Discurso Manifestações

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Cadernos de Linguagem e Sociedade, 15(2), 2014 98 AS VOZES DAS RUAS Certezas e indefinições nos protestos populares de 2013 1 Pedro Célio Alves Borges 2 Juliano Martins Rodrigues 3 Leandro Bernardes Borges 4 Marina Lemes Landeiro 5 Marcello Soldan Garbelim 6 (Universidade Federal de Goiás) ABSTRACT Interpretations of protests that emerged in 2013 in the streets of major Brazilian cities will gradually confirming the heterogeneity of desires and tendencies in claims for change. On the one hand, there was widespread outrage quickly against politicians and the political system, and emphatic denunciations of the precariousness of public services. On the other, only with the passage of time will be featuring that senses and conservative political orientations, at worst, reactionary , also shared the slogans and banners from the streets. This article brings together research notes made in 2012 , 2013 and 2014 , with the technique of focus groups in three cities in the midwest of the country that highlight the similarities in the speeches of protests with the arguments of the respondents . Thereafter, highlights some content related to demands for a new form of politics. Keywords - Street protests; Qualitative Analysis; New forms of Politics RESUMO As interpretações dos protestos que em 2013 emergiram nas ruas das maiores cidades brasileiras aos poucos vão confirmando a heterogeneidade dos desejos e tendências presentes nas reivindicações por mudanças. Por um lado, registrou-se com rapidez a indignação generalizada contra os políticos e o sistema político, além de denúncias enfáticas da precariedade dos serviços públicos. Por outro, somente com o passar do tempo vão se caracterizando que sentidos e orientações políticas conservadoras, no limite, reacionárias, também compartilharam os slogans e as bandeiras das ruas. Este artigo reúne anotações de pesquisa feitas em 2012, 2013 e 2014, com a técnica de grupos focais, em três cidades do centro-oeste do país, que realçam as semelhanças dos discursos nos protestos com os argumentos dos entrevistados. A partir daí, destaca alguns contéudos relacionados às demandas por uma nova forma da política. Palavras-chave Protestos de rua; Análise qualitativa; Novas formas de política 1 Versão original apresentada como Comunicação ao “GT Ciências Sociais”, durante o 3º. Congresso Ibero- Americano de Investigação Qualitativa, realizado de 14 a 16 de julho de 2014, na Universidade de Extremadura, cidade de Badajoz/Espanha. Apoio: Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Goiás - FAPEG 2 Pedro Célio Alves Borges é doutor em Sociologia pela UnB, professor da Faculdade de Ciências Sociais-UFG e pesquisador do Observatório das Metrópoles (Núcleo de Goiânia). É membro da Sociedade Brasileira de Sociologia, tendo participado de sua diretoria em dois mandatos, de 2007 a 2010. 3 Juliano Martins Rodrigues é mestre em Sociologia pela UFG, sociólogo analista da Controladoria Geral do Estado de Goiás. 4 Leandro Bernardes Borges é mestre em Desenvolvimento Sustentável pela UnB, professor de Relações Internacionais na Pontifícia Universidade Católica de Goiás e diretor do Instituto Ágora Pesquisas-Goiânia. 5 Marina Lemes Landeiro é mestre em Sociologia pela UFG, professora da UEAP e pesquisadora do Observatório das Metrópoles (Núcleo de Goiânia). 6 Marcello SoldanGarbelim é mestrando em Sociologia pela UFG e pesquisador do Instituto Ágora Pesquisas- Goiânia.

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Discurso das ruas.

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  • Cadernos de Linguagem e Sociedade, 15(2), 2014

    98

    AS VOZES DAS RUAS

    Certezas e indefinies nos protestos populares de 20131

    Pedro Clio Alves Borges2

    Juliano Martins Rodrigues3

    Leandro Bernardes Borges4

    Marina Lemes Landeiro5

    Marcello Soldan Garbelim6

    (Universidade Federal de Gois)

    ABSTRACT

    Interpretations of protests that emerged in 2013 in the streets of major Brazilian cities will

    gradually confirming the heterogeneity of desires and tendencies in claims for change. On the

    one hand, there was widespread outrage quickly against politicians and the political system,

    and emphatic denunciations of the precariousness of public services. On the other, only with

    the passage of time will be featuring that senses and conservative political orientations, at

    worst, reactionary , also shared the slogans and banners from the streets. This article brings

    together research notes made in 2012 , 2013 and 2014 , with the technique of focus groups in

    three cities in the midwest of the country that highlight the similarities in the speeches of

    protests with the arguments of the respondents . Thereafter, highlights some content related to

    demands for a new form of politics.

    Keywords - Street protests; Qualitative Analysis; New forms of Politics

    RESUMO

    As interpretaes dos protestos que em 2013 emergiram nas ruas das maiores cidades

    brasileiras aos poucos vo confirmando a heterogeneidade dos desejos e tendncias presentes

    nas reivindicaes por mudanas. Por um lado, registrou-se com rapidez a indignao

    generalizada contra os polticos e o sistema poltico, alm de denncias enfticas da

    precariedade dos servios pblicos. Por outro, somente com o passar do tempo vo se

    caracterizando que sentidos e orientaes polticas conservadoras, no limite, reacionrias,

    tambm compartilharam os slogans e as bandeiras das ruas. Este artigo rene anotaes de

    pesquisa feitas em 2012, 2013 e 2014, com a tcnica de grupos focais, em trs cidades do

    centro-oeste do pas, que realam as semelhanas dos discursos nos protestos com os

    argumentos dos entrevistados. A partir da, destaca alguns contudos relacionados s

    demandas por uma nova forma da poltica.

    Palavras-chave Protestos de rua; Anlise qualitativa; Novas formas de poltica

    1 Verso original apresentada como Comunicao ao GT Cincias Sociais, durante o 3. Congresso Ibero-Americano de Investigao Qualitativa, realizado de 14 a 16 de julho de 2014, na Universidade de Extremadura,

    cidade de Badajoz/Espanha. Apoio: Fundao de Apoio Pesquisa do Estado de Gois - FAPEG 2Pedro Clio Alves Borges doutor em Sociologia pela UnB, professor da Faculdade de Cincias Sociais-UFG e

    pesquisador do Observatrio das Metrpoles (Ncleo de Goinia). membro da Sociedade Brasileira de

    Sociologia, tendo participado de sua diretoria em dois mandatos, de 2007 a 2010. 3Juliano Martins Rodrigues mestre em Sociologia pela UFG, socilogo analista da Controladoria Geral do

    Estado de Gois. 4Leandro Bernardes Borges mestre em Desenvolvimento Sustentvel pela UnB, professor de Relaes

    Internacionais na Pontifcia Universidade Catlica de Gois e diretor do Instituto gora Pesquisas-Goinia. 5Marina Lemes Landeiro mestre em Sociologia pela UFG, professora da UEAP e pesquisadora do Observatrio

    das Metrpoles (Ncleo de Goinia). 6Marcello SoldanGarbelim mestrando em Sociologia pela UFG e pesquisador do Instituto gora Pesquisas-

    Goinia.

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    I. INTRODUO

    A onda de protestos e reivindicaes iniciada em 2010 nas grandes cidades ao norte da

    frica, e que rapidamente se estendeu para as principais cidades da Europa edas Amricas,

    produziu espaos discursivos de notvel convergncia nas interpretaes. Regra geral, os

    analistas de matiz poltica, acadmica e jornalstica coincidiram na ansiedade de buscar

    explicaes generalizantes para os movimentos de rua, de uma forma que quase sempre

    obscurece os registros sobre as especificidades por eles adquiridas em cada contexto

    institucional. Atravs dessa macro-abordagem, os protestos so alados categoria de

    fenmenos que se consubstanciam em escala global, de escopo nico e revelado

    prioritariamente a partir de suas motivaes anti-sistmicas.

    Ainda que caiba reconhecer sentidos comuns e linearidades nas cenas da Praa Tahrir

    (Cairo), dos occupy Wall Street (Nova York) e dos indignadosda Puerta Del Sol (Madrid)

    para citar as mais emblemticas , a averiguao das articulaes entre demandas e sentimentos

    populares com os processos vividos em suas respectivas sociedades tambm auxilia no

    entendimento das rebelies.

    Neste artigo, repassamos observaes de pesquisas sobre as percepes das

    denominadas pessoas comuns acerca das recentes manifestaes de rua no Brasil, capazes de

    incidir nas suas disposies subjetivas para carrear validao tica e legitimidade s aes de

    protesto. Nos anos de 2012, 2013 e 2014, investigamos discursos sobre o que a imprensa e os

    auditrios muitas vezes chamaram de indignao generalizada dos cidados utilizando a

    tcnica de grupos focais. Nossa proposta foi de sondar quadros de valores e posies polticas

    dos entrevistados frente a temas tacitamente relacionados s manifestaes das ruas. Para tanto,

    a investigao contou com o total de 24 grupos focais, cada um deles reunindo oito eleitores

    residentes em trs cidades do centro oeste brasileiro - Goinia, Rio Verde e Inhumas.

    II. A ABORDAGEM QUALITATIVA NA APREENSO DA LINGUAGEM POLTICA

    O objeto comum s pesquisas nos trs diferentes momentos esteve nos discursos que

    expressavam insatisfao dos cidados comuns com a situao presente em suas vidas, em suas

    cidades e no pas. A partir de 2013 tambm foram debatidas as percepes dos cidados comuns

    sobre os protestos coletivos. A tcnica utilizada foi a de entrevistas coletivas em grupos focais

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    (GF). Realizamos GFs em trs cidades do centro-oeste brasileiro: Goinia, capital regional e

    sede de regio metropolitana; Rio Verde, considerada cidade mdia; e a terceira, Inhumas,

    municpio de pequeno porte da Regio Metropolitana de Goinia7. Os trs municpios

    localizam-se em territrios demarcados por atividades produtivas ligadas ao agronegcio e

    desenvolvidas com alta tecnologia. Em comum, elas tambm apresentam comrcio intenso e

    acentuado predomnio de populaes urbanas: respectivamente, 99%, 92% e 93% (BRASIL,

    2011).

    Inhumas situa-se a oeste de Goinia, cerca de quarenta quilmetros. A cidade tem

    origem no sculo XIX, quando por algumas dcadas era comum que tropeiros e viajantes

    acampassem margem da Estrada Real, que levava a Gois, antiga Capital, para descanso e

    alimentao. Entre os que se instalam no local, nota-se um expressivo contingente de imigrantes

    srio-libaneses, italianos, portugueses, espanhis e japoneses, atrados pelas terras roxas e pelas

    isenes de impostos aos que ali fixassem residncia e atividades produtivas. Lavouras de caf

    logo se destacam entre essas atividades, seguidas de pomares de goiabas (nativas e fartas na

    regio) e laranjas. At 1931, ano em que emancipada condio de municpio autnomo,

    Goiabeiras (primeiro nome de Inhumas) permanece Distrito, Povoado e Vila de Itabera. Os

    inhumenses entram no sculo XXI envolvidos vendo a maior parte das terras do municpio

    tomadas pela produo de cana, destinada s usinas de lcool e acar. Seus negcios e servios,

    alm do comrcio, complementam-se e integram-se s dinmicas da capital e Regio

    Metropolitana de Goinia.

    Rio Verde ostenta o ttulo de capital do agronegcio goiano. Essa caracterstica ganha

    corpo no municpio a partir da dcada de 1970, com projetos de ocupao produtiva do cerrado

    financiados pelas polticas agrcolas do regime militar. Grandes produtores do sul e sudeste do

    pas, alm de agricultores americanos, so atrados para Rio Verde por meio das facilidades e

    incentivos pblicos (Programa PoloCentro). Todos eles dotam a explorao da terra com

    tecnologias e maquinrios sofisticados, que rapidamente transformam o municpio em um dos

    maiores produtores de gros no estado e no pas, com predomnio da soja. A liderana

    econmica de Rio Verde na regio rebate em constante influncia na poltica de Gois, desde a

    Primeira Repblica. Sai de Rio Verde a principal base goiana do movimento de 1930, que

    resulta na substituio do domnio regional dos polticos da cidade de Gois. No episdio

    emerge a liderana do mdico Pedro Ludovico Teixeira no cenrio estadual, que vai perdurar

    7 O Censo de 2010, da IBGE, registrou populao 1,3 milhes de habitantes em Goinia, 176.502 em Rio Verde

    e 48.212 habitantes em Inhumas.

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    por cerca de quatro dcadas. Atualmente, Rio Verde conta com extensa e moderna rede de

    comunicaes, ensino superior e servios. Sua populao desenvolve ativo circuito cultural e

    experimenta os principais problemas e virtudes da vida urbana.

    Goinia foi planejada e construda nos anos 1930 para sediar a capital de Gois. O rpido

    crescimento da nova cidade deixa-se perceber j no incio da dcada de 1950, quando sua

    populao residente ultrapassa em trs vezes as propores pensadas no plano original. Alm

    das funes de capital, torna-se entreposto das ondas migratrias do sul e sudeste rumo

    Amaznia. A intensa atividade poltica na cidade por parte de estudantes, camadas mdias e

    sindicalistas e o protagonismo das elites estaduais em significativos momentos nacionais ao

    longo do sc. XX instituram uma autoimagem dos goianienses de tendncia ao protesto e ao

    questionamento dos poderes. Na entrada do sculo XXI, os efeitos da expanso urbana

    desordenada de Goinia refora essa configurao subjetiva: precariedade nos servios de sade

    e transporte coletivo, concentrao de rendas, especulao imobiliria, corrupo de

    governantes, degradao ambiental, segregao dos modos de vida, intensificao da

    criminalidade e da violncia e crescente dficit habitacional, entre outros problemas. Numa

    palavra, desde 2009, segundo a PNUD (ESP, 2010) registra que Goinia lidera as capitais

    brasileiras no ranking da desigualdade social e ocupa a dcima colocao entre as cidades

    latino-americanas.

    Embora tenhamos lidado com pesquisas distintas e realizadas em anos diferentes (2012,

    2013 e 2014), nos trs empreendimentos os roteiros para os GFs continham um tpico-guia para

    estimular a verbalizao dos entrevistados a respeito do momento atual da sociedade brasileira.

    Associado a essa avaliao tambm solicitou-se que os entrevistados explicitassem seus

    sentimentos e expectativas quanto ao futuro do pas e de suas prprias vidas: se de otimismo,

    pessimismo ou indiferena. Outro ponto comum esteve na seleo dos componentes dos GFs

    em universo constitudo pelos mesmos segmentos sociais, nas trs rodadas e nas trs cidades.

    Isto porque as finalidades estabelecidas s pesquisas relacionavam-se deteco de valores e

    atitudes polticas8 nos estratos denominados de classe mdia tradicional e nova classe

    8 A pesquisa de 2012 aconteceu nos meses de junho e julho, para avaliar aes de campanha eleitoral de candidatos

    a prefeito em suas cidades (5GFs em Goinia, 4 em Rio Verde e 4 Inhumas). No ano seguinte, em maio e junho,

    buscou-se avaliar o desempenho do mandato de um deputado estadual, visando captar seu potencial eleitoral para

    a disputa a deputado federal nas prximas eleies (6GFs em Goinia). Em fevereiro de 2014 formamos 5GFs em

    Goinia, tambm visando avaliar o potencial eleitoral de um veterano poltico de esquerda, que iria decidir sobre

    sua eventual candidatura a deputado federal nas eleies de outubro prximo.

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    mdia9. Reunimos GFs de jovens e de adultos, combinando as faixas etrias do Censo de

    2010 e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE): de 16 a 29 anos e de 30 a 55 anos.

    O fato das datas de realizao dos GFs de 2012 e de 2013 terem coincidido com

    ocorrncias de manifestaes de ruas no Brasil, com grande repercusso na imprensa inclusive

    nos horrios nobres de televiso, beneficiou a posterior possibilidade de leitura unificada dos

    relatrios, na forma do presente trabalho. Essa condio foi, ento, explicitada nos tpicos-

    guias do roteiro dos GFs de 2014, bem como na posterior operacionalizao dos conjuntos de

    significados, das anlises comparativas e da construo das snteses interpretativas.

    Ao lado da linguagem das ruas e dos GFs, textos da imprensa diria e dos meios

    acadmicos compuseram uma terceira fonte para auscultar a percepo coletiva sobre os

    protestos. Em cada conjuntura contamos com uma profuso de informaes, imagens e

    construes tericas, passveis de constituir um pano de fundo valioso para delinear a operao

    unificadora dos trs resultados de pesquisas.

    Operamos sob um percurso fenomenolgico bsico. De incio, estimular nos GFs

    interaes discursivas que nos permitiram aproximao aos estoques de conhecimento dos

    entrevistados. Em seguida, acionar fluxos de durao das conscincias acerca dos temas

    elencados como zonas de relevncia no pensamento dos entrevistados. Buscamos atingir a

    virtude apontada em pesquisas com GFs, de propiciar aos participantes a condio de

    rapport, isto , de faz-los sentirem-se confiantes e desinibidos para afirmar opinio e divergir

    sobre o mundo da vida, em linguagem do senso comum mantendo-nos atentos aos cuidados

    de sempre ter em mente que o senso comum normalmente pode assumir a aparncia de um

    universo discursivo que no homogneo... incoerente... [e] apenas parcialmente claro. [...

    E] no est livre de contradies (SCHULTZ, 1979) Noutras palavras, estabelecer um

    ambiente similar ao que ocorre na formao da esfera pblica, como vista por Habermas

    (GASKEL, 2002). A linguagem, neste aspecto, ...no solo tiene capacidad de referirse a hechos

    objetivos, sino que tambin es capaz de crear significados intersubjetivos (ALONSO, 1998).

    Este procedimento auxiliou-nos, ademais, a estabelecer constante ateno ao risco

    inerente s abordagens qualitativas, de filtrar as exposies e argumentos coletados atravs de

    apriorismos e preconceitos dos pesquisadores. Assim, ao passo em que procuramos evitar a

    9 No primeiro segmento, a seleo buscou indivduos com caractersticas de lderes de opinio (MILS, 1961). Para o segundo segmento, o recrutamento centrou-se em tipos sociais beneficiados pelas polticas sociais dos dois

    governos Lula (LAMOUNIER, B.; SOUZA, A., 2010; RICCI, 2010; SOUZA, 2011). Em todas as rodadas das pesquisas, os GFs tiveram participao dos autores deste texto, no mbito do Instituto gora Pesquisas.

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    reteno de nossas observaes no plano narrativo em que os entrevistados expressaram o seu

    conhecimento prtico, incumbimo-nos tambm de separar e agrupar os contedos dos discursos

    em categorias que preservassem as relevncias e hierarquias de significados de maneira

    semelhantes s de suas experincias sensitivas originais.

    Do material parcial de cada GF e dos relatrios finais de cada rodada de pesquisa

    destacamos alguns depoimentos e contedos que entre si mostravam significados conexos,

    visando instituir agrupamentos discursivos ou contextos significativos. Ao cotejar as sintaxes

    associativas mostradas nesses contextos, chegamos, por resultado, a visveis homologias com

    os contedos estruturantes das bandeiras exaltadas nas ruas e, tambm, estruturantes do

    noticirio.

    Neste exerccio, as expertises dos pesquisadores adquiridas em anteriores trajetrias de

    interpretao poltica e anlises de contedo serviram de recurso efetivo para ancorar as

    aproximaes e classificaes ordenadoras do lxico relativo aos nveis cognitivo, afetivo e

    avaliativo dos entrevistados nos GFs.

    III. EIXOS CONCEITUAIS - CONTEDOS POLTICOS

    Para os entrevistados, o ato de ir s ruas manifestar insatisfaes associado a valores

    positivos. Nesse sentido, os depoimentos iniciam-se com raciocnios que, de modo geral

    destacam o carter virtuoso dos protestos: o povo nas ruas uma condio fundamental para

    a democracia. Esse direito est acima das justificativas da represso, mesmo em situaes que

    exigiram a ao policial para manter a ordem.

    A concordncia com a premissa da liberdade de manifestao aparece nos GFs com

    relativa facilidade quando os cenrios lembrados so as derrubadas de ditaduras na Tunsia, no

    Egito, no Ymen e na Lbia. Trata-se de processos semelhantes, em intensidade e origem a

    estmulos dialgicos, aos pronunciamentos espontneos colhidos nas pesquisas dos anos 1980

    no Brasil, quando milhes de brasileiros manifestam-se em ruas e praas por eleies diretas,

    constituinte e democratizao das instituies.

    Entretanto, quando a pauta de debates chega s formas violentas das rebelies, as

    evocaes abonadoras do lugar a um segundo plano do pensamento, de efeito disjuntivo ao

    anterior. Nessa inflexo, fluxos de contedos distintos, ou mesmo opostos aos primeiros,

    entram nas mesmas oraes dos entrevistados, pontilhando-as com afirmativas ora antagnicas

    ora inacabadas, descontnuas ou reticentes. Relativizao dos pontos de vista e controvrsias

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    afloram nos relatos sobre os Black Blocks e suas aes violentas no seio das manifestaes.

    Aparecem julgamentos de imediata condenao s quebradeiras de nibus e vidraas de bancos,

    invases de parlamentos e outros estabelecimentos simblicos do poder institudo e do capital

    financeiro, assumindo termos que negam a lgica soreliana para a moralidade da violncia10.

    As trs pesquisas caracterizaram esse entrecruzamento valorativo de radicalidade dos protestos

    combinado a condenao dos atos de destruio da propriedade, tanto nas percepes dos

    jovens quanto nas dos adultos:

    A j so aproveitadores, que querem tirar proveito poltico. Ns temos de

    fazer as denncias da bandalheira que est por a, mas se for pra quebrar as

    lojas e os nibus, ento no a finalidade [...] Acaba prejudicando o prprio

    movimento. (JOVEM, Goinia 06/2013).

    Com o vandalismo no d pra concordar. Tem um bando de aproveitadores

    que vo se misturar, mas no esto nas reivindicaes, eu tenho certeza. D

    medo! [...] Foi por isso que [protestar nas ruas] no continuou, afastou muita

    gente. (ADULTO, Rio Verde 02/2014).

    As reivindicaes dos estudantes brasileiros por passe livre no transporte coletivo das

    maiores cidades foi o estopim para unificar as mobilizaes em 2013. A elas se somaram vozes

    diversas e demandas heterogneas, sob formas que influenciaram para que os analistas fixassem

    na tendncia para a difuso uma essncia dos movimentos (BURKE; ORTIZ; BERRADA;

    CORTS, 2010) Essa foi uma singularidade das manifestaes brasileiras perante as demais

    exploses de massas que se alastravam nos demais continentes.

    Um esboo das formas de estabelecer pontos comuns anlise conjugada dos protestos

    deve dar centralidade ao tpico indignao contra o sistema poltico. A polissemia das ruas

    unificava-se nas palavras de ordem contra os governos, qualquer governo, de direita ou de

    esquerda, local ou nacional. Esse sentimento d-se, em especial, em razo das falhas creditadas

    10 As ideias predominantes nos escritos de Georges Sorel fazem com que ele seja avaliado como uma figura anmala na galeria de idelogos, tericos e profetas do sculo XIX. Isaiah Berlin afirma no prefcio da obra mais divulgada de Sorel (Reflexes sobre a violncia) que suas teses constituram a primeira grande rebelio contra o ideal racionalista do progresso ilimitado e do bem estar sem tenses, dentro do marco de um sistema social

    harmonioso no qual as questes sociais ficariam presumivelmente reduzidas a problemas tcnicos. A partir desse pressuposto, Sorel busca situaes histricas que legitimam o uso da violncia e lhe emprestam referendo tico.

    Na Frana e outros pases europeus, em pocas no distantes, os atos de resistir com violncia eram exaltados pela

    nobreza e glria que as Guerras da Liberdade traduziam: ...as guerras tornam-se suporte ideolgico da afirmao nacional, carregados de epopeia e poesia, diz o autor. Sorel ainda denuncia a maneira fcil com que, na vida moderna, nos entregamos, ao preceito de que a violncia somente legtima quando usada em nome das razes do

    Estado. A pergunta que ele prope ao leitor de saber se no h um pouco de tolice na admirao que nossos contemporneos tm pela suavidade. Ver especialmente os captulos 3 e 6 de Reflexes sobre a violncia (Sorel, 1993).

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    aos governos em relao s promessas da construo democrtica, que deixa a maior parte dos

    habitantes nos grandes centros urbanos sem servios pblicos ou com servios de qualidade

    precria.

    Vejamos quatro desses eixos comuns que, embora configurem sentidos acoplados na

    realidade, aqui eles aparecem separados em blocos de significados de acordo com as nomeaes

    que recebem no noticirio dos protestos e nas classificaes dos analistas, alm dos termos que

    a eles se mostraram correspondentes nos debates dos GFs:

    A. Crise da democracia representativa

    O rechao dirigido aos polticos, aos partidos, aos parlamentos, aos sindicatos e outras

    formas associativas clssicas demonstra que a crise da poltica antecede aos protestos de 2013

    e cumulativa. Em suas razes mais profundas esto os fracassos de lderes e instituies que,

    reiteradamente, deixam de cumprir as promessas da democracia: de combater a corrupo, de

    aumentar a participao e a transparncia dos governos e de desenvolver polticas pblicas

    eficientes para melhorar a vida das maiorias. No caso brasileiro, a frustrao e o desencanto

    aparecem acentuados quando os entrevistados localizam suas decepes nos sucessivos

    governos eleitos a partir dos compromissos com essas promessas e neles passam a perceber

    atuaes que mais preservam do que fazem diminuir os antigos problemas.

    Alm desse aspecto, os desgastes dos dirigentes polticos acabam amplificados pelos

    escndalos de corrupo que alimentaram o noticirio nos ltimos anos, em especial os

    escndalos envolvendo lderes do Partido dos Trabalhadores, que emergiu na vida poltica

    brasileira e, desta forma, venceu eleies para governos locais e federal, revestido da

    simbologia de ser um partido diferente dos demais.

    Essa poltica uma montanha russa, ningum sabe quem de quem aqui. Em

    uma eleio o cara t do lado de c, no outro ano t do lado de l. (ADULTO

    - 07/2012)

    ...Ganha as eleies quem tem dinheiro. Quem financia as campanhas? Os

    empresrios. Ento quem vai ter retorno? Vai ser aquele que financiou a

    campanha. (JOVEM - 02/2014)

    Os partidos valem muito pouco no Brasil. Os polticos fazem e desfazem sem

    dar satisfao pra ningum e depois voltam da mesma maneira nas prximas

    eleies. S ganha quem eles querem... Nos bastidores uns compram os

    outros, fazem todo tipo de trapaa um com o outro, mas combinam de chamar

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    os inimigos de Vossa Excelncia. Quem tem um pingo de vergonha no fica

    muito tempo na poltica. (ADULTO, 06/2013)

    A gente est numa democracia que no bem uma democracia, porque obriga

    a votar. Para ser um vereador voc precisa ter muito dinheiro. [...] Eu acho que

    a gente tem as opes [que] no quer... (JOVEM - 02/2014)

    B. Precariedade dos servios pblicos

    Especialmente nas maiores cidades, mas no exclusivamente nelas, a piora na vida tem

    se acentuado em vrios aspectos. O tempo e o cansao entre a casa e o trabalho aumentaram

    nos ltimos vinte anos. Em So Paulo, para ilustrar, a mdia nos deslocamentos para ida e volta

    do trabalhador de menor renda, de casa ao trabalho em transportes coletivos, entre 1997 e 2002,

    aproxima-se de duas horas e meia (BARONE, 2009). Alm do stress da demora, o trabalhador

    fica sujeito superlotao dos nibus, trfego engarrafado ou lento, terminais com tumultos,

    assaltos e riscos de acidentes. As declaraes revelam o mal-estar urbano tambm na busca de

    proteo contra a violncia e a criminalidade e na precariedade da sade pblica. Aos pobres a

    polcia desperta sentimentos de represso e medo, os postos mdicos mostram carncias

    materiais crnicas e despreparo no atendimento. Outras marcas da vida nas cidades aparecem

    na progressiva degradao ambiental e na segregao socioespacial.

    Acho que tem de melhorar muito na rea da sade. [...] Voc mal atendida.

    s vezes uma pessoa s atendendo a muita gente. A espera muita, os

    mdicos fazem de conta [que trabalham]. (ADULTO, 07/2012)

    A gente no pode ter mais lazer com a famlia. Se voc vai a um restaurante

    com a famlia, com os amigos, voc est a merc de ser assaltado. Eu acho

    que a segurana tem que estar mais atenta com isso. Porque seno a populao

    vai ficar retida dentro de casa, com vontade de passear, e os bandidos, soltos.

    (JOVEM 05/2013)

    ... os hospitais que eu j passei no tem esparadrapo (...). Muitas vezes falam

    que [o culpado] o mdico, o enfermeiro, o fisioterapeuta. No! a verba

    que no chega. Ou ento o profissional vai atender hoje e s vai receber daqui

    a 6 meses. [...] Eu j vi notcia: Enfermeira matou o menino porque trocou o

    canal de sonda. Vai ver [ela]estava trabalhando h mais de 48 horas.

    (JOVEM 02/2014)

    Que soluo pode ter eu no sei, porque nas eleies o assunto s falado com

    demagogia. A gente v na cara que eles no tm interesse de resolver. Querem

    ganhar voto e mais nada. D pra ficar descrente [...] No tem como parar de

    trabalhar, mas s vezes eu penso que s se entrar nesses protestos. Nesses do

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    ano passado eu fui uma vez. (ADULTO 02/2014)

    C. Anticapitalismo e Anti-sistema

    Um clamor contra os poderes institudos sobressai nos GFs com termos difusos e

    metforas semelhantes s dos cartazes levantados nas ruas. So constantes as retricas de

    demonizao da ganncia do capital financeiro globalizado e das grandes empresas de mdia,

    dos monoplios nos mercados de investimentos, tecnologia e entretenimento. As distines

    entre ricos e pobres povoam as reclamaes essenciais dos entrevistados, que (vale registrar) as

    formulam sem relacion-las a preceitos contrrios propriedade privada e sem proclamar dios

    de classes. Nossos sonhos no cabem em suas urnas, estampou um cartaz dos indignados

    espanhis que reapareceu em parfrases nas ruas de Nova York, Londres, So Paulo, Goinia

    e outras cidades brasileiras. Porm, os contedos dos sonhos dificilmente so revelados nas

    expresses com que os entrevistados expressam indignao e vontade de mudana. Em resumo,

    uma frmula em que o forte pendor anticapitalista acaba perfilado ao niilismo e impotncia

    para reagir.

    ... essa a funo do sistema, manter as pessoas alienadas, a no ter acesso

    informao. Deixa a pessoa trabalhando no mnimo 8 horas por dia,

    cansadssima. Ela chega em casa no d conta de mais nada. (JOVEM

    06/2012)

    Tem que mudar tudo no sistema. As pessoas, a poltica. A cultura tem que ser

    mudada de alguma forma. Do jeito que est, vai demorar muito. (JOVEM

    06/2013)

    Vocs j notaram que rico no reclama da poltica, da economia, da vida...?

    Toda choradeira vem da classe mdia e dos pobres. Meu temor agora de

    quando essa onda de consumo esgotar. Tem muita gente se endividando sem

    pensar l na frente. J tem sinais de inflao e de perda de postos de trabalho

    [...] Vocs viram no noticirio que o setor mineral e de exportao esto em

    baixa. Uma crise vai pegar s a classe mdia e os pobres. (JOVEM 05/2013)

    A raiz do problema est no sistema geral. A partir do momento que houver

    mudana, at mesmo no sistema econmico... [haver] uma mentalidade

    diferente de distribuio, de dar educao pra todo mundo. (JOVEM

    02/2014)

    D. Dificuldade para propor sadas polticas

  • Cadernos de Linguagem e Sociedade, 15(2), 2014

    108

    Difcil concordar que os protestos de 2013 nas ruas das cidades brasileiras irromperam

    de forma abrupta. Eles vinham de antes, anunciados. Pediam menos do que o cu, somente o

    atendimento a carncias bsicas (NOGUEIRA, 2013). O carter multicntrico de suas pautas

    permitiu que autoridades e analistas lhes imputasse uma conveniente desqualificao poltica,

    no que foram auxiliados pelos atos de depredao dos blackblocks. Criou-se com rapidez a

    sentena de que os manifestantes no forjaram alternativas coerentes contra as precariedades

    urbanas e a degenerao das instituies corruptas que tanto denunciam. Vozes progressistas

    e conservadoras coincidiram ao propagar que no basta saber o que no se quer, preciso

    saber o que se quer (ZIZEK, 2011). Nos GFs de nossas pesquisas, os raciocnios solicitados

    para dar sequncia aos pontos de ruptura afetiva e racional com o sistema poltico, quase nunca

    eram explicitados por quem os declarava. Estes ficavam retidos na impacincia e na frustrao,

    deixando uma massa bruta de reticncias e contrastes lgicos para ser decifrada por quem

    disputa a liderana poltica e pelos cientistas sociais.

    Se a poltica est desse jeito porque o povo deixa. [...] Mas como ningum

    no est nem a, os polticos deixam o povo de lado. [...]O povo s vai atrs

    em poca de eleio. Quer vender o voto. Confesso que no vejo soluo.

    (ADULTO 07/2012)

    A poltica virou profisso, esse o problema. Falta participao em todas as

    cidades. Quando tem, a polcia reprime. Os estudantes de Goinia viram no

    que deu desafiar e querer participar nas ruas. sarrafo! Pura violncia da

    polcia! (ADULTO 05/2013)

    Hoje o que a gente v na televiso [sobre poltica]: corrupo, fraude. Jovens

    tm crescido com essa viso: Pra que eu vou dar uma importncia pra isso,

    se no me traz benefcio algum? Eu fao minha parte, sabendo que no vai

    dar em nada. Estou descrente. (JOVEM 02/2014)

    Eu aposto que nas eleies deste ano os candidatos vo ser os mesmos e vo

    falar as mesmas coisas. Agora eles concordam com tudo que o povo mostrou

    nas passeatas. A Dilma foi a primeira a ir na televiso fazer o jogo de cena.

    Duvido que eles vo parar as negociatas e as mamatas [...] Gente igual ao

    Cachoeira e o Demstenes no aparece, mas continua por trs, dando as cartas.

    Um ou dois que so cassados no se acaba com a corrupo. (ADULTO 02/

    2014)

    IV. A DEMANDA PELO NOVO NA POLTICA DECODIFICAR A LINGUAGEM DAS RUAS

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    A insatisfao demonstrada pela populao brasileira nas ruas tem repercusso simtrica

    nos grupos de pesquisa. Nas trs rodadas que realizamos, a argumentao mostrava-se obstruda

    ou carregada de incompletudes quando o roteiro propunha expor alternativas e debat-las. As

    lacunas evidenciadas nos movimentos de protesto, em que apressadamente alguns enxergaram

    vazio programtico, coincidiam com as inconsistncias e encruzilhadas lgicas dos

    participantes dos GFs. Predominantemente, a elaborao das respostas assemelha-se rejeio

    libertrio-anarquista que transpirou nas ruas. Ao lado das imprecises, contudo, no se deve

    perder de vista que, nos temas em que as narrativas atingiam algum patamar de preciso e

    clareza, os termos a que chegavam repercutiam modelos e estruturas ideolgicas conservadoras,

    quando no reacionrias. Os melhores exemplos nesse sentido emergem nas fortes nfases

    dadas s solues para os problemas de insegurana e medo gerados pelos ambientes de

    criminalidade, violncia e trfico de drogas nas grandes cidades. A reduo da maioridade penal

    tornou-se o emblema desta linha de argumentao, a partir da qual vrias outras medidas,

    inclusive de cunho progressista, apareciam organicamente satelitizadas.

    Certamente, a singular convergncia dessas trs inspiraes (os justos motivos de

    indignao e as justas demandas populares em busca de servios bsicos de qualidade, o

    anarquismo atrativamente revestido da antipoltica e a fraseologia ideologicamente inclinada a

    um campo direitista e conservador) dificultou a que as manifestaes elaborassem um programa

    unificado de interveno, para levar ao debate pblico. Dessa forma, os protestos de rua saram

    de cena em poucos meses, sem conseguir afirmar um poder de agenda. A influncia a que

    tenham chegado est por ser desvendada e compreendida, e contar com um primeiro

    cotejamento revelador na conjuntura de debates e resultados das eleies gerais de 2014.

    No plano imediato, os resultados alcanados pelas manifestaes de rua junto aos

    governos foram reativos, como se verificou no atabalhoado anncio de medidas emergenciais

    feito pela presidente Dilma, no dia seguinte aos grandes atos de 20 de junho de 2013.

    Procurando estabelecer um tom de dilogo com os motivos dos protestos, o pronunciamento da

    presidente centrou-se na proposio de um pacto destinado melhoria dos servios pblicos no

    pas. Na operacionalizao deste pacto, ela mencionou que seriam procurados para compor um

    frum emergencial os governadores, prefeitos e representantes da sociedade civil e dos

    movimentos de rua. Os trs focos anunciados para os debates iniciais vieram do adiantamento

    de programas em estudo no mbito do Governo Federal: a elaborao do Plano Nacional de

    Mobilidade Urbana, a fim de privilegiar o transporte coletivo, a destinao de 100% dos

  • Cadernos de Linguagem e Sociedade, 15(2), 2014

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    recursos da explorao de petrleo (Pr-Sal) para a educao e trazer, de imediato, milhares de

    mdicos do exterior para ampliar o atendimento do Sistema nico de Sade (SUS).

    Aps um ano, em julho de 2014, j com a campanha eleitoral em andamento, em que a

    presidente Dilma busca a reeleio, viu-se que a oportunidade de instalar o amplo frum de

    debates deixou de ser aproveitada e a articulao com os diferentes setores de gesto e da

    sociedade esmaeceu aps algumas conversas protocolares com os lderes das ruas. Por sua vez,

    o governo empreendeu as medidas para destinar os recursos do Pr-Sal para educao, seno

    na ordem de 100%, mas de 75%, reduo decorrente das negociaes no Congresso Nacional,

    que deslocou 25% para a rea da sade. Alm disso, a vinda de mdicos do exterior foi

    implementada atravs do Programa Mais Mdicos, vencendo resistncias corporativas de

    grande parte das entidades de profissionais mdicos em vrios estados.

    No cenrio das mobilizaes de rua e do improviso do discurso presidencial

    configuraram-se os efeitos da lacuna na comunicao entre o governo e os segmentos sociais

    que antes lhe eram simpticos, permitindo-nos qualificar o episdio no contexto de uma crise

    de hegemonia. Governo e oposio no se mostrando capazes de recompor as articulaes entre

    Estado e sociedade. Os depoimentos em nossos GFs claramente dizem que o PT abandonou o

    papel que antes desempenhara, de principal expresso das esquerdas do pas para liderar as

    mudanas. Ao no executar as reformas estruturais que prenunciava quando se tornou governo,

    o partido perde a capacidade hegemnica ao no mais colocar-se como fora unificadora das

    mudanas h muito demandadas pela sociedade11. No perodo antecedente aos protestos, para

    atender s exigncias da governabilidade, a coalizao nucleada pelo PT abdica desse papel.

    As mudanas so postergadas e o partido torna-se o partido da ordem, dedicado a reproduzir o

    velho e condenado jogo poltico. A cobrana da fatura surge nas ruas e, com linguagem

    semelhante, aparece nos GFs de nossas pesquisas.

    As ruas exigem com veemncia novas ideias e prticas polticas. Contudo, os elementos

    do que venha a ser o novo aparecem de modo fragmentado e com contornos pouco ntidos,

    s vezes indecifrveis. Assim tambm ocorreu nos GFs. Nas poucas excees, notamos que nos

    reclames dos participantes sobressaam demandas por gestes pblicas baseadas em tcnicas

    empresariais copiadas do setor privado, amparadas em presuno de clarividncia e rigor lgico

    que no aparecia nos outros contedos. Sem dvida, uma viso gerencial da poltica

    11Aqui, hegemonia tem o sentido gramsciano, que supe a capacidade da liderana manter a confiana das foras

    polticas, atravs do convencimento e dos valores que professem com vistas a transformar o contedo da poltica

    e das instituies. O substrato da hegemonia consiste em formar vontades coletivas, indicar a direo ou o caminho

    a seguir, orientar as mudanas.

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    111

    (produtivismo, eficincia e resultados quantificveis atravs da relao custo-benefcio), que,

    mesmo ganhando audincia fcil em coraes e mentes afetados pela crise de confiana nas

    instituies, mostra sentido avesso ao da democracia. Suas premissas desconhecem conflitos,

    negociaes, reunies, arenas deliberativas, construo de consensos e outros ritos da

    democracia, que apontam para ganhos no mensurveis. Rodadas de depoimentos com

    enfadonhos diagnsticos sobre as mazelas da poltica repetem-se em praticamente todos os GFs,

    sem que sejam sinalizados perfis, posturas ou discursos indicativos do chamado novo.

    Ligar as pontas destes discursos fragmentados uma tarefa da poltica. Sua realizao

    requer lideranas que junto comunidade assumam os difceis encargos de unificar vontades

    divergentes, de construir consensos.

    V. DEMANDAS ANTIGAS POR PRTICAS POLTICAS DIFERENCIADAS

    Nas intervenes dos entrevistados os contedos relacionados a transparncia,

    coerncia, compromisso com participao e com projetos que se comprovem munidos de

    funo social, so captados como premissas genricas, desejadas em um poltico ideal. Nelas

    est presumido que tais qualidades novas sejam desconectadas de interesses particulares e de

    conluios com o capital e o mercado.

    Nos momentos em que se consegue fazer avanar as observaes com esse carter,

    passa-se a vislumbrar perfis de polticos que em momentos recentes os tenham preenchido e

    permanecido na memria coletiva. Sem que o roteiro dos debates mencionasse previamente

    nomes ou outro estmulo para evocar trajetrias pessoais, surgiram nos grupos algumas figuras

    para ilustrar e dar suporte e melhorar a nitidez das ideias e argumentos originalmente

    imprecisos. Uma lista extensa de nomes de polticos lembrados foi composta, com certa

    identificao icnica. Porm, com excees, apenas em escassos tpicos eles encaixavam-se no

    figurino positivo antes esboado: Lula do primeiro mandato na Presidncia, Demstenes Torres

    anterior s denncias de corrupo e vnculo com contraventores e Fernando Henrique

    Cardoso associado ao xito da estabilizao econmica. Ressalte-se que para os trs exemplos

    houve complementos de compreenso que, ao final, anulavam as referncias virtuosas a eles

    destinadas nos GFs12. Vale dizer, as operaes mentais que sucedem as lembranas dos

    12 Estes trs nomes foram comuns s pesquisas de 2012, 2013 e 2014. Lula, lder surgido nas greves e assembleias

    operrias, com imagem do lder popular, de esquerda. Demstenes Torres, promotor pblico rigoroso e

    intransigente no combate corrupo, portando a imagem do justiceiro e advogado do povo, do moralismo

  • Cadernos de Linguagem e Sociedade, 15(2), 2014

    112

    entrevistados so de negao generalizada dos polticos e de primazia quase automtica a

    valores antipolticos.

    As caractersticas novas, que podem devolver aos entrevistados (tomados de

    frustrao e indignao) a confiana na poltica, reaparecem quando a reflexo remete aos

    perodos eleitorais. Podem ser expressas numa conjugao das seguintes qualidades:

    - Honestidade

    Ele srio e muito capacitado [referncia ao ento senador Demstenes

    Torres]. a grande revelao dos polticos de Gois e do Brasil inteiro: no

    admite roubo nem acoberta quem rouba (ADULTO 07/2012)

    [Quando] O Demstenes candidatou pela primeira vez o carter dele

    conquistou todo mundo. De repente, caiu tudo. A tica, a transparncia, a

    honestidade que ele transmitia. Acabou tudo! (ADULTO 06/2013)

    - Segurana e Firmeza

    O prefeito pra mim no precisa ser super-homem. [...] Tem de ser um prefeito

    preocupado com o bem estar da populao, que tenha viso. Ele tem que ver

    onde est o problema e buscar a soluo. Ele tem que pensar na cidade.

    (ADULTO 07/2012)

    Eu acho que muito importante o governo [o governante] saber negociar,

    porque presso acontece de todos os lados, de todos os grupos que apoiaram

    a eleio ou ento que tem poder econmico para a economia [funcionar]. Eles

    precisam de ter os lucros deles. Mas h o momento de bater na mesa e decidir

    o que ficar negociado, seno nada vai andar. (ADULTO 05/2013)

    - Comprometimento com a justia

    Pode at melhorar os negcios e as vendas dos produtos, mas enquanto faltar

    condies pra um pai de famlia trabalhar e colocar comida em casa, um

    sinal de que tem coisas erradas na poltica. Falar que o pas pobre no me

    convence. S os pobres que pagam o pato? Rico reclama de imposto... e se

    eles tivessem de ficar nas filas dos Cais, aguentar desaforos e ainda sair sem

    os remdios contnuos? (ADULTO 06/2013)

    conservador associado direita. Fernando Henrique, intelectual e ministro da Fazenda que controlou a inflao,

    com imagem do administrador ilustrado, atuando na social democracia, de centro.

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    [ preciso] mudar a constituio, uma reforma poltica para no haver

    reeleies. Tem que entrar gente nova, que conhece o sofrimento dos pobres.

    Aqui em Gois mesmo, o filho do senador vira deputado, o filho do deputado

    vira vereador. Uma hora este ciclo vai terminar e abrir as oportunidades.

    (JOVEM 02/2014)

    - Competncia para representar Gois

    Minha famlia chegou em Ouro Verde [interior de Gois] em 1999, sem

    possuir nada. Dois trabalhavam pra sete bocas comerem. Hoje, nem meus pais

    e nenhum dos quatro casados pagam aluguel. Os de menor [menores de 18

    anos] esto todos estudando. No melhor porque Gois no fora em Braslia

    pra valorizar os empregos e as lavouras. muita gente que podia melhorar de

    vida. (JOVEM 07/2012)

    Do meu ponto de vista era [necessrio] fazer os governos executarem o papel

    deles. Tornar Gois respeitado, defender os interesses daqui. Fiscalizar melhor

    quem est l em cima. (JOVEM 02/2014)

    Esse complexo de virtudes foi evocado para retratar mais diretamente o ex-senador

    Demstenes Torres. Se aproximarmos da lista os indicativos de competncia (no mbito da

    viso tcnico-empresarial da poltica) e de aptido para coordenar vontades (prpria do poltico

    de vocao), teremos ento um primeiro painel revelado no mosaico a princpio indecifrvel

    dos atributos esperados no novo tipo poltico. Mais do que indecifrvel, descrente da

    possibilidade de que esse novo venha a surgir.

    O que, ento, trazem de inovador (ou inexistente na poltica) esses desejos e demandas

    pelo novo? A propalada inovao da poltica, quando as respostas e raciocnios dos

    entrevistados conseguem explicit-la, traduz-se em padres ou paradigmas que no so

    exatamente novos. Eles repem caractersticas j enunciadas nos primrdios da poltica

    moderna, propagadora da democracia fundada em partidos e eleies. Estamos nos referindo

    aos atributos do bom poltico, definidos no plano da moral social de uma poca ou no terreno

    das necessidades dos grupos que buscam representar-se na esfera pblica.

    Sem querermos negar que tendncias de esgotamentos e crises operam sobre as

    conjunturas e os atores, trata-se de reconhecer que o poder envelhece os projetos e lideranas

    que nele se mantm por tempos delongados. O poder tende ao conservadorismo, como as

    objees mais consistentes ao estatuto da reeleio h muito enfatizam. Por isso, a lgica da

    alternncia aparece nas relaes entre os grupos e em meio aos valores que nutrem a conscincia

    dos cidados comuns. Conforme as orientaes seguidas nos debates pblicos de uma poca

  • Cadernos de Linguagem e Sociedade, 15(2), 2014

    114

    determinada, as formas contrapostas ao poder so as que encarnam e formatam as expectativas

    de renovao no imaginrio coletivo.

    Ser honesto, confivel, justo e competente, alm de presente nas bases (as indicaes

    resumidas acima) constituem, desde sempre, as qualidades buscadas no bom governo. Essas

    indicaes privilegiadas para definir o novo de fato traduzem anseios de inovao. No

    entanto, suas citaes traduzem mais os desejos de posturas diferenciadoras dos agentes

    polticos, frente aos conhecidos modelos de nossos polticos antigos, do que exatamente

    novidades substantivas. Se houve um fio de unidade nos contedos das pesquisas realizadas

    nestes trs anos, esse fio foi a rejeio da ordem poltica prevalecente e do tipo de polticos que

    nela viceja. Da que seu oposto (de difcil verbalizao pelos entrevistados), como tipo ideal ou

    como possibilidade a ser buscada, a diferenciao nos mtodos, na transparncia das decises,

    na coerncia entre promessas e aes efetuadas no jogo poltico. aquilo que deveria ser e no

    , mas espera-se que venha a ser.

    Em outras palavras, o novo, mais do que ser exatamente novo na verdade ser

    diferente. O PT deixou de ser o novo na poltica brasileira quando no pde prosseguir se

    autoproclamando diferente dos demais partidos e assumiu que apenas agia como os demais

    partidos agem, at mesmo para se defender durante o processo do mensalo.

    CONCLUSES

    A pesquisa qualitativa atravs de GFs permitiu adentrar ao interior dos discursos e

    ansiedades que, atravs das manifestaes populares nas grandes cidades, tomaram o espao

    pblico com denncias da poltica como um conjunto a ser condenado em bloco. Assistimos

    em vrios pases, inclusive no Brasil, condenao indignada de governos e formas tradicionais

    da representao poltica. Outros nveis do poder inalcanveis, globalizados e s vezes

    invisveis tambm foram alvos dos protestos.

    Para produzir snteses das associaes livres e dos fluxos de conscincia registradas nas

    entrevistas em grupo e, principalmente, conduzi-las a um plano de concluses que faa avanar

    a compreenso dos fenmenos sociais, sabe-se que esse mtodo coexiste com uma srie de

    riscos, inerentes sua execuo. A relao social que se cria nos GFs como simulao da esfera

    pblica visa estimular a que percepes e julgamentos sejam espontaneamente declarados pelos

    integrantes dos grupos. Nesse sentido, cercados das recomendaes da literatura, verificamos

    uma consistente correspondncia entre os contedos dos grupos e os das ruas.

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    Um gritante mal-estar causado pelas formas da poltica e pela precariedade da vida

    urbana corrupo, privilgios e deteriorao dos servios pblicos esteve no centro dos

    resultados. A clareza e a contundncia nos diagnsticos dos entrevistados no se faz suceder

    por solues do mesmo porte. Os novos rumos desejados so apenas abstratamente esboados,

    revelando posturas que oscilam entre desencanto, indiferena e impotncia. Deslindar o novo

    foi o nosso problema na investigao.

    Nesta concluso cabe ressaltar que, para alm da aparncia antipoltica que d

    revestimento a essa juno de subjetividades, possvel localizar nos protestos de rua apostas

    nas vantagens da integrao cooperativa com a comunidade. Pudemos detectar sentimentos

    grogues face s decepes sucessivas, que se deixam perceber em discursos incompletos ou

    imprecisos, mas que no esto nocauteados. As aes negativas das atuais formas polticas evita

    simplesmente apregoar o abstencionismo.

    Em sua essncia, as vozes das ruas no exigem a supresso de partidos, eleies e outras

    experincias associativas, mas a sua regenerao. Clamam por padres de vida pblica, viveis

    para formar bons governos, ou seja, gestes confiveis no compromisso que expressarem com

    as mudanas em favor das maiorias.

    Recebido em: 13/10/2014

    Aprovado em: 05/11/2014

    [email protected]

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    [email protected]

    [email protected]

    [email protected]

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