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ARTIGOS DESVENDANDO O USO DE REDES NEURAIS EM PROBLEMAS DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS "Fernando C. de Almeida Uma visão geral do potencial e do funcionamento do uso de redes neurais em administração, através de exemplos e ilustrações mais acessíveis ao leitor não-familiarizado com conceitos de informática. A global view of possibilities of neural networks in management, through examples and illustrations to a reader not familiar with information technology. PALAVRAS-CHAVE: Redes neurais, apoio à decisão, novas tecnologias de informa- ção, uso estratégico da infor- mação. KEYWOROS: Neural networks, decision sup- port, new information techno- logies, strategic use of infor- mation. ·Pesquisador da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. 46 São Paulo; v. 35, n. 1, p. 46-55 Jan ./Fev. 1995 Revista de Administração de Empresas

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ARTIGOS

DESVENDANDO O USO DE REDESNEURAIS EM PROBLEMAS DEADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS

"Fernando C. de Almeida

Uma visão geral do potencial e do funcionamento do uso de redes neuraisem administração, através de exemplos e ilustrações mais acessíveis aoleitor não-familiarizado com conceitos de informática.

A global view of possibilities of neural networks in management, throughexamples and illustrations to a reader not familiar with information technology.

PALAVRAS-CHAVE:Redes neurais, apoio à decisão,novas tecnologias de informa-ção, uso estratégico da infor-mação.

KEYWOROS:Neural networks, decision sup-port, new information techno-logies, strategic use of infor-mation.

·Pesquisador da Faculdade deEconomia, Administração eContabilidade da USP.

46 São Paulo; v. 35, n. 1, p. 46-55 Jan ./Fev. 1995Revista de Administração de Empresas

DESVENDANDO O USO DE REDES NEURAIS EM PROBLEMAS DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS

As redes neurais estão propondo solu-ções interessantes a problemas de váriasáreas de administração, como finanças,marketing, vendas e compras, ou mesmorecursos humanos. Apresentamos nesteartigo alguns exemplos práticos e especu-lações sobre seu potencial. É uma tec-nologia recente, e diversas áreas de aplica-ção estão por ser exploradas.

As redes neurais estão provocando gran-de impacto em empresas americanas, co-mo o Chase Manhatan Bank' ou a SearsMortgage-, permitindo-lhes obter reduçõesconsideráveis de custos em análises decrédito.

O sistema da empresa Sears Mortgagepermite-lhe avaliar automaticamente entre60 e 70% dos pedidos de crédito, gerandoassim redução de custos, uma vez que, emum mesmo espaço de tempo, um maiornúmero de pedidos pode ser analisadousando-se no entanto o mesmo número defuncionários. Em conseqüência, sobra aosanalistas mais tempo para analisar commaior cuidado pedidos que exijam um es-tudo mais profundo. Constata-se efetiva-mente um aumento de 4% no volume decrédito concedido, e um aumento do riscode apenas 2%.

O Chase Manhatan desenvolveu um sis-tema com redes neurais que permite ava-liar automaticamente a utilização de car-tões de crédito e identificar operações frau-dulentas a partir de cartões roubados. Essesistema alcança um nível de precisão 30%superior ao dos métodos utilizados atéentão.

Novas tecnologias de informática fre-qüentemente tornam mais competitivas asempresas que delas souberam tirar provei-to antes da concorrência. Provavelmente éo caso do Chase ou da Sears.

Esses sistemas lhes permitem tanto re-duzir os custos quanto oferecer um servi-ço diferenciado aos clientes: o fato de umaempresa dispor de certas informações pos-sibilita-lhe aumentar o valor agregado deseu produto ou reduzir seus custos em re-lação àquelas que não possuem o mesmotipo de informação. Utilizando o sistemabaseado em redes neurais, o Chase poderáreduzir significativamente os custos oca-sionados por créditos não reembolsados.Esse sistema proporciona também um me-lhor serviço ao cliente, evitando rapida-mente que seu cartão roubado seja utiliza-

do. Essas aplicações, dentre outras, comoprevisão de vendas na área de markeiing'ou seleção de pessoal na área de recursoshumanos', indicam o grande potencial des-sa tecnologia.

REDES NEURAIS OU SISTEMASESPECIALISTAS?

Quando falamos em redes neurais, es-tamos falando na criação de bases de co-nhecimentos, de sistemas inteligentes. Masatenção! Não há semelhança alguma entreas redes neurais e os sistemas especialistasou aplicações de inteligência artificial. Sãoconceitos e princípios de funcionamentoradicalmente diferentes. Os sistemas espe-cialistas procuram criar modelos do conhe-cimento e da experiência de um especia-lista. O processo de raciocínio do espe-cialista é muitas vezes representado peloque se chamam regras de produção do tipo"se condição então ação'", Essas regras sãocuidadosamente coletadas por um enge-nheiro do conhecimento por meio de en-trevistas com um especialista da área naqual se quer criar a base de conhecimento.A interpretação e a formalização do conhe-cimento do especialista têm sido a grandedificuldade de criação desses sistemas",Tenta-se formalizar um conhecimento queé muitas vezes subjetivo. Além do conhe-cimento formal, outros elementos, comointuição, sensibilidade ao problema etc. sãoutilizados pelo especialista. E dificilmen-te são formalizáveis por meio de regras".

Mas as redes neurais não precisam deum especialista para a criação de sua basede conhecimentos. Por um lado, não tra-balham com regras. Por outro, sua aquisi-ção de conhecimento é feita automatica-mente a partir de exemplos coletados embancos de dados.

GARIMPAGEM DE INFORMAÇÃO EM BASESDE DADOS

A utilização de dados na criação de ba-ses de conhecimento é o conceito-chave dasredes neurais. A pergunta que as redesneurais vêm responder é a seguinte: o quefazer com os gigabytes acumulados noscomputadores das empresas? Resposta:criar bases de conhecimento. O uso eficazdos dados disponíveis transformados eminformação é um elemento crítico para o

© 1995, Revista de Administração de Empresas / EAESP / FGV, São Paulo, Brasil.

1. ROGHESTER, J. B. Newbusiness uses for neurocom-puting. I/SAnalyser, v. 28, n. 2,Feb.1990.

2. SMITH, J. G. A Neural net-work-could it work for you?Financiai Executive, n. 6, May/June 1990, p. 26-30.

3. MAGNIER, J. P.Utilisation desréseaux de neurones pour ledéveloppement de systérnesd'aide à la décision. Montpellier:Intitut d'Administration d'Entre-prises, 1991, (mimeo).

4. ROGHESTER,J. B., Op. cit.

5. LEVINE, P., POMEROL, J.G.Systemes interactifs d'Aide àla décision et systemes expet-ts. Paris: Hermes, 1989.

6. RETOUR, p. Les systemesexperts aux Etats-Unis. Greno-ble: Institut d'Études Gommer-ciales, 1984.

7. KOHONEN,T. An introductionto neural computing. NeuralNetworks, v. 1, 1988, p, 3-16.

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ARTIGOS

8. ROCHESTER. J. B. Op. cit.

9. BENJAMIN, ~ I.,BLUN~ J.Criticai it issues: lhe next 10years Sloan Management Re-view, v. 33, n. 4, Summer, 1992,p.7-20.

10. KEEN, P G. W. Decisionsupport systems: the next de-cade. Decision Support Sys-tems, n. 3, 1987, p. 253-65.

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A utilização de dadosna criação de bases de

conhecimento é oconceito-chave das redesneurais. A pergunta queas redes neurais chegam

para responder é aseguinte: o que fazer comos gigabytes acumuladosnos computadores nas

empresas?

bom desempenho das atividades da em-presa. Sua importância aumenta a cada dia.Na verdade, um dado se transforma em in-formação quando ganha um significadopara seu utilizador. Senão, continua sendosimplesmente um dado. A rigor, a infor-mação é um dado tratado. É esta a propos-ta da garimpagem de informação em ban-cos de dados através das redes neurais.Tratar os muitos gigabytes de dados demaneira eficaz a fim de que se tornem in-formação útil à tomada de decisão".

Com a evolução da tecnologia de in-formática, alcançou-se um estágio em queos dados se tornam facilmente acessíveis emanipuláveis por meio de sofisticados sis-temas de consulta, como os Executivo In-formation Systems (EIS), O próximo passoda tecnologia de informática é o uso des-ses dados de maneira ativa e não simples-mente sua disponibilidade e consulta por

Como qualquer sistema de informática,uma rede neural passa por duas etapas. Pri-meiro temos a etapa de criação da rede, istoé, a aquisição au!omática de conhecimen-to do problema. E o que se chama etapa deaprendizado. A próxima etapa é a utiliza-ção da rede e do seu conhecimento enquan-to especialista no assunto que aprendeu.

Podemos fazer uma analogia com o pro-cesso de aprendizado humano. Suponha-mos que queiramos aprender a identificara origem de vinhos franceses pela sua de-gustação (bordeau, barganha, cõies-du-rhoneetc.), Para isso, pegamos algumas garrafasde cada tipo de vinho, digamos cinco decada. Na primeira etapa, a de aprendiza-

meio de bancos de dados relacionais e EIS.Três pontos essenciais deverão ser explo-rados nos sistemas daqui em diante:

filtragem dos dados: a tecnologia deinformática deve permitir filtrar o gran-de volume de dados existente nos ban-cos de dados das empresas e fornecersomente a informação necessária ao exe-cutivo, ao tomador de decisão;criação de modelos: uma vez filtradosos dados necessários, a tecnologia deinformática deve permitir a criação demodelos, de bases de conhecimento, a fimde aumentar a utilidade da informaçãoobtida":ajuda ativa: os sistemas de apoio à ativi-dade gerencial não deverão ser simples-mente sistemas de consulta, mas deve-rão passar a exercer uma função ativa natomada de decisão, propondo soluções erespostas baseadas em conhecimentoobtido nas bases de conhecimento";

Esses novos tipos de sistemas, que ofe-recem os recursos de filtragem, criação demodelos e principalmente uma ajuda ati-va ao tomador de decisão representarãouma evolução frente à maioria dos siste-mas passivos atuais, que permitem apenase tão-somente análises de cenários. Os sis-temas à base de conhecimento e principal-mente as redes neurais vêm justamenteenriquecer os sistemas tradicionais nessesentido. Estas últimas servem como filtrodos dados, permitindo a identificação dodado útil. A partir da garimpagem dosdados, as redes neurais criam modelos do

do, experimentamos os vinhos um a um etentamos identificá-los por seu paladar, per-fume etc. Em seguida verificamos a etiquetapara ver se acertamos. Se errarmos levaremosisso em conta e tentaremos aprender algo comnosso erro. Voltamos a prová-los a fim de ten-tar assimilar suas características. Por um pro-cesso iterativo, experimentamos e reex-perimentamos os vinhos até sermos capazesde identificar todas as garrafas que selecio-namos segundo sua origem. Acabou-se en-tão nossa etapa de aprendizado. O que acon-teceu no nosso cérebro? A sua rede de neu-rônios armazenou o conhecimento que nospermite distinguir os tipos de vinho. As re-des neurais aprendem exatamente da mes-

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conhecimento que não só permitem aousuário apoiar sua tomada de decisão emum "consultor", UIn "especialista" em de-terminado assunto, mas também indicamcaminhos de decisão.

Em termos práticos, as redes neurais sãocriadas por meio de pacotes, s(!ftwares quemuitas vezes funcionam em microcom-putador. Por meio desses pacotes, o usuá-rio irá indicar a estrutura da sua rede paradeterminada aplicação.

As redes neurais têm sua origem empesquisas neurológicas, e seu modelo debase é o cérebro humano". Como no cére-bro humano, as redes neurais possuemneurônios interconectados de modo que osdados os percorram. Sem dúvida, trata-sede um modelo simplificado, mas, corno nocérebro humano, esses neurônios transmi-tem informação através de sinapses ouconexões.

Em vez de trabalhar com regras explíci-tas como os sistemas especialistas, as re-des neurais utilizam critérios mais comple-xos e implícitos, baseados no aprendizadoa partir de exemplos. Não há, no caso dasredes neurais, uma codificação de progra-mas a fim de introduzir o conhecimentosobre um problema.

Então, por um processo iterativo chama-do processo de aprendizado, as redesneurais lêem os exemplos fornecidos so-bre um problema e criam assim um mode-lo de resolução. Elas são bem adaptadas a

ma maneira. Introduzimos exemplos daqui-lo que queremos que aprendam. Por um pro-cesso iterativo e automático, elas aprendema resolver o problema. No caso de uso dessasredes neurais para a avaliação de riscos deinadimplência, o software lê os dados de em-presa por empresa de base de dados e apren-de a distinguir as inadimplentes das não-inadimplentes pelas suas características(endividamento, rentabilidade etc.).

Acabada a etapa de aprendizado, passa-mos à de utilização do conhecimento adqui-rido. No caso dos vinhos, deveremos agoraser capazes de distinguir os bordeaux dosbarganhas, dos côtes-du-rhone etc.Mesmo quenão sejam dos mesmos produtores ou dos

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Esses novos tipos desistemas oferecendo

recursos para filtragem,criação de modelos e

principalmente uma ajudaativa ao tomador dedecisão serão uma

evolução em relação àmaioria dos.sistemaspassivos atuais que

permitem apenas e tão-somente análises de

cenários.

dois tipos de tarefas: reconhecimento deformas e generalização12•

No primeiro caso, fornecemos à redeexemplos de coisas que queremos que elareconheça no futuro. É o caso do seu usona análise médica de imagens ou visão porcomputador. Por exemplo, o departamen-to de medicina da universidade da Ca-lifórnia desenvolveu um sistema que faz odiagnóstico de infarto do miocárdio. O sis-tema identifica corretamente 92% dos pa-cientes com infarto do miocárdio e 96%dos pacientes sem problema. Tal desempe-nho é significativamente superior a umdiagnóstico feito por qualquer outro mé-todo usado".

O segundo tipo de tarefa é a generaliza-

mesmos anos. É o que se espera da redeneural, uma vez que ela passou pela eta-pa de aprendizado.

Outro detalhe importante é o grau deconhecimento adquirido pela rede. Essegrau é na verdade função da quantidadede exemplos. Da mesma forma que nossacapacidade de identificar os vinhos é fun-ção da quantidade de vinho que fomos ca-pazes de degustar. A grande diferença en-tre nós e a rede é que nós atingiremos ra-pidamente nosso limite de fadiga, ou deembriaguez! Mas uma rede neural não secansa, e pode ler tantos exemplos quantosa base de dados for capaz de fornecer.

11. KOHONEN,T Op. cit.

12. DUnA s.. SHEKHAR, S..WONG, WY Decision supportin non-conservative domains:generalization with neuralnetworks. Paris: INSEAD,1992, (Working Paper, 92-31).

13. BAXT,WG. Use of an arti-ficial neural network for dataanalysis in clinicai decision-making: The diagnosis of acutecoronary occlusion. Neural Com-putinç, v. 2, 1990, p. 480-89.

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Os Estados Unidos não têm esse nome Folha de S. Paulo. E, cá entre nós, a exemplares aos domingos. A tiragem RANKINGEUA Exemplaresà toa. Eles possuem a economia mais diferença entre eles e a Folha é pe- anual consome cerca de 100 mil tone-poderosa do planeta, um sistema polí- quena. Nos últimos anos a Folha ladas de papel e mais de 1 milhão de 1. The New York Times 1.767.836

tico moderno e eficiente. São donos cresceu como nenhum outro jornal. litros de tinta. Esses números deixam 2. Los Angeles Times L502.120de excelentes índices de produtividade Ela é hoje, de uma só vez, o maior americanos impressionados, funcioná-

3. Folha de S. Paulo 1.330563e o nível de vida da população é um dos jornal de São Paulo, do país, o maior rios da Folha orgulhosos e leitoresmelhores do mundo. veículo de mídia impressa do Brasil muito satisfeitos. E provam que, em 4. Detroit News and Free Press 1.172.769

Mas, engraçado, apesar de toda essa e, aos domingos, o maior jornal do matéria de jornais, a gente não deve 5. Washington Post 1.163.333força econômica, os Estados Unidos Hemisfério e o 3º maior das Américas. nada aos Estados Unidos. Quem dera

6. Chicago Tribune 1.110552só têm dois jornais maiores que a A Folha chega a imprimir 1.400.000 se fosse assim com a dívida externa.

100 milhõesde leitores a mais.Um PIB 1.270%

maior. E apenas2 jornais maiores

que a Folha.

11~11ARTIGOS

Tabela 1: fndlceá flnancelr08

IR2 " total exiglveVtotal ativo

IIR4 " ativo circulante/passivo circulanteii

R1 " vendas liquidas/ativo total

R3 " fluxo de caixa/vendasliquidas

R5 " receita bruta/total de jurospagos i R6 " log (ativo total)

14. DE ALMEIDA, F. C. L'Éva-luation des risques de défail-lance des entreprises à partirdes réseaux de neurones in-sérés dans les systemes d'aideà la décision. Grenoble: Univer-sidade de Grenoble, École Su-périeure des Affaires, 1993,(Tese de doutorado).

ção. Nesse caso apresentam-se exemplosde determinado problema para que a redeseja capaz de generalizar quando situaçõessimilares se apresentarem. Um exemplo éa utilização de uma rede neural para a ava-liação de riscos de inadimplência de em-presas. Apresentamos exemplos (chama-dos fatos ou simplesmente dados) de em-presas inadimplentes e outras não ina-dimplentes. A rede irá aprender a diferen-ciar os dois tipos de empresa a partir deexemplos fornecidos. Uma vez que ela ad-quiriu esse conhecimento, será capaz declassificar corretamente novas empresas ouentão indicar o seu risco de inadimplência.A generalização é na verdade o tipo deaplicação mais corrente em administração.Em vez de avaliar riscos de inadimplência,a rede poderia ser treinada a fazer umaprevisão de vendas ou dar sua opinião so-bre o interesse em contratar determinadocandidato a certo cargo ou ainda indicar ointeresse ou não em comprar determinadaação na Bolsa.

O processo de introdução dos dados ébastante simples, e a criação da base deconhecimentos não requer que o usuárioconheça processos de aprendizado ou atecnologia subjacente. O aprendizado éautomático, e existem softwares de redes

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neurais prontos até para microcomputa-dores. Eles estão evidentemente vazios noque diz respeito ao conhecimento, como éo caso de uma planilha eletrônica (Lotus,Excel etc.), onde o utilizador irá desenvol-ver sua própria aplicação. No caso das re-des neurais, cabe ao usuário fornecer os da-dos a serem levados em conta e indicar àrede o que ele quer que ela aprenda.

UM EXEMPLO DE FERRAMENTA NO APOIO ÀDECISÃO DE CRÉDITO

Nossos trabalhos de pesquisa nos leva-ram a explorar o uso de redes neurais comoinstrumentos de apoio à avaliação de ris-cos de inadimplência". Nesse caso as re-des neurais aprenderam a identificar o ris-co de que uma dada empresa venha a setornar concordatária num futuro próximo(dois anos). Vejamos então como é o apren-dizado e o uso dessa rede.

O processo é dividido em duas etapas.A primeira é a etapa de aprendizado darede, em que ela adquire o conhecimentodo problema. A segunda etapa é o uso darede, em que ela, já treinada, contendo oconhecimento do problema, é utilizada.

Primeira etapaInicialmente escolhemos variáveis que

permitam avaliar uma empresa. índices fi-nanceiros são as variáveis normalmenteutilizadas na criação de ferramentas deanálise de riscos de inadimplência.

Um dos grupos de variáveis que esco-lhemos para a nossa pesquisa é mostradona tabela l.

Selecionamos então um conjunto deempresas, inadimplentes e sãs e coletamosseis índices financeiros para cada uma de-las. Essa massa de dados será então utili-zada para fazer com que a rede aprenda adistinguir os dois grupos de empresas. Vejana tabela 2 como esses dados são organi-zados para serem apresentados à rede.

Cada linha é formada por uma série dedados de uma empresa inadimplente ousã. Eles são apresentados à rede ainda semconhecimento, que irá aprender a distin-guir as empresas boas das más. Esse apren-dizado se dará automaticamente, e o tem-po necessário será função de fatores comoo número de exemplos que fornecemos, aestrutura da rede, e, sem dúvida, a veloci-dade do computador utilizado. Em nossa

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pesquisa, em um micro 486-50Mhz, umarede levou aproximadamente oito minutospara aprender a distinguir corretamente180 empresas de um grupo de 45 ina-dimplentes e 135sãs.

Findo o aprendizado, a rede passa aguardar na sua estrutura o conhecimentonecessário para distinguir empresas ina-dimplentes de sãs a partir dos seis índicesfinanceiros usados no seu aprendizado.

Segunda etapaNa verdade, queremos não apenas que

a rede aprenda a distinguir as empresasinadimplentes das sãs, no grupo de empre-sas que lhe apresentamos, mas que seja ca-paz de generalizar seu conhecimento paraidentificar riscos de inadimplência de ou-tras empresas que não fizeram parte de seuaprendizado.

A rede treinada na primeira etapa é ca-paz de nos fornecer, a partir dos dados deuma empresa qualquer, seu risco de ina-dimplência. Começamos então a usar arede como base de conhecimento, comoinstrumento de apoio à decisão.

Na pesquisa realizada em nosso traba-lho de doutoramento", as redes foram ca-pazes de classificar corretamente aproxi-madamente 70%das empresas de um gru-po de sãs e inadimplentes, dois anos antesda inadimplência, a partir de uma amos-tra de controle (uma amostra diferente dautilizada no processo de aprendizado).

Outro aspecto interessante da redeneural, é que, uma vez construída, ela nãodepende mais da base de dados que lhedeu origem. O conhecimento adquirido eque será consultado reside nas conexõesentre os neurônios e não na base de dados.É na verdade um conhecimento implícitoe conciso, que é reconstituído pelo sistemaa cada vez que o solicitamos. E isso demaneira tão rápida quanto nosso cérebroreconstitui seu conhecimento cada vez queo solicitamos. Não importa se a base usa-da continha um milhão ou apenas cemexemplos.

SEUS PRINCíPIOS

Um tipo de rede bastante usado é o demulticamadas (ver figura 1).Arede apren-de por um processo iterativo de correçãodos pesos que ligam os diferentes neu-rônios (Wij). Esses pesos são ajustados e

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reajustados até que ela aprenda todos osexemplos apresentados e seja capaz de for-necer o resultado esperado através de seusneurônios de saída. Está então criada a basede conhecimento. A rede está pronta paraser usada.

APLICAÇÕES EM REDES NEURAIS

As redes neurais têm encontrado bastan-te interesse na área financeira. Uma vez queprecisam de dados para serem criadas, aárea financeira tem podido fornecê-los emabundância.

Os tipos mais comuns de aplicação ex-plorados atualmente são a previsão e a ava-liação de riscos. Nesse tipo de aplicaçãoencontram-se as avaliações de crédito, deriscos de inadimplência de empresas, deriscos de seguros, riscos de hipotecas, oumesmo avaliações de riscos de papéis fi-nanceiros. Essas aplicações têm mostra-do resultados bastante satisfatórios quan-do comparados aos obtidos, por exemplo,por métodos estatísticos. É o caso dos re-sultados obtidos em nossas pesquisas", emque as redes neurais conseguem às vezessuperar o desempenho obtido por méto-dos estatísticos na avaliação de riscos deinadimplência. Os resultados obtidos pelarede se mostraram mais estáveis que essesúltimos. A avaliação dos riscos de ina-dimplência de uma empresa por parte deum tomador de decisão é função do riscoque ele está disposto a assumir. As redesse mostraram mais estáveis que o método

15. Idem, ibidem.

16. Idem, Ibidem.

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l1~lÉARTIGOS

17. HAWLEY,D., JOHNSON,J. D.,RAINA, D. Artificial neural sys-tems: a new tool for financiaidecision-making. Financiai Ana-/yst Journal, Nov.lDec. 1990,p.63-72.

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estatístico quando se avaliam diferentesníveis de risco.

Um tipo de aplicação que evidentemen-te desperta bastante interesse é a previsãode cotações na Bolsa. No entanto, os resul-tados obtidos mostram que não será fácilobter algo de interessante nesse campomesmo com redes neurais". Em princípio,em um mercado eficiente não é possívelfazer previsões, o que está de acordo comos resultados obtidos pelas redes neurais.Mas também é possível que não se tenhamusado os dados adequados. Tem-se porhábito acumular e tratar somente dadosquantitativos. Mas o interessante das redesneurais é também a sua capacidade de tra-tar dados qualitativos. Pode-se usar, comoexemplo de dados qualitativos, o setor deatividade da empresa, ou então o tipo deproduto vendido. Pode-se até mesmo usarvariáveis menos acessíveis, como as carac-terísticas de gestão dos responsáveis pelaempresa, a propensão dadireção a assumir riscos,ou a capacidade de ino-vação da empresa, suaflexibilidade quanto amudanças etc. No en-tanto, esse tipo de in-formação não é atu-almente utilizado, eos sistemas têm-selimitado a dadosquantitativos. Issoocorre muito prova-velmente por umaquestão de falta de dis-ponibilidade de dados.

A área financeira ofereceoutras inúmeras oportunidadespara o uso de redes neurais. Porexemplo, a gestão de portfólios. Umainstituição financeira leva em conta inúme-ros tipos de papéis financeiros, ações, op-ções etc. Um sistema baseado em redesneurais poderia ser usado para levar emconta as características desses papéis, con-siderando riscos, valores conjunturais, de-cisões do governo, flutuações do mercadoetc. As redes neurais são bastante adapta-das a problemas não-estruturados, em queas relações entre as variáveis ou mesmo suaimportância não é conhecida. Elas permi-tem que se trabalhe com dados incom-pletos, se não estiverem todos disponíveis,ou mesmo com a existência de informa-

ções incorretas. Aprenderão a ignorá-las.Uma área ainda pouco explorada é a de

marketing e vendas, em que existem apli-cações potencialmente bastante interessan-tes. Por exemplo, as redes neurais podemser utilizadas para fazer simulações docomportamento do consumidor face a no-vos produtos. Uma rede poderia ser trei-nada a partir das características de produ-tos já lançados no mercado, em que se pôdemedir o grau de sucesso e o volume devendas obtido. Uma vez criada, a rede po-deria ser usada para simular o resultadocom novos produtos, a partir de suas ca-racterísticas. O interessante é que seria pos-sível introduzir características quantitati-vas não só do produto, mas também domercado ou da conjuntura do país, ou deuma região, em determinado momento.

Outra aplicação em marketing poderiaser simplesmente a simulação de vendas

para um próximo período em fun-ção do resultado obtido no

período anterior, das ca-racterísticas esperadas

para o mercado no fu-turo etc.

Ainda outra po-deria ser o uso deuma rede neuralpara sugerir pro-dutos mais adapta-dos ao perfil decada cliente. Ela se-

ria treinada a asso-ciar perfis de clientes

a produtos da empresa.Poder-se-ia assim esperar,

por um lado, a obtenção deum maior grau de satisfação

do cliente e, por outro, apresen-tar produtos mais direcionados ao

cliente em questão. Esse tipo de aplicaçãopode ser encarado como um sistema deapoio especialista, em que um vendedormenos experimentado ou menos informa-do a respeito dos produtos da empresapode sugerir itens mais adequados aocliente tanto quanto um vendedor mais ex-perimentado.

No caso de atividades em que há umagrande velocidade de mudança ou atuali-zação do portfólio de produtos, esse tipode sistema permitiria à empresa fazer comque o vendedor passasse a considerar osnovos produtos de maneira mais rápida,

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uma vez que, atualizada a base de conhe-cimentos, eles passariam a ser imediata-mente sugeridos. O sistema também seriainteressante para aqueles produtos fre-qüentemente esquecidos pelo vendedor.Caso fossem do interesse do cliente, se-riam igualmente sugeridos. Além disso, osistema poderia incorporar os interesses devenda da empresa.

Quanto às simulações, previsões ou su-gestões, as redes neurais são uma tecno-logia interessante na área de marketing. Háque se levar em conta também o fato deque sua atualização, isto é, a aquisição denovos conhecimentos, é bastante facilita-da e rápida, uma vez que o aprendizado éautomático. Basta entrar com as novas ca-racterísticas do novo produto ou da novasituação de mercado e refazer o processode aprendizado.

PRIMEIROS PASSOS

Para o desenvolvimento de sistemas àbase de redes neurais existem diversos pa-cotes de microcomputadores voltados es-pecificamente para esse fim (Brainrnaker,Neuroshell, Explorer, Nestor etc.). Há vá-rios métodos de aprendizado de redesneurais. Pode-se começar pelo método deretropropagação, pois é eficiente. O segun-do elemento indispensável é a obtenção dedados, que podem ser quantitativos ouqualitativos. O terceiro passo é construir arede.

A dificuldade em construir a rede estáno grande número de parâmetros utiliza-dos em sua construção. Esses parâmetros,como o número de neurônios, o númerode camadas intermediárias, os tipos devariáveis etc., irão determinar a qualidadeda rede construída. A quadro 1 mostra osprincipais passos pelos quais se deve pas-sar na identificação de uma estrutura derede para uma aplicação qualquer.

É possível, e mesmo provável, que nãose consiga identificar a melhor rede, massim um grupo de redes que se distinguemdas outras. Pode-se então formar umportfólio de redes no qual um tomador dedecisão poderá basear sua decisão.

No caso de aplicação em áreas onde oconhecimento evolui, é necessário retreinara rede. Por exemplo, no caso de avaliaçõesfinanceiras, o mercado evolui, e o que eraválido em determinado momento pode não

Quadro 1: Passos na construÇão de uma rede ."••••.••

Afim de examinar um número razOável de parâmetros, é Interessante construirl/fl1 Planoe~p8rimental para definir .uma bateria de testes. Os passos são os seguintes:

1. definir os parâmetros a explorar: método de aprendizado, variaçilodo número deneurOnios, número. d8.camadas, grupos de variáveis, maneira de introduzirosr.lados.Asrl!d~ ne.ur,is mostram um ~omdesempenho·quandQ são utilizados dadoshlst6rl-coso Pode-se entAo analisar formas de introduzir os dados: diferença entre os valoresde dois anos, ou variação portentual etc.;

2. quando se tem um número reduzido de dados, pOde ser importante efetuar um númerosignificativo de testes com diferentes subamostras dos d3dos a fim de validar os resuf~tados obtidos. Estrutura-se enlAo um plano experimental, determinando os testes.aserem feitos;

3, o próximo passo é a construçilo das redes. Esta pode ser uma etapa laboriosa, pois,multiplicando-se o número de parâmetros a explorar e o número de subamostras autilizar, o número de redes a criar e testar pode ser bastante grande. Em geral ossoftwares de redes neurais permitem que se construam aplicativos para fazer umabateria de testes de maneira automática. Nesta fase torna-se necessário o conhecimen-to da alguma. linguagem deprogf'llmaçilo.e umeerto tempo paradesenvofver essesaplicativos;

4. o próximo passo é o teste das redes, isto é. verifica-se sua capacidade em respondercorretamente ao problema proposto. Por exemplo, no caso de uma rede treinada parafazer avaliações de riscos de Inadimplência, testa-se neste. momento sua capacidadepara avalian;orretamente essesrisços em uma amostra de controle.

5. o último passo é a comparação das diferentes redes a fim de escolher a mais adequada.

significar nada em tempos futuros. Deve-se então retomar o processo de aprendi-zado.:

CONCLUSÃO

As redes neurais têm mostrado resulta-dos positivos em um tempo mais curto quetécnicas de criação de bases de conheci-mentos como os sistemas especialistas. Suafácil utilização, sua capacidade em tratarproblemas pouco ou nada estruturados,com dados incompletos ou com incorreçõessão características originais e interessantes.É uma técnica que irá evoluir bastante esem dúvida permeará nosso dia-a-dia querseja nos sistemas de administração e nossistemas de apoio à decisão, quer seja emaplicações completamente diversas, comorobótica, diagnósticos médicos, reconheci-mento de caracteres ou simulação da vi-são por computador. A criação das redesneurais é uma tarefa bem mais simples quea criação de um sistema especialista, e bemmais flexível que uma técnica estatística.Essa flexibilidade lhes permite fazer análi-ses mais finas, pouco perceptíveis por téc-nicas tradicionais ou dificilmente forma-lizáveis a partir do conhecimento subjeti-vo de um especialista. O

Agradecemos ao CNPq (Con-selho Nacional de Desenvolvi-mento Cientffico e Tecnológico)pelo apoio que tem dado àsnossas pesquisas. Agradece-mos igualmente à FEA/USP pornos acolher como pesquisador.Agradecemos José Tolovi Jr.,professor da EAESP/FGV, pelassugestões na elaboração des-te texto.® 0950106

Artigo recebido pela Redação da RAE em março/94, avaliado em março, outubro/94, aprovado para publicação em novembro/94. 55