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211 Dawkins, Dennett e as tentativas O Curso de análise matemática de Omar Catunda: uma forma peculiar de apropriação da análise matemática moderna Omar Catunda’s Mathematical analysis course: a peculiar appropriation of modern mathematical analysis in Brazil ELIENE BARBOSA LIMA Universidade Estadual de Santa Cruz ANDRÉ LUÍS MATTEDI DIAS Universidade Estadual de Feira de Santana RESUMO Fazemos uma análise compa- rativa do livro Curso de análise matemática de Omar Catunda com os livros Elementos de cálculo diferencial e integral de William Anthony Granville, Curso de análise mate- mática de Luigi Fantappiè e Foundations of modern analysis de Jean Dieudonné, com o objetivo de mostrar a sua forma peculiar de apropriação da análise matemática moderna, que o credencia como um importante agente do processo de institucionalização da mate- mática moderna no Brasil. Palavras-chave história da matemática, análise matemática moderna no Brasil, Omar Catunda. ABSTRACT We did a comparative analysis of Omar Catunda’s Curso de Análise Matemática with William Anthony Granville’s Differential and Integral Calculus, Luigi Fantappiè’s Curso de Análise Matemática and Jean Dieudonné’s Foundations of Modern Analysis in order to show how he particularly appropriated modern mathematical analysis and configured himself as important agent of the institutionalization of modern mathematics in Brazil. Key words history of mathematics, modern mathematics, mathematics analysis in the Brazil, Omar Catunda. Introdução A matemática que ainda se pratica hoje majoritariamente em institutos de pesquisa e ensino em quase todo o mundo, que chamaremos matemática moderna, cujas principais áreas, temas, objetos, problemas, métodos e resultados foram sendo obtidos, consolidados e desenvolvidos ao longo do século XX, teve seu processo de formação iniciado no século XIX, quando uma série de transformações, mudanças e inovações afetaram de maneira geral todos os aspectos constitutivos da matemática, desde a sua organização profissional, até os seus fundamentos epistemológicos e metodológicos, passando pela estruturação das suas subáreas disciplinares, com notáveis repercussões nos resultados da produção do conhecimento matemático. 1 De fato, a adoção generalizada de concepções absoluta- mente abstratas de número – dissociada da noção de quanti- dade – e de geometria – dissociada da percepção sensorial de espaço – e de métodos analíticos algébricos, em substituição aos métodos geométricos sintéticos, foram fundamentais para a unificação das diversas matemáticas – aritmética, geometria, álgebra, trigonometria e cálculo – sob a égide de um mesmo estatuto científico, 2 que foi proclamado no ambiente disciplinar altamente especializado e profissionalizado que se formou nas Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 211-230, jul | dez 2010

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    Dawkins, Dennett e as tentativas

    O Curso de anlise matemtica de Omar Catunda: uma forma peculiar de apropriao da anlise matemtica moderna

    Omar Catundas Mathematical

    analysis course: a peculiar

    appropriation of modern

    mathematical analysis in Brazil

    ELIENE BARBOSA LIMAUniversidade Estadual de Santa Cruz

    ANDR LUS MATTEDI DIASUniversidade Estadual de Feira de Santana

    RESUMO Fazemos uma anlise compa-rativa do livro Curso de anlise matemtica de Omar Catunda com os livros Elementos de clculo diferencial e integral de William Anthony Granville, Curso de anlise mate-mtica de Luigi Fantappi e Foundations of modern analysis de Jean Dieudonn, com o objetivo de mostrar a sua forma peculiar de apropriao da anlise matemtica moderna, que o credencia como um importante agente do processo de institucionalizao da mate-mtica moderna no Brasil.

    Palavras-chave histria da matemtica, anlise matemtica moderna no Brasil, Omar Catunda.

    ABSTRACT We did a comparative analysis of Omar Catundas Curso de Anlise Matemtica with William Anthony Granvilles Differential and Integral Calculus, Luigi Fantappis Curso de Anlise Matemtica and Jean Dieudonns Foundations of Modern Analysis in order to show how he particularly appropriated modern mathematical analysis and configured himself as important agent of the institutionalization of modern mathematics in Brazil.

    Key words history of mathematics, modern mathematics, mathematics analysis in the Brazil, Omar Catunda.

    Introduo

    A matemtica que ainda se pratica hoje majoritariamente em institutos de pesquisa e ensino em quase todo o mundo, que chamaremos matemtica moderna, cujas principais reas, temas, objetos, problemas, mtodos e resultados foram sendo obtidos, consolidados e desenvolvidos ao longo do sculo XX, teve seu processo de formao iniciado no sculo XIX, quando uma srie de transformaes, mudanas e inovaes afetaram de maneira geral todos os aspectos constitutivos da matemtica, desde a sua organizao profissional, at os seus fundamentos epistemolgicos e metodolgicos, passando pela estruturao das suas subreas disciplinares, com notveis repercusses nos resultados da produo do conhecimento matemtico.1

    De fato, a adoo generalizada de concepes absoluta-mente abstratas de nmero dissociada da noo de quanti-dade e de geometria dissociada da percepo sensorial de espao e de mtodos analticos algbricos, em substituio aos mtodos geomtricos sintticos, foram fundamentais para a unificao das diversas matemticas aritmtica, geometria, lgebra, trigonometria e clculo sob a gide de um mesmo estatuto cientfico,2 que foi proclamado no ambiente disciplinar altamente especializado e profissionalizado que se formou nas

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    instituies de ensino superior que seguiram o modelo da Universidade de Berlim, na Alemanha, onde o discurso pela dedicao pesquisa cientfica sem finalidades utilitrias ou quaisquer outras, que no o prprio desenvolvimento da cincia, acompanhava a utopia por uma razo cientfica absolutamente independente e suficiente.3

    Segundo Christian Houzel,4 foi no sculo XVIII que Leonhard Euler (1707-1783) deu incio a uma completa trans-formao na organizao do clculo, quando publicou Introductio in analysin infinitorum (Lausanne, 1748), apresentando pela primeira vez a anlise matemtica baseada no conceito de funo.5 At ento, a geometria ocupava o primeiro lugar no clculo, por causa da fundamentao geomtrica da noo de infinitesimal, enquanto que a lgebra e os algoritmos ficavam em segundo lugar, como mtodos auxiliares. Nesse livro, pelo contrrio, Euler introduziu a lgebra no livro I e apresentou a geometria no livro II, como uma aplicao. Nas palavras de Jahnke e Otte:

    During the 18th century, numbers, in their inseparable linkage to the quantities concept, represented the actual object field of mathematics, and algebra, and the symbolic calculi of mathematics were regarded merely as a language permitting en easy and suggestive manner of representing relationships between numbers or quantities. This status became precisely the reverse in the 19th century. Algebra was now to directly include the actual mathematical relationships, which constitute the subject matter under study, while arithmetics, for its part, became the language of algebra resp. of the entire mathematics, by means of which, and in which, all mathematical facts must ultimately be expressible. This process of arithmetiza-tion finally culminated, towards the close of the century, in the fact that the consistency of mathematics was reduced to the consistency of arithmetics, raising arithmetics to the position of foundational science proper of mathematics.6

    Tradicionalmente, atribui-se o incio do processo de aritmetizao da anlise ao Cours danalyse (1821) de Augustin Louis Cauchy (1789-1857), que apresentou uma definio de limite predominantemente aritmtica, com pretenses de independncia em relao s intuies geomtricas, e uma definio para os nmeros reais que pretendia alcanar um novo padro de rigor, que somente foi alcanado, no caso dos nmeros, com os cortes de Richard Dedekind (1831-1916) e, no caso dos limites, com Karl Weierstrass (1815-1897), que introduziu a definio e notao dos epslons e deltas aceita contemporaneamente.7

    Dessa forma, do clculo baseado na noo de infinitesimal, como em Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716)8

    e Isaac Newton (1642-1727)9, formou-se a anlise moderna clssica, com o deslocamento do centro da matemtica do mbito da geometria e dos mtodos sintticos para o mbito da aritmtica, da lgebra e dos mtodos analticos. Instituiu-se como base um conceito moderno de funo definida como uma relao entre variveis e no necessaria-mente proveniente de expresses analticas ou frmulas necessrio para uma definio de derivada como limite, de acordo com novos padres de rigor formal que passaram a ser aceitos como referncia entre os matemticos desde ento. Conforme Margaret Baron:

    O conceito de funo do sculo XVIII no estava precisamente definido. Alm dessa impreciso, ele dife-ria do conceito moderno em outro sentido. As expresses analticas de Euler no so funes no sentido moderno; so frmulas ou partes de frmulas; objetos com os quais se fazem clculos analticos. O con-ceito de funo como uma frmula implica uma restrio que no est includa no moderno conceito de funo. No sentido moderno, as funes no precisam necessariamente ter uma representao analtica, como uma frmula. H funes, no sentido moderno, que os matemticos do sculo XVIII hesitariam em aceitar como tal.10

    A institucionalizao dessas mudanas ocorreu paulatinamente nos diversos contextos nacionais, tendo como um dos indicadores mais significativos a sua incorporao nos livros didticos utilizados nos cursos superiores, a exemplo do Cours danalyse mathematique (1902) de Edouard Goursat (1858-1936), do Course of modern analysis (1902) de E.T. Whittaker (1873-1956), das Lezioni di analisi (1933) de Francesco Severi (1879-1961), e do Clculo diferencial e integral (1927) de Richard Courant (1888-1972).11

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    No Brasil, essa institucionalizao iniciou-se com a fundao da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras (FFCL) da Universidade de So Paulo (USP) em 1934 e da Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) da Universidade do Brasil (UBr) em 1939, quando comearam a funcionar os primeiros cursos de matemtica independentes dos cursos de enge-nharia com o objetivo de formar especialistas para o ensino e para a pesquisa na rea.12 Antes, a matemtica que era praticada nas escolas de engenharia brasileiras seguia geralmente os padres anteriores modernizao do sculo XIX, embora engenheiros como Otto de Alencar Silva (1874-1912), Manuel Amoroso Costa (1885-1928), Theodoro Augusto Ramos (1895-1935) e Luiz de Barros Freire (1896-1963), professores daquelas escolas, j possussem um conhecimento atualizado e defendessem a modernizao dos seus currculos e atividades matemticas.13

    At aquela poca, a matemtica que fazia parte da formao e do exerccio profissional do engenheiro consistia basicamente na mecnica racional, na geometria analtica, descritiva e projetiva, no clculo infinitesimal, alm da aritmtica, da lgebra, da trigonometria e da geometria euclidiana ensinadas no secundrio. Era essa a formao ne-cessria para a obteno dos graus de bacharel e de doutor em matemtica, atribudos nas escolas de engenharias. Por exemplo, na Escola Politcnica de So Paulo, de 1904 a 1932, o professor catedrtico Rodolfo Baptista de San Thiago (1870-1933) adotava o livro Premiers lements du calcul infinitesimal de Hyppolite Sonnet e dedicava a maior parte do tempo do curso que ministrava ao estudo das regras de derivao e integrao fundamentadas nas concepes infinitesimais de Newton e Leibniz.14

    A contribuio de matemticos estrangeiros, como o analista italiano Luigi Fantappi (1901-1956), foi muito im-portante para implantar, de forma sistemtica e efetiva nos currculos, a matemtica moderna que j consistia na base da formao profissional nos principais centros matemticos internacionais. Fantappi assumiu a ctedra de anlise matemtica e a direo do departamento de matemtica da FFCL em 1934 e teve como seu assistente o engenheiro Omar Catunda (1906-1986).15 Naquele ano ministrou um curso de anlise, cujas notas de aula foram redigidas por Ca-tunda. Em 1939, quando Fantappi retornou para a Itlia por causa da II Guerra Mundial, Catunda assumiu interinamente a ctedra de anlise e a direo do departamento, que manteve at sua aposentadoria em 1962.

    As notas de aulas do curso de anlise lecionado por Fantappi, em 1934, foram ampliadas e reformuladas pos-teriormente por Omar Catunda. Isto lhe possibilitou publicar em seu prprio nome o livro Curso de anlise matemtica, um dos primeiros livros sobre o assunto publicados no Brasil,16 que teve boa aceitao e foi largamente difundido no territrio nacional, principalmente durante os anos 50 e 60 do sculo XX.17 Inicialmente foram utilizadas apostilas mi-meografadas at 1952, quando foi publicada a primeira edio na forma de livro em sete volumes.18 Em 1962, Catunda publicou uma nova e definitiva edio revista e alterada, em dois volumes,19 na qual foram acrescentadas, por exemplo, as estruturas de ordem, algbricas e topolgicas, contedos apropriados, principalmente, do livro Foundations of modern analysis de Jean Dieudonn, um dos matemticos franceses do grupo Bourbaki20 que trabalharam na FFCL-USP nas dcadas de 1940 e 1950.

    Neste trabalho, faremos uma anlise comparativa do livro de Catunda com os Elementos de clculo diferencial e integral de Granville, com o Curso de anlise matemtica de Fantappi, e com o Foundations of modern analysis de Dieudonn, destacando algumas das principais diferenas e semelhanas existentes entre um e os outros, com o objetivo de mostrar como Catunda se apropriou da anlise matemtica moderna de razes europeias, j que seu livro foi inegavelmente um dos seus principais vetores de difuso no Brasil a partir de 1940.21

    A maioria das citaes foi do primeiro volume da edio de 1962, mas utilizamos tambm as edies an-teriores.22 As obras de Fantappi e Dieudonn foram escolhidas para a comparao porque tm uma abordagem moderna, sendo que a primeira foi a matriz do livro de Catunda e representa a tradio italiana, enquanto a segunda, alm de t-lo influenciado, como j foi dito acima, uma das principais referncias da escola Bourbaki.23 J o livro de Granville foi escolhido porque representava a tradio matemtica anterior modernizao ocorrida no sculo XX e geralmente difundida nos cursos de clculo ministrados nas escolas de engenharia brasileiras e mesmo nos cursos de matemtica de muitas faculdades de filosofia, uma vez que engenheiros formados de acordo com aquela tradio eram na maioria das vezes professores de ambas as instituies e optavam naturalmente por continuar

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    trabalhando com o conhecimento matemtico que dominavam em vez de modernizar seus cursos, mesmo tendo acesso a informaes e materiais para faz-lo.24

    Por exemplo, embora o programa oficial estabelecido pelo catedrtico de anlise da Faculdade de Filosofia da Bahia (FF), engenheiro Luiz de Moura Bastos, seguisse o programa padro da FNFi, elaborado pelo seu catedrtico, matemtico Jos Abdelhay, formado na primeira turma da FFCL, portanto j sob a influncia dos padres modernos difundidos por Fantappi, na prtica, as suas aulas de clculo ministradas de 1942 at 1968 seguiam o programa do livro de Granville. Arlete Cerqueira Lima, formada pela FF em 1955, comparou o ensino da FF com o da FFCL: Em 1957 estou na USP entrando pela primeira vez em contato com a chamada Matemtica Moderna: da teoria dos conjuntos as estruturas algbricas e topolgicas. Quanto ao Clculo Diferencial e Integral, em um ano, em So Paulo, foi dado tudo o que vi em quatro anos na Bahia, com o agravante de que, l o livro texto era o de Catunda e aqui, o de Granville.25

    O livro de Granville tinha de fato uma abordagem diferente daquela adotada nos cursos da FFCL e difundida pelo livro de Catunda, embora tenha servido muito bem e por muito tempo s demandas das escolas de engenharia. Segundo Elon Lages Lima, o livro de Granville:

    [...] era um livro de clculo estudado j pelos meus antecessores, o pessoal da gerao dos meus pais, que era um livro que teve um sucesso enorme e muito bem escrito, extraordinariamente bem feito sob o ponto de vista de clareza e organizao e era um livro que ditou uma poca porque ele marcava a supremacia, a hegemonia da manipulao com algumas aplicaes, mas aplicaes que se baseavam j em formas dadas. Ele no tinha modelagem. Ento, essa foi uma tendncia que predominou durante os anos da minha formao matemtica.26

    Nmeros e conjuntos numricos

    No livro de Catunda, a teoria dos nmeros reais precedida por uma introduo elementar do conceito de nmero, na qual os nmeros naturais so apresentados ora como resultado da operao de contar os elementos de um conjunto, ora quando se estudam as grandezas contnuas, como comprimento, rea, peso, etc., obtm-se o nmero como razo de duas grandezas homogneas, ou como medida de uma grandeza em relao outra da mesma espcie, tomada como unidade27. Contudo, ele usou os postulados de Peano mais adiante para apresentar a construo dos conjuntos numricos, dos naturais aos reais:

    I) 1 um nmero.

    II) Todo nmero tem um sucessor, que um nmero.

    III) 1 no sucessor de nenhum nmero.

    IV) Nmeros distintos tm sucessores distintos.

    V) Se um conjunto de nmeros contm o nmero 1 e se, do fato dele conter um nmero n, se deduz que ele contm o sucessor de n, ento esse conjunto contm todos os nmeros.28

    Esses dois aspectos do texto remetem-nos modificao ocorrida na matemtica no sculo XIX, quando uma concepo que associava os nmeros sempre s noes de quantidade e grandeza foi substituda por outra puramente abstrata. Os processos de contagem de objetos e medida de grandezas, que Catunda chamou de formas de obteno dos nmeros na matemtica elementar, correspondem concepo de nmero vigente na matemtica europeia at o sculo XIX, enquanto a construo lgico-axiomtica abstrata dos conjuntos numricos baseada nos axiomas de Peano parte do processo de fundamentao aritmtica da anlise matemtica segundo novos padres de rigor ocorridos na Europa a partir do sculo XIX.29

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    Catunda estava aderindo s concepes modernas quando afirmava que a construo de um edifcio lgico como a anlise matemtica dependia da reviso do conceito de nmero, que no poderia fazer apelos s noes exteriores de grandeza ou de quantidade.30 Nesse sentido, acrescenta que as propriedades, [...] conseqncias diretas dos postulados de Peano e das definies de soma, multiplicao e desigualdade, servem de fundamento a toda teoria dos nmeros inteiros, como o estudo dos sistemas de numerao, a teoria da divisibilidade e a dos nmeros primos.31

    Mais adiante, ele define nmeros racionais e nmeros relativos recorrendo definio de classes de equivalncia apresentada um pouco antes. Argumenta tambm que o conjunto de todas as fraes forma o campo racional absoluto, pois as fraes cujo numerador mltiplo do denominador comportam-se como nmeros inteiros, isto , so equiva-lentes a n/1. Com essa argumentao, concluiu que os nmeros naturais so partes do campo racional absoluto, em outras palavras, o campo dos racionais absolutos uma extenso dos nmeros naturais.

    Catunda ressalva, entretanto, que os nmeros racionais ainda no so suficientes, nem mesmo para a medida de grandezas [...]. Essa insuficincia corresponde impossibilidade de certas operaes, como a extrao da raiz qua-drada de 2,32 o que lhe possibilita continuar a construo do campo dos nmeros. Desse modo, define no campo dos racionais duas classes disjuntas, A de elementos a e A de elementos a, denominadas respectivamente de minorante e majorante, satisfazendo as seguintes propriedades:

    1) Todo nmero racional relativo, no mximo com uma exceo, est em uma e uma s das duas classes.

    2) Todo nmero menor que um nmero da classe A pertence a esta classe; todo nmero maior que um nmero de A pertence a esta.

    3) A classe A no tem mximo e a classe A no tem mnimo.33

    A partir dessas sees no campo racional, Catunda diz que o par de classes, o qual designou a/a, constitui o que chama seo ou corte do campo racional. Continua dizendo que:

    Quando existe uma exceo na propriedade 1), isto , quando existe um nmero racional r que no per-tence a nenhuma das classes, diz-se que a seco imprpria, ou racional; no caso contrrio, diz-se que a seco prpria. [...] Podemos ento identificar cada nmero racional com a seco imprpria que ele determina, as sees prprias sero chamadas nmeros irracionais.34

    Com essas consideraes, Catunda completa de forma dedutiva o seu processo de construo dos campos de nmeros, dando a definio de nmeros reais como toda seco prpria ou imprpria.

    O primeiro tpico do Curso de anlise matemtica de Fantappi tambm uma teoria dos nmeros reais, iniciada com uma exposio dos nmeros naturais e racionais muito parecida na sua forma com as apresentaes que encontramos hoje em dia em livros didticos para o ensino fundamental e mdio, embora muito mais rigorosa. Diferentemente de Catunda, os campos de nmeros naturais, inteiros e racionais so supostos conhecidos, as ope-raes aritmticas usuais so definidas e so verificadas as possibilidades de efetu-las em cada um destes campos propriedade algbrica do fechamento. As demais propriedades algbricas so tambm verificadas em cada caso. Em suma, partindo dos naturais, os conjuntos numricos so descritos pela ampliao das respectivas estruturas algbricas em decorrncia da necessidade de efetuar uma operao aritmtica fundamental.

    Todavia esse procedimento no mantido para a abordagem dos nmeros irracionais, que so apresentados a partir de uma referncia histrica um tanto anacrnica: A introduo dos nmeros irracionais se imps desde o tempo dos gregos, pelas necessidades da medida de grandezas em geometria.35 Ele apresentou uma construo geomtrica dos nmeros irracionais atribuda a Euclides e baseada na existncia de segmentos incomensurveis, como a diagonal do quadrado construda sobre um segmento unitrio. Segundo Fantappi, a definio euclidiana de nmero irracional como medida de grandeza incomensurvel com a unidade foi aceita at meados do sculo XIX quando Dedekind e Cantor procuraram estabelecer as bases da aritmtica de maneira completamente independente da geometria.36 Em seguida, Fantappi apresenta sua definio de nmero irracional baseando-se na suposta definio de Euclides:

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    [...] os dois pares de grandezas considerados A,B e C,D tm em comum duas classes bem definidas de nmeros racionais: a classe H das medidas por falta e a classe H das medidas por excesso, da primeira grandeza em relao segunda, em cada par. Esse par de classes de nmeros racionais, chamamos numero [sic] irracional , que diremos definido pelas duas classes H e H. Este numero irracional ser a razo A:B ou C:D, ou a medida de A em relao a B ou de C em relao a D.37

    Apesar de reconhecer as contribuies de Georg Ferdinand Ludwig Philipp Cantor (1845-1918)38 e Dedekind, inclusive utilizando posteriormente a definio dos irracionais feita por esse ltimo, Fantappi manteve no seu Curso a definio geomtrica de nmero irracional que ele atribuiu a Euclides, certamente porque considerou-as anlogas e compatveis, apesar da definio de Dedekind no fazer nenhuma meno s grandezas ou s suas medidas, muito pelo contrrio. Para ele, no havia problema algum na utilizao das duas definies, apesar de terem fundamentaes diferentes, uma geomtrica, outra analtica. Esse padro foi mantido na apresentao de outros tpicos e seguia na verdade a abordagem geomtrica tal como praticada naquela poca pela tradio matemtica italiana.

    Existem, no livro de Catunda, muitas definies anlogas s que foram dadas por Fantappi. Contudo observa-mos que houve alteraes na redao, embora fossem mantidas as mesmas bases tericas. Por exemplo, Fantappi apresenta o postulado da continuidade de Dedekind no tpico Representao dos nmeros reais sobre uma reta: Separados todos os pontos da reta em duas classes no vazias K e K tais que todo ponto de K preceda todo ponto de K, isto , efetuada uma partio dos pontos da reta, existe sempre um ponto P que, se pertence classe K segue todos os outros pontos desta classe e precede todos os da outra, e se pertence a K, segue todos os pontos de K e precede todos os outros de K.39

    Por sua vez, Catunda enuncia esse mesmo postulado da seguinte forma: toda partio efetuada entre os pontos de uma reta orientada determina um ponto A, que ou ltimo da primeira classe, ou o primeiro da segunda.40

    Granville no trata do conceito de nmero e dos conjuntos numricos da mesma forma que Catunda e Fantappi. Logo no primeiro captulo do seu livro, intitulado Formulrio, so apresentadas, para a comodidade do leitor, frmulas elementares da lgebra, da geometria plana, da trigonometria, da geometria analtica plana e espacial. Nesse mesmo captulo, afirmado que uma equao do 2 grau pode ter duas razes reais e diferentes, duas razes reais e iguais, ou duas razes imaginrias, a depender respectivamente do valor positivo, nulo ou negativo do discriminante. Aqui, o termo real no empregado no mesmo sentido moderno em que foi empregado por Catunda e Fantappi, referindo-se aos elementos abstratos do conjunto dos nmeros reais, tal como definido no sculo XIX, mas no mesmo sentido geomtrico de existir quantidades ou grandezas positivas, tal como era empregado at o sculo XVIII ou mesmo at meados do XIX, para se opor ao carter fictcio ou imaginrio das quantidades negativas ou das suas razes. Interpretamos assim, porque no h nenhuma meno aos nmeros reais ou ao conjunto dos reais em nenhuma outra parte do livro.

    Funo, constantes, variveis

    Tampouco o conceito de funo apresentado da mesma forma por Granville e por Catunda. Enquanto o ltimo utiliza-se da linguagem dos conjuntos introduzida na matemtica ao final do sculo XIX por Georg Cantor, a base para a definio de funo por Granville so as definies de varivel e de constante que aparecem na introduo do segundo captulo, Variveis, funes e limites, semelhantes quelas utilizadas por Euler em 1748: Quando numa investigao figura uma grandeza qual se pode dar um nmero ilimitado de valores, diz-se que a grandeza uma varivel. Se figura uma grandeza com valor fixo, diz-se que ela uma constante.41

    1. Une quantit constante est une quantit dtermine, qui conserve toujours la mme valeur.Tels sont les nombres de toute espece, qui conservent constamment la valeur quils ont une fois obtenue. [...] dans lAnalyse ordinaire qui na pour objet que des quantits dtermines, on dsigne ordinairement celles qui sont connues par les premieres lettres de lAlphabet, et celles qui ne le sont pas, par les dernieres; mais

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    cest une distinction laquelle on a moins gard dans la haute Gomtrie; on y envisage les quantits sous un autre aspect particulier, les unes tant considres comme constantes, et les autres comme variables.

    2. Une quantit variable est une quantit indtermine, ou, si lon veut, une quantit universelle, qui comprend toutes les valeurs dtermines.Une valeur dtermine quelconque pouvant tre exprime en nombre, il sensuit quune quantit variable comprend tous les nombres de quelque nature quils soient. [...] on peut la concevoir comme embrassant toutes les quantits dtermines. Au reste, on a coutume de reprsenter les quantits variables par les dernieres lettres de lAlphabet [...].

    3. Une quantit variable devient dtermine, lorsquon lui attribue une valeur dtermine quelconque.Elle peut donc le devenir dune infinit de manieres, puisquon peut lui substituer tous les nombre ima-ginables. [...] Ainsi une telle quantit comprend tous les nombres tant positifs que ngatifs, les nombres entiers et fractionnaires, ceux qui sont rationnels, irrationels et transcendants; on ne doit pas mme en exclure zero, ni les nombre imaginaires.42

    E as mesmas utilizadas por Cauchy em 1821: On nomme quantit variable celle que lon considre comme devant recevoir successivement plusieurs valeurs diffrentes les unes des autres. On dsigne une semblable quantit par une lettre prise ordinairement parmi les dernires de lalphabet. On appelle au contraire quantit constante, et on dsigne ordinairement par une de premires lettres de lalphabet toute quantit qui reoit une valeur fixe et dtermine.43

    Granville define funo de forma muito semelhante a Euler: Quando duas variveis esto relacionadas de modo tal que o valor da primeira conhecido quando se d o valor da segunda diz que a primeira varivel uma funo da segunda.44

    4. Une fonction de quantit variable est une expression analytique compose, de quelque maniere que ce soit, de cette mme quantit et de nombre, ou de quantits constantes.[...]

    5. Une fonction de variable est donc aussi une quantit variable.En effet, comme on peut mettre la place de la variable toutes les valeurs determines, la fonction recevra elle-mme une infinit de valeurs, et il est impossible den concevoir aucune, dont elle ne soit susceptible, puisque la variable comprend mme les valeurs imaginaires.45

    E mais ainda semelhante Cauchy, embora esse ltimo apresente uma definio envolvendo diversas variveis:

    Lorsque des quantits variables sont tellement lies entre elles que, la valeur de lune delles tant donne, on puisse en conclure les valeurs de toutes les autres, on conoit dordinaire ces diverses quantits exprimes au moyen de lune dentre elles, qui prend alors le nom de variable independante; et les autres quantits exprimes au moyen de la variable indpendante sont ce quon appelle des fonctions de cette variable.46

    Diferentemente de Granville, Catunda apresenta uma definio moderna de funo, embasada em leis de associao entre nmeros pertencentes a conjuntos portanto, utilizando a linguagem dos conjuntos e no mais nas noes de variveis ou de expresses analticas, como em Cauchy ou em Euler: Consideremos um conjunto linear C. Se a cada nmero x de C corresponde, de um modo bem determinado, um nmero y, dizemos que y uma funo de x, definida no campo C, e escreveremos (1) y = f(x). O conjunto C chama-se campo de definio da funo f.47

    A definio de Catunda tambm difere em certo sentido da definio moderna dada por Fantappi, que tambm usa a linguagem dos conjuntos:

    Consideremos um conjunto C de nmeros x, com mais de um elemento. Se a cada nmero x de C corres-ponde, de um modo bem determinado, um ou mais valores de uma outra quantidade y, dizemos que y uma funo de x definida no campo C, que se chama campo de definio, e indicamos essa correspon-dncia com a notao

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    y = f(x)ou por outro smbolo semelhante em que a letra f seja substituda por outra qualquer. Usa-se freqente-mente, por exemplo, a notao y = y(x).48

    Observemos inicialmente que as definies de Euler, Cauchy e Granville relacionam nmeros, funes, variveis e constantes com grandezas e quantidades, ao passo que a definio de Catunda relaciona apenas nmeros como elementos de um conjunto. J a definio de funo de Fantappi associa de um modo bem determinado os nmeros de um conjunto C, chamado de campo de definio, com um ou mais valores de uma outra quantidade y49, isto , h certa identificao da noo de nmero com a noo de quantidade, assim como h a possibilidade de uma associao plurvoca entre x e y e no unvoca, como na definio de Catunda.

    A definio moderna de funo, tal como apresentada por Catunda, a base para a definio de continuidade segundo os padres modernos de rigor institudos a partir do sculo XIX na matemtica, diferentemente do que era entendido por continuidade no sculo XVIII pelos matemticos em geral.

    Por exemplo, Euler, aps dar menos nfase nas representaes analticas, buscou argumentar em torno da continuidade, estabelecendo uma representao geomtrica de uma funo qualquer a partir da descrio mecnica de vrias linhas curvas gerais, particularmente linhas retas infinitas, pelo movimento contnuo de um ponto. Para isso, Euler definiu quantidade varivel em uma linha reta infinita dizendo que:

    1. Une quantit variable tant une grandeur considre en gnral, qui renferme toutes les valeurs dter-mines; une droite indefinie, telle que RS, sera trs propre reprsenter, en gomtrie, une quantit de cette nature. En effet, puisquon peut prendre sur une droite indfinie, une partie quelconque, qui ait une valeur dtermine, cette ligne prsente lesprit la mme ide de grandeur, que la quantit variable. Il faut donc, avant tout, fixer sur une ligne indfinie R S un point A, qui ser cens lorigine des grandeurs dtermines, quon en sparera; ainsi une portion dtermine AP reprsentera une valeur dtermine comprise dans la quantit variable.

    2. Soit donc x une quantit variable, reprsente par la droite indfinie RS; il est clair que toutes les va-leurs dtermines de x, pourvu quelles soient relles, peuvent tre exprimes par des portions prises sur la ligne RS.50

    ento fazendo uso dessa concepo de quantidade varivel que Euler trouxe a representao geomtrica de uma funo qualquer da seguinte forma: 4. [...]. Soit y cette fonction de x; laquelle par consquent recevra une valeur dtermine, si on substitue pour x une valeur donne. Ayant pris une droite indfinie R A S pour reprsenter les valeurs de x, il faudra, pour chaque valeur dtermine A P de x, lever sur cette ligne une perpendiculaire PM, gale la valeur correspondante de y [...].51 A partir dessa representao geomtrica de uma funo, Euler concluiu que:

    6. [...]. Ainsi chaque fonction de x, raporte de cette manire la gmetrie, donnera une ligne droite ou courbe, dont la nature dpendra de celle de la fonction y.

    7. On connot [sic] parfaitement, en suivant ce procd, la ligne courbe qui rsulte de la fonction y, puisque cest cette function qui en dtermine tous les points []

    8. []. Ainsi une fonction quelconque de x donnera une certaine ligne droite ou courbe; do il suit que rciproquement on pourra rapporter aux fonctions les lignes courbes.52

    Dentro desse contexto, Euler afirmou que da ideia de linhas curvas decorre a sua diviso em contnuas uma nica funo definida sobre x e, descontnuas ou mistas e irregulares funes que no so exprimidas por apenas uma nica lei constante, uma vez que so formadas por partes de diferentes curvas contnuas.53

    Assim, baseando-nos nessas colocaes do prprio Euler, parece-nos mesmo considerando que se referia a uma definio de funo diferente ao contexto que foi modernamente estabelecido, uma vez que tratava de um modo geral de funes analticas que ele considerou a continuidade como inerente s funes trabalhadas, j que supunha, tal como outros matemticos de sua poca, que as suas funes eram bem comportadas, ou seja, sempre contnuas.

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    Em suma, definies modernas de funo, limite e continuidade foram apresentadas de acordo com certo padro de rigor institucionalizado pelos matemticos apenas no final do sculo XIX, principalmente depois de Weierstrass.

    Continuidade e limite

    Catunda apresentou primeiro uma explicao no-rigorosa de continuidade: pode-se dizer, de maneira pouco rigorosa, que uma funo contnua quando para pequenas variaes da varivel independente, ela tambm sofre pequenas variaes54. Comparemos essa explicao com aquela apresentada por Cauchy: [...] la fonction f(x) restera continue par rapport x entre les limites donnes, si, entre ces limites, un accroissement infiniment petit de la variable produit toujours un accroissement infiniment petit de la fonction elle-mme.55 Note-se que Catunda no utiliza infinita-mente pequeno como Cauchy, mas era essa na verdade a forma usual de definir continuidade antes da aritmetizao da anlise, e foi por isso que ele qualificou-a de pouco rigorosa. Todavia, mais adiante, ele define continuidade de acordo com os padres modernos estabelecidos por Weierstrass na segunda metade do XIX, com o uso de e :

    [...] diz-se que uma funo f, definida num campo linear C, contnua em um ponto de acumulao a de C, se tivermos

    (1) lim f(x) = f(a)

    xa

    [...] Mais explicitamente, notando que pela definio tanto a como f(a) devem ser finitos, podemos dizer que f(x) contnua em a, se a cada nmero >0 corresponde um [sic] >0, tal que a condio

    (2)x a

    acarreta

    (3)f(x) f(a) 56

    Esta no foi a linguagem utilizada por Granville na sua abordagem de continuidade, que nem sequer explicou a noo conforme Cauchy. Numa nota de rodap, ele comentou que as funes utilizadas no livro sero sempre contnuas para todos os valores de x, exceto certos valores isolados. Depois de apresentar um exemplo, ele generalizou a noo de continuidade: supondo a funo f(x) definida num ponto a, se o seu limite quando x tende a a for igual ao valor da funo para x =a, ento essa funo se diz contnua para x = a. Ou seja,

    Se lim f(x) = f(a), ento f(x) contnua em x = a 57

    xaVale salientar que essa definio no fazia parte do clculo infinitesimal desenvolvido por Leibniz

    e Newton, embora, de um modo geral, Granville siga as ideias preconizadas por esses matemticos e de outros do sculo XVIII, como Euler.

    At o sculo XIX, os matemticos buscavam uma teoria de fundamentao para o clculo em bases livres de conceitos metafsicos, tal como a concepo dos infinitesimais dada com argumentaes diferentes e de forma inde-pendente por Leibniz e por Newton. De modo geral, Leibniz e Newton, sem demonstrar os seus princpios, supunham que quantidades que se diferem apenas por uma quantidade infinitamente pequena poderiam ser consideradas iguais58

    Dentre aqueles que buscaram uma nova fundamentao para o clculo podemos citar Joseph Louis Lagrange (1736-1813). Diferentemente e discordando de outros matemticos, a exemplo de Jean Le Rond dAlembert (1717-1783), que procurou dar uma resposta para essa questo atravs de um conceito de limite essencialmente geomtrico,59 Lagrange construiu o mtodo de clculo das funes derivadas com base nas sries de potncias, demandando apenas operaes algbricas. Nesse sentido, Lagrange faz a seguinte exposio:

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    Considrons donc une fonction fx dune variable quelconque x. Si la place de x, on y met x + i, i tant une quantit quelconque indtermine, elle deviendra f(x + i), et par la thorie des sries, on pourra la dvelopper en une srie de cette forme

    fx + pi + qi2 + ri3 + ...,

    dans laquelle les quantits p, q, r, etc., coefficients des puissances de i, seront de nouvelles fonctions de x, drives de la fonction primitive x, et indpendantes de lindtermine i.60

    O esforo de analistas do sculo XVIII, como dAlembert e Lagrange, em fundamentar o clculo sem contradies lgicas, abriram caminho para os matemticos do sculo XIX, a exemplo de Cauchy, construrem uma definio de limite fazendo uso de nmeros, variveis, funes, sem apelo a intuio geomtrica.

    Desta forma, entendemos que o clculo que Cauchy e tantos outros matemticos do sculo XIX ajudaram a transformar no foi construdo de um espao vazio, muito pelo contrrio. Nesse processo houve a apropriao de muitos conceitos trabalhados por Newton e Leibniz e seus seguidores. Isto, de certa forma, justifica termos percebido que Granville, no seu livro, se aproxima tambm das ideias apresentadas por Cauchy nas primeiras dcadas do XIX, como acontece por exemplo com a definio de limite de uma varivel:

    Diz-se que a varivel v tende a uma constante l, ou que o limite de v l, se, dado um nmero positivo qualquer e, ainda que muito pequeno, os valores sucessivos de v se aproximam de l de modo tal que a diferena v l seja, em valor absoluto, menor do que . Escreve-se lim v = l. Usa-se, tambm, por como-didade, a notao v l, que se l v tende a l(alguns autores usam a notao v l).61

    Lorsque les valeurs successivement attribues une mme variable sapprochent indfiniment dune va-leur fixe, de manire finir par en diffrer aussi peu que lon voudra, cette dernire est appele la limite de toutes les autres.62

    Mas, apesar de definir inicialmente o limite de uma varivel, Granville apresenta-nos tambm o limite de uma funo:

    Temos uma varivel v e uma dada funo z de v. A varivel independente v toma valores tendendo a l e temos que examinar os valores da varivel dependente z, em particular, determinar se z tende a um limite. Se existe uma constante a tal que lim z = a, ento se escreve

    lim z = a,

    vl

    que se l limite de z, quando y tende a l, igual a a.63

    Catunda apresentou inicialmente uma histria do conceito matemtico de limite, trazendo referncias s definies de Cauchy e de Bolzano,64 ambas elaboradas no sculo XIX. Diferentemente de Fantappi, que em seu Curso apresen-tou somente uma definio formal de limite, Catunda primeiramente definiu limite da seguinte forma: [...] pode-se definir o limite de uma funo y= f(x) qualquer, definida em um campo C com ponto de acumulao a, da seguinte maneira: dizemos que f(x) tem limite b, ou que f(x) tende a b (f(x) b) para x tendendo a a (xa) se, quando x varia aproximando-se de a, o valor de y torna-se cada vez mais prximo de b.65

    Segundo Catunda, a noo um pouco vaga de proximidade, ou de aproximao, pode-se tornar mais rigorosa e mais geral quando se usa a noo de vizinhana66. Nessa sua escolha, buscava conciliar sempre que possvel aquilo que entendia como rigor com aquilo que chamava de intuio. Nesse sentido, Catunda acreditava que os alunos, ao conseguirem dar um significado s teorias da matemtica, poderiam ampliar os seus conhecimentos sobre essa rea, que se tornariam intuitivos na medida em que internalizavam novas teorias. Para tanto, considerava que tais teorias se tornariam intuitivas se elas fossem trabalhadas inicialmente recorrendo a exemplos do mundo sensorial ou de desenhos. Desse modo, segundo o prprio Catunda, quando introduzia o conceito de curvatura, chamava a ateno dos seus alunos para a ideia corrente de curva mais ou menos fechada, como no caso da trajetria de um automvel;

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    ou mesmo quando fazia uso do teorema da existncia e unicidade das equaes diferenciais ordinrias, invocava as figuras, formadas pela limalha de ferro em um campo magntico, em que apareciam as linhas de fora, tornando, para ele, tal teorema intuitivo.67 Ratificando Catunda, Gilberto Loibel, que foi seu aluno em 1953 e 1954, disse que:

    a- no curso de equaes diferenciais parciais lembro que ele usava desenhos, por exemplo para descrever como seria possvel obter as superfcies integrais como limite de superfcies polidricas multifacetadas que representariam pedaos de planos tangentes. Usava tambm gestos com as mos para descrever figuras espaciais. b- em uma conferncia que assisti em meu tempo de estudante o prof. Catunda explanou sua viso sobre a intuio matemtica. Ele afirmava algo assim: Na medida em que um matemtico amplia seus conhecimentos ele incorpora em seu acervo novos contedos, conceitos, resultados que sero intuitivos para ele assim que ele os domina perfeitamente. Assim o que teoria difcil para um iniciante torna-se material intuitivo para quem j avanou mais. No existe algo intuitivo em si, mas algo intuitivo para uma determinada pessoa.68

    Essa proposta de Catunda contrasta com outras obras modernas, tal como Foudations of modern analysis, de Jean Dieudonn, integrante do grupo Bourbaki, que se propunha a construir toda a matemtica com base nas estruturas, e.g. de ordem, algbricas, topolgicas, privilegiando os mtodos algbricos e analticos. De fato, a anlise moderna no acompanhada de interpretaes geomtricas nesse livro.

    Catunda, apesar de ter tido contato com Jean Dieudonn no perodo em que este trabalhou na USP e de ter efetivamente utilizado o Foudations of modern analysis na atualizao do primeiro volume do seu livro publicado em 1962, afirmou que recorreu sempre que possvel intuio geomtrica antes de apresentar um determinado assunto de forma rigorosa. Assim, somente aps apresentar limite de uma forma que ele chamou de intuitiva, definiu limite formalmente:

    A funo y=f(x) tem limite b para x tendendo a a, se a cada vizinhana de b corresponde uma vizi-nhana de a, tal que para todo ponto xa do campo C, pertence vizinhana , o valor de y est na vizinhana .

    [...]

    No caso das funes definidas no campo real e com valres reais, podemos considerar primeiramente o caso em que a e b so finitos, e limitar a considerao s vizinhanas simtricas dsses pontos. Podemos dizer portanto que y tende a b, para x [] a, quando, dado o nmero > 0 arbitrrio, se pode determinar em correspondncia um nmero positivo , tal que para todo x de C satisfazendo condio

    0

  • 222

    Com efeito, sejam lim y1= b1 e lim y2 = b2. Dado ento >0 arbitrrio, podemos determinar uma vizinhana de a onde se tenha ao mesmo tempo, para xa, y 1 - b1 /2 e y 2 - b2 /2. Destas igualdades segue-se:

    (y1 + y2) (b1 + b2) ,

    que demonstra a igualdade (1).72

    Catunda no recorreu noo de infinitsimos para provar esse e outros teoremas, tal como fez Granville, que definiu primeiro infinitsimo, demonstrou teoremas relativos aos infinitsimos, para depois utiliz-los nas provas dos teoremas sobre limites. Granville diz que infinitsimo ou infinitamente pequeno uma varivel v que tende a zero: lim v = 0 ou v0. Assim, segundo ele, decorre que: Se lim v = l, ento lim (v l) = 0, isto , a diferena entre a varivel e o seu limite um infinitsimo. Reciprocamente, se a diferena entre uma varivel e uma constante um infinitsimo, ento a varivel tende constante.73 Os teoremas relativos aos infinitesimais demonstrados na obra de Granville so:

    I - Uma soma algbrica de n infinitsimos um infinitsimo, sendo n um nmero fixo.

    [...]

    II - O produto de uma constante c por um infinitsimo um infinitsimo;

    [...]

    III - O produto de n infinitsimos um infinitsimo, sendo n um nmero fixo;

    [...]

    IV Se lim v = l e l diferente de zero, ento o quociente de um infinitsimo i por v tambm um infinitsimo.74

    Baseado nesses teoremas, Granville demonstra trs teoremas sobre limites:

    (1) lim (u + v w) = A + B - C

    xa

    (2) lim (u.v.w) = ABC

    xa

    (3) lim u/v = A/B, se B no zero

    xa

    onde, u,v e w so funes de uma varivel x e que

    lim u = A; lim v = B; lim w = C 75

    xa xa xa

    Por exemplo, o teorema (1) provado por Granville da seguinte forma:

    Seja

    (1) u A = i; v B = j; w C = k

    Ento i, j, k so funes de x e cada uma delas tende a zero quando xa, isto , elas so infinitsimos [...]. Das equaes (1) obtemos

    (2) u + v w ( A + B C) = i + j - k

    O segundo membro um infinitsimo pelo teorema I [...] [teorema relativos aos infinitsimos - Uma soma algbrica de n infinitsimos um infinitsimo, sendo n um nmero fixo], logo, [...] [pela definio de infinitsimos]

    (3) lim ( u + v w) = A + B C

    xa 76

    Analogamente so provados os outros dois teoremas sobre limites.

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    Derivadas e diferenciais: interpretaes fsicas e geomtricas

    Alm das diferenas tericas, Granville privilegia o uso de regras ou mesmo de exemplos especficos para encaminhar a soluo dos problemas do clculo, enquanto Catunda recorria s suas demonstraes rigorosas, pois, em conformidade com o pensamento matemtico moderno, as teorias matemticas devem ser demonstradas e, portanto, somente com base nas demonstraes que os problemas do clculo ou da anlise matemtica deveriam ser resolvidos.

    Por exemplo, no captulo VI, Derivadas e diferenciais, Catunda definiu formalmente derivada da seguinte forma:

    Seja y = f(x) uma funo definida em um intervalo a b. Para estudar o comportamento dessa funo nas vizinhanas no ponto xo dsse intervalo, vamos considerar o acrscimo, ou incremento

    y = y yo = f(x) f(xo)

    dessa funo, correspondente ao acrscimo x = x x0, da varivel independente, onde x outro ponto qualquer de a b. Chama-se razo incremental de f(x) no ponto xo, o quociente

    (1) y f(x) f(xo)

    x (x xo)

    Esta razo uma funo de x, definida em todos os pontos de a b com exceo de xo. Quando esta razo tem, para xxo , ou x0, um limite finito, diz-se que a funo f(x) derivvel no ponto xo ; sse limite se chama ento derivada de f(x) no ponto xo e se designa com a notao f(xo).

    77

    Catunda apresentou tambm uma interpretao geomtrica de forma anloga da que foi exposta por Fantappi na sua apostila:

    Consideremos a curva de equao

    (1) y = f(x)

    cujo segundo membro uma funo definida num intervalo. Fixado nessa curva um ponto Po, de coordenadas xo e yo =f(xo), a cada ponto x xo do intervalo de definio, corresponde um ponto P da curva, e portanto, uma secante P0P, cujo coeficiente angular dado, em grandeza e sinal, como se v pela figura, pela razo incremental

    (2) QP y yo y 78

    PoQ x xo x

    Prosseguindo a interpretao geomtrica da derivada, da mesma forma que Fantappi, Catunda afirma que, se x tender a xo, o ponto P, que est sobre a curva, tender a Po, e se a razo (2) tiver um limite finito, ou seja, y = f(xo), a reta PoT, de coeficiente angular y, ser a posio limite para a qual a secante varivel PoP deve tender. Assim, PoT dita tangente da curva y = f(x) e a sua equao em coordenadas correntes X e Y (y yo) = y(x xo).

    Catunda enfatiza que, no caso de os eixos serem retangulares, a derivada y ser igual tangente trigonomtrica do ngulo que a tangente curva no ponto P0 forma com o eixo Ox. Desse resultado, Catunda deduziu tambm que a equao da normal (x xo) + y(y yo) = 0.

    Desse modo, Catunda faz a interpretao geomtrica da derivada a partir do desenho da curva da equao y=f(x), tentando, no nosso entendimento, ilustrar geometricamente a definio algbrica de derivada, diferentemente de Granville, que preferiu fazer essa interpretao, no seu livro, a partir de uma regra geral de derivao, subdividida em quatro passos, a saber:

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    Primeiro Passo. Substitui-se x por x + x e coloca-se o novo valor da funo, y + x.

    Segundo Passo. Subtrai-se o dado valor da funo do novo valor, achando-se, assim, y (o acrscimo da funo).

    Terceiro Passo. Divide-se y (acrscimo da funo) por x (acrscimo da varivel independente).

    Quarto Passo. Acha-se o limite do quociente quando x (acrscimo da varivel independente) tende a zero. Este limite a derivada.79

    Em nossa leitura, Graville pareceu mais preocupado em apresentar diretrizes preestabelecidas para resolver uma srie de problemas prticos do que com a questo da compreenso da definio de derivada. Fato, de certa forma, muito comum no s entre os autores de livros, mas tambm daqueles que gerenciavam o ensino da matemtica nas instituies de nvel superior dessa poca, nas quais as teorias da matemtica eram apenas uma ferramenta para viabilizar a prtica da engenharia, sem existir uma preocupao prvia com a origem e com as limitaes que as regras preestabelecidas poderiam ter dentro das teorias estudadas.

    Aps a interpretao geomtrica do quarto passo da regra geral, Granville enuncia o seguinte teorema: O valor da derivada na abscissa de um ponto de uma curva igual ao coeficiente angular da tangente curva nesse ponto.80

    Tal teorema importante, segundo ele, nas aplicaes do clculo diferencial geometria razo pela qual ele considera necessrio [...] primeiro, recordar a definio de reta tangente a uma curva num ponto P da curva.81 Ainda em suas prprias palavras:

    Por P e por um outro ponto Q da curva (V. figura) tracemos uma reta PQ. Fazendo Q tender a P, movendo-se sobre a curva, a reta PQ girar em torno de P e a sua posio a tangente em P.

    Seja (1) y=f(x)

    a equao da curva AB. (V. figura).82

    Assim, Granville derivou a equao y=f(x) pela regra geral de derivao j apresentada anteriormente.

    Vale notar que, alm da anlise de Catunda ter buscado argumentos diferentes daqueles utilizados por Granville, ela ainda o excede quando discute que se a razo

    (2) QP y yo y

    PoQ x xo x

    tem limite infinito para x x0, isso corresponderia a uma tangente paralela ao eixo Oy, cuja equao seria X =xo e, se os eixos forem ortogonais, a normal seria paralela ao eixo Ox, de equao Y= yo.

    Desse modo, concluiu que: [...] a condio necessria e suficiente para que uma curva de equao (1) [y=f(x)] tenha tangente em seu ponto P0(xo,yo) que a razo incremental (2) tenha limite para x 0; para que exista tan-gente no paralela a Oy, necessrio e suficiente que sse limite seja finito, isto , que exista a derivada f(xo).

    83

    Catunda finalizou a sua interpretao geomtrica da derivada de uma funo fazendo uma discusso que no vista no Curso de Fantappi. Tal discusso sobre os problemas da determinao da tangente, quando esta dada em equaes paramtricas. Argumenta que a equao assim definida pe o problema da determinao da tangente sob uma forma mais simtrica e elegante. Em outro momento, Catunda faz uma longa interpretao mecnica da primeira e da segunda derivada. Escreve, dentre outras coisas, que a noo de derivada no tem s aplicao na fsica e na mecnica, mas tambm em cincias como a biologia, a sociologia e a psicologia.

    Ainda nesse captulo, do mesmo modo como exposto no Curso de Fantappi, Catunda demonstrou as regras de derivao. Contudo, afirmou que os teoremas sobre as regras de derivao so baseados nos teoremas sobre limites,

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    vlidos tanto para a derivada esquerda como para a derivada direita das funes consideradas. As igualdades demonstradas so:

    a) (y z) = y z;

    b) (ky)= ky ( k constante);

    c) (yz) = yz + yz

    d) (y)/z = (zyyz)/z2 ( supondo z 0 no ponto x)

    Onde, segundo Catunda, y e z so duas funes de x definidas num mesmo intervalo e derivveis (e portanto contnuas) num ponto x do mesmo84. Essas igualdades so demonstradas por Catunda sem fazer uso da regra geral ou regra dos quatro passos utilizada por Granville na demonstrao das regras de derivao. Por exemplo, a derivada de uma soma demonstrada por Granville como:

    Seja y = u + v w

    Pela Regra Geral,

    Primeiro Passo. y +y = u + u +v+ v w -w.

    Segundo Passo. y = u + v - w.

    Terceiro Passo. y u + v - w.

    x x x x

    Ora (24) [neste momento Granville recorre sua definio de derivada de uma funo de uma varivel: Derivada de uma funo o limite da razo do acrscimo da funo para o acrscimo da varivel inde-pendente, quando este ltimo tende a zero85]

    lim u = du ; lim v = dv ; lim w = dw

    x0 x dx x0 x dx x0 x dx

    Logo, por (1), 16 [ou seja, lim (u + v w) = A + B C]

    Quarto Passo. dy du + dv dw

    dx dx dx dx

    d (u+ v w) du + dv dw .

    dx dx dx dx

    [Granville afirma ainda que]

    A demonstrao para a soma algbrica de um nmero finito qualquer de funes anloga.86

    Em Catunda, a derivada anloga demonstrada a partir da considerao de que: As regras [ou seja, referentes s regras de derivao] a) e b) exprimem que a operao de derivao de uma funo uma operao linear, isto , distributiva em relao soma e permutvel com o produto por uma constante.87

    Complementa informando que: Para demonstrar, indiquemos em geral com f o incremento de uma funo f, relativa ao incremento x da varivel independente. E continua:

    [...] a) (y z) = (y +y) (z +z) (y z) = y z

    x x x x

    e passando ao limite para x0 temos a primeira frmula [igualdade a)] a qual se estende para o caso de um nmero finito qualquer de parcelas. 88

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  • 226

    Consideraes finais

    Depois dessa anlise comparativa do livro Curso de anlise matemtica de Omar Catunda com os livros Elemen-tos de clculo diferencial e integral de Granville, Curso de anlise matemtica de Fantappi e Foundations of modern analysis de J. Dieudonn, identificamos alguns elementos que indicam ao nosso juzo a sua forma peculiar de se apropriar da anlise matemtica moderna, caracterstica da sua contribuio para a institucionalizao da matemtica moderna no Brasil, na medida em que esse livro foi largamente difundido e utilizado89 nos cursos de matemtica em vrias regies do pas.

    Como destacamos na introduo, as abordagens modernas do clculo e da anlise matemtica, dentre as quais inclumos o livro de Catunda, caracterizam-se em geral pela utilizao de conceitos modernos de nmero e de funo, base para a abordagem dos limites, das derivadas e da continuidade na linguagem dos conjuntos, com as notaes em psilons e deltas, diferenciando-se das abordagens anteriores, como aquela adotada por Granville, nas quais esto ausentes esses conceitos, incluindo a abordagem das derivadas que feita com base nos infinitsimos e das demons-traes e provas que no atendem aos mesmos padres de rigor alcanados nos tratados modernos.

    Dentro dessa perspectiva, na historiografia da matemtica podem-se evidenciar alguns aspectos do processo de constituio da matemtica moderna, tais como: profissionalizao, disciplinarizao, especializao, unificao e generalizao do mtodo cientfico, que baseado, dentre outros, na algebrizao e na axiomatizao. Tal processo comeou a ser constitudo principalmente a partir do sculo XIX, portanto no era um padro na matemtica praticada antes desse perodo, que hoje chamamos de clssica. A prtica da matemtica no perodo prioritariamente anterior ao sculo XIX se confundia, por exemplo, com a fsica e os seus ramos como a mecnica e a astronomia, pois no se tinha estabelecido a matemtica como um campo disciplinar autnomo de investigao. Ainda, o desenvolvimento da lgebra tornou-se outro ponto fundamental para a constituio da matemtica moderna. A lgebra passou a ser imprescindvel no estudo das relaes matemticas. At o comeo do sculo XIX, ela no era mais que a teoria das equaes, que eram geralmente associadas a problemas particulares, cujas solues eram quase sempre dadas abordando cada caso em separado, isto , atravs do mtodo sinttico.90 Assim, os matemticos tomaram a aritmtica como a linguagem da lgebra e instituram uma nova caracterizao para os nmeros. Estes deixaram de ser associados ideia emprica de quantidade para serem concebidos como smbolos abstratos, sem qualquer referncia realidade concreta.

    Catunda segue esses padres modernos no seu livro de anlise matemtica, mas no apenas na abordagem moderna clssica da anlise, tendo em vista que se apropriou tambm das ampliaes da anlise nos campos algbri-cos e topolgicos, seja por conta da influncia de Fantappi no trabalho com os funcionais analticos, seja por conta da influncia da escola Bourbaki, seja por conta da influncia americana decorrente do perodo em que passou nos Estados Unidos91 e dos contatos posteriores. Todavia, Catunda tinha uma caracterstica que era prpria, expresso dessa sua formao ecltica, resultante dessa diversidade de influncias cientficas recebidas: a proposta metodolgica e didtica de associar aquilo que chamava de intuio, concretizada sempre pelos exemplos e referncias geomtricas, com aquilo que chamava de rigor, na adeso aos padres de linguagem, analticos e lgicos, tpicos da matemtica moderna.

    De fato, ao longo da sua trajetria profissional, Omar Catunda atualizava continuamente a sua cultura cientfica e os seus conhecimentos matemticos. Isso contribuiu para que ele assimilasse no seu Curso todas as influncias a que foi submetido, fossem da escola bourbakista, fossem os cursos de clculo avanado de origem americana, sem se esquecer, claro, da tradio italiana. por isso que se destaca o tempo todo, tanto nas aulas ministradas, quanto nas pginas do livro, uma referncia sistemtica geometria sempre acompanhada do tratamento algbrico-analtico dos assuntos e uma abordagem didtica baseada na complementaridade entre o que chamava de intuio e os padres vigentes de rigor. Catunda acreditava firmemente que essa abordagem ajudaria os alunos na aprendizagem dos assuntos ensinados.

    Todavia, essa abordagem didtica no foi determinante para o sucesso do livro de Catunda entre os estudantes e professores, segundo depoimentos de alguns dos seus ex-alunos, uma vez que suas aulas e seu livro eram reconhe-

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    cidos como pouco acessveis, complexos e de difcil compreenso. Na verdade, houve lugares em que esses foram motivos para que a anlise matemtica moderna fosse mal recebida e rechaada.92 Portanto, ao nosso juzo, combina-ram-se dois fatores primordiais para que o Curso de anlise matemtica de Omar Catunda cumprisse o seu papel na institucionalizao da matemtica moderna no Brasil: para que a corporao cientfica e profissional de matemticos que se formava no Brasil naquele perodo iniciasse seu processo de reconhecimento internacional era crucial a insti-tucionalizao de prticas e de conhecimentos matemticos nos espaos de ensino e pesquisa segundo os padres e as referncias vigentes internacionalmente; consequentemente, a anlise matemtica, uma das reas tradicionais de pesquisa matemtica no mbito internacional, abordada segundo esses padres, ocuparia naturalmente um lugar fundamental na formao dos novos profissionais da rea. Por outro lado, sendo a FFCL-USP um dos centros onde se iniciou a institucionalizao da matemtica moderna no Brasil,93 Omar Catunda, seu primeiro catedrtico de anlise matemtica, tinha naturalmente reservado um lugar de destaque nesse processo, que ocupou efetivamente, dentre outras formas, com a publicao do seu Curso.

    Sem ter como objetivo estabelecer uma controvrsia acerca da prioridade, cabe destacar que o livro de Catunda, por ser uma das primeiras obras de anlise matemtica moderna publicada no pas em lngua verncula, tornou-se efetivamente um instrumento privilegiado da difuso desse ramo da matemtica moderna no Brasil, pois foi durante muito tempo a nica ou principal referncia para muitos estudantes e professores, que ainda hoje considerado por muitos como um livro bem escrito, moderno e rigoroso.

    Notas e referncias bibliogrficas

    Andr Mattedi Dias doutor em Histria Social, USP. Professor adjunto do Programa de Ps-Graduao em Ensino, Filosofia e Histria da Cincia UEFS/UFBA. Eliene Barbosa mestre em Ensino, Filosofia e Histria da Cincia UEFS/UFBA. Professora Assistente da UEFS. Agradecemos a Janice Cassia Lando (UESB), Ins Anglica Andrade Freire (UESB) e Mariana Moraes Lbo Pinheiro integrantes do Grupo em Histria das Cincias com nfase na Bahia do PPGEFHC UFBA/UEFS pelas suas crticas e sugestes a esse texto. E-mails: [email protected] e [email protected]

    1 TRUIK, Dirk J. Mathematics in the early part of the nineteenth century. In: BOS, Henk J.M.; MEHRTENS, Herbert; SCHNEIDER, Ivo (Eds). Social history of nineteenth-century mathematics. Boston: Birkhuser, 1981, p. 6-20.

    2 JAHNKE, Hans Niels; OTTE, Michael. Origins of the program of arithmetization of mathematics. In: BOS; MEHRTENS; SCHNEIDER, op. cit., p. 28-35.

    3 SCHNEIDER, Ivo. The professionalization of mathematics and its educational context: introduction. In: BOS; MEHRTENS; SCHNEIDER, op. cit., p. 75-88; SCHUBRING, Gert. The conception of pure mathematics as an instrument in the professionalization of mathematics. In: BOS; MEHRTENS; SCHNEIDER, op. cit., p. 111-134; BEN-DAVID, J.; ZLOCZOWER, A. The growth of institutionalized science in Germany. In: BARNES, Barry (Ed.). Sociology of science. Harmondsworth: Penguin Books, 1972.

    4 HOUZEL, Christian. Notice. In: EULER, Lonard. Introduction lanalyse infinitesimale. Paris: ACL, 1987. Disponvel em: http://gallica.bnf.fr. Acesso em: 16 mar. 2007.

    5 Atualmente, a anlise a parte da matemtica que estuda as funes utilizando os mtodos dos limites, sejam definidas no conjunto dos nmeros reais ou dos complexos anlise clssica ou em espaos de objetos quaisquer onde estejam definidos vizinhana espaos topolgicos ou distncia espaos mtricos. Por exemplo, a anlise funcional estuda espaos de funes, como os de Banach ou de Hilbert. NIKOLSKII, S. M. Mathematical analysis. In: HAZEWINKEL, Michiel (Ed.). Encyclopaedia of mathematics. Berlim: Springer-Verlag, 2002. Disponvel em: http://eom.springer.de/M/m062610.htm. Acesso em: 15 jun. 2008.

    6 Durante o sculo XVIII, os nmeros, na inseparvel conexo com o conceito de quantidade, representavam o objeto real do campo da matemtica, e a lgebra e o clculo simblico da matemtica eram considerados

    meramente como a linguagem que permitia representar de forma fcil e sugestiva as relaes entre os nmeros e as quantidades. Esse status tornou-se precisamente inverso no sculo XIX. A lgebra inclua diretamente agora as relaes matemticas reais, que se constituam a matria sob estudo, enquanto a aritmtica, por sua parte, tornou-se a linguagem da lgebra em relao com toda a matemtica, pelo meio da qual, e na qual, todos os fatos matemticos deveriam ser expressos. Esse processo de aritmetizao finalmente culminou, ao final do sculo, no fato de que a consistncia da matemtica ficou reduzida consistncia da aritmtica, elevando a aritmtica posio de cincia fundamental da prpria matemtica. (traduo livre). JAHNKE; OTTE, op. cit., p. 28-29.

    7 BOYER, Carl B. The concepts of the calculus: A critical and historical discussions of the derivative and the integral. New York: Hafner Publishing Company, 1949, p. 267-298. Veja tambm a nota 67 sobre os trabalhos precursores de Bernard Bolzano.

    8 O alemo Leibniz, que desenvolveu tambm trabalhos nas cincias, literatura e na poltica, tinha um especial interesse pela lgica e pela filosofia e, na importncia do mtodo das provas da matemtica para o estudo desses temas. Particularmente nas cincias, destacou-se a sua teorizao sobre o clculo diferencial, no qual desenvolveu tambm uma notao para a utilizao das suas tcnicas que ainda est presente nos dias de hoje. Disponvel em: http://www-groups.dcs.st-and.ac.uk/~history/Biographies/Leibniz.html. Acesso em: 15 jun. 2008.

    9 O ingls Isaac Newton, por volta de 1663, comeou a produzir trabalhos de cunho cientfico na tica, fsica, astronomia e na matemtica. Um de seus trabalhos mais controversos sobre o clculo diferencial e integral, fundamentado no mtodo dos fluxes. Disponvel em: http://www-groups.dcs.st-and.ac.uk/~history/Biographies/Newton.htm. Acesso em: 18 jun. 2008; BOYER, op. cit., p. 187-223.

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    10 BARON, Margaret. Curso de histria matemtica: origens e desenvolvimento do clculo. Unidade 4. Traduo de Jos Raimundo B. Coelho et al. Braslia: UnB, 1985, p. 36

    11 Original em alemo: COURANT, Richard. Vorlesungen ber differential- und integralrechnung. Berlin: Julius Springer, 1930-1931 [c1927].

    12 DIAS, Andr Lus Mattedi. Matemtica no Brasil: Um estudo da trajetria da historiografia. Revista Brasileira de Histria da Matemtica. Rio Claro, v. 2, n. 4, out. 2002a.

    13 Veja: SILVA, Clvis Pereira. Sobre Theodoro Augusto Ramos. Revista Uniandrade. Curitiba, v.4, 2003. Disponvel em: http://www.uniandrade.br/publicacoes/revista/cientifica. Acesso em: 25 jun. 2004; DIAS, Andr L. Mattedi. Engenheiros, mulheres, matemticos: interesses e disputas na profissionalizao da matemtica na Bahia (1896 1968). 320 f. Tese (Doutorado em Histria Social) FFLCH - Universidade de So Paulo, So Paulo, 2002b.

    14 OLIVEIRA, Antonio S. Vieira de. O ensino do clculo e integral na Escola Politcnica de So Paulo, ano de 1904: uma anlise documental. 135f. Dissertao (Mestrado em Educao Matemtica) Instituto de Geocincias e Cincias Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2004, p. 31-50.

    15 DIAS, Andr Lus Mattedi. Omar Catunda: alguns aspectos de sua trajetria e das suas concepes cientficas e educacionais. Histria Educao Matemtica. Rio Claro, v.1, n.1, p. 39-48, 2001.

    16 Segundo Ubiratan DAmbrosio, foi o primeiro livro de anlise matemtica moderna publicado por um brasileiro. DAMBROSIO, Ubiratan. Histria da Matemtica no Brasil: uma viso panormica at 1950. Saber y Tiempo, v. 2, n. 8, p. 7-37, jul.-dec. 1999. Disponvel em: http://vello.sites.uol.com.br/historia.htm. Acesso em: 16 jun. 2004.

    17 LIMA, Eliene Barbosa; DIAS, Andr Lus Mattedi. A anlise matemtica no ensino brasileiro: a contribuio de Omar Catunda. Bolema. Rio Claro, n. 36, 2010. (no prelo)

    18 CATUNDA, Omar. Curso de anlise matemtica. So Paulo: Bandeirantes, v.7, 1952.

    19 ___.___. So Paulo: EDUSP, v.1, 1962.

    20 Os matemticos Andr Weil (1906-1998), Charles Ehresmann (1905-1979), Claude Chevalley (1909-1984), Henri Cartan (1904), Jean Delsarte (1903-1968), Jean Dieudonn (1906-1992), Ren de Possel (1905-1974) e Szolem Mandelbrojt (1899-1983), alm do fsico Jean Coulomb (1904-1999), fundaram, em 1935, o grupo Nicolas Bourbaki com o objetivo de redigir um tratado de anlise matemtica melhor adaptado aos desenvolvimentos modernos do que o Curso de douard Goursat, referncia corrente desde o incio do sculo XX. Fizeram mais do que isso. Alm da publicao de uma srie de obras de grande repercusso cientfica internacional, mantm at hoje o Seminrio Bourbaki. Andr Weil trabalhou na USP em 1945, Jean Dieudonn em 1946, bem como posteriormente outros matemticos ligados ao grupo. HOUZEL, Christian. Le rle de Bourbaki dans les mathmatiques du vingtime sicle. Gazette des mathmaticiens. Paris, n. 100, p. 53-63, 2004. Disponvel em: http://smf4.emath.fr/Publications/Gazette/2004/100/smf_gazette_100_52-63.pdf. Acesso em: 22 dez. 2006; PIRES, Rute da Cunha. A presena de Nicolas Bourbaki na Universidade de So Paulo. 578f. Tese (Doutorado em Educao Matemtica), PUC, So Paulo, 2006.

    21 GRANVILLE, William Anthony (1863-1943). Elements of the differential and integral calculus. Boston: Ginn and Co., 1904. Traduo de J. Abdelhay. Rio de Janeiro: Cientfica, 1961; utilizaremos a edio GRANVILLE, W.A. et al. Elementos de clculo diferencial e integral. Traduo de J. Abdelhay. Rio de Janeiro: mbito Cultural Edies, 1992; FANTAPPI, Luigi. Curso de anlise matemtica. [S.l.: s.n.], [19--] (Apostila disponvel na biblioteca da IME-USP); DIEUDONN, Jean. Foundations of modern analysis. New York: Academic Press, 1960.

    22 CATUNDA. Curso de anlise matemtica, parte I. 3. ed. So Paulo: Bandeirantes, 1956; ___.___, parte II. 3. ed. rev. So Paulo: Bandeirantes, 1954; ___.___, parte III. 3. ed. So Paulo: Bandeirantes, 1954; ___.___, parte IV. So Paulo: Bandeirantes, 1954; ___.___, parte V. 3. ed. So

    Paulo: Bandeirantes, 1955; ___.___, parte I, 1. ed. So Paulo: Matemtica Editora, 1958; ___.___, parte VII. So Paulo: Matemtica Editora, 1959; ___.___, v. 1. So Paulo: EDUSP, 1962.

    23 A escola italiana trabalhava, preferencialmente, as teorias da matemtica fazendo uso do rigor centrado no mtodo geomtrico, diferentemente do Grupo Bourbaki, que estava interessado em abordar a matemtica numa perspectiva ampla, privilegiando os mtodos algbricos e abstratos. NACHBIN, Leopoldo. Cincia e sociedade. Curitiba: UFPR,1996, p. 40; LIMA, Eliene B. Dos infinitsimos aos limites: a contribuio de Omar Catunda para a modernizao da anlise matemtica no Brasil. 145f. Dissertao (Mestrado em Ensino, Filosofia e Histria das Cincias) Instituto de Fsica, UFBA-UEFS, Salvador, 2006.

    24 DIAS, op. cit., 2002b, p. 122, 149.

    25 LIMA, Arlete Cerqueira. Depoimento. Cadernos do IFUFBa. Salvador, ano I, n. 3, p. 36-53, jul. 1985, p. 43.

    26 Apud REIS, Frederico da S. A tenso entre rigor e intuio no ensino de clculo e anlise. 302f. Tese (Doutorado em Educao) Faculdade de Educao, UNICAMP, Campinas, 2001, p. 285-302. Entrevista concedida a Frederico da S. Reis. IMPA, Rio de Janeiro, 05 nov. 1999.

    27 CATUNDA, Curso de anlise matemtica, op. cit., p. 1 (salvo meno em contrrio, v. 1, edio 1962).

    28 Ibid., p. 4-5.

    29 SCHUBRING, Gert. Rupturas no estatuto matemtico dos nmeros negativos. Boletim GEPEM. Rio de Janeiro, n.37, p. 51-64, ago. 2000; n.38, p. 73-93, fev. 2001.

    30 CATUNDA, op. cit., 1956, p. 2.

    31 Ibid., p. 7.

    32 Ibid., p. 12.

    33 Ibid.

    34 Ibid., p.12-13, grifo no original.

    35 FANTAPPI, op. cit., p. 2.

    36 Ibid.

    37 Ibid., grifo no original

    38 Nota biogrfica e bibliografia disponvel em: http://www-groups.dcs.st-and.ac.uk/~history/Biographies/Cantor.html. Acesso em: 16 fev. 2007.

    39 FANTAPPI, op. cit., p.23, grifo no original.

    40 CATUNDA, op. cit., p. 23.

    41 GRANVILLE, op. cit., p. 9.

    42 1. Uma quantidade constante uma quantidade determinada que sempre mantem o mesmo valor. Tais so os nmeros de toda espcie, que conservam constantemente o valor que tenham uma vez obtido [...] Na anlise ordinria, que tm por objeto as quantidades determinadas, designa-se as conhecidas pelas primeiras letras do alfabeto, enquanto as que no o so pelas ltimas, mas esta uma distino que no recebe muita ateno na anlise ou geometria superior; neste caso, as quantidades so enfocadas sob um outro aspecto particular, umas sendo consideradas como constantes, as outras como variveis. 2.Uma quantidade varivel uma quantidade indeterminada, ou, se se quiser, uma quantidade universal, que compreende todos os valores determinados. Um valor determinado qualquer podendo ser expresso em nmero, segue-se que uma quantidade varivel compreende todos os nmeros de qualquer natureza que sejam [...] pode-se conceb-la como abraando todas as quantidades determinadas. De resto, tem-se o costume de representar quantidades variveis pelas ltimas letras do alfabeto [...]. 3. Uma quantidade varivel torna-se determinada quando um valor determinado qualquer lhe atribudo. Ento, ela pode ser determinada de infinitas maneiras, pois que podem ser substitudas por todos os nmeros imaginveis [...] pois a quantidade varivel abrange em si praticamente todos os nmeros, tanto afirmativos como negativos, tanto inteiros como fracionrios, tanto racionais como irracionais e transcendentes, sem que o zero e os nmeros imaginrios sejam excludos do significado da quantidade varivel. EULER, Lonard.

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    Introduction a lanalyse infinitsimale. Tome premier. Traduo J. B. Labey. Paris: Barrois, 1796 p. 1-2. Disponvel em: http://books.google.com.br/books. Acesso em: 26 mar. 2010.

    43 Nomeamos quantidade varivel quela que se considera como devendo receber sucessivamente diversos valores diferentes uns dos outros. Designamos uma semelhante quantidade por uma letra tomada ordinariamente entre as ltimas do alfabeto. Chamamos ao contrrio quantidade constante, e designamo-la ordinariamente por uma das primeiras letras do alfabeto, toda quantidade que recebe um valor fixo e determinado (traduo livre). CAUCHY, Augustin-Louis. Cours danalyse de lcole Royale Polytechnique. Paris: Imprimerie Royale, 1821, p. 4. Disponvel em: http://books.google.com.br/books. Acesso em: 26 mar. 2010.

    44 GRANVILLE, op. cit., p.10.

    45 4. Uma funo de quantidade varivel uma expresso analtica composta, de qualquer maneira que seja, desta mesma quantidade e de nmeros, ou de quantidades constantes. [...] 5. Uma funo de varivel ento tambm uma quantidade varivel. Com efeito, como pode-se por no lugar da varivel todos os valores determinados, a prpria funo receber uma infinidade de valores, e impossvel conceber alguma, que no seja suscetvel, pois a varivel compreende mesmo os valores imaginrios. EULER, op. cit., p. 2-3.

    46 Quando quantidades variveis so ligadas entre si de tal modo que, o valor de uma sendo dado, pode-se concluir os valores de todas as outras, concebe-se de ordinrio essas diversas quantidades expressas por meio de uma delas, que toma ento o nome de varivel independente; e as outras quantidades expressas pelo meio da varivel independente so chamadas de funes desta varivel (traduo livre). CAUCHY, op. cit., p. 19.

    47 CATUNDA, op. cit., p. 83.

    48 FANTAPPI, op. cit., p. 6.

    49 FANTAPPI, Luigi. Conjuntos lineares. Funes e limites no campo real. In: FANTAPPI, op. cit., p. 6.

    50 1. Uma quantidade varivel uma grandeza considerada em geral, contendo todos os valores determinados; uma reta infinita, tal como RS, ser mais apropriado representar, em geometria, uma quantidade dessa natureza. Com efeito, pode-se tomar sobre uma reta infinita, uma parte qualquer, que tem um valor determinado, essa reta apresenta o esprito da mesma ideia de grandeza, que a quantidade varivel. Precisa-se ento, sobretudo, fixar sobre uma reta infinita RS um ponto A, que ser suposto a origem das grandezas determinadas, que se separar, assim uma poro determinada AP representar um valor determinado compreendido na quantidade varivel. 2. Seja ento x uma quantidade varivel, representada pela reta infinita RS; claro que todos os valores determinados de x, desde que eles sejam reais, podem ser exprimidos por pores tomadas sobre a reta RS (traduo livre). EULER, Leonard. Introduction a lanlasyse infinitsimale. Tome second. Traduo J. B. Labey. Paris: Bachelier, 1797, p.1. Disponvel em: http://books.google.com.br/books. Acesso em: 27 mar. 2010.

    51 4. [] Seja y essa funo de x, a qual por conseguinte receber um valor determinado, se substitu-se x por um valor dado. Tomando uma reta infinita RAS para representar os valores de x, ser necessrio, para cada valor determinado AP de x, estabelecer sobre essa reta uma perpendicular PM, igual ao valor correspondente de y [...] (traduo livre). Ibid., p. 2.

    52 6. [] Assim cada funo de x, relacionada dessa forma geometria, dar uma linha reta ou curva, cuja natureza depender dessa funo y. 7. Conhece-se perfeitamente, seguindo esse procedimento, a linha curva que resulta da funo y, pois essa funo que determina todos os pontos [...]. 8. []. Assim uma funo qualquer de x dar certa linha reta ou curva; da qual segue que reciprocamente se poder relacionar as funes de linhas curvas (traduo livre). Ibid., p. 3-4.

    53 Ibid., p. 4.

    54 CATUNDA, op. cit., p. 100.

    55 [...] a funo f(x) ser continua em relao x entre os limites dados, se, entre estes limites, um acrscimo infinitamente pequeno da varivel produz sempre um acrscimo infinitamente pequeno da prpria funo (traduo

    livre). CAUCHY, op. cit., p. 34-35.

    56 CATUNDA, op. cit., p. 100-101, grifo no original.

    57 GRANVILLE, op. cit., p. 16.

    58 Para detalhadas informaes sobre esta discusso, veja: LAGRANGE, Joseph L. Introduction. In: Thorie des fonctions analytiques. 3rd. d. rev. Paris: Bachelier, 1847; BOYER, op. cit.; STRUIK, Dirk J. O sculo XVII. In: Histria concisa das matemticas. Traduo de Joo Cosme S. Guerreiro. 2 ed. Lisboa: Gradativa, 1992, p. 157-190.

    59 DAlembert, em seu artigo denominado Limit (1765) para a Encyclopdie Methodique (1751-1772), definiu limite afirmando que [...] uma grandeza o limite de outra grandez quando a segunda pode aproximar-se da priemeira tanto quanto se queira, embora a primeira grandez nunca possa exceder a grandeza da qual ela se aproxima de modo que a diferena entre tal quantidade e seu limite absolutamente indeterminvel (p.28). Apud BARON, op. cit. Essa definio de dAlembert, que baseada na percepo geomtrica, segundo Carl Boyer, foi interpretada pelos matemticos desta poca como to metafsica quanto a concepo de infinitamente pequeno de Leibniz e Newton. BOYER, op. cit.

    60 Consideremos dada uma funo fx de uma varivel qualquer x. Se para o lugar de x, pormos x + i, i ser uma quantidade qualquer indeterminada, ela se tornar f(x + i), e pela teoria das sries, pode-se desenvolver em uma srie desta forma: fx + pi + qi2 + ri3 + ..., na qual as quantidades p, q, r, etc., coeficientes das potncias de i, sero de novas funes de x, derivadas das funes primitivas x, e independentes da indeterminada i (traduo livre). LAGRANGE, op. cit.

    61 GRANVILLE, op. cit., p. 13.

    62 Quando os valores atribudos sucessivamente a uma mesma varivel aproximam-se indefinidamente de um valor fixo, de maneira a terminar por diferir deste to pouco quanto se queira, este ltimo chamado limite de todos os outros (traduo livre). CAUCHY, op. cit., p. 4.

    63 GRANVILLE, op. cit., p.14.

    64 Bernard Bolzano (Praga, 1781-1848) dedicou-se, dentre outras coisas, aos fundamentos da matemtica, publicando algumas obras e deixando muitos manuscritos inditos. Um dos seus objetivos era apresentar conceitos de limite, convergncia e derivada em bases puramente aritmticas, isentos de componentes geomtricos, razo pela qual buscou tambm aperfeioar o conceito de nmero. Bolzano antecipou alguns desenvolvimentos importantes nessa rea, posteriormente trabalhados por outros matemticos de forma independente. Cf. RUSS. S. Bolzanos analytic programme. The Mathematical intelligencer, v. 14 , n. 3, p. 45-53, 1992; Disponvel em: http://www-history.mcs.st-andrews.ac.uk/Biographies/Bolzano.html. Acesso em: 16 fev. 2007.

    65 CATUNDA, op. cit., p. 96, grifo no original.

    66 Ibid.

    67 CATUNDA, Omar. A introduo dos conceitos no ensino da matemtica. Cincia e Cultura, v.IX, n.1, p. 31-35, 1957.

    68 LOIBEL, G. F. [Carta]. 5-10 out. 2005, So Carlos-SP [para] LIMA, Eliene Barbosa. Conceio do Jacupe-Ba, 3p. Respostas para um questionrio sobre Omar Catunda e do seu Curso de Anlise Matemtica.

    69 CATUNDA, Curso de anlise matemtica, op. cit., p. 96, grifo no original.

    70 Ibid., p. 103.

    71 Ibid., p. 104.

    72 Ibid.

    73 GRANVILLE, op. cit., p. 20.

    74 Ibid., p. 20-21.

    75 Ibid., p. 14.

    76 Ibid., p. 21.

    77 CATUNDA, Curso de anlise matemtica, op. cit., p. 179, grifo no original.

    78 Ibid., p.181-182.

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    79 GRANVILLE, op. cit., p. 28.

    80 Ibid., p. 32.

    81 Ibid., p. 31.

    82 Ibid., p. 31-32.

    83 CATUNDA, Curso de anlise matemtica, op. cit., p.182.

    84 Ibid., p. 188.

    85 GRANVILLE, op. cit., p. 24.

    86 Ibid., p. 36.

    87 CATUNDA, Curso de anlise matemtica, op. cit., p.188

    88 Ibid..

    89 Veja: LIMA, Eliene B., op. cit.

    90 DIAS, Andr L. Mattedi. Uma crtica aos fundamentos do ensino autoritrio e reprodutivo da matemtica. 79f. Dissertao (Mestrado em Educao) Faculdade de Educao, UFBa, Salvador, 1994, p. 44-45; SCHUBRING, op. cit., p. 75.

    91 Omar Catunda obteve uma bolsa da Fundao Rockefeller para ir aos Estados Unidos. Escolheu a Universidade de Princeton para aprofundar os seus conhecimentos sobre a nova matemtica, dita moderna, permanecendo l no perodo de 1947 a 1948, assistindo conferncias, simpsios e cursos de matemticos de grande prestgio internacional, como Emil Artin (1898-1962), Heinz Hopf (1894-1971), John von Neumann (1903-1957) e Solomon Lefschetz (1884-1972). CATUNDA, Omar. Memria autobiogrfica, p. 41.

    92 Veja: LIMA, Eliene B., op. cit.

    93 Por exemplo, veja: TBOAS, Plnio. Z. Luigi Fantappi: influncias na matemtica brasileira: um estudo de histria como contribuio para a educao matemtica. 212f. Tese (Doutorado em Educao Matemtica) Instituto de Geocincias e Cincias Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2005; SILVA, Circe M. S. da. A Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da USP e a formao de professores de matemtica. In: REUNIO ANUAL DA ANPEd, 23, Caxambu. Anais... Caxambu: ANPEd, 2000. Disponvel em: http://www.ufrrj.br/emanped/paginas/conteudo_producoes/docs_23/faculdade_filosofia.pdf. Acesso em: 25 jun. 2004; SILVA, Clvis Pereira da. O desenvolvimento da matemtica no Brasil , da dcada de 1930 dcada de 1980. In: A Matemtica no Brasil: uma histria do seu desenvolvimento. Curitiba: UFPR,1992.

    Revista Brasileira de Histria da Cincia, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 211-230, jul | dez 2010

    [ Artigo reapresentado em 04/2010 | Aceito em 08/2010 ]