieso afo-basieio da qua os inteectu-

ais neos são sua expessão e/ou seus pesquisadoes apesenta áios desa-os de inestiaão, tais como: inestia as fomas po meio das quais esseunieso aticua todo um campo de conhecimento, as suas fomas de tans-missão constuídas po meio da memóia, da oaidade, da ancestaidade, daituaidade, da tempoaidade, da copoeidade.

Nem sempe os instumentais metodoóicos e as tadicionais cateo-ias de anáise constuídas sob a ide da óica da acionaidade ocidentamodena dão conta de intepeta a compexidade de expessões e iênciasafo-basieias. Ta situaão impee esse upo de inteectuais a conhece ocânone e as teoiaões sobe eaões aciais po ee já eaiadas e poduioutos conhecimento, teoia e metodooias que possibiitem um outo tipode anáise mais apofundada sobe a compexidade da dimensão tnico-aciabasieia e atino-ameicana sob o ponto de ista dos pópios neos. Tata-se, potanto, de uma uta semântica no inteio da pópia ciência, assimcomo o Moimento Neo o fa no contexto da poítica e das epesentaõessobe eaões aciais. Como já foi dito, estamos diante do desao da podu-

ão de um conhecimento sobe as eaões aciais feita peo neo e não sobeo neo ou paa o neo como tem sido a tadião acadêmica ocidenta.

 A atuaão dos inteectuais neos se dá dento da ciência, pom, ati-cuada com as utas sociais dos neos. O etono, as opiniões e as cíticas dapopuaão nea sobe a poduão teóica e a atuaão desses inteectuais um eo impotante e uma eneia ita que os aimenta, anima e, ao mesmotempo tensiona. Esse um fato impotante. Diante da especicidade dointeectua aqui apesentado, o econhecimento da impotância de uma

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poduão inteectua que se insue na eaão com o cânone não podeá isó do cânone e nem somente das aências e óãos de nanciamento e moni-

toamento das pesquisas. Tem de i dos pincipais sujeitos que motiam apoduão e inseão inteectua, ou seja, a comunidade nea e o MoimentoNeo.

Po isso, não cabe a um inteectua neo, no Basi, se cooca desai-sado e desinfomado, po exempo, sobe o contexto das aões amatias.Eas podem não se o seu foco de estudo ou tema da sua áea do conheci-mento, mas diem espeito à sua ida e a oneidade escoa do seu upotnico-acia. Tata-se de uma questão que ai am da idia de incusão sociaou de dieito à educaão supeio. Na históia da educaão da popuaão

nea basieia as aões amatias estão incuadas à uta pea dinidade,à cidadania e ao acesso ao conhecimento. Eas epesentam um momentopiieiado do ponto de ista acadêmico e poítico. Expessam as tensões,deseam posiões e intepetaões sobe a aa e taem à tona uma pofusãode sabees poíticos, identitáios e estticos.

No entanto, entendendo a academia como um espao piieiado depoduão do sabe cientíco sob a ide da acionaidade ocidenta modenae que, ao mesmo tempo, espao de expessão da  banquitude podemoseanta um questionamento: quais são as possibiidades e pespectias eaisda uniesidade, enquanto espao acadêmico, i a desempenha o pape deinstituião capa de aticua os sabees oiundos de outas tadiões e uni-

 esos sócio-aciais, sem hieaquias e disciminaões (Abib: 2005)? A unie-sidade e sua estutua oaniaciona, cuicua e de pode nos pemite isso?Ea capa de edeni-se po dento?

Diante de tais indaaões os inteectuais neos teão que, am depesquisa e eaia as aões concenentes de quem atua no campo cientíco,continua tensionando a pópia uniesidade e ocupando espaos poíticosa m de conseuiem aum níe de exibiiaão. Um dos caminhos a mde supea ta situaão podeá se o fotaecimento de estutuas mais autô-

nomas de poduão do conhecimento numa pespectia emancipatóia, tacomo a poposta da Uniesidade Popua dos Moimentos Sociais (UPMS)discutida po Santos (2006).

O objetio pincipa da UPMS contibui paa apofunda o inte-conhecimento no inteio da obaiaão conta-heemônica po meio daciaão de uma ede de inteaões oientadas paa a pomoão do conhe-cimento e a aoiaão cítica da intensa diesidade de sabees e páticasdesenoidas peos difeentes moimentos e oaniaões. A UPMS possui

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um caáte inte-temático na pomoão de eexões/aticuaões entemoimentos feministas, opeáios, indíenas, ecoóicos, etc. Tem como

ponto de patida o econhecimento da inoância ecípoca e como pontode cheada a poduão patihada de sabees tão obais e diesos como ospópios pocessos de obaiaão. Dea podem paticipa: atiistas e ídeesdos moimentos sociais, sindicaistas, inestiadoes das ciências sociais ehumanidades (Santos, 2006: 167-178). Dessa foma, ea podeá se um cami-nho paa a eaiaão do tabaho da taduão e da hemenêutica diatópica,as quais seão discutidas no decoe do texto.

5. Reeões Finais: a Articulaão dos Intelectuais Negros Dentro

e Fora da CiênciaNa conuaão do inteectua neo aqui discutido a foa oaniatia da Associaão Basieia de Pesquisadoes Neos (ABPN) se fa mais do quenecessáia. Não somente como espao paa da isibiidade aos inteectuaisneos e sua poduão como, tambm, de aticuaão, sociaiaão e constu-ão de noas estatias conjuntas. Um espao capa de podui uma aticu-aão intena à ciência sintoniada com as utas sociais dos neos.

Que caacteística teá essa aticuaão? Uma aticuaão abeta o su-ciente paa constui aianas com inteectuais de outos petencimentostnico-aciais enajados nas utas emancipatóias, no debate e na poduãoteóica sobe a questão acia e, ao mesmo tempo, pudente o suciente paadescona e inibi supostas aianas que, na eaidade, são fomas eeditadasdo acismo cientíco.

 A inteectuaidade nea basieia ie ainda mais dois desaos. O pi-meio efee-se a uma impotante esponsabiidade: a passaem e abetuade caminhos paa uma eaão mais noa de neos e neas que, aos poucos,

 em se inseindo no mundo acadêmico os quais, com imites e aanos, êmsendo meho pepaados do ponto de ista do domínio dos instumentaisacadêmicos, da poduão cítica, da uência em ínua estaneia e meho

oientada sobe as tensões ente conhecimento, pode e banquitude do quea atua eaão. Um desdobamento desse desao foma essa noa eaãonea competente academicamente, mas sem pede o oha e a postua soi-dáios sobe si, o seu semento tnico-acia, a eaidade sócio-acia da quafa pate e que não epodua as fomas iciadas de disputa acadêmica contaas quais os inteectuais neos adutos utam paa supea. é tambm fomaessa noa eaão em um pocesso identitáio que abaque a compexidadedo se neo no mundo da poduão cientíca, mas que não deixe de denun-

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epistemologias do sul438

cia e popo atenatias de supeaão do acismo e nem se peca na seduãodas noas ediões e esões acadêmicas do mito da democacia acia.

O seundo desao entende que não há uma concepão de identidadenea unicada ente os neos que sejam inteectuais ou não. é compe-ensíe que nos momentos de ditadua e autoitaismo os upos que utampeo dieito à difeena se unam e constuam discusos unicadoes de iden-tidade. No entanto, no execício da democacia, a insistência em discusosunicadoes como os únicos e possíeis sai na contamão do pópio dieitoà difeena.

 A m de não se pende a esse tipo de discuso e de intepetaão seápeciso constui noos espaos de diáoo e de confonto democático de

aumentos e intepetaões, no seio da inteectuaidade nea, tendo odiscenimento de que, em deteminados momentos, auns aumentos eintepetaões se tonaão heemônicos e outos não. Apoiando-me no pen-samento de Santos (2006), tata-se do execício da taduão e da hemêuticadiatópica como foma de comunicaão.

Tendo a compeensão de que a identidade nea não um boco mono-ítico e nem uma constuão uniesa, a compeensão das fomas po meiodas quais essa constuão opea, no Basi, seja nos fóuns poíticos, seja napoduão do conhecimento eaiada peos inteectuais neos desaa umdiáoo mais pofundo. Um diáoo intecutua ente aquees que são patí-cipes de um mesmo contexto cutua e sócio-acia.

Esse diáoo podeá se eaiado ente difeentes pes de inteectu-ais neos, oiundos de iaões teóicas e poíticas difeenciadas, ente asjoens eaões neas que aos poucos entam na uniesidade (sobetudodepois das iniciatias de cotas aciais) e ente os miitantes poíticos do Moi-mento Neo. Tata-se de sabees, cutuas, sentidos diesos dento de ummesmo unieso cutua afo-basieio, na constuão de noas indaaõessobe a iência do se neo no Basi. Essa iência podeá contibui paanoas teoiaões aceca da identidade nea e suas compexas fomas de

eaiaão.O execício da hemêutica diatópica, nesse caso, enoeia em pi-

meio ua a compeensão de que os aumentos que os difeentes sujeitose upos poduem sobe a identidade nea possuem caências e acunase, potanto, são incompetos. A busca do peenchimento dessas acunas e aampiaão do seu sentido só podeão se feitos mediante um diáoo abetoe intecutua no inteio do unieso cutua afo-basieio.

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intelectuais negros e produção do conhecimento 439

 Ampia ao máximo a inconsistência da competude das anáises sobea identidade nea, incusie aqueas que são poduidas peos pópios

inteectuais neos, podeá se uma contibuião da hemenêutica diatópica.Difeentemente do que eaia esse pocedimento ente cutuas e moi-mentos sociais distintos, a iência acadêmica dos inteectuais neos e oseu ua como um ua ‘difeente’ que podu conhecimento sobe a suapópia difeena dento da ciência, nos impee ao desao do diáoo inte-cutua ente sujeitos de um mesmo upo tnico-acia que ocupam uaesdistintos na sociedade e na uniesidade. Este diáoo deeá se desenoacom um p na academia e um p nas utas sociais e aqui se enconta o seucaáte diatópico e inoado. Como aeta Santos (2006), o maio desao

não hieaquia os aumentos, mas compeendê-os na tama compexa dasidentidades e da difeena.Finaiando, esse texto apesenta os desaos, eexões, tensões e noas

poposiões iidas peo pe de inteectua neo que emee nos anos 90dento do qua a autoa está incuída. Tata-se de um moimento dinâmicoque entende a acionaidade enota em emoão, eneia e sofimento. reto-mando mais uma e as eexões de be hooks (1995) possíe ama que,muitas ees, o tabaho inteectua ea ao confonto com duas eaidades.Ee pode nos emba que a dominaão e a opessão continuam a moda as

 idas de todos, sobetudo das pessoas neas e mestias. Esse tabaho tantonos aasta paa mais peto do sofimento como nos fa sofe. Mas, comoama a Be Hooks,

 Andar em meio a esse sofrimento para trabalhar com idéias que possam servir decatalisador para a transformação de nossa consciência e nossas vidas, e de outras, é um

 processo prazeroso e extático. Quando o trabalho intelectual surge de uma preocupação coma mudança social e política radical, quando esse trabalho é dirigido para as necessidades das

 pessoas, nos põe numa solidariedade e comunidade maiores. Enaltece fundamentalmente avida (1995: 478).

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PArTE 4

 A Reinvenões dos Lugares

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CAPTUlO 13

um oCidente não-oCidentalista?: a filosofia à venda, a douta ignorânCia e a ap osta de pasCal

 Boaventura de Sousa Santos

é possíe um ocidente não-ocidentaista? Paa mosta o que entendo espe-cicamente po ocidentaismo e iusta a sua possibiidade comeo po medete num auto cuja oba tem sido dedicada a desmonta, um a um, todosos aumentos históicos e socioóicos que têm sido inocados pea históiacanónica da Euopa e do mundo. Cento-me no seu io mais ecente, TheTheft of History (2006). Ao ono do io, Jack goody efee-se ao ‘west’ (oci-dente), entendendo po ta a Euopa, ‘fequentemente a Euopa ocidenta’,como uma pequena eião do mundo que, po aões áias e sobetudo apati do scuo XvI, conseuiu impô ao esto do mundo as suas concepõesde passado e de futuo, de tempo e de espao. Com isto, impôs os seus aoese instituiões e tansfomou-os em expessões da excepcionaidade ociden-ta, ocutando assim continuidades e semehanas com aoes e instituiões

 ientes noutas eiões do mundo. A heemonia desta posião assume tais

popoões que está pesente subepticiamente mesmo nos autoes que maiscdito deam às ciaões doutas eiões do mundo, de Joseph Needham, aNobet Eias, de Fenand Baude a Edwad Said. Acabam po se euocên-ticos na sua uta conta o euocentismo, “uma armadilha em que caem frequen‑temente o pós‑colonialismo e o pós‑modernismo” (goody, 2006: 5).

Seundo goody, uma edadeia ‘históia oba’ só seá possíe namedida em que fô supeado tanto o euocentismo como o anti-euocen-tismo euocêntico, tanto o ocidentaismo como o oientaismo. Uma tahistóia mais coecta no pano epistemoóico e mais poessista no pano

sócio-poítico e cutua. Só ea pemitiá que o mundo se econhea na suainnita diesidade a qua incui tambm a innita diesidade das inuên-cias cuadas, das semehanas e continuidades. Tata-se de uma históia quepõe m a todas as teeooias poque estas pessupõem sempe a eeião deum passado especíco como condião da eitimaão de um futuo único.

é possíe uma ta históia? Sim, se entendida como emanaão da pu-aidade de uaes e tempos a pati dos quais escita e, potanto, comotendo sempe caácte pacia. Em que consiste a paciaidade da históia o-

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epistemologias do sul446

ba poposta po goody? goody entende que a meho maneia de combatenão euocenticamente o euocentismo consiste em mosta que tudo o que

atibuído ao Ocidente como sendo excepciona e único – sejam ea a ciênciamodena ou o capitaismo, o indiiduaismo ou a democacia – têm paaeose antecedentes em outas eiões e cutuas do mundo. Po isso, o domíniodo Ocidente não se expica po difeenas cateoiais mas po pocesssos deeaboaão e intensicaão.

Esta históia tem o ande mito de popô um ocidente humide,um ocidente que patiha com outas eiões e cutuas um mosaico muitomais asto de ciatiidade humana. A eatiidade das ciaões do ocidente um desmentido da foa das aões que as impuseam mundiamente. Mais

pausiemente, esta imposião expica-se-á peas aões da foa, os “ gunsand sails”1 (Cipoa, 1965), de que ocidente se soube muni. A paciaidade dahistóia poposta po goody eside em que a humidade do ocidente ante omundo obtida à custa da ocutaão dos pocessos, em si nada humides epeo contáio bem aoantes, com que cetas esões do ocidente se impu-seam intenamente ao mesmo tempo que se impunham ao esto do mundo.Sem dúida que goody está consciente disto mas, pea meno ênfase quehe confee, dá po ees a ideia de que a unidade eoáca do ocidente(em si, pobemática) se tansfee paa a unidade das suas ciaões poíticas,cutuais e institucionais. A excepcionaidade das ciaões do ocidente questionada, não os pocessos históicos que eaam ao entendimento quehoje temos deas. A continuidade com o mundo ocuta as descontinuidadescateoiais intenas. Em suma, o ocidente humide pode edunda num oci-dente pobe.

Seá isto uma foma insidiosa de ocidentaismo? O temo ociden-taismo tem eado auma contosia nos útimos anos e peo menosduas concepões muito distintas podem se identicadas. O ocidentaismocomo conta-imaem do oientaismo: a imaem que o ‘outo’, as ítimas dooientaismo ocidenta, ciam a espeito do ocidente,2 o ocidentaismo como

imaem dupa do oientaismo: a imaem que o ocidente tem de si pópioquando submete o ‘outo’ ao oientaismo.3 A pimeia concepão contm a

1 Em potuuês, Canhões e velas.2 veja-se Buuma e Maait, 2004. Paa uma cítica, eja-se Biami, 2006 e paa

uma cítica de Biami, robbins, 2007. Paa uma esão muito difeente desta concepão,o Ocidentaismo Chinês, eja-se Chen, 1992.

3 veja-se Caie, 1992; Cooni, 1996. Mais ecentemente, eja-se geoy, 2006.

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um ocidente não-ocidentalista? 447

amadiha da ecipocidade: a ideia de que o ‘outo’, ítima de esteeótiposocidentais, tem o mesmo pode – poque tem a mesma eitimidade – paa

cia esteeótipos a espeito do ocidente. A seunda concepão a que meinteessa neste texto. A cítica do ocidente heemónico que ea impica hoje patimónio da teoia cítica e subja à oba de Jack goody. Paa desmon-ta o ocidentaismo entendido na seunda concepão são imaináeis duas

 ias. A pimeia, posseuida po goody em The Theft of History, consiste emidentica a eatiidade extena do ocidente, ou seja, a continuidade enteas inoaões (aoes e instituiões) que he são atibuídas e as expeiênciassimiaes em outas eiões e cutuas do mundo. A seunda consiste emidentica a eatiidade intena do ocidente, a innita diesidade das expe-

iências do ocidente e a continuidade ou descontinuidade ente as que pos-peaam e acabaam po se identicadas como especícas do ocidente e asque foam abandonadas, supimidas ou simpesmente esquecidas. Quaquedestas ias eítima e como ambas podem se posseuidas ad innitum  aobaidade da históia ou da sociooia a que conduem seá sempe pacia.

 Apesa disso, ou tae po isso, temos a anha se ambas foem posseuidascom a mesma peseeana.

Neste atio cento-me na seunda ia e paa isso pato dos pópiosaumentos de goody. Dente os áios ‘futos de históia’ anaisados pogoody seecciono tês: as concepões de antiuidade, de ciência modena ede teeooia do futuo. Tentaei mosta que estes futos cometidos sobepopiedades aheias, não-ocidentais, foam tambem cometidos ente co-popietáios do ocidente. Desses futos inta-muos esutou um enomeempobecimento do ocidente. viemos num peíodo em que as cíticas doocidente dento do pópio ocidente atinem um eeado níe de auto-aeaão, o que me paece necessáio e saudáe, tamanho foi e continuaa se o dano causado peo impeiaismo e neocooniaismo de que se ai-menta o ocidente heemónico. Penso, no entanto, que deoe auns dosobjectos futados inta-muos fundamenta paa cia um noo padão

de intecutuaidade, não só no mundo, como tambm, em especia, nointeio do ocidente. Não há muito a espea da intecutuaidade que hoje defendida po muita ente no ocidente se ea não pati da ecupe-aão de uma expeiência oiináia de intecutuaidade. No pincípiohoue intecutuaidade e dea passámos à cutuaidade. Só um ocidenteintecutua podeá quee e entende a intecutuaidade do mundo econtibui actiamente paa ea. E o mesmo se apica a outas cutuas domundo passado e pesente.

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epistemologias do sul448

Os execícios que poponho isam ampia a expeiência históica doocidente. Dão o a tadiões do ocidente que foam esquecidas ou mai-

naiadas poque não se adequaam aos objectios impeiaistas e ocidenta-istas que ieam a domina a pati da fusão ente modenidade ocidentae capitaismo.4 Tao à coaão estas expeiências e tadiões sem quaqueintenão de ecupeaão históica. O objectio intei no pesente como seee tiesse outos passados paa am daquee que fe dee o que ee hoje. Sepodia te sido difeente, podeá se difeente. O meu inteesse mosta quemuitos dos pobemas com que hoje se debate o mundo decoem não só dodespedício da expeiência que o ocidente impôs ao mundo pea foa, mastambm do despedício da expeiência que impôs a si mesmo paa sustenta

a imposião aos outos.5

No que espeita à Antiuidade, goody (2006: 26-67) aumenta que aideia da excepcionaidade da Antiuidade cássica – polis, democacia, ibe-dade, economia, pimado do dieito, ate, logos – uma ciaão Heenocên-tica e teeoóica que, conta a edade dos factos, isa atibui a excepcio-naidade da Euopa modena a um comeo tão excepciona quanto ea. Comisto, pede-se de ista a continuidade ente as ciaões da gcia cássica eas cutuas com que tee pofundas eaões, da Psia ao Eipto, da Áficaà Ásia, e menospeam-se as contibuiões que eas deam paa o aceocutua de que o ocidente se apopiou. Neste texto, socoo-me de lucianode Samosata paa iusta a existência de uma outa Antiuidade cássica,centífua em eaão às ciaões canónicas da gecia e muticutua em suasaíes. O meu inteesse em luciano eside em que ee nos pode ajuda numadas taefas que eu consideo centais paa einenta a emancipaão socia:cia distância em eaão às tadiões teóicas que nos conduiam ao becosem saída em que nos encontamos.

O seundo tema a ciência modena. A discussão de goody sobe aciência modena feita em diáoo com Joseph Needham, com a sua obamonumenta Science and Civilization in China (1954). Paa Needham, at 1600,

a China ea tão ou mais aanada que a Euopa no domínio da ciência. Foicom base na renascena, um pocesso cutua excusio da Euopa, que aEuopa pôde anha antaem sobe a China atas da conesão da ciêncianum conhecimento exacto, assente na matematiaão das hipóteses sobe a

4 Sobe este tema eja-se Santos, 1995.5 Sobe o conceito de despedício da expeiência, eja-se Santos, 2000.

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um ocidente não-ocidentalista? 449

natuea e na sua eicaão expeimenta sistemática. goody (2006: 125-153) efuta esta uptua ou difeena cateoia assente na renascena e na

anidade com o capitaismo que he atibuída, dada a eaão que a bu-uesia estabeecea ente conhecimento exacto e uco. Paa ee, não houeeouão cientíca e a ciência modena não se distinue quaitatiamente daciência anteio. Consiste apenas na intensicaão de uma tadião cientícaque inha de ona data. Não meu popósito enta neste debate. O queponho em causa o facto de goody, apesa de subinha os antecedentes darenascena e a existência de outas enascenas noutas cutuas e noutostempos, concoda com Needham – e de esto, com a históia conencionada modenidade euopeia – quanto às caacteísticas homoneas da renas-

cena e as iaões ente eas e a ciência modena. Oa existiam muitasconcepões difeentes na renascena, aumas deas muito difeentes das ieam a cauciona a ideia do conhecimento exacto subjacente à ciência. Paaiusta uma dessa concepões ecoo a Nicoau de Cusa (1401-1464), umande ósofo da renascena cujas teoias em nenhum caso podeiam seide supote à aoância com que o ocidente enendou o oientaismo e poisso não tieam seuidoes. Podem-nos se muito úteis hoje, num momentoem que a conana epistemoóica da ciência paece abaada.

Finamente, o io The Theft of History  uma cítica adica do teeoo-ismo que domina a tadião canónica e euocêntica da históia euopeia edo mundo. O teeooismo consiste em pojecta no passado mais ou menosonínquo do ocidente uma caacteística ou antaem única que expica adominaão do ocidente no mundo actua e a cetea inea da sua tajectóiafutua. goody citica o teeooismo, pondo em causa, uma a uma, todas as

 antaens ou caacteísticas oiináias que supostamente estaão na oiemda difeena cateoia ou quaitatia do ocidente em eaão ao esto domundo. Tambm aqui o meu popósito não questiona goody a este es-peito, mas antes apesenta uma outa tadião da modenidade ocidenta,uma tadião esquecida ou mainaiada pecisamente po ejeita o teeo-

oismo da históia – sob a foma de um questionamento teoóico – e nãopode, po isso, se posta ao seio das ceteas eiiosas e ciiiadoas doocidente. Essa tadião a aposta de Pasca.

luciano de Samosata, Nicoau de Cusa e Baise Pasca são os meus pon-tos de patida paa eecti sobe as condiões teóicas e epistemoóicas dasupeaão do ocidentaismo e do m do oubo da históia.

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epistemologias do sul450

1. A Filosoa à VendaSuponhamos que, po deixaem de se úteis aos seus adeptos, eam postas à

 enda as osoas e as teoias que nos acompanhaam nos útimos scuosou mesmo apenas nas útimas dcadas: deteminismo, ie abítio, unie-saismo, eatiismo, eaismo, constuctiismo, maxismo, ibeaismo, neo-ibeaismo, estutuaismo, pós-estutuaismo, modenismo, pós-mode-nismo, cooniaismo, neo-cooniaismo, pós-cooniaismo, etc. Suponhamosainda que os adeptos das difeentes teoias tinham cheado à concusão quenão só as suas pópias teoias tinham deixado de se úteis como tambmtodas as outas. Não estaiam, pois, inteessados em compa nenhuma deas.Os potenciais compadoes, supondo que os haia, seiam necessaiamente

ente estanha ao mundo onde as difeentes teoias tinham sido deseno- idas, mundo que, po comodidade, podemos chama o mundo acadmico. Antes de se dispoem a compa, faiam natuamente duas peuntas: quaa utiidade que esta ou aquea teoia podeá te paa mim? Qua o seu peo?

 As difeentes teoias, eas pópias ou pea o dos seus ciadoes, teiamde esponde a estas peuntas sob pena de caem po ende e tentaiamesponde da maneia mais apeatia e de modo a suscita no cácuo dopotencia compado uma boa eaão ente utiidade e peo. Po estaemmuitas teoias à enda, po ceto que a concoência ente eas seia eeada.

 A dicudade das teoias em esponde às peuntas seia tanto maio quanto ceto que as teoias estão habituadas a impo a sua utiidade, não a ofeecê-a, e a deni-a em temos de edade a qua, obiamente, não tem peo. Oesutado da enda dependeia não só da bosa dos compadoes, como do

 ao dos pstimos que ees atibuíssem às teoias, não tendo estas quaquepossibiidade de inuencia nem a bosa nem o ao e, potanto, as decisões.

Conenhamos que, se paa todos nós esta enda seia em si mesma umescândao, a hieaquia de ao-peo que ea estabeeceia ente as teoiasseia ainda muito maio. Mas o escândao dos escândaos seia se os compa-does afotunados, achando utiidade em teoias que consideamos antaó-

nicas (po exempo, deteminismo e ie abítio), as compassem num sóote paa pemiti usos compementaes.

 Antes que o escândao se ie conta mim pópio, ostaia de aces-centa duas notas. A pimeia que, se ta enda ocoesse, ea não seiaindita. Ea foi poposta apoximadamente no ano 165 da nossa ea poum pesonaem centífuo da antiuidade cássica, um cássico mainada cutua ocidenta que nasceu ‘bábao’ da Síia, em Samosata, junto aoio Eufates. reo-me a luciano de Samosata e ao seu diáoo A Venda de

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 Filosoas  (1905: 190), em que zeus, ajudado po Hemes, põe à enda asdifeentes escoas de osoa ea, aumas deas taidas peos seus funda-

does: pitaóicos, Dióenes, Heacito e Demócito (num só ote), Sócates,Cisipo, epicuismo, estoicismo, cepticismo peipattico. Hemes atai ospotenciais compadoes, todos comeciantes, itando ato e bom som “ Àvenda! Uma variedade sortida de losoas vivas! Posições de todo o tipo! Pagamento àvista ou mediante garantia! ” (1905: 190). A ‘mecadoia’ ai sendo exposta, oscomeciantes ão cheando e têm o dieito a inteoa cada uma das oso-as à enda, comeando inaiaemente com a peunta pea utiidade paao compado e sua famíia ou upo. O peo estabeecido po zeus que,po ees, se imita a aceita ofetas feitas peos comeciantes compadoes.

 A enda tem peno êxito e Hemes temina, odenando às teoias que deixemde ofeece esistência e siam com os seus compadoes, ao mesmo tempoque aisa o púbico: “Senhores, esperamos vê‑los amanhã. Estaremos oferecendo novoslotes úteis para homens comuns, artistas e comerciantes” (1905: 206).

 A seunda nota que não estou tão ceto que esta hipottica e poten-ciamente escandaosa enda não esteja, de facto, já a ocoe, sob fomasmuito mais subtis mas não menos ecaes e sem causa quaque escândao.Substituamos zeus e Hemes po uniesidades, editoas, esenhas, eistasespeciaiadas, conessos, jonais de diuaão cutua, catáoos, amazon.com, e os comeciantes po estudantes, coeas, púbico cuto e soente eo contexto da enda, das utiidades e dos peos apaeceá mais ou menoseidente. A difeena que, estando tudo à enda e ao mesmo tempo, comonum supemecado, ninum passa pea expeiência humihante de se sentiobjecto de um especíco acto de compa e enda. Quando tudo acontece emea os detahes não são impotantes.

 A antaem do mtodo de luciano de Samosata em eaão ao contem-poâneo que ee pemite cia distância em eaão às teoias, ao conheci-mento constituído. Tansfoma-as de sujeitos em objectos, cia um campo deexteioidade em eaão a eas e submete-as a testes paa os quais não foam

desenhadas. Não pemite que se disputem ente si e antes que disputem aatenão de estanhos sobe cujas pefeências não têm contoe. Sujeita-asao caos da sociedade em que são poduidas e mosta-hes que a edade aque aspiam – a edade que luciano descee como “esta criatura sombria, decompleição indenida [...] nua e sem qualquer ornamento, furtiva à observação e semprea desaparecer de vista” (1905: 213) – não eside na coespondência a uma eai-dade dada e sim na coespondência a uma eaidade po da, à utiidade emfunão de citios e objectios sociais, em sentido ampo.

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Esta distância em eaão ao canône teóico está inscita na oiem etajectóia de luciano de Samosata. A cidade onde nasceu, hoje afundada

pea baaem Atatuk, na Tuquia, foa pate do reino de Commaene, daantia Amnia, depois inteado no impio omano. Ea uma eião decuamentos comeciais e cutuais muito intensos, dotada de uma ia ‘Mis-chkutu’ onde a osoa e a iteatua eas coniiam com o cistianismoe o judaismo e com muitas outas cutuas do póximo e mdio oiente.luciano, um ‘síio heeniado’, que a si pópio se chamaa de ‘bábao’,deixou a sua tea nata paa posseui a sua caeia de etóico nos centoscutuais do mundo omano.6

Em meu entende, este distanciamento hoje mais necessáio do quenunca e dee-se a uma das caacteísticas mais centais do nosso tempo, ta- e a que meho dene o seu caácte tansiciona. reo-me à discepânciaente peuntas fotes e espostas facas. viemos um tempo de peuntasfotes e de espostas facas. Ao contáio de Habemas (1990), paa quem amodenidade Ocidenta ainda um pojecto incompeto, tenho indo a au-menta que o nosso tempo testemunha da cise na da heemonia do paa-dima sócio-cutua da modenidade ocidenta e que, potanto, um tempode tansião paadimática (Santos, 1995 e 2000). Os tempos de tansiãosão, po denião, tempos de peuntas fotes e espostas facas. As peun-tas fotes diiem-se não só às nossas opões de ida indiidua e coectia,mas sobetudo às fundaões que ciam o hoionte de possibiidades enteas quais possíe escohe. São, potanto, questões que poocam um tipopaticua de pepexidade. As espostas facas são aqueas que pocuamesponde sem pô em causa o hoionte de possibiidades, imainando nee

 ituaidades paa esota o campo das peuntas e das espostas possíeisou eítimas. Mas pecisamente poque o questionamento dessa ituaidadeestá na ai das peuntas fotes, as espostas facas não atenuam a pepexi-dade que estas suscitam, podendo, peo contáio aumentá-a. As peuntas

e espostas podem aia de acodo com a cutua e a eião do mundo.Contudo, a discepância ente a foa das questões e a faquea das espostaspaece se comum. Deia da diesidade contempoânea de onas de con-

6 luciano de Samosata pemaneceu sempe como uma ua excêntica da antiui-dade cássica, consideado po auns cassicistas como um meo ‘jonaista’ ou um ‘atista’.

 veja-se, em sentido contáio, ente outos, C. P. Jones (1986) e zappaa (1990). Um tata-mento pomico de luciano como satiista pode e-se em Sotedijk (1987).

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tacto enoendo difeentes cutuas, eiiões, economias, sistemas sociais epoíticos, e modos de ida, esutante do que uamente denominamos po

obaiaão.7 As assimetias de pode nestas onas de contacto são tão astashoje, se não mais ainda, do que no peíodo coonia, sendo mais numeosase intensas. A expeiência de contacto sempe uma expeiência de imites efonteias. Nas condiões pesentes, a expeiência de contacto que poocaa discepância ente as peuntas fotes e as espostas facas.

 A especicidade da discepância ente peuntas fotes e espostas fa-cas na tansião paadimática que iemos esuta de os pobemas do nossotempo – os que suscitam as peuntas fotes – teem deixado de se objectode eexão po pate do conhecimento piieiado do nosso tempo, a ciên-

cia modena, à medida que esta se institucionaiou e possionaiou. Nasua oiem, a ciência tee penamente consciência de que os pobemas maisimpotantes da existência he escapaam, po exempo, na atua, o pobemada existência de Deus, o pobema do sentido da ida, o pobema do modeoou modeos de uma boa sociedade, o pobema da feicidade, o pobemadas eaões ente os homens e as outas ciatuas que, não sendo humanas,patihaam com os homens a dinidade de seem iuamente ciaões deDeus. Estes pobemas coneiam paa um outo bem mais diemático paaa ciência: o pobema de a ciência não pode da conta do fundamento da suacienticidade, da edade cientíca enquanto edade. No mundo ocidenta,estes pobemas continuaam a se do domínio da osoa e da teooiaduante os scuos XvII e XvIII. A pati do scuo XIX, pom, e com a ces-cente tansfomaão da ciência em foa podutia do capitaismo, ocoeuuma dupa eduão nesta compexa eaão ente sabees. Po um ado, aheemonia epistemoóica da ciência coneteu-a no único conhecimento

 áido e iooso. Com isto, os pobemas dinos de eexão passaam a seapenas aquees a que a ciência pudesse da esposta. Os pobemas existen-ciais foam assim eduidos ao que dees pudesse se dito cienticamente, oque impicou uma damática econesão conceptua e anaítica.

 Assim se ciou o que, na esteia de Otea y gasset (1987: 39) desinocomo pensamento ortopédico: o constanimento e o empobecimento cau-sado pea eduão dos pobemas a macos anaíticos e conceptuais quehes são estanhos. Com a cescente institucionaiaão e possionaiaãoda ciência – concomitante da passaem, assinaada po Foucaut, do ‘inte-

7 Sobe os pocessos de obaiaão, eja-se Santos, 2001: 31-110.

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epistemologias do sul454

ectua uniesa’ ao ‘inteectua especíco’ – a ciência passou a espondeexcusiamente aos pobemas postos po ea. A astidão dos pobemas

existenciais que hes subjaiam desapaeceu. Mas desapaeceu deido a umaouta eduão que entetanto ocoeu. Como acontece, em ea, com qua-que heemonia, a heemonia da ciência estendeu-se paa am da ciência,submetendo a osoa, a teooia e as humanidades em ea a um pocessode cientiaão, um pocesso que ocoeu de mútipas fomas, coespon-dentes às mútipas faces do positiismo, sobetudo na foma de positiismoou empiismo óico. Com isto, o pensamento otopdico poonou-se paaam da ciência e, com a cescente institucionaiaão e possionaiaãodestas discipinas, os pobemas po eas tatados passaam a se excusia-

mente os pobemas po eas postos. Em suma, espostas acadmicas paapobemas acadmicos cada e mais distantes e edutoes dos pobemasexistenciais que estaam na sua oiem, cada e mais ieeantes paa daconta dees.

Este asto pocesso de monopoiaão epistemoóica não ocoeu semcontadiões. O sina deas está pecisamente na discepância ente peun-tas fotes e espostas facas que caacteia o nosso tempo. Seecciono aoacaso quato dessas peuntas. Pimeia peunta: se há uma só humanidadepoque tão ande a diesidade dos pincípios, concepões e páticas dedinidade humana e tão óbias as dieências e mesmo contadiões enteeas? A esposta do pensamento otopdico consiste em edui essa diesi-dade ao uniesaismo abstacto dos dieitos humanos. Uma esposta facapoque nea o que ama (o uniesaismo) ao ama o que nea (a die-sidade). Se os dieitos humanos são mútipos e intenamente diesos, nãohá nenhuma aão paa ce que ta mutipicidade e diesidade se connemàs que ees contêm. Basta pensa que a difeenciaão intena dos dieitoshumanos, one de se um pocesso sistmico auto-poitico, o esutadode contadiões e utas sociais que, ente muitas outas manifestaões, secondensam em dieitos.

Seunda peunta: existe eamente uma atenatia ao capitaismo?Depois do facasso históico de tantas tentatias de constuão de umasociedade não capitaista, com consequências tão táicas, não deeíamosbusca atenatias dento do capitaismo em e de atenatias ao capita-ismo? A pepexidade causada po esta questão eside na teoia da históiaque he está subjacente. Se tudo o que existe na históia históico, ou seja,tem um pincípio e um m, poque aão deeia o capitaismo se difeente?Mas tambm pom de auns factos petubadoes. Não existiá atenatia

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paa um mundo em que 500 dos indiíduos mais icos detêm um endimentosemehante ao endimento somado dos 40 países mais pobes, com uma

popuaão de 416 mihões de pessoas, (PNUD, 2005: 30) e onde a catástofeecoóica uma possibiidade cada e menos emota? Deemos assumicomo um facto ineitáe que os pobemas causados peo capitaismo sópodeão se esoidos po mais capitaismo, que a economia da ecipoci-dade não uma atenatia cedíe à economia do eoísmo, e que a natueanão meece outa acionaidade que não seja a iacionaidade com que tatada peo capitaismo? A pepexidade causada po estas peuntas tantomaio quanto se sabe que sem a concepão de uma sociedade atenatia esem uma uta poiticamente oaniada que a possibiite, o pesente, po

mais ioento e injusto, tende a se despoitiado – a discussão das questõespoíticas dá ua à discussão do caácte dos poíticos – e, como consequên-cia, deixa de se uma fonte de mobiiaão paa a eota, o inconfomismoe a oposião.

 A esposta faca dupa. Po um ado, no pano osóco, a iuadadeessencia dos homens não coide com a desiuadade cicunstancia domito ente ees. Po outo ado, no pano poítico, a fome e a desnutiãoe as pandemias não são causadas peo capitaismo mas peo contáio, peaincipiente penetaão deste em muitas pates do mundo. Não esutam defahas de mecado, mas antes do facto de o mecado não esta ainda su-cientemente impantado. São duas espostas facas, po um ado, poquequaque cidadão comum, dotado das simpes ues da ida, sabe que, se

 edade que a desiuadade depende do mito, não menos edade que omito depende da desiuadade. E, po outo ado, poque as mesmas uesmostam que, com excepão das acinas, a causa de um pobema não podese a sua souão.

 A teceia peunta pode fomua-se assim: como possíe que tudo oque foi defendido em nome da pa peptua, de Adam Smith a Kant, locke e

Hobbes (o mecado, a democacia, o dieito e o Estado) tenha poduido outenha sido impotente paa impedi a poduão da situaão de uea peptuaem que nos encontamos? A esposta faca tambm aqui dupa. As ueasente países do Su oba são o esutado do despotismo e do ataso ciiia-ciona enquanto as ueas ente os países do Note oba e os do Su oba(incuindo o cooniaismo) são o esutado da uta conta o despotismo, emnome da democacia e do poesso ciiiaciona. A esposta faca poquepaa quaque cidadão, dotado das simpes ues da ida, estanho que, po

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aões tão opostas, se podua exactamente o mesmo esutado: a mote des-necessáia de mihões de pessoas inocentes. Se, po denião, o despotismo

não se pode impo democaticamente, possíe impo despoticamente ademocacia? O ataso ciiiaciona de auns o oposto ou a consequênciado aano ciiiaciona de outos? O cidadão comum tem, assim, de uadaas peuntas fotes paa si.

Finamente, a quata peunta. Paece eidente que sem o que hojedesinamos po natuea a humanidade não pode sobeie. Como expicaentão que o mais ambicioso pojecto, posto em macha nos útimos quato-centos anos, paa contoa a natuea e a cooca ao seio do homem, tenhaesutado no mais táico descontoe e na ameaa, cada e mais iminente,

à sobeiência da humanidade? A esposta faca conhecida e tambm dupa: os pobemas ambientais são pobemas cientícos e tecnoóicosque se podem esoe com mais ciência e tecnooia; a ciaão de mecadosambientais de indústias da ecooia (não necessaiamente ecoóicas) podetae uma noa fonte de equiíbio e de sustentabiidade ambientais. Estaesposta deixa o cidadão comum, dotado das simpes ues da ida, comuma inquietante pepexidade. Como que estes mecados ambientais eindústias da ecooia podem aanti a sustentabiidade ambienta se asustentabiidade de uns e de outas depende da contínua ameaa da insus-tentabiidade ambienta?

Esta discepância ente peuntas fotes e espostas facas umacaacteística ea do nosso tempo, constitui o espíito epoca, mas os seusimpactos nos países do Note oba e do Su oba são muito distintos. Asespostas facas têm auma cedibiidade no Note oba poque foi nesteque mais se desenoeu o pensamento otopdico e poque, taduidas empoíticas, são as espostas facas que asseuam a continuaão da dominaãoneocoonia do Su oba peo Note oba e pemitem aos cidadãos desteútimo benecia dessa dominaão sem que dea se dêem conta. No Su o-ba, as espostas facas taduem-se em imposiões ideoóicas e ioências

de toda a espcie no quotidiano dos cidadãos, excepto no das eites queconstituem o pequeno mundo do Su impeia, a ‘epesentaão’ do Noteoba no Su oba. Adensa-se, no entanto, no espíito da poca, o senti-mento de que esta difeena de impactos, apesa de ea e abissa, esconde atadia de uma condião comum: a satuaão de conhecimento-ixo inces-santemente poduido po um pensamento otopdico que há muito deixoude pensa nas muhees e nos homens comuns. Esta soidão expime-se nacaência inabacáe de conhecimento cedíe e pudente que nos aanta

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a todos, muhees, homens e natuea, uma ida decente.8 Essa caência nãonos pemite seque identica e muito menos deni a edadeia dimensão

dos pobemas que aiem a poca. Ees manifestam-se como um conjuntode sentimentos contaditóios: exaustão que não esconde caência, ma-estaque não esconde injustia, aia que não excui espeana. A exaustão decoeda incessante doutinaão de itóias onde os cidadãos, com as simpes uesda ida, êem deotas, de souões onde êem pobemas, de edades pei-ciais onde êem inteesses, de consensos onde êem esinaões. O ma-estadecoe da fata de aoabiidade cada e mais patente da acionaidadepocamada peo pensamento otopdico, uma máquina de injustia que se

 ende a si pópia como máquina de feicidade. A aia emee da euaão

socia disfaada de emancipaão socia, da autonomia indiidua usada paajustica seidões neoescaaistas, da pocamaão eiteada da impossi-biidade de um outo mundo meho, paa caa a ideia difusa, mas muitoenuína, de que a humanidade e a natuea têm dieito a ao meho de queo actua estado de coisas. Da exaustão apoeitam-se os mestes do pensa-mento otopdico paa a tansfoma em eaiaão pena: o m da históia(Fukuyama, 1992). Quanto ao ma-esta e à aia, são ‘tatados’ com pótesesfamacêuticas, com a anestesia do consumo ou, na esmaadoa maioia doscasos, com a anestesia da ideooia do consumo sem possibiidade eaistade consumo e, namente, com a etiem da indústia do entetenimento.Nenhum destes mecanismos, pom, paece funciona de modo a disfaatotamente, com a ecácia do funcionamento, a abissa disfunão que eepópio constitui ao se necessáio e eca.

Este espíito epoca suscita o mesmo distanciamento em eaão às teo-ias e às discipinas que nos eeado po luciano de Samosata. As teoias eas discipinas estão demasiado ocupadas consio mesmas paa podeem es-ponde às questões que o nosso tempo hes cooca. O distanciamento expicaa pedominância de epistemooias neatias e, concomitantemente, de ti-cas e postuas poíticas tambm neatias. As aões da ejeião do que existe

tica, poítica e epistemooicamente são muito mais conincentes do queas que são inocadas paa deni e defende atenatias. Mesmo que o dese-quiíbio ente ejeião e atenatia seja comum a todos os tempos, paecese despopocionamente ande no nosso tempo. Poque o hoionte das

8  A pobemática da constuão de um conhecimento pudente paa uma idadecente anaisada em Santos (o.), 2003.

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epistemologias do sul458

eouões modenas coapsou ou poque o nosso tempo se indecide emse demasiado pematuo paa se p-eoucionáio ou demasiado tadio

paa se pós-eoucionáio? Assumi penamente o nosso tempo sinicaeconhece essa despopoão e pocede a pati dea. Sinica, po outaspaaas, adicaia a ejeião e pocua as atenatias a pati da adicaincetea destas.

No pano epistemoóico, o único de que me ocupo neste texto, aejeião impica um ceto tipo de acão diecta epistemoóica que consisteem ocupa as teoias e as discipinas em desespeito peos seus popietáios(escoas ou coentes de pensamento, instituiões) com um tipo objectio:

1. Mosta que as teoias e discipinas pedem a compostua e a seeni-

dade quando são intepeadas po questões que não tenham posto asi pópias, po mais simpes que sejam;

2. Identica compementaidades e cumpicidades onde as teoias ediscipinas êem iaidades e contadiões;

3. Mosta que a ecácia das teoias e discipinas eside tanto noque mostam como no que ocutam, tanto na eaidade que po-duem como existente, como na eaidade que poduem comonão-existente.

Paa eaia o pimeio objectio seá úti simua expeimentaõessociais em que as teoias e as discipinas sejam postas na situaão dosmacacos do rei Eípcio, contada po luciano de Samosata nouto diáoo,O Pescador :

 É a história de um rei egípcio que ensinou aos seus macacos a dança da espada. Ascriaturas, com apurado instinto imitativo, rapidamente aprenderam e passaram a actuarna corte adornadas com trajes vermelhos e máscaras. Durante algum tempo o espectáculo

 foi um grande êxito. Até que um dia um engenhoso espectador trouxe consigo algumas nozese as atirou para o palco. Num ápice, os macacos esqueceram a dança, deitaram fora a sua

humanidade e voltaram à sua macaquice: ei‑los rasgando os trajes e esmagando as másca‑ras, numa luta feroz pelas nozes. E assim ruiu o corps de ballet e a solenidade do auditório.(1905: 222)

 A minha hipótese que as teoias e discipinas eaião de modo não-teóico e não discipina quando foem objecto de questões não peistaspo eas. A manipuaão otopdica que eas execem sobe a eaidade denada hes seiá no momento em que foem assim questionadas. A esposta

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um ocidente não-ocidentalista? 459

não seá otopdica. A imainaão epistemoóica, osóca e socioóicado nosso tempo execita-se piieiadamente identicando as questões

que descompõem as teoias e discipinas e as obiam a confonta-se com oimpensado que habita o seu pensamento. Paa eaia os dois útimos objec-tios tambm nos podemos socoe de luciano de Samosata e metafoica-mente pô à enda, ta como zeus e Hemes, as difeentes teoias e discipi-nas. Compeende-se que haja esistência. é fáci imaina o desconfoto queteão sentido Demócito e Heácito ao seem endidos no mesmo ote. Poouto ado, as teoias e discipinas, que se consoidaam ditando utiidades àsociedade, não compeendeão que a sua utiidade possa se objecto de aa-iaão. Do mesmo modo, as teoias e as discipinas que teoiaam, a fao do

capitaismo, a uniesaidade da concoência conta a coopeaão, da com-pa e enda conta a dádia, do inteesse pópio conta a eneosidade nãoaceitaão que eas pópias sejam postas à enda e muito menos po aentesintusos e não ceticados.

Mas a ejeião das teoias e discipinas sob a foma metafóica da com-pa e enda não tão adica quanto se pensa. Ana, se há compa e enda poque as teoias e discipinas têm auma utiidade. Douto modo, seiamsimpesmente deitadas no ixo. A adicaidade eside em aaiá-as a patide uma acionaidade mais ampa do que a que hes subja. Não se tata defae uma sociooia conenciona das teoias e das discipinas, pois esta seásempe efm do seu objecto sob pena de se ejeita a si mesma. Tata-se,outossim, de constui um modo de intepea as teoias e as discipinas apati de uma acionaidade mais ampa que desino po aão cosmopoitaassente nos pocedimentos inconencionais da sociooia tansessia dasausências e das emeências. Como tatei detahadamente deste tema noutoua (Santos, 2006: 87-126), imito-me aqui a eitea que a sociooia dasausências pate da ideia de que a acionaidade que subja ao pensamentootopdico ocidenta uma acionaidade indoente, que não econhece e,po isso, despedia, muita da expeiência socia disponíe ou possíe no

mundo. Muita da eaidade que não existe ou impossíe actiamentepoduida como não existente e impossíe. Paa a capta, necessáioecoe a uma acionaidade mais ampa que eee a disponibiidade demuita expeiência socia decaada inexistente (a sociooia das ausências) ea possibiidade de muita expeiência socia emeente, decaada impossíe(a sociooia das emeências).

Como efei, assumi a condião do nosso tempo consiste não só emejeita o pensamento otopdico como tambm em pocua atenatias

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epistemologias do sul460

a pati da adica incetea destas. Ou seja, a sociooia das ausências e dasemeências dee assenta em pocedimentos epistemoóicos que cedibi-

iem a busca de atenatias em condiões de eeada incetea. Antes deidentica esses pocedimentos, passo a anaisa as duas andes inceteasque confontam o nosso tempo e que o confontam tanto mais quanto maisee se ibeta do pensamento otopdico e da aão indoente.

O Paradoxo da Finitude e da Innitude A pimeia incetea di espeito à diesidade inesotáe e inabacáe dasexpeiências de ida e de sabe do mundo. Os moimentos nacionaistas,em uta pea ibetaão do cooniaismo e os noos moimentos sociais – do

moimento feminista ao moimento ecoóico, do moimento indíena aomoimento dos afodescendentes, do moimento camponês ao moimentoda teooia da ibetaão, do moimento ubano ao moimento lgBT9  –am de ampiaem o âmbito das utas sociais, touxeam consio noas con-cepões de ida e de dinidade humana, noos uniesos simbóicos, noascosmoonias, noseooias e at ontooias. Touxeam tambm noas emo-ões e afectiidades, noos sentimentos e paixões. Foam estes moimentosque ciaam as condiões paa a sociooia das ausências e das emeências.Paadoxamente este pocesso, que aponta paa a innitude da expeiênciahumana, ocoeu de pa com um outo, apaentemente contaditóio, que foieeando a nitude do paneta tea, a unidade da humanidade e da natueaque a habita (a hipótese gaia), os imites da sustentabiidade da ida na tea.O que desinamos po obaiaão contibuiu, de maneia contaditóia,paa apofunda a dúpice consciência de innitude e de nitude.

 A pimeia incetea cooca-nos, pois, peante o paadoxo da nitudee da innitude. Como que num mundo nito a diesidade da expeiênciahumana potenciamente innita? Po sua e, este paadoxo cooca-nospeante uma caência epistemoóica apaentemente insupeáe: o sabeque nos fata paa capta a inesotáe diesidade do mundo. A incetea

causada po esta caência ainda maio se tiemos em mente que a diesi-dade da expeiência do mundo incui a diesidade dos sabees que existemno mundo e, potanto, das concepões, que sobe a nitude do mundo, quesobe a pópia diesidade innita do mundo.

9 lgBT – lsbicas, gays, Bissexuais, Taestis, Tansexuais e Tansneos.

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um ocidente não-ocidentalista? 461

O pensamento otopdico e a aão indoente que he subja iudemesta compexidade, ciando totaidades feitas de pates homoneas. A

caência a espeito da nitude tansfoma-se num pobema tcnico-cien-tíco, enquanto a caência a espeito da diesidade innita inoadacomo um não-pobema. Sabemos hoje do ma-esta que esta esposta (umaesposta faca) nos cia. Daí a incetea que nos assoa. Não há, pois, comofui à poposta de uma epistemooia que nos pemita caminha no meiode tanta incetea e que pemita e esta, não como um constanimento,mas antes como o outo ado da capacitante amaão de uma insuspeitadae inesotáe diesidade dos sabees e das expeiências humanas. Sem que-e se demasiado essenciaista, podeá tae ama-se, como fe Otea

 y gasset (1987: 51), que o se humano um se condenando a tansfomanecessidade (nitude, sustentabiidade) em ibedade (diesidade, inni-tude). é ceto que mesmo que esta seja uma hipótese ontoóica pausíe, easó esoe em pate o paadoxo. Deixa em abeto a questão epistemoóica.Com que sabees eea as expeiências poduidas peo pensamento oto-pdico, como não existentes (sociooia das ausências) ou como impossíeis(sociooia das emeências)? Como identica, aaia e hieaquia sabeestão diesos e os modos como constituem a expeiência do mundo? Comoaticua os sabees que sabemos com os sabees que inoamos?

 A Urgência e a Mudança Civilizacional  A seunda condião de incetea di especicamente espeito às atenatiascutuais, poíticas, sociais, económicas que podem se pensadas e accionadasa pati da inesotáe diesidade humana, existindo num mundo nito. Sea pimeia incetea nos cooca peante o paadoxo da nitude-innitude, aseunda incetea cooca-nos peante o paadoxo da uência e da mudanaciiiaciona. Nos útimos duentos anos, o pensamento otopdico, tanto àesqueda como à dieita, e a aão indoente que he subja, atibuíam umsentido e uma diecão à históia assente numa concepão inea do tempo

(poesso) e numa concepão eoucionista das sociedades (do subdesen- oimento ao desenoimento). Com base nesta concepão, foi possíedeni atenatias, detemina o moimento da históia e tambm deni oseu m, o estado na da eouão (idade positia de Comte, soidaiedadeoânica de Dukheim, industiaismo de Spence, comunismo de Max, etc.,etc.). A cítica desta teoia da históia está feita e dea não me ocupo aqui.Concento-me no que cou do coapso dea. Apesa de o coapso se da teoiano seu todo, os mestes do pensamento otopdico manipuaam-no paa

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epistemologias do sul462

edui a iência da teoia à denião do útimo estádio: as teses do m dahistóia. é nesta posião que se inspiam muitas das espostas facas que têm

sido dadas às peuntas fotes que o nosso tempo nos cooca. vimos, pom,que as espostas facas têm indo a causa sentimentos de exaustão, caência,ma-esta, injustia e aia que estão na base do distanciamento em eaão aopensamento otopdico. resuta daqui que a incetea das atenatias esidenão neas em si, mas no pensamento que as descedibiia. Como tenho

 indo a defende, não pecisamos de atenatias mas de um pensamentoatenatio de atenatias.

Este distanciamento em eaão ao pensamento otopdico manifesta-se na ecusa dos futuos po ee popostos e na amaão difusa e aspiacio-

na de um futuo meho, de um outo mundo possíe.10

 é uma amaãofaca poque a sua foa decoe mais das suas ejeiões do que das popostasatenatias.11 é a amaão de um futuo meho sem sabe se ee possíee muito menos como seá. Tem a natuea de uma utopia mas de uma utopiamuito difeente das utopias modenas. Paa ea, mais impotante ama apossibiidade da atenatia do que deni o seu pe. é uma exiência ticaà eeia das necessidades históicas, uma uta in extremis peo inacabamentoda históia. A necessidade de exii ai de pa com a incetea do que se exie.Desta conjunão decoe a pefeência peo futuo que está à mão, po aiaqui e aoa, pea actio in proximis. Esta pefeência iida como uma necessi-dade que decoe da uência de ai sob pena de se demasiado tade. Tam-bm aqui a nossa condião utópica diee fundamentamente da condiãoutópica modena que sempe se centou num futuo tão bihante quantodistante, na actio in distans, na submissão da táctica à estatia.

Mas tambm neste domínio a condião do nosso tempo paadoxa. Se,po um ado, domina o sentimento de uência, po ai aoa já que amanhãpode se demasiado tade, po outo ado, e paadoxamente, domina a ideiade que a dimensão do que há a fae paa aanti a possibiidade de um

10  ‘Um outro mundo é possível ’ pecisamente o mote que aea os moimentos eas oaniaões sociais que se desde 2001 têm animado o Fóum Socia Mundia. veja-seSantos, 2005, 2008a e 2008b.

11  Mais abaixo fao uma distinão ente espostas facas-facas e espostas facas-fotes e nouto ua atibuo às mobiiaões sociais conduidas obamente em nomedo Fóum Socia Mundia o caácte de espostas facas-fotes. veja-se Santos 2008a e2008b.

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mundo meho impica uma mudana ciiiaciona, a qua só podeá ocoea ono pao, uma actio in distans.

O paadoxo tadu-se na poaiaão ente as duas tempoaidadesextemas da acão coectia de tansfomaão socia: a modua tempoa daacão uente e a modua tempoa da mudana ciiiaciona. A moduatempoa da acão uente decoe de fenómenos como o aquecimentooba e a sensaão de uma eminente catástofe ecoóica, a pepaaão madisfaada de uma noa uea nucea, a eosão das condiões de susten-tabiidade básica (a áua, po exempo) da ida de camadas cada e mais

 astas de popuaão, o impuso descontoado paa uma uea etena e adestuião injusta de tantas idas humanas poocadas peo esotamento

dos ecusos natuais, o cescimento exponencia da desiuadade socia,as noas fomas de despotismo socia e a emeência ou eemeência deeimes sociais euados apenas pea foa de difeenas de pode extemasou po hieaquias estamentais de noo tipo, ditas neo-feudais. Todos estesfactoes paecem impo que seja dada pioidade imediata à acão de cutopao, aqui e aoa, uma e que o ono pao pode nem seque existi se astendências expessas eouíem foa de contoo. Cetamente que a pessãoda uência tem oiem em factoes distintos no Note oba e no Su oba,mas paece esta pesente em toda a pate.

Po sua e, a modua tempoa da mudana ciiiaciona assenta naideia de que as eaidades do nosso tempo exiem mudanas ciiiacionaismais pofundas e a ono pao. Os factos acima mencionados são sintomasde estutuas pofundamente enaiadas e de oaniaões que não podemse confontadas po inteencionismo de cuto pao já que a óica de taisinteenões petence ao actua paadima ciiiaciona e, potanto, só podecontibui paa o epodui mesmo se di combatê-o. O scuo XX pooucom uma cuedade imensa que toma o pode não suciente, e que em ede toma o pode necessáio tansfomá-o.12

 A coexistência destas poaidades tempoais podu uma enome tu-

buência em ehas distinões e ciaens do pensamento cítico socia e poí-tico como sejam as dicotomias ente táctica e estatia e ente efomismoe eouão. Enquanto que o sentido de uência apea paa posiões tácticase efomistas, o sentido paadimático de mudana ciiiaciona apea paa

12 As esões mais extemas desta tempoaidade podem mesmo apea à tansfoma-ão do mundo sem a tomada do pode (Hooway, 2002).

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epistemologias do sul464

posiões estaticas e eoucionáias. Mas o facto de ambos os sentidoscoexistiem e pessionaem conjuntamente ainda que em diecões opostas

desua os temos das distinões e ciaens, tonando-os mais ou menosieeantes e despoidos de sentido. Na meho das hipóteses, tansfo-mam-se em sinicantes aos, susceptíeis de apopiaões contaditóias.

Se a pimeia incetea da condião do nosso tempo – a inesotáediesidade do mundo – nos põe peante o paadoxo da nitude e innitude,a seunda incetea – sobe a possibiidade de um outo mundo meho– põe-nos peante o paadoxo da uência e da mudana ciiiaciona. Estadupa e paadoxa incetea cooca-nos desaos epistemoóicos e poíticos

noos. Paa os enfenta, socoo-me de duas tadiões esquecidas da mode-nidade ocidenta: a douta inoância de Nicoau de Cusa e a aposta de Pasca.Foam fomuadas po autoes que ieam intensamente as inceteas doseu tempo e foam esquecidas poque se adequaam ma às ceteas que amodenidade ocidenta petendia aanti. Estão, pois, nos antípodas dopensamento otopdico e da aão indoente que passaam a domina nosscuos seuintes. Foam esquecidas po ees mas, em contapatida, tambmnão foam cooniadas po ees. São pois, mais tanspaentes, que quanto àssuas potenciaidades, que quanto aos seus imites. Poque não patihaamda aentua modena ocidenta, pemaneceam no Ocidente à maem doOcidente. Eam inúteis e at peiosas paa uma aentua que ea tantoepistemoóica como poítica: o pojecto impeia do cooniaismo e do capi-taismo obais que ciou a diisão abissa ente o que hoje desinamos poNote oba e Su oba.13 Estas duas tadiões são, po assim die, o Su doNote e po isso estão em mehoes condiões do que quaque outas paaapende com o Su oba e coaboa com ee na constuão de epistemoo-ias que ofeeam atenatias cedíeis ao pensamento otopdico e à aãoindoente.

2. A Douta IgnorânciaNicoau de Cusa, ósofo e teóoo, nasceu na Aemanha em 1401 e moeuem 1467. Ente 1438 e 1440, esceeu a oba intituada A Douta Ignorância (2003). Confontado com a innitude de Deus, que não desina como ta

13 Esta diisão abissa tansfomou-se ea pópia, numa condião epistemoóica.Sobe o pensamento abissa eja-se o Capítuo 1 deste oume.

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um ocidente não-ocidentalista? 465

e sim como ‘Máximo absouto’, o auto popõe-nos uma eexão centadana ideia do sabe do não sabe. O impotante não sabe, sim sabe que se

inoa. Di Nicoau de Cusa, “com efeito, nenhum outro saber mais perfeito podeadvir ao homem, mesmo ao mais estudioso, do que descobrir‑se sumamente douto na suaignorância, que lhe é própria, e será tanto mais douto quanto mais ignorante se souber ”(2003: 5). A noidade de Nicoau de Cusa eside em que ee usa o petextoda innitude de Deus paa popo um pocedimento epistemoóico ea,que ae paa o conhecimento das coisas nitas, o conhecimento do mundo.Po se nito, o nosso pensamento não pode pensa o innito – não hápopoão ente o nito e o innito – mas am disso imitado no pensaa nitude, o mundo. Tudo o que conhecemos está sujeito a essa imitaão,

peo que conhece , antes de tudo, conhece essa imitaão. Daí o sabe donão sabe. A desinaão ‘douta inoância’ pode paece contaditóia, pois o que

douto , po denião, não inoante. A contadião , contudo, apaentejá que inoa de maneia douta exie um pocesso de conhecimento abo-ioso sobe as imitaões do que sabemos. Em Nicoau de Cusa há, po assimdie, dois tipos de inoância, a inoância inoante, que não sabe sequeque inoa, e a inoância douta, que sabe que inoa e o que inoa. 14 Podepensa-se que Nicoau de Cusa se imita a epeti Sócates, mas, de facto,assim não .15 é que Sócates não conhece a ideia de innitude que só entano pensamento ocidenta po ia do neopatonismo de ai cistã.16  Estaideia, sujeita a mútipas metamofoses (poesso, emancipaão), ai sefundamenta na constuão do paadima da modenidade ocidenta. Mas oseu destino no inteio deste paadima muito difeente daquee que tem

14 Paa Nicoau de Cusa conhece medi o que se petende conhece. A mediãotem ua a dois níeis: o níe diecto ou de pimeia odem, em que assumimos a sepa-aão absouta ente a unidade de medida e o que se petende medi; e o níe de seunda

odem ou eexio em que medimos a pimeia medião. Esta eexão eea que, sendoa unidade de medida, ea pópia, um poduto do conhecimento humano, aquio que esteútimo mede não pode se sepaado em temos absoutos da medida com que o mede. é,pois, neste seundo níe que ocoe a douta inoância. Nicoau de Cusa antecipa assimem cinco scuos o pincípio da incetea de Heisenbe. veja-se Santos, 1987: 26. Sobe aactuaidade do pensamento de Nicoau de Cusa, eja-se And, 2001.

15 Ambos, no entanto, coneem na ideia de que o que conhecemos muito menosimpotante que o que não conhecemos, sendo, pois, de piieia epistemooicamente ainoância. veja-se tambm Mie, 2003: 16.

16 Sobe este tema eja-se And, 1997: 94.

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no pensamento de Nicoau de Cusa. As esões dominantes do paadima damodenidade tansfomaam o innito num obstácuo a supea: o innito

o afã innito de o supea, contoando-o, domesticando-o, eduindo-oa popoões nitas. Assim, a innitude que, à patida, deia suscita umsentimento de humidade peante ea, tansfoma-se no fundamento útimoda aoância das esões heemónicas do pensamento ocidenta: o pensa-mento otopdico e a aão indoente. Ao contáio, em Nicoau de Cusa,a innitude aceite enquanto ta, enquanto consciência de uma inoânciaadica. Não se tata de a contoa ou domina, mas de a econhece po umadupa ia: pea tota inoância que temos dea; e peas imitaões que põeà pecisão do conhecimento que temos das coisas nitas. Peante ea, não

possíe a aoância, tão só a humidade. Contudo, a humidade não sinicaneatiidade ou cepticismo. Peo contáio, a eexão e o conhecimento dosimites do sabe contêm uma insuspeitada positiidade. é que, diaectica-mente, e como ama João Maia And, econhece os imites , de aummodo, esta paa am dees (1997: 94). O facto de não se possíe atini a

 edade com pecisão não nos dispensa de a busca. Ao contáio, o que estápaa am dos imites (a edade) comanda o que possíe e exiíe dentodos imites (a eacidade, enquanto busca da edade).

Sem supesa, quase seis scuos depois, a diactica da nitude/in-nitude, que caacteia o tempo pesente, muito difeente da de Cusa. Ainnitude com que nos debatemos não tanscendenta;17 decoe da ines-otáe diesidade da expeiência humana e dos imites paa a conhece. Nonosso tempo, a douta inoância seá um aboioso tabaho de eexão e deintepetaão sobe esses imites, sobe as possibiidades que ees nos abeme as exiências que nos ciam. Acesce que da diesidade da expeiênciahumana fa pate a diesidade dos sabees sobe a expeiência humana.

 A nossa innitude tem assim uma contaditóia dimensão epistemoóica:uma puaidade innita de sabees nitos sobe a expeiência humana nomundo. A nitude de cada sabe assim dupa, constituída peos imites do

que conhece sobe a expeiência do mundo e peos imites (quiá bem maio-es) do que conhece sobe os outos sabees do mundo e, potanto, sobe oconhecimento do mundo que outos sabees popocionam. é sobetudo a

17  A incetea da innitude tanscendenta não desapaeceu mas pemanece nasmaens ou onas de fonteia ciadas pea heemonia do secuaismo modeno. Sobeeste tema eja-se Santos, no peo.

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diesidade epistemoóica do mundo que causa incetea no tempo actua.O sabe que inoa o sabe que inoa os outos sabees que com ee pati-

ham a taefa innita de da conta das expeiências do mundo. O pensamentootopdico e a aão indoente não nos podem uia adequadamente nestaincetea poque fundam um sabe (a ciência modena na concepão hee-mónica que temos dea) que conhece ma os imites do que pemite conheceda expeiência do mundo e conhece ainda menos os outos sabees que comee patiham a diesidade epistemoóica do mundo. Aiás, mais do quenão conhece os outos sabees, ecusa econhece seque que ees existam.Ente as expeiências disponíeis do mundo poduidas como não existentes,assumem paticua impotância os sabees que não cabem no pensamento

otopdico e na aão indoente. Po isso, uma das dimensões pincipais dasociooia das ausências a sociooia dos sabees ausentes, ou seja, a iden-ticaão dos sabees poduidos como não existentes pea epistemooiaheemónica.

Se um douto inoante no nosso tempo sabe que a diesidade epis-temoóica do mundo potenciamente innita e que cada sabe só muitoimitadamente tem conhecimento dea. Tambm neste aspecto a nossacondião difeente da de Nicoau de Cusa. Enquanto o sabe do não sabede que ee pate um sabe único e, potanto, uma única douta inoância,a douta inoância adequada ao nosso tempo innitamente pua. Masta como acontece com a douta inoância de Cusa, a impossibiidade decapta a innita diesidade epistemoóica do mundo não nos dispensa depocua conhecê-a, peo contáio, exie-a. A essa exiência chamo a ecoo-ia de sabees. Po outas paaas, se a edade só existe como busca da e-dade, o sabe só existe como ecooia de sabees.18 Conhecidas as difeenasque nos sepaam de Nicoau de Cusa, tona-se mais fáci apende a ião queee nos dá. Ea só futífea se fomos paa am dee e o pusemos ao seiodas nossas peocupaões e inceteas cetamente difeentes das dee.

 A Ecologia de SaberesSendo innita, a puaidade de sabees existentes no mundo inatiníeenquanto ta, já que cada sabe só dá conta dea paciamente, a pati da suaespecíca pespectia. Mas, po outo ado, como cada sabe só existe nessa

18 Sobe este tema eja-se Santos, 2006: 87-126.

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puaidade innita de sabees, nenhum dees se pode compeende a sipópio sem se efei aos outos sabees. O sabe só existe como puaidade

de sabees ta como a inoância só existe como puaidade de inoâncias. As possibiidades e os imites de compeensão e de acão de cada sabe sópodem se conhecidas na medida em que cada sabe se popuse uma com-paaão com outos sabees. Essa compaaão sempe uma esão contaídada diesidade epistemoóica do mundo, já que esta innita. é, pois, umacompaaão imitada, mas tambm o modo de pessiona ao extemo osimites e, de aum modo, de os utapassa ou desoca. Nessa compaaãoconsiste o que desino po ecooia de sabees.

Os imites e as possibiidades do que um dado tipo de sabe pemite

conhece sobe uma dada expeiência humana decoem de esta se tambmconhecida po outos sabees que esse sabe inoa. Os imites e as possibi-idades de cada sabe esidem assim, em útima instância, na existência deoutos sabees e, po isso, só podem se expoados e aoiados na compaa-ão com outos sabees. Quanto menos um dado sabe conhece os imites doque conhece sobe os outos sabees, tanto menos conhece os seus pópiosimites e possibiidades. A compaaão não fáci mas nea eside a doutainoância adequada ao nosso tempo.

 A dicudade da compaaão eside em que as eaões ente sabeessão assombadas po uma assimetia. Em pincípio, cada sabe conhece maise meho os seus imites e possibiidades e do que os imites e possibiidadesde outos sabees. Esta assimetia constitui o que chamo difeena episte-moóica. Ea ocoe nas eaões ente sabees ientes na mesma cutuae ainda mais intensamente nas eaões ente sabees ientes em dife-entes cutuas. Esta assimetia compexa poque, sendo epistemoóica,manifesta-se menos como uma questão epistemoóica do que como umaquestão poítica. Ou seja, a assimetia ente os sabees ocoe sobeposta àassimetia dos podees. Em temos de tipos-ideais, há dois modos opostosde acciona essa assimetia. A pimeia consiste em maximiá-a, eando ao

máximo a inoância a espeito dos outos sabees, ou seja, decaando a suainexistência. A este modo chamo fascismo epistemoóico poque constituiuma eaão ioenta de destuião ou supessão de outos sabees. Tata-seuma amaão de foa epistemoóica que ocuta a epistemooia da foa.O fascismo epistemoóico existe sob a foma de epistemicídio cuja esãomais ioenta foi a conesão foada e a supessão dos conhecimentos nãoocidentais eadas a cabo peo cooniaismo euopeu e que continuam hojesob fomas nem sempe mais subtis. No póo oposto, está a tentatia de mini-

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mia ao máximo essa assimetia na eaão ente sabees. A compexidadedesta tentatia decoe de ea não pode se eaiada com êxito uniatea-

mente po um dado sabe. Ao contáio, pessupõe que a assimetia seja eco-nhecida po outos sabees e que todos faam dea o moto da compaaãocom outos sabees. Po outas paaas, a difeena epistemoóica só podese minimiada atas de compaaões ecípocas ente sabees na busca deimites e possibiidades cuadas. A este seundo modo de ie a assimetiachamo a ecooia de sabees. Da anáise pecedente decoe que o pimeiomodo tem pedominado nas epistemooias heemónicas da modenidadeocidenta e nos modos de acionaidade e de pensamento que eas sustentam,a aão indoente e o pensamento otopdico. A poposta que fao, da ecoo-

ia de sabees, a epistemooia da douta inoância. A ecooia de sabees confonta-se com dois pobemas: a) como com-paa sabees dada a difeena epistemoóica; b) como cia o conjunto desabees que paticipa de um dado execício de ecooia de sabees já que apuaidade de sabees innita. Paa confonta o pimeio, poponho ataduão e paa confonta o seundo poponho a atesania das páticas.

 A TraduçãoPo tata deste tema nouto ua (Santos, 2006: 127-154), imito-me aquia uma bee efeência. Pautado pea douta inoância, cada sabe conhece

meho os seus imites e possibiidades, compaando-se com outos sabees. Aexistência da difeena epistemoóica fa com que a compaaão tenha de sefeita atas de pocedimentos de busca de popoão e coespondência que,no conjunto, constituem o tabaho de taduão. Como efei, paa que estespocedimentos actuem necessáio que ees sejam eados a cabo po todosos sabees que compõem um dado cícuo de ecooia de sabees. Na acepãoque aqui he dou, a taduão taduão ecípoca. Atas dea, a difeenaepistemoóica, ao se assumida po todos os sabees em pesena, tona-seuma difeena tendenciamente iua. Os pocedimentos de popoão e

coespondência são pocedimentos indiectos que pemitem apoximaõessempe pecáias ao desconhecido a pati do conhecido, ao estanho a patido famiia, ao aheio a pati do pópio. Ente ees, menciono sinais, símbo-os, conjectuas, enimas, pistas, peuntas, paadoxos, ambiuidades, etc.19 

19 Tambm aqui haeia muito a apende com uma outa tadião ocidenta esque-cida ou mainaiada, a eexão osóca eaiada na pimeia modenidade ocidenta(scuo XvI-XvII), a modenidade ibica, em especia a eexão osóca dos Conimbi-

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cupaão da uta conta a disciminaão pode condui a uma ecooia entesabees poduidos po difeentes moimentos sociais: feministas, anti-acis-

tas, de oientaão sexua, de dieitos humanos, indíenas, afodescendentes,etc., etc. A peocupaão com a dimensão espiitua da tansfomaão sociapode ea a ecooias ente sabees eiiosos e secuaes, ente ciência emisticismos, ente teooias da ibetaão (feministas, pós-cooniais) e o-soas ocidentais, oientais, indíenas, aficanas, etc. A peocupaão com adimensão tica e atística da tansfomaão socia pode incui todos essessabees e ainda as humanidades, no seu conjunto, a iteatua e as ates.

 As peocupaões que suscitam os execícios de ecooia de sabeessão patihadas po diesos upos sociais que, em dado contexto, cone-

em na ideia de que as suas aspiaões e os seus inteesses só podem seposseuidos com êxito em aticuaão com outos upos sociais e, po-tanto, com os sabees dos outos upos sociais. A ecooia de sabees adimensão epistemoóica de uma soidaiedade de tipo noo ente actoesou upos sociais. é uma soidaiedade intenamente diesa em que cadaupo apenas se mobiia po aões pópias e autónomas de mobiiaão,mas, po outo ado, entende que as acões coectias que podem tans-foma essas aões em esutados páticos extaasam do que possíeea a cabo po um só acto ou upo socia. A ecooia de sabees sinaiaa passaem de uma poítica de moimentos sociais paa uma poítica deinte-moimentos sociais.

Esta caacteiaão das aões que ciam a necessidade da ecooiade sabees e seeccionam os sabees que, numa situaão conceta, a inte-am ajuda-nos iuamente a identica os campos de inteacão em que aecooia de sabees ocoe. Esses campos não são epistemoóicos. Os sabe-es que diaoam, que mutuamente se intepeam, questionam e aaiam,não o faem em sepaado como uma actiidade inteectua isoada de outasactiidades sociais. Faem-no no contexto de páticas sociais constituídasou a constitui, cuja dimensão epistemoóica uma ente outas e dessas

páticas que emeem as questões postas aos áios sabees em pesena.Tais questões só são epistemoóicas na medida em que foem páticas, isto, tieem consequências paa o contexto das páticas em que a ecooia desabees tem ua. Daí que os sabees sejam confontados com pobemasque, po si, nunca poiam. Em ea, tais pobemas tomam os sabees desupesa e estes com fequência se eeam incapaes de os esoe. A inte-peaão cuada dos sabees nasce do econhecimento dessa incapacidade eda tentatia de a supea.

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epistemologias do sul472

Esta pioidade das páticas podu uma tansfomaão fundamentana eaão ente os sabees em pesena. A supeioidade de um dado sabe

deixa de se denida peo níe de institucionaiaão e possionaiaãodesse sabe paa passa a se denida peo seu contibuto památico paauma dada pática. Fica assim desactiado um dos motoes do fascismo epis-temoóico que tem caacteiado a eaão da ciência modena com outossabees. Paa cetas páticas, a ciência seá cetamente deteminante, tacomo paa outas seá ieeante ou at contapoducente. Esta desocaãopamática das hieaquias ente sabees não eimina as poaiaões ente ossabees mas edu-as às que decoem dos contibutos páticos paa a acãoamejada. Neste sentido, a ecooia de sabees tansfoma todos os sabees

em sabees expeimentais. Tambm aqui a ião de Nicoau de Cusa futí-fea. Em 1450 ediiu tês diáoos, De Sapientia, De Mente e De Staticis Experi‑mentis, em que a pesonaem centa o Idiota, um homem simpes e ietado,um pobe atesão que fa cohees de pau.21 Nos diáoos que ee tem com oósofo cedenciado (o humanista, o oado), ee o sábio capa de esoeos pobemas mais compexos da existência a pati da expeiência da sua idaactia, à qua confeida pioidade em eaão à ida contempatia. Comoama leone dos Santos (2002:73), “O Idiota é contraposto ao homem eruditoe letrado, possuidor de um saber escolar, fundado em autores e autoridades, e que destestira a sua competência, mas que perdeu o sentido do uso e cultivo autónomo das suas pró‑

 prias faculdades”. O Oado pooca o Idiota: “Que presunção é a tua, pobre idiotacompletamente ignorante, que assim minimizas o estudo das letras, sem o qual ninguém

 progride? ” (2002: 78). O Idiota esponde: “ Não é, grande Orador, presunção o queme não deixa calado mas a caridade. Pois vejo‑te dedicado à busca da sabedoria commuito trabalho em vão […] A opinião da autoridade fez de ti, que és livre por natureza,algo semelhante a um cavalo preso pelo cabresto à manjedoura, que só come aquilo quelhe é servido. O teu conhecimento alimenta‑se da autoridade dos que escrevem, limitadoa um pasto alheio e não natural ” (2002: 79). Pouco depois acescenta: “ Eu, porém,digo‑te que a sabedoria grita nos mercados e o seu clamor anda pelas praças” (2002: 79).

 A sabedoia expime-se no mundo e nas taefas mundanas, paticuamentenaqueas que são oba da aão e que impicam opeaões de cácuo, demedida e de pesaem (2002: 81).

21  Sobe os diáoos e a ‘sabedoia do idiota’ eja-se o tabaho de leone Santos(2002: 67-98).

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um ocidente não-ocidentalista? 473

São diáoos muito iónicos em que o Idiota ana o exposito dadouta inoância poposta po Nicoau de Cusa.22 Nees, as andes disputas

ente escoas de sabe eudito deixam de se impotantes se a sua impotân-cia paa a ida e paa a expeiência páticas não fo demonstada. Este des-centamento dos sabees fundamenta paa que a ecooia de sabees atinjaos seus objectios: a pomoão de páticas sociais ecaes e ibetadoas apati da intepeaão cuada dos imites e das possibiidades de cada umdos sabees em pesena.

O descentamento dos sabees tem ainda uma outa dimensão. O campode inteacões páticas (isto , com objectios páticos), em que se eaia aecooia de sabees, exie que o ua da intepeaão dos sabees não seja

um ua excusio dos sabees, po exempo, uniesidades ou centos deinestiaão. O ua de enunciaão da ecooia de sabees são todos os ua-es onde o sabe conocado a conete-se em expeiência tansfomadoa.Ou seja, são todos os uaes que estão paa am do sabe enquanto páticasocia sepaada. Sinicatiamente, os diáoos de Nicoau de Cusa têm uaou no babeio ou na humide ocina do atesão. O ósofo , pois, eado adiscuti num teeno que he não famiia e paa o qua não foi teinado, oteeno da ida pática. é o teeno onde se paneiam acões páticas, se ca-cuam as opotunidades, se medem os iscos, se pesam os pós e os contas.é este o teeno da atesania das páticas, o teeno da ecooia de sabees.

Em concusão, a douta inoância e a ecooia dos sabees são as iaspaa enfenta uma das condiões de incetea do nosso tempo: a diesidadeinnita da expeiência humana e o isco que se coe de, com os imites deconhecimento de cada sabe, se despedia expeiência, isto , de se podu-i como inexistentes expeiências sociais disponíeis (sociooia das ausên-cias) ou de se podui como impossíeis expeiências sociais emeentes(sociooia das emeências).

3. A Aposta de PascalPaa enfenta a seunda condião de incetea do tempo pesente – a ince-tea de não sabemos se o mundo meho a que juamos te dieito e de que

22 De pespectias muito difeentes da de Nicoau de Cusa, a ideia de piieia ainoância como pincípio pedaóico tem sido tatada po muitos autoes. veja-se, poexempo, rancièe, 1987.

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necessitamos com uência seá efectiamente possíe – poponho outasuestão osóca da modenidade ocidenta iuamente esquecida: a aposta

de Pasca. Patihando o mesmo esquecimento e mainaiaão a que foisujeita a douta inoância de Nicoau de Cusa, a aposta de Pasca pode, tacomo a douta inoância, sei de ponte ou de abetua a outas osoasnão ocidentais e paa outas páticas de intepeaão e de tansfomaãosocia que não as que ieam a se sufaadas peo pensamento otopdicoe pea aão indoente. Aiás, ente a douta inoância e a aposta há uma a-nidade básica. Ambas assumem a incetea e a pecaiedade do sabe comouma condião que, sendo um constanimento e uma faquea, tambmuma foa e uma opotunidade. Ambas se debatem com a ‘despopoão’

ente o nito e o innito e ambas pocuam eea ao imite máximo as poten-ciaidades do que possíe pensa e fae dento dos imites do nito.Pasca pate de uma incetea adica: a existência de Deus não pode

se demonstada acionamente. Di Pasca: “Se há um Deus, ele é innitamenteincompreensível, uma vez que, não tendo nem partes nem limites, não tem qualquercomparação connosco. Somos, portanto, incapazes de saber o que ele é e se existe” (1988:103). Em face disso, põe a questão de sabe como fomua aões que eemum não-cente a muda de opinião e passa a acedita em Deus. A esposta a aposta. Apesa de não podemos acionamente detemina que deus existe,podemos peo menos enconta um meio aciona de detemina que apostana sua existência nos ta mais antaens do que acedita na sua não existên-cia. A aposta enoe um isco ceto e nito de anha ou pede e a possibi-idade de obte um anho innito. Aposta na existência de deus obia-nosa se honestos e ituosos. E, cao, tambm nos obia a enuncia a paeesnocios e à óia mundana. Se Deus não existi, pedemos a aposta mas emcompensaão anhámos uma ida ituosa, cheia de boas obas. Em conta-patida, se ee existi, o nosso anho innito, a saaão etena. De facto, nãopedemos nada com esta aposta e o anho pode se innito: “[…] a cada passoque derdes neste caminho vereis tanta certeza de ganho, e tão grande o nada que arriscais,

que reconhecereis, por m, que haveis apostado numa coisa certa, innita, pela qual nadahaveis dado” (Pasca, 1988: 107)

 A acionaidade da aposta consiste em que paa aposta na existência deDeus não peciso te f. é, contudo, uma acionaidade muito imitada, poisnada nos di sobe a ea existência de Deus e muito menos sobe a sua natu-ea. Como a existência e natuea de Deus sempe um acto de f, Pascatem de enconta uma mediaão ente a f e a acionaidade. Essa mediaão o hábito. Di Pasca: “O costume é a nossa natureza. Quem se acostuma à fé crê nela”

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(1988: 50). Ou seja, o apostado, ao aposta eiteadamente na existência dedeus, acabaá po acedita nea.

Ta como aconteceu com Nicoau de Cusa, a peocupaão que decoeda incetea do nosso tempo muito difeente da de Pasca. Paa a andemaioia, o que está em causa não a saaão etena, o mundo do am, masantes um mundo teeno meho do que o mundo actua. Não haendo neces-sidade ou deteminismo na históia, não há nenhuma maneia aciona desabe ao ceto se um outo mundo possíe e muito menos como seá a idanee. O nosso innito a incetea innita a espeito da possibiidade ou nãode um outo mundo meho. Peante isto, a questão que nos confonta podese fomuada assim: que aões nos podem ea a uta po uma ta possibi-

idade, coendo iscos cetos paa obte um anho tão inceto? Suio que aesposta seja a aposta, como única atenatia tanto às teses do m da históiacomo às teses do deteminismo ua. A aposta a metáfoa da constuãopecáia, mas minimamente cedíe, da possibiidade de um mundo meho,ou seja, a possibiidade de emancipaão socia, sem a qua a ejeião da injus-tia do mundo actua e o inconfomismo peante ea não faem sentido. Aaposta a metáfoa da tansfomaão socia num mundo em que as aõese isões neatias (o que se ejeita) são muito mais conincentes do que asaões positias (a identicaão do que se que e como á chea).

 Acontece que a aposta do nosso tempo sobe a possibiidade de ummundo meho muito difeente da aposta de Pasca e bem mais compexa.São difeentes as condiões da aposta e a popoão ente os iscos de anhae os iscos de pede. O que há de comum ente Pasca e nós são os imites daacionaidade, a pecaiedade dos cácuos e a consciência dos iscos. Quem o apostado no nosso tempo? Enquanto paa Pasca o apostado o indiíduoaciona, no nosso tempo o apostado a casse ou o upo socia excuído,disciminado, em suma, opimido e os seus aiados. Poque a possibiidade deum mundo meho ocoe neste mundo, só aposta nessa possibiidade quem

tem aões paa ejeita o status quo do mundo actua. Os opessoes tendema expeiencia o mundo em que iem como o meho possíe e o mesmoacontece com aquees que, não sendo diectamente opessoes, beneciamdas páticas opessias destes. Paa ees não fa sentido aposta no que jáexiste.

Dado o caácte tansiciona do nosso tempo há a considea uma dis-tinão no seio do upo dos opimidos e seus aiados. Tata-se da distinãoente aquees que se fomaam na conicão da necessidade deteminística

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de um mundo meho (a iusão do futuo), paa quem, po isso, nunca fesentido aposta, e aquees que, mais fustiados pea opessão ou mais sujei-

tos à doutinaão dos opessoes, não aceditam na possibiidade, po maisemota, de um outo mundo meho (a iusão do pesente), e, potanto, paaquem não fa aoa sentido aposta mesmo se no passado fe. Quanto aospimeios, as aões paa aposta estaão associadas à desiusão do detemi-nismo do futuo; quanto aos seundos, as aões estaão associadas à desiu-são do deteminismo do pesente.

Tambm as condiões da aposta do nosso tempo dieem muito dasda aposta de Pasca. Enquanto paa o apostado de Pasca a existência ou nãode deus não depende dee, paa o apostado do nosso tempo a possibiidadeou não de um mundo meho depende da sua aposta e das acões que esu-taem dea. Mas paadoxamente os seus iscos são maioes. é que as acõesque esutaem da aposta ocoeão num mundo de casses e upos emconito, de opessoes e de opimidos, e, po isso, encontaão esistências eseão objecto de etaiaão. Os iscos (as possibiidades de peda) são, assim,dupos: os iscos decoentes da uta conta a opessão; e os iscos decoentesdo facto de, ana, um outo mundo meho não se possíe. Daí que não sejaconincente no nosso tempo a demonstaão que Pasca fa ao seu apostado:“[…] por toda a parte onde está o innito e onde há uma innidade de probabilidades de

 perda contra a de ganho, não há que hesitar: é preciso dar tudo” (1988: 105).Peo contáio, no nosso tempo, há muitas aões paa hesita e paa

não aisca tudo. São o outo ado da peaência das aões neatias sobeas aões positias. Daqui decoem áias consequências paa o pojecto daaposta na emancipaão socia. A pimeia di espeito à pedaoia da aposta.

 Ao contáio da aposta de Pasca, as aões paa aposta na emancipaãosocia não são tanspaentes. Paa se tonaem conincentes, deem seobjecto de aumentaão e de pesuasão. Em e da acionaidade demons-tatia da aposta, a aoabiidade aumentatia da aposta. A pedaoia da

aposta dee te ua em confomidade com a ecooia de sabees, nos con-textos e campos de inteacão em que esta opea. Tata-se, em suma, de umpojecto de educaão popua em que o conhecimento acadmico e a ciênciapodem paticipa, desde que o faam nos temos da ecooia de sabees.23 

23 Um ta pojecto de educaão popua subja à poposta de ciaão da uniesidadepopua dos moimentos sociais que tenho indo a defende. Sobe este assunto, eja-seSantos, 2006: 155-165.

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 A pedaoia aiaá seundo o ua e o contexto da sua pática e tambmseundo o tipo de apostadoes. Po exempo, em efeência à distinão feita

acima, a pedaoia da aposta isa, no caso da iusão do futuo, tansfomaa necessidade do futuo na ibedade do pesente, e, no caso da iusão dopesente, tansfoma a necessidade do pesente na ibedade do futuo. Emambos os casos, a pedaoia da aposta isa tansfoma uma neaão diac-tica – que o mundo actua seja isto como antítese ou com síntese – numaneaão tica.

 A seunda consequência di espeito às eaões ente aão e paixão.Enquanto Pasca incita o apostado a diminui as suas paixões, já que estaso impedem de econhece as aões que justicam a aposta, o apostado do

nosso tempo pecisa de compementa as aões da aposta, e consequente-mente da uta pea emancipaão socia, com as paixões da aposta e da aspia-ão de emancipaão socia. As paixões aoáeis24 intensicam a aoabiidadedas aões da aposta, sedimentam a indinaão e o inconfomismo ante ainjustia e fotaecem a coaem paa enfenta os iscos de uta conta osinteesses instaados.

 A teceia consequência da condião da aposta do nosso tempo di es-peito ao tipo de acões que decoem da aposta. A adica incetea do futuomeho e os iscos ineentes à uta po ee eam a piieia as acões queincidam no quotidiano e se taduam em mehoias aqui e aoa na ida dosopimidos e excuídos. Po outas paaas, a aposta piieia a actio in proxi‑mis. Este tipo de acão efoa, peo seu êxito, a ontade da aposta e satisfao sentimento da uência da tansfomaão do mundo que efei acima, osentimento de que peciso actua já sob pena de mais tade se demasiadotade. A aposta não se adequa à actio in distans, pois esta constituiia um iscoinnito peante uma incetea innita. Isto não sinica que ta acão nãoesteja pesente. Só que não está pesente nos seus pópios temos. As tans-fomaões do quotidiano só aticam a aposta na medida em que tambmsão sinais da possibiidade de emancipaão socia. Paa isso, deem se adica-

iadas e, ao seem-no com êxito, espondem ao sentimento da necessidadede mudana ciiiaciona paa que um outo mundo meho seja possíe.

 A adicaiaão consiste na busca dos aspectos subesios e ciatios do

24 As paixões diem-se aoáeis poque são compementaes da aão. Mas a e-dade que eas só seão ecamente aoáeis se a aão fo apaixonada, ou seja, se a aãoe a paixão se deixaem intepeneta.

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quotidiano e que podem ocoe na mais básica uta pea sobeiência.25 Astansfomaões do quotidiano têm assim uma dupa aência: as mehoias

concetas do quotidiano e os sinais que estas dão de possibiidades bem maisampas. é po ia destes sinais que a actio in distans se fa pesente na actio in

 proximis. Po outas paaas, a actio in distans só existe como dimensão da actioin proximis, como ontade e aão da adicaiaão da acão. Atas da apostatona-se possíe junta quotidiano e utopia sem, no entanto, os dissoe umno outo. A utopia o que fata ao quotidiano paa nos dispensa de pensana utopia. O se humano não apenas o se humano e a sua cicunstância,como ensina Otea e gasset (1987), tambm o se humano e o que fata nasua cicunstância paa ee se penamente humano.

4. De Respostas Fracas-fracas às Respostas Fracas-fortes A cítica do ocidentaismo tanto mais conincente quanto, com base nea, seaponta paa a possibiidade de um ocidente não ocidentaista. Neste capítuopocuei apofunda essa possibiidade. Obiamente que ai uma distânciamuito ande ente concebe um ocidente não ocidentaista e tansfomauma ta concepão em eaidade poítica. Estou, aiás, conencido que tadistância intansponíe enquanto iemos em sociedades capitaistas.

 A possibiidade de um ocidente não ocidentaista está intimamente iadaà possibiidade de um futuo não capitaista. As duas possibiidades isamo mesmo objectio ainda que usando instumentos e utas muito distintos.Nas condiões em que hoje pode se pensada, a concepão de um ocidentenão ocidentaista tadu-se em econhece pobemas, inceteas e pepexi-dades e tansfomá-os em opotunidades de ciaão poítica emancipatóia.Enquanto não confontamos os pobemas, as inceteas e as pepexidadespópios do nosso tempo, estaemos condenados a neo-ismos e a pós-ismos,ou seja, a intepetaões do pesente que só têm passado. O distanciamentoque popus em eaão às teoias e discipinas, constuídas peo pensamentootopdico e a aão indoente, assenta no facto de eas teem contibuído

paa a discepância ente peuntas fotes e espostas facas que caacteiao nosso tempo. Essa discepância tadu-se em andes inceteas enteas quais saientei duas pincipais: a incapacidade de capta a inesotáediesidade da expeiência humana e o temo que com isso se despedice

25 Sobe o quotidiano enquanto eemento intínseco da eaidade e da acão tans-fomadoa, eja-se Isasi-Día, 2003:365-385.

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um ocidente não-ocidentalista? 479

expeiência que nos podeia se peciosa paa esoe auns dos nossos po-bemas; e a incetea decoente da aspiaão a um mundo meho sem que

disponhamos de uma teoia da históia que nos indique que ee necessáioou seque possíe. Paa enfenta estas inceteas, popus duas suestõesepistemoóicas constuídas com base em duas tadiões paticuamenteicas da modenidade ocidenta, ambas mainaiadas e esquecidas peopensamento otopdico e a aão indoente que têm indo a domina nosútimos dois scuos: a douta inoância, com a ecooia dos sabees que deadecoe, e a aposta. Ambas eeam que o conhecimento eudito ou acad-mico tem uma eaão innua com o conhecimento que considea innuo.

 Ambas eeam a pecaiedade do sabe (sabe que inoa) e a pecaiedade

do ai (aposta com base em cácuos imitados).Como penso te mostado, estas popostas não isam eimina asinceteas do nosso tempo. visam antes assumi-as penamente e usá-aspodutiamente, tansfomando-as de constanimento em opotunidade.Pode die-se que, em ceto sentido, são espostas facas. Em face disto, necessáio fae uma distinão conceptua ente espostas facas-fotes eespostas facas-facas.

Existem dois tipos de espostas facas. O pimeio tipo aquio quedenomino de esposta faca-fote. Paafaseando lucien godmann (1966,1970), esta esposta epesenta o máximo de consciência possíe de umadada poca. Tansfoma a pepexidade poocada pea peunta fote emeneia e ao positios. Em e de assumi que a pepexidade inúti ouque pode se eiminada po uma esposta simpes, tansfoma a pepexi-dade num sintoma de compexidade impícita. Assim, a pepexidade tans-foma-se na expeiência socia de um noo campo abeto de contadiõesonde existe uma competião eatiamente deseuada ente as difeentespossibiidades. Sendo os esutados desta competião muito incetos, existeua de soba paa a inoaão socia e poítica, oo que a pepexidade sejatansfomada na capacidade de iaja sem mapas áeis.

O outo tipo de esposta faca a esposta faca-faca. repesentao mínimo de consciência possíe de uma deteminada poca. Descata eestimatia a pepexidade como sintoma de um facasso na compeensãode que o ea coincide com o possíe, aoiando as souões heemónicascomo um poduto ‘natua’ da sobeiência dos mais aptos. A pepexidade, neste caso, ista como uma debiidade decoente da ecusa em iaja deacodo com mapas histoicamente testados. Poque os mapas não podem sequestionados, a esposta faca-faca conida ao imobiismo e, potanto, à en-

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epistemologias do sul480

dião. Inesamente, a esposta faca-fote um conite paa um moimentode ato isco.

 As espostas facas que mencionei no início deste tabaho são espos-tas facas-facas. Peo contáio, a douta inoância, a ecooia dos sabeese a aposta são espostas facas-fotes. Ainda que ocidentais na sua oiem,epesentam uma acionaidade muito mais ampa (poque muito mais cons-ciente dos seus imites) do que a que eio a domina. Poque mainaiadase esquecidas, mantieam uma abetua a outas tadiões e pobemáticasnão ocidentais que a modenidade ocidenta foi pedendo à medida quecou efm do pensamento otopdico e da aão indoente. Poque mai-naiadas e esquecidas, estas tadiões tieam um destino semehante ao de

muitos sabees e tadiões não ocidentais e, po isso, estão hoje em mehoescondiões paa apende com ees e paa, em conjunão com ees, contibuí-em paa as ecooias de sabees e paa a intecutuaidade.

 A douta inoância e a aposta, ainda que espondendo às inceteasciadas peas concepões e páticas heemónicas da modenidade ocidenta,têm uma esatiidade e uma abetua que hes pemite seem utiiadasem contextos eopoíticos difeentes. Mas com uma essaa impotante denatuea eopoítica. Estas popostas impicam des-pensa ou desapendeo pensamento otopdico e a aão indoente, o que pocuei iusta com ametáfoa das osoas à enda que ecohi de um ‘bábao ciiiado’, capade e a babáie da ciiiaão, luciano de Samosata. No entanto, des-pen-sa e desapende assumem fomas muito distintas no Note oba e noSu oba já que o pensamento otopdico e a aão indoente têm sido osinstumentos que justicam a diisão Note/Su e a dominaão impeia doNote oba sobe o Su oba. Em pate, a dominaão tem consistido naimposião do des-pensamento e da desapendiaem de sabees não ociden-tais ou não impeiais, ou seja, na imposião de monopóios anaíticos quepoduem ausências e despediam expeiência. Com base no pensamentootopdico, o Note oba só conhece do Su oba o que pode justica

a continuaão da dominaão sobe ee. Po isso, des-pensa e desapendeno Su oba isa sobetudo einenta ou eabiita, como sábios e áidos,sabees e expeiências que o pensamento otopdico e a aão indoentedecaaam inoantes e poduiam como ausentes. No Note oba, des-pensa e desapende isa sobetudo apende a inoa. Uma boa metáfoadisso mesmo -nos ofeecida po luciano de Samosata: os ósofos podemca escandaiados po e eunidas no mesmo ote de enda osoas tãoopostas como as de Heácito e Demócito, mas o comeciante que se apo-

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um ocidente não-ocidentalista? 481

 xima de zeus e de Hemes paa as compa pode te boas aões paa e neasuma compementaidade úti.

Po outo ado, o facto de a douta inoância, a ecooia de sabees e aaposta piieiaem, como ua de enunciaão, o quotidiano, onde a ee-

 xão e a acão não se sepaam, pemite te pesente as abissais difeenas doquotidiano no Note oba e no Su oba. Essas difeenas são actiamenteocutadas peas abstacões conceptuais do pensamento otopdico, combase nas quais se constoem os uniesaismos que intensicam a domi-naão na medida em que a eiminam conceptuamente. Peo contáio, noquotidiano os conhecimentos e os conceitos puicados são deoidos à

 ida donde emeiam e onde estieam antes de seem o que são. Coadas

à ida, a douta inoância, a ecooia de sabees e a aposta são páticas deconhecimento que ocoem no contexto de outas páticas, ta como, metafo-icamente, a sabedoia do Idiota de Nicoau de Cusa se execita na babeaiaou na ocina do atesão. Esta contextuaiaão obia a te pesente que oquotidiano da ande maioia da popuaão do Su oba – que incui o Suoba que existe no inteio do Note oba, o ‘teceio mundo inteio’ – uma uta incessante pea sobeiência e pea ibetaão face às imposiõescom que o Note oba e a sua epistemooia impeia execem a sua domi-naão sobe o Su oba. A douta inoância uma uta conta a inoânciainoante do Note oba em eaão ao Su oba; ta como a ecooia desabees isa a constuão de um senso comum emancipatóio enquanto auto-consciência da uta conta a opessão; ta como a aposta tem pesente que osapostadoes habitam no Su oba ou assumem adicamente a soidaiedadecom os que habitam no Su oba.

Da douta inoância, ecooia dos sabees e aposta não emee um tipode emancipaão socia, nem seque uma tipooia de emancipaões sociais.Emee tão só a aoabiidade e a ontade de uta po um mundo meho euma sociedade mais justa, um conjunto de sabees e de cácuos pecáiosanimados po exiências ticas e po necessidades itais. A uta pea sobei-

 ência e ibetaão conta a fome e a ioência o au eo da emancipaãosocia e, nessas situaões, tambm o seu au máximo. A emancipaão socia ao como a ‘ate pefectoia’ do sábio idiota de Nicoau de Cusa, que facohees de madeia sem se pode imita a imita a natuea (não há cohena natuea), mas tambm sem nunca atini com pecisão a ideia da coce-aidade (a essência da cohe que petence à ‘ate diina’). A emancipaãosocia assim toda a acão que isa desnatuaia a opessão (mosta queea, am de injusta, não nem necessáia nem ieesíe) e concebê-a com

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epistemologias do sul482

as popoões em que pode se combatida com os ecusos à mão. A doutainoância, a ecooia de sabees e a aposta são as fomas de pensa que estão

pesentes nessa acão. E, de facto, da existência deas só temos poa nocontexto dessa acão.

Quais as instituiões da douta inoância, da ecooia de sabees e daaposta? Da anáise pecedente tona-se eidente que não têm instituiõesespecícas onde possam se execitadas independentemente das páticassociais que as mobiiam. Em e de instituiões, há contextos doutamenteinoantes, noseo-ecoóicos e apostadoes. Isto não sinica que as ins-tituiões – uniesidades, centos de inestiaão – que foam modadaspeo pensamento otopdico e pea aão indoente estejam condenadas

a se efns destes. Tambm eas são páticas sociais e neas cicuam – nassaas de auas, nos coedoes, nos baes, na extensão uniesitáia, nas asso-ciaões acadmicas – muitos sabees e páticas, inceteas e peocupaões,cutuas não ociais, utas po sobeiência e ibetaão que não são eco-nhecidos peos objectos puicados da educaão ceticada do cuicuumfoma. Uma e eatiiado este peo pocedimento da osoa à enda,abem-se campos de inteacão onde a douta inoância, a ecooia desabees e a aposta podem se execitadas. Admito mesmo que, sobetudonesta fase de tansião, seja possíe cia contextos híbidos onde inteêmas instituiões do pensamento otopdico e da aão indoente que oamdistancia-se eatiamente dees e instituiões e páticas de sabe e aique o pensamento otopdico e a aão indoente consideaam inoantes,infeioes ou poduiam como ausentes.26 retiadas do seu efúio indo-ente onde só espondem às peuntas que eas pópias põem, as teoiase discipinas podem da um contibuto úti na constuão de um sensocomum emancipatóio.

Po útimo, quais as foas poíticas adequadas à pomoão da apostaem aticuaão com a douta inoância e a ecooia de sabees? Cetamentemuito distintas das que têm pomoido concepões otopdicas e indoentes

da emancipaão socia. Seão cetamente oaniaões doutamente inoan-tes, poiticamente ecoóicas e decididamente apostadoas nas potenciaida-des emancipatóias do quotidiano enquanto actio in proximis. Po aoa, não possíe deni-as at poque a sua denião há-de comea po um pocesso

26 A poposta da uniesidade popua dos moimentos sociais, efeida acima, umdesses contextos híbidos.

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um ocidente não-ocidentalista? 483

coespondente à osoa à enda, um pocesso já em cuso, ainda que demodo incipiente.27 Captá-as constitui, pois, um execício da sociooia das

emeências.

27 é assim que concebo o pocesso do Fóum Socia Mundia. veja-se Santos, 2005e 2008b.

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CAPTUlO 14

enContros Culturais e o oriente:um estudo das polÍtiCas de ConheCimento

Shiv Visvanathan

I

Numa de suas confeências, Johann gatun menciona uma pintua expostana ante-saa do faecido íde aniano Kwame Nkumah. Tataa-se de umaimaem iante do pópio Nkumah, ibetando-se de coentes. Na ima-em há toões e aios no a e, num dos cantos da pintua, estão tês homens,tês homens bancos. O pimeio um capitaista, que caea uma pasta.O seundo um missionáio, que ea uma Bíbia. O teceio, de apaênciadóci, caea um io cujo títuo ma pode se ido. O seu títuo Sistemas

 Políticos Africanos. O teceio homem um antopóoo. A iconoaa da imaem costumaa petuba-me. Nos anos 70, quando

daa as minhas auas de antopooia poítica, esta imaem epesentaa paamim um exempo cássico do nacionaismo utando conta as depedaões

do capitaismo ocidenta, da cistandade missionáia e da ciência coonia.Mas hoje a pintua paece eha, booenta e quase constanedoa. Osmoimentos nacionais, que já foam pensados como ibetadoes, tonaam-se ditatoiais. As noas batahas pea ibedade ciaam estanhas paceiasquando upos comunitáios utam conta pojetos de desenoimento, ecom a obaiaão a podui a sua comitia de intenacionaismo cíico. Háaqui uma poítica da memóia que não pemite a amnsia ou a inocência. Apesena cutua de enomes diáspoas indianas, chinesas e aficanas ateaa poítica dos encontos cutuais, ciando híbidos a pati de duaismos

concoentes.Com efeito, a históia dos encontos cutuais não pode nunca se idaatas eistos simpistas. Tais encontos aiaam desde o bana e o sueaat o inimaináe. Ees inteam tanto o subime diáoo ‘Eu e Tu’ de MatinBube, quanto o sinisto siêncio do enocídio pepetado peo rei lepodono Cono Bea. Fente a esta dimensão e compexidade – e face à natueapoítica do tema que deu oiem aos escitos de gandhi, Taoe, Niad C.Chaudhai, v. S. Naipau e tambm de Fanon e Said – quaque auto obi-

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epistemologias do sul488

ado a enaja-se em dois ituais peiminaes: taa um mapa de possibii-dades e decaa sua posião poítica e acadmica.

 Modelos de Encontros

genocídio

Ecocídio

Museicaão

(resea)

guetiaão

(Apatheid)

 Assimiaão

Substituião

(Substituião de impotaões

pea Industiaiaão)

Heemonia Impeia

(Encontos Podutios

Pimodiais)

Fundamentaismo Mienaismo Mistua étnica

Hibidiaão

diaspóica

 Autonomia(Intecâmbio sementado)

a) Tuismo

b) Táco

c) Difusão

d) Tansfeência de Tecnooia

Puaismo(Diáoo, Taduão,

Foescimento)

Quando encaados sob o eixo do pode ou da economia, os encontoscutuais poduem podeosos tatados sobe o Impeiaismo ou o Coonia-

ismo (eja-se o modeo ofeecido acima). Ees ecodam-nos que um doscustos do enconto ente Oiente e Ocidente foi o enocídio, a eadicaãofísica de andes massas popuacionais, incuindo a itua extinão das suascenas, da sua música e dos seus modos de ida. Este aspecto necóo dosencontos leste-Oeste captuado peo paadoxo que comumente chama-mos de museu.

Paa a mente ocidenta, o museu uma ande instituião humanitáia,que eete a sensibiidade ocidenta paa com as cutuas do passado. Maspaa o oha oienta, o museu quase que a acionaiaão da piataia. Não

necessáio fae efeência ao ecente escândao das escutuas de mámoedo Pathenon.1 Uma simpes consuta aos aquios nacionaistas indianos suciente paa podui uma decaaão mais sistemática.

1  NT : Os mámoes do Pathenon, tambm conhecidos como os mámoes de Ein,constituem uma coeão de escutuas eada da gcia paa a gã-Betanha no iníciodo sc. XIX po lod Ein, então embaixado junto ao impio Otomano. As escutuasencontam-se hoje no Museu Bitânico, em londes.

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encontros culturais e o oriente: um estudo das políticas de conhecimento 489

O eóoo e cítico de ate cinaês Ananda Kentish Coomaaswamy,citando um jonaista, questionaa: “Se Deus voltasse hoje e perguntasse a um

homem ocidental civilizado onde estavam os aztecas, os incas ou os aborígenes australia‑nos, seria Ele levado a um museu? ” (1947: 22)

Enquanto instituião, o museu epesenta o paadoxo dos encontosleste-Oeste espatihados em amadihas de metáfoas eoutias, que nãoapenas ciaam uma hieaquia de cutuas, como sancionaam a ioência,enquanto tática eítima, conta os que foam otuados de ‘pimitios’,‘eementaes’, ‘tadicionais’ ou ‘atasados’. O museu incopoou a óicado poesso que aoia uma sociedade em detimento da outa. Isto faecoda uma históia que raimundo Pannikka contaa numa das suas

conesas extaodináias. Ea uma anedota sobe um enconto ente umnote-ameicano, um texano, e um índio ameicano, membo de uma tibo.O texano comentaa com o índio como este tinha poedido muito amdo inteocuto. O índio soiu e etoquiu que estaa fei po ambos, já queestaam exactamente onde queiam esta.

Coomaaswamy condenaa o museu modeno enquanto encontocutua poque ee o ia como uma extensão e a copoicaão da objec-tiidade da ciência ocidenta modena, que cheiaa a mote e a fomo. Omuseu ea um meo anexo do aboatóio. Coomaaswamy amentaa queo museu epesentasse um enconto que peseaa a música focóica noexato momento em que destuía o canto focóico, e sueia que o moi-mento naciona indiano deeia taa uma uea de ueiha conta a idiado museu, poque ea copoicaa uma cuiosidade cínica sobe a motee a motaidade das cutuas tadicionais que tinham encontado o ohaocidenta.

II

Os aspectos necóos e heemónicos dos encontos ente o leste e oOeste têm sido naados de maneia bihante po antopóoos, maxistas ehistoiadoes cutuais. Um texto em especia, que enquanto discuso quasese apopiou dessa poítica da memóia, o Orientalismo,  de Edwad Said(1978). De facto, um tibuto ao seu tabaho que o oientaismo – comomapa – ameace abaca o teitóio. A descião que Said fe do Oientecomo uma caeia, uma constuão, como um discuso heemónico, to-nou-se o conteúdo de um io didáctico, ensinado e ceebado em muitas

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epistemologias do sul490

uniesidades. Mas o Oiente não pode se um texto coneado ou uniatea,nem mesmo nos temos popostos po Said. O pesente dado po Said em

Orientalismo demanda uma contapatida, uma etibuião que compeenda apoítica da memóia que ee tão habimente ciou. gaas a Said, não há maisinocência ou eitimidade afáe em eaão à oba oientaista.

 Juntamente com os tabahos de Chomsky e zia-ud-din Sada, o iode Said ajuda-nos a compeende que o íus ou o ene do oientaismocontinua pesente na poítica extena de muitas naões ocidentais. Ee ajuda-nos a compeende a amática da poítica extena oientaista pesente na

 ioência no vietnam, na Paestina ou at mesmo na óica da sementaãoindiana. O coeciente enocida do oientaismo dee se enome. Há auns

anos, o poeta e escito mexicano Octaio Pa cunhou o temo ‘sioismocotante’ (1972). Octaio Pa inentou-o paa fae efeência a conceitosbanais abstatos, quase asspticos, como ‘poesso’, ‘desenoimento’,‘eouão’ – que, quando apicados empiicamente como poítica, apesen-tam custos enomes em temos de cutuas destuídas e idas pedidas. Ooientaismo, como demonstou Said, estaa epeto de sioismos cotantescomo punhais.

Todaia, o discuso oientaista exie mútipas eituas. Ionicamente,uma das aões paa esta diesidade de eituas a pópia caeia de Saidque, de facto, não foi capa de (e)conciia as duas pates de seu eu-inte-ectua. Os seus escitos sobe Conad e a música ocidenta pemanecempaaeos aos seus estudos sobe a Paestina.

Edwad Said não apenas um paestino, tambm um acadmico dias-póico. Juntamente com deenas de outos acadêmicos do Teceio Mundo,como gayati Spiak, Stuat Ha, ranajit guha, Ajun Appaduai, HomiBhabha, Tapan roychaudhi, ee epesenta a fomidáe textuaidade dosabe do Teceio Mundo nos Estudos Cutuais nas uniesidades ociden-tais. Enquanto inteectuais, ees são heóis não apenas paa a comunidadeacadmica do Teceio Mundo, mas tambm paa os indianos, cinaeses e

paquistaneses no Pimeio Mundo. Esta diáspoa fonece um noo púbico,bem como uma noa imainaão. Com efeito, ea possibiita a ciaão de umanoa foma de oientaismo, uma caeia acadmica que einenta e medeiaa ndia paa o consumo não apenas do Ocidente, mas tambm paa a noaeaão de indianos, de ente outos. A ndia constuída e consumida deuma noa maneia peas cianas da diáspoa, muitas das quais estão tão des-conadas dea pópia quanto quaque oientaista o ea, e iuamente pe-sas aos esteeótipos de pobea, desenoimento, secuaismo e Boywood.

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encontros culturais e o oriente: um estudo das políticas de conhecimento 491

Não apenas há um Ocidente em nós, há um ‘nós’ no Ocidente. A diáspoa eo seu impacto sobe os Estudos Cutuais não foi eexiamente compeen-

dida. Nos nossos dias, o aquio Oientaista está a se ciado não no MuseuBitânico ou nos eistos do gabinete Indiano, mas nos campus das unie-sidades note-ameicanas, tendo as cianas da diáspoa como consumidoas.Said compotou-se como um exiado. As suas eexões sobe o exíio estãoem moimento, mas sua meditaão enquanto se diaspóico está aia.

Há ainda uma seunda aão poítica, que tem a e com a memóia e abusca de atenatias. Os textos Oientaistas podem se e-idos foa de seucontexto heemónico. A imainaão indiana em busca po atenatias podeusa o aquio Oienta não apenas paa pocua as fomas tadicionais de

poduão de au índio, mas paa pesquisa as imainaões atenatias quetais aquios mantieam ias.Basta considea a caeia de um dos mais destacados histoiadoes

indianos, Dhaampa (2000), que demonstou como a aicutua indianaea uma epistemooia atenatia à modena ciência ocidenta. é eeanteaponta que a escaaão que Dhaampa fe nos aquios foi um execíciooientaista: eu reuben Baow, H. W. Pinsep e Wiiam Jones enquantotestemunhas de um meio de ida atenatio.

De foma mais posaica, a inquietaão com o tabaho de Said pomde quato fontes difeentes. Em pimeio ua, o Oiente de Said encaixa-se meho no Oiente da Aábia do que no Oiente da ndia. Os bitânicos,especiamente sob o comando de robet Cie e Waen Hastin, eam pe-dadoes – mas o oientaismo que ees ciaam com a ajuda de James Mi,

 Wiiam Jones e H. W. Pinsep ea de um tipo difeente (Inden, 1990). EsteOientaismo foi estabeecido dento de um quado de áias heemoniasconcoentes, com ram Mohan roy e outos modenistas eiindicando oeado de Bacon, Newton e locke, enquanto os pimeios oientaistas po-cuaam a heemonia atas da ei natia.

Em seundo ua, o oientaismo indiano, atas do notáe dinos-

sauo inteectua que a Sociedade Asiática de Benaa, tentou cia umamodua difeente paa a ciência ocidenta. A tentatia, po pate da Socie-dade, de epesenta todo o conhecimento e apoxima o amado e o espe-ciaista, mesmo se quixotesca, simboia uma das andes expeiências dohoismo. A Sociedade Asiática, enquanto enconto cutua ente Oientee Ocidente, fe emei a excitaão das andes descobetas em inuística,uma ceebaão obscuecida peo paoquiaismo de Mi e Macauay, que

 iam no Oiente uma ciiiaão deotada, ponta a se apopiada enquanto

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epistemologias do sul492

objecto de museu, e nunca como uma temática acadmica de uma uniesi-dade modena.

Em teceio ua, o oientaismo indiano tinha um dupo, de que ooientaismo aábico caecia: a imainaão oientaista indiana, enquantodiscuso heemónico diidido, iaiaa com o pode inteectua da Teoso-a,2  coisa que o oientaismo noutos uaes pôde inoa. A imainaãoteosóca enfatiaa a fatenidade inteectua de todas as ciiiaões e detodas as pessoas. Tataa-se de uma busca po conhecimentos mainais eocutos, e tambm po um outo Ocidente, um Ocidente deotado que asimainaões ocidentais dominantes tinham supimido. Ente a Teosoa e ooientaismo de Jones e Pinsep, encontaa-se a cítica cutua da ciência e

da medicina ocidentais, que ainda hoje constitui um dos mais impotanteseistos daquee enconto cutua. A descobeta ocidenta da existência de um modeo puaista de medi-

cina ecebeu o seu pode inteectua neste peíodo. Estes debates foneceamum ímpeto temendo à cítica feminista da ciência e da medicina no Oci-dente. A Teosoa tonou-se um conduto, um teeno, uma fonte peene demetáfoas atas das quais o feminismo ocidenta podia enconta os pincí-pios ‘oientaistas’ paa uma cítica da ciência. As feministas empestaam daTeosoa não apenas a cítica à ioência iisseccionista da ciência modena,mas tambm a puaiaão de copos, paa am da metáfoa dominante docopo mecânico. As idias teosócas de ‘eencanaão’, do copo ocuto, docopo ‘histico’, popocionaam ao feminismo um sustentácuo, atasde metáfoas, que não estaa disponíe à imainaão secuaista ocidenta(Nandy e visanathan, 1990).

 A Teosoa ea, obiamente, um espao de discuso bidieciona. Osteosostas tabahaam pea eitaiaão do budismo em Ceião. Os textosteosócos, incuindo a taduão de gita,3  foam edadeios ãos paa omoinho da imainaão andhiana. Na Áfica do Su, gandhi contou como apoio da amiade de teosostas – como Poak – que ajudaam a mante a

 Phoenix Farm.4 

2  NT : lit. ‘Sabedoia Diina’. Tata-se de um copo doutináio que pocua sinteti-a a Fiosoa, a reiião e a Ciência, estando pesente em áios sistemas osócos.

3  NT : A Gita (it. ‘canão’) efee-se especiamente ao texto sânscito Bhagavad  Gita.4  NT : Uma das duas comunidades uais Satyagraha, que gandhi pocuou deseno-

 e na Áfica do Su (a outa foi a ‘Tostoy Fam’).

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 A Teosoa tambm aimentou as mais excênticas fauhas da imai-naão nacionaista na Ianda. De imediato somos obiados a pensa na

eniaidade de Wiiam Bute Yeats. Yeats, A. E. (geoe russe) e BenadShaw eam todos ees teosostas, beieantes ou compometidos. De fato,se T. S. Eiot empestou auma coisa da imainaão oientaista, Yeats, comsuas ideias do cícuo e do ocuto, possuia uma imainaão essenciamenteteososta, uma mente que pocuaa aíes no outo Ocidente que a Teoso-a tentaa desespeadamente mante io. Incidentamente, Yeats taduiupoemas de Taoe.

O outo do Ocidente, no peíodo coonia, poinha de tês canais difeen-tes – os Tópicos, o Oiente e a Teosoa. Podeia ainda se acescentado à ista o

enconto missionáio com as eiiões indianas. O Hinduísmo que o Ocidenteencontou foi uma inenão paticua, constuída ao edo de sua pópiaamática da cistandade. Os bitânicos exiiam um equiaente paa a Bíbiae encontaam-no no gita. O Hinduísmo que os bitânicos consumiam foi,em pate, a sua pópia ciaão, mas tee um impacto fascinante na imainaãoocidenta. O Ocidente encontou no Mahabhaata um texto mais compexo doque o da Iíada ou da Odisseia, um modeo de uea, tica, conito e destinoque continua a fascina quaque um. Testemunhos disso são o impacto dome Mahabharata, de Pete Books, ou a citaão do gita pofeida po robetOppenheime a quando da exposão da pimeia bomba atómica (Junk, 1958).O cenáio tipo dos Tópicos, do Oiente e do Ocuto teosóco aantiu umcampo fti de expeimentaões mentais à medicina, à poesia e à ciência, ai-mentando o moimento das sufaistas e a escita ciatia de poetas desde Eiota Octaio Pa. Em paaeo, os paadimas cientícos mecanicistas da pocabeneciaam dos tabahos de J. C. Bose. At hoje os matemáticos ocidentaispemanecem intiados peo nio matemático de Siniasa ramanujan. Temosde nos ecoda tambm da pepexidade de Hady, matemático inês, ao ouiramanujan expica-he, pacientemente, que tinha isto os seus teoemas numsonho, à medida que a deusa Namakka ia desenoando a ínua.

Finamente, a pópia ndia foi o oca, o cenáio paa toda uma eaãode mentes inesas, euopeias e ameicanas. Estas imainaões excênticas

 iam na ndia um teato de possibiidades que o Ocidente tinha pedido ousupimido dento de si mesmo. As suas ideias sobe a ndia e as pesquisas que aíeaam a cabo deam oiem ao que podeia se chamado de ‘Outos coonia-ismos’ ou ‘Outos oientaismos’, tentatias de sustenta o Ocidente ecessiona ndia. As mais pofundas expeiências nessa diecão têm a sua oiem naspesquisas de tês cientistas – Patick geddes, Abet Howad e J. S. Hadane.

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epistemologias do sul494

III

 Nutrindo um Ocidente retrógrado – GeddesPatick geddes (1954 – 1932) foi um ande bióoo, ecooista e ubanistaque, juntamente com seu ‘poteido’ lewis Mumfod, continua a se uma dasmais inteessantes imainaões dissidentes do scuo XX. Como educado,bióafo, jadineio e pacista, geddes ia na ndia uma metáfoa do que oOcidente haia pedido. Uma ua quixotesca, mais confotáe no meio daimainaão nacionaista do que no abinete coonia, geddes desenoeumais de inte paneamentos ubanos (nenhum dos quais foi impementado),e ecionou num cuso de eão em Dajeein, juntamente com J. C. Bose, o

cientista, e rabindanath Taoe, o poeta. é necessáio admiti que o encon-to de geddes com gandhi não foi empoante. geddes esceeu uma cata agandhi sueindo que os seus encontos podeiam se modeados a pati daagora ea, mas não está cao se gandhi eaiu positiamente a ta suestão.

 A despeito disso, geddes ea, em ea, um meste do enconto cutua, umsocióoo capa de desenoe uma pespectia cítica ampa e ecipoca.

geddes ia a coónia como um mundo topica, ampiando exaea-damente as patooias do Ocidente. Ee defendia que haia ao de ieana difusão extaodináia do inês como meio educatio na ndia. Pece-beu a caamidade de um sistema que estaa “a tentar transformar príncipes emcrianças de escolas públicas, sábios em graduados com louvor, babus 5 em secretários malremunerados e camponeses em proletários” (geddes, 1904: 19). Não obstante,geddes peiu que o moimento nacionaista, no pópio momento de po-testo, estaa a aimenta a tadia, atas da sua intepetaão da situaão.geddes aceditaa que o conito não ea ente o Oiente e o Ocidente; eacescentaa que os desenoimentos da ciência tinham ciado as condiõespaa a ecupeaão de um seundo Ocidente – o Ocidente outo da ecooia

 itaista, utapassando o cooniaismo educionista e autómato do pimeioOcidente. Paa geddes, a eestutuaão da uniesidade indiana tinha de

acontece atas de um diáoo com este outo Ocidente. A uniesidadeindiana do futuo tinha de compeende sua eneaoia enquanto sistemade conhecimento.

5  NT : Temo hindi de cotesia paa com os homens, equiaente a ‘senho’. Tambmse usa paa fae efeência a indianos com domínio pacia da ínua inesa, em ea comcunho pejoatio.

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geddes aumentaa que a ocaão da uniesidade, enquanto oa-nismo, eetia o diáoo, fequentemente ioento, ente as noões con-

coentes de conhecimento e de pedaoia existentes no seu ambiente. Osucesso da uniesidade esidia em fonece uma síntese funciona. A pó-pia uniesidade mediea eou-se na tentatia de econciia a doutinada ieja cistã com a ecupeaão de Aistótees. Em paaeo aconteciao diáoo dos sistemas mdicos, no qua mdicos de diesas fs inhamcompaando não apenas os seus emdios, mas tambm as suas doutinas. Auniesidade mediea tonou-se na uniesidade enascentista ao incopoa“as novas aprendizagens dos gregos exilados, a nova astronomia dos hereges perseguidose os resultados da nova arte de impressão de académicos e artesões errantes” (geddes,

1904: 3). A uniesidade enascentista tansfomou-se depois no sistemaemânico contempoâneo. Paa geddes, potanto, nenhuma uniesidadeestaia competa sem os seus acadmicos dissidentes: a eaão ente eesaantia a ambos estabiidade e mutaão.

 A ndia, como geddes enfatiaa, enfentaa um desao simia naeconstuão de suas uniesidades. Ao ins de impota mecanicamente auniesidade ocidenta, seia necessáio inoa, contapondo a esta as possi-biidades ciiiacionais ineentes aos sistemas indíenas de medicina, ai-cutua, dieito ou aquitectua. A tadia esidia no facto de a ndia não teconseuido esponde positiamente ao desao de cia uma uniesidadepós-emânica que desenoesse noas noões de biooia, de dieito e demedicina; ao ins disso haia poduindo uniesidades p-emânicas deseunda mão em Cacutá, Madasta e Bombaim. Tais uniesidades eamincapaes de esponde ciatiamente às possibiidades de seu ambiente eestaam eduidas a seem meos apaatos de escutínio. O que aia paa auniesidade aia paa o cientista.

Numa dada ocasião geddes efeiu que não ea contáio à iaem deindianos ao exteio po aões cientícas, mas aetou conta o pode insi-dioso do pensamento ocidenta:

 Deixe‑se o estudante indiano vir a nós de todas as maneiras [...] embora pense que éapenas para serem uma reprodução mais ou menos el de nós mesmos, seja nos desportos ouem jogos, como funcionário subalterno ou convertido, mesmo que ele consiga superar o nossoideal. O Princípe Ranjitsinghi é muito bem vindo; ele só nos fez coisas boas; elevou a estimae o respeito popular pela Índia entre os homens comuns, muito mais do que um novo Budateria feito. Nós admiramos o saxão Ivanhoe por ter derrotado os campeões normandos nos

 seus próprios torneios. Apesar disso, Ivanhoe, disfarçado‑se numa cultura estrangeira seme‑

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lhante às suas mais profundas tradições e mais altas aspirações foi  [...] o primeiro snobe, o primeiro exemplo equivocado da sua própria cultura (geddes, 1918).

 Assim, paa geddes haia dois Ocidentes: o Ocidente anacónico daea mecânica-coonia, e o Ocidente enoado, itaista e ecoóico. O swa‑deshismo,6  como ee pópio indicaa, inoaa as ciências neo-tcnicas e,no pópio momento do seu potesto, intenaiaa as cateoias da mentemecânica.

é inteessante aponta que tanto geddes como Taoe, nos seus esque-mas paa uma noa uniesidade intenaciona, aumentaam de modosimia. O bióoo, enquanto cientista, ecoaa o poeta na sua concepão de

uniesidade, se não em todos os detahes, peo menos na isão ea.Taoe aceditaa que a uniesidade modena, enquanto epesenta-ão coectia, incopoaa a pespectia de mundo da ciiiaão ocidenta(Taoe, 1913). Ee sentia que o Oiente não possuia quaque instituiãoequiaente. E assim tentou constui um cento deste tipo em Santiniketan,insatisfeito com a possibiidade que o swadeshismo  se contentasse com uma

 isão oyeuística da uniesidade ocidenta. Taoe aumentaa que, antesque o diáoo ente Oiente e Ocidente pudesse acontece, deeia hae umcento inteectua que encanasse o espíito do conhecimento no Oiente,eetindo cada uma das suas andes ciiiaões. Somente a pati de tainstituião podeia a inteaão ente Oiente e Ocidente se equitatia, pos-sibiitando a ecipocidade diaóica e a inestiaão da difeena.

Taoe aumentaa que cada uniesidade ea a copoiaão de umconjunto aquetípico. A uniesidade ocidenta, enquanto micocosmos dacivitas, eetia a mente da cidade. Todaia, na ndia, a ciiiaão estaa asso-ciada à oesta, “tendo adquirido o seu caráter distintivo fruto da sua origem e do seuambiente” (Taoe, 1913). Ta inteecto buscaa a hamonia espiitua com anatuea, ao passo que a mente da cidade isaa subjuá-a, estendendo assuas muahas ao edo de suas aquisiões. O sábio emitão que habitaa a

oesta não estaa inteessado em adquii e domina, mas em compeendee aaa sua consciência ao cesce com, e em, o ambiente que o odeaa.Mesmo quando a oesta pimodia foi cedendo espao à faenda e à cidade,

6  NT : Em Hindi, Swadesh sinica ‘do pópio país’. O moimento Swadeshi foi pateinteante da uta nacionaista pea independência da ndia; enquanto estatia poíticadefendia a mehoia das condiões económicas da ndia atas da auto-suciência. O Swa‑deshi  foi uma pea-chae da poposta de auto-oenaão (Swaraj ) aanada po gandhi.

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“o coração da Índia recordava com adoração o supremo ideal da auto‑realização fatigantee da dignidade simples do eremitério na oresta” (Taoe, 1913).

Taoe peiu que o diáoo das duas uniesidades seia ente umaciência da cidade e uma ciência da oesta, ente um modo de se que isaaa hamonia com a natuea e um modo de fae que pocuaa possuí-a.

Sem nea que o pode da ciência ocidenta, que o dinamismo da uni- esidade ocidenta, Taoe sentia, contudo, que o diáoo de conhecimentossó podeia comea quando as difeenas fossem entendidas e econhecidas.Foi com espíito simia que geddes tentou empeende um etono a uma

 isão aícoa da ciência, a uma biooia que substituisse a heemonia damáquina como metáfoa eicada. A cata de geddes à Imã Niedita sobe

sua idia paa a poposião do Instituto Indiano de Ciência de Banaoepodeia te sida escita po Taoe. Um cheou ao itaismo atas dapotica de uma foha, atas do entendimento das impicaões da oestaenquanto sinicado; o outo atas de uma isão sinótica que buscaa acomunhão com as tendências itaiadoas da ciência. é neste contexto quea pespectia de geddes sobe a uniesidade indiana dee se encaada.

Vocês buscam a riqueza através da pobreza, através da simplicidade. Nós buscamos odomínio do homem e da besta; vocês conhecem o espírito que há neles. Na ciência, somos nósque dissecamos o corpo, somos nós que classicamos e nomeamos as plantas, mas é o estranho

 simbolismo do interior dos vossos templos que primeiro e mais completamente irradiou o segredo do crescimento e o renascimento de todas as coisas vivas – para nós, a forma exterior

da vida e da morte, para vocês, os mistérios interiores. Nós podemos contar‑vos a evoluçãocom detalhes concretos, como a do cavalo a partir do desengonçado tapir, da or a partirda humilde semente; mas vocês captaram a primeira inspiração de Brahma; a antítese doanabolismo e do catabolismo com os seus detalhes siológicos e as suas consequências.

O nosso mundo é a destreza do especialista moderno, mas no vosso tem sido o sen‑tido cósmico. Com a renovação de vossa própria poesia, da vossa própria losoa, acontecea renovação da vossa ciência anciã, alarga‑se a inspiração e o aprofundamento do nosso

 pensamento ocidental, marcado mas supercial  (geddes, 1904: 17).

Os panos eddesianos paa a uniesidade pós-emânica nunca foamconcetiados. Os nacionaistas Swadeshi destuíam as suas espeanas deconstui a noa Uniesidade de Banaas. A Uniesidade Centa de Indoepemanece um sonho não eaiado. O diáoo ente geddes e Taoe nãocontinuou po muito mais tempo. Pouco depois ee mudou-se paa a Paes-tina paa tabaha nos panos paa a Uniesidade de Isae. Mas a isão

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ecoóica do mundo continua a se extaodinaiamente eeante nos diasde hoje, paticuamente a sua isão sobe a cidade.

 Howard e a agriculturaSe geddes epesentaa uma tentatia de nuti um mundo neo-itaista epós-emânico na ndia, os anos de Abet Howad no país foam dedicadosà ciaão de eementos de discuso sobe o cutio oânico. Juntamentecom os Farmers of Forty Centuries de F. H. Kin (1911), o Testamento Agrícola7  deHowad (1943) pemanece uma oba de efeência dos encontos cutuaiseatios à aicutua. O texto de Kin constitui uma ceebaão cássica daaicutua chinesa e da sua atitude face ao despedício. Foi a compeensão

que Howad tee da aicutua indiana que eentuamente o eou a desaao Cime de Justus liebi – a obsessão ocidenta po fetiiantes sintticos –,que Howad apeidou de mentaidade NPK.8 

 A caeia de Abet Howad na ndia compeende tês fases distintas:ee foi paa a ndia, paa Pusa, na quaidade de Botânico Economista Impeiaem 1904; em 1928 mudou-se paa Indoe, onde encabeou o noo institutoaícoa, e eessou a Inatea em 1931, paa popuaia a sua ideia deaicutua oânica.

Um  Testamento Agrícola  foi uma notáe antopooia da aicutuaindiana. Difeentemente do químico de aboatóio ocidenta autoiado,o aicuto indiano ia o soo como ao io, como um acto de conana,que ee tinha de utiia, mas depois deoe sem danos à eaão seuinte.

 A ode de Howad ao húmus uma ceebaão de uma foma difeente deaicutua. Foi um ande estudo compaatio de tês ciiiaões – China,ndia e Ocidente – centado na atitude de cada cutua em eaão ao sooe à saúde. O equiaente contempoâneo mais póximo que se pode pensasão os semináios de Hans Jeny na Uniesidade da Caifónia (visanathan,1997: 90). Jeny entaa na saa de aua com uma coeão de sides e pediaaos estudantes paa identicaem as imaens que iam sendo pojectadas no

ecã. Os estudantes espondiam que se tataam de pintuas de Monet ou detabahos de outos impessionistas. Jeny soia e espondia com ionia queos sides coespondiam a difeentes espcies de soo, faando depois sobe

7  NT : Oba pubicada em inês, como o títuo An Agricultural Testament.8  NT : Justus on liebi – químico aemão consideado o ‘pai da indústia de fe-

tiiantes’. NPK   efee-se à pecentaem de nitonio (N), fosfoo (P), e potássio (K)pesente em quaque fetiiante.

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os dieitos do soo. Foi exatamente esta pespectia que Howad aticuouem Um Testamento Agrícola, uma isão cássica da cutua como aicutua. O

tabaho de Howad conheceu um faco impacto em Inatea depois dasduas ueas, mas ajudou a inspia J. I. rodae e o moimento da aicutuaoânica nos EUA.

 Haldane e a genética Ainda mais intiante, em áios aspectos, J. B. S. Hadane e os seus encon-tos com a ndia. A históia da peeinaão ou da iaem de Hadane peandia já foi contada tês ees, e cada uma deas de maneia bihante. Apimeia consiste naumas páinas contidas na bioaa que ronad Cak

(1968) esceeu sobe Hadane; a seunda são as memóias de Donama-aju (1968) sobe seu pofesso; a teceia a intepetaão fascinante deduas naatias em “ Porque Haldane foi para a Índia? ”,9 de Fancis zimmeman(1996).

 John Budon Sandeson Hadane (1892-1964) foi um ande cientista,um maxista e um dos fundadoes da entica das popuaões. Antes deimia paa a ndia, em 1957, foa titua da Cadeia Wedon de Biometiano Uniesity Coee, em londes. Já na ndia, iniciamente ensinou noInstituto Estatístico Indiano em Cacutá, tendo passado, duante um cutopeíodo, peo Conseho pea Ciência e Pesquisa Industia (CSIr), antes decia o seu pópio aboatóio em Bhubaneshwa, no estado de Oissa.

zimmeman obsea que a causa apaente da patida de Hadane daInatea foi a sua objecão à Cise de Sue. O pópio Hadane ajudou aaimenta o focoe em eaão a este eento, ao potaonia uidosas ati-tudes de potesto no aeopoto, antes de seu embaque. Encenando paa aimpensa, ee amou aiosamente que abandonaa a sua tea nata comofoma de potesto peos assassinatos em massa pepetados em Pot Said.zimmeman aponta que a Cise de Sue foi uma mea coincidência poítica,pois Hadane já tinha, então, paticamente neociada a sua nomeaão na

ndia. As eminiscências de Donamaaju têm um caácte mais anedótico do

que anaítico. Eas são um tibuto despetensioso de um auno paa com o seupofesso, uma históia dos útimos anos em Bhubaneshwa. Não obstante,como aumenta zimmeman, estas eminiscências contêm pistas sinica-

9  NT : No oiina inês, ‘Why Haldane went to India?’ 

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epistemologias do sul500

tias. Donamaaju testemunha que Hadane amaa que a pate inoadoada oba de Dawin ea não a teoia da eouão, mas o seu tabaho sobe a

siooia das pantas. Num conjunto famoso de semináios, pubicados sobo títuo A Unidade e a Diversidade da Vida (1965),10 Hadane, aoa mementeenaiado na ndia, enfatiaa que o conceito pincipa de Dawin não eaa eouão, mas a diesidade. A eouão podeá te sido mais impotantenuma cosmooia cistã, que acentua a descontinuidade ente o humano e oanima, mas, numa comunidade Taoísta ou Hindu, onde os animais têm diei-tos e at deees, a diesidade pode, do ponto de ista poítico, se muitomais ita e centa. Paa Donamaaju, Hadane tinha-se tonado ‘Hindu’,desaando o duaismo ente o copo e a mente, ente animais e humanos

– uma doena que contaminaa o pensamento ocidenta desde há minios(zimmeman, 1996: 287).Fancis zimmeman, un Induoista fancês conhecido peo seu estudo

cássico da Ayueda, apesenta uma teceia eitua dos motios que eaamHadane à ndia. Ee aponta uma aão poítica: não a poítica do Sue oudo Maxismo, mas um potesto mais pofundo conta a poítica do conheci-mento no Ocidente. A ndia fonecia tanto os conceitos quanto o espao paauma axiomática difeente da biooia.

zimmeman efee que Hadane ea um dissidente soitáio, detemi-nado a enconta atenatias paa a constuão da biooia. Aqui, duas ten-dências são bastante óbias. Em pimeio ua, Hadane opunha-se detemi-nantemente ao Dawinismo Socia, dominante no Ocidente daquea atua,que popaaa a sobeiência buta do mais apto. Em seundo ua, a suaopão pea a biooia popuaciona, piieiando uma abodaem que enfa-tiaa o uniesa, contaiaa tambm a ideooia indiiduaista da poca.

 A popuaão tanscendia os indiíduos. Em iaens anteioes, Hadane jáse haia impessionado com a diesidade da ndia. A ndia ea um exempocássico do país do poimosmo. Hadane tinha expessado sua anidadecom gandhi, com o Hinduísmo e a não-ioência, mas as intuiões iniciais

uniam-se à biooia de Hadane paa cia uma ciência difeente.Hadane ia a teoia dawinista como um moto a dois tempos, inte-

ando a aiaão e a seecão natua. As intepetaões dominantes dabiooia enfatiaam a seecão natua, eduindo a teoia dawinista a umapespectia economicista e utiitáia da natuea, onde a aptidão acentuaa

10  NT : No oiina inês, ‘The Unity and Diversity of Life’.

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a seecão. A eitua que Hadane fe de Dawin na ndia ciou as condiõespaa a emeência de uma atmosfea atenatia paa a biooia.

Desaando a butaidade da noão do mais apto como um ao seec-tio, Hadane defendia que a aptidão não podeia se equipaada à adaptaãoa uma dada condião ambienta. No seu estudo cássico sobe a cauda dopaão, Hadane aumenta conta a biooia utiitaista: “ Nenhuma pessoa irácontestar que, à excepção de ter induzido aos Hindus a considerá‑lo sagrado, a cauda su‑cientemente incómoda do pavão não representa qualquer vantagem para ele” (Hadane,1932: 119-20). Ao desenda a questão, zimmeman mosta como os paões,o Hinduísmo, a biooia popuaciona, a diesidade e a ndia se tonaam osmitemas paa uma noa pobemática da biooia. Este atio não pemite

uma eaboaão mais competa sobe este tema, mas está cao que a ndia,enquanto oca, enquanto campo de conceitos, ajudou a cia uma abodaemdissidente paa a biooia, e exatamente isto que eu ostaia de enfatia.

Os histoiadoes têm saientado a ndia exótica, a ndia coonia deencontos cuciais, mas o que emee a pati de meus exempos que andia ajudou a cia uma academia dissidente paa a imainaão ocidenta.

 Assim como as uniesidades do Ocidente não podeiam te cescido semabsoe o conhecimento das academias dissidentes, a cutua do Ocidentenão podeia te cescido sem estes encontos ecoentes com a ndia. O Oci-dente, enquanto paadima, tem os distintiamente indianos no tanado ena textua de sua imainaão. Não seque necessáio um Hobson-Jobson11 paa testemunhá-o.

IV 

 Ao acompanha a caeia de tês andes bióoos, pocuei demons-ta como a ndia ajudou a cia uma tessitua difeente paa a biooia oci-denta. Enfatiei a biooia poque as naatias conencionais do encontocutua encaam o taje de máscaas do impeiaismo como um debate

apenas sobe a ate, a aquitectua e o dieito da ndia. A biooia ofeecetanto um compemento, como um antídoto a tais pespectias. gostaia deenfatia que o enconto cutua do Ocidente na ndia não disse espeitoapenas à tansfeência de tecnooia ou à piataia oaniada da Companhia

11  NT : Dicionáio de paaas e temos Ano-Indianos pubicado pea pimeia eem 1886.

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epistemologias do sul502

das ndias Oientais. Este enconto tambm disse espeito à maneia comoa ndia seiu de tansfomado inuístico, edenindo continuamente as

aeoias que estão na base da identidade ocidenta.Este aumento pode se estabeecido anaisando, em pimeio ua, a

natuea dos omances poiciais e, em seundo ua, a apopiaão ciatiade gandhi.

Deixem-me antes de tudo subinha que o omance poicia, ta comose constitui em Aatha Chistie, Athu Conan Doye, g. K. Chesteton e P.D. James, uma ciaão patentemente Cistã. Enquanto estutua naatia,o omance comea com uma uptua da odem socia, seja atas de umassassinato ou de um oubo. Todo o indiíduo encaado como suspeito ou

imia at o útimo capítuo, quando o omance competa a sua passaemda desodem à odem. No útimo capítuo, o detectie que se tinha indo aenconta com todos os suspeitos eúne-se com estes ao edo de uma mesa.

 A semehana com a Útima Ceia assombosa: o Detectie epesenta Deuse o cientista.

O que intiante a espeito do omance poicia, enquanto neoiteáio, sua noão de bem e de ma. O bem e o ma exiem metáfoas eo que eu ostaia de suei que, peo menos em dois casos cássicos, taismetáfoas foam extaídas de eseatóios indianos. Ana, onde estaiaSheock Homes sem os Tópicos e sem a coónia? Isso tona-se ainda maiscao na ciaão do Pade Bown12 po g. K. Chesteton. Chesteton incapade exaui a acionaidade da eiião ou da ciência sem eimina o encanta-mento da Teosoa ocuta, ou ainda de fae uma eeitua da coónia e dosTópicos. Infeimente, a ndia uma fonte de subtefúio paa eudi o que consideado edadeiamente impotante nestes omances poiciais, masa níe inconsciente, ea quem cia a amática paa uma imainaão maisampa, sem a qua o omance poicia teia cado empobecidamente imi-tado a Oxfod e Cambide.

Com efeito, a maneia mais simpes paa compeende isto conside-

a a cão cientíca. Enquanto neo, a noão de ma pesente na cãocientíca supeciamente adoescente, epeta de aieníenas e macianosque nos paecem estanhamente famiiaes. Nas históias de cão cientícao ma não um ente poiaente, em pate poque o futuo não se benecia

12  NT : O Pade Bown uma ua da iteatua poicia, pesente nas históias decão de g. K. Chesteton.

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do Oiente como imainaão. Nem mesmo apea às históias medieaisma ecauchutadas ajudaia muito. lamentaemente, há uma dupa tistea

– tistea que tambm deo quaica. A iteatua indiana está despoida de cão cientíca. é uma estanha

ausência. Poaemente, as únicas duas contibuiões casuísticas são o factodo Capitão Nemo, pesonaem de Júio vene que ea minha aeia na infân-cia, se, na edade, um píncipe indiano que abandonou a tea nata após a‘reotada de Sepoy’,13 de acodo com a denominaão acaica de vene. Emseundo ua, o fato do cássico ET de Steen Spibe esta baseado numahistóia de Satyajit ray.14  Infeimente, quando o ho de ray a poduiucomo me, edundou num facasso.

Cheamos aoa a gandhi, em especia ao consumo de gandhi depoisde 1947.

lamentaemente, após a Independência, gandhi foi uma maio fontede inoaão paa foa da ndia. Dento do país, ee tonou-se uma espciede capita simbóico coneado, a se aticuado ao edo de uma amáticaocia e de uma mnemónica poiticamente coecta. No exteio, gandhiinspiou Stee Biko na Áfica do Su, lana vasto na Fana, Bayad rustin eMatin luthe Kin nos EUA e Fit Schumache na Inatea. Há impoi-saão na imainaão andhiana foa do país e um embasamento ea deana ndia. A imainaão andhiana tambm ciou o me de richad Atten-boouh. é inteessante obsea que o gandhi cinematoáco encaadoe consumido po ohos ocidentais. gandhi ido atas de C. F. Andews, dePoak, de Madeine Sade, da fotóafa Maaet Bouke-White, do jonaistaque cobiu a Macha Dandi, do jui banco que o saudou e o sentenciou. Oindiano gandhi consumido e constuído atas de ohos ocidentais. Comefeito, o me de Attenboouh tonou-se uma fábua na foma em como oOiente consumido e constuído hoje em dia.

é necessáio encaa uma questão na. O que pode a ndia, enquantofamento daquee constuão ‘o Oiente’, popociona na actuaidade?Enfenta-se a ionia de que o pópio tuismo indiano esta a oientaia esse

13  NT : Esta eota, que se iniciou com um motim dos cipaios da Companhia dasndias Oientais, hoje conhecida como a Rebelião Indiana de 1857 .

14  NT : Satyajit ray foi um conhecido eaiado Indiano, consideado um dos andesautoes de cinema do sc. XX.

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epistemologias do sul504

nosso eado. O que um dia foi uma peeinaão ádua está cescentementea se exotiada e apesentada como uma possibiidade tuística paa uma

casse mdia. Feimente, a ndia não pode se eduida a TI’s15 e ao cai. Sea ndia pode popociona auma coisa, eu acedito que seja a heuística danossa ciiiaão enquanto modeo de puaidade, diesidade e compexi-dade. Numa poca em que a identidade está a tona-se ociamente sinua,a aicutua desespeadamente monocutua e a cutua empobecidamentehomonea, o que a ndia pode ofeece o canaa das suas ‘confusões’, queepesenta uma odem difeente de puaismos, utapassando a assimiaão,a conesão, a eduão, a confusão ou a mistua. A ndia, como uma poe-doa de ideias onde nenhuma deas moe e todas se tonam compostaem,

ofeece um noo bem comum inteectua de expeiências e heuísticas.O bióoo ameicano Wes Jackson aetou-me de maneia bihante ebuta duante uma conesa. Ee amou: “ É triste que vocês, indianos, pensemque os EUA são uma sociedade dotada de informação muito sosticada e que a Índia é um

 país em desenvolvimento com baixa informação. Como você referiu, vocês têm 40.000variedades de arroz e nós somos uma sociedade que reduziu 165 variedades de maçã aapenas seis” (Jackson, 1987). Jackson sueiu que com eas desapaeceamtambm os conhecimentos tácitos que ciaam a ciiiaão da maã. Actu-amente, num mundo onde Johnny Appeseed16 está sem a, a diesidadeda ndia, a sua etnicidade e o seu puaismo podem ainda fonece conitespaa noos encontos cutuais, uma heuística paa e-Oienta(ia) a ima-inaão do Ocidente.

15  NT : Tecnooias de Infomaão.16  NT : Acunha de John Chapman (1774 – 1845), que intoduiu o cutio de maã

nos estados note-ameicanos de Ohio, Indiana e Iinois.

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CAPTUlO 15

filosofia e ConheCimento indÍgena:uma perspeCtiva afriCana

 Dismas A. Masolo

IntroduãoUm dos pincipais motios de contosia em osoa aficana tem sidosabe se as discipinas são denidas apenas intenamente, peas estutuasteóicas dos seus conteúdos, ta como o caácte abstacto e uniesa dosconceitos em osoa, ou se são iuamente inuenciadas po condiõesextenas, que justicam a sua aceitabiidade dento dos esquemas que se-

 em. At que ponto são as teoias uiadas pea dinâmica dos contextos e dascicunstâncias sociais em que são poduidas? E at que ponto são as discipi-nas uniesais, e não etno-discipinas, como a etno-osoa, as etno-ciênciase campos ans? Enquanto estas questões assaam, de fomas difeentes,ente os ósofos aficanos, nas dcadas de 60 e de 70, ente os ósofos doocidente tomaa foma um discuso semehante, eatiamente ao impactosocia da poduão de teoias cientícas. Neste atio, pocuaei demonsta

como estas duas tadiões de discuso se compementam e difundem umana outa. Po um ado, ao discutiem a etno-osoa, os ósofos aficanoscontibuíam, po ees de foma indiecta, paa um debate mais aaado,apesa de os seus objectios imediatos e a inuaem que desenoeamseem mais poítica do que epistemicamente denidos; po outo ado, osósofos que discutem a natuea das teoias cientícas empestaam as suas

 oes ao debate da etno-osoa, tambm indiectamente, apesa de os seusobjectios imediatos e a inuaem dos seus escitos seem, quase sempe,apenas epistemicamente oientados.1 

1. A Ideia de IndígenaTa como os seus sinónimos (oca, natio, oiina) e coespondentes(imiante, estaneio, coono), o temo indígena  um ecodeteminante2 utiiado paa deni a oiem de eementos ou pessoas, no que espeita a

1 Este tema iuamente tatado no capítuo de Hountondji neste oume.2  NT : Ecodeterminant , no texto oiina do auto.

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epistemologias do sul508

como a sua petena a um ua deeá se tempoamente caacteiada,especiamente em compaaão com outos contendoes na ecamaão de

petena. Os histoiadoes e outos cientistas sociais anaisam e denem,constantemente, moimentos de pessoas, de ideias e de objectos entedifeentes uaes, ao ono do tempo. Do mesmo modo, o apaecimento danoão de ‘indieneidade’, associada à pática da osoa aficana, só ecen-temente se eicou no meio acadmico, atas da anáise históica, ou dasua necessidade, paa deinea a mobiidade de ideias, escoas e coentes depensamento, no seu contibuto paa a fomaão da osoa aficana comoum moimento, ou um empeendimento inteectua, distinto. Na históiainteectua, o objectio de uma anáise deste tipo , eamente, a detemi-

naão da natuea e do caácte históico das ideias que fomam escoas depensamento ou teoias sobe assuntos especícos. A distinão ente oca eimiante, ente natio e estaneio, ou ente oiina e coono , fequen-temente, impusionada po uma conjuntua poítica, em que ta sepaaão,eamente, see outos popósitos – auns, po ees, nobes; outos, po

 ees, não tão nobes assim, como fequente acontece na poítica tadicio-na. O debate sobe o pape da indieneidade na osoa aficana fa patedo discuso pós-coonia mais abanente. Faendo pate desta o oba eemancipatóia, os debates e opiniões sobe os aoes indíenas em ea, esobe os conhecimentos indíenas em paticua, não só abanem o sentidotadiciona, mas tambm o sentido joia e despeocupado da poítica obaecente de domínio e emancipaão. Na etóica destas poíticas, a defesa ea pomoão do indíena caminha ado a ado com a busca anti-heemónicade ibedade e autonomia, de ta foma que tudo aquio que indíena, ouocamente poduido, einstaado no topo do seu eime epistmico,onde teá maioes aoes poíticos e cutuais do que o que estaneio ouimpotado.

Em temos fomais, o cescimento da temática indíena tem ocoidosimutaneamente com, e sido impusionado po uma abodaem hoje (desde

o na dos anos 50 e início dos 60) ampamente utiiada, ou simpesmenteassumida, pea maio pate das discipinas, nomeadamente, nas cíticas adi-cais osócas ao eaismo cientíco. Esta eouão, popuaiada pea obapioneia de Thomas Kuhn sobe históia teóica, A Estrutura das RevoluçõesCientícas (1962), deu um noo impuso às pessoas e aos moimentos que jáaceditaam que o conhecimento, em ea, e a teoia cientíca, em paticu-a, centam-se no se humano – isto , são uma funão das foas sociais, nasua eouão mutidiecciona. O aumento pincipa do tabaho de Khun

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filosofia e conhecimento indígena: uma perspectiva africana  509

ea o de que a históia da ciência apesenta um ceto padão e de que essepadão pode se expicado, po efeência à estutua instituciona da ciên-

cia, nomeadamente, a foma como os cientistas possionais baseiam as suasinestiaões em objectos consensuais, que Kuhn apeidou de ’paadimas’.Uma e que a ciência , assim, sinicatiamente estabeecida sociamente,a ‘nomaidade’ da sua pática teóica e do seu enquadamento deteminadapea sua adesão às nomas estabeecidas e apicáeis dento do ‘paadima’.Emboa seja difíci (e, cetamente, não seá este o contexto adequado paa)detemina penamente o impacto, ou a diecão, da inuência de Khun, esteauto isto como tendo compometido toda uma tadião osóca – a dopositiismo óico, ou, mais abanentemente, a do empiismo óico – de ta

foma que muitos ósofos deixaam de encaa a inuaem cientíca comocaacteística de quaque inuaem usada paa faa aceca do mundo.Sinicatiamente, o estudo da natuea das ciências modenas aa-

ou-se aos domínios (eamente) compaatios da anáise socia e cutua.Po exempo, de acodo com Sanda Hadin (1997),3 todas as ciências sãosistemas de conhecimento ocais. Defendeu que, intenamente, um bomconhecimento cientíco se caacteia po uma fote objectiidade, umaacionaidade incusia e uma aide uniesa, mas que não deixa de seuma petensão de conhecimento oca. Patihando um tema com as cíticasfeministas à ciência, as pespectias não ocidentais amam, juntamente comas suas aiadas feministas, que a ciência pode fae eiindicaões uniesaise, simutaneamente, se fundamentada ocamente.

Deido ao facto de todas as ciências seem fundamentadas ocamente,eas são, em compaaão umas com as outas, etno-ciências. Podeia paece,atas destes ecentes desenoimentos na anáise das ciências, que todoo conhecimento – no sentido wittensteiniano dos factos enquanto desci-ões (poposicionais) das eaões ente os objectos no mundo – que todo oconhecimento um ponto de ista, em pate a um níe mais indiidua e, empate, mais cutuamente mado.

 A pati de Khun, o estudo da natuea da teoia cientíca tem, po-essiamente, esbatido as fonteias ente a ciência, as humanidades e asciências sociais, paa aumenta o entendimento ente todas as etentes, e

3 Neste ensaio, paa am de eama áias das posiões expessas e defendidas nasua oba (Hadin, 1986, 1993; Hadin e O’Ba, 1987), Sanda Hadin fonece dadosbibioácos eneaiados e úteis sobe ecentes teoiaões sociais e cutuais da ciên-cia, que abacam pespectias de neo, aciais, poíticas (note-su) e cutuais.

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epistemologias do sul510

tem indo a cooca, ineitaemente, o eaismo no cento do debate. Umacaacteiaão essencia, eaiada no decuso deste tabaho acadmico, foi a

distinão ente o que está independentemente ‘á’ e o que ‘constuído’ ponós, o que existe ‘po si’ e o que assim deido à nossa maneia de o expe-iencia. Ente os acadmicos da osoa e da históia da ciência – um natuadesenoimento discipina a pati da inuência de Khun – que teceamcíticas às ciências semehantes às de Hadin, incuem-se Heen vean4  eCaey-Fancis Onyano (1999). Em Science and an African Logic (2001), Heen

 vean fonece exempos naatios concetos paa demonsta o pape dacutua na constituião das acionaidades. A autoa aumenta que, não sóas estatias (os mtodos) cutuamente famiiaes de chea a conceitos

básicos de conhecimento do mundo ainda não foam econhecidos como ta,como os seus modeos ocidentais especícos têm sido indeidamente pii-eiados em eaão aos outos, ao seem tatados como a essência da acio-naidade; no entanto, admite, nós tonamo-nos tão petensiosos aceca dosnossos mtodos cutuamente famiiaes que não só os consideamos comoa essência da acionaidade, como poáe que quemos fustados e con-fusos quando os mesmos são afastados, em fao de outos mtodos, apesade estes ofeeceem esutados iuamente bons. De foma bastante subti,Heen vean tansmite a ideia de que os mtodos po nós poduidos e queeectem os nossos inteesses e imitaões podem, ainda assim, condui auma ciência instumentamente bem sucedida. Deste modo, aquio que apa-enta se um conito de acionaidades , poaemente, apenas um descon-foto (po pate daquees que são ‘monoacionais’) eatiamente a estat-ias expanatóias pouco famiiaes. Paa aquees que são ‘poiacionais’,especiamente aquees a quem o cooniaismo impôs mtodos ocidentais emsimutâneo com os seus pópios mtodos, como os pofessoes-estudantes

 Youba,5 utiia atenadamente mútipos modeos não epesenta quaquepobema. As pessoas poiacionais conseuem faê-o sem sacica osobjectos de inestiaão, tais como os conceitos abstactos básicos aceca do

mundo, como o de extensão ou de oume. A foma das constuões expa-natóias – isto , das teoias – constitui, peo menos em pate, uma esposta

4 Sobe este tema eja-se, po exempo, Watson-vean e Tunbu, 1995 e vean,2001.

5  NT : Com mútipos sentidos, Youba di espeito a um upo tnico da Áfica Oci-denta, assim como à ínua faada po esse upo.

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à expectatia amejada do púbico-ao, e eea os paticantes e os púbicosenquanto co-habitantes ou estanhos num dado campo epistmico.

Como óbio, as naatias de Heen vean suscitam questões inte-essantes, no que di espeito ao estatuto dos aspectos basiaes ou meto-doóicos das teoias em ea e das teoias cientícas em paticua. O queimpica, ao ceto, a amaão de que uma deteminada teoia, ou um dete-minado sistema descito po essa teoia, deteminístico? E que sinicadoteia o mundo inteio se deteminístico? Questões como estas intefeemdiectamente com uma posião cientíca outoa indiscutíe, a do eaismo,nomeadamente, com a amaão de que os objectos do conhecimento cien-tíco existem independentemente das mentes ou dos actos dos cientistas, e

de que as teoias cientícas são edadeias nesse mundo objectio, ou seja,independente da mente.Po outo ado, o inteesse mais eidente de Onyano contibui paa

o debate ente o eaismo e o anti-eaismo. Numa dissetaão doutoa, ape-sentada à Uniesidade de viena em 1999, este auto assume uma abodaempamática da teoia cientíca, defendendo que a mesma tem o pode deesteita – ou de, peo menos, inoa – o fosso que, nomamente, se pensahae ente o eaismo e o anti-eaismo, aumentando que as posiões no-mamente tidas como anti-eaistas, como o empiismo constutio de vanFaasen, são apenas pate daquio que Onyano denomina “concepção semân‑tica dos modelos” (MSC)6, uma combinaão das esões teóica e semânticados modeos do eaismo. Como ta, Onyano ama que a sua posião “ podeacomodar uma série de interpretações das alegações de teorias  [tais como pontos de

 ista] ealistas, empiristas, e construtivistas, ou qualquer outra interpretação apropriada,dependendo do assunto em questão [...] mas não o anti‑realismo” (Onyano, 1999: 2).Este ponto de ista não pode senão sustenta, como o demonstou o soció-oo fancês Buno latou (1979, 1987, 1993), que que o contexto sociaque o conteúdo tcnico são essenciais paa um entendimento adequado daactiidade cientíca, e que a ciência só pode se compeendida atas da

sua pática. O matemático moambicano Pauus gedes demonstou (1998,1999, 2003) que mesmo a matemática, ta como outos conhecimentos tc-nicos e abstactos, meho apeendida apenas em temos páticos, isto ,enquanto pate de páticas diáias de ida, ei e tansfoma o mundo da

6  NT : Ou, nas paaas do pópio auto, ‘models‑semantic conception’  (MSC).

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filosofia e conhecimento indígena: uma perspectiva africana  513

tondji o descee. O indíena ea o puo objecto do acadmico metopoi-tano; e a sua natuea, no sentido acadmico, ea – aas ao pape mediado

do “informador nativo”, como he chama Spiak (1999), ou, nas paaas deHountondji (1995), do “colaborador júnior ” – objecto de consumidoes dis-tantes, nas metópoes ocidentais. A pepetuaão desta eaão desiua napoduão em ea e, em paticua, na poduão de conhecimento está nabase do que , desde há muito, conhecido como síndome da dependência,um neóoo cítico da teoia poítica económica, desenoido na dcada de1970 po Sami Amin, And gunde Fank e Immanue Waestein.

 A históia da indieneidade aficana , potanto, ona e, como demons-tou vaetin Mudimbe (1994), emonta ao tempo das expoaões dos antios

eos. O modo como se desenoeu foi bem apesentado atas das anái-ses cíticas de Appiah (1992) e Mudimbe (1988, 1997), ente outos. De ummodo ea, a questão da indieneidade está bem epesentada nos textosde cítica antopoóica, e não só, dos anos oitenta e noenta. A questãocenta, paa os escitoes dos anos noenta, iaa em tono da inteoaãoeatiamente às petensões dos acadmicos metopoitanos, no que espeitaà epessão do sujeito-como-objecto indíena, cuja paaa sobe si pópionem podeia se na, nem independentemente autoitáia, a não se sob aoientaão e apoaão de inestiadoes metopoitanos.

2. A Etno-losoa e a Controvérsia sore o Conhecimento IndígenaDuante muito tempo, na osoa acadmica da Áfica Subsaiana, a andepomica aceca do conceito foticado de etno-osoa paecia opo ossistemas indíenas de conhecimento aficano à osoa enquanto cateoiaespeciaiada do conhecimento. Em ande pate dessa iteatua, e na obade auns cíticos conseadoes que ainda hoje se opõem à ideia de osoaaficana, pessupõem-se que uma ideia não pode se simutaneamente indí-ena e osóca. Popuaiado e tansfomado num ande tópico de debatenos anos setenta, atas da cítica de Hountondji à oba de Tempes (1959),

sob a ubica de etno-osoa (utiiada com um sentido pejoatio), o indí-ena, ‘exoticiado’ como sendo puamente oa, ea pecepcionado como sesituando numa posião infeio eatiamente ao conhecimento escito. Nodespeta da paaa escita, que ea estaneia, a oaidade, que ea indí-ena, desiaa paa a ieeância. Mas, ta como já pocuei defende antes,ou a situaão se ateou, isto , ou Hountondji, desde então, se etactou dasua posião anti-tadião, ou simpesmente nunca se deu o caso de a suacítica a Tempes te a e com a ejeião da impotância dos conhecimentos

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filosofia e conhecimento indígena: uma perspectiva africana  515

discurso, o lho nobre e legítimo do ‘pai de logos’” (Deida, 1981: 12). Considee-mos dois exempos que iustam os aos da osoa com a inuaem comum

e quotidiana, pois não foi em ão que os fundadoes da tadião anaíticaohaam paa a caicaão da inuaem como chae paa o entendimentodo nosso conhecimento do mundo.7 Ao discuti a sua cítica à aeaão deque uma decaaão anaítica aquea cuja edade depende inteiamentedos sinicados dos seus temos, o ósofo ameicano W. v. Quine utiiacomo exempo a amaão ‘Nenhum homem não casado casado’, ou o seusinónimo ‘Nenhum soteio casado’, paa questiona, pimeio, o que queestaá impicado no ‘sinicado’ que, ta como aeam os poponentes daanaiticidade, ea a que essas amaões sejam necessaiamente edadeias

e, seundo, o que que eaá a seem sinónimas, isto , substituíeis umapea outa, sem que o seu ao de edade se atee. A questão que, apesade aquio que Quine citica se a noão de anaiticidade, que os empiicistasamam se o que confee a edade óica da amaão ‘Nenhum homemnão casado casado’, muitos de nós hesitaíamos em efuta a impessãodo senso comum de que ta amaão , efectiamente, edade deido aossinicados dos seus temos, ta como estão disponíeis no seio estutuada ínua; assumimos que a amaão edadeia poque está de acodocom a foma como nos ensinaam a usa as paaas na nossa ínua paaconstui, ou tansmiti, sinicado. Mas amá-o, de acodo com Quine(1980), impica um pessuposto aceca de ‘sinicado’ que comea a paeceestanho apenas após uma anáise (osóca) cuidada:

 Para a teoria do signicado, uma questão conspícua é a da natureza dos seus objectos:que tipo de coisa são os signicados? O sentido de necessidade de entidades signicadas podederivar de uma anterior incapacidade de compreender que signicado e referência são coisasdistintas. Uma vez claramente separadas a teoria do signicado e a teoria da referência, esta‑remos a um pequeno passo de reconhecer a questão central da teoria do signicado, que é a da

7 O objectio aqui não uma discussão substancia da edade, ta como a intepe-tada po Quine e Wiedu, mas uma ápida iustaão de como a osoa etia mesmo a suamatia mais especicamente tcnica das nossas páticas humanas quotidianas, ta comoo modo como faamos: “ No dia‑a‑dia, assumimos como certas coisas que, após um escrutínio mais

 próximo, descobrimos estarem tão cheias de contradições aparentes, que só um grande trabalho de pen‑ samento nos permite saber em que é que realmente acreditamos. [...Portanto] é natural que comecemos pelas nossas experiências actuais e, num certo sentido, sem dúvida, o conhecimento deve derivar delas”

(russe, 1959: 7).

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 simples sinonímia das formas linguísticas e a analiticidade dos enunciados; os signicadosem si, enquanto entidades intermediárias obscuras, poderão muito bem ser abandonados  

(Quine, 1980: 22).

Põe-se, então, a questão sobe o que que tona os dois enunciadosde Quine ‘sinónimos’. O que queemos die quando amamos que doisenunciados são sinónimos? Mais uma e, uma expicaão possíe podeáse a de que o sujeito de ambos os enunciados, solteiro  e homem não casado,‘sinicaem a mesma coisa’. De acodo com este exempo, pessupostos

 uaes do senso comum tonaam-se subitamente em enomes pobemas

osócos deido à anáise cítica. O pobema eidenciado po Quine não uma inenão dos empiicistas; peo contáio, um pobema baseado nouso da inuaem comum, neste caso, no Potuuês8  enácuo, e apenasutiiado peos empiicistas paa iusta um exempo daquio que queemdie com enunciados anaíticos.

Consideemos um outo exempo, desta e numa ínua aficana. Oósofo anês Kwasi Wiedu utiia a fase em Twi Ete saa (que se tadu como‘ assim’) paa iusta como a natuea dos pobemas osócos pode, peomenos em aumas instâncias, depende da foma estutua das ínuas quefaamos. De acodo com Wiedu, a teoia da coespondência da edade,ta como a conhecemos em potuuês seia, no mínimo, desajeitada emTwi, peo que nem seque se cooca. Do seu ponto de ista, paa tadui afomuaão da teoia da coespondência da edade ‘Um enunciado se

 edadeio sinica que coesponde aos factos’ paa Twi, teíamos de die,na sua opinião, de uma foma bastante estanha, Asem no te saa kyerese ene neaete saa di nsianim.9 

Os exempos das expessões de ambos os idiomas aqui utiiadosapaecem sem estiões, sempe que eeante, nos usos quotidianos dasínuas de que faem pate, e nenhuma deas mais ou menos osoca-

mente piieiada do que a outa, sem a pobematiaão do ósofo. Ospobemas que os ósofos eantam são eatios à natuea das estantes

8  NT : A ínua utiiada oiinamente peo auto o inês, a pati da qua se encon-tou a coespondência com a ínua potuuesa, peo que o eito deeá te em conta quea todas as efeências ao potuuês coespondeá a efeência do auto à ínua inesa.

9  veja-se Wiedu, 1995: 189-186. A ínua Twi, seundo sei, enconta-se ente os áios upos inuísticos que constituem o Akan.

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ínuas, dento das quais faem sentido, espectiamente, enquanto fe-amentas comunicatias (sinos, fonemas, etc.); no entanto os pobemas

osócos (de denião de sinicado e de edade, espectiamente), tacomo foam identicados e discutidos po Quine e Wiedu, não faem pateda sinicaão ou dos usos instumentais quotidianos daquees enunciadosou fases. Ao níe do discuso, os faantes comuns (isto , não osócos)de potuuês e de Akan (Twi) peocupam-se com as suas outas fomas eusos: a estutua amatica ou sintáctica e os sinicados patihados quetansmitem. O ósofo, ciente destes pessupostos, bem como de aunseementos cíticos entetecidos na natuea da inuaem quotidiana,sujeita-os ao escutínio do seu conteúdo teóico. Como muito bem iustou

o faecido ósofo e inuista uandês, Aexis Kaame (1975), a osoaestá escondida e entetecida na oaidade, se fomos capaes de, ta como oauto fe na sua monumenta oba osóca, a isoa, taendo-a à u atasde uma anáise minuciosa. Na opinião de Kaame, o Kinyawanda10  umaincopoaão de todo um sistema osóco ideaiado peos seus faantes,ta como poaemente aceditaia que seia a maio pate das inuaenshumanas (Kaame, 1956).11  Kaame sustentou que a demonstaão doconteúdo osóco da inuaem quotidiana tinha de se feita sistemáticae compaatiamente. Como auns eitoes sabeão, o teóico eaiou-a deambas as fomas.12  Nos contextos mais aaados das suas obas, Quine e

 Wiedu defendem que, apesa de não se impossíe tadui deteminadostipos de enunciados de uma ínua paa outa, essa taduão fequente-mente inexacta e indeteminada, uma e que áias impicaões ontoó-icas, ente outas, acompanham expessões especícas de cada ínua. Adicudade, ta como a deeão te entendido coectamente, pende-secom a easticidade da ínua paa abaca a maio pate dos conceitos quefomuamos e comunicamos. Sio-me destes exempos paa defende queos empeendimentos osócos comeam com o quotidiano, o famiia,que fa pate do indíena, enquanto baseados nas ocuões que estabee-

10  NT : O Kinyawanda, uma ínua Bantu, faada no rwanda, no su do Uanda etambm na r. D. Cono.

11 O conteúdo osóco da inuaem diáia ou comum, poaemente, não estaátão odenadamente disposto e estutuado quanto Kahame pensaa que estaia em Kinya-wanda, mas ao menos ecupeáe a pati amostas do que conceptuamente aceitáee inaceitáe aceca das suas expessões e cenas impícitas.

12 Kaame, 1975 uma caba sequea à anteio magnum opus.

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cem uma ponte nas nossas eaões com o mundo exteio que nos ceca,uma aeaão há muito mada no moimento da ‘Fiosoa da linuaem

Comum’, do qua Quine e Wiedu descendem inteectuamente, peo menosem pate, ao aceditaem que as pistas paa as questões pofundamenteosócas podem se encontadas atas do escutínio do uso posaico daspaaas em que as questões osócas se enquadam. Mas ao aumentá-o,petendo tambm suei que Hountondji, um discípuo de Deida, nãoestaa menos ciente desta pimaia do quotidiano, apesa de o seu pecusoat esta posião deia de uma pespectia continenta (euopeia), em ede anaítica. Potanto, não podeia esta a ejeitá-a de foma a fundamentaa osoa no extaodináio. A poa disso podeá esta numa das suas mais

ecentes obas. Em Combats pour le sens,13

  o auto ama que a sua cítica aTempes emeiu de um enfoque sobe o pojecto de Husse efeente aoanamento das bases paa a ciência no seu pocesso de exame da estutuada consciência, ou do ‘mundo da ida’, como he chamou Husse (1970: § 33e § 34 [pp. 121–135]). A questão que se cooca imediatamente a de como que a ideia de Husse de ‘mundo da ida’ ia Hountondji da imaem deanti-tadião que constuiu, de foma a eassociá-o ao mundo indíena.Paece que o objectio aqui ea, que paa Husse, que paa Hountondji, eem pimeio ua, econhece o pape actio e estutuante da consciência,que he pemite considea o seu objecto. Em seundo ua, Hountondjipocua demonsta, tabahando noamente dento do mtodo husse-iano, como o mundo da intencionaidade o oca das expeiências quo-tidianas: a nossa consciência diiida (intencionamente) a esse mundo eestabeece com ee uma eaão. Assim, a consciência não passia, mesmo aesse níe muito udimenta, nem pode esse níe udimenta de consideao mundo se a constituião da osoa. Seá instutio ecoda a espostacítica de Hountondji ao famoso ensaio de Cahay,14 em que he ecodaaque os mitos já se encontam no seundo níe de abstacão. A sua opinião,à maneia anti-eaista, ea a de que o pimeio níe de abstacão ocoe já

com intenão da consciência, de modo que a abstacão não ea o pobemaque a etno-osoa enfentaa. Se assim fosse, então, a consciência taiaàs pessoas o mundo imediato, não apenas dos objectos, mas tambm das

13 Taduido em inês paa Struggle for Meaning: Reections on Philosohy, Culture, and Democracy in Africa, 2002.

14 veja-se Cahay, 1965 e Hountondji, 1970.

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cenas e de outos inedientes da expeiência humana, num sentido socio-cutua mais ato – isto , dos inedientes atas dos quais a consciência

em si estutuada. A natuea da consciência a base do nosso conheci-mento do mundo. Independentemente da aiedade de intepetaão, seuo ama que Husse iu uma iaão, mais do que uma cisão, enteciência e osoa (ou deeíamos die fenomenooia?): paa o teóico, onosso conhecimento do mundo exteio, quando este nos apesentado,ocoe dento do capítuo do conteúdo anteio da consciência, que umacombinaão da atitude natua e da fenomenoóica. Os sinicados dosnossos enunciados aceca do mundo exteio estão insouemente iadosao ‘mundo da ida’. Husse aceditaa que a anáise do ‘mundo da ida’ –

a taefa da fenomenooia, enquanto afastamento adica da abodaemnatua ao mundo – ea, em si mesma, um empeendimento cientíco; umexecício cuidado e sistemático. Fenomenooia e ciência fomaam umaunidade; ou, posto de outa foma, a osoa faia pate da ciência.15 O textode Husse sobe a fenomenooia, aoa um cássico, pubicado na Encyclo‑

 paedia Britannica em 1932, comea da seuinte foma:

 A fenomenologia denota um novo método descritivo e losóco que, desde os últi‑mos anos do século passado, estabeleceu (1) uma disciplina psicológica a pioi, capaz de

 fornecer a única base segura em que uma sólida psicologia empírica pode ser construída, e(2) uma losoa universal, que pode prover um organon para a revisão metódica de todasas ciências.

Sob o meu ponto de ista, a cítica de Hountondji a Tempes, tãoincisia e paticamente tão descompometida como o ea na atua da suapimeia aticuaão, esutou de uma ânsia de eaa o eaismo das expe-iências quotidianas aficanas, em contaste com o que entende se umaobsessão dos etno-ósofos, em paticua de Tempes, em enche a consciên-cia dos aficanos apenas com objectos apaentes, ou com pseudo-objectos,

objectos que não existem, ta como as denominadas ‘foas itais’. Essesênfases, como amenta com fequência, desiam a consciência dos aficanosdo mundo ea (‘cientíco’) que os ceca. Caamente, Hountondji sentiu-se

15 Po ees, a ênfase de Hountondji sobe a ciência, ou a coeaão ente ciência eosoa, apaentou abaa eementos maxistas, em paticua ia Athusse. Aoa naaabetamente como essas aíes tambm abaam o eado de Husse.

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fustado deido a uma poposta osóca que punha de ado, e quase quetiiaiaa, as peocupaões quotidianas dos poos aficanos com o mundo

dos objectos e dos pobemas ‘eais’, numa tentatia de a substitui po umaouta que enfatiaa as iusões dos máicos. Cao que tambm os aficanospossuem cenas, epetas de supestiões e outas opiniões, justicadas ounão, mas estas não constituíam de foma auma o conteúdo absouto da suaconsciência. O paadoxo que foi Hountondji quem acabou, então, po seacusado peos seus cíticos, de se impacáe na sua demanda de uma oso-a uniesa inexistente, inteesse este que, do ponto de ista dos cíticos, odenunciaa como sendo um buuês e aum que desconhecia as expeiên-cias e os esquemas de conhecimento ocais das massas.

3. A Filosoa e o  hbius  do QuotidianoEncontamos o quotidiano, não só nos mútipos usos indíenas da ínua,ta como defendeu o Wittenstein das Investigações Filosócas, mas tambmenquanto consumidoes e os aentes da aenda ideoóica e dos objectiosdas estutuas e instituiões sociais peas quais, e atas das quais, a socie-dade em si denida e objecticada. Po exempo, no desenoimento dasestutuas das instituiões sociais em ea, e na semântica das paaas, ounas estutuas sintácticas das difeentes ínuas humanas, encontam-se osconceitos e as teoias que as pessoas utiiam paa expimi e expica o seuentendimento do mundo: a sua expeiência, nos sentidos kantiano e husse-iano do temo. A ideia de que a nossa consciência estutua o que expeien-ciamos basia a ambos. A taefa da osoa, peo menos de acodo comHusse, ea a de anaisa a estutua da consciência enquanto peâmbuo daciência.

Então, que iões podemos etia de Husse? E como se apicaia taião a um entendimento da eaão da osoa com o indíena em contex-tos aficanos? Podeão existi áias maneias de compeende a taefa emquestão. Uma entende como a noão básica de expeiência, ta como a

encontamos nas obas de Kant e de Husse, se eea no domínio a quenos temos indo sempe a efei, de modo ao indeteminado, como ‘oindíena’. E a minha esposta que a constituião da expeiência umafunão da intesubjectiidade, da nossa inteacão com os outos, a patida qua adquiimos os ‘tijoos’ básicos da intencionaidade. As nossas ben-aas inteioes – as nossas conicões mais pofundas – esutam daquioque o beo, a sociedade, nos ofeece atas dos seus áios mecanismos,incuindo a inuaem (paaas, competas com os seus sinicados e

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efeentes no mundo).16 Ta como no pocesso de aquisião da inuaem,eantamos questões e epaamos em pobemas, dependendo do que a

sociedade nos ofeece e ao que nos expõe ao nos inteamos nea – que omesmo que die, peo menos em pate, que nem a sociedade nem a consci-ência que ea cia, e que a sustm, podem se estáticas. ‘O indíena’ todo odomínio daquio que constitui a nossa consciência. loo, indígena não sini-ca ‘cenas fossiiadas e imutáeis que seem apenas no espao históicoque ocupam’. Peo contáio, dado que os pobemas são denidos peosseus contextos históico-sociais, hoje, po exempo, confontamos e inteo-amos as imposiões da comunidade enquanto esutado das exiências deibeaismo, de fomas que nunca emos abetamente há cinquenta anos

atás. Um caso a efei aqui o ampamente discutido ‘Epíoo’ da oba NaCasa de Meu Pai, de Appiah. Os conitos ente as exiências comunitáias e asescohas indiiduais eantam, caamente, questões aceca da ocaiaão daaão moa, que oienta, po sua e, a ideia de bem moa. Seá o indiíduotão autónomo como o exiem aumas escoas de ibeaismo? Ou deeá acomunidade se a única fonte de aão moa, independentemente da suabusca autoitáia de auto-peseaão? Estas são apenas aumas das ques-tões que, com maio pobabiidade, botaão de contextos de mudana sociae cutua, onde a homoeneidade outoa assumida comea a esmoece emesutado do suimento da autonomia. Po outas paaas, ‘o indíena’ constantemente tansfomado, neociando sempe a sua foma. De facto,um oha paa tás aoa pode suei que, peo menos pate da contosiasobe etno-osoa, ea aceca de como o indíena deeia se epesentado.De um ado, estaa a escoa que paecia equaciona o eapaecimento pós-coonia do indíena isoado da inuência estaneia, especiamente daocidenta; do outo ado, onde se enquada uma sie de epesentantes daatitude anti-etno-osoa, estaa a posião que ia o indíena sob uma uhistóica, desejando que mantiesse o que nee ea instutio paa os temposmodenos, mas dispensando tudo aquio que já não constituía ‘o indíena’

paa as eaões mais noas em desenoimento. E – sao aas excepões– ‘abodaens difeentes’ nem sempe sinicam uma impotaão; peo

16 Paa mim, esta noão do nascimento da consciência a pati de um mundo pa-tihado descobe a memóia da mudana de Wittenstein, da uniesaidade do Tractatus paa o puaismo baseado na cutua das Investigações. Esta útima oba deoe impotânciaosóca ao indíena, ta como faado, po assim die, onde o uso se tona no facto-chae paa a deteminaão do sinicado na ínua.

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contáio, como defende Hountondji em Producing Knowledge in Africa Today (1995), exie-se, pimeio, uma auto-tansfomaão patindo de dento e

uma eesão à impotaão apenas como útimo ecuso, como quando faê-o possa se mais antajoso e menos dispendioso do que uma tansfomaãoendóena. Hountondji inequíoco quanto ao ao pimáio do indíena:

 Devemos reconhecer os feitos e a progressão do trabalho, e procurar a forma de lidarcom as presentes diculdades e desenvolver novas estratégias para ultrapassar a dependência.

 Devemos promover a inovação cientíca e tecnológica e a auto‑suciência como meio para satisfazer, primeiro e acima de tudo, as necessidades de África (1995: 2).

4. A Linguagem do Indígena A opinião de que os acadmicos aficanos deeiam ecoe às ínuas indí-enas como meio de insemina os seus tabahos tem sido, desde há muito,popua ente áios nacionaistas cutuais. Com efeito, pate do pobemadas fasas epesentaões do conhecimento aficano em textos não aficanostem sido uma má intepetaão, distoão, ou mesmo uma conceptuaia-ão eada dos sinicados aficanos, indicando uma fata de domínio dasínuas aficanas po pate de muitos acadmicos dos sistemas de conhe-cimento aficanos, apesa de os antopóoos teem eaiado um tabahoouáe no seu estudo das cutuas aficanas. O faecido poeta uandenseOkot p’Bitek iustou esses pobemas, contempando as detupaões dasideias eiiosas Achoi e lani na sua anáise de textos missionáios dos anos30, especiamente em textos catequticos catóico-omanos em enácuo(Achoi e lani), que petendiam tansmiti aos conetidos ocais a ideiade Deus como ‘ciado’ de todo o unieso, incuindo dos homens  (p’Bitek,1971, 1979). Os pobemas com que p’Bitek se depaou nos seus estudoseidenciam pobemas maioes na tansfeência de sinicados ente ínuase, atas da ínua, ente difeentes esquemas conceptuais cutuamenteinfomados. Cauteoso paa não desacedita totamente a pática de ta-

duões tanscutuais, p’Bitek tentou demonsta as imitaões cutuais dainuaem e as dicudades fequentemente encontadas na miaão deconceitos ente especicidades inuísticas. Na sua opinião, os textos cate-quticos dos missionáios não eam adaptaões da cosmooia Achoi aosensinamentos cistãos; eam, antes, pate de um pojecto que einentoua ínua Achoi, em muitos casos atas da intoduão de noos temos econceitos poenientes de ínuas das comunidades cicundantes, incuindocomunidades muumanas. O que nem sempe cao nestas dicudades,

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enquanto poenientes de taduões tanscutuais, se os imites da ínuadeteminam tambm a ampitude dos nossos conceitos – uma teoia outoa

defendida po Wittenstein, numa fase inicia da sua caeia (no Tractatus, 1961). Ta como p’Bitek aumentou, em aa medida concodando com oque Quine diia – de foma independente – aceca da indeteminabiidadeda taduão, necessáio se-se cauteoso de foma a eita catástofes comoaqueas em que os missionáios incoeam ao amaem ao poo Achoi queDeus podia se simutaneamente bom e ciado. Paa os Achoi, a ciaão eaum acto maco, associado às foas da do e da mote.

Mas tae o uso das ínuas indíenas seja simpesmente bom em simesmo. é bastante aoáe espea-se que cada comunidade tenha a sua

pópia ínua, atas da qua expess e tansmite os seus aoes aos seusmembos. Efectiamente, quem que que se dedique a eecti sobe amaaihosa compexidade da ínua que di sua, ou de quaisque outas queconhea bem, notaá apidamente que o seu uso , em si, um ao, uma ateem que o desempenho das pessoas medido, admiado e ecompensado dediesas maneias. Os poetas oam deste econhecimento em quase todas ascomunidades que conheo. Tambm sob um ponto de ista epistemoóico,a impotância do enácuo nunca sucientemente enfatiada. Apesa depaece bastante óbio que a ínua de uma comunidade eicta a estutuado seu mundo, isto , como ea entende, dene e pocede à taxonomia dasideias sobe si pópia, as suas eaões, as suas hieaquias e o seu ecossis-tema, com os seus aoes e peios, só ecentemente, com a pocua da ibe-taão dos poos e das cutuas cooniados do domínio estaneio, queesta eaidade ecebeu ênfase. Sabemo-o, po exempo, a pati dos tabahosdo basieio Pauo Feie, com a sua oba pioneia sobe a osoa adicada educaão paa os opimidos, em que defende deteminantemente que oobjectio da educaão ajuda as pessoas a e a sua eaidade e a escee asua pópia históia (Feie, 1993 [1970]). A maio pate dos teóicos pós-cooniaistas continuaam a eiindica a descooniaão da mente. Nui

 wa Thion’o (1986) popuaiou o apeo ao uso do enácuo como um dosseus temas adicais pós-cooniais, mas tae po aões outas que não aseiindicadas po p’Bitek.

 A amaão de p’Bitek de que o temo criador  ea inconcebíe paa os Achoi enquanto apicáe a um Deus supostamente beneoente (paa o quatambm não possuíam um temo especíco) eanta questões de tipo anaí-tico, que inteoam a eaão ente sinicado (enquanto conceito) e ínuae, potanto, exiem a anáise da natuea de ambos, com ista a detemina as

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epistemologias do sul524

suas coespondentes dimensões e conotaões, em eaão um ao outo. Con-sideo estas aões difeentes das que entendi seem as de wa Thion’o paa

pefei o enácuo, mas sem eiindica que a sua posião sobe a ínua eo seu uso esteja despoida de sóidos pessupostos osócos. Cetamenteque não! De facto, wa Thion’o opunha-se à inuaem coonia poque iunea uma estatia de contoo do modo como os poos cooniados eiamas suas idas diáias, o seu unieso menta e a sua pecepão de si pópiose da sua eaão com o mundo (1986: 16). Assim, emboa essa posião con-sidee a inuaem como um eícuo de ideias, especiamente no domínioideoóico, ea eanta questões de outo tipo, questões que se efeem àsfeamentas do domínio e, po outo ado, ao pape dos escitoes enquanto

 eícuos das pessoas paa quem esceem e ao objectio da escita como se- indo, pimeiamente, paa podui conhecimento com ista à emancipaãodas massas. Po outo ado, p’Bitek ea tambm um inteectua poiticamenteoientado, ta como a maioia de nós ou necessita de se; potanto, a sua cí-tica da iniciatia missionáia e, de um modo mais ato, do empeendimentocoonia, foi pimeiamente denida pea eaidade poítica, dento da quaa imposião da ideooia cistã e de outos conhecimentos ocidentais teeua. A questão que ee cooca, e que acedito petence ao cene da osoaanaítica, pode ea-nos a peunta se não possíe taduimos ente dife-entes ínuas, ou se não possíe expimi sinicados aficanos em ínuasnão aficanas, como o fancês, o inês, ou quaque outa – ínuas que, nodecuso das suas adaptaões, assumiam fomas ocais difeentes.

Estas questões já foam anaisadas e não minha intenão ecama umaoiinaidade que não me petence quando fao efeência ao modo comoeas nos ajudam a compeende a compexidade e a eouão do enácuo. Amaioia dos eitoes teá já isto, peo menos, um tabaho apeando à páticada osoa em enácuos aficanos. Mas consideemos, po um momento,que a comunicaão, ta como Kwasi Wiedu tão ucidamente aumentou,17 see, em pimeio ua, paa comunica conceitos ente inteocutoes ou

comunicadoes; somos, então, eados a peunta que tipo de ‘coisas’ são osconceitos, onde e como ocoem, como os tansmitimos aos outos e, ao m eao cabo, como aaiamos, no decuso da comunicaão com os outos, se estesapeendeam pecisamente aquio que petendíamos. A anáise destas ques-tões eea que a eaão ente ínua e conceitos continua a ea, fequente-

17 veja-se Wiedu, 1996, especiamente pp. 13–33 (capítuos 2 e 3).

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mente, a situaões nem sempe ceteias. Po ees, acetamos, como quandousamos os nomes pópios de pessoas ou uaes (especiamente, quando

faamos com pessoas que sabemos estaem famiiaiadas com as pessoas euaes cujos nomes mencionamos); outas ees fahamos, como quandoestou em fente à minha tuma do pimeio ano de icenciatua e anuncio: ‘Onosso tema de hoje a fenomenooia’. Muitas ees, apecebo-me de que necessáio mais do que um semeste, ou mesmo, a um níe possiona maisaanado, uma ida inteia paa conseui aceta coectamente em apenasaumas coisas, ou tansmiti-as da foma adequada aos faantes natios daínua que utiio na saa de aua. Os conceitos não se tonam necessaia-mente mais caos, ou mais fáceis de apeende, apenas poque os expessá-

mos na ínua natia do nosso inteocuto. Po ees, podemos necessita defases, ou mesmo de passaens, paa caica conceitos. As aões paa tadicudade podem se mútipas, mas peo menos uma deas pende-se como facto de os sinicados não seem ‘objectos’, po isso, mais difíci se pe-ciso ao eaciona paaas com os seus sinicados (efeências) do que comos nomes pópios. Po ees, não temos paaas ou temos especícos paaees, foando-nos a utiia estataemas, a escohe e seecciona paaas,de foma a atini, na medida do possíe, os sinicados que tencionamospassa aos outos, independentemente do meio que utiiamos. Não eiaande pobema em utiia um temo ou uma fase empestada de outaínua paa comunica pecisamente um conceito, se o meu inteocutotie menos pobemas em entende-me po esse meio, mas não impossíeexpimi quaque conceito em quaque ínua.

Podemos utiia paaas inesas ou fancesas paa tansmiti sini-cados aficanos? Acedito que a esposta a esta questão amatia. Isto não o mesmo que die que não necessitamos das ínuas aficanas paa expi-mi o nosso conhecimento. De facto, não existe nada cutuamente compa-áe à capacidade de comunica sobe o que que que seja na nossa ínuanatia, e acedito que isso acontece a toda a hoa. A ínua um fenómeno

eástico e nós podemos dobá-a, tocê-a e esticá-a em quaque diecão eat quaque compimento, paa acomoda os conceitos que temos nas nos-sas mentes. Podeá ea muito tempo e muitas auas, ta como paa expica a‘fenomenooia’, ou apenas uma ou aumas paaas – tudo depende do tipode conhecimento e de paa quem tencionamos tansmiti-o.

 Apesa dos pobemas que mencionamos, a exibiidade da ínuatona a taduão de conceitos de uma ínua paa outa possíe. Mas imai-nemos que todos esceíamos nas nossas difeentes ínuas natias e/ou nos

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diaectos faados hoje em Áfica. Isso seia uma concetiaão maaihosa,não só poque apoeitaia o conhecimento tansmitido po eas a púbicos

mais aaados, dento das espectias comunidades discusias, mas tambmimpusionaia tais ínuas e diaectos no sentido de maioes desenoimen-tos otoácos e da deteminaão de símboos especícos paa expessõesfónicas, como wa Thion’o pocuou fae paa os sons gikuyu. Há temposeniei um e-mai a um amio paa peunta o nome de aum que amboshaíamos contatado, paa tabaha paa nós em sepaado. A esposta deefoi: ‘Joseph; en o Owino Fed’. Acontece que muitos faantes cutos da minhaínua apeciam incui paaas inesas no meio de fases enacuaes. Eessubjuaam e enteteceam fases e temos ineses no nosso enácuo com

ande beea e eeância. Paa quem conhece este contexto, a esposta domeu amio podeia te sido teiemente ambíua. De facto, eu i a sua es-posta como se me estiesse a fonece dois nomes, com o ‘o’ no meio da fasepaecendo-me uma intusão da conjunão disjuntia inesa, faendo-meassim e a fase como ‘Ou Joseph, ou Owino Fed’; mais iteamente, como‘Joseph, ou esse ou Owino Fed’. A subsequente ambiuidade podeia faci-mente te sido eitada se existisse uma deteminada maneia otoáca detansmiti o sinicado peciso de ‘o’, ta como apaecia na esposta do meuamio, que o distinuisse de áias outas paaas que esceemos da mesmafoma, utiiando o afabeto omano. Ou deeíamos exii aos faantes daínua inesa que dessem à sua conjunão disjuntia uma foma de a tonamais econhecíe que aquea que hoje possui? Na fase em questão ‘o’ si-nicaa ‘cunhado de’. Não há dúida de que todos podemos pensa nestespobemas na nossa pópia ínua, auns simpes, outos bastante compe-

 xos. Não há dúida de que empeendimentos otoácos paa a peseaãoe mehoamento das nossas difeentes ínuas deem se encoajados comopate da nossa heana e do nosso desenoimento cutuais.

 À pate da possibiidade de tais desenoimentos otoácos, paeceexisti um pobema que tona a beea das nossas ínuas menos ataente,

po aões possionais páticas. Emboa não esteja apto a faa sobe outasdiscipinas, tenho muitas ees eceio que ao e um texto osóco em, poexempo, lubaa ou Kuanko, me possa cooca peante uma taefa insupe-áe, especiamente se o entendimento do seu conteúdo e a utiiaão dasideias nee pesentes, numa ou nouta foma discusia, fo o que justica apomoão da osoa enquanto empeendimento. Po isso, espeo te conhe-cido o Akan sucientemente bem paa chea mais one e paticipa nodebate anaítico infomatio que se desenoe ente os ósofos contempo-

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âneos faantes dessa ínua. Com efeito, a minha citaão acima, de Wiedu,subinha a minha admiaão peo debate, ao mesmo tempo que etata as

minhas fustantes imitaões em acede-he. Em pate, sinica que muitodo conhecimento disponíe à atenão do ósofo já existe e constante-mente poduido em enácuo. O mesmo pode die-se das poposiõesque Quine utiia. Mas inteouemo-nos, po um momento, se os textososócos etíopes do scuo XvIII teiam sido conhecidos foa do mundofaante de etíope do scuo XvIII, caso tiessem pemanecido po tadui athoje, ou o que teia acontecido aos icos textos Doon e Bamana (Bambaa)sem taduões e comentáios como os que foam feitos po Mace giaue egemaine Dieteen? Quão mais imitados seiam ees do que já são paa os

aficanos que estão tão diididos peas fonteias das ínuas cooniais? Po ees, não comunicamos ente difeentes comunidades inuísticas mesmodento de uma única naão, quanto mais ente eas. Daí que a questão páticaquanto aos benefícios inteectuais de se escee no enácuo pemanea umdesao. Quem me dea que nós, aficanos, faássemos todos as nossas cecade mi e setecentas ínuas e diaectos. A minha peunta : como que issoseá auma e possíe?

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notas biográfiCas

boaventura de Sousa SantosPofesso da Facudade de Economia da Uniesidade de Coimba.Diecto do Cento de Estudos Sociais.

 Anial QuijanoPofesso Emito da Uniesidade Naciona Mayo de San Macos, lima (Peú).

Paulin J. Hountondji

Pofesso da Uniesidade de Cotonou (Benim).

Mogoe b. Ramose