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46 An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN0103-9393 Braz J Periodontol - December 2011 - volume 21 - issue 04 DELINEAMENTOS DE ENSAIOS CLÍNICOS EM PESQUISAS ODONTOLÓGICAS Clinical trial designs in dental researches Adriana Moura Foz 1 , Samuel de Barros Ferreira Jr. 2 , Joseane Ponchio 3 , Rogéria Pereira Gonçalves 1 , Claudio Mendes Pannuti 4 , Luiz Antonio Pugliesi Alves de Lima 5 1 Mestrandas em Periodontia pela FOUSP 2 Mestre em Biologia Oral pela FOUSP-BAURU 3 Especialista em Periodontia pela SOBRAPE 4 Professor Doutor de Periodontia da FOUSP 5 Professor Associado de Periodontia da FOUSP Recebimento: 01/07/11 - Correção: 05/09/11 - Aceite: 21/11/11 RESUMO Ensaios clínicos randomizados, quando bem conduzidos, fornecem uma alta evidência para a avaliação da eficácia de intervenções, importante para decisões da prática clínica. A escolha certa do delineamento de ensaios clínicos, que é a forma como o estudo será conduzido, é fundamental para a redução de vieses nos resultados. O pesquisador precisa, portanto, conhecer os tipos de delineamento mais comuns e suas vantagens e implicações para que possa escolher o ideal para sua pesquisa. O objetivo desse trabalho é apresentar e analisar os principais tipos de delineamento no ensaio clínico odontológico, fornecendo informações básicas sobre cada um deles. Uma busca na literatura pela base de dados PubMed via Medline foi realizada a fim de localizar trabalhos que esclarecessem as normas dos delineamentos de estudos usados em ensaios clínicos. Os trabalhos selecionados tiveram suas informações extraídas e apresentadas nos resultados a fim de facilitar o entendimento de cada tipo de delineamento. Foram analisados os tipos de delineamento: paralelo, cruzado (“cross-over”), por agrupamento (“cluster”), boca- dividida e fatorial. A conclusão deste trabalho mostra que nem sempre o ensaio clínico do tipo paralelo, cujo uso é mais rotineiro, é o mais adequado para uma pesquisa. É necessário conhecer e escolher o delineamento que irá fornecer melhor custo-benefício e resultados significativos à pesquisa. UNITERMOS: Ensaios clínicos; Interpretação estatística de dados; Prática clínica baseada em evidências; Meto- dologia; Projetos de pesquisa; Viés de publicação. R Periodontia 2011; 21:46-54 INTRODUÇÃO Ensaio clínico randomizado pode ser definido como um estudo prospectivo que visa avaliar o efeito de intervenções da área da saúde em humanos, que são aleatoriamente alocados em diferentes grupos (Mills et al., 2009). Quando bem delineado e executado fornece evidência científica de alta qualidade e pode ser considerado o padrão ouro na avaliação da eficácia de intervenções (Mills et al., 2009). A escolha do tipo de delineamento para um ensaio clínico é fundamental para diminuir o viés de resultados, que pode levar a decisões errôneas na prática clínica. Visando melhorar a qualidade de publicação de ensaios clínicos randomizados, foi publicada no ano de 2010 a terceira edição do CONSORT (Consolidated Standarts of Reporting Trials) (Schulz et al., 2010). O CONSORT é um guia para a publicação de um ensaio clínico, cuja transparência é fundamental para assegurar que decisões terapêuticas sejam baseadas na melhor evidência disponível. Sua importância é tão grande, que também tem sido recomendado para ser consultado durante o delineamento e conduta do estudo, facilitando então a posterior descrição do trabalho bem conduzido. O CONSORT fornece recomendações para ensaios clínicos randomizados do tipo paralelo, porém uma extensão foi feita para a publicação de ensaios clínicos com delineamento por agrupamento (“cluster”) (Campbell et al., 2004). Mesmo que o delineamento do ensaio clínico não seja paralelo ou por agrupamento, é recomendado que os

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46 An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN0103-9393

Braz J Periodontol - December 2011 - volume 21 - issue 04

DELINEAMENTOS DE ENSAIOS CLíNICOS EM PESQUISAS ODONTOLÓGICAS Clinical trial designs in dental researches

Adriana Moura Foz1, Samuel de Barros Ferreira Jr.2, Joseane Ponchio3, Rogéria Pereira Gonçalves1, Claudio Mendes Pannuti4, Luiz Antonio Pugliesi Alves de Lima5

1 Mestrandas em Periodontia pela FOUSP

2 Mestre em Biologia Oral pela FOUSP-BAURU

3 Especialista em Periodontia pela SOBRAPE

4 Professor Doutor de Periodontia da FOUSP

5 Professor Associado de Periodontia da FOUSP

Recebimento: 01/07/11 - Correção: 05/09/11 - Aceite: 21/11/11

RESUMO

Ensaios clínicos randomizados, quando bem conduzidos, fornecem uma alta evidência para a avaliação da eficácia de intervenções, importante para decisões da prática clínica. A escolha certa do delineamento de ensaios clínicos, que é a forma como o estudo será conduzido, é fundamental para a redução de vieses nos resultados. O pesquisador precisa, portanto, conhecer os tipos de delineamento mais comuns e suas vantagens e implicações para que possa escolher o ideal para sua pesquisa. O objetivo desse trabalho é apresentar e analisar os principais tipos de delineamento no ensaio clínico odontológico, fornecendo informações básicas sobre cada um deles. Uma busca na literatura pela base de dados PubMed via Medline foi realizada a fim de localizar trabalhos que esclarecessem as normas dos delineamentos de estudos usados em ensaios clínicos. Os trabalhos selecionados tiveram suas informações extraídas e apresentadas nos resultados a fim de facilitar o entendimento de cada tipo de delineamento. Foram analisados os tipos de delineamento: paralelo, cruzado (“cross-over”), por agrupamento (“cluster”), boca- dividida e fatorial. A conclusão deste trabalho mostra que nem sempre o ensaio clínico do tipo paralelo, cujo uso é mais rotineiro, é o mais adequado para uma pesquisa. É necessário conhecer e escolher o delineamento que irá fornecer melhor custo-benefício e resultados significativos à pesquisa.

UNITERMOS: Ensaios clínicos; Interpretação estatística de dados; Prática clínica baseada em evidências; Meto-dologia; Projetos de pesquisa; Viés de publicação. R Periodontia 2011; 21:46-54

INTRODUÇÃO

Ensaio clínico randomizado pode ser definido como um estudo prospectivo que visa avaliar o efeito de intervenções da área da saúde em humanos, que são aleatoriamente alocados em diferentes grupos (Mills et al., 2009). Quando bem delineado e executado fornece evidência científica de alta qualidade e pode ser considerado o padrão ouro na avaliação da eficácia de intervenções (Mills et al., 2009). A escolha do tipo de delineamento para um ensaio clínico é fundamental para diminuir o viés de resultados, que pode levar a decisões errôneas na prática clínica.

Visando melhorar a qualidade de publicação de ensaios clínicos randomizados, foi publicada no ano de 2010 a

terceira edição do CONSORT (Consolidated Standarts of Reporting Trials) (Schulz et al., 2010). O CONSORT é um guia para a publicação de um ensaio clínico, cuja transparência é fundamental para assegurar que decisões terapêuticas sejam baseadas na melhor evidência disponível. Sua importância é tão grande, que também tem sido recomendado para ser consultado durante o delineamento e conduta do estudo, facilitando então a posterior descrição do trabalho bem conduzido. O CONSORT fornece recomendações para ensaios clínicos randomizados do tipo paralelo, porém uma extensão foi feita para a publicação de ensaios clínicos com delineamento por agrupamento (“cluster”) (Campbell et al., 2004). Mesmo que o delineamento do ensaio clínico não seja paralelo ou por agrupamento, é recomendado que os

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autores informem na publicação qual o tipo do delineamento utilizado, principalmente se for um delineamento mais incomum. Neste caso, a razão para a sua escolha deve ser descrita (Schulz et al., 2010).

Apesar de mais da metade dos ensaios clínicos publicados serem do tipo paralelo (Schulz et al., 2010), outros tipos de delineamento podem ser escolhidos para um estudo: cruzado (“cross-over”), por agrupamento (“cluster”), boca- dividida ou fatorial. O objetivo deste trabalho é esclarecer o significado de cada um dos principais tipos de delineamento e ajudar o pesquisador na escolha do tipo de estudo mais adequado para uma determinada pesquisa.

MATERIAIS E MÉTODOS

Uma revisão de literatura foi conduzida pela base de dados PubMed via MEDLINE a fim de localizar trabalhos que esclarecessem as normas dos delineamentos de estudos usados em ensaios clínicos.

Para a estratégia de busca, foi usada a combinação dos termos: “Clinical Trials as Topic”[Mesh], “Research Design”[Mesh], “cluster randomized trials”, “parallel-group studies”, “multi-arm trials”, “crossover trials”, “split-mouth design” e “factorial trials”. Além disso, como limite de busca, apenas artigos em inglês foram analisados.

A escolha dos artigos foi feita por dois pesquisadores, a partir da concordância entre ambos para a inclusão dos trabalhos nesta revisão. Em um primeiro momento, a escolha dos artigos foi baseada pelo título e resumo dos mesmos, fornecidos pela base de dados. Após esta primeira etapa, os pesquisadores realizaram a leitura completa dos textos, e realizaram uma segunda seleção, na qual apenas revisões que abordaram delineamentos de estudos foram consideradas para esta revisão.

Os artigos selecionados tiveram suas informações extraídas e expostas nos resultados, ajudando a fornecer as principais características de cada delineamento.

RESULTADOS

Os resultados da busca serão apresentados por tipo de delineamento, a fim de esclarecer as principais diferenças entre cada um, além auxiliar na escolha do delineamento ideal para um determinado ensaio clínico.

ENSAIOS CLÍNICOS DO TIPO PARALELOA maioria dos ensaios clínicos segue o delineamento do

tipo paralelo (Chan & Altman, 2005), no qual indivíduos são alocados em diferentes grupos em um mesmo momento

(Hussey & Hughes, 2007). Estudos paralelos são considerados não suscetíveis a

efeitos de tratamentos prévios ao estudo, e por isso são considerados o padrão ouro dos ensaios clínicos (Cleophas & Vogel, 1998).

A alocação aleatória dos indivíduos elegíveis para o estudo é usada para balancear as características de ambos os grupos, que poderiam agir como fatores de confusão para os desfechos encontrados após a intervenção (Goldenberg et al., 2010). Quando um ensaio clínico paralelo é randomizado, há menos fontes de viés comparado a um ensaio clínico não randomizado, apesar de ainda estar susceptível a possíveis erros (Peto et al., 1976). Se um grupo de pacientes tratado de uma maneira tem melhores resultados do que outro tratado de outra maneira, há duas explicações para isso: ou o primeiro grupo recebeu melhor tratamento, ou então este grupo foi composto por uma população que tinha melhor prognóstico para a doença tratada, e teria resultados melhores mesmo recebendo o tratamento do segundo grupo. A randomização não garante que os grupos terão exatamente a mesma proporção de pacientes com bom e mau prognóstico, porém permite calcular a probabilidade de acontecer uma diferença entre os grupos, imaginando que os tratamentos estudados têm efeitos equivalentes. Essa probabilidade, chamada de nível de significância (p<0,05), quer dizer que se os tratamentos fossem semelhantes e a única diferença fosse a proporção de bons e maus prognósticos entre os grupos, a chance de um grupo se sair melhor que outro é menor que 5%. Assim, não é necessário que os grupos sejam divididos exatamente com o mesmo número de pacientes com bom ou mau prognóstico, e sim que a probabilidade de alocação seja feita independentemente do prognóstico e que o padrão de avaliação das respostas seja igual para ambos os tratamentos

(Peto et al., 1976).Na área da Periodontia também é comum o uso dos

ensaios clínicos do tipo paralelo. Estudos que procuram testar uma intervenção, comparando-a com alguma outra intervenção considerada controle ou padrão, são muito utilizados em Periodontia. Um exemplo é o estudo de McCracken e colaboradores de 2009 (McCracken et al., 2007), no qual o uso contínuo de uma escova de dentes elétrica (grupo teste) foi comparado ao uso contínuo de uma escova de dentes manual (grupo controle) para a avaliação da retração gengival, durante o período de um ano. O estudo analisou 52 pacientes randomizados para os dois grupos (26 pacientes em cada grupo), e desta maneira pode comparar os resultados das duas intervenções em um mesmo momento (um ano). Este exemplo mostra um caso simples, no qual o delineamento do tipo paralelo pode ser aplicado sem maiores

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complicações, sejam elas financeiras ou estruturais.Porém, ensaios clínicos paralelos muitas vezes necessitam

de um número considerável de pacientes, infraestrutura e suporte financeiro (Friedlin et al., 2008), dificultando a execução do estudo. Uma alternativa para aumentar a eficiência do estudo é a execução de ensaios clínicos com múltiplos braços (“multi-arm”), que possibilitam o acompanhamento mútuo de mais de dois grupos teste, que serão comparados a um mesmo grupo controle.

Quando os grupos teste dividem o mesmo grupo controle, o número total da amostra pode ser drasticamente reduzido (Friedlin et al., 2008). Por exemplo, se duas intervenções (A e B) forem testadas em dois ensaios clínicos paralelos separados, serão necessários quatro grupos de intervenção: um para intervenção A, outro para o controle de A, outro para intervenção B, e outro para controle de B. Se essas intervenções forem testadas em um ensaio clínico do tipo “multi-arm”, apenas três grupos serão necessários: grupo A, grupo B, e grupo controle, diminuindo 25% o número total da amostra. Este tipo de delineamento é fundamental para ensaios clínicos de fase III (Friedlin et al., 2008), que visam observar a segurança e eficácia de uma intervenção em amplas populações (Jeffcoat, 2002). Atualmente é estimado que 90% das medicações testadas em ensaios clínicos de fase I não têm sucesso nos ensaios clínicos de fase III (US Food and Drug Administration, 2004). Um ensaio clínico “multi-arm” pode, portanto, minimizar os custos de pesquisa e aumentar a chance estatística para que pelo menos um agente testado alcance o sucesso. É importante ressaltar que um ensaio clínico do tipo “multi-arm” é delineado para comparar cada grupo teste ao grupo controle, portanto os grupos teste não deveriam ser comparados entre si.

Em Periodontia também é comum observar trabalhos do tipo “multi-arm”, principalmente quando a intervenção testada é um medicamento ou envolve algum material de alto custo. Um exemplo deste tipo de delineamento é o estudo de Al-Zahrani et al. (2009), que avaliam pacientes portadores de doença periodontal crônica e diabetes tipo 2. Um grupo específico de pacientes pode dificultar o recrutamento dos participantes para a pesquisa, e esta á mais uma vantagem na escolha do delineamento do tipo “multi-arm”. Nesta pesquisa, 45 pacientes foram divididos em três grupos de intervenção: grupo que recebeu apenas raspagem e alisamento radicular (RAR) (grupo controle); grupo que recebeu RAR em conjunto com terapia fotodinâmica (grupo teste); e grupo que recebeu RAR em conjunto com doxiciclina sistêmica. Os autores comparam os resultados dos três grupos entre si, talvez por considerarem como um segundo grupo controle o grupo que recebeu RAR em conjunto com doxiciclina.

ENSAIOS CLÍNICOS DO TIPO CRUZADOEsse tipo de delineamento é menos usado em ensaios

clínicos, principalmente por levar o dobro do tempo em relação a ensaios paralelos, já que ambos os grupos de intervenção recebem tanto a intervenção teste como a controle, em momentos diferentes (Hussey & Hughes, 2007). Neste estudo o participante atua como seu próprio controle (Maclure & Mittleman 2000), permitindo avaliações intragrupos e intergrupos (Mills et al., 2009). Se a intervenção requer um tempo de acompanhamento muito longo, esse tipo de delineamento se torna impraticável. Em um estudo clínico cruzado convencional, a cronologia da pesquisa é alocar os indivíduos em um dos grupos de intervenção (teste ou controle), após o término dessa fase esperar um tempo de “wash-out”, para que a primeira intervenção não interfira na segunda (efeito conhecido como “carry-over”) e então inverter o tipo de intervenção para cada indivíduo (Hussey & Hughes, 2007).

Ensaios clínicos do tipo cruzado são populares em estudos de desenvolvimento de novas drogas, principalmente quando o tratamento testado é apenas uma pequena modificação do tratamento padrão (Mills et al., 2009). São mais apropriados quando os efeitos da intervenção são de curta duração e reversíveis, e estão normalmente associados a tratamentos de situações sintomáticas e não crônicas (Mills et al., 2009). Não devem ser utilizados quando a condição estudada é instável, podendo mudar independentemente da intervenção aplicada (Mills et al., 2009).

Em Periodontia, estudos com enxaguatórios bucais muitas vezes são realizados com o delineamento do tipo cruzado, como um recente trabalho de Solís et al. (2011), no qual o principal objetivo era avaliar os efeitos clínicos e colaterais de um enxaguatório de clorexidina a 0,2% modificado (adicionado a um sistema antimanchas). No estudo, 15 pacientes foram divididos aleatoriamente em dois grupos e usaram durante 15 dias o enxaguatório de clorexidina a 0,2% (grupo controle) ou o enxaguatório de clorexidina a 0,2% modificado (grupo teste). Após esse período, passaram 15 dias sem utilizar nenhum tipo de enxaguatório (período de “wash-out”), e usaram por mais 15 dias o segundo enxaguatório (inversão dos grupos).

Existe também um tipo de ensaio cross-over em etapas (Hussey & Hughes 2007). Nesse tipo de estudo, os grupos ainda trocam de intervenção, porém em uma direção apenas: normalmente da intervenção controle para a intervenção teste. A diferença desse tipo de estudo é a alocação do tempo em que cada grupo irá trocar de intervenção. Essa troca deve acontecer em diferentes tempos para cada grupo (Hussey & Hughes, 2007). Apesar desse tipo de cross-over

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em etapas aumentar o tempo do estudo, pode ser benéfico em alguns momentos. Esse delineamento pode ser usado quando a logística limitada não possibilita que a intervenção seja conduzida ao mesmo tempo em grupos paralelos ou cruzados tradicionais. Esse tipo de ensaio clínico permite a alocação de pequenos grupos em intervenções, além de ser unidirecional o que elimina o problema encontrado em ensaios cruzados tradicionais, quando a intervenção teste pode não ser eliminada completamente no período wash out. Um problema encontrado nesse tipo de delineamento é o fato de que não é possível analisar as respostas do tratamento entre os grupos, por ser unidirecional (Hussey & Hughes, 2007).

ENSAIOS CLÍNICOS POR AGRUPAMENTO (“CLUSTER”)A maioria dos ensaios clínicos aloca seus pacientes de

forma individualizada, porém muitas vezes isso não é desejado ou mesmo possível, o que leva grupos de pessoas serem alocados como unidade para cada intervenção (Edwards et al., 1999). Ensaios clínicos por agrupamento têm chamado bastante atenção da comunidade científica por serem úteis quando a intervenção não pode ser dissociada do grupo de indivíduos (Adams et al., 2004). Este tipo de delineamento pode ser apropriado para alguns estudos intervencionais por questões teóricas, práticas, econômicas (Adams et al., 2004), ou mesmo éticas (Hussey & Hughes, 2007; Edwards et al. 1999). Em relação às questões teóricas e práticas, existem dois principais argumentos para a escolha desse tipo de delineamento (Edwards et al., 1999). Primeiramente, a intervenção que será aplicada pode não afetar apenas um indivíduo, mas todo um grupo de pessoas (como por exemplo, promoções de saúde bucal através de rádio). O segundo argumento é o fato de que apesar de uma intervenção ser direcionada para um indivíduo, ela pode afetar outros que convivem com este, contaminando aqueles que não deveriam receber tal intervenção, e diminuindo qualquer estimativa de resultado (como por exemplo, programas redução de fumo, onde o indivíduo pode acabar convencendo outro a adotar a prática que está sendo experimentada).

Apesar da vantagem do baixo custo, é preciso delinear um estudo que não apenas satisfaça a questão econômica, mas como também as requisições estatísticas (Connelly, 2003). Quando um delineamento com amostra insuficiente é escolhido, seu poder estatístico produzido é mais baixo do que um mesmo delineamento bem conduzido e economicamente semelhante (Connelly, 2003). É por esse motivo que ensaios por agrupamento possuem um delineamento mais complexo do que ensaios paralelos, requisitando um maior número de participantes para a obtenção de um poder estatístico equivalente (Campbell et al., 2004). Nesse tipo de estudo,

os indivíduos podem ou não escolher entre as opções de intervenções apresentadas, favorecendo um agrupamento semelhante em relação a sexo, idade, e grupo étnico (Adams et al., 2004). Assim, as respostas a um tratamento estarão mais correlacionadas ao um mesmo grupo de intervenção, do que entre grupos de intervenção.

O cálculo da amostra é de fundamental importância, e representa a principal diferença entre um ensaio clínico do tipo “cluster” e um ensaio clínico paralelo (Campbell et al., 2004). Para se calcular a amostra desse tipo de estudo, deve-se levar em conta o número de eventos, efeitos esperados, poder do estudo, alem do coeficiente de correlação intraclasse (Campbell et al., 2004). Deve-se, portanto multiplicar o cálculo amostral de um ensaio clínico individual por um valor conhecido como efeito de delineamento (ED) (Adams et al., 2004). O ED deve ser calculado por: ED= 1+ (n-1) CCI

Onde n é o numero médio de indivíduos agrupados e CCI é o Coeficiente de Correlação intraclasse do desfecho. O CCI representa a variação total do desfecho que pode ser atribuída pelas diferenças entre os grupos. Um dos problemas desses ensaios clínicos apresentados é que poucos informam as variáveis e o CCI (Adams et al., 2004), porém o poder estatístico é fundamental para se aperfeiçoar o nível de significância desse tipo de delineamento.

Na área da Periodontia não são tão comuns ensaios clínicos por agrupamento, porém ainda podemos encontrar exemplos onde este delineamento é utilizado. Van der Putten et al. (2010) publicaram um ensaio clínico por agrupamento que pretendia avaliar a implementação de um programa de saúde bucal em residenciais para idosos. Neste trabalho, 12 residenciais foram incluídos, dos quais deveriam conter pelo menos 30 participantes cada. Cada residencial era alocado em um dos grupos: grupo de intervenção, que além de receber o programa de saúde bucal, era acompanhado por pesquisadores ou higienistas bucais a cada 6 semanas durante 6 meses; e grupo controle, que apenas recebeu exame periodontal inicial e foi reavaliado após 6 meses. O estudo usa como unidade estatística a instituição composta de pelo menos 30 pessoas, o que permite aumentar o número total de participantes. Porém, os próprios autores atentam para o fato de que, no caso de uma instituição resolver sair da pesquisa, a chance de erros nos resultados pode ser muito maior, devido ao complexo cálculo amostral.

ENSAIOS CLÍNICOS DO TIPO BOCA DIVIDIDA (“SPLIT-MOUTH”)

Em ensaios clínicos odontológicos, muitas vezes o objetivo é avaliar um tipo de intervenção sobre um dente ou área da boca. Estes estudos podem ser feitos alocando os

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pacientes a grupos, sendo estes a unidade de randomização (ensaios clínicos paralelos), ou alocando áreas da boca de um mesmo paciente aos grupos, sendo estas a unidade de randomização. O segundo caso é o chamado ensaio clínico do tipo boca dividida, quando um mesmo paciente recebe as duas intervenções, porém cada uma de um lado da boca, que serve como a unidade do estudo (Lesaffre et al., 2009). Foi introduzido na literatura odontológica por Ramfjord et al. (1968) e se tornou bastante popular. Porém, como foi evidenciada por Lesaffre et al. (2007), a qualidade descritiva dos ensaios clínicos do tipo boca dividida ainda é muito deficiente. Uma grande variabilidade encontrada entre estudos desse tipo é o fato de que a boca pode ser dividida de diferentes maneiras, como quadrantes e sextantes, e por isso pelo menos 11 estudos do tipo boca dividida com diferentes delineamentos já foram encontrados (Hujoel & Loesche, 1990).

De fato, o delineamento desses estudos mostra uma série de considerações que podem levar a um desfecho errôneo. É importante que se conheça suas limitações, vantagens, questões estatísticas e implicações na pesquisa clínica (Hujoel & Loesche, 1990; Hujoel, 1998). Hujoel & Loesche (1990) apresentaram as principais questões a serem consideradas a respeito desse tipo de delineamento. Segundo os autores, quatro questões devem ser consideradas nos ensaios clínicos do tipo boca-dividida: viés de resultados, recrutamento, eficiência e análise estatística.

O viés de resultados diz respeito à confusão causada nos efeitos do tratamento, por uma possível contaminação de uma área para outra, ocorrendo o chamado efeito “carry-across” (Hujoel, 1998). O pesquisador, ao considerar a elegibilidade desse tipo de estudo, deve assegurar-se, por argumentos biológicos, que a possibilidade de efeito “carry-across” pode ser excluída.

Outra consideração é o fato de que o recrutamento é mais difícil, já que o paciente deve ter o mesmo padrão de doença nos dois lados avaliados, o que muitas vezes dificulta e restringe o recrutamento. Restringir o recrutamento para estes pacientes limita seriamente a validade externa dos resultados (Lesaffre et al., 2007). Por exemplo, quando dois materiais restauradores são avaliados em um estudo do tipo boca-dividida, apenas pacientes com pelo menos duas cáries em diferentes quadrantes são elegíveis. Esta restrição pode levar uma seleção de pacientes com maior risco a cárie, e possivelmente com piores hábitos de higiene e dieta.

A eficiência diz respeito à vantagem do estudo do tipo boca-dividida em relação a outros estudos. A eficiência ocorre pela exclusão da variabilidade entre indivíduos, encontrada em ensaios paralelos (Lesaffre et al., 2007). Como a randomização

dos tratamentos ocorre em um mesmo indivíduo, o erro de análise dos tratamentos é diminuído, possibilitando que estimativas mais precisas sejam obtidas com este estudo.

Também é preciso apontar o fato de que a análise estatística para esse tipo de estudo é diferente da análise estatística para estudos paralelos, já que o mesmo paciente é seu próprio controle sendo, portanto, os grupos relacionados (Hujoel, 1998). Também deve ser ressaltado que na análise estatística cada sítio examinado deve ser considerado uma unidade no modelo estatístico (Lesaffre et al., 2007).

Muitos trabalhos em Periodontia também são conduzidos pelo delineamento de boca dividida (Burgett et al., 1994; Eickholz et al., 2002), principalmente pela dificuldade em recrutar pacientes com padrões simétricos de doença peridontal (Lesaffre et al., 2009). Porém muitas vezes acabam por não respeitar algumas regras deste tipo de delineamento, como trabalhos que estudam a aplicação de diferentes antimicrobianos locais em sítios de uma mesma boca. Nestes casos, a possibilidade do efeito “carry-across” é totalmente ignorada, como no estudo conduzido por Eickholz et al. (2002), no qual cada paciente incluído para o estudo tinha três áreas distintas recebendo um dos seguintes tipos de intervenção: apenas RAR; RAR e aplicação de um gel de doxiciclina a 15%; RAR e aplicação de um gel contendo apenas o veículo, sem o agente ativo.

ENSAIOS CLÍNICOS DO TIPO FATORIALEnsaios clínicos do tipo fatorial permitem que duas ou

mais intervenções sejam analisadas em um mesmo estudo, possibilitando que duas questões sejam respondidas de uma só vez (Byth & Gebsky, 2004). São ideais quando dois tratamentos agem independentemente, e se deseja avaliar também se essas duas intervenções juntas têm algum efeito aditivo (McAlister et al., 2003). Dois tratamentos são chamados de independentes quando o efeito de um não é alterado pela presença ou ausência de outro (Byth & Gebsky, 2004).

No tipo de estudo fatorial mais simples, conhecido como 2x2, avaliam-se duas drogas: A e B. Existirão, portanto, quatro grupos de intervenção: A+B, apenas A, apenas B, e controle. A análise desses estudos é mais complexa, e tem sido apontada como um dos maiores erros nos estudos fatoriais (Byth & Gebsky, 2004; McAlister et al., 2003; Green et al., 2002; Montgomery et al., 2003).

Para analisar os resultados a análise é conduzida sob duas maneiras (McAlister et al., 2003). Na primeira, a eficácia da droga A pode ser avaliada somando-se os dois grupos que estudaram A (A+B e apenas A) e comparando-os ao grupo controle. Esta maneira de análise permite que o estudo seja

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conduzido com uma amostra bem menor do que se A e B fossem testados separadamente. O problema desse tipo de análise é que pode superestimar a eficácia de uma droga se a interação dos dois testes for mais que aditiva, e pode subestimar a eficácia da mesma, se a interação for menos que aditiva (antagonista). Na segunda maneira de análise, deve-se analisar a eficácia da droga A comparando apenas o grupo que recebeu A com o grupo controle. Neste caso, porém, o grupo AB não é analisado, e o mesmo grupo controle é usado para duas análises separadas, alem de diminuir o tamanho da amostra analisada em comparação à primeira análise.

Em um ensaio clínico fatorial 2x2 muitas vezes é desejado, após a análise do trabalho, recomendar o uso de um dos quatro tratamentos estudados (Green et al., 2002). Se, por exemplo, os resultados de A forem iguais aos do controle, então se deve optar pelo controle. Mas se os resultados de A forem iguais ao grupo A+B, deve-se então optar pelo tratamento A. Isso por que, de uma maneira simplista, adicionar um tratamento geralmente envolve maiores custos e maior toxicidade.

Quando se deseja avaliar a interação dos tratamentos, o estudo deve ser delineado para que tenha um poder estatístico considerável, ou seja, a amostra deve ser pelo menos duas vezes maior do que a amostra de um ensaio clínico paralelo (Green et al., 2002; Montgomery et al., 2003). Se o número da amostra não é aumentado, para que o estudo tenha poder estatístico suficiente, a interação A+B teria que ter pelo menos o dobro de efeitos comparados aos tratamentos A e B separadamente, o que normalmente não acontece (Montgomery et al., 2003). A análise desse tipo de trabalho pode se tornar complicada quando as interações são consideradas (Green et al., 2002). Interações complicadas entre os grupos de tratamento podem acontecer, e as escolhas de delineamento do trabalho podem afetar a habilidade de se reconhecer o melhor grupo de tratamento.

Quando é necessário avaliar os quatro grupos da pesquisa, devem ser considerados objetivos do estudo, estratégias de análise, nível de significância estatística, alem de questões sobre a força estatística do trabalho, a fim de ter uma alta probabilidade na escolha certa dos tratamentos testados (Green et al., 2002). É também desejável que estudos fatoriais incluam as estimativas da interação entre os tratamentos, para que se possa saber se a interação entre as drogas irá superestimar ou subestimar a análise estatística (McAlister et al., 2003). O investigador deve escolher apenas interações que não têm poder antagonista entre si para ensaios do tipo fatorial.

A decisão para se escolher esse tipo de delineamento deve levar em consideração a natureza das intervenções,

metodologia do estudo, comparações de interesse e o desfecho a ser medido (Montgomery et al., 2003). Esse tipo de estudo pode fornecer resultados significantes contanto que o número amostral esteja adequado.

Em Periodontia, este tipo de delineamento não é tão comum, porém pode ainda ser utilizado em alguns casos. Pesquisas na área de laser podem utilizar o delineamento do tipo fatorial, já que lasers podem ser utilizados em diferentes energias, tempos e ainda variando o tipo de pulsação. O fato de não haver protocolos bem definidos a respeito da melhor combinação dessas variáveis direciona a condução de estudos com delineamento do tipo fatorial. Swift et al. (1995) realizaram um estudo no qual um delineamento fatorial 3x3x2 foi utilizado para se buscar a melhor combinação das variáveis de um laser de CO2 em relação à geração de calor na superfície de implantes.

DISCUSSÃO

A importância do delineamento correto para um ensaio clínico vem sendo descrita na literatura há mais de 30 anos. Porém ainda hoje é visto que poucos estudos são reportados com clareza, ou mesmo avaliam corretamente seus resultados. Altman (1994) já considerava um escândalo a pesquisa médica, ressaltando a necessidade de melhores pesquisas realizadas pelo motivo certo. Sjorgen & Halling (2002) publicaram uma revisão na qual compararam 100 artigos de ensaios clínicos da área odontológica com 100 artigos de ensaios clínicos da área médica, todos publicados em 1999. Os autores ressaltam que artigos de ambas as áreas mostraram-se inadequados, independentemente do fator de impacto da revista onde eram publicados. Apesar de evidenciarem a necessidade de se melhorar a qualidade de artigos de ensaios clínicos, outros trabalhos subseqüentes a este continuaram a evidenciar que ensaios clínicos ainda são reportados de forma errônea. Em 2005, uma revisão (Chan & Altman, 2005) avaliou ensaios clínicos publicados em Dezembro de 2000 do tipo paralelo e “cross-over”, que representaram 98% da busca no PubMed entre todos os ensaios clínicos indexados nesta base de dados. Este trabalho também elucidou a falta de correto delineamento e cálculo amostral, entre outros erros metodológicos, para os ensaios clínicos. Outra recente revisão (Lesaffre et al., 2007) sobre estudos clínicos do tipo “boca dividida”, também encontrou problemas referentes à metodologia apresentada nos trabalhos. Essa revisão avaliou todos os estudos clínicos “boca dividida” publicados em revistas e jornais odontológicos no ano de 2004 (n=34). Os resultados mostram que esses tipos de estudos precisam ser melhorados de inúmeras formas,

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em relação a delineamento e metodologia, para aumentar a qualidade destas publicações.

Apesar de ainda estar longe do seu ideal, é importante notar que a comunidade científica tem se mobilizado para que os ensaios clínicos sejam reportados e conduzidos de uma melhor maneira. Em 1996 foi publicado o primeiro CONSORT, recomendando como deveriam ser feitas as publicações de ensaios clínicos randomizados e, no ano de 2010, foi publicada sua terceira edição (Schulz et al., 2010). Hoje em dia, a maioria dos periódicos da área da saúde exige que autores publiquem ensaios clínicos segundo essas normas. Isso cria uma tendência que pesquisas mal conduzidas, ou mal relatadas, percam o espaço nas publicações. Ao elaborar uma pesquisa é preciso, portanto, estar ciente dos diversos detalhes metodológicos que dizem respeito a um ensaio clínico randomizado.

No que se diz respeito ao delineamento dos estudos, o pesquisador tem uma série de tipos para escolher, dependendo do que servirá melhor para sua pesquisa. Fatores práticos, éticos, econômicos e principalmente estatísticos devem ser levados em consideração (Connelly, 2003). De nada adianta conduzir um trabalho curto e barato se seus resultados não levarem a nenhuma conclusão com força estatística. Por outro lado, se na teoria vemos que o estudo seria muito longo, é preciso também avaliar seu custo-benefício. Alguns delineamentos, que parecem facilitar o recrutamento de casos, podem ter implicações severas na análise de resultados.

Estudos paralelos são considerados o padrão ouro dos ensaios clínicos, fornecendo grupos randomizados aleatoriamente, que resultam em alto poder estatístico quando bem conduzidos. Mas nem sempre este é o delineamento ideal para um estudo. Como já apresentado, um ensaio clínico do tipo paralelo muitas vezes envolve intervenções que financeiramente não são favoráveis à pesquisa, tornando-a inviável ou indesejável (Richens, 2001).

Estudos do tipo “multi-arm” podem ser escolhidos para diminuir o número de amostra necessária para mais de um estudo do tipo paralelo, utilizando o mesmo grupo controle. Estes estudos podem ser economicamente interessantes, além de aumentarem a chance estatística de que pelo menos um resultado dos grupos testados seja favorável. São estudos populares em Periodontia, principalmente quando a pesquisa envolve um alto custo. Feres et al. (2009) publicaram um estudo no qual o objetivo era avaliar efeitos clínicos e microbiológicos da RAR combinada com controle químico ou mecânico na placa supra gengival de pacientes portadores de periodontite. Análises microbiológicas requerem também um custo adicional alto, e ao realizarem um estudo do tipo “multi-arm” em vez de dois estudos paralelos, os pesquisadores

reduziram em 25% não apenas o recrutamento da amostra, mas como toda a análise laboratorial. Neste ensaio clínico, o grupo controle (RAR e bochechos com placebo duas vezes ao dia) foi comparado a dois grupos teste: RAR em conjunto ao controle mecânico do biofilme bacteriano (realizado por um profissional) e bochechos com placebo duas vezes ao dia; e RAR em conjunto ao controle químico de biofilme bacteriano (bochechos com clorexidina 0,12% duas vezes ao dia). Porém, como observado em outros ensaios clínicos do tipo “multi-arm”, os resultados apresentam comparações entre os três grupos, e não apenas entre cada grupo teste com o grupo controle.

Ensaios clínicos cruzados, populares para estudos de desenvolvimentos de novas drogas, podem ser escolhidos quando os efeitos da intervenção são de curta duração e reversíveis. São interessantes pelo fato de multiplicar a amostra, já que ambos os grupos passam pelas duas intervenções estudadas, servindo como seus próprios controles (Richens,

2001). Por outro lado, esses estudos podem se tornar inviáveis se forem muito longos, e é preciso assegurar que o efeito do primeiro tratamento aplicado seja erradicado completamente para que o segundo tratamento seja feito.

Ensaios clínicos do tipo por agrupamento são os ensaios de escolha quando a intervenção que se quer estudar atinge a toda uma população, e não apenas um indivíduo. Neste tipo de ensaio a unidade estatística é o grupo e não o indivíduo, e para que o resultado tenha valor estatístico, é preciso considerar uma amostra maior do que ensaios individuais.

Ensaios clínicos do tipo “boca dividida” podem excluir a variabilidade encontrada entre os indivíduos de ensaios paralelos, porém é necessário que o pesquisador esteja certo de que a escolha deste não irá atrapalhar na análise estatística. É importante que a doença avaliada nos dois grupos seja a mesma e de igual severidade. Também deve ser levado em consideração o efeito “carry-across”, onde um tratamento contamina o resultado do outro. Se a intervenção estudada pode ter efeito “carry-across”, então este não deve ser o delineamento de escolha para o estudo. Apesar de todas essas considerações, ainda vemos muitos trabalhos do tipo “boca dividida” que foram conduzidos de forma equivocada, como mostrou a revisão realizada em 2007 (Lesaffre et al., 2007). Estudos que visam comparar efeitos de drogas locais, como antibióticos locais (Eickholz et al., 2002; Jansson et al., 2003), podem apresentar viés nos resultados pelo efeito “carry-across”.

Ensaios clínicos fatoriais são ideais quando se deseja avaliar também se duas intervenções juntas têm algum efeito aditivo, porém o pesquisador precisa se certificar que elas não terão efeito antagonista antes de conduzir o estudo, ou este

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perderá o valor ao término das análises.Como o presente estudo sugere, cada delineamento tem

uma preferência dependendo da proposta do que se quer estudar. O pesquisador deve ter em mente, porém, que o fator principal que deve ser considerado após a escolha deste, é a amostra estudada. Escolher o delineamento “certo” com uma amostra insuficiente levará ao insucesso do trabalho.

CONCLUSÕES

Apesar de o ensaio clínico paralelo ser o mais comum, e facilitar a análise estatística entre os grupos estudados, nem sempre é o delineamento ideal para um tipo de estudo. Questões financeiras, práticas, estatísticas ou mesmo éticas, podem indicar que outro tipo de delineamento deve ser o escolhido. É importante que o pesquisador tenha conhecimento das implicações de cada tipo de delineamento, e saiba escolher o que conseguirá fornecer melhor custo-benefício e resultados significativos à sua pesquisa.

ABSTRACT

Randomized clinical trials, when appropriately conducted, provide a high quality of evidence for evaluating therapeutic

effectiveness, important on practical decisions. Choosing the right design for a clinical trial, which is how the study will be conducted, is crucial to the final power of the study. Researcher needs to get familiarized with the most common design methods and its implications, to be able to choose the one that fits ideally better on his study. The aim of this present study is to elucidate and analyze the most common design methods, informing the basics of each one. A literature search was conducted on PubMed via Medline to locate studies that clarify the rules of the study designs used in clinical trials. Selected studies had their information extracted and presented at the results in order to facilitate the understanding of each type of design. The following trial designs were analyzed: parallel, cross-over, cluster, split-mouth and factorial. Our conclusion is that not always the parallel design, which is the most common design in clinical trials, is ideally better to a research. It is important to know and chose the trial design that will provide the best cost-benefit and significant results to a research.

UNITERMS: Clinical trials; Data interpretation, statistical; Evidence-Based Practice; Methods; Research design; Publication bias

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