Décimas - Quadras inseridas in LITERATURA POPULAR do DISTRITO de BEJA, 1987

54
QUADRAS / DÉCIMAS in «LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA -- 1987 coordenação Distrital de Beja, Ministério da Educação e Cultura – Direcção-Geral da Educação de Adultos. (Beja, Julho de 1987, pedido pelo professor Abílio Teixeira da DGEA do concelho de Beja, Beja ao professor Abílio Perpétua Raposo, da DGEA do distrito de Beja). Digitalização e organização de José Rabaça Gaspar Ver mais em https://pt.scribd.com/doc/271464717/DECIMAS-recolhidas-por-J-Leite-de-Vasconcellos-no-CPP DÉCIMAS POPULARES in Literatura Popular do Distrito de Beja DGEA 1987

description

Mais 38 DÉCIMAS inseridas numa obra da Direcção-Geral da Educação de Adultos, Coordenação Distrital de Beja, dirigida por Abílio Perpétua Raposo...

Transcript of Décimas - Quadras inseridas in LITERATURA POPULAR do DISTRITO de BEJA, 1987

  • QUADRAS / DCIMAS in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA -- 1987

    coordenao Distrital de Beja, Ministrio da Educao e Cultura Direco-Geral da Educao de Adultos. (Beja, Julho de 1987, pedido pelo professor Ablio Teixeira da DGEA do concelho de Beja, Beja ao professor Ablio Perptua Raposo, da DGEA do distrito de Beja).

    Digitalizao e organizao de Jos Rabaa Gaspar

    Ver mais em https://pt.scribd.com/doc/271464717/DECIMAS-recolhidas-por-J-Leite-de-Vasconcellos-no-CPP

    DCIMAS POPULARES in

    Literatura Popular do Distrito de Beja

    DGEA 1987

    https://pt.scribd.com/doc/271464717/DECIMAS-recolhidas-por-J-Leite-de-Vasconcellos-no-CPP
  • Separata organizada por JRG

    2

    MAPA dos CONCELHOS do DISTRITO DE BEJA

    Aljustrel - Almodvar - Alvito - Barrancos - Beja - Castro Verde - Cuba - Ferreira do Alentejo -

    Mrtola - Moura - Odemira - Ourique - Serpa - Vidigueira

    MAPA das FREGEUSIAS do CONCELHO de BEJA

    Albernoa Baleizo Beringel - Cabea Gorda - Mombeja

    Nossa Senhora das Neves Quintos - Salvada Beja (Salvador) Santa Clara de Louredo Beja (Santa Maria da Feira) Santa Vitria Beja (Santiago Maior) So Brissos Beja (So Joo

    Baptista) So Matias Trindade Trigaches.

    Outra obra (complementar, tb com data de 1987, mas s publicada em 1989) esta de BEJA Concelho

    revista e ampliada com mais Poetas de Albernoa pode ser consultada e transferida em: https://pt.scribd.com/doc/86559072/Poetas-Populares-CBeja-Separata-Albernoa-2012-294p

    https://pt.scribd.com/doc/86559072/Poetas-Populares-CBeja-Separata-Albernoa-2012-294p
  • QUADRAS / DCIMAS in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA -- 1987

    3

    QUADRAS / DCIMAS in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA -- 1987

    coordenao Distrital de Beja, Ministrio da Educao e Cultura Direco-Geral da Educao de Adultos. (Beja, Julho de 1987, pedido pelo professor Ablio Teixeira da DGEA do concelho de Beja, Beja ao professor Ablio Perptua Raposo, da DGEA do distrito de Beja).

    Digitalizao e organizao de Jos Rabaa Gaspar

    Ver mais em https://pt.scribd.com/doc/271464717/DECIMAS-recolhidas-por-J-Leite-de-Vasconcellos-no-CPP

    DCIMAS POPULARES in

    Literatura Popular do Distrito de Beja

    DGEA 1987

    https://pt.scribd.com/doc/271464717/DECIMAS-recolhidas-por-J-Leite-de-Vasconcellos-no-CPP
  • Separata organizada por JRG

    4

    FICHA TCNICA: Ttulo:

    QUADRAS / DCIMAS in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA -- 1987 Crditos: Direco-Geral da Educao de Adultos. (Beja, Julho de 1987) Separata digitalizada e organizada por: Jos Rabaa Gaspar Data: 2015 07 Local: Corroios / Seixal

  • QUADRAS / DCIMAS in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA -- 1987

    5

    DEDICATRIA

    Uma homenagem aos Poetas Populares

    muitos considerados analfabetos!...

    dedicados a todos os que ainda se podem interessar

    pela recolha, estudo, divulgao e implementao

    dos Valores Culturais

    marcas de uma identidade de um Povo e de uma Regio

  • Separata organizada por JRG

    6

  • QUADRAS / DCIMAS in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA -- 1987

    7

    APRESENTAO

    Da NOTA PRVIA de Ablio Perptua Raposo, em 1986

    coordenador na Distrital de Beja, da Direco-Geral da Educao de Adultos, Ministrio da Educao e Cultura.

    As notas e coordenao dos textos por M. Viegas Guerreiro r Antnio Machado Guerreiro

    a cultura um atributo exclusivo das sociedades humanas. obrigatoriamente dinmica, inovadora, criativa.

    Mas tambm repositrio de valores do passado distante ou prximo com reflexo no presente e no futuro.

    Neste trabalho preocupmo-nos com aquela cultura que radica

    directamente no povo. Tal cultura traduz-se em formas e linguagem adequadas sensibilidade daqueles a quem se destina. Da que

    constitua um bom veiculo de formao e informao, no s porque possui forte carga motivadora dada a natureza dos temas que

    aborda, mas sobretudo pelas formas em que se consubstancia. E porque assim - parece-nos - a Literatura Popular bem se

    enquadra no percurso da Educao de Adultos, j pelo estilo lingustico utilizado, que o da nossa gente,

    j pela humanizao que pe nos acontecimentos.

    ainda forma de libertao do homem, de manifestao das suas aspiraes, de encontro com as suas razes. Por outro lado, e

    se entre os homens h muitas mais coisas de comum que de diferente, pese embora a diversificao de condies socioeconmicas,

    a Literatura Popular ainda modo de convivncia humana.

    Valeu, portanto, a pena ,uma tal recolha, cujo contedo no rico, nem pobre, nosso. E regionalista.

    Poesias, contos, anedotas, lendas, provrbios e ditos, cantigas, adivinhas e pensamentos,

    costumes e jogos tradicionais, rezas e crendices populares estiveram no esprito deste levantamento.

    Tal pesquisa exigiu tempo e muitas boas vontades ligadas

    e at estranhas s estruturas da Coordenao Distrital.

    Na mesma altura, Ablio Teixeira era o coordenador da Concelhia da DGAEE (Direco-Geral de Apoio e Extenso Educativa) e

    organizou uma recolha dos Poetas Populares do Concelho de Beja

    de que resultou uma publicao, que apareceu com a mesma data, mas s publicada em 1989 A grande maioria dos poemas dos Poetas Populares das doze (das 18) freguesias do Concelho de Beja

    so DCIMAS e podem ser consultadas, como j est mencionado, em: https://pt.scribd.com/doc/86559072/Poetas-Populares-CBeja-Separata-Albernoa-2012-294p

    https://pt.scribd.com/doc/86559072/Poetas-Populares-CBeja-Separata-Albernoa-2012-294p
  • Separata organizada por JRG

    8

    Contedo Da introduo s QUADRAS, p. 85 a 124 ....................................................................................11

    O que existe alm da morte ...................................................................................................13

    Antnio Ruas, Messejana, 1979. ........................................................................................13

    homem que vais passando: ................................................................................................14

    Antnio Ruas, Messejana, 1979 .........................................................................................14

    Eu olhei, no cemitrio, ...........................................................................................................15

    Antnio Ruas, Messejana, 3/12/1982. ...............................................................................15

    to triste envelhecer ...........................................................................................................16

    Antnio Ruas, Messejana ...................................................................................................16

    Vi a minha Me rezando,........................................................................................................17

    Antnio Ruas, Messejana, 13/12/79 ..................................................................................17

    Quem tiver filhas no mundo...................................................................................................18

    Antnio Ruas, Messejana, 5/5/1982 ..................................................................................18

    Certas vivas discretas, ..........................................................................................................19

    Antnio Ruas, Messejana, 13/12/1982. .............................................................................19

    Portugal! Portugal! ..........................................................................................................20

    Antnio Ruas, Messejana, 1977 .........................................................................................20

    Dcimas PAZ........................................................................................................................21

    Maria Guiomar Rodeia Peneque, Beja. ..............................................................................21

    J no posso ser contente, .....................................................................................................22

    Quadra que o Manuel de Castro, da Cuba, fez ao poeta Antnio Hilrio, ..........................22

    Existia uma ave .......................................................................................................................23

    Francisco Augusto Galrito, Castro Verde. ...........................................................................23

    Em tudo sinto a poesia, ..........................................................................................................24

    Manuel Antnio de Castro, Cuba .......................................................................................24

    O cordeiro imaculado, ............................................................................................................25

    Manuel Antnio Castro, Cuba, 1960 ..................................................................................25

    Sino, corao de aldeia, ..........................................................................................................26

    Manuel de Castro, Cuba, Setembro, 1960 ..........................................................................26

    Estou prestes a ser chamado..................................................................................................27

    Manuel Antnio de Castro, Cuba .......................................................................................27

    Varejai, varejadores; ..............................................................................................................28

    Manuel Antnio Castro, Cuba, 1951 (?). ............................................................................28

    Fui nova, cortante enxada () ...................................................................................................29

    Manuel Antnio Castro, Cuba, 1960 (?). ............................................................................29

  • QUADRAS / DCIMAS in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA -- 1987

    9

    rica, tem nome fino. ............................................................................................................30

    Manuel Antnio Castro, Cuba, 1967 (?) .............................................................................30

    tu, que vais passando, ........................................................................................................31

    Ceclia Maria Pereira, Alfundo ..........................................................................................31

    Pus um p na sepultura, .........................................................................................................32

    Ceclia Maria Pereira, Alfundo ..........................................................................................32

    Fiz agora oitenta anos, ...........................................................................................................33

    Alfundo .............................................................................................................................33

    Dizem que a Terra que gira ....................................................................................................34

    Jos Caro Sorneto, Amareleja.............................................................................................34

    Tambm me leva a crer: .........................................................................................................35

    Pvoa de S. Miguel .............................................................................................................35

    Com a noo de subir, ............................................................................................................36

    Pvoa de S. Miguel .............................................................................................................36

    Da terra onde nasci ................................................................................................................37

    Pvoa de S. Miguel. ............................................................................................................37

    As ilhas e os continentes ........................................................................................................38

    Pvoa de S. Miguel .............................................................................................................38

    Morrem as avens voando, ......................................................................................................39

    Agostinho, Santo Amador. .................................................................................................39

    DUETO ENTRE A SOBREIRA E A OLIVEIRA ...................................................................................40

    Eu sou a nobre sobreira,.........................................................................................................40

    O teu valor, sobreira,..............................................................................................................41

    Jacinto Passarinho, Santo Aleixo. .......................................................................................41

    Trabalhar no campo duro ....................................................................................................42

    Pvoa de S. Miguel. ............................................................................................................42

    Na barragem do Guadiana .....................................................................................................43

    Pvoa de S. Miguel. ............................................................................................................43

    A 22 de Fevereiro () ................................................................................................................44

    Autor: Hilrio de Matos, Colos. ..........................................................................................44

    Morreu. Chorem, portugueses, ..............................................................................................45

    Autor: Hilrio de Matos, Colos. ..........................................................................................45

    Eu fui fazer 'ma visita .............................................................................................................46

    Colos. ..................................................................................................................................46

    As pulgas do Vale da Casca, ....................................................................................................47

    Colos ...................................................................................................................................47

    Que grande felicidade ............................................................................................................48

    Manuel Morais, 51 anos, Pias. ............................................................................................48

  • Separata organizada por JRG

    10

    Numa vida h muita vida, .......................................................................................................49

    Francisco Carlos Bentes, Pedrgo do Alentejo .................................................................49

    O que serve morte o pranto ................................................................................................50

    Francisco Carlos Bentes, Pedrgo do Alentejo. ................................................................50

  • QUADRAS / DCIMAS in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA -- 1987

    11

    Da introduo s QUADRAS, p. 85 a 124 in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA 1987

    Por todo o Baixo Alentejo chamam-se quadras aos poemas constitudos por um mote de quatro versos glosado em quatro estrofes de dez versos, cada uma destas, terminada por um dos versos do mote. Apesar da grande difuso destas composies (Algarve, Alentejo, Estremadura, Ribatejo, Brasil), a poesia culta entende que no merece a pena preocupar-se com elas. No Dicionrio das Literaturas Portuguesa, Galega e Brasileira, por exemplo, no h referncia a esta poesia, embora se diga que durante o sculo XVII, com a designao de espinela, era frequente a dcima com o esquema ABBAACCDDC -- exactamente o das actuais quadras. Mas no se trata do mesmo tipo de composies, visto que as dcimas no se subordinavam obrigatoriamente, como hoje as quadras, aos versos do mote que as terminam e as originaram. precisamente nestes poemas, ignorados pela literatura culta (ou pelo menos quase ignorados), que o povo do Sul (em particular) exprime em verso tudo o que lhe afecta a alma e os sentidos. H at poetas populares que, de to habituados ao esquema, so capazes de fazer de improviso uma quadra, ou de entrar num desafio em quadras, com a mesma facilidade com que por todo o pas se dizem ou cantam, ao desafio ou desgarrada, as vulgares quadras de quatro versos septissilbicos de rima ABCB ou ABAB. Nas quadras glosadas, que pela funo podero ser os descendentes ltimos dos romances metrificados, dizem-nos, os poetas, todas as preocupaes, anseios e dvidas das suas vidas. E ver, nas que aqui se inserem, como se foca o destino das pessoas (fatalidade determinista), a crena no juzo final, as interrogaes acerca do que se passar no Alm -- o mistrio impenetrvel e indecifrvel do aps vida --; so as referncias velhice, com o depauperamento do corpo e a saudade dos tempos passados; o que se refere viuvez desanimada; Jesus o tema duma quadra; a me comparada a uma santa. H tambm a compaixo pela mulher perdida. H a crtica social (aos engenheiros da barragem. s vivas ledas, diferena de nomenclatura que se aplica a funes idnticas consoante so praticadas por ricas ou por pobres); tambm no falta a crtica poltica, nem esqueceu a paz, a emigrao, e h ainda um bom conselho de prudncia naquilo que se diz. Encontramos uma comparao do sino (que avisa o que se passa no exterior) com o corao (este a avisar o que se passa no mais intimo da pessoa). H, muito curiosamente, a declarao dum campons afirmando que sente poesia em tudo quanto o rodeia. Como se entende que no podia deixar de ser, h os poetas que cantam o trabalho rural, duro; h o varejo, h a histria do mineral que foi enxada e agora parte dum instrumento de morte; e h o dueto dos prstimos da oliveira e da sobreira, onde esta, apesar da riqueza que proporciona, perde o pleito em favor da outra, que fornece alimento e, no dizer do poeta, sem ela no se pode passar. H uma descrena na cincia dos homens mas tambm h uma admirao e confiana nessa mesma cincia; h louvores aos pioneiros dos descobrimentos, h louvores terra natal, e o elogio pstumo de trs aviadores que pereceram num desastre areo (em particular a um deles). Encontramos ainda, num mesmo poeta, a fantasia trocista da epidemia de pulgas que apareceu num monte e a fantasia curiosa duma viagem ao Cu, para ver a famlia que ali repousava. Parece-nos suficiente a meno a este acervo de temas para podermos dizer que a quadra, no Sul, o grande veculo da transmisso do acontecimento (ou da fantasia), escrito e versificado. Os 38 textos publicados foram escolhidos entre muitos mais que se recolheram, e com eles esto representados nove dos catorze concelhos do distrito. Por motivos bvios, alguns tiveram que ser preteridos; acrescentaremos apenas que imensa a quantidade de quadras que se pode recolher, dado que se trata duma espcie perfeitamente actual, a que se pode acrescentar o antigo e se ir acrescentando o futuro. Ablio Perptua Raposo (Notas e coordenao dos textos: M. Viegas Guerreiro r Antnio Machado Guerreiro)

  • Separata organizada por JRG

    12

  • QUADRAS / DCIMAS in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA -- 1987

    13

    Mote (alheio)1

    O que existe alm da morte Ningum diz, ningum dir. Tantos que tm morrido, Ainda ningum voltou c. I Comeou o Mundo assim: Uns nascendo, outros morrendo, E outros que vo vivendo At lhes chegar o fim. s vezes, penso para mim Que o destino to forte, Que nos traz este transporte Que impossvel prever. Ningum nos pode dizer O que existe alm da morte. II H pessoas inspiradas, Pensando na outra vida; Com uma certa medida No diz coisas acertadas. Tudo so coisas falhadas, o que se ouve por c. Minha ideia no m Em pensar desta maneira: Uma palavra certeira Ningum diz, ningum dir. III Se formos ao cimitrio Vemos muita cruz erguida, Indicando o fim da vida Que para ns um mistrio. Se formos pensar a srio, Quais2 (2) perdemos o sentido. Nunca se tem conseguido Trazer luz a verdade. E uma realidade Tantos que tm morrido. IV Depois da morte, a sepultura; isso que vamos vendo. Eu continuo dizendo: Nem mais se v a criatura, S nos fica a gravura Desse ente que foi par l. Mas eu posso dizer j, Com uma certa firmeza: Para nos falar com clareza Ainda ningum voltou c.

    Antnio Ruas, Messejana, 1979.

    1Conhecemos a quadra num folheto do primeiro quartel deste sculo: O que existe para alm da morte / Ningum disse nem dir. / De todos que tm morrido / Inda nenhum voltou c. 2 Leia-se quase, que, na pronncia do autor, soaria Quais.

  • Separata organizada por JRG

    14

    Mote

    homem que vais passando: Volta atrs e vem me ver. Como tu s j eu fui, Como eu sou, h-des tu ser. No passes despercebido, Presta um pouco de ateno, Olha que a vil iluso Tem-nos s vezes perdido. Eu talvez tivesse sido Como tu no ests julgando, Mas o tempo vai passando, Muito e muito prometeu. O mundo no s teu, homem que vais passando II A humanidade errante, Muitas vezes apressada, Caminha para a retaguarda Julgando que vai para diante. Olha o teu semelhante, Que somente o teu dever Fazeres o que puder ser Em auxlio da velhice. Olha-me com certa meiguice, Volta atrs e vem-me ver. III Eu, na minha mocidade, Passei bem a juventude; Tive alegria e sade E alguma capacidade. Agora, muita a idade, O tempo tudo destrui. ele que contribui Para a gente envelhecer. Eu no me posso esquecer: Como tu s j eu fui! IV De dores atormentado, Corpo com pouca aco, Num pequeno trambulho L vou desequilibrado, De todo desamparado Sem que me possa deter. Tenho sempre que dizer, Dizendo aquilo que sinto. Com certeza que no minto: Como eu sou h-des tu ser.

    Antnio Ruas, Messejana, 1979

  • QUADRAS / DCIMAS in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA -- 1987

    15

    Mote

    Eu olhei, no cemitrio, O. cipreste altivo e forte Como tenho reparado E sentinela da morte. I Entrei no campo sagrado Com cautela e precauo Para no pisar o cho De algum corpo j mirrado. Caminhando com cuidado, Pus-me a olhar a srio Para desvendar o mistrio Com uma certa ateno. Com profunda comoo Eu olhei no cemitrio. II Eu vi nas campas sagradas Muitas flores naturais, Vi outras arteficiais, Algumas j desmaiadas, Parte delas debotadas, Batidas do vento norte, Que s tinham por suporte Aquela rvore sombria, Fazendo-lhe companhia: O cipreste altivo e forte. III somente de saudade O quadro que ali se estampa: A vida finda na campa, Desce ali a humanidade. uma realidade Que a todos tem tocado; Quando o tempo terminado, Todos temos que abalar. Ningum pode c ficar, Como eu tenho reparado. IV Eu vi, dentro da ervagem, Muitas covas e covais, De centenas de mortais Que fizeram na vida passagem. Prestando a minha homenagem Segui no mesmo transporte, Olhando bem para o porte Dessa rvore secular: Sempre no mesmo lugar, sintinela da morte!

    Antnio Ruas, Messejana, 3/12/1982.

  • Separata organizada por JRG

    16

    Mote

    to triste envelhecer No ltimo quartel da vida! E ver-se desamparado, Sem agasalho e sem guarida! I Comea na mocidade Uma vida cheia de esperana, Tudo o que deseja alcana At maioridade. Depois vem a vontade Para que o lar possa ter; Com alegria e prazer Vai vendo a vida sorrir. Depois disto possuir, E to triste envelhecer! II Depois de o lar construdo, J tendo mulher e filhos, Caminha por outros trilhos Por onde no tinha seguido. J no rapaz, marido Da sua mulher querida. Ela, toda enternecida, L vai os filhos criando, E assim vo caminhando No ltimo quartel da vida. III Num momento, sem esperar, Vem a morte traioeira E leva-lhe a companheira, Quem o podia amparar. Leva os dias a pensar, Bem triste, bem magoado, Qual ser o seu estado, Caminhando para o alm Sem carinho de ningum E ver-se desamparado. IV Um dia vai visitar Um daqueles filhos que tem: Se por favor ou por bem Lhe arranja algum lugar Para que possa habitar, Comer da mesma comida. Mas, com a voz atrevida, O filho diz-lhe que no. L abala, ao trambulho, Sem agasalho e sem guarida

    Antnio Ruas, Messejana

  • QUADRAS / DCIMAS in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA -- 1987

    17

    Mote (alheio)

    Vi a minha Me rezando, Aos ps da Virgem Maria: Era uma Santa escutando O que a outra Santa dizia. I Fui um dia visitar O belo templo sagrado. Vi um corpo ajoelhado Olhando para o altar. E pus-me a observar O que se estava passando, Reparei que estava orando Essa boa criatura. Fui olhar para a figura, Vi a minha Me rezando. II Em ferverosa orao, Com o mais fervente ardor, Com carinho e com amor, Na mais pura devoo. O seu belo corao Com certeza no mentia. Alguma coisa pedia No aspecto de bondade, Na mais perfeita humildade, Aos ps da Virgem Maria. III Eu, durante a minha vida, Nunca vi quadro mais belo; To simples e to singelo, Nunca vi coisa parecida. Com a alma enternecida Eu me fui aproximando; Fui ento contemplando, Na mais pura comoo, Com a maior ateno: Era uma Santa escutando. IV Pareceu-me ver na imagem Um olhar surpreendido, Parecendo prestar sentido Aquela simples romagem. A sua bela mensagem Todo o respeito merecia. Com amor e simpatia Eu olhei o belo par: Era uma Santa a escutar O que a outra Santa dizia.

    Antnio Ruas, Messejana, 13/12/79

  • Separata organizada por JRG

    18

    Mote (alheio)

    Quem tiver filhas no mundo No fale das desgraadas: Essas filhas da desgraa Tambm nasceram honradas3 I Tem havido muitos pais Que do um tanto tramela: Tem que haver muita cautela E no se falar demais. Certas palavras banais, Que s vezes chegam ao fundo. H primeiro e h segundo, Como eu tenho reparado. Precisa muito cuidado Quem tiver filhas no mundo. II Deve haver precauo s falas que vai dizer, Porque s vezes pode ser Cair em contradio. H uma vara de condo Que s vezes nos d pancadas, Das falas exageradas Que temos pronunciado. No preciso avisado, No fale das desgraadas. III Olhar pra elas com d E dever da pessoa sria. A tristeza e a misria Nunca vm pra elas s. Com pacincia de J, assim que a vida passa. Eu no distingo a raa: So todas seres humanos. S viveram de enganos Essas filhas da desgraa. IV Nunca trates com desdm Se vires as mulheres perdidas As mulheres prostitudas Foram honestas tambm. Mas o destino, porm, E que as marcou malfadadas, Da sorte desamparadas, Sem amor, sem um carinho As que vo nesse caminho Tambm nasceram honradas.

    Antnio Ruas, Messejana, 5/5/1982

    3 N'O Livro das Cortess, de A. Forjaz de Sampaio, Lisboa, 1916, vem esta quadra: Quem tiver filhas no mundo / No fale das malfadadas / Porque as filhas da desgraa / Tambm nasceram honradas. F. de Sampaio colhera-a no Cancioneiro de Tefilo Braga.

  • QUADRAS / DCIMAS in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA -- 1987

    19

    Mote

    Certas vivas discretas, De pesado luto em cima, Fazem lembrar cachos de uvas A pedir nova vindima. I Como a vida diferente! Tantos defeitos que tem! Quem nela reparar bem No pode ficar contente, Porque se v, no presente, Tantas pessoas espertas, Tantas frases indirectas Que se ouvem dia-a-dia... Falam, em demasia, Certas vivas discretas. II mulher morre o marido: Grande desgosto, afinal; No deve de haver igual Que moia tanto o sentido. L v o futuro perdido, Ser o que Deus destina. Mas h uma estrela divina Que outro rumo as faz tomar A gente v-as passar De pesado luto em cima. III Se est no meio da idade E tem alguma figura, desgosto pouco dura, E uma realidade. Vivendo mais vontade, Usa meias, usa pegas, At manda tirar as rugas Para se tornar mais bela. Quando se assoma janela Fazem lembrar cachos de uvas IV Em lhe passando a paixo, L vai tratar do cabelo. Depois, soma-se ao espelho, J tem outra condio, Tomou outra posio. Ser isto a sua sina? At se torna mais fina, Mais amadurecida. Torna-se mais apetecida, A pedir nova vindima.

    Antnio Ruas, Messejana, 13/12/1982.

  • Separata organizada por JRG

    20

    Mote

    Portugal! Portugal! E bem triste a tua sina! Com tantas evolues, Ho-de levar-te runa. I Tiveste um passado feliz Em tempos que j ia vo, Foste uma grande nao, Segundo a Histria nos diz. Agora s infeliz, S caminhas para o mal, Vais perdendo o ideal, Todo o bem que possuas. Ests cheio de hipocrisias, O Portugal, Portugal! II Se os homens de antigamente, Se pudessem c voltar, Haviam de observar Como s incompetente. Vais num caminho diferente, Vais seguindo outra rotina. A tua estreia divina, Que sempre te acompanhou, Como eia te abandonou, E bem triste a tua sina. III Assim no podes viver, Com esta norma de vida, Sem ordem e sem medida, Isto assim no pode ser. Quem tenha olhos para ver Vai perdendo as condies Com tantas contradies Que aparecem dia-a-dia. Caminhas para a agonia Com estas evolues. IV H tanto dia perdido Que se passa a discutir, Sem nada se produzir, Isto no forma sentido. Vais para um ponto falido. Ser o que Deus destina. Estrela que te ilumina Tomou outra direco, Mas, com esta condio, Caminhas para a runa.

    Antnio Ruas, Messejana, 1977

  • QUADRAS / DCIMAS in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA -- 1987

    21

    Dcimas PAZ Mote

    J a pomba no me traz um raminho de oliveira; J no mundo no h paz nem ningum que bem me queira. I Os grandes tratam de guerra Com falsas Ioas de paz, tendo um arsenal capaz de destruir toda a terra! S esta ideia me aterra e a minha esp'rana desfaz: calma... sou incapaz. Abro a porta do pombal, espero, e um bom sinal j a pomba no me traz. II Pombabranca: vai voando, Voa, voa at ao cu e leva um recado meu a quem me est esperando. Diz-lhe que eu fico lutando sem trguas e sem canseira pla humanidade inteira. E por ti espera fico, pra que me tragas, no bico, um raminho de oliveira. III Divino Esprito Santo, em pomba representado: Vede... H tanto desgraado causando horrores e espanto; drogados, por todo o canto, que matar, tanto lhes fazl... A roda anda pra trs, voltam Abel e Caim, estamos perto do fim: j no mundo no h paz. IV Eu sei que sou censurada por andar de terra em terra e por falar contra a guerra e estar na paz empenhada... mas no me sinto abalada: sou como a guia altaneira, no caio por uma rasteira. E, mesmo sozinha, prossigo, se no tiver um amigo nem ningum que bem me queira

    Maria Guiomar Rodeia Peneque, Beja. (Obra apresentada no 3. Encontro de Poetas Populares realizado na vila de Fronteira em Julho / 1983).

  • Separata organizada por JRG

    22

    Mote

    J no posso ser contente, Tenho a esperana perdida Ando perdido entre a gente, No morro nem tenho vida. I Quebrou-se o lao era, O meu enlevo de viver, Quero e no posso esquecer A dor que me dilacera. Passa doce a Primavera, Para mim -me indiferente; Minha alma j no sente Perfumes dessa beleza. Galvanizou-se a tristeza, J no posso ser contente. II Em permanente tormento Noites e dias palpito, Descreio, no acredito No fim do meu sofrimento; Se me vem ao pensamento A doce imagem querida, Mais aumenta a dor sentida Da crescente nostalgia: No posso ter alegria, Tenho a esperana perdida. III Taciturno, entristecido, Cabisbaixo, torturado, Ruminando amargurado, Vagueando, compungido, Sem caminho definido, Sem rota nem oriente, Enfadado, inconsciente, Sem amparo e sem desejo, Alheio a tudo o que vejo Ando perdido entre a gente. IV No h nada no mundo Que console a minha alma; O martrio desceu palma O meu desgosto profundo. Sou errante vagabundo, Sem conforto, sem guarida, Vivendo da dor vertida Sem poder rir nem chorar; Enquanto por c andar Nem morro nem tenho vida.

    Quadra que o Manuel de Castro, da Cuba, fez ao poeta Antnio Hilrio, quando lhe faleceu a muIher. Informador: Antnio Isabel, de Penedo Gordo, 46 anos de idade; profisso: fiel de armazm; habilitaes literrias; 4 classe de Instruo Primria

  • QUADRAS / DCIMAS in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA -- 1987

    23

    Mote

    Existia uma ave Que h anos eu ouvia, Bem cantava, em tom suave. Era linda a cotovia! I Despertava o pastor Que dormia ao p do gado; Mesmo em sono pesado Nunca se ouvia um clamor. Ele a tratava com amor, Toda a gente disso sabe. Para ele no era entrave. Adorava-a, do corao. Nessas horas de solido Existia uma ave. II Mas a maldade felina Dos grandes passarinheiros, Que l iam, sorrateiros, s quatro horas da matina... Era essa a sua sina. Inda mal amanhecia, J l nos campos havia As clebres ratoeirinhas Para caar as avezinhas Que h anos eu ouvia. III As bonitas cotovias, Era olhar os astros e v-las! L quase junto s estrelas, Cantando suas melodias. Mesmo em manhs muito frias, Toda a gente do campo sabe, No faltou aquela ave, Mesmo em grandes neves, A transmitir suas canes. Bem cantava, em tom grave4. IV Em muitas casas burguesas, As gaiolas penduradas, Com as aves encarceradas Pra animar suas altezas... Comiam as miudezas Do trigo que l havia E cantavam todo o dia, Num movimento insano, Para alegrar o humano. Era linda a cotovia!

    Francisco Augusto Galrito, Castro Verde.

    4 Assim est no original, e respeitou-se. Mas, como se v, no mote l-se, e parece-nos que melhor, Bem cantava, em tom suave.

  • Separata organizada por JRG

    24

    Mote

    Em tudo sinto a poesia, Desde o Insecto planta. Tudo me diz sinfonia, Tudo me prende e encanta I Um cardo seco que seja, Um pedinte esfarrapado, Qualquer pria abandonado, Um rptil que rasteja, A borboleta que adeja, O gavio que assobia, O pintainho que pia lmplorando galinha, Por simples tendncia minha Em tudo sinto a poesia. II Uma flor que murchou, Outra mais que floriu, Uma abelha que zumbiu, Um veculo que passou; Um insecto que saltou, Um rebanho que se espanta, O eco de uma garganta, Um apito, um som disperso, Tudo diz o mesmo verso, Desde o insecto planta. III A gua que corre nas fontes, Os arroios graciosos, Os regatos caprichosos, A imponncia dos montes, Os extensos horizontes, A brilhante Iuz do dia, A contnua melodia Das vozes da criao, E tudo a mesma cano, Tudo me diz sinfonia. IV A majestade da serra, Os aromosos perfumes, Os sotaques, os costumes, Dos habitantes da terra; O cordeirinho que berra, O passarinho que canta, A caa que se levanta, A fugir, espavorida, Tudo poemas da vida, Tudo me prende e encanta.

    Manuel Antnio de Castro, Cuba

  • QUADRAS / DCIMAS in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA -- 1987

    25

    Mote

    O cordeiro imaculado, O doce e meigo Jesus, Depois de martirizado Morreu pregado na Cruz. I Logo que Judas traidor Deu o seu Mestre priso, Principiou a paixo Do divino redentor; Pilatos, o governador, De nada o achou culpado: Pecou em ter entregado Jesus falsa f, (5) E assim entregou morte O cordeiro imaculado. II Foi em tribunal falsrio, Prejrio e inclemente, Que castiga o inocente A ir morrer ao calvrio. Contra meigo adversrio Falsidade reproduz. Ele alicia e induz Os errados fariseus Na morte ao filho de Deus, O doce e meigo Jesus. III Levaram-no ao pretrio, Aonde foi escarnecido, Horrivelmente ferido Por selvtico auditrio. Em vez de ter oratrio, Foi de espinhos coroado, Ingratamente afrontado At ir pr crucifixo, E l vai para o suplixo Depois de martirizado. IV Cumpriram-se as escrituras Escureceu-se o horizonte, H troves, treme o monte, Estalaram-se as pedras duras, Abriam-se as sepulturas, O astro-rei perde a luz. Essa malta que o conduz Abalou espavorida, E Jesus Cristo deixa a vida Morreu pregado na cruz.

    Manuel Antnio Castro, Cuba, 1960

    5 H um lapso de reviso no original: este verso devia rimar com o imediato, por qualquer palavra terminada em orte. (jrg: por exemplo: forte, sorte, corte, coorte, crte, norte)

  • Separata organizada por JRG

    26

    Mote

    Sino, corao de aldeia, Corao, sino da gente: Um a sentir quando bate, Outro a bater quando sente I Na humilde solido Dum burgo da serrania, O tradicional meio-dia D vida e animao Em contnua pulsao. Ouve-se o quarto e a meia, Marcando as horas da ceia, E todas do giro dirio, No alto do campancio. Sino, corao de aldeia. II Deixa o crebro de pensar, A vista recolhe ao leito. S o prisioneiro do peito No deixa de trabalhar; Pode s vezes alterar O seu bater paciente, Mas o perigo iminente, Avisa e d sinal, Mesmo sem ser de metal, Corao, sino da gente. III So rgos de vida intensa Um corao e um sino, So bem iguais no destino Mas diferem na presena. Um leva distncia imensa Os ecos do seu rebate, Entoa como o quilate Das matrias empregadas, Actua, a dar badaladas, Um a sentir quando bate. IV Essa vscera principal, No seu batalhar insano Vai regendo o corpo humano No seu giro natural. , Conhece o bem e o mal, Do passado e do presente, No futuro qual vidente, D conselhos bem precisos, No d horas, mas avisos, Outro a bater quando sente.

    Manuel de Castro, Cuba, Setembro, 1960

  • QUADRAS / DCIMAS in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA -- 1987

    27

    Mote

    Estou prestes a ser chamado Ao infalvel Juiz, Para ser sentenciado Do bem ou mal que c fiz. I No porque a minha idade Seja bastante avanada; a depresso causada Por teimosa enfermidade. Falta-me a vitalidade, Sinto o corao cansado, E outras vezes alterado, Num bater irregular. No tenho que duvidar, Estou prestes a ser chamado II As minhas pernas cansadas Levam-me, sem direco, Rojando os ps pelo cho, Doridas, atormentadas. Ando de foras quebradas, J torto como um arquiz. A depresso do nariz, Falta de vista e surdez, Vo-me mandar, desta vez, Ao infalvel Juiz. III O meu corpo no resiste, Quer-se juntar matria; Mas a alma solta-se, etrea, Porque eternamente existe. No corpo no subsiste Lembranas do passado, Por isso no chamado. Vem a alma, em seu lugar, No dia que Deus marcar Para ser sentenciado. IV L um anjo acusador As faltas e agravantes E linhas atenuantes. Ao pr outro defensor, Deduzir o Senhor Do que um diz e outro diz. E a minha alma, infeliz, Espera a sua presena At ouvir a sentena Do bem ou mal que c fiz.

    Manuel Antnio de Castro, Cuba

  • Separata organizada por JRG

    28

    Mote

    Varejai, varejadores; Apanhai, apanhadeiras. Apanhai os bagos de ouro Que caem das oliveiras. I As oliveiras esto Pendendo ao peso do fruto, Valioso contributo Que no Outono nos do Bela satisfao, Rejubilando de amores. Por isso, trabalhadores, Tende cuidado com elas! Com as possveis cautelas Varejai, varejadores. II Essa seiva exuberante E vida da nossa vida; Cada pernada partida Causa um crime flagrante. Tratai-as com f constante, Das mais suaves maneiras, Vendo que so mensageiras Da mesa do Criador, E, com creuado amor, Apanhai, apanhadeiras. III Ao frio de martirizar No se acham bem vestidas; Mesmo mal retribudas Apanhai, sempre a cantar. No deixem por l ficar Um s bago do tesouro. Se l fica, fica ouro. Tem pena do rico e do pobre. A vossa misso nobre: Apanhai os bagos de ouro. IV Apanhai, pensando em quem? No distribui o destino O recto Juiz Divino, Mais sabedor que ningum? Ele sabe muito bem Escolher as pioneiras, Almas simples, verdadeiras, Limpas para o seu man, As promessas que nos d Que caem das oliveiras.

    Manuel Antnio Castro, Cuba, 1951 (?).

  • QUADRAS / DCIMAS in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA -- 1987

    29

    Mote

    Fui nova, cortante enxada (6) Desbravei, cavei o cho, Fui sucata abandonada, Ando agora num canho. I Quase me lembro de ser A pedra de mineral, E lembro a luta fatal Do brao para me colher. Levaram-me a derreter, Fui em ferro transformada, Fui depois, martelada, Numa bigorna estendida, Deram-me a fora devida, Fui nova, cortante enxada. II Comprou-me um moo possante, Ps-me um cabo de madeira, E l vou na segunda-feira Nos braos desse gigante. Desde esse dia em diante Foi a minha profisso Desbravar terras de po, Relvas, vinhas, olivais. Vinte anos, talvez mais, Desbravei, cavei o cho. III Comeava de manh, Sempre em luta vigorosa, Mesmo em terra pedregosa Cada vez com mais af. Resisti, enquanto s, A poder ser concertada. J rasinha e dilatada, Deixei de ser ferramenta, Fui para o canto, ferrugenta, Fui sucata abandonada. IV Passei anos sem valor, Com velhos ferros como eu, At que um dia apareceu L por casa um comprador. Meteram-me num vapor, Fui a nova fundio. Por meu destino ou condo Nunca mais cavei na terra; Mandaram-me para a guerra, Ando agora num canho.

    Manuel Antnio Castro, Cuba, 1960 (?).

    6 Esta quadra e as glosas foram tambm recolhidas em Casvel, ditas por Manuel Silvestre Rosa, que atribua a autoria a Manuel Antnio Castro.

  • Separata organizada por JRG

    30

    Mote (alheio) (7)

    rica, tem nome fino. pobre, tem nome grosso rica, teve um menino. pobre, pariu um moo. I No sabes quem aquela Que alm vem, p-ante-p? E a menina Cad, Vem da vivenda Quintela, E a outra que vem com ela E a Dlia Tolentino. Andam ensaiando um hino da (8) Didi Serafim. E a seguir, sempre assim: E rica, tem nome fino. II No vs aquela sopeira? E a Antnia Bucharca, Vive da Ana Macaca, A da Zefa Cadeireira. Foi l que o Antnio Lameira Lhe deitou a mo ao troo. Houve at um alvoroo, A Brites veio ao postigo. O mote diz como eu digo: pobre, tem nome grosso. III Aquelas, pelos sales, Trajando ltima moda, Ouvindo alta roda Desusados palavres. Todas tm emoes, Todas vo ao seu destino. Um gal, um danarino... E ei-las na maternidade. E depois, com suavidade, rica, teve um menino. IV As outras, pelos passeios, Nas ruas e nos mercados Tm com os namorados lnflamados paleios. Um pequeno toque nos seios, Mais dois dedinhos no troo, Um toque, um pequeno esboo, E ei-las de barriga inchada E, a seguir, diz a gajada: pobre, pariu um moo.

    Manuel Antnio Castro, Cuba, 1967 (?)

    7 quadra de Antnio Aleixo. 8 expresso muito usada no Baixo Alentejo: da = em casa da.

  • QUADRAS / DCIMAS in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA -- 1987

    31

    Mote (alheio)

    tu, que vais passando, Repara bem como eu estou Como tu s j eu fui E tu sers como eu sou. I No estado em que me vs Pensa bem, criatura, Que eu tambm j fui figura Com a tua robustez. Do maltrapilha ao burgus Tudo aqui se ira finando. Quem assim est falando um mortal que morreu: No te faas mais do que eu, tu, que vais passando. II Nesse mundo h diferena, Problemas raciais, Aqui todos so iguais, Para uns no h mais crena Olha que a minha presena Pode ser o teu av. A morte tudo findou: Vingana, orgulho e vaidade. No campo da igualdade Repara bem como eu estou. III Na vida fui um senhor De posio altaneira; Hoje, porm, sou caveira Que a todos meto terror. dio, maldade e amor A terra tudo destrui; Mesmo o que dinheiro possui Nunca vencer a morte. s homem robusto e forte? Como tu s j eu fui. IV O teu fim ser igual, Embora sejas honrado, Ao mesmo fim do malvado, Que s praticou o mal. Todos, na hora final, A quem a terra criou, Ela prpria devorou Sem nenhuma devoo. J fui, como tu, baro, E tu sers como eu sou.

    Ceclia Maria Pereira, Alfundo

  • Separata organizada por JRG

    32

    Mote (alheio)

    Pus um p na sepultura, Uma voz me respondeu: Tira o p que ests pisando Um amor que j foi teu. I Meu amor deixei morrer E foi l para onde est; Como eia se encontra l Eu quis um dia saber. Fui ao cemitrio ver, Numa noite bem escura, Mas eu acho que loucura Descobrir um tal segredo, E, com muito receio e medo, Pus um p na sepultura. II Senhor do Omnipotente Que vive l nos altos cus, Peo Virgem e peo a Deus Que descances eternamente. Eu j no posso ser contente Quem um grande amor perdeu S tenho sofrido, eu, E, por ti chorado tanto. s mgoas e ao meu pranto Uma voz me respondeu: III No chores a minha sorte, Que tudo isto o destino Que nos d o poder divino, A todos o mesmo corte. Todos os dias para a morte Tambm tu vais caminhando. Em essa hora chegando Vem morrer aqui comigo. Mas, agora, ainda te digo: Tira o p que ests pisando. IV Amor do meu corao: J no podes mais falar. Adeus, vai descansar E espera a ocasio, Que eu venho num caixo Como a ti aconteceu. Esse amor que j morreu Ainda h-de ressuscitar, Para que tu possas amar Um amor que j foi teu.

    Ceclia Maria Pereira, Alfundo

  • QUADRAS / DCIMAS in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA -- 1987

    33

    Mote

    Fiz agora oitenta anos, Sinto-me velho e cansado, Mas eu hoje estou contente A esta idade ter chegado. I Quando me vem ao sentido O tempo que por mim passou. Quem eu era, quem eu sou! Fico muito desmorecido. Tenho gozado e sofrido, A vida feita de enganos. Acabaram-se os meus planos, Futuro nenhum descubro. Hoje, trinta de Outubro, Fiz agora oitenta anos. II Quase tudo j morreu, Os amigos que eu conheci, Mas ainda tenho por a Alguns mais velhos do que eu A sade que Deus me deu Para estes anos ter contado! Olhando ao meu passado, Que j de to longe eu venho, E, com a idade que tenho, Sinto-me velho e cansado. III Mas agora vou pensar Em fazer que(9) tenho alegria. Eu quero a este dia Em minha casa festejar. Quero o bicho conservar, Com bolos e aguardente, E dar tambm outra gente, Quem sabe se ser o resto. E verdade que j no presto, Mas eu hoje estou contente. IV Eu fui l da Lisete Buscar meio litro dela: Deu-me um copo, e da bela, No ano de setenta e sete. Se mais uns anos se repete, Ou se estou j arrumado, por Deus determinado, Que eu no fujo sua lei. Eu que nunca pensei A esta idade ter chegado.

    Alfundo

    9 Em fazer que expresso corrente que significa Em fingir que.

  • Separata organizada por JRG

    34

    Mote

    Dizem que a Terra que gira E que o Sol est parado. Pela gua do Oceano Est o caso explicado. I Mas quem tirou a experincia Por esse modo falar? Eu no posso acreditar, Enquanto nova a cincia. Se eu vir uma aparncia, Como a Terra se vira... At parece mentira O que ensinam os professores! Mas todos os inventores Dizem que a Terra que gira. II Quem que foi o valente, Seja dum ou doutro sexo, Que verificou esse eixo Por onde a Terra engerente? Isso ser, certamente, Porque est escriturado. Deve ser planeado, O que ningum tem a certeza. Quem que viu, com clareza, Que o Sol est parado? III Eu gostava de saber Quem que chegou ao fundo, A ver o eixo do mundo, Para nos vir c dizer. Eu, como nada sei ler, Considero um engano, Porque no h nenhum corpo humano Que ao p do eixo estivesse. E s porque sobe e desce A gua do Oceano. IV Como ateimar no crime, E eu no quero que seja assim, Mas quero que algum me diga a mim Onde est esse eixo firme. H tanta gente que afirme, Jura no estar enganado. Como este mundo est formado J sabe quase todo o povo. At estamos dentro do globo, Est o caso explicado.

    Jos Caro Sorneto, Amareleja.

  • QUADRAS / DCIMAS in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA -- 1987

    35

    Mote

    Tambm me leva a crer: Se na Lua houver gases, Ningum pode prever O que os homens so capazes I Para justia perfeita, O que tem mais importncia E olharmos para a distncia Que separa os planetas. Quem nisto pensar s direitas At pode enlouquecer. Mas o que eu quero dizer E que, afinal de contas, Que isto um dia chegue s pontas Tambm eu me leva a crer. II Para que possa ser intensa A sua navegao, Vo fazer uma estao Que fica no ar suspensa. E tm bem na presena O projecto dessas fases; um novo tipo de pazes, Chamado planta-forma. Todo o mundo se transforma Se na Lua houver gases. III Quem levou a sua avante Foi o divino Mestre: Fez o globo terrestre, Ps nele o seu semelhante, Acendeu-lhe a estrela brilhante Mas deixou a luz a tremer, O que d a entender Que j tremia de cansado. O que deixou determinado Ningum pode prever. IV J se aproximou a era De o ser humano poder Artificialmente viver Fora da atmosfera. Qual a sorte que me espera? Ser esse composto de gases De elementos eficazes Indispensveis vida? Tambm tem peso e medida O que os homens so capazes.

    Pvoa de S. Miguel

  • Separata organizada por JRG

    36

    Mote

    Com a noo de subir, A cincia de baixar, Creio que vo descobrir Todo o sistema solar. I Eu tenho visto a imagem Dos homens astronautas: So uns super acrobatas No percurso da viagem. E preciso haver coragem Para esse caminho seguir! Ningum pode desmentir Epopeia to importante: Deu a cincia um passo gigante Com a noo de subir. II Havia mais de cem anos Que andavam os cientistas Empenhados nessa conquista Que coube aos americanos. Mas l esto os oceanos Outras naves a mariar. Para poderem regressar Acudiu-lhes essa vantagem: Est no projecto amaragem A cincia de baixar. III Julgo dizer nestes versos O caminho da verdade: Teve grande habilidade O autor do universo. Com tanto corpo disperso No firmamento a luzir, Os homens tentam l ir Para desvendar o mistrio. Embora custe um imprio, Creio que vo descobrir. IV H quem chame disparate A Lua ser conquistada; Pois j est projectada Uma expedio a Marte. Com muito engenho e arte Vo conseguir chegar, Na esperana de encontrar Melhor civilizao, Para melhor explorao De todo o sistema solar.

    Pvoa de S. Miguel

  • QUADRAS / DCIMAS in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA -- 1987

    37

    Mote

    Da terra onde nasci Nunca hei-de dizer mal. Seja l conforme for, a minha terra natal. I Passou-me pela ideia, J que pude escolher o tema, De fazer este poema Dedicado minha aldeia. Ela para mim no feia, E no fica por aqui. Foi onde eu cresci E aprendi a trabalhar. Tenho, portanto, orgulho em falar Da terra onde nasci II Sou neto do meu av E sou da Pvoa de Moura. Valha-me a Nossa Senhora Que j descobri quem sou. Mas quem que me mandou Dizer de onde sou natural? No devia ter feito tal, S agora reconheo. Da terra que me serviu de bero Nunca hei-de dizer mal. III A Pvoa uma freguesia Que tem beira do Guadiana Uma Estrela alentejana (10) Que brilha de noite e dia; J minha av me dizia, E tambm o senhor prior, Que devemos ter f e amor E dar a alma e a vida Por a nossa terra querida, Seja l conforme for. IV Est muito bem situada, E a igreja muito linda, Mas o que no tem ainda E gua canalizada. No porque seja culpada A Cmara Municipal; l do poder central, Por causa das finanas locais. Mas eu no posso dizer mais: a minha terra natal.

    Pvoa de S. Miguel.

    10 uma povoao chamada Estrela, um lugar desta freguesia

  • Separata organizada por JRG

    38

    Mote

    As ilhas e os continentes No meio do abismo envolvidos, At faz cismar a gente, Esses heris destemidos. I Com a bssola e o austrolabo, Primitivos instrumentos, Com fadigas e tormentos Levaram a proeza a cabo. As vezes com o mar bravo E tempestades impertinentes. O caminho era para a frente, Nunca para trs voltaram. Foi assim que desencantaram As ilhas e os continentes. II Depois de vencido o mar E que surgiu a nao Com a nova gerao Que ps os olhos no ar. A custa de muito estudar E muito valor despendido E que tm conseguido Realizar estes seus sonhos De irem a lugares medonhos No meio do abismo envolvidos. III Com certa dificuldade, L estudaram a maneira De ultrapassar a barreira Da aco da gravidade. Com grande velocidade, Nesses engenhos potentes, Com aparelhos competentes Para todas as temperaturas, Nos confins dessas alturas At faz cismar a gente. IV Os primeiros navegadores, Quer no mar, quer no vazio, Todos do mesmo elogio Creio que so mercedores. Pergunto aos homens autores, Aqueles mais entendidos, Se esto ou no convencidos Para que se guarde respeito Aos gloriosos feitos Desses heris destemidos.

    Pvoa de S. Miguel

  • QUADRAS / DCIMAS in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA -- 1987

    39

    Mote

    Morrem as avens voando, Morre o cantor a cantar, Morrem os ricos gozando, Morre o pobre a trabalhar. l Morrem as plantas viventes, Morre tudo o que nascido, Da morte nada esquecido: Morrem fracos e valentes, Morrem homens e semelhantes Em os seus dias finando. Em a morte chegando Morrem sbios e doutores. A frente dos caadores Morrem as avens voando. II Na guerra morre o guerreiro, Nos prados morrem pastores, Nos jardins morrem as flores, Tambm morre o jardineiro. Na moagem, o moleiro. Morre o padre no altar, Morre o marinheiro no mar, Nas suas embarcaes. Para distrair paixes Morre o cantor a cantar. III Na mina morre o mineiro, Descobrindo os menerais; Morrem primos, irmos, pais, Morre todo o cavalheiro. Na loja morre o caixeiro E o pintor morre pintando. Morre o chofer, guiando Automveis na corrida. No lindo jardim da vida Morrem os ricos gozando. IV Na tropa morre o soldado, No trabalho morre o artista, O mais fino guitarrista Morre guitarra abraado. Morre o rico, encostado, E o escravo morre a cavar. Morre o aviador, no ar, E acaba assim a grandeza. Cheio de misria e tristeza Morre o pobre a trabalhar.

    Agostinho, Santo Amador.

  • Separata organizada por JRG

    40

    DUETO ENTRE A SOBREIRA11 E A OLIVEIRA DIZ A SOBREIRA:

    Eu sou a nobre sobreira, E sou das rvores principais E diz-me l tu, oliveira, Qual de ns valer mais. I Eu sou na terra criada E como tu s, igualmente; Dou produto a muita gente E tu pouco lhe ds ou nada. H muita gente elevada, Por mim alvora bandeira, Por esta relao inteira, E eu rendo muitos milhes. Tenho fama nas demais naes E eu sou a nobre sobreira. II Mil fbricas tm feito Em vilas, aldeias e cidades. Dou para comprar propriedades E fao do torto direito; Famlias de respeito Por mim arranjam cabedais; Eu dou sustento aos animais E o meu fruto de valor; Eu dou a amndoa ao lavrador E sou das rvores principais. III Eu dou cortia de valia; Da minha casca se faz tinta. Sou das rvores mais distintas Que se encontram hoje em dia. Logo, para maior garantia, E h muita gente estrangeira, Fazem da minha madeira Mveis para os seus bens. Mas qual o valor que tens? E diz-me l, oliveira. IV Farei o que me dizes, Que eu tenho mais para te dizer; O teu valor no d para ter, E mais do que eu, homem felizes. Eu no quero que me escandalizes As palavras que me dais, Se contra mim te levantais E a repetir falas me obrigas. Mas eu s quero que tu me digas Qual de ns valer mais.

    11 Sobreira a designao vulgar, no Sul do Alentejo, da rvore que a Botnica e a linguagem oficial conhecem por sobreiro. Mas, na mesma regio, tambm se usa o nome de sobreiro: a rvore delgada, relativamente e nova, que toma o nome de sobreira depois de lhe ter sido tirada a primeira cortia.

  • QUADRAS / DCIMAS in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA -- 1987

    41

    AGORA RESPONDE A OLIVERIA:

    O teu valor, sobreira, Ainda se pode acabar. Sem ti todos passam bem, Sem mim no podem passar. I Tu, que desejas saber O valor que me vigora, Escuta-me um pouco agora, Que em breve te fao ver. Porm, te dou a saber Que sou rvore verdadeira: O meu nome oliveira, Sustento luz ao mortal. Ao p de mim nada vale Esse teu valor, sobreira. II Por toda a parte se descobre O meu saboroso fruto; At serve de conduto Em casa de gente pobre; At na mesa do nobre O meu fruto serve de manjar. No para te comparares Como nada ao p de mim. E o valor que encerro em ti Ainda se pode acabar. IV J em mim no pode ser Perder o valor que tenho, Porque todos fazem empenho Deste meu fruto comer; At serve para se espremer Em fbricas e em Iagares, Depois de o sumo deitar, E fazer o azeite puro. Mas por isso eu digo e juro: Sem mim no podem passar. IV Se tens valor elevado, Corresponde a faces minhas: Qual era o valor que tinhas Aqui h tempo atrasado? Embora tu tenhas dado Ao lavrador algum vintm, Deves calcular tambm Que em ti no h sigurana. Mas, havendo guerra ou vingana, Sem ti todos passam bem.

    Jacinto Passarinho, Santo Aleixo.

  • Separata organizada por JRG

    42

    Mote

    Trabalhar no campo duro E por muitos censurado; Sempre com pouco futuro Passa-se a vida arrastado. I Quem nasceu para cavar Nasceu para sofrer; Nem come como deve ser, Para a comida no faltar. Eu, s vezes, a pensar No meu passado obscuro, Falo sozinho e murmuro, E at digo disparate, Por saber que em toda a parte Trabalhar no campo duro. II Ora ao frio ora ao calor, Com pesada ferramenta, S para quem experimenta que lhe d o valor. Se porventura lavrador, Tem que manejar o arado, Muitas vezes mal calado, Sem se poder firmar nos ps, E, se noite vai aos cafs, E por muitos censurado. III Se guardador de gado, Faz uma triste figura; Se faz horticultura D-lhe o mesmo resultado. Anda sujo e mal enroupado, Sempre vivendo em apuro. Mas ainda o ltimo furo a p e o picareto: Deteriora-lhe o esqueleto E sempre com pouco futuro. IV Somos os produtores principais Do alimento e matria-prima; Depois, ainda por cima Nos chamam os rurais, E alguns chamam-nos mais: Malandros e mal educados. Mas, enquanto esses esto parados, Cultivamos ns os campos. Pra dar de comer a tantos Passa-se a vida arrastado.

    Pvoa de S. Miguel.

  • QUADRAS / DCIMAS in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA -- 1987

    43

    Mote

    Na barragem do Guadiana Dizem que h projectos errados. Olha que linda figura Que fazem os homens formados! I J custou muito suor, Perda de tempo e material Mas para alm do capital Houve outra perda maior, E de todas a pior, Que foi uma vida humana, Naquela tarde tirana: Um operrio da Vaz-Guedes, Ao betomar umas paredes, Na barragem do Guadiana. II Pondo marcos, marcando pontos, Fazendo furos e sondagem, O estudo desta barragem Custou muitos milhares de contos Depois de estarem prontos E muito bem rectificados, Esto para ser anulados Uns trabalhos to morosos. S porque uns mentirosos Dizem que h projectos errados. III Ento no so os engenheiros Os que sabem disso tudo? A no ser que o primeiro estudo Fosse feito por sapateiros... Dizem que no h dinheiros Pra obras de envergadura, Mas tem que haver para a factura Da compra de electricidade, Sem haver necessidade... Olha que linda figura! IV O que a engenharia trabalha, Fazem uns, desmancham outros. So como os gafanhotos, Saltam para onde calha. Pois se a matemtica no falha, Porque que os mesmos dados Vieram a dar resultados A cada uns de suas maneiras? Est visto que so asneiras Que fazem os homens formados.

    Pvoa de S. Miguel.

  • Separata organizada por JRG

    44

    CONCELHO DE ODEMIRA

    A 22 de Fevereiro (12) Chocaram os dois avies Como dizem os jornais Nas suas informaes. I Os avies levantaram, Com os seus aviadores, Que deram fora aos motores; Subiram e caminharam. Os dois aparelhos chocaram, No seu andamento ligeiro. Ainda no mundo inteiro No houve desgraa igual Como se deu em Portugal Em 22 de Fevereiro. II Os dois avies partiram, Tomando a direco Da serra do Algueiro, Ponto a que se dirigiram. Para Amadora seguiram O tenente-coronel e capites. As suas grandes aptides No lhe serviram de nada, Pois numa manobra errada Chocaram os dois avies. III Fevereiro, a vinte e dois do ms, Deu a alma ao criador O primeiro aviador Do pas portugus. Tantas viagens que fez As colnias nacionais! O tenente-coronel Brito Pais, Para nos ficar de memria, Deixou o nome na histria, Como dizem os jornais. IV Meteu horror a quem viu Um aparelho queimado E o outro inutilizado Sobre o muro onde caiu, Desastre este que consumiu As medalhas e os gales, Roubando aos trs cidades Uma vida de delcias, Como publicou o Notcias Nas suas informaes.

    Autor: Hilrio de Matos, Colos.

    12 O desastre que vitimou os trs oficiais aviadores deu-se em 22 de Fevereiro de 1934. Poucos dias depois o velho Hilrio de Matos, trabalhador rural enquanto as foras lhe permitiram trazia venda um folheto com esta quadra e a que se lhe segue.

  • QUADRAS / DCIMAS in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA -- 1987

    45

    Mote

    Morreu. Chorem, portugueses, Pelo Brito Pais Falco, A primeira inteligncia C da nossa aviao. I Era de Colos natural (13) O grande heri ilustrado. Foi em Colos baptizado, Era a sua terra natal. Residia na capital Mas ali vinha muitas vezes. Esteve em Frana muitos meses, Pela guerra da Alemanha, Onde praticou tanta faanha. Morreu. Chorem, portugueses. II Foi um heri sem egosmo, Nas cincias avanado, Um corao bem formado, Cheio de patriotismo. Fez sempre aces de herosmo E de grande admirao. Tinha amor sua nao E ao seu pas deu produto. Portugueses: vistamos de luto Pelo Brito Pais Falco. III Rodrigues Alves e Andrade Morreram os dois queimados. Os seus corpos, carbonizados, Metiam d e piedade. Morreram dessa infelicidade Os pilotos de mais cincia Que seguiam, com urgncia, Por baixo da atmosfera, Mas Brito Pais que era A primeira inteligncia. IV Pra defender a bandeira E o pas, com segurana, Brigou em frica e na Frana E na ilha da Madeira. Fez de Lisboa a carreira Para Macau, num avio. Entre os astros e o cho Tinha teoria e prtica, Foi um s de aeronutica C da nossa aviao

    Autor: Hilrio de Matos, Colos.

    13 H um lapso do poeta. Brito Pais Falco, embora tido como filho de Colos, por quase toda a gente do stio, nasceu na freguesia do Vale de Santiago; est sepultado de facto no cemitrio de Colos, em jazigo de famlia.

  • Separata organizada por JRG

    46

    Eu fui fazer 'ma visita -- moos, vou-lhe contar, Um dia desta semana, Eu fui ao Cu passear. I Eu di(14) em ter saudade L da minha descendncia, Fui ao Cu, com pacincia, Para ver minha irmandade. Estavam numa sociedade, Numa saia to catita, Ouvi uma carta escrita, Que eu escrevi h muitos anos Para ver primos e manos Eu fui fazer 'ma visita. II Vi a minha av, tambm, Ai, com o meu av ao lado; Meu pai estava assentado, Perto estava a minha me. Inda l vi mais algum Que me ajudou a criar. Anjinhos, tudo a cantar! Quem pra l vai feliz! Duma jornada que eu fiz, -- moos, vou-Iha contar. III Quando eu no Cu entri(15), Vi o que eu fazia empenho: Trs anjinhos que eu l tenho Foram-nos primeiros que eu vi Com o meu tio m'encontri(16), Minha tia j me aana. L deixi(17) a minha mana, Com muito gosto e prazer. Fui a minha gente ver, Um dia desta semana. IV Os meus ouvidos ouviram: Deixa entrar, que um pai meu Logo S. Pedro se ergueu, As portas do Cu se abriram, Os meus ouvidos ouviram: Tens que vir pra c morar. Tudo isso o meu pensar, Meu primo tambm l est. Coisa mai linda no h! Eu fui ao Cu passear.

    Colos.

    14 di = dei -- 15 entrei. 16 encontrei. 17 deixei.

  • QUADRAS / DCIMAS in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA -- 1987

    47

    Mote

    As pulgas do Vale da Casca, Eh, que grande coleco! No se pode estar monte, Que far quando vindo o Vero! I H pulgas na arramada, H pulgas l no palheiro, E no posso ir l chequeiro, Que apanhei l uma camada. H pulgas em qualquer chapada, Que me fazem andar rasca. Debaixo duma folharasca Vi eu uma com dez dentes! Ai, que bichos to valentes, As pulgas do Vale da Casca! II Ele h pulgas l porta, H pulgas l jenela, Esto pulgas de sintenela, E at h pulgas l na horta. Ele a brincadeira est torta. H pulgas na casa do hortelo: J no fao l sero, Que elas at pregam berros! H pulgas na casa dos ferros, Eh, que grande coleco! III H pulgas l no celeiro, H pulgas l no casinha, H pulgas na casa da farinha, At h pulgas no monte inteiro. Ele uma fugiu l pro cerro. Ele h pulgas l fonte! J no h ningum que as conte, Mas deviam de as contar. Aquilo vo a famlia espiar, No se pode estar monte! IV H pulgas l sobreira, H pulgas pl'aquele farjal, H pulgas l p do pial(18). Ele h pulgas l na eira! H pulgas l na 'strumeira, Na cavalaria a maior po(19), H pulgas l no caso... Olha, aquilo um Enferno. No se espera no Envemo, Que far quando vindo o Vero.

    Colos

    18

    Poial. 19 poro.

  • Separata organizada por JRG

    48

    CONSELHO DE SERPA

    AS MULHERES DOS EMIGRANTES Mote

    Que grande felicidade Nas mulheres de Portugal: Desde que os homens emigram, No lhes falta o capital. I A mulher que camponesa, Sempre na vida sofrendo, Agora est conhecendo Uma tremenda riqueza. J no temem despesa, Compram tudo vontade. A respeito de vaidade Tambm pregam bem a pea Assim, diro em conversa: Que grande felicidade! II No tempo mais atrasado, Na prpria mercearia O merceeiro tremia J com medo do fiado. Ele no era culpado Do desemprego geral. De momento, afinal, Houve uma grande mudana: J tm mais esperana Nas mulheres de Portugal. III Um ourives ouvi eu Estar na rua dizendo: Tempo como est correndo Ainda no se conheceu. O que mais favoreceu, No campo tanto no brigam. Eles que se castigam, Trabalhando ardentemente; Para elas diferente Desde que os homens emigram IV Esto em jardins de recreio, Como rosas plantadas, Que esto sendo regadas Com os vales de correio. At fazem galanteio Ao p do outro pessoal. Quando, atrs, viviam mal, Faziam gasto em segredo; Agora, compram sem medo, No lhes falta o capital.

    Manuel Morais, 51 anos, Pias.

  • QUADRAS / DCIMAS in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA -- 1987

    49

    Mote

    Numa vida h muita vida, Diz o mais velho ditado. Quando nasce uma pessoa Traz o destino marcado. I Muitos vo para zagais Depois da escola primria, a lio secundria Ser tratador de animais. Essa lio, para os quais Nasce um ponto de partida, Vai uma estrada seguida, Que a natureza traou: Desde que o mundo se formou Numa vida h muita vida II Tantos filhos de riqueza No meio de tanto prazer, Que mais tarde se vo ver Dentro da maior pobreza. Grande misria e tristeza Por vezes tm alcanado. Junta-se a sorte ao seu lado, A fortuna s mos lhes vem, Mas ningum diga eu estou bem Diz o mais velho ditado. III H tantos exemplares Que se vem dia a dia... Muitos perdem a valia, E todos os seus familiares Ajoelham-se aos altares, Pedindo divina coroa Que lhes d a vida boa. No lhe acode o ser divino, Porque traz logo o destino Quando nasce uma pessoa. IV A terra tem movimentos, Ns, dentro deste balano, At paz e descanso, H prazeres e sofrimentos, Alegrias e tormentos Que no se tm julgado. Ningum tem adivinhado Os termos da sua cruz. Quando a me o d luz, Traz o destino marcado.

    Francisco Carlos Bentes, Pedrgo do Alentejo

  • Separata organizada por JRG

    50

    Mote

    O que serve morte o pranto E os sinais por quem morreu, Se a morte traz o descanso Pra tudo quanto nasceu? I A terra tudo reduz A cinza, p e matria, A toda a alma finria Que no mundo perde a luz. O que infame seduz. No h um lamento santo Que proteja, com o seu manto, Pra do Inferno salvar. E tudo lhe vai constatar O que serve morte o pranto. II A grande fatalidade Vem vindo, de quando em quando, Ela tudo vai levando Para aquela eternidade. Talhando na igualdade, Idade nunca escolheu; Ela no obedeceu Ao mais triste lamentar. Que no vale a pena tocar Os sinais por quem morreu. III Ela traz a paz ao mundo, O infinito repouso, Leva o mais generoso Para p de um vagabundo. Nesse descansar profundo Sinto mais um balano. Nada impede o seu avano. Sem escutar ais nem lamentos Pra todos os sofrimentos A morte traz o descanso. IV Alta civilizao! No vale a pena estudar... Porque quando ela chegar Finda-nos toda a lio. No h culpas nem razo, Funda-nos em critrio seu. Ela tudo recolheu, lnfame potncia forte, E traz ela a mais pouca sorte Pra tudo quanto nasceu.

    Francisco Carlos Bentes, Pedrgo do Alentejo.

  • QUADRAS / DCIMAS in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA -- 1987

    51

    trabalho realizado por @ JORAGA

    Vale de Milhaos, Corroios, Seixal

    2015 JULHO

    JORAGA

  • Separata organizada por JRG

    52

  • QUADRAS / DCIMAS in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA -- 1987

    53

  • Separata organizada por JRG

    54

    9 DOS 14 CONCELHOS DO DISTRITO DE BEJA 11 Poetas (9 homens; 2 so mulheres) 38 TEXTOS Antnio Ruas, Messejana -- 8 textos Maria Guiomar Rodeia Peneque, Beja Manuel Antnio de Castro, Cuba 8 textos Francisco Augusto Galrito, Castro Verde Ceclia Maria Pereira, Alfundo 2 textos Alfundo Jos Caro Sorneto, Amareleja Pvoa de S. Miguel. 6 textos Agostinho, Santo Amador Jacinto Passarinho. Santo Aleixo 2 textos (Sobreira / Oliveira) Hilrio de Matos, Colos Colos, mais 2 textos Manuel Morais, Pias Francisco Carlos Bentes, Pedrgo do Alentejo 2 textos Mencionado: Antnio Hilrio numa dcima de Manuel de Castro

    Concelhos do Distrito Aljustrel Almodvar Alvito Barrancos Beja Castro Verde Cuba Ferreira do Alentejo Mrtola Moura Odemira Ourique Serpa Vidigueira