chopenhauer Sua eScola e o advento do ateíSmo na filoSofia ... · demos que, desde la perspectiva...

Schopenhauer Sua eScola e o advento

do ateiacuteSmo na filoSofia alematilde

Schopenhauer hiS School and the advent of atheiSm

in German philoSophy

Guilherme marconi Germer

poacuteS-doutorado em filoSofia pela univerSidade de Satildeo paulo (uSp)

reSumen buscaremos sentildealar en esa contribucioacuten que el concepto de ateiacutesmo (Atheismus)de Schopenhauer maacutes auacuten que el de pesimismo nos confiere un criterio claro y de gran valorcontemporaacuteneo a partir del cual apreciar la laquoescuela de Schopenhauer en sentido amplioraquo1el ateiacutesmo de ese filoacutesofo se basa en su oposicioacuten al dogmatismo la contradiccioacuten y la insen-sibilidad del teiacutesmo asiacute como en su denuncia de que los sacerdotes se presentan como cono-cedores de la revelacioacuten divina con el fin de dominar a la poblacioacuten en base a su necesidadmetafiacutesica ante la originalidad atea de Schopenhauer que seguacuten nietzsche es pionera en lahistoria de la filosofiacutea alemana exponemos que su escuela se divide en ateos (p reacutee F nietzs-che S Freud etc) que buscan auacuten maacutes radicalmente desenmascarar la ilusioacuten teiacutesta y liberarel conocimiento de la subordinacioacuten a la religioacuten y religiosos o miacutesticos (p mainlaumlnder y p deus-sen) que al contrario profundizan el parentesco de la filosofiacutea con la religioacuten que en Scho-penhauer estaba subordinado al compromiso filosoacutefico con la ciencia como los ateos dancontinuidad al elemento maacutes original y predominante en la filosofiacutea de Schopenhauer defen-demos que desde la perspectiva del ateiacutesmo ellos son sus herederos maacutes fieles y testigos maacutesvigorosos de la actualidad de su pensamiento mientras que los religiosos y miacutesticos son susseguidores maacutes laquoherejesraquo

palabraS clave eutanasia de la religioacuten materialismo genealogiacutea nietzsche espiacuteritus libres

1 Fazio d Kossler m luumltkehaus l La Scuola di Schopenhauer Testi e Contesti pensa multimedia lecce 2009p 49

Schopenhaueriana reviSta eSpantildeola de eStudioS Sobre Schopenhauer2018 nuacutemero 3a 200 antildeos de El mundo como voluntad y representacioacuten 269

abStract We will try to point out in this contribution that Schopenhauerrsquos concept of athe-ism (Atheismus) even more than that of pessimism gives us a clear criterion of great con-temporary value from which to appreciate laquoSchopenhauerrsquos school in the broadest senseraquo2the philosopherrsquos atheism rests chiefly on his opposition to the dogmatism the contradictionand the insensitivity of theism and in his denunciation that the priests present themselves asconnoisseurs of divine revelation in order to dominate the people on the basis of their meta-physical necessity Faced with the atheistic originality of Schopenhauer which according tonietzsche is absolutely pioneer in the history of German philosophy we expose that hisschool is divided into atheists (p reacutee F nietzsche S Freud etc) who seek in a more radicalway to unmask the theistic illusion and to liberate the knowledge of any religiosity and religiousor mysticals (p mainlaumlnder and p deussen) who conversely deepen in the kinship of philos-ophy and religion that in Schopenhauer was subordinated to philosophical commitment toscience Since atheists give continuity to the most original and predominant element inSchopenhauerrsquos philosophy we argue that from the perspective of atheism they are his mostfaithful heirs and most vigorous witnesses of the actuality of his thought while the religiousand mystics are their most laquohereticraquo disciples

KeyWordS euthanasia of religion materialism genealogy nietzsche free spirits

INTRODUCcedilAtildeO

Quando se pensa na atualidade de Schopenhauer se reflete imediatamente sobre alaquoescola de Schopenhauerraquo esquecida desde 1930 apoacutes uma aacutevida polecircmica esseconceito foi resgatado por Franco volpi em 2000 que a definiu como laquoa escola do

pessimismoraquo Seus efeitos laquocoincidiriam com a difusatildeo do pessimismo atraveacutes de pensadorescomo paul deussen eduard von hartmann Julius bahsen philipp mainlaumlnder e antes detodos Friedrich nietzsche e richard Wagnerraquo3 em 2006 ludger luumltkehaus jaacute preferiuabordar essa tradiccedilatildeo a partir das categorias de esquerda e de direita poliacutetica para ele osschopenhauerianos de esquerda teriam ido aleacutem da oposiccedilatildeo do mestre agraves formas delaquojustificativa ideoloacutegica da existecircnciaraquo4 ao tentarem laquomodificar a realidade socialraquo5 enquanto

2 Id3 volpi F prefaacutecio in muumlller-Seyfarth W h Metaphysic der Entropie van bremen berlin 2000 p 12 excetoquando haja outra indicaccedilatildeo as traduccedilotildees para o portuguecircs seratildeo de minha autoria a identificaccedilatildeo doschopenhauerianismo com a escola do pessimismo tambeacutem foi proposta por J Sully (Sully J Pessimism A Historyand a Criticism henry S King and co londres 1877 p 181) e d redyson (redyson d Dossiecirc SchopenhauerVida e obra de um dos filoacutesofos mais influentes da histoacuteria universo dos livros Satildeo paulo 2009 p 7 e 19) 4 horkheimer m teoria critica ieri e oggi in donaggio e (org) La Scuola di Francoforte einaudi torino2005 p 177 e 370 5 horkheimer m premesa alla ripubblicazione di Questi Scritti in Schmidt a [org] Teoria Criacutetica trad Gbeckhaus torino 1974 vol i p 11

Schopenhauer Sua eScola e o advento do ateiacuteSmo na FiloSoFia alematilde

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a 200 antildeos de El mundo como voluntad y representacioacuten270

que os de direita mantiveram a preferecircncia desse filoacutesofo pela libertaccedilatildeo individual e passiva6entre os de esquerda se destaca max horkheimer e entre os de direita os anteriormentecitados em 2009 domenico Fazio publicou a laquoprimeira tentativa sistemaacutetica de aclaramentodelimitaccedilatildeo cientiacutefica e refinamento do conceito de escola de Schopenhauerraquo7 muito completae acurada essa obra natildeo se apoia no conceito de ciecircncia de Schopenhauer pois consiste emuma historiografia filosoacutefica baseada em aspectos biograacuteficos e afinidades conceituais emboraSchopenhauer entendesse que laquoa histoacuteria natildeo eacute uma ciecircnciaraquo8 desde o ponto de vistaschopenhaueriano a identificaccedilatildeo de sua escola com o pessimismo eacute bastante aceitaacutevelcontudo o filoacutesofo nunca emprega o termo laquopessimismo (Pessimismus)raquo em sua obrapublicada para se referir ao proacuteprio pensamento mas apenas se identificou com a oposiccedilatildeo

6 cfr luumltkehaus l esiste una Sinistra Schopenhaueriana ovvero il pessimismo egrave um Quietismo in Faziod Kossler m luumltkehaus l Arthur Schopenhauer e La Sua Scuola pensa multimedia lecce 2006 p 15-347 Arthur Schopenhauer e La Sua Scuola op cit p 14 Fazio ensina que o conceito de escola foi utilizado pelo proacuteprioSchopenhauer para agrupar os doze laquoapoacutestolosraquo como chamava que a partir de 1840 escreveram sobre a suafilosofia ou lhe prestaram honras pessoais Seus nomes de pouco conhecimento satildeo Friedrich dorguth JuliusFrauenstaumldt otto lindner Wilhelm Gwinner carl baumlhr david asher august Kilzer e christian Weigelt Johannbecker adam von von doss martin emden e G W Koumlrber (cfr Schopenhauer a huumlbscher a GesammelteBriefe bouvier bonn 1987 carta n 351 a adam von doss 10011855 p 359) Segundo o italiano esse grupodefine a escola de Schopenhauer em sentido estrito como a partir de 1872 o conceito de escola deSchopenhauer continuou a ser empregado para reunir os laquopensadores que sem terem sido disciacutepulos diretosseus foram inspirados por seu pensamento em vaacuterios sentidos e o desenvolveram para direccedilotildees autocircnomas eagraves vezes originaisraquo Fazio afirma que nesse segundo sentido pode-se pensar em uma laquoescola de Schopenhauerem sentido latoraquo (Arthur Schopenhauer e La Sua Scuola op cit p 49) na qual se incluiriam os metafiacutesicos Juliusbahnsen e von hartmann e p mainlaumlnder os laquoheregesraquo F nietzsche p reacutee Georg Simmel e m horkheimere os laquopais da igrejaraquo p deussen hans Zint arthur huumlbscher e rudolf malter os primeiros construiacuteramlaquometafiacutesicas que divergem da de seu mestreraquo embora mantenham parte significativa de suas teses principais ossegundos laquodesenvolvem aspectos do pensamento schopenhaueriano de maneira autocircnoma e original de modoque soacute podem ser considerados disciacutepulos sob o conceito de heregesraquo e os terceiros contribuem sobretudolaquopor meio da pesquisa sobre Schopenhauer com sua promoccedilatildeo organizaccedilatildeo trabalho filoloacutegico de justa medidaediccedilatildeo dos textos e documentosraquo e etc (Ibid p 73)8 Schopenhauer a O Mundo como Vontade e como Representaccedilatildeo ndash Tomo II trad J barboza editora unesp Satildeopaulo 2015 cap 38 p 528 Schopenhauer entende que a histoacuteria natildeo eacute uma ciecircncia e que por isso natildeo haacuteuma filosofia da histoacuteria pois a filosofia e a ciecircncia laquofalam daquilo que sempre eacute [] enquanto que a histoacuteriafala do que foi uma vez e nunca mais existiu depois disso ademais dado que a histoacuteria tem a ver com ocompletamente individual e particular o que por sua vez eacute inesgotaacutevel ela conhece tudo muito imperfeita eparcialmenteraquo (Schopenhauer a die Welt als Wille und vorstellung band ii in Schopenhauer a SaumlmtlicheWerke Band II org W F von loumlhneysen Suhrkamp Stuttgart Frankfurt am mein 1986 cap 38 p 564)apenas a filosofia a arte e a ciecircncia expressam o universal a ciecircncia por meio de leis que antecipam a regularidadedas forccedilas regentes dos fenocircmenos e conforme o princiacutepio de razatildeo suficiente as artes atraveacutes da facilitaccedilatildeo dacontemplaccedilatildeo dos arqueacutetipos essenciais por meio do belo e a filosofia enquanto um espelhamento do mundoem conceitos abstratos os mais universais possiacuteveis para Schopenhauer laquoos eventos do mundo tecircm significaccedilatildeosomente na medida em que satildeo letras a partir das quais se pode ler a ideia do homem e natildeo por si e em mesmosraquo(ibid p 262)

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ao otimismo (Optimismus)9 aleacutem disso ele escreve que laquoo otimismo eacute uma consequecircncia domonoteiacutesmo judaicoraquo10 assim sua oposiccedilatildeo ao teiacutesmo eacute mais originaacuteria do que sua criacutetica aootimismo o que explica o fato desse autor jaacute ter vinculado o conceito de ateiacutesmo (Atheismusque expressa sua criacutetica ao teiacutesmo) agrave proacutepria filosofia soacute em O Mundo como Vontade eRepresentaccedilatildeo (doravante abreviado por O Mundo) e no apecircndice sobre a filosofia kantianasete vezes a originalidade desse conceito contudo nunca foi relacionada com a escola deSchopenhauer detidamente duas exceccedilotildees que jaacute sublinham a importacircncia do conceito deateiacutesmo em Schopenhauer satildeo F nietzsche e Jean lefranc11 Segundo nietzschelaquoSchopenhauer foi como filoacutesofo o primeiro ateu declarado e irremoviacutevel que noacutes alematildeestivemosraquo12 foi a primeira personificaccedilatildeo da laquovitoacuteria da consciecircncia europeia alcanccedilada enfimcom dificuldade como o ato mais rico em consequecircncias a partir de uma educaccedilatildeo bimilenarpara a verdade e que em seu termo se veta o apelo agrave feacute em deusraquo13 inspirados em nietzschee em lefranc portanto propomos desenvolver nesse texto uma anaacutelise e interpretaccedilatildeo daimportacircncia do conceito de ateiacutesmo na filosofia de Schopenhauer e defender na sequecircnciaque a laquoescola de Schopenhauer em sentido latoraquo se divide em duas tradiccedilotildees opostas eenraizadas na ambivalecircncia desse pensador ante a religiatildeo uma ateiacutesta que inclui autores comoreacutee nietzsche e Sigmund Freud e outra religiosa ou miacutestica encabeccedilada por p deussen e pmainlaumlnder a primeira dessas tendecircncias radicaliza o ateiacutesmo de Schopenhauer na medidaem que buscar desmascarar ainda com mais intensidade a ilusatildeo de deus e afastar oconhecimento de todo e qualquer vestiacutegio de religiatildeo a segunda categoria por sua vez jaacute seaprofunda no parentesco da filosofia com a religiatildeo e com a miacutestica que em Schopenhauer

9 F durante precisa a esse respeito que laquoo termo pessimismo (Pessimismus) aparece oito vezes na obra deSchopenhauer mas apenas em quatro ocorrecircncias esse termo se refere ao pessimismo do proacuteprio autor sendoduas delas em seus manuscritos e as outras duas em sua correspondecircncia ou seja em nenhuma dessas [uacuteltimas]ocorrecircncias ele aparece em seus escritos publicadosraquo (durante F Direito natural e direitos fundamentais a atualidadede Schopenhauer para o debate acerca dos direitos humanos universidade de campinas tese de doutorado 2017 p 168)10 Schopenhauer a parerga und paralipomena ndash band i in Schopenhauer a Saumlmtliche Werke org p deussenmuumlnchen r pipper amp co verlag 1913 vol 4 sect 9 p 7411 lefranc escreve que laquoSchopenhauer descobriu propriamente falando o pessimismo natildeo somente introduziua palavra na filosofia mas fez do pessimismo uma tese de alcance criacutetico a contrapartida da doutrina leibnizianado melhor dos mundos possiacuteveis [] contudo [] derrubar o otimismo significa derrubar ao mesmo tempotoda a mitologia de criaccedilatildeo que servia de apoio para o sistema leibnizianoraquo (lefranc J Compreender Schopenhauertrad e F alves vozes petroacutepolisrJ 2005 p 29 e 38)12 nietzsche F the Joyful Wisdom in The complete works of F Nietzsche ndash the first comple and authorised EnglishTranslation org o levy trad t common the macmillan company new york 1924 sect357 p 308 aoapontar Schopenhauer como o primeiro filoacutesofo ateu da alemanha nietzsche demonstra natildeo reconhecer obaratildeo drsquoholbach entre os filoacutesofos alematildees embora tenha nascido em edelsheim alemanha o baratildeodrsquoholbach viveu a maior parte de sua vida em paris e escreveu principalmente em francecircs Seu livro O BomSenso ou Ideias Naturais Opostas ao Sobrenatural (amsterdam 1772) eacute uma das exposiccedilatildeo mais originais do ateiacutesmomoderno e que provavelmente influenciou Schopenhauer13 Idem




se encontra subordinado ao compromisso filosoacutefico com a ciecircncia embora ambas astradiccedilotildees se enraiacutezem na ambivalecircncia desse autor ante a religiatildeo argumentaremos que osampliadores do ateiacutesmo datildeo continuidade ao elemento mais original predominante e assimde maior valor contemporacircneo da filosofia schopenhaueriana no que concerne a esse temapor partirem do elemento subordinado e recebido por esse autor do passado da filosofiaseus disciacutepulos religiosos e miacutesticos jaacute representam uma regressatildeo o que nos levaraacute a invertero uso que Fazio faz da categoria de laquoheregeraquo e defender que do ponto de vista do ateiacutesmoschopenhaueriano mainlaumlnder e deussen satildeo quem melhor aceitam essa descriccedilatildeo

O PESSIMISMO DE SCHOPENHAUER COMO COROLAacuteRIO DE SEU ATEIacuteSMO

volpi estaacute certo quando relaciona a escola de Schopenhauer ao pessimismo contudo oateiacutesmo desse autor eacute ainda mais original a oposiccedilatildeo de Schopenhauer ao otimismo eacuteintroduzida nos sect 56 a 59 do Livro IV de O Mundo que retomam os sect27 e 38 da mesmaobra neles Schopenhauer denuncia o absurdo e a vileza do otimismo com trecircs argumentosprincipais (1) laquotodo querer nasce de uma necessidade portanto de uma carecircncia logo deum sofrimentoraquo14 (2) laquose o conflito natildeo fosse inerente agraves coisas tudo seria uno como dizempeacutedoclesraquo15 e (3) a existecircncia humana eacute laquoapenas um morrer continuamente evitado umamorte sempre adiadaraquo16 conforme o primeiro argumento a carecircncia eacute o conteuacutedofundamental de nosso corpo ou vontade pois se apresenta imediata e originalmente ao passoque a satisfaccedilatildeo eacute uma negaccedilatildeo da carecircncia assim a necessidade a carecircncia e o sofrimentoque soacute se distinguem por uma questatildeo de grau satildeo constantes e permanentes a elas todasatisfaccedilatildeo potildee um fim mas laquocontra cada desejo satisfeito permanecem pelo menos dez quenatildeo o satildeoraquo17 e mesmo no caso do contentamento excepcional ele eacute breve moacutedico e natildeopassa de um intervalo fugaz entre dois desejos em suma o prazer eacute negativo isto eacute natildeolaquochega a noacutes originariamente por si mesmo mas tem que ser sempre a satisfaccedilatildeo de umdesejo pois o desejo isto eacute a carecircncia eacute a condiccedilatildeo preacutevia de todo prazerraquo18 tatildeo somente anecessidade eacute o elemento positivo e original de nossa vontade e uma evidecircncia disso eacute quequando nosso prazer eacute assegurado com facilidade somos assaltados pelo teacutedio assim nossavontade oscila como um pecircndulo entre a dor e o teacutedio que satildeo os seus componentes baacutesicosa felicidade soacute pode ser sentida quando o laquodesejo e a satisfaccedilatildeo se alternam em intervalosnatildeo muito curtosraquo mdasho que engendra o teacutediomdash laquonem muito longos o que traz a miseacuteriaraquo19

14 Schopenhauer a O Mundo como Vontade e como Representaccedilatildeo trad J barboza editora unesp Satildeo paulo2005 sect 38 p 26615 aristoacuteteles Metafiacutesica b 5 apud O Mundo como Vontade e como Representaccedilatildeo op cit sect 27 p 21116 O Mundo como Vontade e como Representaccedilatildeo op cit sect 57 p 40117 Ibid sect 38 p 26618 Idem19 Idem



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conclusatildeo traacutegica laquoo sujeito do querer estaacute atado agrave roda de iacutexion que natildeo cessa de girar estaacutesempre enchendo os toneis das danaides eacute o eternamente sedento tacircntaloraquo20

aleacutem disso Schopenhauer entende que o conflito dos fenocircmenos entre si fundamenta arealidade objetiva laquodo conflito dos fenocircmenos mais baixos resultam os mais elevados quedevoram a todos poreacutem efetivando o esforccedilo de todos em um grau mais elevado mdash por issovale a lei Serpens nisi serpentem comederit non fit draco (a serpente precisa devorar outra serpentepara se tornar dragatildeo)raquo21 essa condiccedilatildeo eacute chamada pelo autor de autodiscoacuterdia da vontadea sua expressatildeo mais clara e terriacutevel ocorre justamente laquoquando o homem se torna o lobodo homem homo homini lupusraquo22 por conseguinte a vida humana consiste em um laquoesforccedilointerminaacutevel sem fim sem repousoraquo23 diante do qual a vitoacuteria eacute necessaacuteria a todo temponatildeo soacute contra os fenocircmenos mais baixos (o que se expressa por exemplo no laquomandamentofeacuterreo da alimentaccedilatildeoraquo24) como contra si proacuteprio o homem deve resistir incessantementecontra uma seacuterie de ameaccedilas laquoao que logo se conecta uma segunda exigecircncia a dapropagaccedilatildeo da espeacutecieraquo25 consequentemente ele eacute laquoquerer concreto e necessidade absolutaeacute uma concretizaccedilatildeo de milhares de necessidadesraquo26 Sua sobrevivecircncia pode ser comparadaa um milagre e no aacutepice de sua cogniccedilatildeo isto eacute no gecircnio ele tambeacutem conhece o cume desua dor o gecircnio mais do que qualquer outro indiviacuteduo padece de um sofrimento agudooriundo do desprezo da prudecircncia fundada na observaccedilatildeo interessada das coisas ordinaacuteriase que pouco contribui ao conhecimento objetivo e desinteressado por intuir laquoem cada parteseu extremoraquo27 o gecircnio atinge extremos em seu comportamento e isso o aproxima do loucoe o lanccedila amiuacutede agrave miseacuteria

Finalmente toda a liccedilatildeo laquoque a vida daacute em partes e isoladamenteraquo a saber que todo esforccediloeacute laquovatildeo friacutevolo e autocontraditoacuterio e que o retorno dele soacute pode ser encarado como umasalvaccedilatildeoraquo28 eacute resumida conforme Schopenhauer na visatildeo da morte a morte eacute o maior dosmales e anguacutestias laquoo que de pior em geral poderaquo29 nos ameaccedilar e eacute justamente o destino

20 Idem21 bacon Sermones Fideles 38 apud O Mundo como Vontade e como Representaccedilatildeo op cit sect27 p 20922 plautus Asinaria 2 apud O Mundo como Vontade e como Representaccedilatildeo op cit sect 27 p 21223 O Mundo como Vontade e como Representaccedilatildeo op cit sect57 p 40124 Ibid p 40225 Idem26 Ibid p 40327 Schopenhauer a die Welt als Wille und vorstellung in Schopenhauer a Saumlmtliche Werke Band I org WF von loumlhneysen Suhrkamp Stuttgart Frankfurt am main 1986 sect 36 p 277 laquoespecialmente intuitivo a esserespeito eacute o Torquato Tasso de Goetheraquo (O Mundo como Vontade e como Representaccedilatildeo op cit sect36 p 260) ndash escreveSchopenhauer ndash assim como a maioria das biografias de gecircnios como byron alfieri rousseau etc28 Die Welt als Wille und Vorstellung ndash Band II op cit cap 49 p 81729 O Mundo como Vontade e como Representaccedilatildeo ndash Tomo II op cit cap 41 p 557




incontornaacutevel de toda nossa odisseia o medo a priori da morte presente ateacute mesmo nosanimais irracionais que sem conhececirc-la fogem tremem e se escondem ante a menor de suaspossibilidades compotildee o reverso da vontade de viver por isso Jakob boumlhme estaacute certoquando pressente que laquotodos os corpos humanos e animais todas as plantas estatildeoparcialmente mortosraquo30 afinal do ponto de vista formal a vida natildeo eacute mais do que laquoumaqueda contiacutenua do presente no passado morto um morrer constanteraquo31 e do ponto de vistafiacutesico temos uma morte constantemente adiada o que se constata jaacute na respiraccedilatildeo que laquonosdefende da morte que incessantemente nos aflige e contra a qual lutamos a cada segundoraquo32apesar de nossa heroica resistecircncia por toda uma vida a morte laquotem que vencer no finalpois a ela estamos destinados [] e ela apenas brinca um instante com sua presa antes dedevoraacute-laraquo33 o fato do homem ser o uacutenico animal dono da consciecircncia da morte define atriste verdade de sermos o maior dos sofredores da natureza

por todas essas razotildees Schopenhauer conclui que o otimismo natildeo eacute apenas laquoabsurdo masrealmente vil eacute um escaacuternio amargo contra os sofrimentos inominaacuteveis da humanidaderaquo34 emsua origem anaxaacutegoras foi quem o introduziu na filosofia ao laquoadotar como elemento primeiroe originaacuterio um νοῦς uma inteligecircncia um sujeito de representaccedilatildeo no princiacutepio de tudoraquo35Sua gecircnese remete portanto agrave crenccedila laquosegundo a qual a maneira mais perfeita para as coisasnascerem exige um intelectoraquo36 pois somente a partir de um intelecto ou espiacuterito supremo ootimismo pode conceber a laquoexistecircncia do mundo como justificaacutevel e consequentemente comolouvaacutevel e recomendaacutevelraquo37 como esse espiacuterito supremo foi expresso originalmente peloconceito de deus Schopenhauer deduz que laquoo otimismo eacute uma consequecircncia domonoteiacutesmo judaicoraquo38 desse modo sua oposiccedilatildeo ao otimismo se baseia em sua criacutetica aoteiacutesmo o que caso queira ser expresso em termos positivos soaria seu pessimismo se enraiacutezaem seu ateiacutesmo

30 O Mundo como Vontade e como Representaccedilatildeo op cit sect 27 p 21131 Ibid sect 57 p 40132 Idem33 Idem34 Die Welt als Wille und Vorstellung op cit sect 59 p 447 como religiatildeo o otimismo foi cultuado pelo judaiacutesmoislamismo e paganismo e como filosofia foi defendido por leibniz hegel Shaftesbury bolingbroke pope eoutros (cfr Die Welt als Wille und Vorstellung ndash Band II op cit p 745 e 748)35 Ibid p 348-35136 Schopenhauer a volpi F Ziegler e Senilia trad r bernet herder barcelona 2010 p 5337 Die Welt als Wille und Vorstellung ndash Band II op cit cap 17 p 21938 Schopenhauer a parerga und paralipomena ndash band i in Schopenhauer a Saumlmtliche Werke org W F vonloumlhneysen Suhrkamp Stuttgart Frankfurt am main 1986 Band IV sect 9 p 61



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A CONTRADICcedilAtildeO E A VILEZA DO TEIacuteSMO

Schopenhauer entende que o teiacutesmo consiste em uma crenccedila segundo a qual um ser individuale externo ao mundo teria criado o mundo em um ato espontacircneo de vontade essa criaccedilatildeomarcaria o iniacutecio dos tempos ao que agostinho acrescenta ainda o prisma de que todos osbenefiacutecios da existecircncia satildeo obras desse indiviacuteduo supremo ao qual devemos portantogratidatildeo eterna mas todos os nossos males satildeo pecados individuais nossos pelos quaispagamos com a danaccedilatildeo eterna conforme Schopenhauer essa formulaccedilatildeo tambeacutem eacute natildeoapenas absurda mas incrivelmente cruel seu contrassenso se percebe jaacute no fato de que comoKant demonstrou na Criacutetica da razatildeo pura todo conhecimento se baseia na experiecircncia a qualeacute moldada pela capacidade de representaccedilatildeo do sujeito do conhecimento cujos moldessegundo Schopenhauer satildeo o tempo o espaccedilo a causalidade e o ser-objeto-para-um-sujeito(chamados por esse autor de principium individuationis) como essa forma da realidade eacute subjetivae restrita ao mundo enquanto fenocircmeno suas propriedades natildeo podem ser estendidas ao queultrapassa a experiecircncia fenomecircnica senatildeo por meio do dogmatismo em poucas palavrasconhecemos apenas fenocircmenos isto eacute representaccedilotildees de nosso aparelho cognitivo e poucosabemos sobre a coisa em si mesma incondicionada e absoluta na qualidade de causaincondicionada e absoluta do mundo deus natildeo pode ser conhecido ou o que daacute praticamenteno mesmo afirmar a sua existecircncia natildeo implica aceitaccedilatildeo universal e objetiva mas apenaspode ser objeto de feacute subjetiva Agraves crenccedilas religiosas sobre deus imortalidade da alma eorigem do mundo portanto natildeo haacute acordo possiacutevel entre os homens mas apenas umadialeacutetica infinita e isso porque claramente natildeo haacute um criteacuterio universal e objetivo a seradotado agrave resoluccedilatildeo da disputa caso o ateiacutesmo seja entendido portanto natildeo como mais umatese teoloacutegica positiva entre tantas outras (politeiacutesmo panteiacutesmo monoteiacutesmo etc) mascomo um siacutembolo da renuacutencia filosoacutefica agrave pretensatildeo de conhecimento das questotildees religiosasentatildeo seu argumento se inicia com a separaccedilatildeo de Kant do fenocircmeno e da coisa em si seguidade sua demonstraccedilatildeo da impossibilidade de conhecimento do uacuteltimo39

mais do que dogmaacutetica poreacutem a interpretaccedilatildeo literal dos dogmas cristatildeos da natildeo liberdadeda vontade vinculado ao dogma do inferno eacute para Schopenhauer contraditoacuteria e inclusive

39 conforme Schopenhauer os trecircs maiores meacuteritos de Kant satildeo a sua separaccedilatildeo do fenocircmeno e da coisa emsi sua fundamentaccedilatildeo da possibilidade da liberdade e da imputabilidade moral com base na possibilidade de sepensar (distinto de conhecer) a coisa em si (isto eacute como um segundo ponto de vista do mesmo mundo que nosaparece pelo ponto de vista do fenocircmeno como conheciacutevel e subordinado ao determinismo causal) e sualaquocompleta demoliccedilatildeo da filosofia escolaacutesticaraquo (Schopenhauer a Criacutetica agrave Filosofia Kantiana in Schopenhauera O Mundo como Vontade e como Representaccedilatildeo trad J barboza editora unesp Satildeo paulo 2005 p 531) Segundoo filoacutesofo de danzig a refutaccedilatildeo kantiana da teologia especulativa ateacute entatildeo dominante na filosofia consistelaquono ataque mais seacuterio jaacute realizado contra o teiacutesmoraquo (Schopenhauer a Uumlber die vierfache Wurzel des Satzesvom Zureichenden Grunde in Schopenhauer a Saumlmtliche Werke org W F von loumlhneysen SuhrkampStuttgart Frankfurt am main 1986 1986 vol 3 p 154) ndash de modo que nas palavras de lefranc laquoo verdadeirotiacutetulo da Criacutetica da razatildeo pura e a Criacutetica do juiacutezo reunidas deveria ser ldquocritica do teiacutesmo ocidentalrdquoraquo (CompreenderSchopenhauer op cit p 68)




indecorosa pelos seguintes motivos (1) deus impotildee um castigo eterno a pecadores quevivem em meacutedia pouco mais de meio seacuteculo (2) os quais satildeo concebidos como natildeo livrespois agem a partir da necessidade do pecado original e a partir de suas criaccedilotildees do nada peloproacuteprio deus como isso eacute possiacutevel como pessoas natildeo livres podem ser castigas e tatildeoseveramente como o satildeo (3) aleacutem disso se deus eacute o criador do universo natildeo deveria tambeacutemser o autor de todo pecado Se eacute onipotente e antagocircnico ao pecado por que natildeo o eliminade vez (4) e se eacute onisciente natildeo deveria saber que sua obra o homem natildeo estaria agrave alturade suas elevadas exigecircncias pois entatildeo por que natildeo a criou melhor do que o fez (5) porfim se esse mesmo deus eacute infinitamente bondoso e ordena o perdatildeo por que permite queseus amados filhos recebam uma puniccedilatildeo tatildeo horrenda como a da danaccedilatildeo eterna

de acordo com Schopenhauer agraves objeccedilotildees precedentes se acrescentam ainda as criacuteticaanteriores ao otimismo jaacute que esse uacuteltimo modo de pensar estaacute no cerne do judaiacutesmo pai domonoteiacutesmo completando assim a vilania do uacuteltimo40 desde o ponto de vista psicoloacutegicopor sua vez o filoacutesofo tambeacutem apresenta uma seacuterie de consideraccedilotildees que antecipam algunsaspectos fundamentais da criacutetica de reacutee nietzsche e Freud da religiatildeo e em especial doteiacutesmo em Senillia por exemplo Schopenhauer anota que o teiacutesmo se baseia na preferecircnciaescrava por laquofiar-se mais na graccedila alheia do que nos proacuteprios meacuteritosraquo41 e tambeacutem repousana conformaccedilatildeo com laquoa servidatildeo a obediecircncia e a adoraccedilatildeoraquo42 Quando se questiona emuacuteltima instacircncia em que se funda o teiacutesmo poreacutem o autor recorre agrave ironia laquo1ordm na revelaccedilatildeo2ordm na revelaccedilatildeo 3ordm na revelaccedilatildeo e se natildeo eacute nisso entatildeo em nada desse mundoraquo43 a ideia darevelaccedilatildeo mdashexplica o filoacutesofo em um aforismo assim intitulado de Parerga e Paralipomena ndashTomo IImdash eacute fruto sobretudo da astuacutecia dos sacerdotes que perceberam muito bem o abismaldesamparo humano ante a miseacuteria e a falta de sentido do mundo e da vida e que agorapretendem dominar a populaccedilatildeo ao se apresentarem como os donos da soluccedilatildeo infaliacutevel dainextirpaacutevel carecircncia metafiacutesica com as seguintes e poeacuteticas palavras o primeiro ateu alematildeoapresenta essa interpretaccedilatildeo

as efecircmeras geraccedilotildees dos seres humanos nascem e perecem em raacutepida sucessatildeo enquanto que osindiviacuteduos rodeados de anguacutestia necessidade e dor danccedilam nos braccedilos da morte todos seperguntam incansavelmente pelo significado de sua farsa tragicocircmica rogam aos ceacuteus por uma

40 a esse respeito Schopenhauer escreve que laquoa crenccedila de que um deus Jeovaacute animi causa [porque se sentiuinclinado] e de gaieteacute de coeur [de modo puramente gratuito] tenha criado esse mundo de miseacuteria e lamento etenha se aprovado a si proacuteprio com o lsquoπάντα καλὰ λίανrsquo [lsquo(e deus falou) tudo (que ele fez e contempla) eacutemaravilhosorsquo (Gecircneses 131)] eacute absolutamente intragaacutevelraquo (Schopenhauer a parerga und paralipomena ndash bandii in Schopenhauer a Saumlmtliche Werke org W F von loumlhneysen Suhrkamp Stuttgart Frankfurt am main1986 vol v PP II sect 156 p 354)41 Senilia op cit p 97142 de alexandria c Stromata cap 7 apud Senilia op cit p 74143 Senilia op cit p 612



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resposta mas o ceacuteu permanece calado por outro lado os padrecos (Pfaffen) aparecem com suasrevelaccedilotildees

entre as muitas coisas duras e deploraacuteveis da condiccedilatildeo humana natildeo eacute a menor delas o fato deexistirmos sem sabermos de onde para onde e para quecirc Quem considerou e adentrou esse malde modo sensiacutevel e profundo dificilmente deixaraacute de se exasperar contra aqueles que afirmam ternotiacutecias especiais sobre o assunto e que desejam nos comunicar sob o nome de revelaccedilatildeo44

laquoainda eacute uma grande crianccedila mdashassevera Schopenhauer antes de Freudmdash quem consegueseriamente se representar que seres natildeo humanos teriam dado agrave nossa espeacutecie explicaccedilotildeessobre a origem e a finalidade sua e do mundoraquo45 pelo contraacuterio laquonatildeo haacute outra revelaccedilatildeo aleacutemdo pensamento dos saacutebios de acordo com todo lote humano esses pensamentos tambeacutemestatildeo sujeitos a erro e se encontram amiuacutede revestidos de estranhas alegorias chamadas dereligiotildeesraquo46 Se as religiotildees pudessem admitir a falibilidade e o caraacuteter alegoacuterico de seusmisteacuterios seriam no melhor dos casos um laquoinestimaacutevel benefiacutecioraquo47 agrave populaccedilatildeo nem tantopela capacidade de transmitirem a bondade ndash que assim como a genialidade artiacutestica eacute inatae natildeo pode ser calcada desde de fora por textos discursos e etc contudo na medida em queconferem um apoio externo aos homens naturalmente bondosos elas podem permitir-lhesque atem em suas estoacuterias e maacuteximas seus laquosentimentos e compromissos moraisraquo48 e ter-lhes portanto alguma utilidade aleacutem disso a religiatildeo ainda consola o homem contra os laquodurossofrimentos da vidaraquo49 por meio do apelo agrave feacute e agrave esperanccedila mdasho que tambeacutem merece umreconhecimento praacuteticomdash o uacutenico pomo de discoacuterdia da religiatildeo poreacutem eacute que ela laquonuncareconhece abertamente sua natureza alegoacutericaraquo50 mas se define como a expressatildeo literal daverdade absoluta com isso ela invade o domiacutenio do conhecimento que pertence agrave filosofiae agraves ciecircncias e provoca as reaccedilotildees polecircmicas das uacuteltimas o principal motivo dessa invasatildeo eacuteo jaacute mencionado os sacerdotes ambicionam mesmo que inconscientemente conduzir edominar os homens espiritualmente Quanto ao segredo de sua astuacutecia ele repousa no fatodos mesmos terem

compreendido muito acertadamente a forccedila e a inesgotabilidade das necessidades humanasmetafiacutesicas agora almejam possuir a satisfaccedilatildeo dessas necessidades ao alegarem que seus enigmasvatildeo de encontro agrave soluccedilatildeo dessas carecircncias por um caminho extraordinariamente direto tendoiludido a populaccedilatildeo uma uacutenica vez podem entatildeo dominaacute-la agrave vontade e para sempre depois disso

44 Parerga und Paralipomena ndash Band II op cit sect 176 p 42745 Idem46 Idem47 Die Welt als Wille und Vorstellung ndash Band II op cit cap 17 p 21748 Parerga und Paralipomena ndash Band II op cit sect 174 p 40349 Ibid sect 176 p 427 50 Die Welt als Wille und Vorstellung ndash Band II op cit cap 17 p 216




os soberanos mais prudentes entram em alianccedila com os sacerdotes e os mais tolos tambeacutem satildeomanipulados por eles51

Finalmente no periacuteodo moderno se aproximam ainda desses usurpadores uma segundaespeacutecie de metafiacutesicos os professores de filosofia ou sofistas uma vez que ambos os tipos demetafiacutesico fundam sua empresa na carecircncia metafiacutesica dos homens lhes eacute interessanteconcordarem o dogma o que especialmente os uacuteltimos observam com rigor ante a charlatanicedos sofistas Schopenhauer enuncia que se deve aprender a distinguir os filoacutesofos seacuterios quevivem para a filosofia dos filoacutesofos de caacutetedra que vivem da filosofia esses de fato natildeo fazemmais do que substituir o deus do Antigo Testemento por novos conceitos abstrusos e impotentescomo o de absoluto e afins contra isso o autor remete todas as criacuteticas anteriores ao teiacutesmoe recorda que laquonatildeo importa se fazemos um iacutedolo de madeira pedra ou metal ou o erguemoscom conceitos abstratos a idolatria permanece a mesma se temos diante de noacutes um ser pessoala quem fazemos sacrifiacutecios e que invocamos e agradecemosraquo52 contra os ecos impotentes dodeus antigo recorda Schopenhauer que laquonatildeo haacute outro deus aleacutem de deus e o Antigo Testamentoeacute a sua revelaccedilatildeo ndashem especial o livro de Josueacuteraquo53

O ATEIacuteSMO DE SCHOPENHAUER COMO TESTEMUNHA DA PRECEDEcircNCIA DO COMPROMISSO

DA FILOSOFIA COM A CIEcircNCIA ANTE SEU PARENTESCO COM A RELIGIAtildeO

apesar de defender a oposiccedilatildeo anterior entre uma filosofia laquoverdadeira seacuteriaraquo54 e aparentadaagrave ciecircncia e uma laquofilosofia de caacutetedraraquo astuta e derivada da religiatildeo Schopenhauer tambeacutemabriga em sua doutrina uma certa consanguinidade entre a filosofia e a religiatildeo esseparentesco poreacutem se subordina ao compromisso da filosofia com o convencimento universalque a aproxima da ciecircncia conforme Schopenhauer laquoa disposiccedilatildeo filosoacutefica propriamentedita consiste antes de tudo na capacidade de nos espantarmos diante daquilo que eacute comume cotidiano com o que temos justamente a ocasiatildeo de tornar o universal da aparecircncia umproblema nossoraquo55 por outro lado laquoSem duacutevida alguma eacute o saber em torno da morte e juntocom esse a consideraccedilatildeo do sofrimento e da miseacuteria da vida o que daacute o mais forte estiacutemulopara a introspecccedilatildeo filosoacutefica e para a interpretaccedilatildeo metafiacutesica do mundoraquo56 a primeiraorigem da filosofia que repousa no espanto com a capacidade da razatildeo de criar universaisante o mundo dos eventos particulares eacute compartilhada por ela com as ciecircncias Sua gecircnesenas necessidades metafiacutesicas (sobretudo de compensaccedilatildeo agrave dor da morte e da ausecircncia de

51 Parerga und Paralipomena ndash Band II op cit sect 176 p 42752 Parerga und Paralipomena ndash Band II op cit sect 178 p 44653 Senilia op cit p 5654 O Mundo como Vontade e como Representaccedilatildeo ndash Tomo II op cit cap 17 p 19955 Ibid p 19656 aristoacuteteles Metafiacutesica i 982 apud O Mundo como Vontade e como Representaccedilatildeo ndash Tomo II op cit cap 17 p 196



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sentido da vida) jaacute eacute comungada com a religiatildeo as palavras foram escolhidas a dedos aproximidade com a ciecircncia eacute prioritaacuteria (laquoantes de tudoraquo) o parentesco filosoacutefico com areligiatildeo apesar de ser a fonte do laquomais forte estiacutemulo para a introspecccedilatildeoraquo57 metafiacutesica devese subordinar ao compromisso cientiacutefico da filosofia

com base nesses conceitos Schopenhauer defende que a filosofia deve ser uma laquorepeticcedilatildeocompleta por assim dizer um espelhamento do mundo em conceitos abstratosraquo58 essa tarefaeacute dividida por ele em duas partes como philosophia prima ela espelha o laquomeio pelo qual aexperiecircncia em geral se apresenta junto agrave forma e agrave natureza deste meio [] isto eacute arepresentaccedilatildeo a imagem mental e o intelectoraquo59 e como metafiacutesica tenta penetrar no conteuacutedodo fenocircmeno isto eacute decifrar o laquoenigma do mundoraquo60 no aacutepice dessa decifraccedilatildeo o pensadorentende que laquoa filosofia aprende a conhecer mais de perto (naumlher kennenzulernen) a coisa em simesmaraquo61 o que o forccedila a assumir uma posiccedilatildeo ambivalente entre laquoquerer conservar aexpressatildeo kantianaraquo62 da coisa em si como incognosciacutevel objetivamente e complementar quelaquonoacutes mesmos somos a coisa em si portanto uma via do interior estaacute aberta a noacutes para aquelaessecircncia proacutepria e iacutentima das coisas que natildeo podemos penetrar do exteriorraquo63 em sua anaacutelise

57 Idem58 Die Welt als Wille und Vorstellung op cit proacutelogo agrave primeira ediccedilatildeo p 136 59 Parerga und Paralipomena ndash Band II op cit sect 21 p 2660 O Mundo como Vontade e como Representaccedilatildeo op cit sect 18 p 15661 Parerga und Paralipomena ndash Band II op cit sect 21 p 2762 O Mundo como Vontade e como Representaccedilatildeo op cit sect 22 p 16963 O Mundo como Vontade e como Representaccedilatildeo ndash Tomo II op cit cap 18 p 236 essa via do interior pela qual nosaproximamos da coisa em si foi exposta por Schopenhauer entre os paraacutegrafos 18 e 25 de O Mundo ela sebaseia nos seguintes argumentos se o ponto de vista teoacuterico kantiano pudesse ser radicalizado e noacutes focircssemosmeros ceacuterebros sem corpos ou mentes sem vontade entatildeo conheceriacuteamos de fato apenas representaccedilotildees eestariacuteamos de todo apartados da coisa em si contudo como nossa inteligecircncia natildeo eacute livre assim mas se enraiacutezaem um corpo que consiste na expressatildeo imediata de uma vontade se abre para noacutes laquoum contato secreto quecomo por traiccedilatildeo nos introduz rapidamente na fortaleza que desde fora seria impossiacutevel tomar por ataqueraquo(ibid p 236) o corpo de um lado eacute uma representaccedilatildeo externa como qualquer outra no principium individuationisde outro ele eacute o uacutenico objeto que pode ser intuiacutedo interna e imediatamente de modo a se identificarmilagrosamente com o sujeito do conhecimento (o que eacute expresso pela palavra laquoeuraquo) destarte se vemos todosos fenocircmenos externos sendo produzidos a partir de causas que sempre pressupotildeem a manifestaccedilatildeo de umaforccedila fundamental e incognosciacutevel (as forccedilas da fiacutesica e da quiacutemica ou as forccedilas vitais) a qual empresta acausalidade propriamente dita agrave causa em nosso agir vemos desde dentro como nossa forccedila vital mdasha vontademdashprovoca efeitos em noacutes portanto laquoentre os bastidores e [] conforme sua essecircncia mais iacutentimaraquo (Uumlber die VierfacheWurzel des Satzes vom Zureichenden Grunde op cit p 173) assim o conhecimento imediato e interno de nossocorpo como sujeito do querer ou vontade consiste no limite final de nossa compreensatildeo de nossa interioridadeou essecircncia comparaacutevel agrave coisa em si Se quisermos portanto ir aleacutem do egoiacutesmo teoacuterico (que consiste emtomar todos os objetos externos de modo distinto agrave duplicidade com a qual nosso corpo eacute conhecido e assimcomo meros fantasmas mentais) poderemos fazecirc-lo apenas com base na analogia da interioridade do mundoexterno com o nosso corpo e vontade a partir dessa analogia apresentada no sect 22 Schopenhauer denomina




da religiatildeo Schopenhauer escreve que essa tambeacutem laquotrata fundamentalmente de uma ordemde todo distinta [do fenocircmeno] da ordem da coisa em si mesmaraquo64 assim uma das principaisdiferenccedilas entre a filosofia e a religiatildeo consiste em que a primeira procura decifrar o enigmado mundo com um discurso sensu stricto et proprio isto eacute por meio da exposiccedilatildeo mais categoacutericapossiacutevel da verdade enquanto que a religiatildeo que se destina agrave multidatildeo que natildeo pode ou natildeoquer aprender a verdade diretamente laquotem a obrigaccedilatildeo de ser verdadeira apenas sensuallegoricoraquo65 por exemplo quando responde ao laquogecircnio inspirador ou musagete da filosofiaraquo66a saber a morte Schopenhauer recorre ao conceito direto da eternidade da vontade essa eacuteanterior ao principium individuationis e portanto a toda finitude de modo que do laquoponto devista do conhecimentoraquo67 a morte eacute uma ilusatildeo risiacutevel dizendo o mesmo por um caminhoagora metafoacuterico e portanto aparentado ao da religiatildeo (muito embora essa natildeo costume termuito esmero poeacutetico) o autor declama

a planta e o inseto morrem no fim do veratildeo e o animal e o homem depois de alguns anos mascomo se isso natildeo fosse o caso em sua totalidade tudo estaacute sempre ali em seu lugar e posiccedilatildeo eimpereciacutevel a planta verdeja e floresce eternamente o inseto assobia o animal e o ser humanoseguem em juventude indestrutiacutevel e em todo veratildeo temos para noacutes as mesmas cerejas que jaacuteforam saboreadas milhares de vezes tambeacutem os povos permanecem os mesmos como indiviacuteduosimortais Se por ventura trocam de nome seu agir seu esforccedilo e seu sofrimento continuam osmesmos embora a histoacuteria sempre pretenda relacionaacute-los com algo de diferente pois eacute como ocaleidoscoacutepio que nos mostra uma nova configuraccedilatildeo a cada giro apesar de noacutes sempre termos amesma coisa diante dos olhos portanto o que se forccedila a noacutes mais irresistivelmente do que opensamento de que esse provir e perecer natildeo dizem respeito agrave verdadeira essecircncia das coisas masessa permanece intocada por eles e portanto eacute impereciacutevel68

no que concerne ao sofrimento Schopenhauer jaacute afirma que ele soacute pode ser extirpadopela raiz com o que chama de autonegaccedilatildeo da vontade conforme sua interpretaccedilatildeo o laquoerroinatoraquo69 do qual o nosso ser eacute a paraacutefrase e o nosso corpo o monograma consiste na ilusatildeo

o gecircnero da interioridade ou essecircncia do mundo de onde todas as forccedilas extraem sua causalidade de vontadeSeu argumento portanto eacute prioritariamente criacutetico isto eacute para evitar o solipsismo e ao mesmo tempo natildeocair no dogmatismo de associar a coisa em si a um conceito vazio da razatildeo como o absoluto e afins precisamosradicalizar a analogia do mundo com o objeto imediato o corpo ou a vontade e denominar assim a essecircnciado mundo de vontade 64 Die Welt als Wille und Vorstellung ndash Band II op cit cap 17 p 21565 O Mundo como Vontade e como Representaccedilatildeo ndash Tomo II op cit cap 17 p 20266 Ibid cap 41 p 55567 Ibid p 56168 Die Welt als Wille und Vorstellung ndash Band II op cit cap 41 p 61169 Ibid cap 49 p 755



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de que o fim da vida eacute a perseguiccedilatildeo e a apropriaccedilatildeo de uma felicidade estaacutevel a ser alcanccediladapor uma questatildeo de direito enquanto permanecemos nesse erro o laquomundo nos aparece cheiode contradiccedilotildeesraquo70 e o destino frustra nossas expectativas tanto nas grandes como naspequenas coisas como se quisesse nos ensinar algo Segundo o autor a liccedilatildeo sussurrada pelodestino a todos noacutes aponta ao laquoverdadeiro fim da vidaraquo71 pouco a pouco aprendemos que osofrimento eacute o que melhor nos liberta daquele πρῶτον ψεῦδος (erro originaacuterio) de que umdia seremos felizes e assim torna o mundo laquoharmocircnico senatildeo com nossos desejos ao menoscom nossa intelecccedilatildeoraquo72 essa experiecircncia pela qual a dor se transforma em quietivo de nossoquerer eacute chamada pelo autor de obliteraccedilatildeo da vontade independentemente do destino essapossibilidade soterioloacutegica tambeacutem se intensifica com a praacutetica da compaixatildeo isto eacute da justiccedilae da caridade73 e no aacutepice de sua abertura eacute na santidade ou no ascetismo e portanto nocaminho direto disciplinado e voluntaacuterio agrave dor por meio do laquojejum da castidade e doautoflageloraquo74 que o homem se torna capaz da maneira mais reta de silenciar a fonte dosofrimento pela raiz a saber a vontade de viver em todos esses casos o conhecimentoimediato da imersatildeo do mundo em um laquoperecer constante em esforccedilo vatildeo em conflito iacutentimoe sofrimento contiacutenuoraquo conduz a vontade a efetuar uma laquoviragemraquo75 e renunciar ao mundoque eacute o seu espelho e objetivaccedilatildeo o conceito pelo qual essa possibilidade eacute anunciada eacute apenasnegativo isto eacute indica que nele se alcanccedilou o laquouacuteltimo marco-limite do conhecimentopositivoraquo76 trata-se portanto somente de um nada relativo natildeo absoluto em outras palavrasde algo que eacute nada para o ser ou o laquouniversalmente positivoraquo77 a saber o mundo da objetidadeou espelho da vontade Se esse nada relativo pudesse ser conhecido entatildeo ele seria positivoe entatildeo para ele o nosso mundo da afirmaccedilatildeo da vontade seria o nada contudo aimpossibilidade da comunicaccedilatildeo objetiva desse conhecimento eacute sublinhada pelo filoacutesoforigorosamente de modo que segundo sua leitura de todas as religiotildees apenas o budismonatildeo invade o limite do comunicaacutevel objetivamente quando descreve a negaccedilatildeo como um

70 Idem71 O Mundo como Vontade e como Representaccedilatildeo ndash Tomo II op cit cap 49 p 75772 Idem73 conforme Schopenhauer laquoQuem incondicionalmente e do fundo do coraccedilatildeoraquo pratica a justiccedila haacute defazer sacrifiacutecios que logo privam a vida da doccedilura necessaacuteria para tornaacute-la desfrutaacutevel [] levando-oassim agrave resignaccedilatildeoraquo (O Mundo como Vontade e como Representaccedilatildeo ndash Tomo II op cit cap 48 p 723) em um grauainda maior de moralidade quem eacute verdadeiramente caridoso padece natildeo apenas da proacutepria dor masde laquotodos os tormentos que vecirc e raramente consegue aliviar todos os tormentos dos quais apenas sabeindiretamenteraquo (O Mundo como Vontade e como Representaccedilatildeo op cit sect68 p 481)74 Ibid sect 68 p 48575 Ibid p 48176 Ibid sect 71 p 51877 Ibid p 517




laquoestado no qual natildeo existem quatro coisas nascimento velhice doenccedila e morteraquo78 Quandoos mesmos budistas poreacutem pintam esse evento com conceitos positivos como o de nirvanae afins quando os hindus o definem como a reabsorccedilatildeo em brahma e os miacutesticos oidentificam a deus mdashtodos tergiversam sobre o que laquonatildeo pode ser comunicadoraquo79

objetivamentemdash a possibilidade do nada relativo segundo Schopenhauer eacute laquoa uacutenica quepode nos consolar duradouramente quando [] reconhecemos que o sofrimento incuraacutevel eo tormento sem fim satildeo essenciais ao fenocircmeno da vontaderaquo80 assim a denominaccedilatildeofilosoacutefica dessa possibilidade de negaccedilatildeo da vontade eacute preferiacutevel a laquoescapar-lhe como fazemos indianos atraveacutes de mitos e palavras vazias de sentidoraquo81 em virtude da negatividaderelativa de seu nada Schopenhauer relembra que sua doutrina nunca adentra a teologia ou amiacutestica mdashcautela que tambeacutem se estende a seu conceito de vontade como a decifraccedilatildeo doenigma do mundomdash em ambos o filoacutesofo acredita ter somente indicado o laquouacuteltimo marco-limite do conhecimento positivoraquo82 alcanccedilado pela filosofia a partir de seus problemas e semnunca abandonar a universalidade e objetividade nas antiacutepodas de sua filosofia a teologia jaacuteimpinge laquoa fonte originaacuteria da existecircncia exteriormente a noacutes como um objetoraquo83 e por issose torna transcendente o misticismo ao menos corrige a transcendecircncia da teologia aoreafirmar a necessidade de uma soluccedilatildeo imanente ao enigma do mundo por meio de umanova ideia de deus como idecircntico ao mundo (panteiacutesmo) contudo como o misticismo partesempre da laquoexperiecircncia interior positiva e individual na qual [] natildeo haacute senatildeo afirmaccedilotildeesque temos de aceitar confiando em suas palavras ele natildeo pode persuadir o filoacutesofo pelocontraacuterio parte sempre do que eacute comum a todos da aparecircncia objetiva que existe diante detodos noacutes e dos fatos da consciecircncia de si como eles se encontram em cada umraquo84 Seumeacutetodo eacute laquoa reflexatildeo sobre tudo isso e a combinaccedilatildeo dos dados ali presentes por isso elepode convencerraquo85

assim se indicamos anteriormente que uma das principais distinccedilotildees para Schopenhauerentre a filosofia e a religiatildeo repousa na forma de seus discursos um procura expor a verdadesensu stricto e outra sensu allegoricomdasha diferenccedila principal entre ambas na realidade eacute a seguintea filosofia (como tambeacutem as ciecircncias) encontra sua certificaccedilatildeo apenas em si ao passo que areligiatildeo possui sua laquoautenticaccedilatildeo fora de siraquo86 a filosofia e as ciecircncias se baseiam na convicccedilatildeo

78 Ibid sect 63 p 45579 Ibid sect 71 p 51880 Ibid p 51981 Die Welt als Wille und Vorstellung op cit sect 71 p 55882 O Mundo como Vontade e como Representaccedilatildeo op cit sect 71 p 51883 O Mundo como Vontade e como Representaccedilatildeo ndash Tomo II op cit cap 48 p 73084 Ibid p 72885 Ibid p 72986 Ibid cap 17 p 200



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do pensamento e do conhecimento enquanto que a religiatildeo necessita de recursos externospara avanccedilar seu discurso por exemplo a feacute na revelaccedilatildeo supostamente autenticada pelosmilagres aleacutem disso a religiatildeo recorre ainda agraves ameaccedilas de castigos celestes agrave praacutetica decastigos terrestres (de inclusive grande crueldade contra os opositores ou merosquestionadores de seus dogmas)87 e agrave prerrogativa de transmitir seus dogmas agraves crianccedilas bemcedo de modo que a crescerem nelas laquocomo uma espeacutecie de segundo intelecto inatoraquo88 nasantiacutepodas da convicccedilatildeo intelectual das ciecircncias e da filosofia a feacute religiosa consiste em umaaprovaccedilatildeo voluntaacuteria que pode ser endereccedilada ou natildeo a uma hipoacutetese indemonstraacutevel Se oobjeto da feacute fosse algo cognosciacutevel entatildeo dirigir-lhe feacute seria laquoinuacutetil e ridiacuteculo imagine vincularuma doutrina de feacute agrave matemaacuteticaraquo89 mdashsatiriza o pensadormdash embora com base na feacute se possapalavrear muito mais do que a partir do conhecimento a feacute laquonatildeo pode instruir sobre algo quenatildeo seja compatiacutevel com os resultados do uacuteltimo pois como o conhecimento eacute de uma mateacuteriamais resistente do que a feacute se ambos colidem a uacuteltima se estilhaccedilaraquo90 em poucas palavrasfeacute e saber satildeo como laquodois pratos de uma balanccedila quando um abaixa o outro se eleva [] umcerto niacutevel de ignoracircncia portanto eacute a condiccedilatildeo necessaacuteria da feacuteraquo91 de tal modo que a religiatildeosempre tentou abafar o conhecimento como se constata historicamente laquopor todo o tempoem que o cristianismo gozou de poder na idade meacutedia a civilizaccedilatildeo ficou bem para traacutesraquo92contudo desde que a ultima ratio theologorum (o argumento derradeiro teoloacutegico) deixou de serusado isto eacute a fogueira as ciecircncias logo laquoespalharam suas luzes para todos os ladosraquo93 e a feacutelaquose sentiu obrigada a desaparecer e ceder o lugar agrave filosofiaraquo94 a vitoacuteria do iluminismo sobrea feacute medieval foi tatildeo irresistiacutevel desde entatildeo que antes de Freud Schopenhauer jaacute profetizouque talvez o momento laquoem que a religiatildeo se despediraacute da civilizaccedilatildeo europeia como uma amade leite cujos cuidados foi superado pela crianccedila que doravante seraacute incumbida a um tutor

87 o laquopior lado das religiotildeesraquo segundo Schopenhauer eacute justamente a intoleracircncia e violecircncia com a qual elas selanccedilam contra todas as demais formas de metafiacutesica isso ocorre sobretudo com o monoteiacutesmo comoexemplifica o autor laquopensem no fanatismo nas perseguiccedilotildees sem fim nas [] cruzadas que foram umacarnificina de dois seacuteculos [] na cruel expulsatildeo e exterminaccedilatildeo dos mouros e judeus na espanha e natildeo menosnos banhos de sangue nas inquisiccedilotildees e tantas outras cortes contra os hereges lembrem-se da grande esangrenta expansatildeo dos muccedilulmanos nos trecircs continentes da invasatildeo cristatilde da ameacuterica [] de acordo comlas casas doze milhotildees de seres humanos foram assassinados em apenas quarenta anos [] as crueldadesfanaacuteticas [] satildeo conhecidas apenas nas religiotildees monoteiacutestas [] um soacute deus eacute por natureza um deus ciumentoque natildeo quer deixar nenhum outro viverraquo (Parerga und Paralipomena ndash Band II op cit sect 174 p 421-423)88 O Mundo como Vontade e como Representaccedilatildeo ndash Tomo II op cit cap 17 p 20189 Parerga und Paralipomena ndash Band II op cit sect 175 p 425-42690 Idem91 Ibid sect 182 p 466 sect 174 p 40892 Ibid sect 182 p 46693 Die Welt als Wille und Vorstellung ndash Band II op cit cap 17 p 21294 Parerga und Paralipomena ndash Band II op cit sect 174 p 408




privado esteja apenas por chegarraquo95 natildeo menos antirreligioso do que reacutee nietzsche e Freudportanto Schopenhauer agrega agrave previsatildeo anterior que laquoela natildeo seria de se lamentar [] poistodas as religiotildees satildeo antagocircnicas agrave culturaraquo96 jaacute que laquodetras de la cruz estagrave el diabloraquo97

a metafiacutesica de Schopenhauer portanto estaacute bem mais proacutexima da ciecircncia do que dareligiatildeo embora seu nada relativo e sua laquosoluccedilatildeo do enigma do mundoraquo98 possam ainda conterum elemento religioso revestido de metafiacutesica mdashcomo argumentaratildeo reacutee e nietzschemdashambos satildeo levados a cabo em uma metafiacutesica imanente e baseada tatildeo somente na laquomais ricade todas as fontes do conhecimento a experiecircncia interna e externaraquo99 nas antiacutepodas doteiacutesmo e da filosofia do absoluto Schopenhauer perfila que jamais apresenta uma laquoexplanaccedilatildeoconclusiva da existecircncia do mundo que suprimisse todos os seus problemas ulterioresportanto est quadam prodire tenus [Eacute correto ir ateacute o limite mdashse adiante natildeo haacute caminhonenhum]raquo100 Seja com seu nada relativo seja com sua soluccedilatildeo do enigma do mundo ofiloacutesofo argumenta que apenas procura indicar que o conhecimento universal e objetivopartindo da mais forte motivaccedilatildeo filosoacutefica encontra em ambos os seus limites em vista danegatividade predominante da metafiacutesica de Schopenhauer da prioridade nela existente docompromisso da filosofia com a ciecircncia ante o parentesco com a religiatildeo e de seu ateiacutesmoradical concordamos com horkheimer quando afirma que laquoa liccedilatildeo de Schopenhauer estaacutemais perto da ciecircncia do que da significaccedilatildeo religiosa da realidaderaquo101 do ponto de vistahistoacuterico Salaquarda eacute ciruacutergico quando defende que Schopenhauer estaacute no cume de transiccedilatildeoentre a laquolonga tradiccedilatildeo platocircnico-cristatilderaquo que define o homem como o laquoanimal metaphysicumraquo102e o materialismo criacutetico que se opotildee agrave interpretaccedilatildeo anterior e jaacute entende que o homem fiacutesiconatildeo estaacute mais longe de sua proacutepria essecircncia do que o homem compassivo religioso emetafiacutesico Segundo o platonismo e o cristianismo o homem transcende o plano empiacutericosobretudo nas situaccedilotildees-limite da morte dor e culpa e tambeacutem por meio da religiatildeo e dosmitos conforme a segunda tradiccedilatildeo laquoa necessidade metafiacutesica jaacute natildeo eacute mais concebida comoa expressatildeo de um estado mental fundamental mas como o reflexo ideoloacutegico de uma falsainterpretaccedilatildeo da conditio humana factual nesse sentido argumentam os criacuteticos da religiatildeo eda metafiacutesica pertencentes ao materialismo histoacuterico e dialeacutetico ao positivismo e ao

95 Ibid p 40996 Ibid sect 174 p 409 sect 182 p 466 97 Idem 98 Schopenhauer a Kritik der Kantischen philosophie in Schopenhauer a Saumlmtliche Werke org W F vonloumlhneysen Suhrkamp Stuttgart Frankfurt am main 1986 vol 1 p 57899 Idem100 Idem101 horkheimer m Bemerkungen zu Schopenhauers Denken im Verhaumlltnis zu Wissenschaft und Religion in bucher epayne e F J Kurth K o (org) Schopenhauerjahrbuch ndash fuumlr das Jahr 1972 verlag Waldemar Kramer Frankfurtam main 1972 p 74102 O Mundo como Vontade e como Representaccedilatildeo ndash Tomo II op cit cap 17 p 195



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neopositivismo nietzsche e Freudraquo103 conforme Salaquarda eacute inegaacutevel que Schopenhauertenha sido um antepassado desse materialismo criacutetico e antimetafiacutesico o que se constatasobretudo em sua laquoluta contra a ldquofilosofia universitaacuteriardquo e contra a ldquofilosofia da religiatildeordquo eem seus argumentos criacuteticos de toda ideologiaraquo104 aleacutem disso jaacute sublinhamos que o nadarelativo e a vontade de Schopenhauer satildeo predominantemente negativos e hauridos de umametafiacutesica imanente que natildeo aceita que o parentesco subjacente com religiatildeo supere seucompromisso cientiacutefico Se tudo isso natildeo fosse verdade Schopenhauer natildeo teria apresentadoo que segundo nietzsche consiste no primeiro ateiacutesmo rigoroso da filosofia alematilde laquocomouma vitoacuteria da consciecircncia europeia alcanccedilada enfim com dificuldade como o ato mais ricoem consequecircncias e a partir de uma bimilenar educaccedilatildeo para a verdade que em seu fim seveta o apelo agrave feacute em deusraquo105 a gratidatildeo de nietzsche ao fato de sermos laquobons europeus eherdeiros da mais longa e valiosa autossuperaccedilatildeo da europaraquo106 em virtude justamente dorigor criacutetico e ateu de Schopenhauer talvez seja a maior testemunha da atualidade dopensamento desse filoacutesofo

DOIS HERDEIROS RELIGIOSOS E MIacuteSTICOS DE SCHOPENHAUER P DEUSSEN E P MAINAumlNDER

em face do ateiacutesmo e da antirreligiosidade predominante de Schopenhauer os sentidosteoloacutegico e miacutestico trilhados respectivamente por p deussen e p mainlaumlnder a partir dessefiloacutesofo mais se distanciam do que aprofundam a grande originalidade do mestre conformedeussen laquoSchopenhauer eacute o philosophus christianissimus o mais cristatildeo de todos os filoacutesofosraquo107pois na culminaccedilatildeo de sua filosofia se encontra a liccedilatildeo da separaccedilatildeo do fenocircmeno e da coisaem si seguida da vinculaccedilatildeo da vontade agrave uacuteltima essa tese para deussen coincide com olaquosentido mais profundo de toda a crenccedila em deusraquo108 a saber que laquoa nossa essecircncia natildeo estaacutelimitada neste invoacutelucro de carne e sangue que noacutes embora como fenocircmenos sejamossubordinados ao espaccedilo e portanto egoiacutestas ao tempo e portanto mortais e agrave causalidadee portanto natildeo livres mdashtodo o nosso fenocircmeno empiacuterico eacute apenas uma distorccedilatildeo de nossaessecircncia em si mesmaraquo109 com base nesse raciociacutenio deussen concebe que a laquonossa proacutepriaessencialidade em si mesma sem pecado impereciacutevel e livre eacute o que a religiatildeo qualifica para

103 Salaquarda J Schopenhauer und die religion in malter r (org) Schopenhauer Jahrbuch - 69 Band verlagWaldemar Kramer Frankfurt am main 1988 p 328104 Idem105 The Joyful Wisdom op cit sect 357 p 308106 Idem107 deussen p Schopenhauer und die religion in deussen p (org) Viertes Buch der Schopenhauer-Gesellschaft ndash1915 verlag der Schopenhauer-Gesellschaft Koumlln 1915 p 8108 Ibid p 15109 Idem




se ressaltar sua contraposiccedilatildeo da maneira mais forte como o nosso ser que estaacute defronte aofenocircmeno empiacuterico em outras palavras como deusraquo110 aleacutem dessa tese chamada por elede monergismo deussen acusa Schopenhauer de aderir a uma segunda liccedilatildeo pauliacutenia a sabera do laquorenascimento dos velhos homens em novosraquo sob o conceito da laquoviragem daautoafirmaccedilatildeo agrave negaccedilatildeo da vontaderaquo111

mainlaumlnder pelo seu turno jaacute teria tentado recuperar o criacionismo judaico a partir deSchopenhauer ao associaacute-lo natildeo mais com o otimismo mas com a tese pessimista do uacuteltimode que laquoa vida eacute uma empresa que natildeo cobre os seus custosraquo112 conforme mainlaumlnder a lucidezde que o caos subjuga a ordem (e por conseguinte a dor a satisfaccedilatildeo) encontra na leitermodinacircmica da entropia de clausius uma comprovaccedilatildeo cientiacutefica mais especificamenteessa lei estabelece a tendecircncia no universo infinito de uma dissipaccedilatildeo progressiva da energiaou um enfraquecimento da forccedila do ponto de vista sistecircmico a forccedila que vai gradualmentese enfraquecendo mdashraciocina mainlaumlndermdash laquoproveacutem de outra forccedila anterior e maior que emuacuteltima instacircncia nos leva a deusraquo113 com base nesse argumento esse filoacutesofo laquoimagina quesomos fragmentos de um deus que no princiacutepio dos tempos destruiu-se a si mesmo aacutevidode natildeo ser [] a histoacuteria universal seria a obscura agonia desses fragmentosraquo114 por outrocaminho como o uacutenico ato aparentemente impossiacutevel a deus era o de natildeo ser ele refutouessa falsa impossibilidade ao entrar no principium individuationis e se fragmentar em inuacutemeraspartiacuteculas efecircmeras de modo que todo nosso mundo eacute o resultado do suiciacutedio divino

embora mainlaumlnder defina essa inversatildeo pessimista do teiacutesmo otimista de ateiacutesmocientiacutefico Fabio ciracigrave eacute mais convincente quando a descreve como uma tentativa de laquoniilismomiacutesticoraquo115 que propotildee como laquosoluccedilatildeo para todos os problemas do universoraquo116 o suiciacutedio

110 Idem111 Idem aleacutem dessas aproximaccedilotildees deussen defende que outras duas liccedilotildees cristatildes se incorporam agravefilosofia Schopenhauer a da natildeo liberdade empiacuterica da vontade e o imperativo-categoacuterico como formada eacutetica Segundo o teoacutelogo a primeira eacute claramente exposta pelo pessimista em sua divisatildeo de que acoisa em si eacute livre mas o fenocircmeno subordinado ao determinado causal e a segunda embora criticadapor Schopenhauer subjaz a toda eacutetica que apresenta conceitos morais como o laquoverdadeiro fim davidaraquo (O Mundo como Vontade e como Representaccedilatildeo ndash Tomo II op cit cap 49 p 757) entre outros semelhantes112 Die Welt als Wille und Vorstellung ndash Band II op cit p 429113 ciracigrave F o ateiacutesmo de philipp mainlaumlnder efeitos colaterais do conceito de deus in de carvalho rcosta G motta t (org) Nietzsche ndash Schopenhauer Metafiacutesica e significaccedilatildeo moral do mundo ndash Parte II trad m everdaguer ed uece Fortaleza 2015 p 56114 borges J l Altre inquisizioni Feltrinelli milatildeo 2000 cap laquoil biathanatosraquo apud O Ateiacutesmo de PhilippMainlaumlnder Efeitos Colaterais do Conceito de Deus op cit p 47115 Ibid p 11116 volpi F un pensatore ottocentesco da poco riscoperto mainlaumlnder una filosofia da suiciacutedio in larepubblica 7 de abril de 2001 p 46 com muita coragem e coerecircncia mainlaumlnder consumou o seu ideal filosoacuteficona noite de dia 31 de marccedilo de 1876 apoacutes ter recebido em casa o primeiro exemplar de sua Filosofia da Redenccedilatildeo



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conforme ciracigrave mainlaumlnder expotildee um misticismo que laquonatildeo consegue se desvencilhar daideia de deus natildeo se emancipa em relaccedilatildeo agrave presenccedila de uma divindade-pai que eacute a causainicial e final do mundo natildeo se liberta de um projeto escatoloacutegico que aspira agrave salvaccedilatildeo dohomem necessita de um sentido da histoacuteria e natildeo hesita por fim em conceber uma novadivindade o nadaraquo117 tanto pela manutenccedilatildeo do velho deus sempre preferiacutevel a um mundodesdivinizado como por seu distanciamento da eacutetica da compaixatildeo e da imanecircncia deSchopenhauer ciracigrave conclui que mainlaumlnder representa laquoem relaccedilatildeo agrave filosofiaschopenhaueriana [] uma posiccedilatildeo retroacutegradaraquo118 o mesmo pode ser dito de deussen acisatildeo teiacutesta entre deus e o mundo diferentemente do que quer esse autor eacute transcendente enatildeo imanente e indica duas partes em que uma eacute a causa e a outra o efeito mdashrelaccedilatildeo essa quede modo algum pode ser aplicada agrave separaccedilatildeo da coisa em si e do fenocircmeno de Schopenhaueressa uacuteltima separaccedilatildeo natildeo apresenta qualquer relaccedilatildeo causal pois toda causalidade pertenceao fenocircmeno e pode apenas ser compreendida como dois pontos de vistas distintos domesmo mundo Sendo assim a decifraccedilatildeo proposta por Schopenhauer eacute imanente e natildeocausalista e transcendente como a do teiacutesmo no que concerne agrave comparaccedilatildeo entre o nadarelativo e o paraiacuteso cristatildeo ela soacute seria consequente caso se renunciasse agrave interpretaccedilatildeo literaldesse dogma religioso ndashalgo que a maioria dos cristatildeos se recusa a fazer119 Sendo assim tantomainlaumlnder como deussen partem de elementos secundaacuterios da filosofia de Schopenhauer erecebidos por esse autor do passado da filosofia e ao mesmo tempo rompem com aoriginalidade ateia do suposto mestre embora mainlaumlnder e deussen tenham se definido esido definidos muito mais enfaticamente como schopenhauerianos do que os seguidores ateusdesse filosofo defenderemos que do ponto de vista do ateiacutesmo o conceito de laquoheregesraquo lhesassenta melhor do que aos uacuteltimos afinal de contas apenas a mainlaumlnder e deussen e natildeoa reacutee e nietzsche eacute necessaacuterio recordar a advertecircncia de Schopenhauer de que laquoa feacute e oconhecimento natildeo combinam muito bem em uma mesma cabeccedila elas satildeo como o lobo e aovelha dentro de uma mesma jaula e claro que o conhecimento eacute o lobo que estaacute prestes adevorar a sua vizinharaquo120

117O Ateiacutesmo de Philipp Mainlaumlnder Efeitos Colaterais do Conceito de Deus op cit p 59118 Ibid p 60119 por fim quanto agrave criacutetica de deussen de que o imperativo categoacuterico subjaz agrave eacutetica schopenhaueriana poressa se valer de expressotildees como o laquoverdadeiro caminhoraquo e afins ela eacute inaceitaacutevel porquanto a valoraccedilatildeomencionada eacute claramente indicada pelo autor como dependente da opccedilatildeo subjetiva de equiparar sua visatildeo agraveintelecccedilatildeo objetiva do mundo com o fim de extirpar o sofrimento por outro lado Schopenhauer tambeacutem deixaclaro que essa equiparaccedilatildeo eacute na maioria dos casos inalcanccedilaacutevel de modo que ele tambeacutem se vale de expressotildeescomo laquofim da vidaraquo e outras semelhantes na descriccedilatildeo do principal objetivo da vontade a saber a manutenccedilatildeoda espeacutecie via reproduccedilatildeo120 Parerga und Paralipomena ndash Band II op cit sect 181 p 463-464




O ATEIacuteSMO GENEALOacuteGICO DE P REacuteE E F NIETZSCHE

o materialismo genealoacutegico e criacutetico de p reacutee e F nietzsche consistem em dois exemplosde heranccedila mais consequentes e vigorosos do ateiacutesmo e da antirreligiosidade predominantede Schopenhauer em sua gratidatildeo agrave revoluccedilatildeo ateia promovida por Schopenhauer na histoacuteriada filosofia alematilde nietzsche afirma que a originalidade do laquogrande mestreraquo121 foi obtidagraccedilas sobretudo agrave rigorosidade criacutetica do uacuteltimo adversa a qualquer transcendecircncia edogmatismo com as seguintes palavras o autodeclarado anticristo se inclui de bom gradoentre os descendentes do ateiacutesmo schopenhaueriano e sublinha algumas das principaiscaracteriacutesticas e originalidade do mesmo

Schopenhauer foi como filoacutesofo o primeiro ateu declarado e irremoviacutevel que noacutes alematildees tivemosessa eacute a raiz da sua inimizade com hegel a natildeo divindade da existecircncia era para ele um elementodado tangiacutevel indiscutiacutevel ele perdia sua compostura filosoacutefica e se encolerizava sempre que viaalgueacutem hesitando ou fazendo redemoinhos de palavras sobre o assunto nisso estaacute toda a suaretitude o absoluto e honesto ateiacutesmo eacute precisamente o pressuposto da sua problemaacutetica comouma vitoacuteria da consciecircncia europeia alcanccedilada enfim com dificuldade como o ato mais rico emconsequecircncias e a partir de uma bimilenar educaccedilatildeo para a verdade que em seu fim se veta o apeloagrave feacute em deus [] resguardar a natureza como se fosse uma prova da bondade e proteccedilatildeo de umdeus interpretar a histoacuteria em honra de uma razatildeo divina como constante testemunho de umaordem eacutetica do mundo e de finalidade eacutetica uacuteltima [] isto enfim pertence ao passado isto tem aconsciecircncia contra si parece agrave consciecircncia sutil indecoroso desonesto mentiroso efeminaccedilatildeodebilidade covardia ndash eacute graccedilas a esse rigor que somos hoje precisamente bons europeus e herdeirosda mais longa e valiosa autossuperaccedilatildeo da europa122

Se tomarmos essas palavras como o modelo da relaccedilatildeo dessa segunda tendecircncia da laquoescolade Schopenhauerraquo que aqui definimos como ateia entatildeo reacutee nietzsche Freud horkheimerentre outros teriam se aprofundado em uma revoluccedilatildeo de Schopenhauer que junto agravedemonstraccedilatildeo do uacuteltimo da subordinaccedilatildeo do intelecto agrave vontade talvez componham o legadomais original desse autor nas raiacutezes da filosofia contemporacircnea seu ateiacutesmo siacutembolo do fimda subordinaccedilatildeo da filosofia agrave teologia na alemanha em nome do aprofundamento dessalibertaccedilatildeo os autores anteriormente citados se sentem inclusive compelidos a dirigiremalgumas criacuteticas contra o que acreditam ser um certo resquiacutecio de religiosidade quepermaneceu latente na metafiacutesica de Schopenhauer conforme nietzsche laquotoda filosofia quedeixa brilhar na escuridatildeo de suas uacuteltimas perspectivas uma cauda de cometa religiosa tornasuspeito aquilo que apresenta como ciecircncia tudo presumivelmente tambeacutem eacute religiatildeo ainda

121 nietzsche F Genealogia da Moral trad p c de Souza companhia das letras Satildeo paulo 1998 proacutelogo 5p 11122 The Joyful Wisdom op cit sect 357 p 308



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que sob os enfeites da ciecircnciaraquo123 em honra portanto ao que haacute de mais inovador e perenena filosofia de Schopenhauer e natildeo apenas contra o uacuteltimo como muitos acreditam eacute quenietzsche critica a significaccedilatildeo moral da existecircncia e o deciframento metafiacutesico do mundodo grande mestre124 no Prefaacutecio de Genealogia da Moral nietzsche propotildee justamentequestionar o valor da metafiacutesica do nada e da moral do natildeo egoiacutesmo louvados porSchopenhauer a partir da elaboraccedilatildeo de uma preacute-histoacuteria da moral e da metafiacutesica queremonta ambas ao ressentimento escravo e agrave vontade de poder do sacerdote asceacutetico a ideiade nietzsche de apresentar uma preacute-histoacuteria da moral se inspira em uma genealogia anaacutelogadesenvolvida por reacutee em A Origem dos Sentimentos Morais no Prefaacutecio de seu livro reacutee defendeque os fenocircmenos morais (bom caridade justiccedila etc) laquoforam considerados frequentementecomo algo suprassensiacutevel mdash como a voz de deus [] e de certo modo como uma revelaccedilatildeodo mundo transcendenteraquo125 ateacute mesmo por Kant e Schopenhauer mas depois que lamarcke darwin publicaram seus escritos natildeo haacute mais sentido em explicar esses fenocircmenosmetafisicamente de modo que eles podem ser laquoreconduzidos agraves suas causas naturais tatildeo bemcomo os fenocircmenos fiacutesicos o homem moral natildeo se encontra mais proacuteximo do mundointeligiacutevel do que o homem fiacutesicoraquo126 o meacutetodo genealoacutegico e naturaliacutestico aplicado por reacuteeconforme nietzsche laquotransformaria decisivamente a histoacuteria da filosofia moralraquo127 e a suatese principal em especial a saber a de que laquoo homem moral natildeo se encontra mais proacuteximodo mundo inteligiacutevel do que o homem fiacutesico [] temperada e afiada sob os golpes de martelodo conhecimento histoacuterico talvez possa um dia em algum futuro servir como o machado

123 nietzsche F Humano Demasiado Humano trad p c de Souza Satildeo paulo companhia das letras 2005sect110 locais do Kindle 1214-1216 Que Schopenhauer empreste agrave sua filosofia conceitos da religiatildeo eacute algo quese constata em diversas passagens por exemplo laquominha filosofia dentro dos limites do conhecimento humanoem geral eacute a soluccedilatildeo real do enigma do mundo nesse sentido pode-se denominaacute-la como uma revelaccedilatildeo elaestaacute inspirada pelo espiacuterito da verdade inclusive no quarto livro [de O Mundo] haacute uns paraacutegrafos que poderiamser considerados como inspirados pelo espiacuterito santoraquo (Senilia op cit p 182) contudo esse tipo de empreacutestimonatildeo eacute predominante em sua filosofia e tambeacutem pode ser lido como metafoacuterico124 natildeo nos aprofundaremos aqui na criacutetica de reacutee e nietzsche ao deciframento de Schopenhauer do enigmado mundo pelo conceito de vontade Grosso modo ambos argumentam que Schopenhauer natildeo evitoucompletamente o dogmatismo sobretudo porque predicou a vontade dos conceitos positivos de unidadeliberdade e atemporalidade essa criacutetica de fato eacute muito polecircmica porquanto Schopenhauer acredita natildeo apenasque o viacutenculo da vontade agrave coisa em si eacute o melhor meacutetodo de contorno do solipsismo e do dogmatismo deconceitos vazios como o de absoluto como que sua proacutepria predicaccedilatildeo da vontade de una livre e eternaconsiste para esse autor em uma movimento defensivo de obstruccedilatildeo da extensatildeo dogmaacutetica das categoriasfenomecircnicas de tempo espaccedilo e causalidade agrave coisa em si 125 reacutee p Der Ursprung der Moralischen Empfindungen ernst Schmeitzner chemnitz 1877 Prefaacutecio p 7126 Idem127 nietzsche F Epistolario 1875-1879 trad c colli Staude adelphi milano 1976 carta n 580 a eSchmeitzner Sorrento 18 de dezembro 1876 p 188




que cortaraacute pela raiz a ldquonecessidade metafiacutesicardquo do homemraquo128 assim se Schopenhauerentende que a praacutetica da moral do natildeo egoiacutesmo e a possibilidade do nada relativo satildeo oscaminhos principais de superaccedilatildeo da necessidade metafiacutesica reacutee e nietzsche acreditam queeacute o desmascaramento cientiacutefico da origem da metafiacutesica e da moral do natildeo egoiacutesmo quepodem melhor libertar o homem de sua obstinaccedilatildeo metafiacutesica mais especificamente reacuteeafirma que o agir natildeo egoiacutesta ou compassivo avaliado pela opiniatildeo popular e pela poesiacomo moralmente bom decorre de um instinto social herdado pelo homem dos macacos eainda bastante constataacutevel nos uacuteltimos especialmente nos chimpanzeacutes bem como nasformigas abelhas e etc conforme esse autor aleacutem de fundamentalmente egoiacutesta o homemtambeacutem pode excepcionalmente tornar o laquobem estar do outro o motivo uacuteltimo de seu agirquando promove o bem alheio em nome exclusivamente do interesse alheio ou quando seabsteacutem de prejudicaacute-lo em nome novamente do interesse alheioraquo129 essa segunda motivaccedilatildeofoi denominada culturalmente por laquocompassiva benevolente e caridosaraquo130 e lhe foiassociado valor moral Segundo Schopenhauer jaacute sabemos o porquecirc dessa valoraccedilatildeo nacompaixatildeo o homem padece do sofrimento do outro e assim olha para aleacutem do principiumindividuationis agrave unidade da vontade por outro lado o egoiacutesta se vecirc enredado no veacuteu de maiasiacutembolo do principium individuationis e unicamente a partir do qual pode existir a pluralidadedos indiviacuteduos (com sua decorrente autoafirmaccedilatildeo contra o outro) muito mais simplessegundo reacutee eacute a explicaccedilatildeo naturalista de que a motivaccedilatildeo egoiacutesta encontrada no homemem um niacutevel muito maior do que no macaco eacute desvantajosa para esse animal na seleccedilatildeo naturaldas espeacutecies Sendo assim eacute com o fim de combater essa desvantagem que os homens criama valoraccedilatildeo moral do natildeo egoiacutesmo depois dessa criaccedilatildeo eles provavelmente se esqueceramde sua origem e hoje acreditam ser ela eterna metafiacutesica e divina de modo que cabe aofiloacutesofo moral desenterrar essa origem

conforme nietzsche a genealogia da moral de reacutee pode ser estendida a uma origem aindamais remota da moral a partir do seguinte raciociacutenio o juiacutezo laquoldquobomrdquo natildeo proveacutem daquelesaos quais se fez o bem Foram os ldquobonsrdquo mesmos isto eacute os nobres poderosos superioresem posiccedilatildeo e pensamento que sentiram e estabeleceram a si e a seus atos como bons ou sejade primeira ordem [] Que importava aos senhores a utilidaderaquo131 Soacute em um segundomomento quando os escravos reagiram contra os senhores e realizaram uma laquorebeliatildeo namoralraquo132 eacute que o natildeo egoiacutesmo passou a ser valorizado essa rebeliatildeo foi ressentida e baseadana seguinte inversatildeo de valores a partir da dicotomia senhorial fiacutesica e ativa entre laquobom e

128 Humano Demasiado Humano op cit Kindle locations 604-610 129 Der Ursprung der Moralischen Empfindungen op cit p 2 130 Idem131 Genealogia da Moral op cit i sect 2 p 19132 Ibid i sect 7 10 p 26 e 28



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ruim (schlecht)raquo 133 ndashos escravos criaram uma nova dicotomia metafiacutesica e passiva entre laquobome mau (boumlse)raquo esse uacuteltimo mau (boumlse) poreacutem natildeo era senatildeo o bom senhorial invertido econtaminado assim tudo o que era antes nobre fiacutesico e afirmativo se tornou sinocircnimo depecado de egoiacutesmo e de falta de deus como completude dessa vinganccedila espiritual e moralos escravos teceram a partir da ideia da falta de deus um novo bom reativo e de segundaordem que para sempre agrave noccedilatildeo da laquovitoacuteria de deus do deus justo sobre os ateusraquo134

embora os escravos nunca tenham se libertado das causas reais de seu sofrimento com ainversatildeo anterior de valores pelo menos uma segunda dor foi por eles remediada a saber ada ausecircncia de sentido ou de justificativa de seu sofrimento assim a moral do natildeo egoiacutesmondashe na realidade toda a metafiacutesica segundo nietzschendash se origina de uma necessidade deresistecircncia espiritual ou de narcotizaccedilatildeo da dor da falta de sentido da dor sem sentido agoraque o teiacutesmo e a religiatildeo se encontram em decliacutenio o filoacutesofo ironiza que o homem talvezprecise laquode outros inventos (por exemplo vida como enigma vida como problema doconhecimento)raquo135 e etc com os quais se esquecer do sofrimento nessa tarefa talvez oslaquoamigos dos deuses os filoacutesofosraquo136 sejam de grande ajuda e especialmente os metafiacutesicosesses portanto em uacuteltimas instacircncia natildeo fazem mais do que buscarem uma justificativa dador (e da existecircncia) que tambeacutem natildeo a remedia mas apenas a alivia por meio doentorpecimento espiritual assim a metafiacutesica filosoacutefica teria nascido da mesma fonte dareligiatildeo a origem dessa ainda mais precisamente possui por laquofoacutermula mais geralraquo a seguintelaquode tempos em tempos em determinados lugares da terra um sentimento de obstruccedilatildeo fisioloacutegicadeve quase que necessariamente apossar-se de vastas massas o qual no entanto por falta desaber fisioloacutegico natildeo penetra como tal na consciecircncia de modo que seu motivo seu remeacutediopode ser procurado e experimentado tatildeo-somente no domiacutenio psicoloacutegico-moralraquo137 assimas religiotildees judaica e cristatilde nasceram basicamente do ressentimento escravo conforme ainversatildeo dos valores indicada anteriormente depois disso a civilizaccedilatildeo europeia abraccedilou aambas porque tambeacutem contraiu uma segunda doenccedila que em certos aspectos eacute ainda maisirreversiacutevel a do laquosofrimento do homem consigo mesmo [] como resultado de uma violentaseparaccedilatildeo do seu passado animalraquo138 marcada mais pela ideia de ruptura do que pela decontinuidade o homem se viu obrigado a conviver laquoencerrado no acircmbito da sociedade e da

133 Ibid i sect 11 p 32134 Ibid i sect 14 p 39135 Ibid ii sect 7 p 58136 Ibid ii sect 7 p 59137 Ibid iii sect 17 p 120 a definiccedilatildeo da religiatildeo como uma enfermidade que tambeacutem seraacute retomada por Freudfoi antevista por reacutee no seguinte aforismo laquoa instruccedilatildeo religiosa nos eacute conferida na mesma idade em quepadecemos da doenccedila infantilraquo (reacutee p Psychologische Beobachtungen Aus dem Nachlass von carl duncker berlin1875 sect 405 p 122)138 Genealogia da Moral op cit ii sect 12 p 73




pazraquo139 poreacutem como o homem nunca abandonou sua profunda sede de liberdade e de poderprecisou internalizar parte de seu afeto e violecircncia que antes eram descarregados para forae contra os demais no novo mundo estatizado o homem criou por meio da internalizaccedilatildeoda violecircncia a maacute consciecircncia (schlechtes Gewissen) caracterizada pelo intenso sentimento deculpa (Schuld) em virtude da autolesatildeo esse sentimento possui ainda uma origem familiare complementar que o intensificou mais ainda em seu passado tribal o homem acreditouque a subsistecircncia da estirpe dependia dos sacrifiacutecios e das realizaccedilotildees de seus antepassadoscomo essa relaccedilatildeo de proteccedilatildeo e origem nunca se apagava mas tinha que ser mantidaincessantemente caso natildeo se quisesse perdecirc-la o homem devia pagaacute-la com preces sacrifiacuteciosobediecircncia e temor laquoSegundo esse tipo de loacutegica o medo do ancestral e do seu poder aconsciecircncia de ter diacutevidas para com ele cresce necessariamente na medida exata em que cresceo poder da estirpe na medida em que ela mesma se torna mais vitoriosa independentevenerada e temidaraquo140 ora semelhante laquoespeacutecie de loacutegica conduzida ateacute o fimraquo soacute pode levaragrave crenccedila em um deus absoluto todo-poderoso infinitamente bondoso e paradoxalmentetemiacutevel e punidor laquoos ancestrais das estirpes mais poderosas deveratildeo por forccedila da fantasiado temor crescente assumir proporccedilotildees gigantescas e desaparecer na treva de uma dimensatildeodivina inquietante e inconcebiacutevel mdasho ancestral termina necessariamente transfigurado emdeusraquo141 com a culminaccedilatildeo dessa crenccedila monoteiacutesta alcanccedilado com o cristianismo o homemchegou portanto ao aacutepice de seu sentimento de culpa (Schuld) isto eacute de diacutevida (Schuld)familiar em relaccedilatildeo ao progenitor primevo assim a autodissoluccedilatildeo do monoteiacutesmo propostapelo autor sob o nome de ateiacutesmo soacute pode significar a libertaccedilatildeo do sentimento de diacutevidaante o ancestral primevo de modo que nietzsche conclui que laquoo ateiacutesmo e uma espeacutecie desegunda inocecircncia satildeo inseparaacuteveisraquo142

aleacutem dessa crescente culpa de origem tribal nietzsche afirma que o sentimento de culpatambeacutem foi incrementado pela necessidade da civilizaccedilatildeo de internalizar a sua violecircncia oque deu origem agrave maacute consciecircncia nesse contexto a participaccedilatildeo do sacerdote asceacutetico foifundamental afinal depois de ver obstruiacutedos seus caminhos externos agrave consumaccedilatildeo do afetoo homem precisou imitar ao menos parcialmente o ascetismo do sacerdote milenarmentemunido de praacuteticas sutis de lesatildeo e decorado de uma complexa metafiacutesica de apoio osacerdote asceacutetico criou como compensaccedilatildeo agraves suas privaccedilotildees uma refinada arte de desprezoque sempre utilizou como sua arma proacutepria de ferida a partir de sua aacuterdua disciplina eledesenvolveu uma inteligecircncia de raposa se tornou elaacutestico e expectante como uma panterae resistente como um urso polar tudo com um mesmo fim lesar cada vez melhor compalavras e gestos de desprezo Quando o homem se adomesticou e precisou introjetar o

139 Ibid p 72140 Ibid ii sect 19 p 78141 Idem142 Ibid ii sect 20 p 79



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proacuteprio afeto o sacerdote o socorreu e lhe ensinou a mudar a direccedilatildeo do ressentimento oafeto que antes era dirigido para fora e contra o outro passou a ser remitido a si proacutepriocom isso trecircs supostos benefiacutecios foram conquistados primeiro o rebanho humano setornou protegido de si proacuteprio isto eacute pocircde passar a viver em paz e em condiccedilotildees deprosperidade e desenvolvimento (afinal a violecircncia das pessoas parou de ser arremessadauma contra as outras e nasceu o estado de direito) em segundo lugar a dor se tornoujustificada e com isso se garantiu a loacutegica mencionada anteriormente a saber a de que emboraa causa fisioloacutegica e desconhecida da dor nunca ter sido combatida por esse caminho pelomenos a dor da falta de sentido da dor passou a receber o aliacutevio metafiacutesico de sua justificaccedilatildeoconhecemos a causa da dor mdashdeclarou o sacerdote asceacutetico a seu rebanhomdash a causa da doreacute vocecirc homem ou no limite toda a natureza ou o autor da mesma por fim um uacuteltimobenefiacutecio foi conquistado e esse era de especial importacircncia ao sacerdote asceacutetico que opreviu inconscientemente desde o iniacutecio Sem decreacutescimo algum de seu significado segundoa filosofia nietzschiana esse benefiacutecio pode ser expresso com as seguintes palavras deSchopenhauer laquotendo convencido os homens uma uacutenica vez os padrecos (Pfaffen) podemconduzi-los e dominaacute-los agrave vontade e para sempreraquo143

ante o desprezo constante do sacerdote asceacutetico o homem estatizado e dono da maacuteconsciecircncia abraccedilou o cristianismo e com ele levou seu automartiacuterio agrave mais horrendaculminacircncia laquotodo o natildeo que diz a si agrave natureza naturalidade realidade do seu ser ele oprojeta fora de si como um Sim como algo existente corpoacutereo real como deus comosantidade de deus como deus juiz como deus verdugo como aleacutemraquo144 Eacute verdade que emcomparaccedilatildeo com as bestas superficiais e violentas do passado o homem espiritualizado setornou mais interessante pois aprendeu a cultivar melhor a inteligecircncia contudo o fato dacivilizaccedilatildeo ter se construiacutedo sobre uma moral ressentida perversa e que ao se absolutizartambeacutem se torna cansativa e desinteressante levou nietzsche a se opor com radicalidade agravemesma a partir da bandeira do ateiacutesmo que representa em seu pensamento a autossuperaccedilatildeodessa tendecircncia Que coisas natildeo ocorrem ao homem mdashescrevemdash laquoque desnatureza queparoxismos do absurdo que bestialidade da ideia natildeo irrompe de imediato quando eacute impedidaapenas um pouco de ser besta na accedilatildeo tudo isso eacute [] uma negra sombria e enervantetristezaraquo145 uma tentativa de inversatildeo dos valores asceacuteticos e religiosos vigentes eacute laquoem sipossiacutevel mdashmas quem eacute forte o bastante para issoraquo146 dificilmente algueacutem seraacute em nossacivilizaccedilatildeo na qual o homem ressentido manso mediacuteocre e insosso jaacute aprendeu a se ver comoapogeu e meta Talvez em algum futuro ndashescreve o criacutetico e nesse sentido se apresenta como oviacutenculo que leva de Schopenhauer a Freud pelo caminho da educaccedilatildeo agrave autossupressatildeo da

143 Parerga und Paralipomena ndash Band II op cit sect 176 p 427144 Genealogia da Moral op cit ii sect 22 p 80145 Ibid p 81 146 Genealogia da Moral op cit ii sect 24 p 84




religiatildeondash chegaraacute um laquojovem mais forte do que euraquo147 atualmente essa transformaccedilatildeo natildeose encontra na ordem do dia pois para ela

Seria preciso uma outra espeacutecie de espiacuteritos diferentes daqueles provaacuteveis nesses tempos espiacuteritosfortalecido por guerras e vitoacuterias para os quais a conquista o perigo e a dor se tornaram ateacute mesmonecessidade [] Seria preciso mesmo uma espeacutecie de sublime maldade uma uacuteltima securiacutessimapetulacircncia do conhecimento proacutepria da grande sauacutede [] esse homem do futuro que nos salvaraacutenatildeo soacute do ideal vigente como daquilo que dele forccedilosamente nasceria do grande nojo da vontadede nada do niilismo [] que torna novamente livre a vontade que devolve agrave terra sua finalidade eao homem sua esperanccedila esse anticristatildeo e antiniilista esse vencedor de deus e do nada mdash eletem que vir um dia [] Zaratustra o ateu148

assim como em Schopenhauer portanto o ateiacutesmo natildeo eacute um conceito secundaacuterio emnietzsche nele se sintetiza a proposta de sublimaccedilatildeo depuraccedilatildeo transvarolizaccedilatildeo dos valoresdo uacuteltimo da Weltanschauung (visatildeo geral de mundo) dominante ressentida e antinatural comotoda metafiacutesica Eacute verdade que reacutee e nietzsche estendem sua criacutetica agrave metafiacutesica e agravevalorizaccedilatildeo atemporal do natildeo egoiacutesmo de Schopenhauer poreacutem natildeo eacute menos certo que essacriacutetica tenha em Schopenhauer um de seus principais precursores na histoacuteria da filosofiaalematilde sobretudo por seu ateiacutesmo radical Se equivoca gravemente quem acredita quenietzsche veja em Schopenhauer apenas um metafiacutesico a ser refutado genealogicamente ametafiacutesica imanente de Schopenhauer foi certamente a primeira forma pela qual a filosofiaalematilde se elevou sobre a subordinaccedilatildeo ao platonismo e ao cristianismo e se orientou emdireccedilatildeo ao materialismo

O ATEIacuteSMO PSICANALIacuteTICO DE S FREUD

Freud tambeacutem aprofunda o ateiacutesmo herdado de Schopenhauer autor que conforme ernestJones laquoconsiderava como um dos membros da meia duacutezia dos homens mais inteligentes jaacuteexistentesraquo149 Segundo o autodeclarado laquoinfiel jewraquo150 a ilusatildeo de deus deve ser desmascarada

147 Ibid ii sect 25 p 85148 Ibid ii sect 24 e 25 p 84 e 85 assim como nietzsche reacutee tambeacutem aprofunda a denuacutencia schopenhaueriana deque a religiatildeo proveacutem da astuacutecia sacerdotal para o satiacuterico autor laquoa quem deus daacute um ofiacutecio daacute tambeacutem asopiniotildees poliacuteticas e religiosas desse ofiacutecioraquo (Psychologische Beobachtungen op cit sect 404 p 121) uma diferenccedila entreambos poreacutem e que coloca reacutee mais proacuteximo de Schopenhauer do que nietzsche eacute que reacutee generaliza masnatildeo universaliza a criacutetica aos sacerdotes como se percebe em sua seguinte ironia laquoSomente um pequeno nuacutemerode sacerdotes se ocupa mais do conteuacutedo (Gehalt) das religiotildees do que de seus salaacuterios (Gehaumllter) e mais da justiccedilade deus do que do consistoacuterioraquo (ibid sect 420 p 126) Que o ressentimento se encontre no acircmago da motivaccedilatildeo damaioria dos religiosos poreacutem eacute algo que reacutee comunga com os outros dois autores o que o leva a escrever quelaquoos ortodoxos odeiam os espiacuteritos livres pois temem ser considerados simploacuterios por elesraquo (ibid sect 403 p 121)149 Jones e Sigmund Freud Life and Work Vol II basic books new york 1955 p 461 apud magee b ThePhilosophy of Schopenhauer oxford university press oxfordnewyork 1983 p 285



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por dois caminhos complementares o filogeneacutetico e o ontogeneacutetico o primeiro acompanhao desenvolvimento do gecircnero humano desde sua infacircncia cultural e o segundo percorre aformaccedilatildeo do indiviacuteduo natural pelo caminho filogeneacutetico Freud defende que a primeira preacute-religiatildeo foi o totemismo que cumpria uma seacuterie de funccedilotildees ligadas ao laquoanseio pelo pairaquo151como o carinho os sentimentos de descendecircncia e de proteccedilatildeo mas tambeacutem abrigavaelementos hostis contra o pai com destaque agrave refeiccedilatildeo totecircmica na pista dessa semi-religiatildeoFreud sugere que nos primoacuterdios o homem vivia como alguns primatas ainda vivem hojeem grupos onde apenas um macho violento detinha os direitos para si e expulsava ou matavaos filhos e adversaacuterios a cultura humana teria nascido quando os filhos desse pai se unirampara mataacute-lo e se impuseram os tabus de natildeo copularem com nenhuma mulher do grupo (otabu da exogamia) e o de natildeo assassinarem o animal sagrado que doravante substituiria o paio tabu do totemismo enquanto a primeira dessas proibiccedilotildees cumpria a funccedilatildeo de inibir acisatildeo dos irmatildeos a segunda exercia o papel religioso de mitigaccedilatildeo da culpa pelo parriciacutediopor meio de uma forte devoccedilatildeo e obediecircncia ao totem aleacutem disso a religiatildeo totecircmica serviaagrave laquolembranccedila do triunfo sobre o pai a satisfaccedilatildeo por esse triunfo levou a instituir a festa derecordaccedilatildeo que eacute a refeiccedilatildeo totecircmicaraquo152 em que o animal sagrado era devorado por todosem uma festa cruel natildeo eacute surpreendente que a revolta do filho contra o pai reapareccedila emreligiotildees posteriores sob os disfarces mais diversos por exemplo na comunhatildeo docristianismo para Freud portanto laquoa sociedade repousa na culpa comum pelo crimecometido a religiatildeo na consciecircncia de culpa e no arrependimento por ele e a moralidadeem parte nas exigecircncias dessa sociedade e em parte nas penitecircncias requeridas pela consciecircnciade culparaquo153

posteriormente o clatilde fraterno foi substituiacutedo por uma nova sociedade patriarcal e ototemismo trocado por religiotildees antropomoacuterficas o passo seguinte foi tentar restabelecerparcial e espiritualmente o poder do amado e odiado pai primevo cujo parriciacutedio jamaisdeixou de causar culpa nos homens civilizados essa nova experiecircncia aconteceu no primeirogrande impeacuterio da histoacuteria o egiacutepcio no Seacutec Xiv a c o faraoacute aquenaacuteton impocircs no egitoo laquoprimeiro monoteiacutesmo escritoraquo154 de que se tem notiacutecia a partir da devoccedilatildeo do deus-Solatem do templo de on (helioacutepolis) pai de lsquomarsquoatrsquo a deusa da verdade da ordem e da Justiccedilaainda em vida aquenaacuteton foi derrotado e sua religiatildeo proscrita do egito contudo um

150 Freud S Uma Experiecircncia Religiosa in Freud S Obra Completa Ediccedilatildeo Standard Brasileira trad J Salomatildeorio de Janeiro imago 1996 vol 9 p 176151 Freud S O Futuro de uma Ilusatildeo in Freud S Obra Completa Ediccedilatildeo Standard Brasileira trad J Salomatildeo imagorio de Janeiro 1996 vol 21 p 31152 Freud S Totem e Tabu in Freud S Obras Completas trad p c de Souza companhia das letras Satildeo paulo2012 p 221153 Ibid p 223154 Freud S Moiseacutes e o Monoteiacutesmo in Freud S Obra Completa Ediccedilatildeo Standard Brasileira trad J Salomatildeo rio deJaneiro imago 1996 vol 23 p 98




provaacutevel sacerdote entusiasta dessa tentativa e dono do nome egiacutepcio moiseacutes escolheu o povohebreu e com ele migrou para canaatilde a terra prometida para tentar manter nela omonoteiacutesmo nesse ecircxodo moiseacutes provavelmente foi assassinado155 e assim o laquogrande feitoe mal feito dos tempos primevosraquo o assassinato do pai foi trazido para bem perto do povohebreu apoacutes esse parriciacutedio a laquoconcepccedilatildeo mais altamente espiritualizada de deusraquo156 mosaicofoi reprimida os hebreus se juntaram a tribos aparentadas e adotaram o politeiacutesmo do deusJaveacute contudo em seu inconsciente jamais se libertaram da culpa pelo homiciacutedio do patriarcamoiseacutes Seacuteculos mais tarde uma espeacutecie de culto de moiseacutes laquoobscurecido e deformadoapoiado talvez em membros individuais da classe sacerdotal mediante antigos registrosraquo157foi ressuscitado Fruto de um glorioso passado imperial esse monoteiacutesmo subjugou opoliteiacutesmo de Javeacute e se fundiu para sempre com a identidade judaica no restabelecimentoda severidade espiritual mosaica os judeus reviveram em alto grau o ecircxtase a gloacuteria e asubmissatildeo que soacute existem em igual grau na vivecircncia infantil a tatildeo ansiada reconciliaccedilatildeo como maltratado pai foi enfim alcanccedilada e a supremacia do mesmo revivificada laquoadmiraccedilatildeotemor respeitoso e agradecimento por ter encontrado graccedila a seus olhos mdasha religiatildeo de moiseacutesnatildeo conhecia outros que natildeo fossem esses sentimentos para com o deus pai a convicccedilatildeo desua irresistibilidade a submissatildeo agrave sua vontade [] o enlevo da devoccedilatildeo a deusraquo158 essesforam alguns dos intensos sentimentos experimentados ante o retorno do pai conformeFreud esse desenvolvimento da religiatildeo judaica poreacutem apresenta os traccedilos mais tiacutepicos dairrupccedilatildeo de uma neurose traumaacutetica cujas fases principais satildeo trauma primitivo mdashassassinatode moiseacutes periacuteodo de latecircncia mdashesquecimento de moiseacutes (e sua religiatildeo) desencadeamentoda doenccedila neuroacuteticamdash culpa e ansiedade expectante ante a lembranccedila de moiseacutes (e suareligiatildeo) retorno parcial do reprimido mdashtriunfo da religiatildeo mosaica sobre a de Javeacute e suafixaccedilatildeo compulsiva por parte da etnia judaica no que se refere agrave deformaccedilatildeo da realidadepresente em todo caso de neurose Freud diagnostica que ela aparece na ideia da divinizaccedilatildeoda saga mosaica e no que respeita agrave compensaccedilatildeo econocircmico-psiacutequica pela devoccedilatildeodispensada agrave religiatildeo judaica seu contrapeso eacute a intoleracircncia religiosa laquoque anteriormente foi

155 essa hipoacutetese do assassinato de moiseacutes durante a emigraccedilatildeo judaica do egito eacute proposta por Freud combase nos estudos do teoacutelogo e historiador ernest Sellin conforme J p hyatt laquoSellin propocircs em Mose und seineBedeutung fuumlr die israelitisch-juumldische Religionsgeschichte (leipzig i 922) que Nuacutemeros 25 fala originalmente doassassinato de moiseacutes em Shittim na transjordacircnia traccedilos desse evento tambeacutem podem ser encontrados emOseacuteias 512 97-14 1213-13i e em outras passagensraquo (hyatt J F Freud on moses and the Genesis ofmonotheism in Journal of Bible and Religion oxford university press 1940 vol 8 no 2 p 88) aleacutem dessafonte Freud tambeacutem escreve que Goethe expressou seu pressentimento da ocorrecircncia desse assassinato (GoetheIsrael in der Wuumlste ediccedilatildeo de Weimar 7 p 170 apud Moiseacutes e o Monoteiacutesmo op cit p 103)156 Ibid p 62157 Ibid p 138158 Idem



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alheia ao mundo antigo e que por tatildeo longo tempo permaneceu depois deleraquo159 emcomparaccedilatildeo com a obsessatildeo egiacutepcia pela magia supersticcedilatildeo e vida post-mortem a religiatildeomosaica consistiu em uma evoluccedilatildeo pois nela se procurou concentrar-se apenas na justiccedila ena verdade posteriormente um novo judeu de nome paulo apresentou uma nova tentativaainda radical de soluccedilatildeo da culpa pelo homiciacutedio do pai primevo ele divulgou que na mortede Jesus o Filho tinha-se expiado o pecado original consumado contra o pai ora agravementalidade antiga mdashtraduz Freudmdash uma culpa expiada pela tortura e morte de um homemsoacute podia se referir ao assassinato traacutegico de outro homem portanto Jesus simboliza namitologia pauliacutenia o representante dos filhos do pai primevo que libertou seus irmatildeospecadores como ele do parriciacutedio inaugurador da cultura ao aceitar ele proacuteprio o merecidocastigo por se tornar a religiatildeo do Filho em oposiccedilatildeo ao judaiacutesmo que foi a religiatildeo do pai ocristianismo foi aleacutem do judaiacutesmo em relaccedilatildeo agrave necessidade humana de apaziguamento daambivalecircncia de sentimentos ante o pai na medida poreacutem em que restaura uma seacuterie desupersticcedilotildees do politeiacutesmo como a trindade os anjos e santos a grande-matildee e etc que tinhamsido superados pelo judaiacutesmo o cristianismo representou um retrocesso ante a religiatildeo mosaica

em O Futuro de uma Ilusatildeo Freud leva agraves uacuteltimas consequecircncias essa criacutetica ao fato dareligiatildeo consistir em uma laquoneurose obsessiva e universalraquo160 da humanidade a evidecircncia deque as ilusotildees religiosas natildeo convencem o pensamento universal e dependem da feacute subjetivaeacute suficiente segundo o autor para desconsiderar o seu conteuacutedo de verdade contudo suascrenccedilas natildeo satildeo meros erros epistemoloacutegicos ateacute porque natildeo podem ser refutados por umateoria do conhecimento elas satildeo ilusotildees isto eacute representaccedilotildees criadas pela fantasia humanacom o fim de saciarem os laquomais fortes antigos e prementes desejos humanos o segredo desua potecircncia repousa na forccedila dos desejosraquo161 por ela atendidos Sendo assim odesmascaramento da religiatildeo eacute um assunto da psicologia e natildeo da metafiacutesica ou daepistemologia assim Freud une agrave genealogia filogeneacutetica apresentada anteriormente umaexplanaccedilatildeo ontogeneacutetica da religiatildeo de natureza psicoloacutegico-individual Segundo sua visatildeo omonoteiacutesmo responde a trecircs necessidades humanas a de carecircncia por proteccedilatildeo por orientaccedilatildeoda conduta e por explicaccedilatildeo da origem do mundo Que o teiacutesmo sacie essas trecircs necessidadesa princiacutepio desconectadas entre si com base em uma mesma chave em comum a saber deusuma figura masculina todo-poderosa e por ela chamada de pai eacute altamente revelador deusfoi tecido a partir da imagem do pai bioloacutegico laquograndioso como havia parecido agrave crianccedila

159 Idem160 Freud S Atos Obsessivos e Praacuteticas Religiosas in Freud S Obra Completa Ediccedilatildeo Standard Brasileira trad JSalomatildeo rio de Janeiro imago 1996 vol 9 p 116161 Freud S Die Zukunft einer Illusion in Freud S Studienausgabe taschenbuchausgabe 10 baumlnde und einnachtragsband Frankfurt am main 1982 in muumlller t (org) DVD ndash Ausgabe ndash Sigmund Freud ndash Das Werkheptagon verlag berlin 2010 vol iX p 164




pequena o homem religioso imagina a criaccedilatildeo do mundo como a sua proacutepria origemraquo162mais especificamente laquoa mesma pessoa a quem a crianccedila deve a sua existecircncia o pai tambeacutemprotegeu e vigiou o filho fraco desamparado exposto aos perigos do mundo externo sob asua tutela o filho se sentia seguroraquo163 ao se tornar adulto e descobrir que ele ainda eacute umacrianccedila laquotatildeo desamparada e desprotegida como na infacircnciaraquo164 o ser humano laquoretorna agraveimagem do pai que guardou da infacircncia quando era tatildeo superestimado eleva-o a divindadee o situa no presente e na realidade a forccedila afetiva dessa lembranccedila e a persistecircncia danecessidade de proteccedilatildeo sustentam sua crenccedila em deusraquo165 em outras palavras apenas umaorigem idecircntica de soluccedilatildeo dessas trecircs necessidades distintas do homem mdashde proteccedilatildeoconhecimento absoluto e moralidademdash pode explicar por que elas se encontram tatildeoirreversivelmente amarradas entre si no monoteiacutesmo porque deus foi construiacutedo agrave imageme semelhanccedila do pai bioloacutegico e natildeo o inverso afinal a referecircncia ao pai bioloacutegico eacute quemexplica a nossa origem pois ele que nos pariu naturalmente Eacute ele quem nos protege por todaa nossa infacircncia quando somos especialmente fraacutegeis e eacute ele quem nos calca nosso primeirosistema moral a partir de proibiccedilotildees Se na base de sua progenitura proteccedilatildeo e censura o serhumano natural se desenvolve e vence as dificuldades eacute normal que ao crescer e descobrirque ainda necessita de proteccedilatildeo explicaccedilatildeo da origem e moralidade retorne agrave lembranccedila dosuper-pai infantil e busque saciar essas trecircs necessidades com a mesma foacutermula do passado

por ambos os caminhos Freud conclui que a religiatildeo eacute uma neurose obsessiva e universalda humanidade Segundo sua visatildeo natildeo haacute duacutevida de que as praacuteticas religiosas e os atosobsessivos compartilham das mais iacutentimas semelhanccedilas entre si por exemplo ambos sempreestatildeo acompanhados dos mais severos escruacutepulos de consciecircncia que as negligecircncias documprimento de seus deveres acarretam em seus sistemas ou rituais estatildeo explicitamenteexcluiacutedos quaisquer atos externos aos mesmos o que se revela por exemplo na proibiccedilatildeo deinterrupccedilotildees tanto as praacuteticas religiosas como obsessivas devem sempre serem executadasem todos os seus pormenores com uma extrema consciecircncia ao que se acrescenta ainda ofato de ambos sempre virem rodeados de um intenso laquosentimento de culpa inconscienteraquo166um laquofurtivo sentimento de ansiedade expectante e uma expectativa de infortuacutenio ligadaatraveacutes da ideia da puniccedilatildeo agrave percepccedilatildeo interna da tentaccedilatildeoraquo167 os atos obsessivos e aspraacuteticas religiosas tambeacutem satildeo fortemente compulsivos isto eacute satildeo executados sem que seuspraticantes conheccedilam seus significados latentes (e de fato seus praticantes tampouco se

162 Freud S Acerca de uma Visatildeo de Mundo in Freud S Obras Completas trad p c de Souza companhia dasletras Satildeo paulo 2010 vol 18 p 329163 Idem164 Idem165 Idem166 Atos Obsessivos e Praacuteticas Religiosas op cit p 113167 Ibid p 114



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permitem se interrogarem muito sobre a origem dos mesmos) em uacuteltima instacircncia tanto osatos obsessivos como as praacuteticas religiosas satildeo niacutetidos laquoatos de defesa ou de seguranccedilaraquo168isto eacute satildeo medidas protetoras praticadas contra instintos e representaccedilotildees inconscientes eadversas ao eu no caso das neuroses os instintos combatidos satildeo predominantementesexuais e no caso da religiatildeo possuem um caraacuteter laquoegoiacutestico e socialmente perigoso emboratambeacutem abriguem geralmente um componente sexualraquo169 Sua criaccedilatildeo se deve agrave capacidadeda psique de deslocar inconscientemente uma superconcentraccedilatildeo de energia de umarepresentaccedilatildeo (reprimida) a outra (consciente) em uma tentativa fadada ao fracasso de selibertar da ameaccedila que a representaccedilatildeo original representa agraves nossas elevadas ideia de purezamental e afins uma das principais provas do fracasso de ambas as tentativas poreacutem repousano fato de que tanto os atos obsessivos como as praacuteticas religiosas embora originalmente denatureza protetora e defensiva evoluem regularmente a um estaacutegio em que suas proacutepriasrepresentaccedilotildees satildeo usadas agrave satisfaccedilatildeo do instinto reprimido isso ocorre por exemplo quandolaquosatildeo cometidos justamente em nome da religiatildeoraquo170 a tortura e o assassinato de sereshumanos ou quando se realiza em um ato obsessivo um substituto da fantasia sexual cujarepressatildeo desencadeou a neurose (por exemplo quando uma estranha fobia de sair em puacuteblicocom medo de urinar evolui a um estaacutegio em que se urina em casa e indevidamente comosubstituto inconsciente do desejo reprimido de ejaculaccedilatildeo)

ante todas essas semelhanccedilas da religiatildeo com a neurose obsessiva Freud conclui que areligiatildeo natildeo eacute um meio de apoio mas um obstaacuteculo agrave felicidade moralidade e civilidadehumana Segundo sua leitura a civilizaccedilatildeo deve abandonar o haacutebito de revestir seus preceitose instituiccedilotildees com a roupagem religiosa pois isso apenas atrai para si as as duacutevidas que pairamsobre a religiatildeo e enrijece excessivamente seus preceitos o mal-estar anticivilizatoacuterio hodiernoreceberaacute um aliacutevio significativo caso a origem puramente humana da moralidade for admitidacom franqueza como esse mal-estar jaacute alcanccedilou um ponto maacuteximo em seus tempos Freudafirma ser urgente a necessidade do homem de abandonar a neurose obsessiva da religiatildeo eaposta confiantemente que com o auxiacutelio da educaccedilatildeo e da psicologia isso seraacute alcanccediladosem graves consequecircncias toda crianccedila deve passar por uma fase de zoofobias e neurosesanaacutelogas em seu desenvolvimento quando incapaz de controlar racionalmente seus instintosdeve lanccedilar matildeo de meios puramente afetivos de repressatildeo assim tambeacutem a humanidaderecorre em sua infacircncia ao temor do totem de deuses e de deus para se impor certospreceitos que com o avanccedilo do conhecimento podem ser melhor respeitados caso quandose admitir a origem social dos mesmos Quanto agraves tristezas inevitaacuteveis do destino o homemaprenderaacute a suportaacute-las com resignaccedilatildeo pois de que serve laquoa miragem de grandes propriedadesna lua cujo rendimento ainda ningueacutem viu como um pequeno mas sincero lavrador da

168 Ibid p 114169 Ibid p 115170 Ibid p 116




terra o homem saberaacute cultivar a sua gleba de modo que essa o alimente [] assim ao retirarsuas expectativas no aleacutem e concentrar suas forccedilasraquo171 na terra o homem tornaraacute a civilizaccedilatildeomais suportaacutevel a todos e em um futuro promissor sem religiatildeo e sem deus diremos laquosempesar junto a um de nossos companheiros de descrenccedila Den Himmel uumlberlassen wir Den Engelnund den Spatzenraquo172

portanto natildeo menos que reacutee e nietzsche Freud tambeacutem aprofunda com grandeoriginalidade e radicalidade o ateiacutesmo inaugurado por Schopenhauer na filosofia alematilde adefiniccedilatildeo da religiatildeo como uma ilusatildeo infantil a criacutetica de que ela natildeo fomenta mais do queobstrui a moral a civilizaccedilatildeo e a felicidade o encorajamento da autossupressatildeo dessa ilusatildeoentre outros temas como mostrado satildeo argumentos ampliados por Freud mas antecipadossignificativamente por Schopenhauer para aleacutem do pessimista poreacutem Freud daacute continuidadeao meacutetodo inaugurado por reacutee e nietzsche de abordagem da religiatildeo pelo caminhogenealoacutegico cientiacutefico e natildeo-metafiacutesico e embora tambeacutem tenha sido antecipado pelosuacuteltimos em uma seacuterie de elementos criacuteticos a exatidatildeo psicopatoloacutegica e a posse de novosconhecimentos antropoloacutegicos e histoacutericos sobre a religiatildeo torna seu desmascaramento dedeus ainda mais preciso o fato das conclusotildees ateiacutestas desses trecircs genealogistas serem tatildeointimamente semelhantes agraves de Schopenhauer poreacutem que partiu de uma metafiacutesica imanentecomprova que essa uacuteltima natildeo estaacute nas antiacutepodas da abordagem da psicologia cientiacutefica alematildee austriacuteaca do final do seacuteculo XiX e iniacutecio do XX como se costuma defender

CONCLUSOtildeES

assim acreditamos que a atualidade de Schopenhauer se evidencia especialmente nosdesdobramentos de seu ateiacutesmo sobre autores como reacutee nietzsche Freud aos quais muitosoutros nomes podem ser adicionados Se Foucault estaacute certo ao sugerir que marx nietzschee Freud formam os trecircs pilares da filosofia contemporacircnea continental173 se no seio dessastrecircs doutrinas pulsa um ateiacutesmo radical e desmascarador da hipocrisia religiosa e se nietzscheacerta quando defende que Schopenhauer foi o primeiro ateu da filosofia alematilde a cujo rigorsomos gratos por sermos laquoherdeiros da mais longa e valiosa autossuperaccedilatildeo da europaraquo174 aatualidade de Schopenhauer estaacute solidamente demonstrada como o pai do ateiacutesmo filosoacuteficoalematildeo e austriacuteaco contemporacircneo no que concerne agrave laquoescola de Schopenhauer em sentidolatoraquo175 dfendemos que sua recepccedilatildeo do ateiacutesmo do mestre a divide em duas tendecircncias

171 Freud S Die Zukunft einer Illusion op cit p 183172 laquoo ceacuteu deixemos aos anjos e pardaisraquo do poema de heine Deutschland o termo laquocompanheiro dedescrenccedila (Unglaubensgenossen)raquo citado por Freud foi referido por heine a Spinoza (heine h Deustschland apudDie Zukunft einer Illusion op cit p 183)173 Foucault m Nietzsche Freud e Marx trad J l barreto princiacutepio ed Satildeo paulo 1997 p 17174 The Joyful Wisdom op cit sect 357 p 308175 Arthur Schopenhauer e La Sua Scuola op cit p 73



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opostas e enraizadas na ambivalecircncia schopenhaueriana ante a religiatildeo uma ateiacutesta e queabrange pensadores como reacutee nietzsche e Freud e outra religiosa ou miacutestica liderada porp deussen e p mainlaumlnder como os primeiros aprofundam a grande originalidade ateiacutestade Schopenhauer enquanto que os segundos rompem com a mesma e se mantecircm fieacuteis aoparentesco da filosofia com a religiatildeo e a miacutestica que se encontra subordinada emSchopenhauer ao compromisso cientiacutefico da filosofia concluiacutemos que os ateus satildeo osherdeiros mais fieacuteis desse filoacutesofo e as testemunhas mais vigorosas da atualidade de seupensamento Eacute verdade que deussen e mainlaumlnder se definem e satildeo definidos com maisecircnfase como schopenhauerianos e que Fazio tambeacutem aplica a categoria de laquoheregesraquo a reacuteee nietzsche contudo desde o ponto de vista especiacutefico do ateiacutesmo eacute justamente o opostoo que se constata os verdadeiros hereges foram antes deussen e mainlaumlnder enquantoque reacutee nietzsche e Freud foram adeptos ainda mais radicais dessa originalidade o modocomo os filoacutesofos se relacionam com seus precursores de fato eacute amiuacutede muito estrateacutegicoquanto maior a paternidade maior parece procurar negaacute-la deussen e mainlaumlnder portantonegam em grande medida o judaiacutesmo o cristianismo e o platonismo que satildeo as suasprincipais referecircncias ao se definirem como schopenhauerianos e reacutee nietzsche e Freudocultam a raiz schopenhaueriana ao recusarem qualquer vinculaccedilatildeo muito estreita com oschopenhauerianismo




abStract We will try to point out in this contribution that Schopenhauerrsquos concept of athe-ism (Atheismus) even more than that of pessimism gives us a clear criterion of great con-temporary value from which to appreciate laquoSchopenhauerrsquos school in the broadest senseraquo2the philosopherrsquos atheism rests chiefly on his opposition to the dogmatism the contradictionand the insensitivity of theism and in his denunciation that the priests present themselves asconnoisseurs of divine revelation in order to dominate the people on the basis of their meta-physical necessity Faced with the atheistic originality of Schopenhauer which according tonietzsche is absolutely pioneer in the history of German philosophy we expose that hisschool is divided into atheists (p reacutee F nietzsche S Freud etc) who seek in a more radicalway to unmask the theistic illusion and to liberate the knowledge of any religiosity and religiousor mysticals (p mainlaumlnder and p deussen) who conversely deepen in the kinship of philos-ophy and religion that in Schopenhauer was subordinated to philosophical commitment toscience Since atheists give continuity to the most original and predominant element inSchopenhauerrsquos philosophy we argue that from the perspective of atheism they are his mostfaithful heirs and most vigorous witnesses of the actuality of his thought while the religiousand mystics are their most laquohereticraquo disciples

KeyWordS euthanasia of religion materialism genealogy nietzsche free spirits

INTRODUCcedilAtildeO

Quando se pensa na atualidade de Schopenhauer se reflete imediatamente sobre alaquoescola de Schopenhauerraquo esquecida desde 1930 apoacutes uma aacutevida polecircmica esseconceito foi resgatado por Franco volpi em 2000 que a definiu como laquoa escola do

pessimismoraquo Seus efeitos laquocoincidiriam com a difusatildeo do pessimismo atraveacutes de pensadorescomo paul deussen eduard von hartmann Julius bahsen philipp mainlaumlnder e antes detodos Friedrich nietzsche e richard Wagnerraquo3 em 2006 ludger luumltkehaus jaacute preferiuabordar essa tradiccedilatildeo a partir das categorias de esquerda e de direita poliacutetica para ele osschopenhauerianos de esquerda teriam ido aleacutem da oposiccedilatildeo do mestre agraves formas delaquojustificativa ideoloacutegica da existecircnciaraquo4 ao tentarem laquomodificar a realidade socialraquo5 enquanto

2 Id3 volpi F prefaacutecio in muumlller-Seyfarth W h Metaphysic der Entropie van bremen berlin 2000 p 12 excetoquando haja outra indicaccedilatildeo as traduccedilotildees para o portuguecircs seratildeo de minha autoria a identificaccedilatildeo doschopenhauerianismo com a escola do pessimismo tambeacutem foi proposta por J Sully (Sully J Pessimism A Historyand a Criticism henry S King and co londres 1877 p 181) e d redyson (redyson d Dossiecirc SchopenhauerVida e obra de um dos filoacutesofos mais influentes da histoacuteria universo dos livros Satildeo paulo 2009 p 7 e 19) 4 horkheimer m teoria critica ieri e oggi in donaggio e (org) La Scuola di Francoforte einaudi torino2005 p 177 e 370 5 horkheimer m premesa alla ripubblicazione di Questi Scritti in Schmidt a [org] Teoria Criacutetica trad Gbeckhaus torino 1974 vol i p 11








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