contos libertinos - marques

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8/14/2019 contos libertinos - marques http://slidepdf.com/reader/full/contos-libertinos-marques 1/30 Contos Libertinos Marquês de Sade Coletivo SABOTAGEM http://www.sabotagem.cjb.net/  

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  • 8/14/2019 contos libertinos - marques

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    Contos LibertinosMarqus de Sade

    ColetivoSABOTAGEM

    http://www.sabotagem.cjb.net/

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    O marido padreConto provenal

    Entre a cidade de Menerbe, no condado de Avinho, e a de Apt, em Provena, h umpequeno convento de carmelitas isolado, denominado Saint-Hilaire, assentado no cimo deuma montanha onde at mesmo s cabras difcil o pasto; esse pequeno stio aproximadamente como a cloaca de todas as comunidades vizinhas aos carmelitas; ali, cadauma delas relega o que a desonra, de onde no difcil inferir quo puro deve ser o grupo de

    pessoas que freqenta essa casa. Bbados, devassos, sodomitas, jogadores; so esses, maisou menos, os nobres integrantes desse grupo, reclusos que, nesse asilo escandaloso, o quanto

    podem ofertam a Deus almas que o mundo rejeita. Perto dali, um ou dois castelos e o burgode Menerbe, o qual se acha apenas a uma lgua de Saint-Hilaire - eis todo o mundo desses

    bons religiosos que, malgrado sua batina e condio, esto, entretanto, longe de encontrar

    abertas todas as portas de quantos esto sua volta.Havia muito o padre Gabriel, um dos santos desse eremitrio, cobiava certa mulher de

    Menerbe, cujo marido, um rematado corno, chamava-se Rodin. A mulher dele era umamoreninha, de vinte e oito anos, olhar leviano e ndegas rolias, a qual parecia constituir emtodos os aspectos lauto banquete para um monge. No que tange ao sr. Rodin, este era homem

    bom, aumentando o seu patrimnio sem dizer nada a ningum: havia sido negociante depanos, magistrado, e era, pois, o que se poderia chamar um burgus honesto; contudo, nomuito seguro das virtudes de sua cara-metade, era ele sagaz o bastante para saber que overdadeiro modo de se opor s enormes protuberncias que ornam a cabea de um marido dar mostras de no desconfiar de os estar usando; estudara para tornar-se padre, falava latimcomo Ccero, e jogava bem amide o jogo de damas com o padre Gabriel que, cortejadorastuto e amvel, sabia que preciso adular um pouco o marido de cuja mulher se deseja

    possuir. Era um verdadeiro modelo dos filhos de Elias, esse padre Gabriel: dir-se-ia que todaa raa humana podia tranqilamente contar com ele para multiplicar-se; um legtimo fazedorde filhos, espadado, cintura de uma alna* , rosto perverso e trigueiro, sobrancelhas como asde Jpiter, tendo seis ps de altura e aquilo que a caracterstica principal de um carmelita,feito, conforme se diz, segundo os moldes dos mais belos jumentos da provncia. A quemulher um libertino assim no haveria de agradar soberbamente? Desse modo, esse homemse prestava de maneira extraordinria aos propsitos da sra. Rodin, que estava muito longe deencontrar to sublimes qualidades no bom senhor que os pais lhe haviam dado por esposo.Conforme j dissemos, o sr. Rodin parecia fazer vistas grossas a tudo, sem ser, por isso,

    menos ciumento, nada dizendo, mas ficando por ali, e fazendo isso nas diversas vezes em queo queriam bem longe. Entretanto, a ocasio era boa. A ingnua Rodin simplesmente haviadito a seu amante que apenas aguardava o momento para corresponder aos desejos que lhe

    pareciam fortes demais para que continuasse a opor-lhes resistncia, e padre Gabriel, por seuturno, fizera com que a sra. Rodin percebesse que ele estava pronto a satisfaz-la... Almdisso, num breve momento em que Rodin fora obrigado a sair , Gabriel mostrara suaencantadora amante uma dessas coisas que fazem com que uma mulher se decida, por maisque hesite... s faltava,portanto, a ocasio.

    Num dia em que Rodin saiu para almoar com seu amigo de Saint-Hilaire, com a idiade o convidar para uma caada, e depois de ter esvaziado algumas garrafas de vinho deLanerte, Gabriel imaginou encontrar na circunstncia o instante propcio realizao dos

    seus desejos.

    *Antiga medida de comprimento de trs palmos. (N. dos T.)

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    - Oh, por Deus, senhormagistrado, - diz o monge ao amigo - como estou contente de vosver hoje! No podereis ter vindo num momento mais oportuno do que este; ando s voltascom um caso da maior importncia, no qual havereis de ser a mim de serventia sem par.

    - Do que se trata, padre?- Conheceis Renoult, de nossa cidade.- Renoult, o chapeleiro.- Precisamente.- E ento?- Pois bem, esse patife me deve cem cus*, e acabo de saber que ele se acha s portas da

    falncia; talvez agora, enquanto vos falo, ele j tenha abandonado o Condado... precisomuitssimo correr at l, mas no posso faz-lo.

    - O que vos impede?- Minha missa, por Deus! A missa que devo celebrar; antes a missa fosse para o diabo, e

    os cem cus voltassem para o meu bolso.- No compreendo: no vos podem fazer um favor?- Oh, na verdade sim, um favor! Somos trs aqui; se no celebrarmos todos os dias trs

    missas, o superior, que nunca as celebra, nos denunciaria Roma; mas existe um meio de meajudardes, meu caro; vede se podeis faz-lo; s depende de vs.

    - Por Deus! De bom grado! Do que se trata?- Estou sozinho aqui com o sacristo; as duas primeiras missas foram celebradas, nossosmonges j saram, ningum suspeitar do ardil; os fiis sero poucos, alguns camponeses, equando muito, talvez, essa senhorazinha to devota que mora no castelo de... a meia lguadaqui; criatura anglica que, fora da austeridade, julga poder reparar todas as estroinicesdo marido; creio que me dissestes que estudastes para ser padre.

    - Certamente.- Pois bem, deveis ter aprendido a rezar a missa.- Fao-o como um arcebispo.- meu caro e bom amigo! - prossegue Gabriel lanando-se ao pescoo de Rodin - so

    dez horas agora; por Deus, vesti meu hbito, esperai soar a dcima primeira hora; ento

    celebrai a missa, suplico-vos; nosso irmo sacristo um bom diabo, e nunca nos trair;queles que julgarem no me reconhecer, dir-lhes-emos que um novo monge, quanto aosoutros, os deixaremos em erro; correrei ao encontro de Renoult, esse velhaco, darei cabo deleou recuperarei meu dinheiro, estando de volta em duas horas. O senhor me aguardar,ordenar que grelhem os linguados, preparem os ovos e busquem o vinho; na volta,almoaremos, e a caa... sim, meu amigo, a caa creio que h de ser boa dessa vez: segundose disse, viu-se pelas redondezas um animal de chifres, por Deus! Quero que o agarremos,ainda que tenhamos de nos defender de vinte processos do senhor da regio!

    - Vosso plano bom - diz Rodin - e, para vos fazer um favor, no h, decerto, nada queeu no faa; contudo, no haveria pecado nisso?

    - Quanto a pecados, meu amigo, nada direi; haveria algum, talvez, em executar-se mal acoisa; porm, ao fazer isso sem que se esteja investido de poderes para tanto, tudo o quedissentes e nada so a mesma coisa. Acreditai em mim; sou casusta, no h em tal conduta oque se possa chamar pecado venial.

    - Mas seria preciso repetir a liturgia?- E como no? Essas palavras so virtuosas apenas em nossa boca, mas tambm esta

    virtuosa em ns... reparai, meu amigo, que se eu pronunciasse tais palavras deitado em cimade vossa mulher, ainda assim eu havia de metamorfosear em deus o templo onde sacrificais...

    No, no, meu caro; s ns possumos a virtude da transubstanciao; pronunciareis vintemil vezes as palavras, e nunca fareis descer algo dos cus; ademais, bem amide conosco acerimnia fracassa por completo; e, aqui, a f que faz tudo; com um pouco de f

    transportaramos montanhas, vs sabeis, Jesus Cristo o disse, mas quem no tem f nada faz...

    *Antiga moeda francesa. (N. dos T.)

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    eu, por exemplo, se nas vezes em que realizo a cerimnia penso mais nas moas ou nasmulheres da assemblia do que no diabo dessa folha de po que revolvo em meus dedos,acreditais que fao algo acontecer? Seria mais fcil eu crer no Alcoro que enfiar isso naminha cabea. Vossa missa ser, portanto, quase to boa quanto a minha; assim, meu caro,agi sem escrpulo, e, sobretudo, tende coragem.

    - Pelos cus, - diz Rodin - que tenho uma fome devoradora! Ainda faltam duas horaspara o almoo!

    - E o que vos impede de comer um pouco? Aqui tendes alguma coisa.- E a tal missa que preciso celebrar?- Por Deus! O que h de mal nisso? Acreditais que Deus se h de macular mais caindo

    numa barriga cheia em vez de numa vazia? O diabo me carregue se no a mesma coisa acomida estar em cima ou embaixo! Meu caro, se eu dissesse em Roma todas as vezes quealmoo antes de celebrar minha missa, passaria minha vida na estrada. Alm disso, no sois

    padre, nossas regras no vos podem constranger; ireis to-somente dar certa imagem damissa, no ireis celebr-Ia; conseqentemente, podereis fazer tudo o que quiserdes antes oudepois, inclusive beijar vossa mulher, caso ela aqui estivesse; no se trata de agir como eu;no celebrar, nem consumar o sacrifcio.

    - Prossigamos - diz Rodin - hei de faz-lo, Podeis ficar tranqilo.

    - Bem - diz Gabriel, dando uma escapadela, depois de fazer boas recomendaes doamigo ao sacristo... - contai comigo, meu caro; antes de duas horas estarei aqui - e,satisfeito, o monge vai embora.

    No difcil imaginar que ele chega apressado casa da mulher do magistrado; que elase admira de v-lo, julgando-o em companhia de seu marido; que ela lhe pergunta a razo devisita to imprevista.

    - Apressemo-nos, minha cara - diz o monge, esbaforido - apressemo-nos! Temos parans apenas um instante... um copo de vinho, e mos obra!

    - Mas, e quanto a meu marido?- Ele celebra a missa.- Celebra a missa?

    - Pelo sangue de Cristo, sim, mimosa - responde o carmelita, atirando a sra. Rodin aoleito - sim, alma pura, fiz de seu marido um padre, e, enquanto o farsante celebra um mistriodivino, apressemo-nos em levar a cabo um profano...

    O monge era vigoroso; a uma mulher, era difcil opor-se-lhe quando ele a agarrava: suasrazes, por sinal, eram to convincentes... ele se pe a persuadir a sra. Rodin, e, no secansando de faz-lo a uma jovem lasciva de vinte e oito anos, com um temperamento tpicoda gente de Provena, repete algumas vezes suas demonstraes.

    - Mas, meu anjo - diz, enfim, a beldade, perfeitamente persuadida - sabeis que se esgotao tempo... devemos nos separar: se nossos prazeres devem durar apenas o tempo de umamissa, talvez ele j esteja h muito no ite missa est.

    - No, no, minha querida - diz o carmelita, apresentando outro argumento sra. Rodin -, deixai estar, meu corao, temos todo o tempo do mundo! Uma vez mais, minha caraamiga, uma vez mais! Esses novios no vo to rpido quanto ns... uma vez mais, vos

    peo! Apostaria que o corno ainda no ergueu a hstia consagrada.Todavia, mister foi que se despedissem, no sem promessas de se reverem; tracejaram

    novos ardis, e Gabriel foi encontrar-se com Rodin; este havia celebrado a missa to bemquanto um bispo.

    - Apenas o quod aures - diz ele - embaraou-me um pouco; eu queria comer em vez debeber, mas o sacristo fez com que eu me recompusesse; e quanto aos cem cus, padre?

    - Recuperei-os, meu filho; o patife quis resistir, peguei de um forcado, dei-lhe umaspauladas, juro-vos, na cabea e noutras partes.

    Entretanto, a diverso termina; nossos dois amigos vo caa e, ao regressar, Rodinconta sua mulher o favor que prestou a Gabriel.

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    - Celebrei a missa - dizia o grande tolo, rindo com todas as foras - sim, pelo corpo deCristo! Eu celebrava a missa como um verdadeiro vigrio, enquanto nosso amigo media asespduas de Renoult com um forcado... Ele dava com a vara; que dizeis disso, minha vida?Colocava galhos na fronte; ah! boa e querida mezinha! como essa histria engraada, ecomo os cornos me fazem rir! E vs, minha amiga, o que fazeis enquanto eu celebrava amissa?

    - Ah! meu amigo - responde a mulher - parecia inspirao dos cus! Observai de quemodo nos ocupavam de todo, a um e a outro, as coisas do cu, sem que disso suspeitssemos;enquanto celebrveis a missa, eu entoava essa bela orao que a Virgem dirige a Gabrielquando este fora anunciar-lhe que ela ficaria grvida pela interveno do Esprito Santo.Assim seja, meu amigo! Seremos salvos, com toda certeza, enquanto aes to boas nosocuparem a ambos ao mesmo tempo.

    O marido

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    que recebeu uma lio

    Um homem j na decadncia pensou em se casar embora at aquele momento tivesse passado sem mulher, e possvel que a coisa mais tola que fez, de acordo com os seussentimentos, tenha sido unir-se a uma jovem de dezoito anos, com o rosto mais atraente domundo e com a cintura no menos proveitosa. Bernac - esse era o seu nome -, fazia toliceainda maior desposando uma mulher, porquanto se exercitava o menos possvel nos prazeres

    que concede o himeneu, e muito faltava para que as manias por que trocava os castos edelicados prazeres dos laos conjugais agradassem a uma jovem do porte da srta. Lurcie,pois assim se chamava a infeliz a quem Bernac acabava de participar seu destino. Desde aprimeira noite de npcias, ele relatou suas preferncias jovem esposa, aps t-la feito jurarnada revelar aos pais dela; tratava-se assim diz o clebre Montesquieu - de procedimentoignominioso que leva de volta infncia: a jovem mulher, na postura de uma menina quemerece um corretivo, se prestava ento por quinze ou vinte minutos, mais ou menos, aoscaprichos bestiais do velho esposo, e era vista dessa cena que ele conseguia experimentar adeliciosa embriaguez do prazer que todo homem mais bem organizado que Bernac decertoteria desejado sentir apenas nos braos encantadores de Lurcie. A experincia pareceu um

    pouco dura quela moa delicada, bela, educada no conforto mas longe do pedantismo;entretanto, como lhe houvessem recomendado ser submissa, julgou tratar-se aquilo de hbitocomum aos esposos, e talvez at mesmo Bernac tivesse contribudo para que pensasse assim,e ela se submeteu de modo mais honesto possvel depravao do seu stiro; todos os diasera a mesma coisa e, com freqncia, at duas vezes em vez de uma. Ao cabo de dois anos, asrta. Lurcie, que continuamos a chamar sempre por esse nome, de vez que na ocasio seachava to virgem quanto no primeiro dia de suas npcias, perdeu o pai e a me, e com eles aesperana de fazer abrandar seus sofrimentos, como comeava a figurar j havia algumtempo. Essa perda s fez tornar Bernac mais audacioso, e se mantivera dentro de algunslimites, por respeito aos pais de sua mulher enquanto vivos, no demonstrou mais nenhumamoderao to logo ela os perdeu e ele percebeu-a incapaz de quem a pudesse vingar. O que

    parecia de incio apenas um divertimento, tornou-se pouco a pouco um verdadeiro tormento;essa srta. Lurcie no podia mais suportar isso, seu corao se exasperava, e ela sonhava otempo todo com vingana. Via pouqussimas pessoas; o marido a isolava tanto quanto

    possvel. Apesar de todas as admoestaes de Bernac, o primo dela, o cavalheiro d'Aldour,no deixara em absoluto de ver sua parenta; esse jovem tinha um belo rosto e no era seminteresse que teimava em visitar a prima; como fosse bastante conhecido de toda a gente, ociumento, temendo que escarnecessem dele, no ousava muito afastar-se de sua casa... A srta.Lurcie deitara os olhos nesse parente para se libertar da escravido na qual vivia: ouviadiariamente as belas palavras do primo, e, por fim, revelou-se por completo a ele, tudo lheconfessando.

    - Vingai-me desse homem vil - disse-lhe -, e fazei isso por meio de uma cena que o

    impressione o bastante para ele prprio jamais ousar falar dela a algum: o dia em queobtiverdes xito h de ser o dia de vossa glria; apenas a esse preo serei vossa.

    Encantado, d'Aldour tudo promete e s se empenha para o sucesso de uma aventura quevai lhe assegurar to belos monumentos. Quando tudo est pronto:

    - Senhor - diz ele um dia a Bernac -, tenho a honra de ser muito ntimo de vs, e em vsconfio o bastante para no deixar de vos participar o matrimnio secreto que acabo decontrair.

    - Um matrimnio secreto? - diz Bernac, encantado de se ver livre do rival que o faziatremer.

    - Sim, senhor! Acabo de me unir ao destino de uma esposa encantadora, e amanh odia em que ela me deve tornar feliz; confesso que se trata de uma moa sem bens; mas o queimporta isso se o que tenho basta aos dois? Caso-me, verdade, com uma famlia inteira,quatro irms que vivem juntas, porm, como me apraz a companhia delas, para mim apenas

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    uma felicidade a mais... Muito me alegraria, senhor - continua o jovem -, se minha prima evs me dsseis amanh a honra de vir ao menos ao banquete de npcias.

    - Senhor, saio muito pouco, e minha mulher menos ainda; vivemos ambos num granderetiro; ela est contente assim, e eu no a incomodo absolutamente.

    - Conheo vossas preferncias, senhor - retruca d'Aldour -, e respondo-vos que sereisservido a contento... amo a solido tanto quanto vs e, por sinal, tenho razes de discrio,como j disse: na campanha, faz um belo dia, tudo vos convida e dou-vos minha palavra dehonra que estaremos absolutamente sozinhos.

    Lurcie a propsito deixa entrever certo desejo; seu marido no ousa contrari-la diantede d'Aldour, e combinam o passeio.

    - Deveis querer tal coisa - diz o homem, irritado no momento em que se v a ss comsua mulher -, bem sabeis que absolutamente no me preocupo com tudo isso; saberei comodar fim a todos esses vossos desejos, e previno-vos de que em pouco tempo planejo isolar-vos numa de minhas terras, onde no vereis ningum mais alm de mim.

    E como o pretexto, com ou sem fundamento, acrescentasse muito aos atrativos das cenasluxuriosas s quais Bernac inventava planos quando lhe faltava o realismo, aproveitou aoportunidade, fez Lurcie passar ao seu quarto e lhe disse:

    - Iremos... sim, eu prometi, mas pagareis caro pelo desejo que demonstrastes...

    A infeliz, acreditando estar prxima do desfecho, suporta tudo sem se queixar.- Fazei o que vos aprouver, senhor - diz ela humildemente -, vs me concedestes umagraa, sou-vos muito grata.

    Tanta doura, tanta resignao teria desarmado qualquer um que no tivesse um coraotornado empedernido pelos vcios como o do libertino Bernac, mas nada capaz de o deter;satisfaz-se, dorme tranqilo; no dia seguinte, d'Aldour, conforme o combinado, vem buscar ocasal e partem.

    - Vereis - diz o jovem primo de Lurcie, entrando com o marido e a mulher numa casacompletamente isolada -, vereis que isso no tem l muito jeito de uma festa popular; nenhumcoche, nenhum lacaio, j vos disse; estamos completamente sozinhos.

    Entretanto, quatro mulheres altas de uns trinta anos, fortes, vigorosas e de cinco ps e

    meio de altura cada uma, avanam sobre a escadaria e vm receber o sr. e a sra. Bernac damaneira mais honesta.

    - Eis minha mulher, senhor - diz d'Aldour, apresentando uma delas -, e estas trs aqui sosuas irms; casamo-nos esta manh ao alvorecer, em Paris, e os esperamos para celebrar as

    bodas.Tudo se passa segundo as leis da mtua cortesia; depois de algum tempo de reunio no

    salo, onde Bernac se convence, para grande surpresa sua, que ele se encontra to s quanto opde desejar, um lacaio anuncia o almoo, e sentam-se mesa. Nada mais descontrado quea refeio, as quatro pretensas irms muito acostumadas aos repentes, trouxeram mesa todaa vivacidade e todo o bom humor possveis, mas como a decncia no esquecida um minuto

    sequer, Bernac, enganado at o fim, cr-se na melhor companhia do mundo; todavia, Lurcieencantada de ver o seu tirano numa situao difcil, divertia-se com seu primo, e, decidida emdesespero de causa a renunciar enfim a uma continncia que no lhe trouxera at aquelemomento seno tristezas e lgrimas, bebia com ele o champanhe, inundando-o com os maisternos olhares; nossas heronas, que tinham de buscar foras, consagravam-se igualmente libao, e Bernac, motivado, ainda sem conceber seno uma alegria simples em taiscircunstncias, no se poupava mais do que as outras pessoas. Entretanto, como era misterno perder a razo, d'Aldour interrompe a tempo e prope passar ao caf.

    - Por Deus, meu primo - diz ele, assim que Bernac se encontra afetado -, consenti em virvisitar minha casa; sei que sois homem de bom gosto; eu a comprei e a mobiliei

    propositadamente para meu casamento, mas temo ter feito um mau negcio; dir-me-eis vossa

    opinio, por favor.- De bom grado - diz Bernac -, ningum como eu entende mais dessas coisas, e estimareitudo a mais ou menos dez luses de diferena, garanto.

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    D'Aldour lana-se sobre as escadas dando a mo a rua bela prima, posicionam Bernac nomeio das quatro irms, e penetram nessa ordem num apartamento muito escuro e muitoafastado, absolutamente ao extremo da casa.

    - aqui a cmara nupcial - diz d'Aldour ao velho ciumento -, vedes essa cama, meuprimo; eis onde a esposa vai deixar de ser virgem; ela j no arde de desejos tempo demais?

    Era o sinal: no mesmo instante, nossas quatro malandras saltam sobre Bernac, armadascada uma de um punhado de varas; retiram-lhe as calas, duas delas o imobilizam, e as outrasduas se alternam para fustig-lo e enquanto o molestam vigorosamente:

    - Meu caro primo - exclama d'Aldour -, no vos disse ontem que sereis servido acontento? No imaginei nada melhor para agradar-vos do que devolver-vos o que dais todosos dias a essa encantadora mulher; vs no sois bastante brbaro para fazer-lhe uma coisa queno gostareis de receber; assim, orgulho-me de fazer-vos minha corte; falta ainda umacircunstncia, portanto, cerimnia; minha prima, segundo dizem, embora h muito esteja aovosso lado, ainda to virgem como se vs tivsseis vos casado apenas ontem; tal abandonode vossa parte provm unicamente da ignorncia, seguramente; garanto que por que nosabeis como proceder... vou mostrar-vos, meu amigo.

    Ao dizer isso, tendo ao fundo uma agradvel msica, o homem fogoso deita sua prima nacama e a torna mulher aos olhos de seu indigno esposo... S nesse momento termina a

    cerimnia.- Senhor - diz d'Aldour a Bernac ao descer do altar -, achareis a lio talvez um poucosevera, mas admiti que o ultraje a que submeteis vossa esposa era, pelo menos, igual; nosou, nem quero ser, amante de vossa mulher; ei-la, devolvo-a, mas vos aconselho acomportar-vos doravante de maneira mais honesta com ela, caso contrrio, ela aindaencontraria em mim um vingador que vos pouparia ainda menos.

    - Senhora - diz Bernac furioso -, na verdade esse procedimento...- o que vs merecestes - responde Lurcie mas se ele vos desagrada, entretanto, tendes

    toda a liberdade de express-lo; exporemos cada um nossas razes, e veremos de qual dosdois rir o povo.

    Bernac, confuso, reconhece seus erros, no inventa mais sofismas para legitim-los,

    lana-se aos joelhos de sua mulher para rogar seu perdo: Lurcie, terna e generosa, o levantae abraa, ambos retornam a sua casa, e no sei que meios utilizou Bernac, mas desde esse dia,nunca a capital viu casal mais unido, amigos mais ternos e esposos mais virtuosos.

    A pudicaou o encontro imprevisto

    O sr. Sernenval, que contava aproximadamente quarenta anos, e que possua doze ouquinze mil libras de renda que despendia de modo despreocupado em Paris, no se ocupando

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    mais do comrcio do qual outrora fizera sua profisso, e se contentando, por sua totaldistino, com o ttulo honorfico de burgus de Paris, com vistas ao Conselho municipal,desposara havia poucos anos a filha de um dos seus antigos confrades, de mais ou menosvinte e quatro anos. Nada havia de to vioso, to rolio, to gorduchinho e branco quanto asra. Sernenval: no fora ela feita como as Graas, mas era apetitosa como a me dos amores;no tinha o porte de uma rainha, mas possua tamanha volpia no conjunto, olhos to ternos echeios de langores, to bonita boca, pescoo to firme e torneado, e todo o resto do corpo to

    propcio a causar o nascimento do desejo, que bem poucas mulheres belas havia em Paris squais se teria preferido. Entretanto, a sra. Sernenval, com to diversos encantos fsicos, tinhaum defeito capital no esprito... uma pudiccia insuportvel, uma devoo exagerada que aomarido impossibilitava persuadi-la de aparecer em suas reunies sociais. Levando aoextremo a beatice, muito raramente a sra. Sernenval passaria uma noite inteira emcompanhia do seu marido, e, mesmo nos momentos em que ela condescendia conceder-lheesse favor, era sempre com excessiva reserva, - uma camisola que jamais despia. Umaabertura artisticamente acrescentada ao prtico do templo do hmen s permitia a entradacom as clusulas expressas de nenhuma apalpadela desonesta, e de nenhuma conjunocarnal; ter-se-ia enfurecido a sra. Sernenval, se se tivesse desejado ultrapassar os limites quea modstia dela impunha, e o marido que tentasse, talvez corresse o risco de no mais cair nas

    boas graas dessa casta e virtuosa fmea. O sr. Sernenval ria-se de todas essas beatices, mas,como adorasse a mulher, condescendia em respeitar-lhe as tibiezas; vez por outra, entretanto,tentava aconselh-la; provava-lhe, do modo mais claro, que no passando a vida nas igrejasou junto aos padres que uma mulher honesta cumpre realmente os seus deveres, dentre osquais os primeiros so os de sua casa, por fora, negligenciados por uma devota; e que elahaveria de honrar muito mais as imagens do Eterno, vivendo de uma maneira honesta nomundo, do que indo trancafiar-se nos claustros; que havia infinitamente mais perigo em setratando dos modelos de Maria do que desses amigos verdadeiros dos quais ela recusavaridiculamente a companhia.

    - preciso que eu vos conhea e que vos ame tanto quanto fao - acrescentava a isso osr. Sernenval - para que no me inquiete convosco durante todas essas prticas religiosas.

    Quem me assegura que algumas vezes vs no vos esqueceis sobre o leito macio dos levitas,em vez de ao p dos altares de Deus? Nada h de to perigoso quanto todos esses padres

    patifes; sempre falando de Deus que seduzem nossas mulheres e filhas, e sempre em seunome que eles nos desonram ou enganam. Acreditai-me, cara amiga, possvel ser honestoem qualquer lugar; nem na cela do bonzo, nem no nicho do dolo, a virtude ergue seu templo,mas no corao de uma mulher casta, e as companhias decentes que vos ofereo nada tmque se alie ao culto que vs lhe deveis... Vs passais por uma de suas mais fiis sectrias:creio nisso; mas que prova possuo de que realmente mereceis tal reputao? Eu acreditaria

    bem mais se vos visse resistir a astuciosos ataques; no a mulher que se coloca na condiode nunca ser seduzida, cuja virtude a que mais se pode apurar; mas a que est bastante

    segura de si mesma para se expor a tudo sem nada temer.Sobre isso a sra. Sernenval nada respondia, pois que, de fato, no havia resposta paraesse argumento, mas ela chorava - expediente comum das mulheres fracas, seduzidas oufalsas - e seu marido no ousava prosseguir com a lio.

    As coisas estavam nesse estado quando um antigo amigo de Sernenval, de nomeDesportes, chegou de Nancy para v-lo, e para concluir, ao mesmo tempo, alguns negciosque tinha na capital. Desportes era um bon vivant, de idade semelhante do seu amigo, e noodiava nenhum dos prazeres dos quais a natureza benfazeja permitiu ao homem fazer uso

    para esquecer os males com que o abate; ele no resiste absolutamente oferta que lhe fazSernenval de hosped-lo em sua casa, regozija-se com a satisfao de v-lo, e surpreende-seconcomitantemente com a severidade de sua mulher, a qual, no momento em que toma

    conhecimento desse estranho na casa, recusa-se absolutamente a aparecer, e nem ao menosdesce mais para as refeies. Desportes cr incomodar, quer se hospedar alhures; Sernenvalo impede de faz-lo, e confessa-lhe, enfim, todos os ridculos de sua terna mulher.

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    - Devemos perdo-la, - dizia o marido crdulo ela compensa essas faltas com tantasvirtudes que acabou obtendo minha indulgncia, e ouso te pedir a tua.

    - Assim seja, - responde Desportes - desde que no seja nada pessoal.... esqueo tudo, eos defeitos da mulher de quem estimo nunca sero, a meus olhos, seno qualidadesrespeitveis.

    Sernenval abraa o amigo, e s conversam sobre prazeres.Se a parvoce de dois ou trs ineptos que, h cinqenta anos, administram em Paris o

    negcio das mulheres pblicas e, especialmente, a de um pulha espanhol que no ltimoreinado ganhava cem mil cus por ano na espcie de inquirio da qual se vai falar, se omedocre rigorismo dessas pessoas no tivesse estupidamente imaginado que uma das mais

    belas clebres maneiras de conduzir o Estado, um dos meios mais seguros do governo, umadas bases, em suma, da virtude, era ordenar essas criaturas a prestar conta exata da parte deseu corpo com que se regala ao mximo o indivduo que a corteja; se no tivesse imaginadoque, entre um homem que observa um seio, por exemplo, e outro que se ocupa de um quadril,h decididamente a mesma diferena que entre um homem probo e um canalha, e que aqueleque se acha em um ou em outro desses casos (depende do que esteja em moda) devenecessariamente ser o maior inimigo do Estado, sem essas desprezveis vilanias, como jdisse; certo que dois estimados burgueses, um dos quais tendo uma mulher beata, o outro

    sendo solteiro, poderiam ir passar muito legitimamente uma hora ou duas entre as moas;mas quanto a essas absurdas infmias intimidando o prazer dos cidados, no ocorreu aSernenval fazer sequer com que Desportes vislumbrasse esse tipo de dissipao. Este,

    percebendo isso e no imaginando os motivos, perguntou ao amigo por que ele j lhe tendo proposto todos os prazeres da capital, no lhe havia falado desse em absoluto. Sernenvalobjeta o estpido inqurito, Desportes graceja sobre isso, e, no obstante as listas de m., osrelatrios de comissrios, os depoimentos de oficiais de polcia e todos os outros ramos dessavelhacaria estabelecidos pelo chefe quanto esse negcio dos prazeres do labrego de Lutcia* ,diz a seu amigo que ele queria, com efeito, jantar com prostitutas.

    - Escuta, - respondeu Sernenval - concordo, inclusive te servirei de introdutor comoprova de meu modo filosfico de pensar sobre esse assunto, mas por uma delicadeza que

    espero no ma censures, pelos sentimentos que devo, em resumo, minha mulher e que noest em mim dominar, permitirs que eu no partilhe de teus prazeres; eu os proporcionarei ati, e ficarei nisso.

    Desportes zomba um instante de seu amigo, mas vendo-o decidido a no se deixar demodo algum enveredar por esse caminho, a tudo consente, e partem.

    A clebre S. J. foi a sacerdotisa no templo da qual Sernenval imaginou sacrificar seuamigo.

    - de uma mulher segura que precisamos, diz Sernenval - de uma mulher honesta; esseamigo, para o qual imploro vossos cuidados, est em Paris por pouco tempo apenas; ele nogostaria de levar ms recordaes para sua provncia e l arruinar vossa reputao; diga-nos

    com franqueza se tendes o que ele precisa e o que desejais a fim de proporcionar-lhe odeleite.- Ouam, - retoma S. J. - bem vejo a quem tenho a honra de me dirigir, no so pessoas

    como vs que eu engano; vou, portanto, falar-vos como mulher honesta, e meusprocedimentos vos provaro que eu o sou. Tenho o que vos interessa; trata-se apenas depagar o preo justo, uma mulher encantadora, uma criatura que vos arrebatar assim que aescutardes... , enfim, o que denominamos um banquete de padre, e vs sabeis que a essas

    pessoas sendo meus melhores clientes, no lhes dou o que tenho de pior... Faz trs dias que obispo de M. por ela deu-me vinte luses, o arcebispo de R. f-la ganhar cinqenta ontem e,ainda nesta manh, ela me valeu trinta do coadjutor de... Eu v-la ofereo por dez, e isso, naverdade, senhores, para merecer a honra de vossa estima; mas preciso ser pontual no dia e

    na hora, ela est sob o controle do marido, e de um marido ciumento que s tem olhos para

    *Cidade gaulesa sobre cujas runas edificou-se Paris. (N. dos T.)

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    ela; s podendo gozar instantes furtivos, necessrio no perder nem um minuto daquelesque tivermos combinado...

    Desportes regateou um pouco; nunca uma prostituta fez com que se lhe pagasse dezluses em toda a Lorena; quanto mais ele procurava baixar o preo, mais ela elogiava amercadoria; em resumo, ele acabou por concordar e, no dia seguinte, dez horas em ponto foia hora marcada para o encontro. Sernenval, no desejando de modo algum entrar a meiasnesse divertimento, no concordou com um jantar, em troca do qual haviam combinado essashoras de prazer de Desportes, muito satisfeito por resolver tal assunto bem cedo para poderocupar-se o resto do dia de outros deveres mais essenciais. Soa a hora; nossos dois amigoschegam casa de sua encantadora alcoviteira; um boudoir, onde reina apenas uma luz tnue eluxuriosa, guarda a deusa, lugar onde Desportes vai oferecer em sacrifcio.

    - Felizardo filho do amor, - diz-lhe Sernenval, empurrando-o para o santurio - voa paraos braos voluptuosos que a ti se estendem, e s depois me vem falar de teus prazeres;regozijar-me-ei por tua felicidade, e minha alegria ser ainda mais pura porque no sereiabsolutamente invejoso.

    Nossa catecmena aparece; trs horas inteiras mal bastam sua homenagem; ele retorna,enfim, para assegurar a seu amigo que em sua vida nada viu de semelhante, e que a prpriame dos amores no lhe teria proporcionado tantos prazeres.

    - Ela , portanto, deliciosa - diz Sernenval, meio inflamado.- Deliciosa? Ah, no encontraria expresso que te pudesse reproduzir o que ela , emesmo agora que a viso deve esvanecer-se, sinto que no h pincel capaz de pintar astorrentes das delcias que me inundaram. Ela acrescenta s graas que recebeu da naturezaessa arte to sensual que lhes confere validade; conhece um certo tempero, possui no gozoto real ardor que ainda me encontro inebriado... Oh! meu amigo, experimenta, rogo-te, pormais habituado que estejas s belezas de Paris, estou bem seguro de que me confessars quenunca alguma outra valeu, a teus olhos, o preo desta aqui.

    Sernenval, sempre firme, contudo emocionado por certa curiosidade, pede a S. J. paraque faa passar essa moa diante dele, no momento em que sair do aposento... Ela consente,os dois amigos mantm-se de p para a poder observar mais, e a princesa passa com altivez...

    - Pelos cus, - Sernenval transtorna-se quando reconhece sua mulher - ela... essapudica que, no ousando descer dos seus aposentos por pudor diante de um amigo de seuesposo, tem a impudncia de vir se prostituir em tal casa.

    - Miservel! exclama, furioso...Mas em vo que tenta se lanar sobre essa prfida criatura; ela o reconhecera bem no

    momento em que foi vista, e j ia longe da casa. Sernenval, num estado difcil de expressar,quer incriminar S. J.; esta se desculpa por sua ignorncia, ela assegura Sernenval que h maisde dez anos, isto , bem anteriormente ao casamento desse infortunado, essa jovem criatura

    participa de encontros em sua casa.- A celerada!, - exclama o infeliz esposo, a quem o amigo tenta, em vo, consolar... - mas

    no, que isso termine! o desprezo tudo que lhe devo; que ela seja para sempre alvo do meu,e que eu tenha aprendido a lio, por meio dessa cruel prova, que nunca segundo a mscarahipcrita das mulheres que se as deve tentar julgar.

    Sernenval retornou a sua casa; porm, no mais encontrou sua prostituta: ela j tomaraseu rumo, e ele no se incomodou; seu amigo, no mais podendo suportar sua presenadepois do acontecido, despediu-se dele no dia seguinte, e o infortunado Sernenval, isolado,com vergonha e cheio de dor, escreveu um in-quarto contra as esposas hipcritas, o qual nocorrigiu em absoluto as mulheres, e que os homens jamais leram.

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    H lugar para dois

    Uma belssima burguesa da rua Saint-Honor, de aproximadamente vinte e dois anos,gorduchinha e rolia, carnes as mais viosas e apetitosas, todas as formas modelares aindaque um pouco cheias, e que acrescentava a to fartos encantos presena de esprito,vivacidade, e gosto o mais aguado por todos os prazeres que lhe proibiam as rigorosas leisdo himeneu, decidira, havia quase um ano, arranjar dois ajudantes para seu marido que, sendovelho e feio, a ela no somente desagradava muito, como tambm cumpria mal, se noraramente, os deveres que, talvez, com um pouco mais de desempenho, poderiam acalmar a

    exigente Dolmne - assim se chamava nossa bela burguesa. Nada mais bem combinado doque os encontros marcados com esses dois amantes: Des-Roues, jovem militar, ficava

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    normalmente das quatro s cinco horas da tarde e das cinco e meia s sete chegavaDolbreuse, jovem negociante com o rosto mais bonito que se pode ver. Era impossvel fixaroutros momentos; eram os nicos em que a sra. Dolmne estava tranqila: de manh, era

    preciso estar na loja e, tarde, tambm tinha de aparecer por l algumas vezes, ou ento omarido voltava, e deviam falar de seus negcios. Por sinal, a sra. Dolmne haviaconfidenciado a uma de suas amigas que ela gostava muito que os momentos de prazer sesucedessem assim muito prximos um do outro: a chama da imaginao no se apagava, elaassegurava; desse modo, nada mais temo do que passar de um prazer a outro; no era difcilretomar a ao, pois a sra. Dolmne era uma criatura encantadora que calculava ao mximotodas as sensaes do amor; pouqussimas mulheres conheciam-nas como ela prpria e, emvirtude dos seus talentos, reconhecera que, depois de muito meditar, dois amantes valiammuito mais do que um; com respeito reputao, era quase a mesma coisa, um encobria ooutro; poderiam se equivocar, poderia ser sempre o mesmo a entrar e sair vrias vezesdurante o dia, e com relao ao prazer, que diferena! A sra. Dolmne, que temia em

    particular a gravidez, bem segura de que seu marido jamais com ela cometeria a loucura delhe arruinar a cintura, havia igualmente imaginado que, com dois amantes, havia muitomenos risco, quanto ao que temia, do que com um, porque, dizia ela, na condio,deexcelente anatomista, dois frutos se destruam mutuamente.

    Certo dia a ordem fixada nos encontros veio a se alterar, e nossos dois amantes, quenunca se tinham visto, conheceram-se de maneira engraada, conforme mostraremos. Des-Roues foi o primeiro, mas chegara muito tarde, e como se o diabo tivesse se intrometido,Dolbreuse, que era o segundo, chegou um pouco mais cedo.

    O leitor inteligente percebe de imediato que, da combinao desses dois pequenos erros,deveria acontecer, infelizmente, um encontro infalvel: e assim sucedeu. Porm,mencionaremos como isso se deu e, se possvel, ocupemo-nos desse assunto com todadecncia e moderao que tal assunto j por si muito licencioso, exige.

    Por obra de um capricho bastante bizarro - mas to comum entre os homens - nossojovem militar, cansado do papel de amante, quis, por uns momentos, representar o da amante;em lugar de ser amorosamente abraado por sua divindade, quis, por sua vez, abra-la: em

    resumo, o que est embaixo, coloca-o em cima, e, por essa inverso de posio, inclinadasobre o altar onde normalmente se oferecia o sacrifcio, era sra. Dolmne que, nua como aVnus calipgia, e encontrando-se estendida sobre seu amante, apresentava, diante da portado quarto onde se celebravam os mistrios, o que os gregos adoravam com devoo naesttua que acabamos de mencionar, essa parte mui bela que, em suma - sem sair procura deexemplos to remotos - encontra tantos adoradores em Paris. Tal era a atitude quandoDolbreuse, acostumado a entrar sem dificuldade, chega cantarolando, e v por um ngulo oque uma mulher verdadeiramente honesta no deve, segundo dizem, jamais mostrar.

    O que teria causado grande prazer a muitas pessoas fez com que Dolbreuse recuasse.- O que vejo? - exclamou - ... traidora... isso que me reservas?

    A sra. Dolmne que, naquele momento, se encontrava numa dessas crises em que umamulher age infinitamente melhor do que raciocina, resolve mostrar-se audaciosa:- Que diabo tens tu, - diz ela ao segundo Adnis - sem deixar de se entregar ao outro -

    no vejo nisso nada que te cause muito pesar; no nos perturbes, meu amigo, e contenta-tecom o que te resta; como bem podes notar, h lugar para dois.

    Dolbreuse, no conseguindo deixar de rir-se do sangue-frio de sua amante, pensou que omais simples era seguir o conselho dela, no se fez de rogado, e dizem que os trs lucraramcom isso.

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    Enganai-me sempre assim

    No mundo h poucos seres to libertinos quanto o cardeal de.... do qual, considerando-se queainda seja homem saudvel e vigoroso, permiti-me guardar o nome em segredo. Sua eminncia temum acordo feito em Roma com uma dessas mulheres cuja profisso oficiosa fornecer aos devassosobjetos necessrios ao alimento de suas paixes; todas as manhs ela leva at ele uma jovem de nomximo treze a catorze anos, a qual monsenhor s usufrui da maneira inconveniente com que ositalianos no raro se deliciam, de modo que a vestal, saindo das mos de Sua Grandeza to virgemquanto antes, possa, uma segunda vez, ser vendida como nova a algum libertino mais decente. Amatrona, totalmente a par das mximas do cardeal, no encontrando, certo dia, a seu alcance, o objeto

    cotidiano o qual era obrigao sua fornecer, imaginou travestir como uma menina um belssimomenino do coro da igreja do chefe dos apstolos; colocaram-lhe uma peruca, uma touca, saiotes, etodo o aparato falso que se devia impor ao santo homem de Deus. Todavia, no se lhe pde

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    conferir o que realmente ter-lhe-ia assegurado semelhana total com o sexo que ele imitava;mas essa circunstncia muito pouco embaraava a alcoviteira... - Ele no ps as mos lnestes dias, - dizia quela dentre suas companheiras que a ajudava na trapaa ele s visitar,com toda a certeza, o que assemelha essa criana a todas as meninas do universo; assim, nadadevemos temer...

    A mezinha se equivocara; decerto ignorava que um cardeal italiano era homem de tatomuito delicado, e gosto apurado o bastante para se enganar em semelhantes coisas; chega avtima, o grande padre a imola, mas ao estremecer pela terceira vez:

    - Per Dio santo, - exclama o homem de Deus - sono ingannato, questo bambino ragazzo, mai nonfu putana!

    E ele verifica... Contudo, nada acontecendo de muito embaraoso para um habitante dasanta cidade nesse lance aventuroso, sua eminncia prossegue, dizendo, talvez, como essecampons a quem se serviu trufas como batatas: Enganai-me sempre assim. Mas quando aoperao terminou:

    - Senhora, - diz ele aia - no vos censuro por vossa confuso.- Monsenhor, desculpai-me.- Como vos disse, no vos censuro, mas quando isso acontecer-vos de novo, no deixai

    de advertir-me, porque... o que eu no vir no primeiro momento, verei neste aqui.

    O esposo complacente

    Toda a Frana sabia que o prncipe de Bauffremont tinha mais ou menos as mesmas prefernciasdo cardeal de quem acabo de falar. Haviam dado a ele em matrimnio uma mocinha assazinexperiente, e que, segundo era costume, s foi instruda s vsperas.

    - Sem mais explicaes, - diz a me - pois que a decncia me impede de ocupar-me de certospormenores, tenho uma nica coisa a recomendar-vos, minha filha; desconfiai das primeiras propostasque vosso marido vos fizer, e dizei-lhe, veemente: No, senhor, no por a que se aborda umamulher honesta; em qualquer outro lugar que vos agrade, mas, certamente, a no...

    Vo ao leito e, por uma norma do decoro e da honestidade sem margem para dvida, o prncipe,

    querendo fazer as coisas conforme com os costumes, ao menos pela primeira vez, oferece suamulher apenas os castos prazeres do himeneu: mas a jovem bem educada, lembrando de sualio:

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    - Por quem me tomais, senhor? - diz-lhe - pensais que eu consentiria essas coisas? Emqualquer lugar que vos agrade, mas, certamente, a no...

    - Mas senhora...- No, senhor, intil insistirdes, nunca me fareis mudar de opinio.- Pois bem, senhora, devo contentar-vos, - diz o prncipe apropriando-se de seus altares

    preferidos - eu ficaria bem zangado se dissessem que alguma vez eu quis vos desagradar.E venham nos dizer agora que no necessrio instruir as moas quanto s obrigaes

    delas, um dia, para com seus maridos!

    O talio

    Um bom burgus da picardia, talvez descendente de um desses ilustres trovadores dasmargens do Oise ou do Somme, e cuja vida entorpecida, acabara de ser retirada s trevashavia dez ou doze anos por um grande escritor do sculo; um bom e honesto burgus, eudizia, habitava a cidade de Saint-Quentin, to clebre pelos grandes homens que deu literatura, e o fazia honradamente, ele, a mulher e uma prima em terceiro grau, religiosa emum convento dessa cidade. A prima em terceiro grau era uma moreninha de olhos vivos,rosto bonito e olhar leviano, nariz arrebitado e cintura esbelta; estava ela aflita aos vinte edois anos e religiosa havia quatro; irm Petronille era seu nome; tinha, alm disso, bela voz, emuito mais temperamento que religio. Quanto ao sr. Esclaponville - assim se chamavanosso burgus - era ele um gorducho bom e alegre, de mais ou menos vinte e oito anos,

    amando mormente a prima mas nem tanto a sra. Esclaponville, pois que j fazia dez anos quecom ela dormia e um hbito de dez anos bem prejudicial ao fogo do himeneu. A sra.Esclaponville - pois preciso pintar, por quem passaramos se no pintssemos num sculo

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    em que s se precisa de quadros, em que nem mesmo uma tragdia seria aceita se osnegociantes de telas no encontrassem nela ao menos seis temas retratados - a sra.Esclaponville, eu dizia, era uma loura algo inspida, porm branqussima, com bonitos olhos,

    bem gordinha, e com essas grandes bochechas comumente denominadas no mundo de bomgozo.

    At o presente momento, a sra. Esclaponville ignorava que existisse um modo de sevingar de um esposo infiel; casta como sua me, que vivera oitenta e trs anos com o mesmohomem sem o trair, ainda era bastante ingnua, muito cheia de candura para sequer suspeitardesse crime horrendo que os casustas denominaram adultrio, e que os hedonistas que tudoedulcoram, chamaram simplesmente galanteria; mas uma mulher enganada logo recebe deseu ressentimento conselhos de vingana, e como ningum gosta de ser ludibriado, nada hque no faa, to logo seja possvel, para no ser motivo de censura. A sra. Esclaponville

    percebeu, enfim, que seu caro esposo visitava muito amide a prima em terceiro grau: odemnio do cime apodera-se de sua alma, ela espreita, informa-se e acaba por descobrir e

    poucas coisas podem ser constatadas em Saint-Quentin como o romance de seu esposo com airm Petronille. Segura de seu ato, a sra. Esclaponville declara enfim a seu marido que aconduta que ele segue trespassa-lhe a alma, que, por seu prprio comportamento, no mereciatais atitudes, e suplica-lhe que abandone seus erros.

    - Meus erros - responde fleumtico o esposo ignoras, portanto, que me salvo, minha caraamiga, ao dormir com minha prima religiosa? - Purifica-se a alma em to santo romance;trata-se de uma identificao com o Ser supremo; incorporar em si o Esprito Santo: no hnenhum pecado, minha cara, quando esto envolvidas pessoas consagradas a Deus; elasdepuram tudo o que se faz com elas e visit-las, em suma, abrir caminho beatitude celeste.

    A Sra. Esclaponville, bem descontente com o insucesso da repreenso, no diz palavra,mas em seu ntimo jura encontrar recursos para tornar sua eloqncia mais persuasiva... nissotudo, diabo que as mulheres tm um meio sempre disposio: por menos bonitas, bastaque se manifestem para que acorram vingadores de toda parte.

    Havia na cidade certo vigrio de parquia denominado abade du Bosquet, grandefolgazo de uns trinta anos, cortejando todas as mulheres e fazendo da testa de todos os

    esposos de Saint-Quentin, verdadeira floresta. A sra. Esclaponville fez contato com ovigrio; insensivelmente, o vigrio tambm fez contato com a sra. Esclaponville, e os doisacabaram por se conhecer enfim de modo to completo que teriam podido pintar-semutuamente dos ps cabea sem que fosse possvel se equivocarem quanto ao corpo. Aocabo de um ms, todos vieram felicitar o pobre Esclaponville, que se gabava de ser o nico aescapar aos temveis galanteios do vigrio, e de que, em Saint-Quentin, era ele a nica fronteque esse patife ainda no maculara.

    - Isso no pode ser - diz Esclaponville aos que lhe falavam -, minha mulher casta comouma Lucrcia; poderiam me dizer cem vezes, que eu no acreditaria.

    - Vem, pois - diz-lhe um de seus amigos -, vem que eu te conveno por meio de teus

    prprios olhos, e veremos em seguida se duvidars.Esclaponville deixa-se levar, e seu amigo o conduz a meia lgua da cidade, num localsolitrio onde o Somme, estreitado nas margens entre duas sebes frescas e cobertas de flores,oferece agradvel banho aos habitantes da cidade; porm, como o encontro houvesse sidomarcado numa hora em que normalmente as pessoas no se banham, nosso pobre marido tema tristeza de ver chegar, um aps o outro, sua honesta mulher e seu rival, sem que ningum os

    possa interromper.- Pois bem - diz o amigo a Esclaponville sentes coceira na testa?- Ainda no - diz o burgus, esfregando-a contudo, possvel que, involuntariamente, ela

    venha at aqui para se confessar.- Permaneamos, pois, at o desfecho, - diz o amigo...

    No demorou muito: mal havia chegado deliciosa sombra da sebe olente, o abade duBosquet desabotoa tudo o que impede as apalpadelas voluptuosas com que sonha, e pe-se no

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    dever de trabalhar santamente para reunir, possvel que pela trigsima vez, o bom e honestoEsclaponville aos outros esposos da cidade.

    - Pois bem, acreditas agora? - Diz o amigo.- Retornemos - diz asperamente Esclaponville tendo sido obrigado a acreditar, eu bem

    poderia matar esse maldito padre, e acabariam fazendo com que eu pagasse mais do que elevale; retomemos, meu amigo, e guarda segredo, eu te peo.

    Esclaponville torna a casa todo confuso, e, pouco depois, sua benigna esposa vem seapresentar para jantar ao lado de to casta pessoa.

    - Um momento, queridinha - diz o burgus furioso - desde minha infncia jurei a meu painunca jantar com putas.

    - Com putas - responde complacentemente a sra. Esclaponville -, meu amigo, essecomentrio me surpreende; que motivo tens para tal censura?

    - Como, sem-vergonha, que motivo tenho para te censurar? Que foste fazer esta tarde nobanho com o nosso vigrio?

    - Oh, meu Deus - responde a doce mulher -, apenas isso, meu filho? apenas isso quetens a me dizer?

    - Como, por Deus, apenas isso...- Mas, meu amigo, eu segui teus conselhos; no me dissestes que nada se arrisca quando

    se dorme com pessoas da Igreja? Que depuramos nossa alma em to santo romance? Que talato equivalia a identificar-se ao Ser supremo, fazer entrar o Esprito Santo em si, e abrircaminho, em resumo, beatitude celeste... pois bem, meu filho, s fiz o que me disseste; sou,

    portanto, uma santa, no uma meretriz! Ah! Respondo-te que se a alguma dessas boas almasde Deus dado um meio de abrir caminho, como disseste, beatitude celeste, esse meio certamente o sr. vigrio, pois nunca vi uma chave to grande!

    O professor filsofo

    De todas as cincias que se inculca na cabea de uma criana quando se trabalha em sua

    educao, os mistrios do cristianismo, ainda que uma das mais sublimes matrias dessaeducao, sem dvida no so, entretanto, aquelas que se introjetam com mais facilidade noseu jovem esprito. Persuadir, por exemplo, um jovem de catorze ou quinze anos de queDeus pai e Deus filho so apenas um, de que o filho consubstancial com respeito ao pai eque o pai o com respeito ao filho, etc, tudo isso, por mais necessrio felicidade da vida, ,contudo, mais difcil de fazer entender do que a lgebra, e quando queremos obter xito,somos obrigados a empregar certos procedimentos fsicos, certas explicaes concretas que,

    por mais que desproporcionais, facultam, todavia, a um jovem, compreenso do objetomisterioso.

    Ningum estava mais profundamente afeito a esse mtodo do que o abade Du Parquet,

    preceptor do jovem conde de Nerceuil, de mais ou menos quinze anos e com o mais belorosto que possvel ver.

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    - Senhor abade, - dizia diariamente o pequeno conde a seu professor - na verdade, aconsubstanciao algo que est alm das minhas foras; -me absolutamente impossvelcompreender que duas pessoas possam formar uma s: explicai-me esse mistrio, rogo-vos,ou pelo menos colocai-o a meu alcance.

    O honesto abade, orgulhoso de obter xito em sua educao, contente de poderproporcionar ao aluno tudo o que poderia fazer dele, um dia, uma pessoa de bem, imaginouum meio bastante agradvel de dirimir as dificuldades que embaraavam o conde, e essemeio, tomado natureza, devia necessariamente surtir efeito. Mandou que buscassem em suacasa uma jovem de treze a catorze anos, e, tendo instrudo bem a mimosa, fez com que seunisse a seu jovem aluno.

    - Pois bem, - disse-lhe o abade - agora, meu amigo, concebas o mistrio daconsubstanciao: compreendes com menos dificuldade que possvel que duas pessoasconstituam uma s?

    - Oh! meu Deus, sim, senhor abade, - diz o encantador energmeno - agora compreendotudo com uma facilidade surpreendente; no me admira esse mistrio constituir, segundo sediz, toda a alegria das pessoas celestiais, pois bem agradvel quando se dois a divertir-seem fazer um s.

    Dias depois, o pequeno conde pediu ao professor que lhe desse outra aula, porque,

    conforme afirmava, algo havia ainda no mistrio que ele no compreendia muito bem, eque s poderia ser explicado celebrando-o uma vez mais, assim como j o fizera. Ocomplacente abade, a quem tal cena diverte tanto quanto a seu aluno, manda trazer de volta a

    jovem, e a lio recomea, mas desta vez, o abade particularmente emocionado com adeliciosa viso que lhe apresentava o belo pequeno de Nerceuil consubstanciando-se com suacompanheira, no pde evitar colocar-se como o terceiro na explicao da parbolaevanglica, e as belezas por que suas mos haviam de deslizar para tanto acabaraminflamando-o totalmente.

    - Parece-me que vai demasiado rpido, - diz Du Parquet, agarrando os quadris do pequeno conde muita elasticidade nos movimentos, de onde resulta que a conjuno, nosendo mais to ntima, apresenta bem menos a imagem do mistrio que se procura aqui

    demonstrar... Se fixssemos, sim... dessa maneira, diz o velhaco, devolvendo a seu aluno oque este empresta jovem.

    - Ah! Oh! meu Deus, o senhor me faz mal - diz o jovem - mas essa cerimnia parece-meintil; o que ela me acrescenta com relao ao mistrio?

    - Por Deus! - diz o abade, balbuciando de prazer - no vs, caro amigo, que te ensinotudo ao mesmo tempo? a trindade, meu filho... a trindade que hoje te explico; mais cincoou seis lies iguais a esta e sers doutor na Sorbornne.

    O corno de si prprio,ou a reconciliao imprevista

    Um dos maiores defeitos das pessoas mal-educadas expor uma poro de indiscries,maledicncias ou calnias sobre tudo o que respira, e isso diante das pessoas que noconhecem; no se poderia imaginar a quantidade de casos que se tornaram o fruto desemelhantes falatrios: qual o homem honesto, com efeito, que ouvir falar mal do que ointeressa sem dar reparo aos malefcios a que o expe? No se faz com que esse princpio desbia moderao penetre o bastante a educao dos jovens, no se lhes ensina o suficiente a

    conhecer o mundo, os nomes, as qualidades, as atinncias das pessoas com as quais -lhesdado conviver; coloca-se, no lugar desse princpio, mil asneiras que s servem para aconspurcao, no exato momento em que se alcana a idade da razo. Sempre faz lembrar

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    capuchinhos ensinando, a todo instante, beatices, hipocrisias ou inutilidades, e nunca umaboa mximade moral. Ide mais longe, interrogar um jovem sobre seus verdadeiros deverespara com a sociedade, perguntai-lhe o que deve a si mesmo e aos outros, de que modo preciso conduzir-se a fim de ser feliz: ele vos responder que se lhe ensinou a ir missa erezar litanias, mas que nada compreende do que quereis dizer-lhe; que se lhe ensinou adanar, a cantar, mas no a viver entre os homens. O caso que se tomou a conseqncia doinconveniente que descrevemos no foi srio a ponto de causar derramamento de sangue,disso no resultando seno um gracejo; e para esmiu-la que iremos abusar alguns minutosda pacincia de nossos leitores.

    O sr. Raneville, de cinqenta anos aproximadamente, tinha um desses temperamentosfleumticos que no deixam de exercer, em absoluto, certo encanto no mundo: rindo pouco,mas fazendo os outros rirem muito; pelas tiradas de seu esprito mordaz e pela maneirafrvola com que as proferia, amide encontrava, unicamente por seu silncio, ou pelasexpresses burlescas de sua fisionomia taciturna, o segredo de divertir mil vezes mais oscrculos em que era admitido do que esses tagarelas maadores sem vivacidade, montonos,tendo sempre um conto a vos narrar do qual riem uma hora antes, sem ser bastante felizes

    para alegrar sequer um minuto quantos o escutam. Tinha ele um importante emprego nodepartamento do fisco, e, para se consolar de um pssimo casamento outrora contrado em

    Orlans, aps ter por l deixado sua mulher desonesta, em Paris despendia sem preocupaovinte ou vinte e cinco mil libras de renda com uma mulher belssima a quem sustentava, ecom alguns amigos to amveis quanto ele.

    A amante do sr. Raneville no era propriamente uma moa, mas uma mulher casada e, por conseqncia, mais ardente, pois, mesmo que se queira negar, essa pitada de sal doadultrio acrescenta com freqncia grande sabor a um gozo; era ela muito bonita, com seustrinta anos, e tinha o mais belo corpo que possvel achar; separada do marido, medocre edesagradvel, viera da provncia em busca de fortuna em Paris, e no demorara muito para aencontrar. Raneville, naturalmente libertino, espreita de todo bom pedao, no deixaraescapar este e, havia trs anos, por mui honesto tratamento, fineza e dinheiro, fazia com queessa jovem esquecesse todas as decepes que outrora aprouve ao himeneu disseminar em

    seu caminho. Ambos, tendo aproximadamente o mesmo destino, consolavam-se de maneiramtua, e se certificavam dessa grande verdade que, entretanto, no corrige ningum, segundoa qual s h tantos casamentos maus e, em conseqncia, tanta infelicidade no mundo,

    porque pais avaros ou imbecis unem mais as fortunas do que os temperamentos: pois - diziaamide Raneville sua amante -, bem certo que se o acaso nos tivesse unido, em vez de nosdar, a vs, um marido tirano e ridculo, e a mim, uma mulher prostituta, as rosas teriamnascido aos nossos ps em vez dos espinhos que por tanto tempo colhemos.

    Um acontecimento corriqueiro, do qual bastante desnecessrio falar, levou certo dia osr. Raneville a essa aldeia lamacenta e insalubre denominada Versalhes, onde reis feitos paraserem adorados em sua capital parecem fugir presena de sditos que os procuram, onde a

    ambio, a avareza, a vingana, e o orgulho levam diariamente uma multido de infelizes nasasas do tormento a sacrificar ao dolo do momento, onde a elite da nobreza da Frana, que poderia desempenhar um papel importante em suas terras, consente vir se humilhar emantecmaras, adular de modo vil porteiros, ou mendigar humildemente uma refeio pior doque a sua para alguns desses indivduos que a sorte arranca, por uns momentos, s nuvens doesquecimento, a fim de os recolocar l pouco depois.

    Tendo resolvido seus negcios, o sr. Raneville monta num desses coches da cortedenominados penicos, e, l se encontra fortuitamente em companhia de um certo Dutour,muito tagarela, bem gordo e pesado, grande trocista, tambm empregado no departamento dofisco, s que em Orlans, sua terra, a qual, conforme disse h pouco, igualmente a do sr.Raneville. Trava-se a conversa, Raneville sempre lacnico e sem jamais se revelar, j sabe o

    nome, o sobrenome, a cidade e a ocupao do seu companheiro de estrada, antes de dizersequer uma palavra. Tendo informado esses detalhes, o sr. Dutour adentra um pouco maisnaqueles da sociedade.

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    - Vs estivestes em Orlans, senhor - diz Dutour -, segundo me parece, acabais deafirmar isso.

    - Em tempos passados, l residi alguns meses.- E conhecestes, dizei-me, certa sra. Raneville, uma das maiores p. do mundo que j

    moraram em Orlans?- Sra. Raneville, uma mulher bastante bonita.- Exato.- Sim, eu a conheci em certa ocasio.Pois bem, eu vos direi confidencialmente que a possu, por trs dias, como se faz com

    uma p. Com toda certeza, se h um marido cornudo, pode-se dizer que ele esse pobreRaneville.

    - E o conheceis?- No, s de nome; trata-se de pessoa m, que se arruna em Paris, segundo dizem, com

    moas e devassos como ele.- Nada vos direi sobre ele; no o conheo, mas compadeo-me dos maridos cornos; no o

    sois, por acaso, senhor?- A qual dos dois vos referis, ao marido ou ao corno?- A um e outro; essas coisas esto de tal forma ligadas hoje em dia que na verdade

    muito difcil diferenci-las.- Sou casado, senhor; tive a infelicidade de desposar uma mulher que comigo no sesatisfez; e como seu temperamento me conviesse muito pouco, ns nos separamosamigavelmente, ela preferiu vir para Paris partilhar da solido de uma de suas parentas,religiosa do convento de Sainte-Aure, e reside nessa casa, de onde me envia notcias suas devez em quando, porm de maneira nenhuma a vejo.

    - Ela devota?- No; mas talvez eu tivesse preferido isso.- Ah! eu vos compreendo. E vs no tivestes sequer a curiosidade de vos informar sobre

    sua sade, nesta vossa estada a que ora vos obrigam vossos negcios em Paris?- Em verdade, no, no gosto dos conventos: amigo dos prazeres, da alegria, criado para

    os entretenimentos, festejado nos crculos sociais, no ouso em absoluto ir me arriscar numlocutrio h pelo menos seis meses de vapores.*

    - Mas uma mulher...- ... um indivduo que pode interessar quando dela nos servimos, mas da qual devemos

    saber nos separar quando srias razes dela nos afastam.- H severidade no que dizeis.- Absolutamente... sabedoria... o tom do presente, a linguagem da razo; devemos

    adot-la, ou passar por idiotas.- Isso supe algum desvio em vossa mulher; explicai-me isso: desvio de natureza, de

    complacncia ou de conduta.

    - Um pouco de tudo... um pouco de tudo, senhor, mas deixemos isso, rogo-vos, eretornemos a essa cara sra. Raneville: por Deus, no compreendo que, tendo estado emOrlans, vs no tenhais vos divertido com essa criatura... pois todos a possuram.

    - Todos, no, pois bem vedes que eu no a possu: no gosto de mulheres casadas.- E sem querer ser por demais curioso: com quem passais vosso tempo, senhor, eu vos

    pergunto?- Primeiramente com meus negcios, e, em seguida, com uma criatura bastante bonita,

    com quem janto de vez em quando.- No sois casado, senhor?- Sou.- E vossa mulher?

    *Na medicina antiga (sculos XVII e XVIII), suposto mal-estar provocado por emanaes de corpos de pessoas em determinado estado deesprito

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    - Ela se encontra na provncia, e deixo-a l, assim como deixais a vossa em Sainte-Aure.- Casado, senhor, casado, e sereis da confraria? Por favor, respondei-me.- No vos disse que esposo e corno so sinnimos? A depravao dos costumes, o

    luxo... tantas coisas que fazem uma mulher decair.- Oh! bem verdade, senhor, bem verdade.- Respondeis como homem sbio.- No, absolutamente; se bem que, senhor, uma belssima pessoa vos consola ausncia

    da esposa abandonada.- Sim, na verdade, uma belssima pessoa; quero que a conheceis.- Senhor, eu ficaria muito honrado.- Oh! nada de cerimnias, senhor; eis-nos ao nosso destino; deixo-vos livre esta noite,

    por causa de vossos negcios, mas amanh sem falta espero-vos para jantar no endereo quevos entrego.

    E Raneville tem o cuidado de dar um endereo falso, no qual pronto adverte, a fim deque os que vierem perguntar por ele chamando-o por este nome o possam encontrar comfacilidade.

    No dia seguinte, o sr. Dutour por razo nenhuma falta ao encontro, e, tendo sido tomadasas precaues, de modo a fazer com que, com um nome fictcio, a ele fosse dado encontrar

    Raneville na residncia, ele entra sem dificuldade. Aos primeiros cumprimentos, Dutourparece inquieto por no vislumbrar ainda a divindade que espera ver.- Homem impaciente - diz-lhe Raneville daqui vejo o que procuram vossos olhos...

    prometi-vos uma bela mulher; j desejareis voltear em sua presena; acostumado a desonrara fronte dos maridos de Orlans, desejareis, estou bem certo disso, tratar da mesma forma osamantes de Paris: aposto como estareis bem contente de me colocardes na mesma condiodesse infeliz Raneville, de quem ontem me falastes de modo to divertido.

    Dutour responde como homem galante, como pretensioso e, conseqentemente, comotolo, a conversao se torna divertida por uns instantes e Raneville, tomando o amigo pelamo:

    - Vinde - diz-lhe -, homem cruel! Vinde ao prprio templo onde a divindade vos espera.

    Dizendo isso, ele faz com que Dutour entre num gabinete luxurioso, onde a amante deRaneville, preparada para o gracejo e, tendo a palavra, encontravase no mais elegantedshabill, sobre uma otomana de veludo, porm velada: nada ocultava a elegncia e aexuberncia de seu porte, apenas era impossvel ver-lhe o rosto.

    - Eis uma pessoa belssima - exclama Dutour mas por que me privar do prazer deadmirar suas feies, estamos aqui, portanto, no harm do grande Senhor?

    - No, no preciso comentrios; trata-se de pudor.- Como, de pudor?- Seguramente; acreditais que eu queira me limitar a vos mostrar somente o porte ou o

    dshabillde minha amante; meu triunfo seria completo se, ao retirar todos esses vus, eu

    vos convencesse do quanto devo estar feliz pela posse de to fartos encantos. Como essajovem fosse singularmente modesta, enrubesceria com tais detalhes; ela bem quis concordarcom isso, mas sob a clusula expressa de estar coberta. Sabeis o que o pudor e asdelicadezas das mulheres, sr. Dutour; no a um homem elegante com trajes da moda comovs que se prescreveria acerca de tais coisas!

    - Como, por Deus, ireis me mostrar?- Tudo, j vos disse; ningum tem menos cime do que eu; a felicidade que se

    experimenta sozinho me parece inspida; s encontro satisfao junto outra pessoa comquem compartilho.

    E para constatar suas mximas, Raneville comea por retirar um leno de gaze querevela nesse instante o mais belo pescoo que possvel deslumbrar... Dutour se inflama.

    - E ento - diz Raneville -, o que achais disso?- So os atributos da prpria Vnus.

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    - Acreditai: seios to alvos e firmes so feitos para incendiar... tocai-os, meu camarada!os olhos algumas vezes nos enganam; minha opinio a de que, em matria de volpia,

    preciso valer-se de todos os sentidos.Dutour estende a mo trmula, apalpa, com xtase, o mais belo seio do mundo, e no

    deixa de se surpreender com a incrvel complacncia de seu amigo.- Vamos, mais para baixo! - diz Raneville, levantando at o ventre uma saia leve de

    tafet, sem que nada se oponha a essa incurso - pois bem! o que dizeis . dessas coxas?Acreditais que o templo do amor possa ser sustentado por colunas mais belas do que essas?

    E o caro Dutour, continuando a apalpar tudo o que Raneville lhe exibia:- Patife! adivinho vossos pensamentos - continua o complacente amigo -, esse delicado

    templo, que as prprias Graas cobriram de um musgo suave... ardeis com desejos deentreabri-lo, no verdade? O que digo; com vontade de l colher um beijo, isso sim.

    E Dutour transtornado... balbuciando... no respondia mais seno pela violncia dassensaes das quais seus olhos eram os instrumentos; encorajam-no... seus dedos libertinosacariciam os prticos do templo que a prpria volpia descerra a seus desejos: esse beijodivino permitido, ele o d, e por uma hora o saboreia.

    - Amigo - diz ele -, no agento mais! expulsai-me de vossa casa, ou permiti que eu sigaem frente.

    - Como? Em frente? E para que diabo de lugar desejas ir, respondei-me?- Pobre de mim; vs no me compreendeis de modo algum; estou inebriado de amor, noposso mais me conter.

    - E se essa mulher feia?- impossvel s-lo com encantos to divinos.- Se ela ...- Que ela seja tudo o que quiser, eu vos digo, meu caro; no posso mais resistir a isso.- Segui em frente, portanto, terrvel amigo, segu; satisfazei-vos, pois que preciso:

    sereis pelo menos grato por minha complacncia?- Ah! Terei a maior gratido, sem dvida. E Dutour com a mo afastava delicadamente

    o amigo, como que para deix-lo a ss com essa mulher.

    - Oh! para deixar-vos, no, no posso - diz Raneville -, mas sois, assim, to escrupulosoque no podeis vos contentar com minha presena? Entre homens no se age absolutamentedesse modo: de resto, so minhas condies; ou diante de mim, ou nada.

    - Fosse diante do diabo - diz Dutour, no se contendo mais e precipitando-se ao santurioonde seu incenso vai se queimar -, se assim quereis, concordo com tudo...

    - Pois bem - dizia de modo fleumtico Raneville - as aparncias vos enganaram, e asdelcias prometidas por to diversos encantos so ilusrias ou reais... Ah! nunca, nunca vialgo de to voluptuoso.

    - Mas esse maldito vu, amigo, esse vu prfido: no me ser permitido retir-lo?- Sim... no ltimo momento, naquele momento to deleitvel, em que todos os nossos

    sentidos, seduzidos pela embriaguez dos deuses, ela sabe nos tomar to afortunados quantoeles prprios, e amide bem superiores. Essa surpresa dobrar vosso xtase: ao encanto deusufruir a prpria Vnus, vs acrescentareis as inexprimveis delcias de contemplar asfeies de Flore, e tudo isso se unindo a fim de aumentar vossa felicidade; mergulhareis com

    bem mais facilidade nesse oceano de prazeres, onde o homem encontra com tanta satisfao oconsolo de sua existncia... Vs me fareis um sinal...

    - Oh! como podeis ver - diz Dutour -, sinto-me arrebatado neste momento.- Sim, estou vendo; sois fogoso.- Mas fogoso a um ponto... meu amigo! atinjo este instante celeste! arrancai, arrancai

    esses vus, que eu contemple o prprio firmamento.- Ei-lo - diz Raneville fazendo desaparecer o vu -, mas cuidado para no encontrardes

    talvez, um Pouco perto desse paraso o inferno!- Oh! pelos cus - exclama Dutour, ao reconhe cer sua mulher - ... O qu? Sois vs,senhora?... senhor, que estranho gracejo! vs merecereis... essa celerada...

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    depravao? Aos olhos de todo ser verdadeiramente sbio, parecer que ela capaz deexercer influncia sobre maiores depravaes, mas nunca me convencero de que ela podeacarretar depravaes perigosas... Pelos cus! receia-se que os caprichos dessas pessoas, deum ou de outro sexo, sejam acausa do fim do mundo; que ponham em risco a valiosa espciehumana, e que seu pretenso crime a aniquile, por no se entregarem sua multiplicao?Refleti bem sobre isso, e vereis que todas essas perdas quimricas so inteiramenteindiferentes natureza; que no apenas ela no as condena em absoluto, mas tambm prova ans, de mil maneiras, que as quer e deseja; e, contrariassem-na essas perdas, ela haveria de astolerar em mil casos; permitiria ela, fosse-lhe a progenitura to essencial, que uma mulher aisso no pudesse servir seno durante um tero de sua vida, e que, ao sair-lhe das mosmetade dos seres que ela gera, estes tivessem inclinaes contrrias a essa prognie, exigida,todavia, por ela? Sendo mais preciso: ela permite que as espcies se multipliquem, mas noexige isso de modo algum, e, bem segura de que haver sempre mais indivduos do que lhe necessrio, longe est de contrariar Os pendores de quantos no se entregam reproduo, eque se recusam a conformar-se a isso. Ah! deixemos que aja essa boa me; convenamo-nosde que imensos so os seus recursos, de que nada do que fazemos a ultraja e o crime queatentaria contra as suas leis jamais nos h de sujar as mos.

    A srta. Augustine de Villeblanche, de cuja parte da lgica acabamos de tomar

    conhecimento, tendo se tornado senhora de seus atos aos vinte anos de idade, podendo disporde trinta mil libras de renda, decidira-se, por gosto, nunca se casar; de boa origem, sem serilustre, era ela filha de um homem que enriquecera nas ndias, que a tivera como nica filha,e morrera sem nunca a poder convencer de se casar. No devemos dissimul-lo; essarepugnncia que Augustine manifestava pelo casamento em muito se devia a esse tipo decapricho do qual ela acabara de fazer apologia; seja por conselhos, por educao, seja pordisposio de rgo ou pelo calor do seu sangue (nascera em Madras), seja por inspirao danatureza, enfim, seja por tudo o que se quiser, a srta. Villeblanche detestava os homens, e detodo se entregava quilo que ouvidos castos entendero com o termo safismo; no encontravavolpia seno nas pessoas de seu sexo, e s com as Graas se compensava do desprezo quevotava ao Amor.

    Para os homens, Augustine era um verdadeiro desperdcio; alta, podendo servir demodelo a um pintor, com cabelos castanhos os mais belos, nariz um pouco aquilino, dentesextraordinrios, e olhos de uma expresso, de uma vivacidade! pele to fina, to branca, oconjunto, numa palavra, evocando to ardente lascvia... que bem certo era que v-la assim,

    perfeita para dar amor e to determinada a no o receber de maneira alguma, poderia arrancara muitos homens infinitas zombarias contra determinado gosto, por sinal, muito simples, mas

    privando, contudo, os altares de Pafo* de uma das criaturas do universo mais apropriadas aservi-los, - v-la assim por fora havia de animar os sectrios dos templos de Vnus. A srta.Villeblanche ria prazerosamente dessas censuras todas, dessas maledicncias, e por isso nose dava menos a seus caprichos.

    - A maior de todas as loucuras - dizia ela - enrubescer por causa de nossas inclinaesnaturais; e zombar de qualquer indivduo que possua gostos singulares absolutamente todesumano quanto escarnecer de um homem ou de uma mulher sada zarolha ou coxa do seiode sua me; mas convencer os tolos sobre esses princpios racionais tentar impedir omovimento dos astros. Para o orgulho, h uma espcie de prazer em zombar dos defeitos quese no tem, e essa satisfao to doce ao homem e particularmente aos nscios, que muitoraro v-los renunciar a tal comportamento, este, por sinal, fomenta a malvadez, as frvolas

    palavras de esprito, os calembures vulgares, e, para a sociedade, isto , para um grupo deseres que o tdio rene e a estupidez modifica, to doce falar duas ou trs horas sem nadadizer! to delicioso brilhar s custas dos outros, e proclamar, estigmatizando um vcio, que seest bem longe de o possuir... uma espcie de elogio que se faz tacitamente a si mesmo; por

    esse preo lcito inclusive associar-se aos outros, tracejar maquinaes secretas a fim de

    * Antiga cidade da ilha de Chipre, clebre por seu templo de Afrodite (N.dos T.)

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    pisar no indivduo cujo grande erro no pensar como a maioria dos mortais; e a pessoa voltapara casa toda entufada devido espirituosidade que no lhe faltou, embora com tal condutas se tenha demonstrado, essencialmente, pedantismo e estupidez.

    Assim pensava a srta. Villeblanche; decidida de maneira muito segura a nunca sereprimir, desdenhando as maledicncias e bastante rica para manter-se a si prpria acima desua reputao, visava epicurianamente a uma vida voluptuosa, e de maneira nenhuma a

    beatices celestiais em que acreditava muito pouco, para no mencionar a idia de umaimortalidade, por demais quimrica aos seus sentidos; no centro de um pequeno crculo demulheres que pensavam como ela, a cara Augustine entregava-se inocentemente a todos os

    prazeres que a deleitavam. Tivera muitos pretendentes, mas todos haviam sido tomaltratados, que quando j se estava prestes a se renunciar a tal conquista, um jovem denome Franville, de semelhante condio social, ao menos to rico quanto ela, tendo seapaixonado como louco, no apenas no se revoltou de maneira nenhuma com sua firmeza,como tambm decidiu com muita seriedade no abandonar o posto enquanto ela no fosseconquistada; comunicou o projeto a seus amigos, que dele zombaram; asseverou-lhes queobteria xito; eles o desafiaram a obt-lo, e ele se lanou empresa. Franville, com dois anosmenos que a srta. Villeblanche, quase no tinha barba, mas boa estatura, e feies as maisdelicadas, e os cabelos mais bonitos do mundo; quando o trajavam de mulher, ficava to bem

    que sempre enganava os dois sexos, e recebia amide, fugindo ao assdio de uns, dos quedemonstravam segurana em sua ao, uma grande quantidade de declaraes to objetivasque no mesmo dia seria capaz de se tornar o Antnoo de algum Adriano ou o Adnis dealguma Psique. Foi com esse disfarce que Franville imaginou seduzir srta. Villeblanche;veremos como procedeu.

    Um dos maiores prazeres de Augustine era, durante o carnaval, vestir-se de homem, eparticipar de todos os bailes com esse disfarce, to anlogo a suas inclinaes; Franville, quelhe mandava vigiar os passos, e que at aquele momento tivera o cuidado de revelar-se-lhe

    bem pouco, soube, certa feita, que essa a quem adorava na mesma noite iria a um baileorganizado por associados do pera, onde todos os mascarados poderiam entrar, e que,segundo costume dessa moa encantadora, ela se apresentaria como capit dos drages. Ele

    se disfara de mulher, enfeita-se, veste-se com toda elegncia e propriedade, carrega amaquiagem, prescindindo da mscara, e, acompanhado por uma de suas irms, muito menos

    bonita do que ele prprio, apresenta-se assim no baile, para onde a amvel Augustine sedirigia em busca de aventura.

    Menos de trs voltas pelo salo bastaram para que Franville fosse distinguido pelos olhosexperientes de Augustine.

    - Quem aquela bela moa? - diz a srta. Villeblanche a uma amiga que a acompanhava -... creio nunca t-la visto; como possvel que to deliciosa criatura tenha, pois, nosescapado?

    Mal haviam sido pronunciadas essas palavras, e Augustine faz quanto pode para encetar

    conversa com a falsa senhorita de Franville, que a princpio foge, inquieta-se, esquiva-se,escapa, e tudo isso a fim de fazer com que a desejem com mais ardor; por fim, ela o aborda,frases banais travam inicialmente a conversa a qual, a pouco e pouco, torna-se maisinteressante.

    - Est fazendo um calor insuportvel no salo diz a srta. Villeblanche -, deixemos nossascompanhias juntas, e tomemos um pouco de ar nesses aposentos onde nos divertimos erefrescamos.

    - Ah! senhor - diz Franville srta. Villeblanche a qual ainda finge confundir com umhomem... - na verdade, no ouso fazer isso: estou aqui apenas com minha irm, mas sei queminha me dever vir com o esposo que me foi destinado, e se ambos me vissem convosco,seria uma grande confuso...

    - Bem, bem, preciso pr-se ao abrigo de todo esse medo infantil... Qual a vossa idade,meu anjo?- Dezoito anos, senhor.

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    - Ah! digo-vos que aos dezoito j se deve ter adquirido o direito de fazer tudo o que sequiser... vamos, vamos, acompanhai-me, e no tenhais nenhum medo... - E Franville se deixalevar.

    - verdade, encantadora criatura - continua Augustine, conduzindo a pessoa a quemainda toma aposentos contguos ao salo do baile... - verdade, realmente vs vos unireis emmatrimnio... como lamento por vs! e quem ele, essa pessoa a quem vos destinam? ummaador, decerto... Ah, como ser feliz, esse homem, e como eu gostaria de estar no lugardele! Consentireis desposar-me a mim, por exemplo? dizei-me francamente, jovem celestial.

    - Ai de mim! senhor, acaso no sabeis que, quando se jovem, segue-se os impulsos docorao?

    - Pois bem; recusai-o, esse homem vil! tornar-nos-emos ambos mais ntimos, e, segostarmos... por que no nos unir-nos? No preciso, graas a Deus, de permisso nenhuma;embora tenha s vinte anos, sou senhor de minha vida, e se pudsseis persuadir vossos paisem meu favor, antes de oito dias talvez estivsseis, vs e eu, ligados pelos laos eternos.

    Tagarelando, saram do baile, e a astuta Augustine, que at l no conduzia sua presapara fugir ao perfeito amor, teve o cuidado de a conduzir a um aposento muito isolado, doqual, por meio de acordos acertados com os organizadores do baile, ela sempre tinha ocuidado de se fazer senhora.

    - Oh Deus! - diz Franville, to logo v Augustine fechar a porta desse quarto e envolv-lo nos seus braos -, oh pelos cus! Que desejais fazer?... O qu? Convosco, frente a frente,senhor, e num lugar to retirado... deixai-me, deixai-me, rogo-vos! ou chamo agora mesmo

    por socorro.- Impedir-te-ei de faz-lo, anjo divino - diz Augustine, apertando a bela boca contra os

    lbios de Franville - grita agora, grita se podes, e o puro sopro de teu hlito de rosas abrasarainda mais cedo o meu corao.

    Franville defendia-se com bastante tibieza: difcil encolerizar-se muito quando serecebe de maneira to terna o primeiro beijo de quem se adora. Augustine, encorajada,investia com mais fora, nisso pondo essa veemncia que s com efeito conhecem asmulheres deliciosas, arrebatadas por essa fantasia. Em breve as mos se desgarram; Franville

    faz o papel da mulher que cede, igualmente deixa que suas mos explorem o corpo. Todas asvestes so retiradas, e os dedos se dirigem quase ao mesmo tempo para onde cada um crencontrar o que lhe convm... Ento, Franville muda imediatamente de papel:

    - Oh! pelos cus - exclama ele -, o qu? Sois uma mulher...- Horrvel criatura - diz Augustine, pondo a mo em partes do corpo que no do

    margem dvida -, tanto trabalho para encontrar um msero homem... preciso ter azardemais.

    - Na verdade, no mais do que eu - diz FranviIle, recompondo-se, e dando mostras domais profundo desprezo -, uso esse disfarce para seduzir os homens; eu os amo, corro atrsdeles, e s encontro uma p...

    - Oh, p.... no - diz Augustine, com rancor nunca o fui em minha vida; no por sedetestar os homens que se pode ser tratada dessa maneira...- Como, sois mulher, e detestais os homens?- Sim, e isso pela mesma razo de serdes homem e detestardes mulheres.- Um encontro singular - eis tudo o que se pode dizer.- E para mim muito triste - acrescenta Augustine, revelando todos os sintomas de

    descontentamento mais acentuado.- Em verdade, senhorita, tal encontro ainda mais fastidioso para mim - diz asperamente

    Franville -, desonrado por trs semanas: sabeis que em nossa ordem fazemos voto de nuncatocar em mulheres?

    - Parece-me que, sem se desonrar, possvel tocar numa como eu.

    - Com efeito, minha bela - continua Franville no vejo grande motivo para a exceo, eno compreendo que um vcio para vs valha um mrito adicional.

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    - Um vcio? Mas caberia a vs censurar-me pelos meus, quando partilhais da mesmainfmia?

    - Escutai - diz Franville -, no continuemos discutindo; o melhor nos separarmos enunca mais nos vermos.

    E, dizendo isso, Franville prepara-se para abrir a porta.- Um momento, um momento - diz Augustine impedindo-o de fazer isso -, ides espalhar

    nossa aventura pelo mundo todo, aposto.- Talvez venha a me divertir com isso.- Que me importa, de resto, estou, graas a Deus, acima da maledicncia; retirai-vos, e

    dizei tudo o que vos aprouver... - e impedindo-o de sair mais uma vez - sabei - diz elasorrindo - que essa histria extraordinria... ns dois nos enganvamos.

    - Ah! o erro muito mais intolervel - diz Franville - a pessoas de meu gosto, do que apessoas do vosso... e esse vazio nos repugna...

    - Por minha f, meu caro! Sabei que o que nos ofereceis desagrada ao menos tantoquanto a vs! Ora, o desencanto igual em cada um, mas a aventura muito engraada; nodeixemos de concordar com isso. Voltareis ao baile?

    - No sei.- No que me diz respeito, no volto mais l - diz Augustine - ... vs me fizestes

    experimentar coisas... contrariedade... vou me deitar.- Perfeito.- Mas vejamos se sereis bastante corts para dardes o brao at minha casa; minha

    residncia fica a dois passos daqui; no estou com minha carruagem; ireis me deixar aqui...- No, eu vos acompanharei de bom grado - diz Franville -, nossas inclinaes no nos

    impedem de sermos polidos... quereis minha mo?... ei-la.- S me sirvo dela porque no encontro coisa melhor, pelo menos.- Ficai tranqila; para mim, s v-la ofereo por honestidade.Chegam porta da casa de Augustine, e Franville apresta-se a se despedir.- Em verdade, sois delicioso - diz a srta. Villeblanche -, o qu? deixar-me-eis na rua?- Com mil desculpas - diz Franville - ... eu no pretendia...

    - Ah, como so rudes esses homens que no amam as mulheres!- que - diz Franville, dando, todavia, o brao srta. Villeblanche at sua residncia -,

    vede, senhorita, eu gostaria de retornar bem rpido ao baile e nele tentar reparar minhaestupidez.

    - Vossa estupidez? Estais, pois, bem irritado por ter-me encontrado?- Eu no disse isso; mas no verdade que podamos os dois ter um encontro

    infinitamente melhor?- Sim, tendes razo - diz Augustine, entrando enfim eu seu apartamento - tendes razo,

    senhor, eu, sobretudo... pois temo que esse funesto encontro no me custe a felicidade deminha vida.

    - De que modo? No estais, Portanto, bem segura de vossos sentimentos?- Ainda ontem estava.- Ah! no sustentais vossas tcitas afirmaes.- No sustento coisa alguma; vs me impacientais.- Pois bem, eu me retiro, senhorita, me retiro... Deus me livre de vos incomodar por mais

    tempo.- No! permanecer, ordeno-vos! sereis capaz de vos esforar a fim de obedecer a uma

    mulher pelo menos uma vez em vossa vida?- Nada h que eu no faa - diz Franville, sentando-se por complacncia - j vos disse;

    sou honesto.- Sabeis que, na vossa, muito decente ter gostos to singulares?

    - Oh! isso muito diferente! no nosso caso, trata-se de discrio, pudor... at mesmoorgulho, se quiserdes; medo de entregar-se a um sexo que nos seduz somente para subjugar-nos... Entretanto, os sentidos no mentem, e encontramos alvio entre ns; conseguimos

  • 8/14/2019 contos libertinos - marques

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    ocultar-nos muito bem, e disso resulta um verniz de sabedoria que freqentes vezes engana;assim, a natureza se satisfaz, a decncia observada e os costumes no so ultrajados.

    - Eis o que se costuma chamar um bom e belo sofisma; procedendo dessa maneira,justificar-se-ia tudo; e o que dizeis em tudo isso que tambm no possamos alegar em favornosso?

    - De maneira alguma! com preconceitos muito diferentes, no deveis ter medo que tais;vosso triunfo est em nossa derrota... mais multiplicais vossas conquistas, mais acrescentais vossa glria, e no vos podeis abster dos sentimentos que em vs despertamos, seno pelovcio ou pela depravao.

    - Na verdade, creio que me hs de converter.- Eu o desejaria.- O que ganhareis com isso, enquanto vs mesma continuareis em erro?- uma necessidade imposta pelo meu sexo, e, tal como as mulheres, fico bem contente

    de trabalhar para elas.- Se o milagre se realizasse, seus efeitos no seriam to gerais quanto imaginais; eu s

    desejaria me converter para uma nica mulher para pelo menos... tentar.- O que dizeis justo.- O que bem certo que h certo preconceito, acredito, a tomar partido antes de ter

    experimentado tudo.- Como? nunca tivestes uma mulher?- Nunca; e vs... possuireis por acaso primcias to seguras?- Oh, primcias, no... as mulheres que ns vemos so to hbeis e to ciumentas que

    nada nos permitem... mas nunca conheci um homem em minha vida.- E fizestes um juramento?- Sim, jamais quero ver um, ou, pelo menos to singular quanto eu.- Lamento no ter feito o mesmo voto.- No creio que seja possvel ser mais impertinente...E dizendo essas palavras, a srta. Villeblanche levanta-se e diz a Franville que ele pode se

    retirar. Nosso jovem amante, sempre frvolo, faz uma profunda reverncia e se prepara para

    sair.- Retornais ao baile - diz-lhe secamente a srta. Villeblanche, observando-o com um

    despeito aliado ao mais ardente amor.- Mas sim, eu vos disse; o que me parece.- Pelo visto, no sois capaz do sacrifcio que vos fao.- Que sacrifcio me haveis feito?- S voltei para casa a fim de nada mais ver depois de ter tido a infelicidade de vos

    conhecer.- Infelicidade?- Sois vs que me forais a empregar essa expresso; s de vs dependeria que eu

    lanasse mo de uma bem diferente .- E como havereis de conciliar isso com vossos gostos?- O que no se abandona quando se ama!- verdade; mas ser-vos-ia impossvel amar-me.- Concordo com isso; se conservsseis hbitos to detestveis quanto esses que descobri

    em vs.- E se eu renunciasse a eles?- No mesmo instante, havia de imolar os meus nos altares do amor... Ah! criatura

    prfida!, que essa confisso custe a minha glria, a qual acabas de arrancar-me - dizA