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TSI-570/2011/A Página 1 Processo nº 570/2011/A Requerente: A (XXX) Entidade requerida: Senhor Secretário para os Transportes e Obras Pú blicas Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.: A, devidamente identificado nos autos, veio, ao abrigo do disposto nos art°s 120° e S.S., requerer a suspensão de eficácia do despacho, datado de 04JUL2011, do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas que indeferiu o pedido da renovação da licença de ocupação a título precário da ponte-cais nº 23 do Porto Interior e em consequência determinou a desocupação e da entrega da mesma à gestão da Administração da RAEM, tendo para tal deduzido, no seu requerimento a fls. 2 a 46 dos p. autos, as razões de facto e de direito que se dão aqui por integralmente reproduzidas. Terminou pedindo que seja decretada a suspensão da eficácia do despacho recorrido.

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Processo nº 570/2011/A

Requerente: A (XXX)

Entidade requerida: Senhor Secretário para os Transportes e Obras

Públicas

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da

R.A.E.M.:

A, devidamente identificado nos autos, veio, ao abrigo do

disposto nos art°s 120° e S.S., requerer a suspensão de eficácia do

despacho, datado de 04JUL2011, do Senhor Secretário para os

Transportes e Obras Públicas que indeferiu o pedido da renovação da

licença de ocupação a título precário da ponte-cais nº 23 do Porto

Interior e em consequência determinou a desocupação e da entrega da

mesma à gestão da Administração da RAEM, tendo para tal deduzido,

no seu requerimento a fls. 2 a 46 dos p. autos, as razões de facto e de

direito que se dão aqui por integralmente reproduzidas.

Terminou pedindo que seja decretada a suspensão da eficácia do

despacho recorrido.

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Citada a entidade requerida, veio contestar invocando a

inverificação in casu do pressuposto processual exigido no art° 120° e

requisitos previstos no art° 121°/1-a) e b) e 4, todos do CPAC e

pugnando pelo indeferimento do pedido de suspensão de eficácia - cf.

fls. 60 a 69 dos p. autos.

O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seu douto

parecer de fls. 74 a 75 dos presentes autos, que se transcreve o seguinte:

“Percorrendo o longo e, aliás, douto Requerimento, percebemos

que há conexão intrínseca entre este processo e o n.º 569/2011/A, apesar

de serem diferentes os respectivos actos suspendendos, a qual tem por

origem a “procuração” referida nos arts. l2° e 13° do Requerimento

destes autos.

Analisando os argumentos aduzidos no Requerimento e na

contestação, e ressalvado o respeito pela opinião diferente, entendemos

que o pedido de Suspensão de Eficácia merecerá deferimento.

Ora, a alí. a) do n.º 1 do art.121° do CPAC dispõe (sublinha nossa):

A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação

para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a

defender no recurso.

Ó bvio é que se permite o requerente defender, com a suspensão

de eficácia, além do direito ou interesse pessoal e próprio, interesses

alheios e impróprios.

Interpretando este segmento legal em conjugação com o art.33° do

CPAC, parece-nos que os interesses contemplados na última parte desta

alí. a) incluem apenas aos interesses públicos, difusos subjacentes a acção

popular, e os referidos na alí. d) do art. 33°.

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De qualquer maneira, não entra na previsão os interesses privados

de outrem, como bem decidiu e esclarece o Venerando TUI no Acórdão

decretado no Processo n.º 14/2011: Sendo pessoas colectivas diferente, os

prejuízos causados pela execução do acto administrativo a uma não

podem ser imputados pura e simplesmente a outra, mesmo com posição

social dominante sobre aquela, com o fim de justificar a suspensão de

eficácia do acto.

De outra banda, vale relembrar que em regra, cabe ao requerente

o ónus de alegar e ainda demonstrar, mediante prova verosímil e

susceptível de objectiva apreciação, o preenchimento do requisito

consagrado na a) do referido nº 1, por aí não se estabelecer a presunção

do prejuízo de difícil reparação.

No vertente caso, sucede que o requerente nunca alegou, de todo

em todo lado, nenhum prejuízos de difícil reparação para si próprio, nem

sequer apresentar prova alguma. O que alegou, nos arts. 54° a 64.º do seu

Requerimento, são os potenciais prejuízos que a 《 Companhia de

Importação e Exportação B, Lda.》eventualmente sofreu ou sofreria.

Nestes termos, não vislumbramos que se verifique in casu o

requisito consignado na alí. a) do n.° 1 do art. 121 ° do CPAC.

Sabe-se que é pacífico e constante que “A não verificação de um

dos requisitos da suspensão de eficácia de acto administrativo previstos

no nº 1 do art. 121° do Código de Processo Administrativo Contencioso

torna desnecessária a apreciação dos restantes porque o seu deferimento

exige a verificação cumulativa de todos os requisitos e estes são

independentes entre si.” (Acórdão do TUI no Processo n.º 2/2009).

Afinal, lembramos que no que concerne à função do instituto de

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suspensão de eficácia o Venerando TUI determina no Acórdão decretado

no Processo n.º 37/2009: O objecto do procedimento de suspensão de

eficácia de actos administrativos não é a legalidade do acto impugnado,

mas sim se é justo negar a executoriedade imediata dum acto com

determinado conteúdo e sentido decisório. Assim, não cabe discutir neste

processo a verdade dos factos que fundamentam o acto impugnado ou a

existência de vícios neste.

De harmonia com essa determinação jurisprudencial acima

referida, não vamos pronunciar sobre os argumentos da requerente

acerca das ilegalidade do despacho suspendendo.

Pelo exposto, propomos que se digne indeferir o pedido de

suspensão de eficácia em apreço.”

Sem vistos - art° 129°/2 do CPAC, cumpre apreciar e decidir.

Este Tribunal é o competente.

As partes são dotadas às personalidades e capacidades judiciárias e

mostram-se legítimas.

As partes são regularmente patrocinadas.

Não há questões-prévias e outras nulidades que cumprem

conhecer.

Conhecendo.

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De acordo com os elementos constantes dos autos e do processo

instrutor, podem ser seleccionados os seguintes factos com relevância à

decisão do presente pedido da suspensão de eficácia:

- Desde 1993, a A, foi concedida a licença para a ocupação a

título precário da ponte-cais nº 23;

- Após as sucessivas renovações com a duração de um ano, a

data do terminus da última renovação é 31DEZ2010;

- Em 14 Outubro de 2010, a Companhia de Importação e

Exportação B, Limitada, na qualidade do procurador e em

representação do titular da licença A, formulou o pedido da

renovação da mesma licença;

- Pedido esse veio a ser indeferido por despacho datado de 4

Julho de 2011 do Senhor Secretário para os Transportes e

Obras Públicas;

- E em consequência, pelo mesmo despacho, foi determinada

desocupação e entrega da ponte-cais à gestão pela

Administração da RAEM;

Nos presentes autos, o requerente veio pedir a suspensão de

eficácia do acto de indeferimento da renovação da licença de ocupação a

título precário da ponte-cais nº 23 do Porto Interior, alegando que se

verificaram todos os pressupostos e requisitos legais.

Ao contrário, a entidade recorrida veio invocar a inexistência do

conteúdo positivo no acto de indeferimento, pugnando pelo

indeferimento do pedido.

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Vejamos.

Como se sabe, o mecanismo de suspensão da eficácia do acto

administrativo tem a natureza e a estrutura do processo cautelar, tendo

como requisitos a instrumentalidade (artigo 123º do CPAC), o fumus bonni

juris, o periculum in mora, e, até certo posto, a proporcionalidade.1

Para que possa ser concedida a dita suspensão da eficácia terão de

satisfazer-se, cumulativamente, o pressuposto do artigo 120º e os três

requisitos gerais do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo

Administrativo Contencioso.

Vejamos em primeiro lugar os pressupostos.

Dispõem os artigos 120º (Suspensão de eficácia de actos

administrativos):

“A eficácia de actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:

a. Tenham conteúdo positivo;

b. Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a

suspensão seja circunscrita a esta vertente.”

Como se vê, a suspensão da eficácia de um acto administrativo

pressupõe a existência do acto de conteúdo positivo.

Os actos positivos são aqueles que alteram a ordem jurídica,

relativamente ao momento em que foram praticados, e os actos negativos

são aqueles que não alteram a relação jurídica preexistente, deixando-a na

1Acórdão do TSI do processo 30/ 00/ A.

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mesma, ou seja, na palavra do Prof. Freitas Amaral, são “aqueles que

consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica”. 2

Há três exemplos típicos destes actos negativos: a omissão de um

comportamento devido, o silêncio perante um pedido apresentado à

Administração por um particular, e o indeferimento expresso ou tácito

duma pretensão apresentada. E a destruição de um acto negativo implica

a necessidade de praticar os actos positivos que por lei deviam ter sido

praticados e não foram (é o chamado dever de praticar o contrarius actus).3

Razão por que só os actos positivos é que podem ser objecto da

suspensão de eficácia e os actos de conteúdo negativo podem ser objecto

de dita suspensão desde que contiver vertente positiva e a suspensão só

se cinge nesta vertente (al. b. do artigo 120º do CPAC).

Assim, perante um pedido de um acto de conteúdo negativo, deve

ser sempre analisado caso a caso para se determinar se se trata de um

acto negativo puro ou se coexistem efeitos secundários positivos.

De um modo geral, apontam-se vários requisitos necessários para

que uma situação de facto, anteriormente existente à prática de um acto

negativo, possa ser objecto de suspensão:4

2 F. Amaral, in “Direito Administrativo” III, pp. 155-156.

3 F. Amaral, in “Direito Administrativo” III, pp. 155-156.

4 Maria Fernanda dos Santos Maçãs, A suspensão judicial da eficácia dos actos administrativos

e a garantia constitucional da tutela judicial efectiva, in Boletim da Faculdade de Direito de

Universidade de Ciombra, Stvdia Ivridica, 22º, 1996, p. 85.

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1. Só podem relevar situações de facto pré-existente que se

tenham constituído ou se mantenham à sombra da ordem

judicial;

2. O requerente deve poder suscitar uma vocação ou

expectativa de alguma forma reconhecida ou protegida

com vista à manutenção da situação;

3. A modificação da situação de facto em causa deve ser uma

consequência imediata e necessária do acto negativo; e

4. A suspensão da eficácia do acto negativo traduz-se apenas

na paralisação, a título provisório, dos efeitos ablativos e,

em determinadas condições, na salvaguarda do efeito

prático do recurso, ou da utilidade da sentença.

Como se sabe, a suspensão de eficácia de um acto administrativo

traduz-se, aí, tão somente, na paralisação provisória dos efeitos ablativos

do acto, aguardando-se que o recurso contencioso conheça da sua

legalidade intrínseca, ou seja, tratando-se de um provisório

"congelamento" da situação, de uma conservação da res integra, como é

típico das medidas cautelares, visando assegurar que a sentença de

mérito a proferir possa ter eficácia prática.

Uma decisão que indeferiu uma pretensão, em princípio, não vem a

alterar-se as suas respectivas situações jurídicas anteriormente existentes

e a suspensão da eficácia também não lhe viria a alterar as situações

preexistentes, mas em alguns casos, este tipo de acto de conteúdo

negativo pode ter, para além do seu efeito típico principal, ligado a um

efeito secundário, ou acessório, que modifica a situação jurídica e de facto

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preexistente, que se mantivera antes, sendo essa modificação uma

consequência imediata e necessária do acto negativo5.

Trata-se o acto ora suspendendo um acto que indeferiu o pedido da

renovação da licença de ocupação da ponte-cais, diferente do caso de

mero indeferimento do pedido de primeira licença de ocupação (acto de

conteúdo negativo puro), pois, a decisão de não renovação, vem

necessariamente alterar a sua situação actual e pre-existente, e a

suspensão do mesmo acto teria potencialidade para determinar, ela

mesma, a produção dos efeitos jurídicos negados ao administrado com a

prática do acto suspendendo, pelo que do decretamento da suspensão da

eficácia poderia resultar para o requerente efeito útil, ou evitar os

prejuízos para a sua esfera jurídica.

São actos de que resulta o indeferimento da manutenção de uma

situação jurídica anterior: por exemplo, quando denegam a renovação ou

prorrogação de uma situação jurídica pré-existente e que, por isso, além de

ferirem legítimas expectativas de conservação dos efeitos jurídicos de um

acto administrativo anterior, colocam o interessado numa posição jurídica

substantiva diferente da que detinham até ao momento da sua prática.

Nessas hipóteses, os actos alteram realmente a situação jurídica ou de facto

do requerente6

5Cfr., a propósito, Drs. Cláudio Monteiro, “Suspensão de Eficácia dos Actos Administrativos de

Conteúdo Negativo” ed. A.A.F.D.L. 1990, e Pedro Machete, “Suspensão Jurisdicional da Eficácia

dos Actos Administrativos e a Garantia Constitucional do Tutela Efectiva, 45-107). Neste

sentido também o Acórdão deste TSI de 21 de Fevereiro de 2002 do Processo nº 190/2001/A

6 Vide no nosso acórdão de 10 de Março de 2011 do processo n° 41/2011-A,

onde também citou dos autores: DIOGO FREITAS DO AMARAL Curso de Direito

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Ou seja, com a suspensão da eficácia da não renovação da licença

da ocupação, podem tão só ver-se a manutenção do status quo, como se

fosse a situação antes de renovação – a continuação da ocupação da

pont-cais.

Nesta conformidade, verifica-se efectivamente um acto de conteúdo

negativo com a vertente positiva, satisfazendo o pressuposto do pedido

de suspensão de eficácia.

Passa-se a apreciar se estão verificados os requisitos legais, o que

determina substancialmente a concessão da suspensão pretendida.

Prevê o artigo 121° do CPAC que:

“Artigo 121º (Legitimidade e requisitos)

1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida

por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida

pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:

a. A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação

para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a

defender no recurso;

b. A suspensão não determine grave lesão do interesse público

concretamente prosseguido pelo acto; e

Administrativo, vol. II, Almedina, Coimbra, 2001, p. 279; MARIA FERNANDA MAÇÃS, in

Cadernos de Justiça Administrativa, nº2, 13 e 16, JOSÉ CARLOS VIEIRA de ANDRADE, in

A Justiça administrativa, pag. 143; M. ESTEVES DE LIVEIRA e outros, in Código de

Procedimento Administrativo, 2ª ed., pag. 716/717; SÉRVULO CORREIA in, “Noções de

Direito Administrativo”, Vol. I, pág. 527; Ac. do TSI de 13/10/2005, Proc. n. 238/2005-A.

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c. Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.

2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente,

por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de

eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do

número anterior.

3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1

para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção

disciplinar.

4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na

alínea b) do n.º 1. a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos

os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que

a imediata execução do acto cause ao requerente.

5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no

número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os

contra-interessa-dos façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil

reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”

Como podemos ver claramente, a suspensão de eficácia deste

tipo do acto, depende da verificação, em cumulativo,7 dos seguintes

requisitos:

a) A execução do acto causará previsivelmente prejuízo, de

difícil reparação, para o requerente ou para os interesses que este

defenda ou venha a defender no recurso (requisito positivo) e

b) a suspensão do acto não causará grave lesão de interesse

7 - Vieira de Andrade, Justiça Administrativa, 3ª ed., 176; v.g. Ac. do TSI, de 2/12/2004, proc.299/03

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público pelo facto da suspensão, (1° requisito negativo) e

c) não resultarão do processo fortes indícios da ilegalidade do

recurso (2° requisito negativo).

A verificação cumulativa implica que a não se observar

qualquer deles, é de improceder a providência requerida.8 E, tratando-se

de requisitos cumulativos, a ordem na sua análise não dependerá de

qualquer ordem pré-determinada, a não ser quando se verifique que um

deles manifestamente não se observa, o que conduzirá à improcedência

da providência, afigurando-se desnecessário prosseguir com a análise

dos restantes. Sem embargo de proceder ao cotejo entre eles, se tal se

mostrar necessário.9

Vejamos, então, o requisito positivo, relativo à existência de

prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa,

previsivelmente causar para o requerente ou para os interesses que este

venha a defender no recurso - al. a) do n.º 1 do art. 121º do CPAC.

No acórdão deste TSI de 10 de Março de 2011 do processo n°

41/2011-A considerou que, “Na verdade, o conceito indeterminado

prejuízo de difícil reparação de que trata a alínea a), do n,1, do art. 121º, do

CPAC tem que ser concretizado, reproduzido ou traduzido caso a caso

por factos que o interessado requerente deve trazer ao processo. Não,

bem entendido, através de uma demonstração cabal, perfeita e exaustiva

8 - Ac. STA, de 8/3/00, proc. 45851-A

9 - Vieira de Almeida, ob. cit., 179. Neste sentido o acórdão deste Tribunal de 17 de Janeiro de 2008, do

processo n° 717/2007.

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da invocação factual, uma vez que neste processo não é possível efectuar

prova testemunhal10, e até porque a lei não é tão exigente a esse ponto ao

bastar-se com uma forte aparência, com um mero padrão de

probabilidade («...cause previsivelmente...»). Mas, de qualquer modo,

cabe ao requerente expor as razões fácticas que se integrem no conceito,

devendo para isso ser explícito, específico e concreto, não lhe sendo

permitido recorrer a expressões vagas, genéricas e irredutíveis a factos

que não permitam o julgador extrair aquele juízo.11”

Assim sendo será preciso ver em cada caso qual a natureza do

acto e quais as suas consequências directas, e carece alegar factos

concretos para que possa chegar à conclusão de que lhe provocarão os

danos directos, com contornos de difícil de reparação.

Todavia, adiantando, no caso dos autos, não nos parece que

exista algum dano que facilmente atinja o requerente.

O requerente, nas suas intensas alegações do requerimento, não

alegou, de todo em todo lado, nenhum factos concretos demonstradores

dos prejuízos directos, muitos menos de difícil reparação para si próprio,

nem sequer apresentar prova para tal conclusão.

Na grande parte do requerimento, a requerente alegou os

fundamentos que poderiam eventualmente servir dos fundamentos do

recurso contencioso, onde se discute a legalidade do acto administrativo.

Mas, no presente pedido de suspensão de eficácia, não estará em causa a

10

Neste sentido, por exemplo, ver o Ac. do TUI de 14/05/2010, Proc. n.15/2010.

11 Ac. do TUI de 13/05/2009, Proc. n. 2/2009.

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análise dos fundamentos e pressupostos do acto recorrido - domínio por

onde se espraia a requerente desta providência, alegação que aqui se

mostra inócua - , havendo que partir, no âmbito do presente

procedimento preventivo e conservatório, da presunção da legalidade do

acto e da veracidade dos respectivos pressupostos e que serão analisados

no recurso contencioso de que aquele depende.12

O que o mesmo alegou se encontra essencialmente nos

articulados 54° a 68º do seu Requerimento, a não renovação implica a

desocupação desse imóvel, a dissolução e liquidação da 《Companhia de

Importação e Exportação B, Lda.》, com a extinção dos postos de trabalho

dos trabalhadores. Porém, tais ditos prejuízos não virão causar ao

próprio requerente, eventualmente sofreu ou sofreria.

Nestes termos, e sem mais fundamentos alongados, não

vislumbramos que se verifique in casu o requisito consignado na alí. a) do

n.° 1 do art. 121 ° do CPAC.

Assim sendo, dão-se por inverificados os requisitos da suspensão

de eficácia do acto administrativo ora em causa, indeferindo o pedido.

Pelo exposto, acordam neste Tribunal de Segunda Instância em

indeferir a requerida suspensão de eficácia.

Custas pelo requerente.

12

Neste sentido vide o Acórdão do TSI de 2 de Junho de 2011 do processo n° 273/2011.

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Macau, RAE, aos 29 de Setembro de 2011

Choi Mou Pan

João A. G. Gil de Oliveira

Lai Kin Hong (Vencido nos termos da declaração de voto que se junta)

Estive presente

Mai Man Ieng

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Processo nº 570/2011/A

Declaração de voto de vencido

Enquanto relator, apresentei o projecto do Acórdão sugerindo o

indeferimento da requerida suspensão de eficácia com fundamento

no seguinte:

De acordo com os elementos constantes doa autos e do processo

instrutor, podem ser seleccionados os seguintes factos com relevância à

decisão do presente pedido da suspensão de eficácia:

Desde 1993, a A, foi concedida a licença para a ocupação a

título precário da ponte-cais nº 23;

Após as sucessivas renovações com a duração de um ano, a

data do terminus da última renovação é 31DEZ2010;

Em 14OUT2010, a Companhia de Importação e Exportação B,

Limitada, na qualidade do procurador e em representação do

titular da licença A, formulou o pedido da renovação da

mesma licença;

Pedido esse veio a ser indeferido por despacho datado de

04JUL2011 do Senhor Secretário para os Transportes e Obras

Públicas;

E em consequência, pelo mesmo despacho, foi determinada

desocupação e entrega da ponte-cais à gestão pela

Administração da RAEM;

Antes de mais, é de frisar que, como vimos supra, a entidade requerida

suscitou a questão sobre a natureza do acto administrativo cuja

suspensão se requer, defendendo que o acto em causa tem conteúdo

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meramente negativo, e consequentemente não susceptível de ser

objecto do pedido de suspensão de eficácia.

Assim sendo, temos de nos debruçar sobre esta questão primeiro.

Tradicionalmente falando, a suspensão de eficácia tem uma função

conservatória ou cautelar, admitida no âmbito dos processos do

contencioso administrativo, que visa obter provisoriamente a

paralização dos efeitos ou da execução de um acto administrativo.

Assim, o acto administrativo cuja suspensão se requer tem de ter, por

natureza, conteúdo positivo, pois de outro modo, a ser decretada a

suspensão, em nada alteraria a realidade preexistente, deixando o

requerente precisamente na mesma situação em que se encontra.

In casu, trata-se de uma questão inserida na matéria do uso privativo

dos terrenos do domínio público hídrico.

Matéria essa era regida, antes do estabelecimento da Região

Administrativa Especial de Macau, pela Lei nº 6/86/M de 26JUL.

Por força do disposto no Anexo II à Lei de Reunificação (a Lei nº

1/1999), a mesma Lei nº 6/86/M não foi adoptada como lei da Região

Administrativa Especial de Macau por ser contrária à Lei Básica.

Apesar disto, não há ainda diploma legal emanado pelo órgão

competente próprio da Região Administrativa Especial de Macau a

preencher a lacuna deixada pelo simples facto de a Lei de Reunificação

não ter adoptado a Lei nº 8/86/M como lei da Região Administrativa

Especial de Macau.

Todavia, o legislador do primeiro diploma legal após o estabelecimento

da Região Administrativa Especial de Macau, já alertado e cauteloso, já

fez consagrar na Lei de Reunificação, mais concretamente no seu

Anexo II, uma norma transitória, nos termos da qual “enquanto não for

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elaborada nova legislação, pode a Região Administrativa Especial de

Macau tratar as questões nela reguladas de acordo com os princípios

contidos na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau,

tendo por referência as práticas anteriores.”.

Não havendo uma lei reguladora dessa matéria, elaborada pelo órgão

constitucionalmente competente, após o estabelecimento da Região

Administrativa Especial de Macau, as sucessivas renovações da licença

foram deferidas justamente com fundamento nas regras seguidas pelas

práticas anteriores.

Então neste contexto passemos à apreciação do presente pedido da

suspensão tendo por referência as práticas anteriores, fundadas nas

disposições consagradas na então Lei nº 8/86/M, desde que em nada

contrariam os princípios contidos na Lei Básica.

Por força do disposto no artº 12º/1 da então Lei nº 8/86/M, são objecto

de licença todos os usos privativos do terreno do domínio público

hídrico que não exijam a realização de investimento em instalações

fixas e indesmontáveis e que não sejam considerados de utilidade

pública.

Por sua vez, o artº 14º do mesmo diploma reza que as licenças são

outorgadas pelo período de um ano, não podendo o prazo das

renovações sucessivas exceder, para cada uma, um ano.

Quanto à caducidade e à extinção da licença, os artºs 17º e 20º

estabelecem que decorrido o prazo da licença entretanto não renovada,

as instalações desmontáveis devem ser removidas e que as licenças

podem ser extintas, mediante acto fundamentado.

Atendendo ao conteúdo desse conjunto dos dispositivos, salta à vista

que nenhum deles contaria os princípios e normativos contidos na Lei

Básica na matéria da gestão dos terrenos e recursos naturais da Região

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Administrativa Especial de Macau.

Na verdade, dispõe o artº 7º da Lei Básica da Região Administrativa

Especial de Macau que:

Os solos e os recursos naturais na Região Administrativa

Especial de Macau são propriedade do Estado, salvo os

terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como

propriedade privada, antes do estabelecimento da Região

Administrativa Especial de Macau. O Governo da Região

Administrativa Especial de Macau é responsável pela sua

gestão, uso e desenvolvimento, bem como pelo seu

arrendamento ou concessão a pessoas singulares ou

colectivas para uso ou desenvolvimento. Os rendimentos daí

resultantes ficam exclusivamente à disposição do Governo

da Região Administrativa Especial de Macau.

A concessão da licença para a ocupação a título precário mostra-se

portanto perfeitamente compatível com os princípios fundamentais

contidos nesse artº 7º da Lei Básica.

Então podemos passar a analisar o presente caso tranquilamente

tomando como padrão as práticas anteriores fundadas na Lei nº 8/86/M,

nomeadamente no disposto naquelas normas acima referidas.

Compulsados os autos, verifica-se que foi ao abrigo da prática anterior

coberta pelo disposto no artº 14º da Lei nº 8/86/M que o ora requerente

requereu ao Governo da RAEM a renovação da licença para a

ocupação a título precário da ponte-cais nº 23 do Porto Interior.

Nos termos do disposto do artº 20º/1 e 2 do mesmo diploma, a licença

pode ser extinta, mediante acto fundamentado, se o objecto da

licença for considerado necessário à utilização pelo público sob a

forma de uso comum ou se outro motivo de interesse público assim o

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exigir.

Por maior da razão, a renovação de uma licença pode indeferida com

base nos mesmos fundamentos por força dos quais, o interesse do

titular da licença deve recuar perante a necessidade de prossecução de

interesses públicos.

O que significa logo que a renovação de uma licença para a ocupação a

título precário comporta sempre o exercício de um poder discricionário

e nunca um acto vinculado.

Pela leitura da informação sobre a qual incidiu o despacho de cuja

eficácia ora se requer a suspensão, sabe-se que é pela necessidade da

construção de uma via rodoviária exclusiva a transporte colectivo,

ligando as Portas do Cerco à Barra e necessariamente passando pelo

terreno onde se situa a ponte-cais nº 23, que lhe foi indeferida a

renovação da licença, uma vez que os terrenos para a cuja ocupação a

título precário foi licenciado o ora requerente são considerados

necessários, segundo a política de transporte traçada pela

Administração, à construção daquela infra-estrutura de transporte.

Para o requerente, o indeferimento da requerida renovação implica a

perda da titularidade da licença de ocupação, a consequente dissolução

e liquidação da sociedade procuradora dele (a Companhia B), a perda

dos rendimentos com os quais há muitos anos têm podido contar e a

final o despedimento não desejável dos trabalhadores desse procurador

seu.

Independentemente da questão de saber se essas alegadas “perdas” são

do próprio requerente, o acto cuja suspensão se requer não pode deixar

de ser um acto meramente negativo sem vertente positiva.

Pois, se é certo que ao requerente foi concedida e depois

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sucessivamente renovada a licença para a ocupação, inicialmente na

Administração portuguesa ao abrigo do diploma regulador do uso

privativo de um bem no domínio público hídrico, e depois na

Administração da RAEM com base nas práticas anteriores, não é

menos verdade que essa licença é aprazada, a título precário, ou seja,

tinha um prazo de validade previamente determinada e um carácter

precário.

Assim, apesar de a lei prever a possibilidade de renovação da tal

licença, o certo é que a renovação representa sempre o exercício de um

poder discricionário da Administração da Região Administrativa

Especial de Macau.

Não atribuindo a lei aos interessados uma expectativa firme de ser

renovada a tal licença para ocupação a título precário, não podemos

dizer que no caso sub judice da execução do despacho de não

renovação da tal licença decorra um efeito ablativo de um bem jurídico

detido pelo interessado, pois não se pode olvidar que o statu quo ante

não era temporalmente ilimitado e definitivo, mas sim com a duração

previamente fixada, embora renovável, e com o carácter precário.

Falando sob outro prisma, se a renovação da licença não decorrer do

exercício de poderes vinculados, mas sim de poderes discricionários, o

acto de não renovação não pode deixar de ser meramente negativo sem

vertente positiva.

Por outro lado, mesmo admitindo a existência de vertente positiva

susceptível de suspensão, a decisão deste tribunal administrativo nunca

se substitui à decisão da Administração no sentido de fazer renovar ou

prorrogar a licença já expirada por forma a permitir a ocupação por

parte do requerente ou do seu procurador da ponte-cais nº 23.

A não ser assim, ao decretar a suspensão de eficácia do despacho em

causa, estaria o Tribunal a dar uma ordem à Administração de renovar

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ou prorrogar a licença já caducada, substituindo-se assim à

Administração no desempenho das suas funções administrativas.

O que obviamente colide com o princípio de separação de poderes.

De facto, a simples não execução do despacho de indeferimento do

pedido da renovação não implica directamente a renovação de uma

licença, renovação essa que é justamente o efeito pretendido pelo

requerente.

Pelo exposto, entendemos que é de indeferir o presente requerimento

de suspensão de eficácia pela não verificação ab initio do pressuposto a

que se alude o artº 120º-b) do CPAC.

Convicto da bondade da posição por mim assumida neste segmento

do projecto que submeti à apreciação em conferência, votei vencido

o Acórdão antecedente.

RAEM, 29SET2011

Lai Kin Hong