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ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 791 DIREITO AO ESQUECIMENTO E LIBERDADE DE IMPRENSA: UMA ANÁLISE SOBRE O CIBERESPAÇO E A COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 938 The right to be forgotten and freedom of the press: An analysis of the cyberspace and the conflict of fundamental rights Roxana Cardoso Brasileiro Borges 939 Cláudio de Oliveira Dantas Filho 940 Resumo O presente artigo aborda o conflito entre os direitos fundamentais ao esquecimento e à liberdade de imprensa virtual no Brasil. A partir de uma análise bibliográfica e documental, são esmiuçadas as questões concernentes ao uso de dados pretéritos por parte da imprensa no tempo presente e a sua posterior fixação em bancos de dados tendentes a eternidade, como o Google. No intuito de colaborar à concretização de uma jurisdição constitucional mais sólida, o trabalho possui como principal finalidade a efetivação ponderada dos direitos fundamentais envolvidos, para tanto, foram desenvolvidos filtros interpretativos. São eles: (a) veracidade; (b) licitude na obtenção da informação; (c) tratar-se ou não se pessoa pública; (d) existência de interesse público na notícia veiculada; (e) local de obtenção da informação; (f) responsabilidade dos bancos de dados pela retirada dessas informações da rede. Tais 938 Artigo submetido em 08/04/2016, pareceres de aprovação em 02/05/2016, aprovação comunicada em 17/05/2016. 939 Doutora em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Mestre em Instituições Jurídico-Políticas pela Universidade Federal de Santa Catarina, Bacharela em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Professora Associada de Direito Civil da Universidade Federal da Bahia, Professora Adjunta da Universidade do Estado da Bahia e do Centro Universitário Estácio de Sá. [email protected] 940 Bacharelando em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Pesquisador Bolsista do PIBIC/ CNPq. [email protected]

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DIREITO AO ESQUECIMENTO E LIBERDADE DE IMPRENSA: UMA ANÁLISE SOBRE O CIBERESPAÇO E A

COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS938

The right to be forgotten and freedom of the press: An analysis of the cyberspace and the conflict of fundamental rights

Roxana Cardoso Brasileiro Borges939 Cláudio de Oliveira Dantas Filho940

ResumoO presente artigo aborda o conflito entre os direitos fundamentais ao

esquecimento e à liberdade de imprensa virtual no Brasil. A partir de uma análise bibliográfica e documental, são esmiuçadas as questões concernentes ao uso de dados pretéritos por parte da imprensa no tempo presente e a sua posterior fixação em bancos de dados tendentes a eternidade, como o Google. No intuito de colaborar à concretização de uma jurisdição constitucional mais sólida, o trabalho possui como principal finalidade a efetivação ponderada dos direitos fundamentais envolvidos, para tanto, foram desenvolvidos filtros interpretativos. São eles: (a) veracidade; (b) licitude na obtenção da informação; (c) tratar-se ou não se pessoa pública; (d) existência de interesse público na notícia veiculada; (e) local de obtenção da informação; (f) responsabilidade dos bancos de dados pela retirada dessas informações da rede. Tais

938 Artigo submetido em 08/04/2016, pareceres de aprovação em 02/05/2016, aprovação comunicada em 17/05/2016.

939 Doutora em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Mestre em Instituições Jurídico-Políticas pela Universidade Federal de Santa Catarina, Bacharela em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Professora Associada de Direito Civil da Universidade Federal da Bahia, Professora Adjunta da Universidade do Estado da Bahia e do Centro Universitário Estácio de Sá. [email protected]

940 Bacharelando em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Pesquisador Bolsista do PIBIC/CNPq. [email protected]

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filtros são parâmetros que objetivam uma investigação detalhada acerca dos fatos que circundam o conflito entre o direito ao esquecimento e a liberdade de imprensa no ciberespaço.

Palavras-chave: Direito ao esquecimento, liberdade de imprensa, direitos fundamentais, internet.

AbstractThis paper investigates the conflict between the fundamental right to be

forgotten and the right to freedom of the virtual press in Brazil. Based on a literature and document review, the paper examines issues related to the present use of past data by the press and the storage of these data in databases where they tend to stay available forever, such as in Google. In order to contribute to the implementation of a sounder constitutional jurisdiction, the main purpose of this paper is the thoughtful realization of the fundamental rights at stake. In order to achieve this goal, some interpretative filters were designed: (a) truthfulness; (b) lawful information collection; (c) whether the subject is a public figure; (d) whether the published news is of public interest; (e) where the information was obtained; (f) responsibility of databases for the removal of this information from the web. These filters are parameters designed to conduct a more detailed investigation of the facts surrounding the conflict between the right to be forgotten and the freedom of the press in cyberspace.

Keywords: right to be forgotten, freedom of the press, fundamental rights, Internet.

Sumário1. Introdução. 2. A liberdade de imprensa. 2.1 O direito fundamental à liberdade

de manifestação do pensamento. 2.2 Limitações ao exercício da imprensa. 3. O direito fundamental ao esquecimento e o superinformacionismo cibernético 3.1 Peculiaridades da liberdade de imprensa na internet 3.2 A perenidade das informações no ciberespaço. 4. A colisão de direitos fundamentais: aplicação ao direito ao esquecimento na internet. 4.1 A colisão entre o direito ao esquecimento e a liberdade de imprensa na internet: análise de casos concretos 4.2 Filtros interpretativos para a resolução do conflito entre o direito ao esquecimento e a liberdade de imprensa no ciberespaço 5. Conclusões

1. Introdução

Diversas transformações ocorrem no direito decorrentes das novas formas de interação das pessoas com os meios instantâneos de comunicação, bem como pela participação direta do “Quarto Poder”941 no ciberespaço.

941 Fazendo referência aos três poderes que compõem o sistema tripartido: Executivo, Legislativo e Judiciário, denomina-se de quarto poder os órgãos de imprensa, aqueles que formam a opinião da sociedade num formato de mídia massificada.

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A internet, como veículo de comunicação de massa, chegou há pouco mais de vinte anos no Brasil e trouxe repercussões então inimagináveis (CARVALHO, 2006, p. 125), inclusive desacreditadas por alguns que pensaram ser mais uma febre passageira (VIEIRA, 2003, p. 18).

Novas demandas sociais produzem, geralmente, repercussões na esfera jurídica. Com a liberdade de imprensa e a sua inserção no ciberespaço não é diferente. Uma vez que “O crescente número de sites (...) marca uma mudança importante nos processos de produção, veiculação e consumo das notícias. Alteram-se de forma radical todo o dinamismo e velocidade da produção e circulação da informação” (PORTO, 2009, p. 101).

Nesse contexto, os meios de difusão informacional proporcionam uma superexposição da vida de diversas pessoas, causada pela instantaneidade e velocidade na circulação das mensagens, que é inerente ao meio virtual. Neste contexto, surge o conflito entre a esfera individual da pessoa e a liberdade de expressão, consubstanciada na liberdade de imprensa, ambas protegidas constitucionalmente.

Diante disso, emerge a discussão sobre o chamado direito ao esquecimento, fundando na ideia de não se terem informações pessoais pretéritas trazidas à tona no tempo presente942. Aponta-se, neste momento, para a colisão entre direitos fundamentais: de um lado, o direito de ser esquecido pela mídia, decorrente do direito à privacidade, e, de outro lado, o direito à liberdade de manifestação do pensamento, especialmente, neste trabalho, na vertente da liberdade de imprensa.

Para analisar este conflito, este artigo, na primeira seção, situa a liberdade de imprensa enquanto um direito fundamental necessário ao exercício de um Estado Democrático de Direito, revisitando o argumento do caráter absoluto ou relativo da liberdade de imprensa e as suas possíveis limitações na atualidade brasileira.

A segunda seção vem pormenorizar a questão do direito ao esquecimento no mundo virtual - novo espaço ocupado pela imprensa -, mais precisamente acerca da sempiternidade das informações presentes nos bancos de dados dos sítios virtuais de busca.

A terceira seção traz o enfoque constitucional necessário à resolução desse conflito entre direitos fundamentais, o que se faz com o auxílio de estudos de casos concretos. Posteriormente explorar-se-á os potenciais filtros interpretativos à ponderação de bens e interesses entre o direito ao esquecimento e a liberdade de imprensa na internet.

2. A Liberdade de Imprensa942 Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil – A tutela da dignidade da pessoa humana na

sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. Artigo: 11 do Código Civil.

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De início, cabe esclarecer que imprensa não significa apenas a comunicação social através de material em meio impresso, como revistas e jornais em papel. Seu conceito é amplo e inclui outros veículos, como televisão, rádio, internet. Todos são abrangidos pela liberdade de imprensa.

A liberdade de imprensa é corolário da liberdade de expressão, pois a imprensa é um mecanismo geral de expressão, formadora de opiniões do dia-a-dia mesmo quando não se percebe tal processo. Assim, poderíamos nos referir ao conflito entre liberdade de expressão e direito à privacidade, ambos direitos constitucionalmente assegurados no art. 5º943 da Constituição Federal944, mas vamos dar ênfase aos conflitos que envolvem diretamente a imprensa e o direito à informação, por serem mais objeto de conflitos judiciais do que a liberdade de expressão em sentido amplo.

A grande importância do tema está em que a liberdade de imprensa é um dos principais pilares da democracia. É notório que a consolidação da democracia de um país é diretamente proporcional ao grau de liberdade de imprensa que se assegura. Não significa que a imprensa está acima da lei, mas se garante que não haverá censura, retaliação ou perseguição a pessoas ou veículos de comunicação pelo normal exercício da liberdade de expressão. Sem que haja a possibilidade de fiscalização dos poderes públicos, da manifestação de opinião sobre assuntos de interesse da sociedade, sem que se garanta à pessoa o direito à informação, não resta democracia, os governos ficam livres para atuar arbitrariamente, desaparecem os principais espaços para debate e para desenvolvimento social, político, cultural. Não é necessário recordar os detalhes da atuação dos regimes totalitários, de ontem e de hoje, no que tange ao controle dos veículos de comunicação, à vedação de conteúdos, à perseguição a pessoas, naturais e jurídicas, que pretenderam ou pretendem expressar-se e informar945.

943 “IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;”

944 Tanta importância o constituinte de 1988 deu à liberdade de imprensa que reservou um capítulo exclusivo para sua garantia, que se inicia com as seguintes disposições: “Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV § 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.” O texto constitucional passa a delimitar, a seguir, outros aspectos do exercício da liberdade de imprensa.

945 A Lei 5.250/67, conhecida como Lei de Imprensa, é símbolo da atuação dos regimes totalitários no que tange ao controle da liberdade de manifestação do pensamento e da informação. Finalmente, em 2009, o STF julgou procedente a ADPF n. 130, declarando como não recepcionado pela Constituição de 1988 todo o conjunto de dispositivos da referida lei.

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Tal importância da liberdade de imprensa e sua estreita ligação com a liberdade de expressão e de manifestação do pensamento, sugerem sua essencialidade até mesmo para a proteção da dignidade da pessoa humana, para o livre desenvolvimento da personalidade. Por isso, há opiniões de que tais liberdades acabam integrando, também, os direitos da personalidade. Sendo assim, o conflito pode ser posto de outra forma: entre os direitos de personalidade de uns (direito à livre manifestação, direito à informação) e os direitos de personalidade de outros (direito à privacidade, à intimidade) (BORGES, 2011, p. 307-337).

No atual texto constitucional brasileiro946, a liberdade de imprensa recebe tratamento cuidadoso. No Capítulo V, artigo 220, faz-se presente na Constituição Federal de 1988, como garantia de que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”947. Desse modo, fica clara a intenção do legislador de proteger os órgãos de imprensa, sendo vedado qualquer tipo de embaraço à plena atividade profissional do jornalista.

Como reconhecimento do exercício pleno da imprensa no Brasil, aponta-se a decisão do Supremo Tribunal Federal, que considerou totalmente procedente o pedido consubstanciado na ADPF 130 (MENDES, 2010, p. 26). A referida Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) trata sobre a controversa lei de imprensa, nº 5.250/67 e a sua total incompatibilidade com a Constituição Federal.

Questionou-se, na referida ADPF, o fato de que a lei de imprensa, editada durante o regime militar, possuía 28 artigos que versavam sobre os abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação e as suas respectivas sanções, penais e civis. Tal limitação não se coaduna com o preceito constitucional democrático, para o qual a liberdade de imprensa deve ser plena948.

A imprensa, nos dias de hoje, possui um potencial de alcance incomparável ao que foram os primeiros passos dos jornais impressos, o que nos faz questionar

946 Descrever o escopo histórico em que se insere a liberdade de imprensa, desde a censura na recente ditadura militar brasileira até o presente momento de mídias massificadas, é tarefa que extrapola os fins deste trabalho.

947 Artigo 220, caput da Constituição Federal de 1988.948 Cumpre citar a seguinte passagem constante no voto que declarou a procedência da ação: “É

da lógica encampada pela nossa Constituição de 1988 a autorregulação da imprensa como mecanismo de permanente ajuste de limites da sua liberdade ao sentir-pensar da sociedade civil. Os padrões de seletividade do próprio corpo social operam como antídoto que o tempo não cessa de aprimorar contra os abusos e desvios jornalísticos. Do dever de irrestrito apego à completude e fidedignidade das informações comunicadas ao público decorre a permanente conciliação entre liberdade e responsabilidade da imprensa. Repita-se: não é jamais pelo temor do abuso que se vai proibir o uso de uma liberdade de informação a que o próprio Texto Magno do País apôs o rótulo de plena”. (STF - ADPF: 130 DF, Relator: Min. CARLOS BRITTO, Data de Julgamento: 30/04/2009, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-208, publicado em 06-11-2009.)

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se isso gera uma maior responsabilidade na propagação das informações, uma responsabilidade que deve ser reflexo de todas as importantes conquistas dessa liberdade. Afinal, “A imprensa livre é o espelho intelectual no qual o povo se vê, e a visão de si mesmo é a primeira confissão da sabedoria” (MARX, 2006, p. 42).

Vale ressaltar, ainda, a importância do direito de se manter informado. O direito fundamental à informação está previsto no artigo 5º, XIV, da Constituição, e constitui, ao mesmo tempo, requisito e corolário do processo democrático que deve delinear a difusão informacional por parte dos órgãos de imprensa.

No entanto, o conceito de liberdade plena de imprensa também é passível de questionamentos, pois é necessário refletir sobre o ponto intermediário no confronto entre o abuso da liberdade e a censura. Essa inquietação não é sonegada por parte da doutrina jurídica, onde se encontram posicionamentos segundo os quais existe maior apreço pelos males que a liberdade de imprensa impede do que pelos bens que ela faz (TOCQUEVILLE, 2004, p. 207).

2.1 O direito fundamental à liberdade de manifestação do pensamento

Apesar da proximidade conceitual, há confusões teóricas ao se igualar a liberdade de manifestação do pensamento à liberdade de imprensa. A liberdade de manifestação do pensamento constitui um dos aspectos do plano externo da liberdade de opinião (SILVA, J., 2006, p. 243).

A Constituição Federal estabelece uma diferença entre a vedação ao anonimato e o resguardo ao sigilo da fonte. De um lado, a liberdade de manifestação do pensamento encontra-se limitada pela vedação ao anonimato, ou seja, todos tem a liberdade de manifestar o seu pensamento, desde que revele a procedência daquele dado pensamento manifestado (SILVA, J., 2006, p. 244).

Por outro lado, para fins de proteção à prática profissional do jornalista e da imprensa como um todo, o inciso XIV da Constituição Federal garante que deve ser resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional949.

Para a atuação dos jornalistas, é indispensável o sigilo da fonte (MISAILIDIS; SILVA, 2015, p. 51), pois, se as fontes forem reveladas, haverá grave prejuízo ao direito coletivo à informação, bem como, haverá o risco de se de produzirem danos à integridade psíquica e até física do informante.

949 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

XIV - e assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

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O provável motivo de o constituinte ter dado tratamento diferenciado à manifestação do pensamento e à liberdade de imprensa são as diferentes forças de impacto que ambas possuem, para o funcionamento de um autêntico regime democrático (FARIAS, 2004, p. 158).

Não se quer dizer que a liberdade de manifestação do pensamento é inferior à liberdade de imprensa, ou que a primeira possui impacto ínfimo se comparado à segunda. No entanto, a pujança da imprensa continua a crescer, sendo inclusive, no Brasil, dominada pelas mãos de, em média, dez famílias que satisfazem os interesses políticos e econômicos de determinados grupos dominantes e acabam, por vezes, se esquecendo do real objetivo da imparcialidade jornalística: a democracia. (PERUZZ, 2002, p. 77).

Desse modo, não se deve perder de vista uma postura responsável daquele que informa, qualidade imprescindível ao exercício da liberdade de impressa, tendo como norte princípios basilares, como a imparcialidade e diversidade de opiniões. Uma vez que “vivemos num sistema visual muito instável em que a mínima flutuação da nossa percepção visual provoca ruptura na simetria do que vemos” (SANTOS, 2008, p. 14-15), a imprensa cumpre um papel fundamental na formação da opinião pública, um papel que deve ser exercido de forma crítica, informativa e plural.

2.2 Limitações ao exercício da imprensa na atualidade

Como todo direito fundamental, a liberdade de imprensa pode ser restringida em detrimento de outros direitos, que prevaleçam num determinado caso concreto. Essa ideia foi encampada pelo STF950 por meio dos princípios da proporcionalidade e proibição do excesso (MENDES, 2001, p.2) e possui como fundamento o caráter relativo dos direitos fundamentais, de modo que podem ser limitados, mas não podem ter o seu núcleo essencial atingido. O que caracterizaria um direito como fundamental seria justamente a sua mínima eficácia garantida pelo núcleo essencial do direito fundamental (ÁVILA, 2004, p. 374).

Buscando o foco da pesquisa, as limitações à liberdade de imprensa mais importantes para o desenvolvimento do presente trabalho são os direitos da personalidade, mais precisamente nos direitos à integridade psíquica. Estes se encontram presentes, principalmente, no artigo 5º, incisos X, XI e XII, e no artigo 21 do Código Civil.

Os direitos da personalidade - não só os direitos à integridade psíquica - são afirmações da plena integridade do indivíduo, ou seja, a afirmação do livre

950 Explicitamente reconhecido pelo STF a partir do julgamento da ADIN 855-2, por meio da qual admitiu-se a violação ao princípio da proporcionalidade. Hoje, esse princípio é largamente utilizado, pelas decisões da Corte, principalmente como instrumento para solucionar colisão de direitos fundamentais.

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desenvolvimento da personalidade através da dignidade da pessoa humana (SILVA, 2006, J., p. 89).

A respeito da ponderação entre, de um lado, direito de privacidade e, de outro, liberdade de imprensa e direito à informação, a discussão centra-se na ideia de interesse público: para que a imprensa possa divulgar informações que se encontram no âmbito da vida privada de alguém, contra seu consentimento, é necessário que haja interesse público pela informação, no caso concreto.

Fácil seria invocar, a todo tempo, a presença e a supremacia do interesse público e estaria resolvida a questão a favor, sempre, da divulgação. Não é assim. Concordamos com a doutrina e jurisprudência norte-americanas quando exigem que o interesse público justificador da divulgação de dados aparentemente privados sobre a pessoa deve ser explicitado, observando-se, como critérios: a veracidade da informação, a necessidade ou utilidade da informação para a sociedade e a proporcionalidade na sua divulgação.

Embora pareça um requisito óbvio, a veracidade tem que ser aqui mencionada como qualidade inafastável que a matéria ou coluna de opinião deve ter. As publicações não podem ser feitas negligentemente, sem um mínimo de investigação ou de confiabilidade da fonte por parte dos veículos de comunicação. Agindo assim, pode vir a responder por ofensa aos direitos de personalidade, seja no que tange à privacidade, seja em relação à honra da pessoa.

Além de verdadeira, a informação que se divulga deve ser necessária ou útil para a população, destinatária da liberdade de imprensa. Necessidade é mais do que utilidade. Sendo assim, a informação tem que ser, no mínimo, útil para a sociedade, para que as pessoas possam tomar conhecimento e formar opiniões a respeito de fatos que realmente possam repercutir em suas vidas, como as questões sobre política, economia, segurança pública, políticas públicas, saúde, dentre outros. Nem sempre a avaliação da utilidade social da informação é fácil, podendo gerar controvérsias influenciadas pelo contexto cultural do país ou dos debatedores. Assim, é uma questão comum: fatos da vida familiar de um político, como um dirigente estatal, um ocupante de cargo político ou público, deve ser objeto de divulgação sob o manto da liberdade de imprensa? Posta esta questão, partimos para a pergunta que deve nos ajudar a encontrar a resposta: essa informação oferece que utilidade para a população? E, aí, a avaliação da conduta do político tido como exemplo varia muito: uns consideram que importa para a população saber como ele trata a família, se respeita esposa e filhos, justificando que esse comportamento é inevitavelmente transposto para a sua vida pública, para o modo como ele vai gerir a coisa pública; enquanto outros entendem que não há nenhuma relação entre a vida familiar do político e sua atuação pública, não havendo legitimidade na divulgação de tais informações. Pode até despertar perplexidades uma análise, através do que se obtém pela imprensa internacional, das diferentes reações à revelação de dados particulares da vida dos políticos em outros

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países ocidentais: o mesmo fato pode ser considerado um escândalo numa sociedade e, noutra, ser tão irrelevante que nem gera repercussão social.

Mesmo diante dessas dificuldades, há de se distinguir entre a informação que satisfaz a uma necessidade ou utilidade pública e a que satisfaz à curiosidade pública. É muito comum que pessoas célebres, sejam do meio político, empresarial ou artístico, tenham dados de sua vida privada revelados, contra seu consentimento, apenas para fim de entretenimento, simplesmente para a satisfação da curiosidade pública pela vida privada alheia.

De uma forma geral, não vemos como se justificar, com base na ideia de interesse público, a divulgação não autorizada de relacionamentos amorosos, de fins de relacionamentos amorosos, de separações e divórcios, de crises conjugais, de problemas de saúde, de dificuldades emocionais ou econômicas pelas quais podem passar as pessoas notórias.

Não reconhecemos nem necessidade nem utilidade na divulgação de que um cantor se separou de uma atriz, ou de que uma apresentadora sofreu uma infidelidade, ou de que uma cantora tem algum problema de saúde, dentre outras notícias similares. Se o fato não se relaciona com a vida profissional da pessoa, se não diz respeito à divulgação de shows, de participação em peças ou novelas, de lançamento de obras, é preciso que haja consentimento da pessoa, ou a divulgação implicará violação do seu direito de privacidade ou intimidade.

Não concordamos com a maioria da doutrina que defende que as pessoas notórias têm um círculo de privacidade mais reduzido do que as pessoas não notórias. A diferença que vemos é quanto à natureza do trabalho dessas pessoas, que alcança um público muito maior do que o vendedor numa loja, a enfermeira numa clínica, o médico no consultório. Pode haver, portanto, o interesse de um maior número de pessoas sobre a vida (profissional) do artista de TV do que sobre o médico que atende em seu consultório, por onde poucos passam e do qual poucos têm conhecimento.

Apesar de nossa posição sobre o tema, temos que reconhecer que prevalece, quantitativamente, na doutrina e na jurisprudência brasileiras, o entendimento de que as pessoas notórias, também chamadas de pessoas públicas, têm proteção menor de suas vidas privadas. Chega-se a afirmar que resta-lhes apenas o pequeno círculo da intimidade, tendo elas renunciado ao direito de privacidade ao optarem por profissões ou estilos de vida que despertam a curiosidade pública.

Por último, o critério da proporcionalidade na divulgação da informação é, também baliza para a aferição do equilíbrio entre a liberdade de imprensa e a proteção da privacidade. É um critério sutil, mas de grande importância prática. Mesmo quando a divulgação da informação seja considerada necessária ou útil socialmente, o modo de sua divulgação pode configurar desvio no exercício da liberdade de imprensa, tendo-

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se por violado o direito de privacidade. É senso comum que há informações mais úteis que outras. O destaque que se dá a uma ou a outra, a intensidade da manchete, a repetição da notícia, a importância que os veículos dão a certas informações podem ser determinantes da averiguação do exercício normal ou do exercício abusivo da liberdade de imprensa. Assim, colocar uma informação de menor importância, que sequer equivale a matéria de conteúdo mais significativo, numa chamada de capa de jornal ou de revista pode ser considerado abusivo. Esta proporcionalidade no modo de divulgação da informação, além da divulgação em si, tem que ser avaliada no caso concreto, pois a divulgação que, inicialmente, estaria justificada pelo interesse público, perde sua legitimidade (e sua licitude) ao pretender sugerir à população dimensão que comumente não tem (BORGES, 2011, 307-337).

Dentre todas as vertentes trazidas nos incisos citados anteriormente, o recorte temático coloca o direito à privacidade em um destaque especial, afinal, é a partir dele que surge o próprio direito ao esquecimento, inclusive no âmbito da internet.

O direito a privacidade é o reconhecimento da necessidade de proteção do âmbito privado da pessoa contra violações externas, acarretadas por intromissões numa esfera que não lhe diz respeito, por tratar-se de informações pessoais, ou seja, sobre o modo de ser do indivíduo (BORGES, 2009, p. 163). Na concepção de Stefano Rodotà, pode ser definido “em uma primeira aproximação, como o direito de manter o controle sobre as próprias informações” (2008, p. 92). E é nesse contexto que se insere o direito ao esquecimento, temática que será explorada com maior clareza no tópico a seguir.

3. O direito fundamental ao esquecimento e o superinformacionismo cibernético.

Dentre as inquietações doutrinárias que o direito à privacidade provoca, eis que se desenvolve a temática do direito ao esquecimento. Este conceito surgiu pioneiramente numa construção jurisprudencial francesa951, posteriormente sendo objeto de discussão no Parlamento Europeu, o qual definiu um projeto de regulamentação legal952 acerca do direito ao esquecimento, na internet. Com esse

951 Em uma decisão proferida em 20 de abril de 1983, Mme. Filipachi Cogedipresse,a Corte da última instância em Paris consagrou o direito ao esquecimento: “(...) qualquer pessoa que se tenha envolvido em acontecimentos públicos pode, com o passar do tempo, reivindicar o direito ao esquecimento; a lembrança destes acontecimentos e do papel que ela possa ter desempenhado é ilegítima se não for fundada nas necessidades da história ou se for de natureza a ferir sua sensibilidade; visto que o direito ao esquecimento, que se impõe a todos, inclusive aos jornalistas, deve igualmente beneficiar a todos, inclusive aos condenados que pagaram sua dívida para com a sociedade e tentam reinserir-se nela” (OST, François. O tempo e o direito. São Paulo: EDUSC, 2005, p. 160-161).

952 Resolução legislativa do Parlamento Europeu, de 12 de março de 2014, sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (regulamento geral de proteção de dados). Disponível em <http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//TEXT+TA+P7-TA-2014-0212+0+DOC+XML+V0//PT> Acesso em 27 de março de 2015.

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posicionamento do parlamento, aqueles que tiverem a sua privacidade violada, por consequência da superexposição de provedores de internet possuem o direito de ver as suas informações pessoais excluídas da rede virtual (PIMENTEL; CARDOSO, 2015, p. 52). A manutenção dos dados somente poderá ser aceita para “investigação histórica, estatística ou científica, bem como por motivos de interesse público no domínio da saúde pública, ou de exercício da liberdade de expressão, se esta for exigida por lei953”.

Em âmbito brasileiro, a realidade não é distante, mostra-se presente no dia a dia jurídico e social. A jurisprudência nos tribunais superiores do Brasil apresentavam discussões acerca da matéria - não só na internet -, antes mesmo da construção legislativa acerca do marco civil da internet (BUCAR, 2013, p. 3).

A urgência do debate acerca do direito ao esquecimento faz-se presente desde a necessidade de uma conceituação mais precisa até a abrangência que esse direito pode alcançar. Portanto, numa abordagem ampla, deve-se considerar o direito ao esquecimento como um direito fundamental, essencialmente ligado à dignidade da pessoa humana (LIMA; AMARAL, 2013, p. 7) na sociedade da informação, o qual resguarda a integridade do livre desenvolvimento da personalidade do indivíduo contra o rememoramento de informações deixadas no passado, que não possuem mais relevância ao conhecimento coletivo do presente.

Stefano Rodotà aponta a importância da proteção dos dados, tanto com necessidade de resguardo da vida privada, como também numa dimensão da própria liberdade, um direito fundamental. Entende o autor que não deve ser tolerado o uso do indivíduo como um alvo de vigilância constante (RODOTÀ, 2008, p. 13-19).

Deste modo, falar sobre direito ao esquecimento e superinformacionismo (LIMA; AMARAL, 2013, p. 7) no ambiente virtual, é falar sobre os limites aos quais a mídia cibernética massificada deve estar atenta para a não violação ao direito do cidadão de não ter as suas informações pretéritas divulgadas ao conhecimento público, quando na verdade, não diz respeito à coletividade saber.

A veiculação na internet através dos portais virtuais de imprensa, a exemplo de jornais impressos tradicionais que, atualmente, também usam a internet para publicar seus conteúdos, sejam veículos de grande porte ou menor porte, preocupa, pois as informações ficam alojadas nos bancos de dados dos sítios virtuais de busca, como será discutido a seguir.

3.1 Peculiaridades da liberdade de imprensa na internet

953 Resolução legislativa do Parlamento Europeu, de 12 de março de 2014. Disponível em <http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//TEXT+TA+P7-TA-2014-0212+0+DOC+XML+V0//PT> Acesso em 27 de março de 2015

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Por consequência das histórias que marcaram as lutas da sociedade pela liberdade de imprensa, é comum associá-la aos meios tradicionais de difusão informativa, a exemplo do rádio, da televisão e dos jornais impressos. No entanto, não é mais cabível essa visão reducionista na sociedade da informação, existindo críticas, inclusive, ao próprio termo “imprensa”, por fazer alusão aos veículos impressos de comunicação (SILVA, J., 2006, p. 246).

Notando o desenvolvimento tecnológico que o Brasil começara a atravessar, o constituinte derivado repensou os dispositivos presentes no Capítulo V da Constituição Federal, mais especificamente no artigo 222. Por meio da Emenda Constitucional n. 36, de 28 de maio de 2002, foi incluída a comunicação social eletrônica no campo de incidência dos princípios de produção e programação presentes no artigo 221, conforme parágrafo 3º do referido dispositivo, que, outrora, dizia respeito apenas às emissoras de rádio e televisão954.

Não há como fragmentar a liberdade de imprensa simplesmente pelos diversos meios de comunicação que a ela correspondem, no entanto, cada um desses meios possui as suas peculiaridades no exercício desse direito. Deste modo, a liberdade de imprensa, na internet, insere-se no livre exercício profissional do jornalista955 para a publicação de matérias jornalísticas, respeitados os princípios de produção e publicação presentes na Constituição Federal.

Outras peculiaridades a serem elencadas dizem respeito à recepção e o alcance que essa espécie de canal comunicativo possui. A imprensa na internet, composta por jornais virtuais e até mesmo por sites de produção jornalística profissional e autônoma, possui o imediatismo como sua maior força. Mesmo que as matérias televisivas possuam uma recepção muito rápida, a internet tomou uma dimensão maior, mais veloz, sendo comum assistir na televisão informações jornalísticas que já foram publicadas na rede virtual anteriormente. Constitui-se assim, um novo panorama tecnológico, que deve ser percorrido para que possam ser compreendidos os efeitos sociais das tecnologias da informação e dos veículos de comunicação na esfera privada (RODOTÀ, 2008, p. 127).

Quando se trata sobre o alcance que a imprensa na internet possui, o objetivo é refletir até onde as informações divulgadas, geograficamente falando, podem chegar.

954 Artigo 222, parágrafo 3º da Constituição da República Federativa do Brasil. 955 “O jornalismo é uma profissão diferenciada por sua estreita vinculação ao pleno exercício das

liberdades de expressão e de informação. O jornalismo é a própria manifestação e difusão do pensamento e da informação de forma contínua, profissional e remunerada. Os jornalistas são aquelas pessoas que se dedicam profissionalmente ao exercício pleno da liberdade de expressão. O jornalismo e a liberdade de expressão, portanto, são atividades que estão imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensadas e tratadas de forma separada.” (STF - RE: 511961 SP, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 17/06/2009, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-213, publicado em 13-11-200.)

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No entanto, com a globalização, a conexão torna-se possível entre os diversos locais de um país, como também, em qualquer lugar do mundo. Dessa forma, é impossível saber até onde aquele dado informativo chegou, afinal, todos que estão na rede são comunicadores em potencial, elos comunicantes, elos informacionais (FELÍCIO, 2015, p. 31).

Urge, então, um melhor tratamento sobre a relação entre liberdade de impressa e a proteção dos dados individuais. A divulgação de informações no ciberespaço, que nem sempre são verdadeiras ou que não foram suficientemente apuradas, ou ainda, por se tratar meramente de um aspecto da vida privada de um indivíduo, divulgadas corriqueiramente, podem provocar prejuízos tanto econômicos (como direito de imagem, danos materiais) como formar danos irreparáveis em aspectos do direito a privacidade dos indivíduos lesados (integridade física ou psíquica).

Neste contexto, até que ponto há exercício regular do direito à liberdade de imprensa na internet, frente ao direito ao esquecimento, uma vez que as informações divulgadas cairão num banco de dados virtual, como o Google, de caráter tendente à eternidade? Como proteger a privacidade das pessoas, em especial do ponto de vista do direito ao esquecimento, quando se afirma que “a internet nunca esquece”?

3.2 A perenidade das informações no Ciberespaço

Tão dinâmica é a troca de informações na rede mundial que nem sempre há a necessária reflexão sobre o problema de que as informações retidas no mundo virtual tenham, realmente, um aspecto de perenidade. E mesmo que possam ter esse caráter, difícil pode ser acreditar que essas informações vão realmente trazer consequências na vida das pessoas envolvidas.

Quanto ao ciberespaço, ainda é possível afirmar que o direito ao esquecimento não será garantido na sua plenitude, pois fatos pretéritos que possuam uma repercussão na vida social em caráter mais amplo nunca serão esquecidos na sua integralidade (ALMEIDA JÚNIOR, 2013, p. 165). Afinal, devido ao crescimento geométrico das tecnologias digitais, a habilidade da sociedade em esquecer foi suprimida, sendo transformada pela memória perfeita (MAYER-SHÖNBERGER, 2009, p. 50).

Dentre as repercussões positivas que essa facilidade de obtenção de informações que sites de busca, como o Google, traz, está, por exemplo, a possibilidade que as empresas tem em seguir, de forma mais eficiente, as tendências do mercado (COSTA, 2013, p. 189). Além disso, em âmbito acadêmico, a construção se tornou muito mais democrática, afinal, os sites de busca propiciam que diversas fontes confiáveis e de alcance internacional estejam a um clique de distância dos internautas (PORTO, 2009, p. 152).

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A internet produz uma capacidade e uma forma de armazenamento de dados que nenhum dos outros meios de comunicação possui. As próprias informações veiculadas em todos os outros meios de comunicação, que possuam uma repercussão geral na sociedade, acabam sendo armazenadas na rede virtual, podendo ser propagadas e multiplicadas em diferentes espaços na rede.

Isso traz um conflito de dificílima resolução, pois o próprio Google se nega a retirar as informações contidas em seu banco de dados informacional que entrem em confronto com o direito ao esquecimento, alegando o direito à livre manifestação do pensamento e a liberdade de expressão (GOMEZ, 2011). Ocorre que nenhum direito fundamental é absoluto, somente podendo definir a prevalência de um sobre o outro diante de circunstâncias concretas (DIMOULIS; MARTINS, 2011, 161).

4 A colisão de direitos fundamentais: aplicação ao direito ao esquecimento na internet

Há colisão entre direitos fundamentais quando o exercício de um determinado direito fundamental entra em conflito com um ou mais bens jurídico-constitucionais (DIMOULIS; MARTINS, 2011, 161). No entanto, por se tratarem de direitos fundamentais, eles possuem um caráter absoluto prima facie (ALEXY, 2011, p. 103), ou seja, a colisão é o último passo, devendo sempre respeitar a máxima eficácia dos direitos em questão como reflexo da própria dignidade da pessoa humana (SILVA, V., 2006, p. 27).

Antes de se debruçar mais detalhadamente sobre o tema, cumpre ainda salientar a distinção entre as regras e princípios trazida por Robert Alexy. No caso das regras, garantem direitos (ou impõem-se deveres) definitivos, ao passo que, no caso dos princípios, são garantidos direitos (ou são impostos deveres) que devem ser tutelados de forma plena a priori (SILVA, V., 2006, p. 27).

Diante disso, diferentemente do modelo americano dos precedentes vinculativos para a resolução dos conflitos entre os direitos fundamentais, o sistema jurisdicional brasileiro não admite que os direitos fundamentais sejam tratados de forma desigual antes da análise do caso concreto (MARINONI, 2015, p. 3).

Isso se deve pela identificação de um argumento de proteção suprema aos direitos fundamentais, os quais possuem aplicação imediata segundo a própria Constituição Federal956. Ou seja, não é possível preferir um direito fundamental perante o outro antes da análise do caso concreto, partindo do pressuposto constitucional de que eles possuem horizontalidade no seu âmbito de proteção.

956 Art. 5º (...) § 1ºAs normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

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Revela-se com o método proposto uma tendência de liberdade ao poder discricionário do juiz. A exemplo do conflito entre a liberdade de imprensa na internet e o direito ao esquecimento, não se sabe, antes de uma análise detida dos fatos, qual direito será privilegiado em detrimento do outro.

Nesse diapasão, “o paradigma jurídico, que já passara, na modernidade, da lei para o juiz, transfere-se agora para o caso concreto, para a melhor solução, singular ao problema a ser resolvido” (BARROSO, 2001, p. 14). Mas a grande questão é: o que é a melhor solução? Torna-se angustiante, e até repetitivo, todavia, para o sistema jurídico brasileiro, essa questão não poderá ser respondida se não pela análise aprofundada do caso concreto.

A interferência limitadora em um direito fundamental deve ser devidamente fundamentada pelo juiz, com o amparo da argumentação jurídica (CARNEIRO, 2011, p. 203). Ou seja, “quanto mais intensiva é uma intervenção em um direito fundamental tanto mais graves devem ser as razões que a justificam” (ALEXY, 1999, p. 24).

A situação se torna mais laboriosa quando falamos dos conflitos entre direitos fundamentais, em que convicções pessoais do julgador precisam ser controladas a partir de premissas do ordenamento jurídico. Ainda não há, no Brasil, a adoção do sistema de precedentes judiciais, o que permite uma certa insegurança jurídica quanto aos significados dos direitos fundamentais, deixando a cargo do intérprete julgador “como se a Constituição fosse uma válvula de escape para a liberação dos seus valores e desejos pessoais” (MARINONI, 2015, p. 3).

No tocante às cargas pessoais atribuídas à jurisdição constitucional, não é coincidência que o Supremo Tribunal Federal é comumente chamado de o “Tribunal das onze ilhas” (KLAFKE; PRETZEL, 2014, p. 91), em que as decisões da corte são definidas através da soma de argumentos individuais e totalmente diferenciados. Em muitos casos os Ministros tem o mesmo voto, mas seguem linhas de raciocínio distintas. Ganha-se em construção de conhecimento jurídico, mas perde-se em garantia à segurança jurídica.

Portanto, os precedentes constitucionais devem ter o seu valor empregado nessa ponderação. Não como um poder vinculativo em que os direitos fundamentais previamente sejam definidos como predominantes um em relação ao outro, mas como mais um recurso para se alcançar um fim que seja justificado pelos meios. Não só para os interpretes técnicos, mas também para a sociedade enquanto destinatária principal do direito.

Ou seja, uma decisão que não se esforce por trilhar o caminho argumentativo lógico e coerente desrespeita tanto o procedimento para uma jurisdição constitucional mais sólida quanto à sociedade.

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4.1 A colisão entre o direito ao esquecimento e a liberdade de imprensa na internet: análise de casos concretos.

Alguns casos ligados ao direito ao esquecimento ficaram notórios no Brasil nos últimos anos. Talvez o mais famoso deles seja a Repercussão Geral no Recurso Extraordinário com Agravo 833.248 - Rio de Janeiro957. Neste caso que chegou ao Plenário do Supremo, Aída Curi, mulher brutalmente assassinada na metade do século passado, teve a sua imagem veiculada por uma matéria do programa Linha Direta da Rede Globo no começo dos anos dois mil.

A família de Aída ajuizou um pedido de indenização por dano moral contra a Rede Globo, afinal, foi utilizada sua imagem indevidamente. Isso se deveu pelo rememoramento de um fato desabonatório que não era mais de conhecimento da coletividade e que traria mais prejuízos à família do que benefícios ao direito à informação da sociedade. Ao chegar ao STF, o Plenário julgou procedente a Repercussão Geral do caso, com grande influência do relator Ministro Dias Toffoli, e reafirmou que a proteção da dignidade da pessoa se estende ao direito ao esquecimento.

No entanto, apesar de ser um marco por ter sido o primeiro caso de direito ao esquecimento que chegou ao Supremo Tribunal Federal, existem muitos outros casos que não tiveram grande repercussão a ponto de chegar ao STF. Objetiva-se demonstrar que a tutela do direito ao esquecimento está presente, e muito, nas instâncias judiciais inferiores, onde se percebe que sua violação tem um grau altamente danoso ao desenvolvimento da personalidade da pessoa veiculada.

Não se pode perder de vista o recorte temático escolhido, portanto os casos propostos serão sobre o conflito entre o direito ao esquecimento e a liberdade de imprensa no ciberespaço, problematizando a questão da perenidade das suas informações mediante os sítios de busca, a exemplo do Google.

A partir de uma análise jurisprudencial se percebeu que o envolvimento dos “buscadores” nesse processo é muito delicado. O Google não produz informações, não escreve matérias, não entrevista pessoas, não veicula a imagem delas de forma primeira, por assim dizer (COSTA, 2013, p. 204). Tais informações só podem chegar ao Google se passar, antes disso, por publicações independentes, nesse caso, por sites administrados por órgãos de imprensa ou até mesmo blogs que produzam conteúdo informacional de forma profissional, ou seja, jornalística.

Cumpre destacar um caso ocorrido no Rio de Janeiro, no qual um motorista profissional que trabalhava em reboque de socorro ingressou com uma ação, em 2010, contra Infoglobo Comunicação e Participações S/A. O motorista relata que

957 STF - RG ARE: 833248 RJ - RIO DE JANEIRO, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 11/12/2014, Data de Publicação: DJe-033 20-02-2015.

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estava em mais um dia de trabalho, quando foi abordado por policiais militares que o encaminharam à delegacia para averiguação958.

Após colaborar com a polícia foi liberado, contudo, ao chegar a sua casa o motorista percebe que sua foto e nome estavam estampados nos meios de comunicação da empresa demandada, com matéria afirmando que é criminoso contumaz, quadrilheiro e ladrão de veículos.

O juízo a quo decidiu pela retirada das referidas matérias dos canais eletrônicos, sob pena de multa diária, além da devida indenização por danos morais ao demandante.

Noutro caso, o portal de notícias da Globo e o Jornal DFTV, veicularam notícia falsa sobre um pai que possivelmente teria sequestrado a sua própria filha de 2 anos de idade. Com o decorrer das investigações percebeu-se que o pai era inocente, e em 2010 ele ingressou com uma ação solicitando verbas indenizatórias, a título de danos morais, bem como a retirada das notícias das páginas de internet da empresa requerida.959

Contudo, ambos os direitos podem prevalecer diante do caso concreto. Convém ao julgador analisar os precedentes judiciais, a fim de garantir o direito fundamental à segurança jurídica (SARLET, 2010, p. 5). E em segundo lugar, utilizando-se de uma justificação decisória capaz, não só de explicar minuciosamente os motivos de determinado posicionamento, mas também que seja acessível para a compreensão pública.

Quanto à questão do Google e a utilização indevida da privacidade, pode-se elaborar a metáfora de uma árvore. Ao passo que as informações veiculadas pelos órgãos de imprensa na internet são a raiz, o Google é o tronco desta árvore. Ou seja, as informações só estão no Google porque estão sendo veiculadas primeiramente pela imprensa, do mesmo modo que o tronco só pode existir depois que a própria raiz da árvore exista.

Seguindo o raciocínio, é inegável que o tronco dá uma maior visibilidade a todo o corpo da árvore, no entanto, mesmo que essa visibilidade seja suprimida, a raiz do problema continuará produzindo os seus efeitos em menor escala, existindo a possibilidade de que essa árvore cresça novamente ainda maior.

958 TJ-RJ - APL: 03638396920108190001 RJ 0363839-69.2010.8.19.0001, Relator: Des. José Carlos Paes, Data de Julgamento: 30/10/2013, 14ª Câmara Cível, Data de Publicação: 24/03/2014, 14:37.

959 TJ-DF - APC: 20100112151953 DF 0068774-64.2010.8.07.0001, Relator: VERA ANDRIGHI, Data de Julgamento: 19/03/2014, 6ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 01/04/2014 .

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Contudo, o raciocínio não pode ser estanque. Existem casos em que as informações já foram espalhadas, por diversos sites da imprensa, numa dimensão tão grande que inviabiliza qualquer obtenção de resultado significativo no enfrentamento a esses órgãos. Nesses casos pode-se pensar em um transporte do conflito, que outrora tocava a liberdade de imprensa, ao direito coletivo à informação.

Como já exposto, os sites de busca não produzem informações, somente trabalham como facilitadores comunicativos. Entretanto, é possível que as buscas sejam filtradas de acordo com o interesse do site buscador. Ou seja, é possível que determinada informação que viole o direito fundamental ao esquecimento, de forma que não respeite determinados limites, seja retirada das possibilidades de busca do Google960.

Vale ressaltar que mesmo que tais informações sejam retiradas do âmbito de busca do Google elas permanecerão nos sites que veicularam dada informação primeiramente, logo, nos sites pertencentes aos órgãos de imprensa. Isso ameniza, e muito, o problema da violação que toma proporções desmedidas apesar das notícias continuarem nos sites de imprensa.

4.2 Filtros interpretativos para a resolução do conflito entre o direito ao esquecimento e a liberdade de imprensa no ciberespaço.

Alguns parâmetros decisórios, aqui denominados de filtros, devem ser levados em consideração na resolução do conflito entre direito ao esquecimento e liberdade de imprensa na internet, com redução da discricionariedade decisória.

O primeiro filtro interpretativo para a resolução do presente conflito de direitos fundamentais é a veracidade da informação, afinal, o reavivamento de uma notícia verdadeira que invada a privacidade e o direito de ser esquecido já traz danos irreparáveis, quanto mais a estigmatização da pessoa como consequência da mentira veiculada pelo superinformacionismo.

O segundo filtro é a licitude do meio empregado para a obtenção da informação, logo, uma informação obtida através de interceptação telefônica clandestina, invasão de domicílio, violação ao segredo de justiça em um processo de família ou através de uma informação mediante tortura ou grave ameaça sua divulgação não será lícita (BARROSO, 2004, p. 25).

960 O Tribunal da União Europeia decidiu sobre o direito ao esquecimento na internet, obrigando os sites de busca a tirar das suas listas de resultados informações relativas a terceiros que solicitem a eliminação do conteúdo desabonatório. Na Espanha existem mais de duzentos casos similares, isso demonstra a possibilidade da remoção de conteúdo por parte do Google, contudo, a obrigatoriedade deve ser refletida em âmbito brasileiro, afinal, parte-se do pressuposto que os direitos fundamentais não possuem caráter absoluto.

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O terceiro filtro trata sobre uma questão controversa: a proteção da privacidade das pessoas notórias. É controverso o conceito de pessoa pública, afinal, hoje em dia “todos devem esperar serem tratados com o escrutínio reservado outrora apenas aos famosos” (COSTA, 2013, p. 185). A partir de entendimento geral, compreende-se por “pessoa pública” aqueles que por escolha própria de carreira tem o seu direito a privacidade menos protegido do que os que não possuem tamanha notoriedade (BARROSO, 2004, p. 26).

Contudo isso não justifica que tais pessoas tenham seus direitos suprimidos ou protegidos em menor grau, afinal, existe interesse público legítimo pela sua atuação profissional e os fatos que a circundam, não pelo âmbito da sua vida íntima, em que nada acrescenta à necessidade da sociedade de se informar. Políticos, funcionários públicos e pessoas do mundo do entretenimento em geral são exemplos de pessoa pública ou notória.

O quarto filtro interpretativo é o interesse público pela informação veiculada. A informação que for avaliada pelo juiz como mera expectativa de lucro midiático ou superinformacionismo sensacionalista deve ser combatida. Deve-se haver clareza no real propósito daquela informação veiculada que por ventura ataque a privacidade de alguém. Entretanto, a regra geral é que num sistema democrático como o brasileiro, toda informação verdadeira veiculada seja do interesse público, existindo a posterior ressalva de que se dada informação prejudica mais o direito a privacidade do que beneficia o direito coletivo à informação, ela deverá ser suprimida (BARROSO, 2004, p.27)

O quinto filtro, trata-se sobre a localidade da obtenção de dada informação. Se a informação foi obtida em local intimo, como dentro da residência de alguém, o direito de ser esquecido pela mídia terá uma maior proteção (BARROSO, 2004, p. 27).

O último filtro questiona se, mesmo que a liberdade de imprensa prepondere sobre todos os outros filtros anteriormente citados, aquela determinada informação possui relevância para a sociedade a ponto de ser deixada eternamente num banco de dados de informações pretéritas como o Google.

Esse último filtro é o divisor de águas quando se trata de direito ao esquecimento na internet. É mister ressaltar que a questão sempre irá envolver o Google, seja direta ou indiretamente.

Diretamente quando observar-se diante do caso concreto uma necessidade de que o Google seja o objeto da ação frente à violação do direito ao esquecimento. Ou seja, na retirada de certos resultados de busca que por ventura estejam sendo veiculados sistematicamente por diversos órgãos de imprensa, o Google pode ser também objeto da ação por ser o difusor que facilita mundialmente o acesso àquela dada informação.

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Atingirá indiretamente o Google quando o objeto da ação for o próprio órgão de imprensa. Ou seja, a informação divulgada violadora do direito ao esquecimento que ainda não tomou proporções que fujam ao controle do ofendido, serão excluídas do site que a divulgou, bem como do Google, afinal, ele é um reprodutor de informações já existentes na rede.

Tais filtros foram pensados em torno da atividade que a imprensa desenvolve e os seus possíveis limites de atuação. Portanto, caso o juiz entenda que todos esses filtros não podem interromper o rememoramento da informação, ela deverá ser mantida, respeitando o direito fundamental à livre manifestação do pensamento, o direito coletivo à informação e a liberdade de imprensa.

5 Conclusões

O direito ao esquecimento deve ser tratado como direito fundamental em sentido material. A teoria do bloco de constitucionalidade, presente no artigo 5º, §2º da Constituição Federal de 1988, garante que outros direitos fundamentais possam ser adotados, desde que decorrentes do regime e dos princípios adotados por ela. O direito ao esquecimento é um direito fundamental não só implícito no direito fundamental à privacidade, mas também um direito fundamental decorrente.

Este raciocínio é confirmado a partir do momento em que a dignidade da pessoa humana é um dos princípios basilares de todo o ordenamento jurídico pátrio, logo, o direito ao esquecimento é decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana. Prova disso é o Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil, o qual trata o direito ao esquecimento enquanto aspecto da própria dignidade da pessoa humana. Além disso, diversas decisões nas instâncias Superiores já vem demonstrando uma trilha para esse entendimento.

Na atual jurisdição constitucional não é possível que um direito fundamental seja preferenciado em detrimento de outro. Contudo, devido ao forte potencial lesivo que a liberdade de imprensa possui na sociedade do superinformacionismo, a lógica é a de que o intérprete do direito se atente previamente que as forças danosas que pertencem a imprensa e ao ofendido são completamente díspares, o que não necessariamente significa que ele coloque um direito acima do outro antes da análise do caso concreto.

O trabalho propõe filtros interpretativos para solução dos conflitos entre direitos fundamentais do direito ao esquecimento e a liberdade de imprensa na internet. São eles: (a) veracidade; (b) licitude na obtenção da informação; (c) tratar-se ou não se pessoa pública; (d) existência de interesse público na notícia veiculada; (e) local de obtenção da informação; (f) responsabilidade direta ou indireta dos bancos de dados pela retirada dessas informações da rede.

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Esses filtros são parâmetros interpretativos para que o aplicador do direito possa observar as minuciosidades do caso concreto, além de promover uma maior seguridade decisional, com vistas a colaborar à concretização de uma jurisdição constitucional mais sólida, como principal finalidade a efetivação ponderada dos direitos fundamentais envolvidos.

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