CONSTRUIR CULTURA VOCACIONAL Amedeo Cencini...

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1 CONSTRUIR CULTURA VOCACIONAL Amedeo Cencini I PARTE Cultura A pastoral vocacional, muito longe de ser uma resposta urgente para o vazio dos seminários, dos conventos e das paróquias desguarnecidas, ela (a pastoral vocacional) é antes de tudo a expressão da identidade profunda da Igreja e de seu modo de ser como comunidade dos chamados e chamadores. Ela constitui um problema central e universal, tão vital e essencial na Igreja e que diz respeito a todos e de todos exige respostas estáveis e definitivas, intervenções radicais e globais. Para isso, precisamos criar uma cultura vocacional como parte não inferior da nossa identidade cristã. A cultura vocacional é o meio eficaz para que a semente lançada dê muitos frutos ora cem, ora sessenta, ora trinta (Mt 13,8).Se não cosntruimos uma autêntica cultura vocacional, nossa proposta será muito menos recebida e comprrendida em seu valor. Hoje faz-se necessário pensar a fé como Cultura. Na construção da cultura vocacional, três componentes são indispensáveis: mentalidade (componente intelectual), sensibilidade (componente afetivo) e praxis (componente comportamental). Hoje faz-se necessário pensar a fé como Cultura. Mentalidade Aqui a abordagem do assunto seria, sobretudo, de tipo intelectual-cognoscitivo, e a cultura seria compreedida como teoria: teoria que faz nascer uma mentalidade correspondente na coletividade e nos indivíduos. A cultura, neste sentido, é o ethos de um povo ou a consciência de uma coletividade. Algo que está no fundamento de sua identidade, e que se torna sempre mais modo e estilo de vida de uma comunidade inteira. Identidade esta que deve ser transmitida pelos mais velhos aos mais jovens como algo precioso e que não pode ser perdido na passagem das gerações. Nesta fase inicial, será preciso definir o sentido e o conteúdo do chamado e seu objetivo, para passar, em seguida a seu significado, como o que qualifica a relação entre Deus (aquele que chama) e o homem (aquele que é chamado), indicando mesmo assim, as razões profundas que tornam cada pessoa que é chamada também naquela que chama a outra.

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CONSTRUIR CULTURA VOCACIONAL

Amedeo Cencini

I PARTE

Cultura

A pastoral vocacional, muito longe de ser uma resposta urgente para o vazio dos seminários, dos

conventos e das paróquias desguarnecidas, ela (a pastoral vocacional) é antes de tudo a expressão da

identidade profunda da Igreja e de seu modo de ser como comunidade dos chamados e chamadores. Ela

constitui um problema central e universal, tão vital e essencial na Igreja e que diz respeito a todos e de

todos exige respostas estáveis e definitivas, intervenções radicais e globais. Para isso, precisamos criar uma

cultura vocacional como parte não inferior da nossa identidade cristã.

A cultura vocacional é o meio eficaz para que a semente lançada dê muitos frutos ora cem, ora

sessenta, ora trinta (Mt 13,8).Se não cosntruimos uma autêntica cultura vocacional, nossa proposta será

muito menos recebida e comprrendida em seu valor. Hoje faz-se necessário pensar a fé como Cultura.

Na construção da cultura vocacional, três componentes são indispensáveis: mentalidade

(componente intelectual), sensibilidade (componente afetivo) e praxis (componente comportamental). Hoje

faz-se necessário pensar a fé como Cultura.

Mentalidade

Aqui a abordagem do assunto seria, sobretudo, de tipo intelectual-cognoscitivo, e a cultura seria

compreedida como teoria: teoria que faz nascer uma mentalidade correspondente na coletividade e nos

indivíduos. A cultura, neste sentido, é o ethos de um povo ou a consciência de uma coletividade. Algo que

está no fundamento de sua identidade, e que se torna sempre mais modo e estilo de vida de uma

comunidade inteira. Identidade esta que deve ser transmitida pelos mais velhos aos mais jovens como algo

precioso e que não pode ser perdido na passagem das gerações.

Nesta fase inicial, será preciso definir o sentido e o conteúdo do chamado e seu objetivo, para

passar, em seguida a seu significado, como o que qualifica a relação entre Deus (aquele que chama) e o

homem (aquele que é chamado), indicando mesmo assim, as razões profundas que tornam cada pessoa que

é chamada também naquela que chama a outra.

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Sensibilidade

Para promover uma cultura da vocação, será necessário verificar quanto na igreja cada crente se sente

chamado, cada dia de sua vida, e por isso mesmo seja sempre mais aquele que chama, ou mediador do Deus que

chama; ademais, como tudo isso é percebido como parte essencial do próprio ser que crê. Para se falar de uma

cultura vocacional não basta uma verificação quanto certa mentalidade se torna patrimônio e convicção geral, mas

quanto na Igreja cada crente se sente chamado, cada dia de sua vida. A cultura cria uma sensibilidade

correspondente no indivíduo.

Práxis

Aqui a cultura significa práxis ou estilo de vida. Isto é, traduzir a teoria da vocação em comunhão fraterna

onde os atos concretos (modo de falar, brincar, saudar-nos, a atenção para com o outro, o nosso cuidado, olhar)

demonstram como cada um vive o projeto pensado para ele pelo Pai.

Portanto, pode-se dizer que se está construindo uma cultura da vocação quando estão presentes todos estes

três aspectos: da mentalidade geral à sensibilidade subjetiva, até a práxis operativa do grupo ou dos individuos.

Cultura Cristã

Hoje se pensa a fé como cultura, rapidamente serão abordados alguns exemplos para apontar a fé nesta

perspectiva. São os seguintes: A cultura da nova evangelização no âmbito eclesial e mundial e em seu âmago, a

criação do Pontifício Conselho para a promoção da Nova evangelização e o projeto cultural da Igreja Italiana.

Nova Evangelização

O termo Nova Evangelização foi utilizado pela primeira vez por João Paulo II em viagem na Polônia em

junho de 1979. Esse termo foi reutilizado na América Latina na terceira conferência Episcopal que se empenhou

em traduzir a Evangelii Nuntiandi na América Latina.

O Papa naquela ocasião insistiu para dar vida a uma nova cultura cristã, nova no fervor, nas estruturas e

com maior presença nos lugares de missão. São meios que expressam aqueles três componentes vistos

anteriormente. Papa João Paulo II foi um grande profeta da evangelização entendeu que este era um problema da

Igreja, por isso lutou com todas as suas forças, para que se aceitasse o desafio de aculturar a mensagem cristã, a fim

de que o evangelho voltasse a ser Boa Nova para todos.

Esse processo da Nova evangelização foi muito intensificado com o papa Bento XVI, ele erigiu no dia 21

de setembro de 2010 o Pontifício Conselho para a promoção da nova evangelização. Bento XVI também lança a

ideia do ‘pátio dos gentios’, com esse termo ele queria ampliar a ideia de que a mensagem do evangelho não era

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restrita, mas devia atingir a todos, ou seja, as pessoas consideradas agnósticas também passavam a serem

importantes para a mensagem da Igreja. No aspecto de um mundo em mudanças é preciso dar ênfase na fé,

mostrando que a questão de Deus permanece latente neste contexto de mundo secularizado.

Um passo que colocou a Igreja ainda mais dentro desse processo cultural foi à escolha de um

Sínodo justamente com o trema da Nova Evangelização, particularmente a Nova evangelização para a

transmissão da fé cristã. Essa questão do discurso cultural, ou da tradução da mensagem crista em cultura,

coloca-se como um verdadeiro desafio da comunidade eclesial, chamada, como sempre e mais do que

nunca, a evangelizar. Projeto cultural da igreja italiana

Um exemplo da relevância atribuída à questão do discurso cultural, ou da fé como cultura pode ser

percebido nas Igrejas Italianas. Pode ser feito um paralelo entre o convite da Igreja para a Nova

evangelização com o processo que a Igreja Italiana vem fazendo nos últimos anos. A saber, o Projeto

cultural que foi lançado pela Conferencia Episcopal Italiana.

Esse projeto cultural da Igreja Italiana representa justamente a tentativa de sair de uma concepção

histórica de crise para a tentativa de entrar em uma nova concepção, diferente da estação histórica que se

vive sobre o plano da fé. Dar a esta fé uma nova expressão, um novo jeito de se pensar a fé. A história da

Itália é também uma história de fé cristã encarnada. O concilio Vaticano II já recordava que na

modernidade as mudanças são sempre mais aceleradas, e o cristianismo não quer nem deve parar, mas

orientar estas transformações.

Cultura, efetivamente significa projeto orgânico definido, integrado e coerente em suas partes, quer

dizer proposta que pode entrar em diálogo com outras partes culturais. Cultura não é algo apenas

intelectual mais interessa a todos.

Cultura vocacional

Toda essa repercussão afeta o fenômeno tão central e decisivo na vida da Igreja, o mistério da

vocação. Em dois sentidos fundamentais, um primeiro ponto é que a concepção cultural da fé solicita à

Igreja a fadiga de traduzir tal mistério em termos culturais mais atuais, de outro lado o mistério vocacional

exige ele mesmo tornar-se cultura, como modo de pensar da parte de cada crente.

Pensar em cultura vocacional significa já não fixar-se nas crises ou num saudosismo do passado,

mas lançar um olhar para frente entrando na ótica da Nova Evangelização. É preciso retomar aqueles três

elementos a fim de enchê-los de sentido e significados, colocando neles a cultura vocacional buscando

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encontrar o papel adequado da teologia da vocação em si mesma e em relação a outras abordagens da realidade da

vocação em si.

A mentalidade vocacional, a teologia vocacional, a sensibilidade vocacional, à espiritualidade vocacional, e

a práxis vocacional, à pedagogia vocacional. Cada um desses três pares formados e articulados dentro da

perspectiva vocacional orientará os passos dos três capítulos que seguem.

II PARTE - MENTALIDADE VOCACIONAL

Não se deve falar imediatamente do chamado, do que cada um é chamado a fazer, pois, a vocação cristã

fala antes de tudo de Deus, que chama porque ama. Esse Deus nos chama para manifestar o próprio amor e

exprimir sua atenção e preocupação como se a pessoa chamada fosse única para ele.

A vocação é sinal de amor de Deus pelo homem, interessado simplesmente autorrealização humana;

desvela o homem aquilo que é chamado a ser, como manifestação de Deus. Os chamados de Deus são inúmeros,

tantos quantos são os seres humanos, não podemos reduzir as vocações a uma única vocação.

O homem é chamado por Deus que ama, nisso o homem vem à vida porque é amado e querido pela

Vontade de Deus. O homem é chamado à vida, a imagem do Filho, à sua vida e maneira de viver pela ação do

Espírito Santo. Nesta conformidade está oculto um chamado a santidade feita a todos os homens, chamado este

que encerra em si tudo o quanto Deus poderia desejar ao homem: o amor, o dom de si, a felicidade, a plena

realização da própria pessoa.

O chamado de Deus é um apelo único, singular e irrepetível ao indivíduo, feito à sua medida, esse chamado

se revela como um sonho do Pai para seu filho amado, expressão desse amor paternal.

A vocação do homem, ou seja, esse chamado é um projeto pensado por Deus Criador e Redentor:

• Criador, onde a vocação representa a realização do plano das origens, no qual Deus criou cada uma

das criaturas, deixando nela um traço da própria imagem e semelhança.

• Redentor, pois a vocação é o chamado que o Pai Redentor dirige a cada homem salvado pelo sangue

de Cristo, afim de que o homem não somente acolha esta salvação mas aceite colaborar ativamente no desígnio da

salvação, a imitação e pela graça do próprio Cristo.

Essas duas dimensões são duas polaridades clássicas do conceito da vocação; Criação por uma via mais

estática e contemplativa, como expressão do ser humano em si, e Redenção pela via mais dinâmica e ativa, como

expressão do ser humano em relação.

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A vocação cristã jamais está simplesmente em função do indivíduo que foi chamado, ou de suas

economias espirituais, ou de sua salvação e santidade privadas, ou ainda como sua autorrealização, mas é

chamado a encarregar-se dos outros e sentir-se responsável por sua salvação.

Existe ao mesmo tempo uma semelhança e uma diferença nas diversas vocações: todas a serviço da

salvação, mas cada qual de um modo particular.

O primado de Deus e a obediência ao chamado.

O chamado de Deus, é também aquilo que si impõe na vida do ser humano como a primeira palavra

pronunciada sobre ela, na qual cada um deve obediência. Essa obediência, ainda totalmente implícita foi

iniciada na vida de cada ser humano, nas quais devem aceitar tantas condições ligada à vida que lhe são

dadas: pais que não escolheram, corpo com características precisas e recursos precisos, tipificação sexual

bem determinada, temperamento, entre outros. Essas condições não foram determinadas por cada indivíduo

e não representavam o ótimo, também o desenvolver-se na vida, impõe a cada um contrariedades, nem

sempre se tem o melhor mestre, os melhores amigos, a melhor educação, essa realidade nos coloca diante

da reflexão das situações imperfeitas e marcadas pelo limite humano e nos leva a refletir também que não

existe, de fato, algum direito à vida perfeita em todos os âmbitos: familiar, profissional e até religioso.

Toda essa realidade faz parte da história do homem, do mistério escondido com Cristo em Deus, da

vocação. Portanto, não existe vocação nem mais bela nem mais feia uma da outra, mas aquela pensada e

projetada por Deus na história inconfundível de cada homem. Essa vocação é exemplificada no Cristo, que

nasceu de Maria para manifestar ao mundo seu amor de Pai, Criador e Redentor. Todo homem deve

obediência a esse chamado, visto que assim o Pai o pensou e o capacitou, fora deste plano haverá somente a

presunção desobediente e orgulhosa, e, por conseguinte, o "homem sem vocação".

Vocação, ponto de encontro entre Deus e o homem

Na vocação e através dela, acontece um contato entre Deus e o homem. Há um diálogo entre Deus

e o homem, no qual o homem possui total liberdade de seu agir, e o homem é constituído dessa liberdade

justamente porque é colocado diante do Deus que o chama. De fato, certamente, no chamado há um

encontro entre duas liberdades: a perfeita, de Deus e a imperfeita, do homem, que pode crescer e ser sempre

mais livre à medida que o chamado aceita a proposta daquele que chama.

Na vocação Deus conhece o homem e o homem conhece a Deus, e nessa relação o homem sente-se

amado de maneira absolutamente pessoal, de algum modo sente-se importante para Deus e diante dele.

Estando diante de Deus o homem descobre a si mesmo, seus próprios recursos e possibilidades, medos e

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resistências, que, as vezes o coloca em fuga de Deus, em luta com ele. Essa descoberta provoca o homem diante

de suas experiências, sente-se chamado a todo tempo, cada situação é uma vocação, rezar por exemplo é um

chamado a estar diante de Deus para deixar-se envolver por Ele. O chamado é algo totalizante, é o que define a

vida inteira e lhe confere sentido.

A vida é vocação! E como a formação é permanente, é ainda antes, a vocação como chamado constante.

Não pode existir um só instante da vida do homem, no qual o Pai, Deus, não o chame.

Sensibilidade vocacional (espiritualidade vocacional)

A partir desta reflexão teológica, podemos e devemos dar um passo adiante para criação de uma cultura da

vocação, que passa da mentalidade à sensibilidade vocacional, de um envolvimento global da pessoa, da teologia a

liberdade.

É uma passagem decisiva. Se não acontece um envolvimento mais global do sujeito, existe um risco de

criar cultura que não serve para a vida, longe das fadigas cotidianas e da fé, abstrata e vaga. Fazendo essa

experiência, o individuo se apropria dos seus conteúdos culturais torna sua vida verdadeira e bela.

Alguns traços da espiritualidade vocacional que deveria nascer da sensibilidade ligada a uma mentalidade

vocacional em relação os pontos indicados da teologia vocacional.

Principio geral: da teo-logia à teo-fania, à teo-patia

Principio geral:

A teologia da vocação torna-se espiritualidade da vocação à medida que aquilo que cremos como

teologicamente verdadeiro não é somente acreditado pela mente, mas rezado, amado, celebrado, vivido, sofrido,

partilhado anunciado por todo homem. O anunciado não pode ser contraditório com o vivido. É nesta autenticidade

que deve se mover o animador vocacional.

É também passagem da teo-logia à teo-fania e, por fim, à teo-patia. A sensibilidade-espiritual vocacional

visa explicitamente a este objetivo, à teopatia vocacional, ou, participar ativa e responsavelmente da redenção e de

seu drama. É o ponto central da reflexão do vulcão que pode ser vocação.

Como realizar esta tríplice passagem progressiva.

a) Espiritualidade como relação (teo-logia)

O significado teológico do termo “espiritualidade” deriva de Espírito, quer dizer exatamente aquilo que faz

o Espírito de Deus no interior da Trindade, ou se seja, Relação. Homem ou mulher espiritual é quem vive cada

relação a partir da relação central da própria vida, aquela com Deus, e dela faz tudo derivar. A relação não significa

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simbiose ou unidade indiferenciada, mas realização do eu e do tu graças à diversidade e à completariedade

relacional. Isso seria também experiência com Deus.

Animação vocacional, caminha ao longo das vias da autentica experiência de Deus, a qual, quando é

autentica, torna-se, sobretudo, experiência que Deus faz de nós, através da prova, como nos contam as

Escrituras Santas, supondo, portanto, a disponibilidade interior para viver assim intensamente a relação com

Deus a ponto de deixar-se provar por ele, de permitir que ele, nos possa pedir algo de custoso, de

humanamente impossível, como somente Deus pode fazer. Nessa condição fazemos experiência de Deus

que tudo pode até o impossível humano, é nesta autentica teologia da vocação que cria uma espiritualidade

correspondente à vocação e à sensibilidade vocacional.

Que se tenha atenção de não favorecer interpretação da vocação como realização dos próprios

desejos isso é banal e forjado. Criar uma cultura vocacional significa purificar a ideia da relação com Deus

e da experiência do divino. A vocação pode ser percebida naquele coração que aprendeu as vias do contato

com Deus.

O autêntico supõe sempre certa luta com Deus. Essa luta deve preparar o lutador que é o animador

vocacional.

b) Conversão da sensibilidade (teo-fania)

Da teologia à teofania, do Deus que faz a experiência do homem ao homem que faz uma experiência

mais plena dele, passiva e ativa, com toda a própria humanidade, mais global e sensível, justamente porque

gerida por Deus. Para que o coração perceba o chamado como voz que vem do alto e que deve ser acolhido

é preciso trabalho paciente com indivíduo e com o seu mundo interior, de mudança da sensibilidade. Aqui

a sensibilidade vista como órgão avaliador ao interior à pessoa, faz, experiência do positivo e negativo. Ela

nos ajuda nas escolhas da vida. A sensibilidade vocacional é fruto deste trabalho e não algo presente em

todos sem esse trabalho.

Trabalho este que tem a ver com a espiritualidade. Aqui se trata de espiritualidade de ser homem ou

mulher que vive plenamente a própria sensibilidade humana, naturalmente uma sensibilidade crente,

convertida, espiritual, aberta com a mente e com o coração aos conteúdos teológicos da vocação e atento

aos sinais de Deus. No âmago de uma teofania cotidiana: a vocação é esta teofania continua, como sarça

ardente que queima de uma presença divina constante que faz ouvir uma voz interrupta, que continua a

chamar, e a vocação como chamado permanente e, a seguir, como formação permanente. A vocação deve

provocar uma conversão da sensibilidade. Uma animação vocacional inteligente significa recuperação dos

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sentidos humanos e da sensibilidade humana crente. Para ver Deus e ouvir a voz que chama, só com um animador

atento isso é possível.

c) Da gratidão à gratuidade, da liberdade à responsabilidade.

A vocação em todas as suas fases, é sempre também um evento de maturação humana, que deve ser vivido

intensamente, a fim de que se torne também acontecimento espiritual, que marca para sempre a relação com Deus e

com os homens. O chamamento à vida religiosa é uma vocação gratuita, o jovem chamado deve sentir-se livre para

o chamamento de Deus.

Estamos dizendo que o primeiro passo de animação vocacional perspicaz, que deseja criar uma

sensibilidade vocacional e contemplativa, não pode haver vocação sem contemplação. Quanto mais houver

contemplação tanto mais o chamado realizará estas passagens nevrálgicas e qualificadoras do genuíno chamado: da

gratidão à gratuidade, acima de tudo, do amor recebido ao amor doado.

Cada jovem deve compreender, portanto, que é livre de escolher o próprio futuro, mas não é livre para sair

desta lógica, deste nexo que liga o bem recebido ao bem doado, não pode sair dela porque se dela saísse, escolherá

a própria infelicidade, tornar-se-á um monstro a falsificação de si mesmo.

Pensamos por exemplo, na necessidade que se percebe nos jovens crentes, que justamente a partir desta

sensibilidade vocacional, amadurece uma escolha vital de compromisso no social ou no político, como gesto de

responsabilidade em relação aos outros, portanto, como crentes e não pela carreira ou pelo dinheiro, ou pela fama,

ou pelo bem estar, ou pensamos como a mesma vocação sacerdotal ou religiosa, poderia assumir novo impulso

motivacional e purificação a partir deste valor da responsabilidade moral em relação aos outros, como a salvação a

ser obtida, não primeiramente para si, mas para os outros.

III PARTE - PRÁXIS (PEDAGOGIA DAS VOCAÇÕES)

Tendo se analisado dois componentes: a mentalidade e a sensibilidade, passamos a refletir sobre um

terceiro – a práxis. Quanto a este, enquanto não houver na Igreja a tal cultura vocacional, a crise de vocações

continuará. Enquanto não se criar essa cultura talvez o tema continue sendo entendido de modo unilateral, ou seja,

como se vocação fosse somente algumas como sacerdotal e vida religiosa, por exemplo.

Uma autêntica cultura vocacional pode ser também importante para o que se chama de Nova

Evangelização, onde talvez mesmo o não crente goste de ouvir que ele também é importante para alguém, para um

Deus que se importa com ele e a ama desde a eternidade. Ninguém pode ficar indiferente diante disso.

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A opção vocacional, nem sempre é colocada ao fim de um caminho crente, mas pode estar no início

provocando o começo de um caminho de fé. Ou seja, qualquer pessoa pode ser chamada por Deus para uma

certa missão, mesmo que ainda não conheça esse Senhor supremo. A partir desse chamado a pessoa pode

começar sua caminhada de fé. Pode haver obstáculos, compromisso, responsabilidades e etc.

Mas o ser humano não está atraído por aquilo que lhe é fácil e cômodo, pois se algo não lhe custa

nada também não será valorizado. O homem está mesmo é interessado em dar um forte sentido para sua

vida e, da forma mais evidente com um preço mais exigente a ser pago. A perspectiva exigente é mais

convincente que a pacífica que não exige nada.

É necessário identificar uma práxis (ação concreta), pela qual se possa pelo menos refletir sobre

estratégias operativas (que produza efeitos) que transmitam esse anúncio. A Nova Evangelização é feita,

também de estratégias nova e supõe uma pedagogia adequada. É isto que se espera com a cultura

vocacional, correspondente à pedagogia ou pastoral vocacional.

Uma cultura só é enquanto tal e só tem o seu valor quando se identifica um caminho por onde seus

conteúdos cruzam com cada dia tornando-se vida em toda a circunstância existencial, até a morte. Também

a teologia deve tornar-se espiritualidade traduzida num modo compreensível. Se assim não for, não merece

ser chamada de teologia cristã. Da mesma forma, a espiritualidade para ser cristão precisa ser simples,

pedagógica e bem compreensível. Sem a pedagogia pastoral ainda não estaríamos diante de uma verdadeira

cultura vocacional; faltar-lhe-ia um elemento fundamental.

Emergência Vocacional

“Emergência”, aqui significa algo novo e explosivo a ponto de ativar novas estratégias de

intervenção, nem sempre bem apreciadas. Por exemplo, em algumas dioceses italianas por falta de

vocações se recorreu à “importação” de presbíteros estrangeiros, muitas vezes sem se refletir sobre a nova

realidade pastoral, certamente provocada pela crise vocacional. De tudo isso não é ruim, mas talvez não

seja a solução mais acertada sobre resolver o problema vocacional presbiteral.

Aqui está a utilidade do termo “emergência” que significa algo que vem de fora. Surge como

iceberg mas é determinado e causado por uma outra coisa, por uma profunda raiz. É sobre essa raiz que se

deve intervir e não se contentar simplesmente com a solução vinda de fora. Poderia, nessa análise colocar a

falta de uma autêntica teologia vocacional, por parte de toda a Igreja mais atuante, ou também culpar outras

realidades externas, como a modernidade por exemplo, mas isso são mecanismos de defesa cômodos e

inúteis.

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Como indica Taylor – não existe relação entre modernidade e perda da fé. Muito ao contrário, o mundo de

hoje é pré-cristão, espera a vinda de Cristo, busca a Boa Nova e gosta de ouvir dizer que a morte foi derrotada e

que não mais precisa ter medo dela. Mas se hoje toda a cultura dominante está marcada pela ideia da morte, sem

sentido numa sociedade materialista, mais ainda há a necessidade do anúncio pascal. É por isso que se diz que o

mundo ainda é pré-cristão, porquê precisa do anúncio de Cristo. Em um mundo pós-cristão não haveria sentido de

animação vocacional; mas num pré-cristão sim.

Outra defesa clerical é a de que os jovens de hoje são uma geração de perdidos, a geração passada é que era

boa. Certamente os jovens têm problemas, porém isso é mais uma razão para que os educadores inteligentes e

apaixonados, possam eles mesmos aprender uma pedagogia da opção clara e bem articulada e transmiti-la aos

jovens, em lugar de ficar se queixando e projetando suas próprias incapacidades de educador.

Fuga vocacional

Fuga, talvez não seja o melhor termo para falar de um fenômeno bastante visível e, grave: se faz presente a

fuga de muitas instâncias educativas juvenil, do estado, escola, família e etc. Há quem diga que até a Igreja está

falhando nesse ministério. Se existe fuga educativa, existe também a vocacional, pois a vocação faz parte de um

caminho educativo. De tal modo é até possível dizer que a crise vocacional não é dos chamados e sim dos que

chamam, tais que, deveriam ser verdadeiros mediadores daquele que “eternamente ama e chama”.

Poucos são os que têm coragem de investir nesse ministério. Educadores, sacerdotes, pais, leigos, e outros

fiéis, pouco compreendem que viver bem a própria vocação é cuidar também da vocação dos outros. Quem não se

sensibiliza com a necessidade do outro não consegue ficar ao lado do irmão menor para ajudá-lo a reconhecer e

responder o chamado de Deus na vida deste. Parafraseando o Evangelho, muitos são os chamados, mas poucos os

que chamam; sendo poucos os que chamam, pouquíssimos perceberão que são chamados. É necessário que na

Igreja se desenvolva essa consciência da responsabilidade da vocação universal, onde cada um é responsável pela

vocação dos outros. Isto é cultura vocacional.

Existe a fuga de quem está totalmente ausente, mas aquele que não tem a coragem de fazer a proposta

vocacional, de certo modo, também é foragidos. Tanto um como o outro poderiam ser bons tanto quanto, hoje

muitos são bons, o que lhes falta é incentivo, coragem e convencimento da beleza da própria vocação. Por conta

disso, há quem diga que a maioria dos presbíteros e consagrados/as (todos bons, naturalmente) nunca fizeram

animação vocacional.

Existe outro tipo de fuga, a de quem está na pastoral vocacional, mas na primeira negativa do jovem,

facilmente desiste de incentivá-lo na descoberta vocacional. Um educador inteligente não age assim: ele tanto

propõe, quanto ajuda o jovem a “fazer a verdade” dentro de si, a compreender seus medos, fraquezas e etc.

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Acompanha também quando o jovem manifesta algo diferente do proposto, para que ao final se possa

seguir o que realmente o Senhor cogitou, ou seja, descubra realmente qual é o chamado Deus.

Urgência vocacional

A urgência é filha da emergência, acontece em momentos onde temos a impressão de que não há

tempo a perder: devemos intervir e pronto! Mas é preciso cuidado, nem sempre a urgência leva a fazer a

coisa certa. Na maioria das vezes, a urgência é inimiga da reflexão e da cautela, e as vezes ajuda a reabilitar

modelos educativos do passado, que são duvidosos.

Um exemplo poderia ser o que horrivelmente se chama de “mercado vocacional”. São fundações

vocacionais, isto é, novas comunidades que parecem existir e florescer em prol da própria sobrevivência e

menos pelo anúncio do Evangelho. A urgência simplifica e banaliza, pretende resultados imediatos e pode

perder o foco essencial, cria em si angústia, não vocações.

Desafio vocacional

Eis o ponto essencial. Abandonemos o vai e vem das responsabilidades. Se a culpa é da

modernidade; dos educadores; padre e etc. deixemos isso de lado e cada uma aceite o desafio decisivo,

aquele que o reenvia à sua responsabilidade pessoal, o que significa um reenvio à sua vocação e ao modo de

vivê-la, como crente que a cada dia se descobre a um chamado sempre novo e a uma resposta sempre nova.

Em resumo, o verdadeiro desafio do animador vocacional é levar a sério sua própria formação

contínua. O importante não é simplesmente fazer animação vocacional, mas nela encontrar o Senhor que

me dá razões para minha própria vocação. Animação vocacional e formação permanente estão intimamente

ligadas, por isso investir em ambas é uma opção inteligente eficaz.

Crise vocacional

Fala-se tanto em crise vocacional, sustentada nas acusações e preconceitos já tão conhecidos e

“aceitos”. O texto, ao apresentar uma fala do cardeal Scola sobre a crise na educação (“não existe, jamais

propriamente falando, uma crise de educação, uma crise educativa, mas uma crise de vida: onde não existe

uma vida adequada, não se pode comunicar nada, não se pode ensinar nada aos jovens”), estabelece um

paralelo com a assim entendida crise vocacional e observa um ponto comum: o problema está nas relações

educativas, nos estilos de vida que comunicamos, no nosso testemunho pessoal (e também comunitário),

que indicamos como convite e um sentido à vida para aqueles que nos procuram. Se o testemunho de um

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indivíduo é convincente, pode ainda ser visto como uma exceção; por esta razão, o testemunho de toda uma

comunidade torna-se verdadeiramente convincente.

Risco vocacional

A animação vocacional encerra em si um duplo risco: por um lado, o de se envolver no processo, expor-se,

entrar no mundo interior do jovem (e mostrar também o seu próprio), apresentar a beleza da vocação e a alegria de

viver como chamado; por outro, o de não ser recebido, de não ter resposta, de experimentar o fracasso. Não é por

menos que se fale de uma “aventura vocacional”.

Pede-se do formador que estabeleça o equilíbrio entre a liberdade a ser respeitada e a força da proposta

feita, a fim de não se limite ao nível de comando (pautada numa observância obediente com pouca liberdade, que

resulta em formandos com consciência rigorosa, porém fracos em relações sociais, movidos mais pelo medo que

pelo amor, e tendendo a obedecer ou ser coagidos apenas na presença da “hierarquia”) ou de proposta (pautada em

amplas possibilidades de escolha, todas com igual valor ou prioridade e com caráter subjetivo, resulta em

formandos com “liberdade” assegurada, porém desorientados e sem consciência da força das adesões feitas);

precisa, pois, assumir o nível de apelo (atenuação do comando e intensificação da proposta, que visa a despertar o

fascínio e a atração do ouvinte sem ilusões, com a gratuidade e ao mesmo com a paixão de quem está convicto da

força da mensagem, falando de coração a coração).

Aliança Educativa

O texto propõe ainda que a pastoral vocacional retome o seu papel, que a reconecte com as demais

pastorais. Isso implica em dizer que, embora se insista em atribuir um papel subalterno a ela, reconhece-se que, se

toda ação da igreja, nas suas diversas formas, se não levam a pessoa a assumir seu papel na Igreja, se não é

vocacional e não gera a pergunta que pede uma resposta, sequer é cristã. Sendo assim, caberia fazer uma

redescoberta do valor vocacional de pastorais como as da família, da juventude e dos enfermos, por exemplo.

Como nos diz o texto, “na Igreja de Deus, ou se cresce todo mundo, ou ninguém cresce; ou crescem todas as

vocações, ou todas as vocações estão em crise”; é necessário que haja esta aliança educativa que integre os papeis

destas pastorais.

Pedagogia vocacional

Uma pedagogia vocacional deve supor que o seu discurso não é voltado a uns poucos, aos “mesmos”, mas a

todos sem distinção. Na base deste discurso está o dom da própria vida do jovem, que é convidado a fazer da sua

vida também dom, à semelhança de Cristo. Para tanto, sugere-se os dinamismos (verbos) vocacionais a seguir:

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a) Semear – é a função primária do formador, ainda que este não venha a “colher” os frutos da

semente:

- Onde? Em qualquer lugar, modo, situação, tempo, coração; não apenas nos já conhecidos ou

costumeiros, mas em lugares novos e inéditos, sem se ater à lógica humana e sua prudência pagã;

- Quando? Sempre, como Deus faz; deve-se fazer sem cessar, pois, há uma força misteriosa, que

vem de Deus, nesta semente lançada;

- O quê? O querigma vocacional, a síntese da mensagem cristã, onde está o sentido da vocação de

todos, que se traduz em convites como: “Deus te ama e por isso te chama”, “Neste chamado, está escondida

tua verdade (e também tua felicidade)”...

b) Acompanhar – o formador deve ajudar ao jovem, em cujo coração foi plantada a semente, a

perceber e reconhecer a voz do Outro que o chama, e não voltar esta atenção para si próprio; é uma relação

humana, à semelhança da que o animador vocacional vive com Deus. Acompanhar não é mera influência,

mas é ser presença preciosa na vida do jovem, enquanto este busca o sentido de sua vida em meio aos

desafios e frustrações da própria existência. O animador não pode esquecer que é por contágio que seu

trabalho se dá, por meio de uma catequese sapiencial e experiencial, cujo itinerário é a cruz e ressurreição

de Cristo.

c) Educar – o formador ajuda o jovem a conhecer a verdade do seu ser e da sua história, em

especial a entender a vida como bem e dom gratuito; ao mesmo tempo, orienta a enxergar a parte negativa,

as resistências e temores que o fecham em si e o impedem de viver o seu lado positivo. Tal resistência se

deve ou à ausência de liberdade afetiva, ou à incerteza de amar e ser amado. Um jovem com pendências ou

mágoas em sua vida, dentro dessa perspectiva, se não é educado para o lado positivo, desenvolverá uma

vocação fraca, pois não é fruto da gratidão; será como um herói, que tenta dar o que não recebeu, e logo

reivindicará seus direitos, ou a vítima de amanhã.

d) Formar – O formador, após ter feito um caminho educativo com o jovem, deverá fazer a ele uma

proposta, baseada na lógica fundamental vocacional da vida humana (“a vida é um bem recebido que tende,

pela própria natureza, a se tornar bem doado”), de modo gradual, que o permita ser coerente na opção feita,

a fim de que passe “da gratidão à gratuidade, do bem recebido ao bem doado, da fase adolescente à fase

juventude-adulta, da passividade à atividade, do ser filho ao ser pai, do ser salvo ao sentir-se responsável

pela salvação do outro”, e, por fim, a uma teopatia, ponto de chegada de qualquer itinerário vocacional.

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Para ser feliz neste caminho, ele precisa ser estimulado a sempre dar o máximo de si, e desta função o formador

não pode se omitir.

e) Discernir – o texto não entra em detalhes neste ponto, e sugere a leitura do documento Novas Vocações

Vocações para uma Nova Europa1 (n. 37). Este dinamismo permite que o jovem passe, gradativamente, de uma

uma etapa de reconhecimento do caminho vocacional para o de uma escolha definitiva, que não se esgota na opção

feita, mas se sustenta e reanima por toda a vida. Para tanto, é necessário que o formador o auxilie, amorosa e

incansavelmente, a reconciliar-se de modo sincero com sua vida passada, para que possa ir amadurecendo as

implicações de sua escolha, e, uma vez assumida, o faça em definitivo.

Pastoral vocacional

A partir deste ponto, Cencini propõe a “pastoral vocacional” propriamente dita, mas com as etapas

fundamentais de um itinerário de fé, pois toda fé verdadeira e madura é capaz de gerar uma decisão, opção e

seguimento vocacional. Segundo ele, “A Pastoral Vocacional é a tradução da pedagogia vocacional em termos de

animação e de condução da comunidade dos crentes” (p. 79). Deste modo, a Pastoral Vocacional não deveria ser

pensada como um setor à parte dentro das comunidades de fé, mas integradas a todas as pastorais, visto que o

elemento fundamental da fé e do chamado é anterior ao serviço e este, por sua vez, será realmente eficaz e fecundo

se manter-se firmado nesta base sólida, do contrário a pastoral torna-se apenas uma tarefa, uma atividade sem

sentido. De igual forma, a fé e o chamado se tornam concretos pela pastoral.

Portanto, é imprescindível vocacionalizar a pastoral, como afirma nosso autor, ou seja, “fazer com que cada

expressão pastoral seja apelo vocacional, se quisermos que a pertença e a experiência eclesial se tornem também

caminho de maturação vocacional” (p. 79). Nota-se a amplitude que os termos “vocação” e, consequentemente,

“pastoral vocacional” adquirem a partir desta perspectiva que engloba toda a comunidade dos crentes. Mas para

que isto aconteça de fato, é preciso uma série de mediações pastorais, especialmente a mediação eclesial,

pedagógica e psicológica, através das quais a Igreja se torna mãe que cuida de toda vocação que nasce do Batismo.

a) Mediação Eclesial: “Toda vocação nasce na Igreja” (p. 80) e para o serviço na Igreja é que se destina.

Por isso, o campo de animação vocacional é a própria comunidade eclesial. Logo não se trata de uma pastoral

autônoma e desvinculada das outras pastorais, mas deve ter uma visão que englobe especialmente estes quatro

1 PONTIFÍCIA OBRA PARA AS VOCAÇÕES ECLESIÁSTICAS. Novas vocações para uma Nova Europa: documento final do Congresso sobre Vocações para o Sacerdócio e a Vida Consagrada na Europa – Roma, 5 a 10 de maio de 1997. Disponível em: <http://www.vatican.va/roman_curia/ congregations/ccatheduc/documents/rc_con_ccatheduc_doc_13021998_new-vocations_po.html> Acesso em 21 mai 2016.

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itinerários de fé: a liturgia (oração pessoal e comunitária), a koinonia (experiência de partilha e de

fraternidade), a diakonia (serviço) e a martiria (testemunho).

b) Mediação Pedagógica: a pastoral vocacional deve estar preocupada e disposta a oferecer a todos

um itinerário vocacional que, inicialmente objetivo e comum a todos, ou seja, a profissão da fé e a inserção

na comunidade e, a partir disso possibilitar um caminho subjetivo que contemple a descoberta da vocação

específica de cada membro desta mesma comunidade possui. Pela especificidade da vocação para qual o

crente procura discernir, conhecer e assumir, é necessária certa personalização, que significa em poucas

palavras, levar em conta a pessoa. Por isso, trata-se de um processo do qual o animador tem de se tornar um

verdadeiro “pedagogo”, alguém capaz de conduzir o outro a descobrir a própria estrada.

c) Mediação Psicológica: a partir de algo objetivo, conforme mencionamos acima, significa

encontrar o modo específico para cada um crescer na descoberta de sua própria vocação. É fundamental

esta precedência objetiva anterior à subjetiva, pois em primeiro lugar é preciso ser o que é comum a todos,

ou seja, ser cristão e descobrir-se como pessoa que é chamada a ser alguém para si e para os outros, a fim

de realizar de modo específico os compromissos do Batismo, comum a todos, mas que se exprime de modo

diverso. Todo vocacionado “deve antes realizar aquilo que Deus pede a todos, se quiser descobrir o que

Deus lhe pede” (p. 81).

CONCLUSÃO

Cultura Vocacional

Chegamos finalmente ao que dá nome a esta obra que consiste em criar uma cultura vocacional. Os

capítulos anteriores se dedicaram a apresentar a teologia (capítulo I) e a espiritualidade vocacional (capítulo

II) e esta terceira parte se deteve a falar de pedagogia vocacional, seguindo os elementos constitutivos de

toda cultura: mentalidade, sensibilidade e práxis. Portanto, é preciso a partir daqui avaliar na Igreja hoje

existe uma cultura vocacional a partir dos três pontos constitutivos da cultura:

1º. Mentalidade – teologia vocacional: “Deus chama a todos, todos são chamados, e a Igreja é mãe

de todos e de todas as vocações, e todos tem o direito de ser ajudados a descobrir sua vocação” (p. 82). A

vocação diz respeito à pessoa a quem Deus chama a partir de um encontro pessoal, mas sua finalidade não é

subjetiva, pois a partir da realização do ser, o homem volta-se para aquela que é missão de Cristo e da

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Igreja a qual todo vocacionado a seu modo é convidado a tomar parte. Além disso, toda vocação é para a vida

inteira e, por isso, exige constante fidelidade. Mas há de fato esta mentalidade vocacional na cabeça de todos que

frequentam a Igreja ou ainda a imensa maioria do Povo de Deus imagina que “vocação” é algo que ainda toca

somente aos padres e religiosos?

2º. Sensibilidade – espiritualidade vocacional: significa a busca individual da própria vocação que acontece

na intimidade da relação com o Deus que chama. Deste modo é preciso fomentar a experiência do encontro com

Jesus Cristo e ajudar aos que estão à procura e não somente, mas despertar a partir do apelo divino o desejo de se

fazer dom para o outro a fim de levar o ser à sua mais alta realização que consiste em se tornar plenamente humano

e cristão. Este tipo de mentalidade é sensível em nossas comunidades ou ainda predomina o individualismo e a

busca pelos benefícios que uma vocação na Igreja pode oferecer?

3º. Modalidade – práxis e pedagogia vocacional: como se traduz de modo real esta mentalidade teológica e

a sensibilidade espiritual vocacional na pedagogia e práxis eclesial? Se não há uma prática habitual nosso

pensamento e nossas convicções tornam-se estéreis e para nada servem. A pergunta que aqui cabe a fazer é se

nossa pastoral ordinária é vocacional, ou seja, se todas as pastorais da Igreja são “vocacionalizadas”, se nossa

evangelização e nossas celebrações são capazes de despertar para uma vocação e missão na Igreja. Em caso

negativo, é preciso repensar o método, a abordagem, a linguagem... e questionar se em nossas comunidades há uma

mentalidade e sensibilidade vocacionais e se estamos ajudando as pessoas a escutar a voz Daquele que sempre

chama!

Rumo a uma “revolução vocacional”

Cencini reconhece que tal cultura é uma verdadeira “revolução”, pois exige mudança de mentalidade, de

sensibilidade e de prática. Por isso, para realizar uma autêntica animação vocacional é preciso “criar cultura

vocacional, como uma mentalidade-sensibilidade-modalidade de anúncio e de práxis pastorais homogêneas e

harmoniosas, partilhadas por todos e sempre mais eficazes e convincentes” (p. 83). O principal objetivo a fazer

com que cada batizado viva segundo o mistério do seu chamado feito por Cristo através da mediação da Igreja

dentro da comunidade dos crentes e, tornar a todos que foram chamados em promotores e animadores de todas as

vocações, sobretudo pela força do testemunho alegre que convence e arrasta.

Os números não contam...

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O que está em risco não é o número de vocações sacerdotais, religiosas e leigas, mas a qualidade de

vida cristã de cada fiel, pois é a partir daí que surgem as vocações específicas para a edificação da Igreja.

Por essa razão, não é possível mais imaginar uma pastoral de resultados preocupada em quantificar os

números de vocações nos seminários e casas religiosas ou convidar pessoas para preencher as fileiras das

igrejas. Isto é bom, mas é algo secundário e se a ênfase for exclusivamente esta, então se tornaria algo

impossível e desmotivador para quem atua no campo da animação vocacional.

Para Cencini, “Construir cultura vocacional é a melhor resposta à frustração vocacional típica dos

nossos dias, porque é a resposta modesta e discreta, mas bem-disposta e eficaz, que trabalha sobre os

tempos longos, mas atinge o coração, sobretudo porque é resposta possível ao homem, mas toda construída

sobre a lógica da impossível possibilidade de Deus” (p. 85-86).

Portanto, todo animador vocacional precisa ter o coração do semeador, sentindo-se livre e

responsável para espalhar a semente, sem se preocupar tanto com os números e os resultados, pois, afinal de

contas, é Deus que chama!

PISTAS DE REFLEXÃO E QUESTÕES

1) Uma cultura tem três elementos constitutivos: mentalidade, sensibilidade, metodologia prática.

Qual é o elemento mais débil hoje na pastoral vocacional?

2) A proposta do querigma vocacional poderia enriquecer notavelmente a metodologia da proposta.

Quais elementos deveriam estar presentes neste querigma vocacional dos tempos modernos?

3) O itinerário pedagógico vocacional não é nem fácil nem espontâneo, muito menos o jovem pode

ser deixado sozinho neste processo. Não existe, talvez, uma “omissão de serviço” da parte de muitos

operadores pastorais ou animadores juvenis a este respeito? Se existe uma emergência educativa,

inevitavelmente existe também uma emergência vocacional. E esta omissão de serviço poderia ser o

denominador comum de tais emergências.

4) Semear, acompanhar, educar, formar, discernir...: nada pode ser deixado à improvisação ou à

suposição. A realidade, porém, diz-nos que talvez, mais do que em qualquer tempo, é assim, como se

faltasse uma formação do formador vocacional, com o resultado que atenções pedagógicas importantes

sejam assim negligenciadas. Qual dessas atitudes educativas é a mais fraca ou de fato omitida?

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5) A proposta ou o apelo vocacional poderia também estar no início de um caminho de fé, aquilo que o

provoca, não somente no seu ponto de chegada. Essa ideia não poderia fazer emergir mais facilmente o nexo entre

pastoral vocacional e crescimento da fé, ou até mesmo entre proposta vocacional e primeiro anúncio?

6) Cultura vocacional, teopatia, formação de formadores vocacionais, revolução vocacional, formação

permanente e animação vocacional: o que parece mais importante e decisivo, hoje, entre esses elementos? Onde se

poderia investir inteligentemente?