Ensino Elementos de mecânica quântica da partícula na interpretação da onda piloto.pdf

14
 Revista Brasileira de Ensino de F´ ısica,  v. 36, n. 4, 4310 (20 14) www.sbsica.org.br Elementos de mecˆ anica quˆ anti ca da par t ´ ı cula na interpreta¸ ao da onda piloto (Eleme nts of single- particle quantum me chanic s in the pilot- wave interpr etation) Michel E.M. Betz 1 Instituto de F ´ ısica, Univers idade Feder al do Rio Grande do Sul, Porto Alegr e, RS, Brasil Recebido em 2/6/14; Aceito em 12/7/14; Publicado em 23/10/2014 Apresenta-se uma introdu¸ ao elementar ` a interpreta¸ ao da mecˆ anica quˆ antica conhecida como “interpreta¸ ao da onda piloto”, inicialmen te proposta por Louis de Broglie e posterior ment e elaborada por David Bohm. Com o objetivo de adequar o n ´ ıvel do tratamento a um primeiro curso de mecˆ anica quˆ antic a, considera-se apenas o caso de uma ´ unica part ´ ıcula, ignorando asp ectos associ ados ao spin. Os assuntos tradicionalmente ab ordados em tal curso, quais s ejam, a part´ ıcula livre , a par t ´ ıcula ligada, a re ex˜ ao e a transmiss˜ ao por uma barreira de potencial, o ´ atomo de hidrog ˆ enio e o experimen to de duas fendas, ao discutidos do ponto de vista dessa interpreta¸ ao, focando em especial a visualiza¸ ao das trajet´ orias da part´ ıcula. Palavras-chave:  interpreta¸ ao da mecˆ anica quˆ antica, onda piloto, part ´ ıcula ´ unica. An elementary introduction to the interpretation of quantum mechanics known as “pilot-wave interpreta- tion”, initially propose d by Louis de Broglie and furt her elaborated by Davi d Bohm, is presented. With the aim of adapting the treatment level to a rst quantum-mechanics course, only the case of a single particle is considered, disregar ding aspects associated with spin. The topics usually covered in such a course, namely the free particle, the bound particle, reection by and transmission through a potential barrier, the hydrogen atom, and the double-slit experiment, are discussed from the viewpoint of the interpretation in question, focusing in particular on the graphic visualization of particle trajectories. Keywords:  interpretation of quantum mechanics, pilot wave, single particle. 1. Introdc˜ ao No ensino-apr endiz agem da mecˆ ani ca quˆ anti ca, ao basta analisar os f atos emp ´ ıricos e desenvolver o forma- lismo matem´ atico. Ainda ´e preciso deter-se `a quesao da inte rpre ta¸ ao: o que as grandezas presentes nas equa¸ oes repre sentam? Como elas se relacionam com os dados que podem ser extra ´ ıdos dos experi mentos? Que vis˜ ao do mundo f ´ ısico pode-se const ruir a parti r da´ ı? Estas quest˜ oes em sido debati das entre f ´ ısicos e osofos desde o surgi mento da teori a e vˆ em sus- citando um interesse crescente ultimamente, tanto no meio acadˆ emico dos especi alistas como at´ e no ublico leigo. A abordagem tradicionalmente adotada nas discipli- nas de gradua¸ ao [1,2] come¸ ca com a discuss˜ ao, a n´ ı ve l essencialmente qualitativo, de alguns grandes avan¸ cos ocorri dos nas duas primeiras ecadas do eculo XX, que formaram o alicerce para o desenvolvimento da teoria quˆ anti ca na terc eira ecada dess e s´ ecul o.  ´ E ent˜ao intro- duzida a equa¸ ao de Schr¨ odinger, apresentada como a equa¸ ao fundamental da teoria (numa abordagem n˜ ao- relativ´ ıstica) . A conex˜ ao entre uma solu¸ ao da equa¸ ao – uma onda complexa – e o mundo do laborat´ or io ´ e estabelecida pela conhecida  re gr a de Born : o m´ odulo quadrado da fun¸ ao de onda fornece a probabilidade de observa r a part ´ ıcula numa dada regi˜ ao. Um prof es- sor preocupado com a clareza conceitual normalmente enfatizar´ a que a posi¸ ao se torna bem denida ape- nas ao ser medida, e que n˜ ao se deve imaginar uma part´ ıcula possuindo uma posi ¸ ao bem denida, embora desco nheci da, a cada instante. Este quadro conceit ual de dif´ ıcil compreenao intuitiva constit uir-se- ´ a na duali- dade onda-part´ ıcul a  [3] segundo a qual um el´ etron, por exemplo, ser´ a descrito ora como uma onda, ora como uma part´ ıcula. “O e etron se propaga como uma onda mas ´ e det ectado como uma par t ´ ıcula” ´ e uma armao encontrada em textos did´ aticos [4]. A linearidade da equa¸ ao de propaga¸ ao da onda levar´ a naturalmente a enfati zar a imporanci a do pri nc´ ı pio de superposao e a analisar os fenˆ omenos de interfer ˆ encia decorrentes. O experimento da fenda du- 1 E-mail: [email protected]. Copyright by the Sociedade Brasileira de F ´ ısica. Printed in Brazil.

Transcript of Ensino Elementos de mecânica quântica da partícula na interpretação da onda piloto.pdf

  • Revista Brasileira de Ensino de Fsica, v. 36, n. 4, 4310 (2014)www.sbsica.org.br

    Elementos de meca^nica qua^ntica da partcula

    na interpretac~ao da onda piloto(Elements of single-particle quantum mechanics in the pilot-wave interpretation)

    Michel E.M. Betz1

    Instituto de Fsica, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, BrasilRecebido em 2/6/14; Aceito em 12/7/14; Publicado em 23/10/2014

    Apresenta-se uma introduc~ao elementar a interpretac~ao da meca^nica qua^ntica conhecida como \interpretac~aoda onda piloto", inicialmente proposta por Louis de Broglie e posteriormente elaborada por David Bohm. Com oobjetivo de adequar o nvel do tratamento a um primeiro curso de meca^nica qua^ntica, considera-se apenas o casode uma unica partcula, ignorando aspectos associados ao spin. Os assuntos tradicionalmente abordados em talcurso, quais sejam, a partcula livre, a partcula ligada, a reex~ao e a transmiss~ao por uma barreira de potencial,o atomo de hidroge^nio e o experimento de duas fendas, s~ao discutidos do ponto de vista dessa interpretac~ao,focando em especial a visualizac~ao das trajetorias da partcula.Palavras-chave: interpretac~ao da meca^nica qua^ntica, onda piloto, partcula unica.

    An elementary introduction to the interpretation of quantum mechanics known as \pilot-wave interpreta-tion", initially proposed by Louis de Broglie and further elaborated by David Bohm, is presented. With theaim of adapting the treatment level to a rst quantum-mechanics course, only the case of a single particle isconsidered, disregarding aspects associated with spin. The topics usually covered in such a course, namely thefree particle, the bound particle, reection by and transmission through a potential barrier, the hydrogen atom,and the double-slit experiment, are discussed from the viewpoint of the interpretation in question, focusing inparticular on the graphic visualization of particle trajectories.Keywords: interpretation of quantum mechanics, pilot wave, single particle.

    1. Introduc~ao

    No ensino-aprendizagem da meca^nica qua^ntica, n~aobasta analisar os fatos empricos e desenvolver o forma-lismo matematico. Ainda e preciso deter-se a quest~aoda interpretac~ao: o que as grandezas presentes nasequac~oes representam? Como elas se relacionam comos dados que podem ser extrados dos experimentos?Que vis~ao do mundo fsico pode-se construir a partirda? Estas quest~oes te^m sido debatidas entre fsicose losofos desde o surgimento da teoria e ve^m sus-citando um interesse crescente ultimamente, tanto nomeio acade^mico dos especialistas como ate no publicoleigo.

    A abordagem tradicionalmente adotada nas discipli-nas de graduac~ao [1,2] comeca com a discuss~ao, a nvelessencialmente qualitativo, de alguns grandes avancosocorridos nas duas primeiras decadas do seculo XX, queformaram o alicerce para o desenvolvimento da teoriaqua^ntica na terceira decada desse seculo. E ent~ao intro-duzida a equac~ao de Schrodinger, apresentada como a

    equac~ao fundamental da teoria (numa abordagem n~ao-relativstica). A conex~ao entre uma soluc~ao da equac~ao{ uma onda complexa { e o mundo do laboratorio eestabelecida pela conhecida regra de Born: o moduloquadrado da func~ao de onda fornece a probabilidadede observar a partcula numa dada regi~ao. Um profes-sor preocupado com a clareza conceitual normalmenteenfatizara que a posic~ao se torna bem denida ape-nas ao ser medida, e que n~ao se deve imaginar umapartcula possuindo uma posic~ao bem denida, emboradesconhecida, a cada instante. Este quadro conceitualde difcil compreens~ao intuitiva constituir-se-a na duali-dade onda-partcula [3] segundo a qual um eletron, porexemplo, sera descrito ora como uma onda, ora comouma partcula. \O eletron se propaga como uma ondamas e detectado como uma partcula" e uma armac~aoencontrada em textos didaticos [4].

    A linearidade da equac~ao de propagac~ao da ondalevara naturalmente a enfatizar a importa^ncia doprincpio de superposic~ao e a analisar os feno^menos deinterfere^ncia decorrentes. O experimento da fenda du-

    1E-mail: [email protected].

    Copyright by the Sociedade Brasileira de Fsica. Printed in Brazil.

  • 4310-2 Betz

    pla sera frequentemente utilizado como ilustrac~ao [5],ressaltando-se que a interfere^ncia entre as ondas difra-tadas pelas duas fendas resulta em franjas na distri-buic~ao estatstica de impactos da partcula sobre a telade observac~ao.

    A transic~ao, no que diz respeito ao formalismo ma-tematico [6], do ponto de vista ondulatorio para o as-pecto corpuscular no ato de observac~ao ou medida, pos-sivelmente sera caracterizada como \colapso do pacotede ondas", usualmente com pouca elaborac~ao das di-culdades conceituais associadas.

    No intuito de evitar confundir desnecessariamente oaprendiz iniciante ou, em certos casos talvez, por faltade conhecimento das alternativas, o professor prova-velmente apresentara o conjunto de noc~oes acima re-sumidas como a interpretac~ao da meca^nica qua^ntica,invocando os nomes de Niels Bohr, Max Born, Wolf-gang Pauli, Werner Heisenberg, entre outros, talvez ateusando a express~ao Interpretac~ao de Copenhague [7],mas sem elaborar sobre a possibilidade de existiremoutras interpretac~oes. E plausvel que, para a maioriados fsicos que lidam com meca^nica qua^ntica, tanto napesquisa como no ensino, baste aceitar a interpretac~aoortodoxa e seguir em frente. Porem, em certas areasde grande interesse atualmente, tais como a cosmolo-gia [8], a quantizac~ao da gravitac~ao [9] e a computac~aoqua^ntica [10], as quest~oes de interpretac~ao revelam-seincontornaveis. E de se esperar que novos desenvol-vimentos na interpretac~ao da teoria fundamental domundo fsico, induzidos por pesquisa nestas areas, te-nham impacto na losoa da cie^ncia e na epistemolo-gia [11].

    Ha na literatura inumeras propostas de inter-pretac~ao da meca^nica qua^ntica. Deixando de lado aque-las cuja inconsiste^ncia conceitual ou incompatibilidadecom os fatos ja foram demonstradas, e sem procurar dis-tinguir entre aquelas que diferem apenas nos detalhes,pode-se listar como segue as principais alternativas [12]a interpretac~ao de Copenhague:

    A Interpretac~ao dos Universos Multiplos foi ini-cialmente proposta por Everett [13] e e fre-quentemente utilizada em trabalhos de cosmolo-gia teorica. Nela, todos os possveis resultadosde uma medida est~ao realizados, mas em uni-versos paralelos, entre os quais n~ao ha comu-nicac~ao. Veja [14] para uma discuss~ao acessvelde um exemplo, e refere^ncias [15, 16] para maisinformac~ao.

    A Interpretac~ao das Historias Consistentes [17,18], tambem chamadas Historias Descoerentes,baseia-se em criterios que permitem analisar asprobabilidades de seque^ncias de eventos, evitandorefere^ncia ao processo de medida. E tambem utilem cosmologia e oferece uma perspectiva interes-sante sobre o limite classico [19].

    A Interpretac~ao Modal2 [20], bastante discutidaentre losofos da fsica, enfatiza a distinc~ao en-tre estado dina^mico e estado de propriedade nadescric~ao de um sistema qua^ntico. O estadodina^mico fornece informac~ao, de cunho proba-bilstico, sobre possveis resultados de medidas,ao passo que um estado de propriedade atribuium valor denido a uma certa propriedade fsica.

    A Interpretac~ao da Onda Piloto, proposta por deBroglie [21] no princpio da meca^nica qua^nticae retomada por Bohm [22] um quarto de seculomais tarde, sob a perspectiva de Teoria do Po-tencial Qua^ntico, arma que a func~ao de ondade Schrodinger atua como um guia que conduza partcula cuja posic~ao, mesmo que seja inob-servavel, esta bem denida a cada instante.

    Evidentemente, n~ao seria possvel entrar aqui emmais detalhes a respeito de cada uma destas in-terpretac~oes, ainda mais considerando que algumasdelas exigem, no seu desenvolvimento, o uso, emnvel avancado, do formalismo abstrato da meca^nicaqua^ntica. O presente trabalho pretende focar ape-nas a ultima das interpretac~oes listadas acima e, ade-mais, limitar-se a considerac~ao dos sistemas fsicos osmais simples, que consistem numa unica partcula semspin. Como fatores motivadores deste empreendimento,pode-se destacar os seguintes:

    Apesar de ser objeto de estudo atual por partede um conjunto signicativo de pesquisadores, ainterpretac~ao da onda piloto parece ser desconhe-cida por boa parcela da comunidade dos fsicos.

    A interpretac~ao pode ser introduzida de maneirabastante natural no contexto da meca^nica ondu-latoria elementar.

    Em especial na perspectiva da teoria do poten-cial qua^ntico, a interpretac~ao faculta uma com-parac~ao valiosa com a meca^nica newtoniana.

    Por explicar a natureza probabilstica da fsicaqua^ntica atraves de considerac~oes semelhantescom aquelas usualmente apresentadas no desen-volvimento da meca^nica estatstica classica, masbastante diversas daquelas encontradas em textosbaseados na interpretac~ao ortodoxa da meca^nicaqua^ntica, a interpretac~ao da onda piloto propiciauma discuss~ao contrastada das noc~oes de proba-bilidade episte^mica e n~ao-episte^mica.

    Por autorizar a conceituac~ao da existe^ncia si-multa^nea da onda e da partcula, a interpretac~aoda onda piloto permite uma visualizac~ao gracamais rica e concreta dos processos qua^nticos, um

    2O adjetivo modal refere-se a \modalidades logicas", tais como possibilidade e necessidade.

  • Elementos de meca^nica qua^ntica da partcula na interpretac~ao da onda piloto 4310-3

    aspecto que poderia se revelar bastante provei-toso no desenvolvimento de animac~oes de cunhodidatico.

    O enfoque pretendido aqui e pedagogico, mais queinvestigativo, embora resultados de calculos destinadosa compreens~ao e a visualizac~ao das possveis trajetoriasda partcula nos sistemas considerados ser~ao apresenta-dos em diversos gracos. Para discuss~oes mais abran-gentes e completas da interpretac~ao da onda piloto,recomenda-se consultar os livros de Holland [23] e deDurr e Teufel [24].

    A sec~ao 2 do presente artigo consiste numa breverevis~ao da apresentac~ao usual da meca^nica qua^nticada partcula sem spin, focando em especial a inter-pretac~ao de Born da func~ao de onda e a equac~ao deconservac~ao local da probabilidade. A sec~ao 3 introduza interpretac~ao da func~ao de onda como onda pilotoque determina o campo de velocidade da partcula. Nasec~ao 4, discute-se a perspectiva adotada por Bohm, naqual a func~ao de onda determina um potencial qua^nticoque, somado ao potencial classico, permite formulara meca^nica qua^ntica no molde da meca^nica newtoni-ana. Nas sec~oes 5-8, sistemas tradicionalmente discuti-dos num curso introdutorio s~ao analisados do ponto devista da interpretac~ao de Bohm e de Broglie: estadosligados, em especial a partcula numa caixa e o atomode hidroge^nio na sec~ao 5, a partcula livre na sec~ao 6,os feno^menos de reex~ao e transmiss~ao por uma bar-reira de potencial na sec~ao 7, e o experimento da fendadupla na sec~ao 8. A sec~ao 9 apresenta as conclus~oes doestudo e alguns comentarios nais.

    2. Equac~ao de Schrodinger

    No desenvolvimento de um curso de introduc~ao ameca^nica qua^ntica, argumentos diversos podem ser uti-lizados para motivar a equac~ao fundamental da teoria,para um sistema constitudo de uma partcula de massam em movimento n~ao-relativstico num potencial V (r),que sera suposto aqui independente do tempo. Estaequac~ao, a equac~ao de Schrodinger [2], e uma equac~aoa derivadas parciais que descreve a propagac~ao de umafunc~ao de onda complexa (r; t)

    i~@

    @t(r; t) = ~

    2

    2m(r; t) + V (r)(r; t) ; (1)

    onde = @2

    @x2 +@2

    @y2 +@2

    @z2 e o operador Laplaciano

    e ~ = h2 , sendo h a constante de Planck. Na formaacima, a equac~ao descreve uma partcula sem spin, maspode tambem ser utilizada no caso de uma partculacom spin, um eletron por exemplo, desde que a in-terac~ao especicada pelo potencial V (r) seja indepen-dente do spin.

    A evoluc~ao da func~ao de onda estipulada pelaEq. (1) e determinista, ou seja, a func~ao de onda numinstante t qualquer pode ser calculada sabendo-se afunc~ao de onda (r; t0) num instante inicial t0, ja quetrata-se de uma equac~ao diferencial de primeira or-dem no tempo. Porem, o signicado fsico da func~aode onda e de natureza estatstica. Na interpretac~aousual da meca^nica qua^ntica, inicialmente proposta porMax Born [25], a norma quadrada da func~ao de ondafornece a densidade de probabilidade de encontrar apartcula numa certa regi~ao, numa medida de posic~ao.Ou seja, a probabilidade de observar a partcula numpequeno volume d3r localizado na posic~ao r e dada porj(r; t)j2d3r. Ja que a partcula necessariamente se en-contra em algum lugar, esta interpretac~ao requer que afunc~ao de onda satisfaca a condic~ao de normalizac~aoZ

    j(r; t)j2d3r = 1 : (2)

    Como a equac~ao de Schodinger e linear, e semprepossvel normalizar a func~ao de onda.

    Conforme demonstrado nos livros textos [2], desdeque o potencial seja uma func~ao real, a equac~ao deSchrodinger implica na equac~ao de continuidade

    @

    @t(r; t) +r j(r; t) = 0 ; (3)

    onde

    (r; t) = j(r; t)j2 (4)e3

    j(r; t) =~m=[(r; t)r(r; t)] : (5)

    Ja que a regra de Born atribui a func~ao (r; t) o signi-cado de densidade de probabilidade, a Eq. (3) pode serinterpretada como a express~ao da conservac~ao local daprobabilidade e a quantidade j(r; t) identicada comoa densidade de corrente de probabilidade.

    Deve-se enfatizar que, na interpretac~ao padr~ao,probabilidades referem-se a resultados de medidas deposic~ao; n~ao faz sentido falar da evoluc~ao (deterministaou n~ao) da posic~ao da partcula entre observac~oes.

    3. Interpretac~ao da onda piloto

    Se a equac~ao de continuidade (3) fosse associada a con-vecc~ao de um uido, existiria, entre a densidade de cor-rente j e a densidade4 , a relac~ao

    j(r; t) = (r; t)v(r; t) ; (6)

    sendo v(r; t) o campo de velocidade do uido. Ameca^nica bohmiana consiste em adotar a relac~ao (6),

    3A notac~ao = e usada aqui para indicar a parte imaginaria de um numero complexo.4Naturalmente, neste caso, n~ao se trataria de densidades de probabilidade mas, por exemplo, de massa.

  • 4310-4 Betz

    junto com as express~oes (4) e (5), levando ent~ao a cal-cular o campo de velocidade a partir da func~ao de onda,pela equac~ao

    v(r; t) =j(r; t)

    (r; t)=

    ~m

    =[(r; t)r(r; t)]j(r; t)j2

    =~m=r(r; t)

    (r; t): (7)

    E importante salientar que, apesar da analogia for-mal, o sistema qua^ntico n~ao esta sendo conceituadocomo um uido, e sim como uma unica partcula. Aexpress~ao acima estipula simplesmente qual sera a ve-locidade da partcula, caso esta se encontrar no pontor no instante t. Se denotarmos por R(t) a posic~aoda partcula, esta posic~ao evoluira de acordo com aequac~ao

    d

    dtR(t) = v(R; t) : (8)

    Dada a posic~ao da partcula no instante inicial t0, estaequac~ao permite calcular a posic~ao num tempo t qual-quer desde, e claro, que a equac~ao de Schrodinger jatenha sido resolvida para obter a func~ao de onda e, apartir desta, calcular o campo de velocidade.

    Claramente, para que esta teoria seja equivalentea meca^nica qua^ntica usual, e necessario supor que aposic~ao inicial n~ao e conhecida com precis~ao, mas quea probabilidade de a partcula estar num volume inni-tesimal d3R localizado emR e dada por j(R; t0)j2d3R.Segue ent~ao que a probabilidade de a partcula estar,num instante t qualquer, dentro de um volume innite-simal d3R localizado em R e dada por j(R; t)j2d3R.A suposic~ao de que a distribuic~ao probabilstica deposic~ao inicial da partcula esta relacionada com afunc~ao de onda pela regra de Born e conhecida comohipotese de tipicidade. Apenas se ela estiver satisfeita,havera equivale^ncia fenomenologica entre a meca^nicabohmiana assim formulada e a meca^nica qua^ntica usual.Bohm argumentou que, mesmo se a tipicidade for ini-cialmente violada num dado sistema qua^ntico, ocor-rera uma rapida evoluc~ao para um estado de equilbrioqua^ntico no qual ela sera satisfeita. Trabalhos que pro-curam identicar situac~oes nas quais tal equilbrio n~aoseria alcancado { e portanto a meca^nica qua^ntica n~aoseria valida na sua forma usual { podem ser encontra-dos na literatura [26].

    Vale a pena deter-se um pouco mais na analisedo aspecto probabilstico da fsica qua^ntica, contras-tando a conceituac~ao oferecida pela meca^nica bohmi-ana com aquela adotada na interpretac~ao ortodoxa. Nameca^nica bohmiana, a partcula possui uma posic~aoe uma velocidade bem denidas, embora n~ao conhe-cidas com precis~ao. A situac~ao e semelhante aquelapertinente a meca^nica estatstica classica. As proba-bilidades est~ao associadas a falta de conhecimento devalores que est~ao de fato bem denidos \no mundo la

    fora". Usa-se a palavra \episte^micas" para caracteri-zar probabilidades desta natureza. Ja na interpretac~aoortodoxa, a posic~ao ou a velocidade (ou qualquer ou-tra grandeza fsica) esta denida apenas no ato da me-dida, ou observac~ao. Salvo nesta circunsta^ncia, o valorde uma quantidade fsica esta indenido, e n~ao apenasdesconhecido; as probabilidades s~ao de natureza \n~ao-episte^mica".

    4. Potencial qua^ntico

    Numa tentativa de aproximar o formalismo dameca^nica qua^ntica da descric~ao classica (newtoniana)dos movimentos, David Bohm introduziu o potencialqua^ntico que, quando somado ao potencial classico, per-mite interpretar o movimento da partcula como devidoa ac~ao de uma forca derivada do potencial total. Paraextrair da equac~ao de Schrodinger a express~ao do poten-cial qua^ntico, e conveniente escrever a func~ao de ondaem termos de duas func~oes reais R e S, na forma

    = ReiS : (9)Pode-se ent~ao re-escrever a Eq. (7) na forma

    v(r; t) =~mrS(r; t) : (10)

    Substituindo, na equac~ao de Schrodinger (1), a ex-press~ao (9) para a func~ao de onda e separando as partesreal e imaginaria da equac~ao resultante, obtem-se duasequac~oes acopladas para as func~oes R e S5

    @R@t

    = ~2m

    (2rR rS +Rr2S) ; (11)

    ~@S@t

    =~2

    2m(r2RR jrSj

    2) V : (12)

    Denindo o potencial qua^ntico

    U = ~2

    2m

    r2RR ; (13)

    pode-se re-escrever a Eq. (12) na forma

    ~@S@t

    +~2

    2mjrSj2 = (V + U) : (14)

    Para justicar a interpretac~ao da func~ao U comopotencial qua^ntico, basta notar que, se a integrac~aoda segunda lei de Newton deve resultar na veloci-dade ((Eq. 10)), a forca atuando sobre a partcula pre-cisa ser

    f =d

    dtmv = ~

    d

    dtrS(R; t) ; (15)

    onde a derivada temporal deve ser entendida com deri-vada convectiva, de maneira que

    f = ~[@

    @trS(R; t) + dR

    dtrrS(R; t)] : (16)

    5Nestas e outras equac~oes subsequentes, usa-se a notac~ao r2 r r .

  • Elementos de meca^nica qua^ntica da partcula na interpretac~ao da onda piloto 4310-5

    Usando as Eqs. (8) e (10), e ainda realizando algu-mas manipulac~oes simples do operador gradiente, n~aoe difcil re-escrever a Eq. (16) na forma

    f =r[~ @@tS(R; t) + ~

    2

    2mjrS(R; t)j2] : (17)

    Comparando esta express~ao com a Eq. (14), verica-seimediatamente que a forca atuando sobre a partculaqua^ntica pode ser derivada de um potencial que e asoma do potencial classico V e do potencial qua^ntico Udenido pela Eq. (13)

    f = rR[V (R; t) + U(R; t)] : (18)

    Pode-se, portanto, considerar que a func~ao de onda geraum potencial qua^ntico ao qual corresponde uma forcaqua^ntica que deve ser somada a forca classica para queo movimento da partcula qua^ntica seja regido pela se-gunda lei de Newton.

    Deve-se enfatizar que, para que esta teoria sejaexperimentalmente equivalente a meca^nica qua^nticausual, e necessario que a distribuic~ao probabilstica deposic~ao inicial da partcula esteja relacionada com afunc~ao de onda inicial pela Eq. (4) e ainda que, a cadapossvel posic~ao inicial, esteja associada uma veloci-dade inicial dada pela condic~ao de pilotagem (Eq. (10)).Uma teoria na qual estes vnculos entre as condic~oesiniciais relativas a partcula e aquelas relativas a ondaestivessem parcial ou totalmente relaxadas constituiriauma generalizac~ao da meca^nica qua^ntica.

    Em muitas aplicac~oes, em vez de extrair a func~ao Rda func~ao de onda e calcular o potencial qua^nticousando a Eq. (13), e mais conveniente calcular o po-tencial qua^ntico diretamente a partir da densidade deprobabilidade. Basta utilizar a relac~ao = R2 paradeduzir da Eq. (13) a express~ao equivalente

    U = ~2

    4m( 1

    2jrj2) : (19)

    5. Estados ligados

    Na analise dos estados ligados de uma partculaqua^ntica num potencial (classico) independente dotempo, comeca-se usualmente por considerar os esta-dos estacionarios, descritos por soluc~oes da equac~ao deSchrodinger nas quais a depende^ncia temporal e fato-rada. Tais soluc~oes possuem a forma

    (r; t) = (r)eiEt=~ ; (20)

    onde E e a energia total e (r) satisfaz a equac~ao deSchrodinger independente do tempo

    ~2

    2m (r) + V (r) (r) = E (r) : (21)

    Inserindo a Eq. (20) na Eq. (7), obtem-se o campo develocidade

    v(r) =~m=r (r)

    (r)=

    ~mrS (r) ; (22)

    sendo S (r) a fase da parte espacial da func~ao de onda.Num estado estacionario, a densidade de probabi-

    lidade e independente do tempo e, como mostram asexpress~oes (19) e (22), o mesmo e verdade do poten-cial qua^ntico e do campo de velocidade. Naturalmente,estados mais gerais, nos quais estas grandezas depen-dem do tempo, podem ser construdos por superposic~aolinear de estados estacionarios.

    5.1. Atomo de hidroge^nio

    A elucidac~ao da estrutura do atomo foi de grande im-porta^ncia no desenvolvimento da fsica qua^ntica. Numcurso introdutorio, a discuss~ao costuma focar essencial-mente o mais simples dos atomos, qual seja, o atomo dehidroge^nio. O potencial classico responsavel pelo movi-mento do eletron corresponde simplesmente a atrac~aocoulombiana devida ao nucleo,

    V (r) = q2

    40r e

    2

    r; (23)

    sendo q o valor absoluto da carga do eletron e 0 a per-missividade do vacuo. Como este potencial possui sime-tria esferica, usando-se coordenadas esfericas, e possvelseparar as coordenadas angulares da coordenada radiale escrever as soluc~oes da Eq. (21) na forma

    nlml(r) = Rnl(r)Ymll (; ) ; (24)

    sendo Y mll um harmo^nico esferico. As func~oes de ondaradiais Rnl s~ao reais e bem conhecidas [2].

    O estado fundamental do atomo corresponde a n =1 e l = ml = 0. Como Y

    00 (; ) = 1=

    p4, a func~ao de

    onda e real e segue ent~ao da Eq. (22) que, no estadofundamental do atomo, a velocidade do eletron e nula.Em cada atomo no estado fundamental, o eletron estaem repouso numa posic~ao a priori desconhecida mascuja distribuic~ao de probabilidade, se for assumida atipicidade, e isotropica em relac~ao ao nucleo e possuidensidade radial

    R10(r)2 =

    4

    a30e2r=a0 ; (25)

    sendo a0 =~2

    mee2o raio de Bohr.6 Ve^-se que a in-

    terpretac~ao de de Broglie-Bohm oferece uma vis~ao doestado fundamental do atomo de hidroge^nio bastantediferente daquelas usualmente apresentadas. No mo-delo de Bohr, muitas vezes utilizado para encaminhara discuss~ao do atomo qua^ntico [1], o eletron percorreuma trajetoria circular de raio a0 com velocidade c,

    sendo c a velocidade da luz e = e2

    ~c ' 1137 a conhe-cida constante de estrutura na. Ja na interpretac~ao

    6Aqui, me denota a massa do eletron.

  • 4310-6 Betz

    padr~ao da teoria qua^ntica, embora esteja proibido atri-buir ao eletron uma posic~ao e um momentum bemdenidos, argumentos baseados no princpio da incer-teza sugerem uma dispers~ao de velocidade da ordem dev = pme ~a0me = c, para uma dispers~ao de posic~aoda ordem do tamanho a0 do atomo.

    O primeiro nvel excitado do atomo corresponde an = 2 e e degenerado, sendo composto de um singletocom l = ml = 0 e um tripleto com l = 1;ml = 0;1.Para o singleto e o membro do tripleto com ml = 0, afunc~ao de onda, de novo, e real e a velocidade do eletrone nula. Ja nos membros do tripleto com ml = 1, afunc~ao de onda e dada por

    211(r; ; ) = f(r; ) ei ; (26)

    com

    f(r; ) =1

    8pa50rer=2a0sen : (27)

    Ve^-se que, para estas func~oes de onda, a func~ao S que aparece na express~ao (22) do campo de velocidadee simplesmente e, usando a familiar express~ao dooperador gradiente em coordenadas esfericas, obtem-se

    v(r) = ~mr sen

    e : (28)

    Se a partcula estiver inicialmente localizada no pontode coordenadas (r0; 0; 0), ela efetuara um movimentocircular tal que (r = r0; = 0; = 0 ~mr20 sen20 t).A distribuic~ao de probabilidade das posic~oes iniciais edada pela norma quadrada da func~ao (27). Tipica-mente, r0 sera da mesma ordem de grandeza que o raiode Bohr a0 e sen 0 sera um numero de ordem 1, demaneira que a ordem de grandeza da velocidade sera ~=(ma0) = c. Vale notar que, nesta interpretac~ao,o tratamento n~ao-relativstico e justicado, no sentidode ser improvavel uma condic~ao inicial para a qual elen~ao seria valido em boa aproximac~ao.

    Os demais estados do atomo podem ser analisa-dos de maneira semelhante. Deve-se lembrar que com-binac~oes lineares de soluc~oes estacionarias tambem cor-respondem a estados fsicos. Em tais estados, o campode velocidade depende do tempo e o movimento doeletron pode ser bastante complexo.

    5.2. Caixa unidimensional

    A partcula numa caixa unidimensional de comprimentoL, com paredes innitamente rgidas, e comumente dis-cutida como primeiro exemplo de resoluc~ao da equac~aode Schrodinger. No interior da caixa, o potencialclassico V (x) e nulo; ja fora da caixa, imagina-se queele assume valores arbitrariamente grandes, impedindoa penetrac~ao da partcula nestas regi~oes. Por continui-dade, a func~ao de onda deve se anular nas extremidadesda caixa. Impondo estas condic~oes de contorno sobre

    as soluc~oes da Eq. (21), obtem-se, para os estados es-tacionarios, as func~oes de onda normalizadas

    n(x; t) = n(x)eiEnt=~ ; (29)

    com

    n(x) =

    r2

    Lsen

    nx

    L(30)

    no intervalo [0; L] e n(x)=0 fora deste intervalo, sendon um numero inteiro positivo. A energia correspon-dente e

    En =n22~2

    2mL2: (31)

    Vale notar que n~ao ha degeneresce^ncia dos nveis deenergia no caso unidimensional.

    Como as func~oes de onda espaciais s~ao reais, se-gue imediatamente da Eq. (22) que a velocidadeda partcula e nula em qualquer estado estacionario.Usando a Eq. (13), e facil calcular o potencial qua^nticoassociado ao estado (29-30):

    Un(x) = ~2

    2m

    d2sennx

    Ldx2

    sennx

    L

    =~2

    2m

    n22

    L2= En : (32)

    Ve^-se que, no interior da caixa, o potencial classico enulo mas o potencial qua^ntico e igual a energia total,de maneira que a energia cinetica da partcula e nula,como tem que ser para consiste^ncia com a conclus~ao jaalcancada a respeito da velocidade.

    Para que a partcula se mova, a func~ao de onda devecorresponder, n~ao a um estado estacionario, mas a umasobreposic~ao de tais estados. Como ilustrac~ao, conside-ramos uma combinac~ao linear do estado fundamental edo primeiro estado excitado, da forma

    (x; t) =1p

    1 + 2[1(x; t) + e

    i'2(x; t)] ; (33)

    onde e ' s~ao para^metros reais constantes.7 De-nindo, para n~ao sobrecarregar a notac~ao, as quantida-

    des ! = 2~

    2mL2 e k =L , pode-se re-escrever a Eq. (29),

    com as Eqs. (30) e (31), na notac~ao simplicada

    n(x; t) =

    r2

    Lsen(nkx) ein

    2!t : (34)

    Inserindo ent~ao a func~ao de onda denida pela ex-press~ao (33) na formula geral (4), obtem-se a express~aoda densidade de probabilidade

    (x; t) =2

    Lsen2(kx)(x; t) ; (35)

    onde

    (x; t) =1

    1 + 2[1 + 42 cos2(kx)

    +4 cos(kx) cos(3!t ')] : (36)7Pode-se supor 0 e 0 ' < 2

  • Elementos de meca^nica qua^ntica da partcula na interpretac~ao da onda piloto 4310-7

    Semelhantemente, usando a func~ao de onda (33) naformula (7), chega-se ao campo de velocidade corres-pondente

    v(x; t) =~m=[ 1(x;t)

    @

    @x(x; t)]

    =~km

    2

    1 + 2sen(kx) sen(3!t ')

    (x; t): (37)

    O potencial qua^ntico poderia tambem ser deduzido semdiculdade das Eqs. (19) e (35). Porem, sendo umafunc~ao do tempo (alem de depender dos para^metros e '), ele seria de pouca utilidade na analise qualitativado movimento.

    Figura 1 - Trajetorias espaco-temporais de um eletron numa caixaunidimensional de comprimento L = 1 nm, com posic~ao em abs-cissa e tempo em ordenada, em escala t=T , com T o perodo demovimento. O estado qua^ntico e dado pela express~ao (33) com = 1 e ' = 0. As curvas azuis representam a densidade deprobabilidade, em unidades arbitrarias, para 4 instantes.

    Para visualizar as trajetorias da partcula, basta in-tegrar numericamente a Eq. (8), com o campo de ve-locidade dado pela Eq. (37) e a distribuic~ao inicial deposic~ao dada pela Eq. (35), com t = 0. A Fig. 1 mos-tra resultados para mc2 = 511 keV (massa do eletron),L = 1 nm, = 1 e ' = 0. O tempo esta mostradoem ordenada numa escala t=T , sendo T = 2=(3!) =4mL2=(3~) o perodo de uma oscilac~ao. S~ao mostra-das as trajetorias da partcula para um conjunto de va-lores da posic~ao inicial, distribudos em conformidadecom a densidade de probabilidade (35). Esta densidadeesta tambem mostrada, para quatro instantes igual-mente espacados num perodo. Deve-se enfatizar que haapenas uma partcula na caixa, que percorrera uma dastrajetorias mostradas, conforme o valor da sua posic~aoinicial.

    Por inspec~ao das express~oes (36-37) acima, e facilver que a ordem de grandeza da velocidade da partculadepende do valor do para^metro : se 1 (comono exemplo da Fig. 1), a velocidade alcanca valores ~k=m para a maioria das condic~oes iniciais.8 Se > 1, a velocidade e tipicamente pe-quena (

  • 4310-8 Betz

    ' = ~k20

    2mt com tan 2 =

    t

    : (44)

    A densidade de probabilidade correspondente e

    (x; t) =

    r2

    1

    a(t)expf2[x v0t

    a(t)]2g ; (45)

    onde

    (t) = jz(t)j =r1 +

    t2

    2: (46)

    Ve^-se que a distribuic~ao de posic~ao mantem a formagaussiana, com um maximo que se desloca com velo-cidade v0 e uma largura, dada por x = a(t)=2, quealcanca o seu mnimo a=2 em t = 0.

    A func~ao de onda (42) corresponde, por aplicac~aoda formula (7), o campo de velocidade

    v(x; t) = v0 +(x v0t)t2 + t2

    : (47)

    Embora n~ao seja necessario para o estudo do movi-mento da partcula, pode-se julgar interessante disportambem da express~ao do potencial qua^ntico. Reali-zando alguns calculos a partir das Eqs. (19) e (45),obtem-se

    U(x; t) =~2

    m[a(t)]2f1 2[x v0t

    a(t)]2g : (48)

    Figura 2 - Trajetorias espaco-temporais de um eletron livre compacote de ondas da forma (41) com a = 0; 5 nm e k0 = 20 nm1.A posic~ao esta em abscissa e o tempo em ordenada, em unidadest= , com denido pela Eq. (43). A densidade de probabilidadede posic~ao (curvas azuis) e o potencial qua^ntico (curvas verme-lhas) s~ao mostrados para alguns valores do tempo (em unidadesarbitrarias).

    A Fig. 2 apresenta trajetorias espaco-temporais cal-culadas por integrac~ao numerica da Eq. (8), com ocampo de velocidade dado pela Eq. (47). Os valoresdos para^metros utilizados s~ao m = 511 keV/c2 (massado eletron), a = 0; 5 nm e k0 = 20 nm

    1. Utilizando

    formulas lembradas no ape^ndice A, pode-se vericarque estes valores correspondem a uma energia mediahEi = 15; 4 eV, com dispers~ao E = 3; 05 eV. Ve^-seque, como era esperado ja que o pacote de ondas foiconstrudo de maneira a alcancar a sua largura mnimaem t = 0, as trajetorias se aproximam com o passardo tempo para t < 0, passando a se afastar quandot > 0. A gura tambem mostra, para alguns valo-res do tempo, a distribuic~ao de posic~ao e o potencialqua^ntico (na regi~ao na qual ha probabilidade signi-cativa de a partcula se encontrar). A curva de po-tencial qua^ntico e uma parabola com concavidade parabaixo e maximo no centro do pacote de ondas, indi-cando uma forca qua^ntica repulsiva em relac~ao a estecentro. A magnitude desta forca e signicativa apenasquando o tamanho do pacote n~ao difere muito do seuvalor mnimo.

    6.2. Pacote gaussiano duplo

    Constatou-se acima que, mesmo numa situac~ao quepossui um correspondente classico natural, o movi-mento da partcula qua^ntica livre, apesar de relati-vamente simples, n~ao e uniforme. A linearidade daequac~ao de Schrodinger possibilita a construc~ao de es-tados qua^nticos mais exoticos, para os quais pode-se es-perar movimentos bem mais complicados. Como exem-plo, sera considerado aqui um estado superposic~ao li-near de dois pacotes gaussianos, inicialmente localiza-dos em regi~oes separadas do espaco e rumando um emdirec~ao ao outro

    (x; t) =1p2[+(x; t) + (x; t)] ; (49)

    onde +(x; t) e obtida da Eq. (42) pela translac~aox ! x + L e (x; t) e obtida da Eq. (42) pelatranslac~ao x! x L e a troca do sinal da velocidade,v0 ! v0. Para que a func~ao de onda (49) esteja corre-tamente normalizada, e necessario que n~ao haja sobre-posic~ao signicativa das duas componentes no instanteinicial, o que sera o caso se L for escolhido suciente-mente grande em comparac~ao com a.

    E uma tarefa elementar deduzir da func~ao de ondaestipulada acima o campo de velocidade, a densidadede probabilidade e, se houver interesse, o potencialqua^ntico [usando as formulas gerais (7), (4) e (19), res-pectivamente]. As express~oes resultantes s~ao um tantocomplicadas e n~ao ser~ao exibidas aqui. Resultados decalculos numericos para a = 0; 5 nm, k0 = 20 nm

    1 eL = 1; 5 nm podem ser vistos na Fig. 3. Inicialmente,a partcula esta localizada numa das duas componentesdo pacote e, quando ocorre sobreposic~ao das duas com-ponentes, a interfere^ncia provoca variac~oes rapidas nocampo de velocidade, resultando num movimento com-plexo da partcula, visvel em maior escala na Fig. 4.

  • Elementos de meca^nica qua^ntica da partcula na interpretac~ao da onda piloto 4310-9

    Figura 3 - Trajetorias espaco-temporais de um eletron livre compacote de ondas da forma (49), com para^metros a = 0; 5 nm,k0 = 20 nm1 e L = 1; 5 nm. A posic~ao esta em abscissa eo tempo em ordenada, em unidades t= , com denido pelaEq. (43). As curvas azuis mostram a densidade de probabilidadede posic~ao para alguns valores do tempo, em unidades arbitrarias.

    Figura 4 - Trajetorias espaco-temporais de um eletron livre compacote de ondas da forma (49), quando ocorre sobreposic~ao sig-nicativa das duas componentes. Os valores dos para^metros s~aoa = 0; 5 nm, k0 = 20 nm1 e L = 1; 5 nm. A posic~ao esta emabscissa e o tempo em ordenada, em unidades t= , com denidopela Eq. (43).

    Numa interpretac~ao meramente ondulatoria, serianatural considerar que as duas componentes do pacotese aproximam, interferem ao se cruzar e, continuandoa se deslocar, cada uma no seu respectivo sentido demovimento, passam a afastar-se. A interpretac~ao daonda piloto traz uma imagem diferente, porque nela n~ao

    pode ocorrer cruzamento das trajetorias, ja que a velo-cidade e uma func~ao unvoca da posic~ao da partcula edo tempo. Assim, numa situac~ao simetrica como aquelaconsiderada acima, com duas componentes do pacotede pesos iguais, a partcula acaba necessariamente vol-tando para o lado de onde ela veio.

    7. Barreira de potencial

    O primeiro contato do aluno com a teoria qua^ntica doespalhamento ocorre usualmente quando discutem-se osfeno^menos de reex~ao e transmiss~ao de uma partculapor uma barreira de potencial. A \barreira quadrada"de altura V0 e largura d, tal que

    V (x) =

    8>>>>>>>>>>>>>>>>:

    eikx +i(q2 k2) sen(qd)

    D(k)eikx x < 0

    1

    D(k)[(q + k)k eiq(xd)

    +(q k)k eiq(xd)] 0 x d

    2qk

    D(k)eik(xd) d < x

    (51)onde

    D(k) = 2qk cos(qd) i(q2 + k2) sen(qd); (52)

    k =

    p2mE

    ~; (53)

    q =

    p2m(E V0)

    ~: (54)

    A discuss~ao usual consiste em extrair dos resulta-dos acima as express~oes das correntes incidente, ree-tida e transmitida e, delas, os coecientes de reex~aoe transmiss~ao. Pouco rigoroso na interpretac~ao usual,tal procedimento se torna inviavel na interpretac~ao daonda piloto, na qual deseja-se analisar a trajetoria dapartcula. Para tanto, como no caso da partcula livre,e necessario construir um pacote de ondas. Supondoque, antes de se aproximar da barreira, o pacote possuia forma gaussiana, a func~ao de onda e dada por

    (x; t) =1p2

    Z 11

    g(k) k(x)ei ~k22m tdk ; (55)

    onde g(k) e dada pela Eq. (41). O calculo do campo develocidade (7) e do potencial qua^ntico (19) requer, alem

  • 4310-10 Betz

    da func~ao de onda, as suas derivadas espaciais (primeirae segunda), que podem ser calculadas, por integrac~aosemelhante a Eq. (55), a partir das derivadas corres-pondentes, facilmente deduzidas, da func~ao (51). Estasintegrac~oes precisam ser realizadas numericamente.

    Figura 5 - Trajetorias espaco-temporais de um eletron com pa-cote de ondas inicial da forma gaussiana (41) que incide sobreuma barreira de altura 20 eV e espessura 0; 1 nm. Os valores dospara^metros s~ao a = 0; 5 nm e k0 = 20 nm1, o que correspondea uma energia media de 15; 4 eV, com dispers~ao de 3; 05 eV. Aposic~ao esta em abscissa e o tempo em ordenada. A faixa begeindica a posic~ao da barreira. As curvas azuis mostram a densi-dade de probabilidade, em unidades arbitrarias, para 3 valoresdo tempo.

    Resultados obtidos para o caso de um pacote deondas com k0 = 20 nm

    1 e a = 0; 5 nm, associ-ado a um eletron que incide sobre uma barreira de al-tura 20 eV e espessura 0; 1 nm, podem ser vistos naFig. 5. Ja que, para tal pacote, hEi = 15; 4 eV comE = 3; 05 eV, trata-se de uma barreira alta (intrans-ponvel na meca^nica classica), mas de pouca espessurae portanto, na meca^nica qua^ntica, a probabilidade detunelamento e signicativa. Ve^-se que, para 4 das 13trajetorias (inicialmente distribudas de acordo com adensidade de probabilidade visvel na gura), ocorreo tunelamento. Vale notar que, como n~ao pode ha-ver cruzamento de trajetorias, a partcula atravessaraa barreira se estiver inicialmente na parte dianteira dopacote, ao passo que, se estiver inicialmente na partetraseira, sera reetida.

    Como enfatizado por alguns autores [7], a inter-pretac~ao da onda piloto abre um caminho para abordaruma pergunta frequentemente feita, mas dicilmenterespondida na interpretac~ao usual [28]: quanto tempoa partcula passa dentro da barreira, na regi~ao classi-camente proibida? Para as trajetorias mostradas, estetempo pode ser lido diretamente da Fig. 5. Num estudomais completo desta quest~ao { que n~ao sera realizadoaqui { far-se-ia uma media sobre as possveis trajetorias

    para calcular um tempo de tunelamento medio [29].No a^mbito da meca^nica classica, seria comum utili-

    zar um graco de energia para discutir a reex~ao e/ou atransmiss~ao de uma partcula por uma barreira. O con-ceito de potencial qua^ntico pode ser aproveitado paraabordar a quest~ao por este a^ngulo tambem na meca^nicaqua^ntica, analisando o movimento da partcula no po-tencial total, soma dos potenciais classico e qua^ntico.Naturalmente, sera importante n~ao perder de vista osaspectos que tornam a situac~ao qua^ntica signicativa-mente mais complexa que a homologa classica, em es-pecial:

    o potencial qua^ntico depende do tempo e, por-tanto, o potencial experienciado pela partculanuma dada posic~ao depende da trajetoria seguida;

    a energia total pode variar ao longo da trajetoriada partcula, apenas a media da energia total so-bre todas as trajetorias possveis e conservadaexatamente.

    A Fig. 6 apresenta diagramas de energia para 3 tra-jetorias de um eletron que incide sobre uma barreirade altura 18 eV e espessura 0; 4 nm. Como antes,os para^metros caractersticos do pacote de ondas s~aoa = 0; 5 nm e k0 = 20 nm

    1. Na Fig. 6(a), ve^-se a distri-buic~ao inicial de probabilidade e as trajetorias espaco-temporais para 3 posic~oes iniciais escolhidas de maneiraa ilustrar casos qualitativamente distintos. A Fig. 6(b)mostra o diagrama de energia associado ao caso de umatrajetoria para a qual ocorre o tunelamento. A contri-buic~ao do potencial qua^ntico abaixa o potencial total osuciente para permitir a penetrac~ao da partcula nabarreira. A medida que a partcula avanca na bar-reira, o potencial total aumenta, mas a energia totaltambem, de maneira que o tunelamento pode ocorrer.O diagrama de energia da Fig. 6(c) corresponde ao casode uma trajetoria para a qual a partcula penetra nabarreira mas, no interior desta, as curvas de energiapotencial e total v~ao se aproximando ate tocar-se, ea partcula ent~ao da meia-volta. Por m, o diagramade energia da Fig. 6(d) corresponde ao caso de umatrajetoria tal que a partcula nem alcanca a barreira,sendo repelida antes pelo potencial qua^ntico. Nos doisultimos casos, nos quais a partcula da meia-volta, nota-se que as curvas tracadas pelo potencial e pela energiatotais no caminho de volta n~ao coincidem com aquelastracadas na ida em direc~ao a barreira. Isto n~ao e dese estranhar, ja que essas quantidades s~ao determina-das pela func~ao de onda, cuja modicac~ao na reex~aoe complexa. Pode-se reparar, ainda, que o movimentoqua^ntico da partcula, embora bem mais complicadoque o movimento classico correspondente, e mais suavepois, no caso qua^ntico, o potencial total e contnuo: asdescontinuidades do potencial classico s~ao compensadaspor descontinuidades do potencial qua^ntico oriundasdas descontinuidades da derivada segunda da func~aode onda nas extremidades da barreira.

  • Elementos de meca^nica qua^ntica da partcula na interpretac~ao da onda piloto 4310-11

    Figura 6 - Analise do movimento qua^ntico de um eletron, com pacote de ondas inicial da forma gaussiana (41), que incide sobre umabarreira de altura 18 eV e espessura 0; 4 nm. Os valores dos para^metros s~ao a = 0; 5 nm e k0 = 20 nm1, o que corresponde a umaenergia media de 15,4 eV, com dispers~ao de 3,05 eV. (a) Tre^s trajetorias espaco-temporais; a posic~ao esta em abscissa e o tempo emordenada; a faixa bege indica a posic~ao da barreira; a curva azul mostra a densidade de probabilidade inicial, em unidades arbitrarias.(b-d) Diagramas de energia mostrando a energia potencial total (curva vermelha), a energia total (curva verde) e a energia total media(linha azul). A area bege indica o potencial classico. Os casos (b), (c) e (d) correspondem, respectivamente, as trajetorias verde, roxae amarela da gura (a).

    8. Difrac~ao por uma fenda dupla

    O experimento da fenda dupla, no qual um feixe departculas atravessa duas fendas abertas num anteparo,antes de incidir sobre uma tela de observac~ao, e temaincontornavel no ensino da meca^nica qua^ntica, podendoate servir de ponto de partida no desenvolvimento dosconceitos essenciais desta teoria [5]. E sabido que,na ause^ncia de um dispositivo que permita determinarqual a fenda atravessada pela partcula, observa-se umpadr~ao de interfere^ncia na distribuic~ao estatstica dosimpactos sobre a tela. Nesta situac~ao, costuma-se ar-mar { na base da interpretac~ao usual { que n~ao fazsentido perguntar por qual fenda a partcula passou.Evidentemente, a interpretac~ao da onda piloto, na quala partcula segue uma trajetoria bem denida, deve ofe-recer uma vis~ao conceitualmente bem diferente.

    Foi enfatizado aqui que, no estudo rigoroso do mo-vimento da partcula na interpretac~ao da onda piloto,obtem-se o campo de velocidade a partir de uma soluc~aonormalizada da equac~ao de Schodinger. No caso de umproblema de espalhamento, isto requer a construc~ao desoluc~oes estacionarias satisfazendo as condic~oes de con-torno adequadas e a combinac~ao de tais soluc~oes paraformar um pacote de ondas. Para sistemas unidimen-sionais, recursos computacionais atuais permitem cum-prir esta tarefa com relativa facilidade, como visto nasec~ao 7. Mas no experimento de duas fendas, a equac~aode Schrodinger independente do tempo passa a ser umaequac~ao a derivadas parciais e a tarefa de construirsoluc~oes satisfazendo condic~oes de contorno, a priorin~ao-triviais, no anteparo, jaz alem do escopo do pre-sente trabalho. Mesmo assim, procurar-se-a uma visu-alizac~ao semi-quantitativa das trajetorias da partcula

  • 4310-12 Betz

    atraves de um tratamento simplicado, baseado no usode uma func~ao de onda estacionaria para a descric~aodo movimento da partcula na regi~ao alem do anteparo.Pode-se considerar tal descric~ao como uma idealizac~aoaproximativa do caso de um pacote de ondas de poucadispers~ao em comprimento de onda e grande extens~aolongitudinal.

    Por simplicidade, considera-se aqui um sistema bi-dimensional apenas, denido no plano (x; y). Sup~oe-seque o feixe incidente e paralelo ao eixo x e o anteparocoincide com o eixo y. As \fendas" s~ao pequenos furoslocalizados em y = a=2. Ja que n~ao ha interac~ao naregi~ao considerada, a Eq. (21) satisfeita pela func~ao deonda de energia E reduz-se a

    (x; y) = k2 (x; y) ; (56)onde k =

    p2mE=~ e o Laplaciano e dado, em coorde-

    nadas polares, por

    =1

    r

    @

    @r(r@

    @r) +

    1

    r2@2

    @2: (57)

    Comecando com uma unica fenda muito estreita lo-calizada na origem, e natural postular uma onda difra-tada radialmente, portanto independente do a^ngulo ,de maneira que, com a Eq. (57), a Eq. (56) se reduz a

    u2d2

    du2+ u

    d

    du+ u2 = 0 ; (58)

    onde foi introduzida a variavel adimensional u = kr.As soluc~oes desta equac~ao s~ao conhecidas [30]; para ga-rantir que a onda afaste-se da fenda com o passar do

    tempo, deve-se escolher a func~ao de Hankel H(1)0 (u),

    cujo comportamento assintotico a grande dista^ncia e

    H(1)0 (u)u!1

    r2

    uexp[i(u

    4)] : (59)

    Voltando ao caso de duas fendas, postula-se ent~aopara a func~ao de onda total uma superposic~ao linear,

    com pesos iguais, de duas func~oes de HankelH(1)0 trans-

    ladadas de maneira a originar-se da fenda superior e dafenda inferior, respectivamente

    (x; y) / H(1)0 (kr+) +H(1)0 (kr) ; (60)onde

    r = jr a2eyj =

    rx2 + y2 +

    a2

    4 ay : (61)

    A obtenc~ao do campo de velocidade pela Eq. (7) requero calculo do gradiente da func~ao de onda. Usando asexpress~oes (61) e a relac~ao

    d

    duH

    (1)0 (u) = H(1)1 (u) (62)

    entre func~oes de Hankel, obtem-se facilmente

    r (x; y) = kf 1r+ [xex + (y a2 )ey]H(1)1 (kr+)

    + 1r [xex + (y +a2 )ey]H

    (1)1 (kr)]g : (63)

    Usando as express~oes (60) e (63), junto com aEq. (61), e facil calcular o campo de velocidade poraplicac~ao da formula (7) e integrar numericamente aEq. (8) para obter as trajetorias da partcula. Porinspec~ao destas express~oes, ve^-se que o padr~ao de inter-fere^ncia formado sobre a tela de observac~ao e a formadas trajetorias entre o anteparo e a tela apenas depen-dem da raz~ao a= entre a dista^ncia de separac~ao dasfendas e o comprimento de onda.10 A Fig. 7 apresentaresultados para a= = 4. Evidentemente, muito pertodo anteparo, a partcula deve se encontrar proxima auma das fendas; na integrac~ao da Eq. (8), foram con-sideradas posic~oes iniciais distribudas sobre pequenoscrculos (de raio inferior a resoluc~ao da gura) centradosnas fendas. Ve^-se que, apos sair de uma fenda isotro-picamente, certas trajetorias sofrem desvios repentinos,de maneira que, a grande dista^ncia do anteparo, as tra-jetorias formam grupos que correspondem aos maximosdo padr~ao de interfere^ncia. Cabe enfatizar de novo queo tratamento aqui apresentado esta embasado em sim-plicac~oes drasticas e, portanto, os resultados da Fig. 7s~ao apenas sugestivos.

    Num experimento recente [31], um procedimento co-nhecido como medida fraca foi utilizado para determi-nar trajetorias medias da partcula { no caso, um foton{ num interfero^metro de duas fendas. Embora a analiserealizada independa da interpretac~ao, e no mnimo ins-tigante comparar a reconstruc~ao graca das trajetoriasapresentada nesse trabalho com a Fig. 7.

    Figura 7 - Trajetorias da partcula no modelo bidimensional doexperimento da fenda dupla, para o caso de uma separac~ao entreas fendas igual a 4 comprimentos de onda.

    10A constante de Planck e a massa da partcula, presentes na express~ao (7), apenas inuenciam a dista^ncia percorrida por unidadede tempo sobre uma trajetoria.

  • Elementos de meca^nica qua^ntica da partcula na interpretac~ao da onda piloto 4310-13

    9. Conclus~oes e comentarios

    Este artigo apresentou uma introduc~ao a interpretac~aoda meca^nica qua^ntica conhecida como interpretac~ao daonda piloto, focando sistemas simples usualmente con-siderados num primeiro curso de graduac~ao dedicadoa esse ramo fundamental da fsica. N~ao e intenc~ao doautor advogar que essa interpretac~ao deveria embasara apresentac~ao da meca^nica qua^ntica a alunos de gra-duac~ao, substituindo a interpretac~ao habitual, mas ape-nas sugerir que o professor poderia aproveita-la ocasi-onalmente para adotar um outro ponto de vista, enri-quecendo as sua aulas. Como indagou John Bell [32]

    Porque sera que a vis~ao da onda piloto estaignorada nos livros de meca^nica qua^ntica?N~ao seria o caso de ensina-la, n~ao como avia unica, mas como um antdoto a autos-satisfac~ao vigente?

    Alem da sua importa^ncia para a compreens~ao pro-funda da fsica, as quest~oes levantadas pela com-parac~ao das interpretac~oes da meca^nica qua^ntica pos-suem grande releva^ncia para a epistemologia e paraa losoa da cie^ncia. A caracterizac~ao do indetermi-nismo presente na teoria qua^ntica, seja como intrnsecoe n~ao passvel de explicac~ao, como alega a interpretac~aousual, seja como associado a uma falta de conheci-mento, como alega a interpretac~ao da onda piloto, re-presenta uma opc~ao epistemologica de fundamental im-porta^ncia, como foi enfatizado ao longo do presente tra-balho. Outra quest~ao focada nos debates de cunho -losoco e a do realismo [12] da teoria e do status on-tologico [24] dos entes que dela participam. Na inter-pretac~ao usual, o sistema qua^ntico esta inteiramenteespecicado pela func~ao de onda. Vale destacar queapenas no caso de uma partcula unica, esta onda sepropaga no espaco tridimensional usual. Para um sis-tema de N partculas, a func~ao de onda (complexa) sepropaga no espaco de congurac~ao, de dimens~ao 3N .E natural hesitar a atribuir o status de objeto real atal entidade. Ja na interpretac~ao da onda piloto, harealmente N partculas, cada uma delas com a suaposic~ao no espaco tridimensional usual bem denida {embora desconhecida { a cada instante. A func~ao deonda orquestra os movimentos das partculas, num pa-pel um tanto semelhante ao da lagrangiana na meca^nicaclassica.

    Para ilustrar a interpretac~ao da onda piloto, o pre-sente trabalho focou apenas sistemas constitudos deuma unica partcula sem spin. Dentre o rol de assuntosbasicos no ensino da meca^nica qua^ntica [2], a partculade spin 1=2 e o experimento de Stern-Gerlach, ou aindao emaranhamento de um sistema de duas partculas,poderiam ser apresentados proveitosamente tambem noenfoque alternativo dessa interpretac~ao.

    Nas visualizac~oes animadas de feno^menos qua^nticosna tela do computador [33, 34], observa-se usualmente

    o movimento de pacotes de ondas. Na abordagemusual, a interpretac~ao destes pacotes como represen-tando uma distribuic~ao de probabilidade de presencade uma partcula esta apresentada forcosamente ape-nas num texto explicativo que acompanha a animac~ao.A interpretac~ao da onda piloto oferece a possibilidadede visualizac~ao simulta^nea dos aspectos ondulatorios ecorpusculares, o que poderia ser explorado para enri-quecer as animac~oes existentes, por exemplo da reex~aoe transmiss~ao por uma barreira, sem infringir a duali-dade onda-partcula.

    Ape^ndice - Propriedades do pacote deondas gaussiano

    Usando o fator de forma gaussiano (41) e uma tabelade integrais, pode-se deduzir os valores esperados

    hk2i = R11 g(k)k2dk = k20 + 1a2 ; (64)hk4i = R11 g(k)k4dk = k40 + 6k20a2 + 3a4 : (65)

    Portanto, a energia media da partcula livre com pacotede ondas gaussiano e

    hEi = ~2

    2mhk2i = E0[1 + 1

    (k0a)2] (66)

    onde

    E0 =~2k202m

    : (67)

    A dispers~ao na energia e

    E =~2

    2m

    phk4i hk2i2

    = E02

    k0a

    s1 +

    1

    2(k0a)2: (68)

    Se desejarmos que hEi ' E0 e E > 1.

    Agradecimento

    O autor agradece a Sandra Prado pelo estmulo na ela-borac~ao deste trabalho.

    Refere^ncias

    [1] R. Eisberg e R. Resnick, Fsica Qua^ntica (EditoraCampus, Rio de Janeiro, 1994).

    [2] C. Cohen-Tannoudji, B. Diu e F. Laloe, Quantum Me-chanics (Hermann, Paris, 1977).

    [3] M. Betz, I. de Lima e G. Mussatto, Revista Brasileirade Ensino de Fsica 31, 3501 (2009).

    [4] P.G. Hewitt, Fsica Conceitual (Bookman, Porto Ale-gre, 2002).

    [5] R.P. Feynman, R.B. Leighton e M. Sands, Lic~oesde Fsica de Feynman, Edic~ao Denitiva (Bookman,Porto Alegre, 2008), v. 3.

  • 4310-14 Betz

    [6] J. von Neumann, Mathematical Foundations of Quan-tum Mechanics (Princeton University Press, Princeton,1955).

    [7] J.T. Cushing, Quantum Mechanics: Historical Con-tingency and the Copenhagen Hegemony (University ofChicago Press, Chicago, 1994).

    [8] E. Abdalla, Revista Brasileira de Ensino de Fsica 27,147 (2005).

    [9] L. Smolin, Three Roads to Quantum Gravity (Basic Bo-oks, Nova Iorque, 2001).

    [10] M.A. Nielsen e I.L. Chuang, Quantum Computa-tion and Quantum Information (Cambridge UniversityPress, Cambridge, 2000).

    [11] M. Bitbol, Physique et Philosophie de l'Esprit (Flam-marion, Paris, 2005).

    [12] O. Pessoa Jr., Conceitos de Fsica Qua^ntica (EditoraLivraria da Fsica, S~ao Paulo, 2006), v. 1 e 2.

    [13] H. Everett III, Rev. Mod. Phys. 29, 454 (1957).

    [14] F. Ostermann e S.D. Prado, Revista Brasileira de En-sino de Fsica 27, 193 (2005).

    [15] F. Freitas e O. Freire Jr., Revista Brasileira de Ensinode Fsica 30, 2307 (2008).

    [16] D. Wallace, The Emergent Multiverse: Quantum The-ory according to the Everett Interpretation (OxfordUniversity Press, Oxford, 2012).

    [17] R.B. Griths, J. Stat. Phys. 36, 219 (1984).

    [18] R. B. Griths, Consistent Quantum Theory (Cam-bridge University Press, Cambridge, 2002).

    [19] R. Omnes, The Interpretation of Quantum Mechanics(Princeton University Press, Princeton, 1994).

    [20] B.C. Van Fraassen, Quantum Mechanics: an Empiri-cist View (Oxford University Press, Oxford, 1991).

    [21] L. de Broglie, Journal de Physique et le Radium 8, 225(1927).

    [22] D. Bohm, Phys. Rev. 85, 166 e 180 (1952).

    [23] P.R. Holland, The Quantum Theory of Motion: AnAccount of the de Broglie-Bohm Causal Interpretationof Quantum Mechanics (Cambridge University Press,Cambridge, 1995).

    [24] D. Durr e S. Teufel, Bohmian Mechanics: the Physicsand Mathematics of Quantum Theory (Spinger-Verlag,Berlin, 2009).

    [25] M. Born, The Statistical Interpretation of Quan-tum Mechanics, Nobel Lecture, disponvel emhttp://www.nobelprize.org/nobel_prizes/

    physics/laureates/1954/born-lecture.html.

    [26] A. Valentini, J. Phys. A: Math. Theor. 40, 3285 (2007).

    [27] M.A. Ca^ndido Ribeiro, V.C. Franzoni, W.R. Passos,E.C. Silva e A.N.F. Aleixo, Revista Brasileira de En-sino de Fsica 26, 1 (2004).

    [28] R. Landauer e Th. Martin, Rev. Mod. Phys. 66, 217(1994).

    [29] C.R. Leavens, Sol. State Comm. 76, 253 (1990).

    [30] M. Abramowitz e I.A. Stegun, Handbook of Mathemati-cal Functions (National Bureau of Standards, Washing-ton, 1964).

    [31] S. Kocsis, B. Braverman, S. Ravets, M.J. Stevens, R.P.Mirin, L.K. Shalm e A.M. Steinberg, Science Magazine332, 1170 (2011).

    [32] J.S. Bell, Speakable and Unspeakable in QuantumMechanics (Cambridge University Press, Cambridge,1993).

    [33] M. Jore, J.-L. Basdevant and J. Dalibard, Quan-tum Physics Online, disponvel em http://www.quantum-physics.polytechnique.fr, acessado em13/5/2014.

    [34] M. Belloni, W. Christian e A.J. Cox, Physlet QuantumPhysics: an Interactive Introduction (Pearson Educa-tion Inc., Upper Saddle River, 2006).