Catálogo Easy Riders

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Catálogo Easy Riders

Transcript of Catálogo Easy Riders

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  • MINISTRIO DA CULTURA E BANCO DO BRASIL apresentam Easy Riders O cinema da Nova Hollywood, mostra com 30 longas-metragens que compem panorama significativo do ci-nema norte-americano da segunda metade dos anos 1960 at o final da dcada de 1970, perodo marcado por mudanas na produo de filmes daquele pas.

    Distinto das propostas estticas e das condies de produo de Hollywood, o cinema autoral da poca, conhecido como Nova Hollywood, buscou alguma inspirao no cinema de vanguarda europeu dos anos 1960, dialogando direta ou indiretamente com o rico contexto de debates polticos em de-fesa da liberalizao de costumes, do pacifismo, da igualdade racial e da contracultura. Com uma gerao de cineastas liber-tos do controle dos grandes estdios, o movimento produziu um olhar mais crtico e incisivo.

    Alm da seleo de filmes, a programao conta ainda com debate sobre os meandros dessa produo para tratar sobre os contedos artsticos presentes no cinema norte-americano.

    Com a realizao desta mostra, o Centro Cultural Banco do Brasil promove uma reflexo sobre este importante movi-mento cinematogrfico e contribui para o acesso democrtico cultura.

    Centro Cultural Banco do Brasil

  • 6 Nova Hollywood Francis Vogner dos Reis e Paulo Santos Lima

    12 Quando Hollywood quis fazer da exceo sua regra Luiz Carlos Oliveira Jr.

    26 Nova Hollywood, anos 1940 Clber Eduardo

    36 O caminho da ltima vez Bruno Andrade

    44 Sobre cowboys solitrios e mitos revisitados Filipe Furtado

    56 Notas sobre a Nova Hollywood e William Friedkin Calac Nogueira

    64 O nascimento da Nova Hollywood Srgio Alpendre

    72 Nos pores da Nova Hollywood Guilherme Martins

    81 filmes

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    Francis Vogner dos Reis e Paulo Santos Lima

    O marco da Nova Hollywood foi integrado histria do ci-nema como uma renovao econmica, tcnica e est-tica da indstria do cinema norte-americano na dcada de 1970, que desde a primei-ra metade dos anos 1960 ha-via entrado em crise econ-mica e de paradigmas. Esta verso, em linhas gerais, a oficial e, ainda que no seja falsa, confun-de de maneira muito apressada a decadncia da indstria e a dos filmes.

    Nova Hollywood

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    Ainda que muitos trabalhos fossem sintomas exemplares do declnio da Hollywood clssica, foi nessa crise que antigos mestres trataram frontal e formalmente das mudanas do ci-nema americano com uma incontornvel conscincia moderna, escancarando os traos modernos j presentes no classicis-mo americano dos anos 30 e que seriam ainda mais expos-tos nos anos 60 pelos grandes mestres, como John Ford em O Homem que Matou o Facnora (The Man Who Shot Liberty Valance, 1962), Alfred Hitchcock em Psicose (Psycho, 1960) e Howard Hawks em Hatari! (1962). Menos um fim, mais uma contingncia tpica e bem presente na histria da arte, no foi diferente no cinema americano: da decadncia da indstria de Hollywood, ascendem alguns dos cineastas modernos mais radicais, como Jerry Lewis, Blake Edwards, Arthur Penn e Sam Peckinpah. Cada um deles, ao seu modo, narra o advento do novo por meio das runas de um antigo cinema.

    O fato que, nesse instante, a televiso dis-putava com o cinema a ateno do grande pblico, e muitos diretores do perodo clssi-co migravam para a tela pequena, seja como funcionrios sem identidade (Jacques Tourneur e Andr De Toth dirigiram epis-dios do seriado Bonanza, por exemplo) ou, como no caso de Hitchcock, autor-celebridade em seu programa Alfred Hitchcock Apresenta (Alfred Hitchcock Presents). O filo dos gneros se esgotava comercialmente e grandes empreendimentos nau-fragavam, mesmo que alguns fossem projetos de envergadura artstica inegvel, caso de A Queda do Imprio Romano (The Fall the Roman Empire, 1964), de Anthony Mann, e Clepatra (Cleopatra, 1963), de Joseph L. Mankiewicz. Em resumo, para alguns historiadores e jornalistas que entendem a histria do cinema americano a partir da polaridade entre derrota e suces-so popular (e de bilheteria), os filmes estadunidenses nesse momento de novos cinemas (Nouvelle Vague, Free Cinema,

    Cinema Novo) e das facilitaes materiais dos formatos televisivos estava em decadncia. O sistema, este sim, era quem estava em queda e, de modo reverso, os narradores e cronistas dessa decadncia que surgem margem dela (como John Cassavetes e Monte Hellman, ambos realizando filmes fora da casa do grande pai, Hollywood), ou nas suas brechas (Peter Bogdanovich e George Romero), acompanhados pela ge-rao sada das universidades (como Martin Scorsese e John Carpenter), erigiram as bases de um novo cinema americano.

    Acreditamos que a topografia do cinema moderno norte--americano, na qual a Nova Hollywood catalizadora das suas principais linhas de fora, deve ser estudada no s a partir do cnone estabelecido nos filmes realizados dentro do aparato da indstria (os filmes de Steven Spielberg, George Lucas, Paul Schrader e William Friedkin), mas tambm do fenmeno que aconteceu nas bordas de Hollywood e que ajudou direta ou in-diretamente na renovao de formas, temas e quadros tcnicos e artsticos da indstria e que tambm possibilitou ao cinema americano assumir uma noo de modernidade que outras cine-matografias do mundo j haviam assimilado, mais precisamente nas suas relaes com a representao, com a reviso dos g-neros cinematogrficos e com a interveno da realidade nos filmes. Abandonou-se o velho naturalismo da era dos estdios em funo de um realismo mais acachapante: a televiso e as suas emblemticas transmisses do assassinato do presidente John F. Kennedy e da Guerra do Vietn, snteses do desencanto e da perda da inocncia, obrigaram o cinema a repensar o seu lugar e o seu papel dentro da sociedade americana. No se podia ignorar que o horror da realidade e a mediao da televiso (com seu potencial ambguo de documento e manipulao) transformaram a relao dos cineastas e da sociedade com as imagens. isso, por exemplo, que Saudaes (Greetings, 1968) e Ol, Mame! (Hi, Mom!, 1970), primeiros longas de fico de Brian De Palma, e Na Mira da Morte (Targets, 1968), primeiro de Peter Bogdanovich,

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    problematizam com arguto pessimismo e senso crtico.Os filmes da Nova Hollywood se aplicam a uma plastici-

    dade violenta das imagens, j que a mudana de estatuto das imagens dentro da sociedade americana (e mundial como um todo) colocou questes sobre a construo que o cinema fazia da histria e de seus mitos, sobre o imediato tempo presente (sua urgncia e conflitos), sobre o prprio cinema e a falsida-de das imagens desse cinema. O cinema americano passou a insinuar e enunciar sua fora realista e o falseamento natural desse realismo por meio dos procedimentos estticos. o momento do exerccio de estilo calcado na violncia (Martin Scorsese e Sam Peckinpah), dos filmes como caixa de resso-nncia da realidade imediata (a obra de Sidney Lumet) e da histria americana (os filmes de John Milius e os dirigidos por Clint Eastwood), da estilizao dramatrgica e cnica radicais (em Monte Hellman, Robert Altman e John Cassavetes) e de um insuspeito intimismo autoral e popular (os filmes de Woody Allen e os dirigidos por Paul Newman).

    O antigo star system, identificado com a Amrica WASP (Branca, Anglo-Sax e Protestante), deu lugar a uma nova constelao composta por talo-americanos (Robert De Niro, Al Pacino, Sylvester Stallone), por desajustados com estilos mui-to particulares de interpretao (Jack Nicholson, Christopher Walken) e por atores brilhantes que aperfeioaram o moderno Mtodo (o modo de interpretao criado por Stanislavski) por meio da economia expressiva (Mickey Rourke e Eric Roberts).

    A Nova Hollywood no foi somente uma ruptura, mas tambm a continuidade renovada das tradies do cinema americano. Tal como John Ford, que contou a histria da for-mao de comunidades na Amrica (principalmente as dos irlandeses catlicos, da qual fazia parte), alguns jovens cine-astas como Martin Scorsese, Francis Ford Coppola e Michael Cimino se aplicaram em entender a configurao e presena das comunidades tnicas em um pas que lhes era hostil. A

    clareza e o arejamento cnicos do cinema americano chamado de clssico no desapareceram em uma poca de hipertrofia de estilo, e isso est nas obras de alguns cineastas norte-ame-ricanos, sendo Clint Eastwood e John Milius os mais represen-tativos desse gesto esttico econmico na forma e na narrativa, herdado no s do cinema, mas tambm da literatura moderna norte-americana, a de F. Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway, William Faulkner, Raymond Chandler e outros, toda ela tendo papel importante na histria do cinema nos Estados Unidos.

    B uscando abranger todo esse quadro de com-plexidades, a mostra Easy Riders O Cinema da Nova Hollywood selecionou 30 ttulos que abraam o cnone desse novo cinema de Hollywood, como Bonnie e Clyde Uma Rajada de Balas (Bonnie and Clyde, 1967), de Arthur Penn, O Poderoso Chefo (The Godfather, 1972), de Francis Ford Coppola, e Taxi Driver (1976), de Martin Scorsese, alm de obras independentes que, realizadas fora dos grandes estdios, influenciaram profundamente a produo america-na, como Os Maridos (Husbands, 1970), de John Cassavetes, e Halloween A Noite do Terror (Halloween, 1978), de John Carpenter. O cinema de gnero tambm est presente, caso do western Pat Garret & Billy the Kid (1973), de Sam Peckinpah, e do suspense Tubaro (Jaws, 1975), de Steven Spielberg. E o cinema B de um Nasce um Monstro (Its Alive, 1974), de Larry Cohen, e da primeira direo de Peter Bogdanovich, produzido por Roger Corman, Na Mira da Morte. Entre as contradies da tradio de Hollywood, o esprito de liberdade do cinema B e as questes ticas e estticas do cinema moderno, o cinema norte-americano reorientou os seus rumos, sempre desconcertantes e paradoxais. Nunca o conflito entre arte e indstria se mostrou to lancinante e agressivo, e os filmes da chamada Nova Hollywood integraram essa tenso entre comrcio e expresso artstica nas suas pr-prias formas: com monumentalidade, com vertigem, com econo-mia, com petulncia, com violncia. A Amrica nua e crua.

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    Luiz Carlos Oliveira Jr.

    Quando Hollywood

    quis fazer

    da exceo sua regraRobert Aldrich e a esclerose do imaginrio hollywoodiano clssico

    A Antiga Hollywood, ou a Hollywood clssica, abarca um pero-do de mais ou menos quatro dcadas, comeando em torno de 1918 e terminando em torno de 1960. Os recortes mais preci-sos variam de um pesquisador para outro, cada um escolhendo como marco histrico o ano, o filme ou o evento que lhe parece mais significativo.

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    Lylah Clare (The Legend of Lylah Clare). Retomando no apenas Kim Novak, a atriz principal de Um Corpo Que Cai (Vertigo, 1958, Alfred Hitchcock), como tambm a maioria de seus motivos e temas (transformados em pontos estratgicos para entrar nos meandros perversos do mundo do espetculo), o filme reflete sobre a lgica cruel do estrelato e radiografa Hollywood em meio decadncia do sistema dos estdios no final dos anos 1960. Aldrich j havia filmado o lado monstruoso e sombrio do universo do show business em O que Aconteceu com Baby Jane? (Whatever Happened to Baby Jane?, 1962), terror psicolgico cujo clima de pesadelo acentuado pela estilizada fotografia em preto e branco e pelo aspecto calculadamente grotesco de um programa figura-tivo baseado no esgaramento e na anamorfose dos signos da Antiga Hollywood. Mas A Lenda de Lylah Clare vai ainda mais fun-do nessa dmarche crtica, descrevendo os bastidores do glamour hollywoodiano como um ambiente srdido e putrefato. Assim como Na Mira da Morte (Targets, 1968), de Peter Bogdanovich (outro filme que pode ser visto como tecido de ligao entre a Hollywood clssica e a moderna), A Lenda de Lylah Clare conce-bido numa dialtica entre a crise das velhas formas de suspense e o surgimento de novos parmetros narrativos, j pensados para um espectador cinfilo, que sabe demais.

    Exatos dez anos depois de Um Corpo que Cai, Kim Novak mais uma vez envolvida numa engrenagem diablica pautada na vertigem das aparncias, na repetio de eventos, no retorno fantasmtico de uma imagem do passado. Ela interpreta Elsa Brinkmann, jovem atriz escolhida para fazer o papel principal na cinebiografia de Lylah Clare, lendria estrela hollywoodiana morta 20 anos antes em circunstncias mal esclarecidas. O motivo dessa escolha de casting a incrvel semelhana entre Elsa e Lylah (ambas interpretadas por Kim Novak). O processo de filmagem se mostrar destrutivo, infernal. Mas o encade-amento irreversvel dos eventos, decalcado do enredo de Um Corpo que Cai, perde o carter propriamente trgico (entre

    J a Nova Hollywood, se respeitarmos o consenso, teria comeado por volta de 1967, capitaneada pelo sucesso de Bonnie e Clyde Uma Rajada de Balas (Bonnie and Clyde, Arthur Penn) e pela emergncia da gerao de Brian De Palma, Martin Scorsese, Peter Bogdanovich, Michael Cimino, Paul Schrader, George Lucas, Francis Ford Coppola etc.

    Contudo, reconsiderando as periodizaes expostas aci-ma, percebe-se rapidamente que h um vcuo, um intervalo de mais ou menos sete anos compreendido entre o crepsculo do classicismo e a chegada efetiva da Nova Hollywood. O que teria acontecido nesses sete anos?

    A resposta bvia, e nem por isso menos verdadeira, que esse foi o tempo necessrio para um sistema ruir de vez

    por conta da crise (econmica, esttica) dos estdios e das mudanas na moral e nos costumes da sociedade norte-ame-ricana e o outro se implantar aos poucos. Mas tal explicao no basta. Um exerccio interessante, ou pelo menos necess-rio, consiste em lanar luz sobre os cineastas que pertencem gerao do meio, que no reivindicam uma modernidade de forma consciente ou programtica, mas que tambm no se encaixam mais no modelo antigo, no qual provocam rupturas pontuais, perturbaes locais que comprometem a transparn-cia representativa da linguagem romanesca hollywoodiana.

    O primeiro nome que destacaria, e que certa-mente colocaria entre os mais importantes da histria do cinema americano moderno, o de Robert Aldrich. Desde A Morte num Beijo (Kiss Me Deadly, 1955), e principalmente nos filmes que realiza ao longo dos anos 1960, Aldrich retorce o estilo clssico num universo com-posto por tramas inslitas, efeitos de iluminao excessivos, performances histricas do corpo (sobretudo do corpo femini-no), subverso dos cdigos dos gneros tradicionais.

    Em 1968, ele dirige um dos filmes mais emblemticos da situao de Hollywood naquela dcada de transio: A Lenda de

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    outras coisas, porque basta conhecer a matriz hitchcockiana para j poder antever o desfecho) e se torna uma descrio sociolgica do crculo vicioso do espetculo hollywoodiano, doravante condenado ao remake desencantado dos seus mi-tos e eterna repetio dos seus erros. O deslizamento fatal da herona, que era fruto de uma maquinao individual em Hitchcock, torna-se manipulao estrutural na Hollywood re-tratada por Aldrich.1

    Ainda no comeo do filme, Elsa caminha pela calada da fama da Hollywood Boulevard e, num gesto que resume todo o (perigoso) jogo de encaixes de simulacros que lhe proposto, pe os ps nas marcas das pegadas de Lylah Clare. A cena serve como comentrio interno do prprio filme, que , em seu conjunto, uma imagem que reduplica outra, e que o faz de ma-neira consciente e sistemtica, pondo-se em dilogo direto com Um Corpo que Cai e com padres estilsticos e regimes de ex-presso de uma era da indstria cinematogrfica j percebida como ultrapassada e defunta, o que apenas mitifica sua beleza e aumenta seu mistrio.

    Aldrich cristaliza nesse filme aquela que seria a tendn-cia predominante nas narrativas hollywoodianas do perodo subsequente: a repetio ou a reviso do passado, a reinven-o de Hollywood a partir da reinterpretao crtica de sua prpria mitologia.

    Maneirismo e antimaneirismoEssa empresa de revisitao e reelaborao do passado cls-sico, que dar o tom do cinema hollywoodiano de meados da dcada de 1960 em diante, no ocorre de forma unvoca, mas por diversas vias de criao.

    Se elencarmos os cineastas mais representativos da Nova Hollywood, distinguiremos neles duas tendncias majo-ritrias, as quais so bem diferentes, para no dizer antagni-cas. De um lado, o maneirismo modernizante de Scorsese, De Palma, Coppola, Schrader, cineastas que, reconhecendo terem comeado a filmar num momento em que as receitas habituais das majors hollywoodianas j tinham dado sinais de exausto e esclerose, resolvem apropriar-se do passado clssico para dilatar, distorcer, deformar seus cdigos e suas figuras tpicas, explodir seu sistema de representao numa esttica moderna marcada pela exacerbao da forma, pelo excesso de estilo, pela nfase na violncia e no erotismo.

    Do outro lado, h a corrente mais clssica represen-tada por Cimino, John Milius, Clint Eastwood e outros diretores que seguem uma orientao esttica diametralmente opos-ta, que Fabrice Revault dAllonnes qualifica de maneirismo classicizante, mas que prefiro chamar de antimaneirismo. Refratrios abstrao intelectual, aos dispositivos tericos e aos efeitos de metacinema dos maneiristas, eles iriam recupe-rar, num estilo mais frontal e objetivo, os enredos de fundao e os dramas originrios da Amrica. Em O Portal do Paraso (Heavens Gate, 1980), por exemplo, Cimino retoma a estrutura pica griffithiana para reencenar, desta vez de um ponto de vis-ta crtico, o etnocdio que est na base da histria de formao do territrio e da cultura norte-americanos, o violento processo de assentamento de comunidades ligadas por uma relao telrica profunda s grandes paisagens do Midwest.

    Acredito que a grande contribuio artstica da Nova Hollywood tenha se dado na dialtica desses dois maneirismos, o modernizante e o classicizante, ou na oposio dinmica en-tre maneirismo e antimaneirismo, que s vezes se manifestava num mesmo cineasta (Bogdanovich, Coppola), ou at num mesmo filme (Lua de Papel/Paper Moon, O Poderoso Chefo/The Godfather).

    1 Jean-Baptiste Thoret, Qui sont ces chiens?, in Cahiers du Cinma,

    n 649, outubro de 2009, p. 32.

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    Filmes matriciais: Rastros de dio, Um Corpo que Cai, Blow-Up Depois Daquele Beijo, Zapruder Film of Kennedy AssassinationOs grandes filmes da Nova Hollywood s puderam se construir a partir da releitura ou, em alguns casos, da exegese de filmes precedentes. Dentre estes, alguns em especial funcionaram como modelos recorrentes, podendo ser considerados as ma-trizes da Nova Hollywood.

    O primeiro deles Rastros de dio (The Searchers, 1956, John Ford), que aborda a odisseia de uma dupla disfun-cional (John Wayne e Jeffrey Hunter) em busca de uma menina desaparecida, sequestrada por um grupo de ndios quando ainda era criana. O filme repe, numa narrativa mais lacunar e interiorizada que de costume (mais moderna?), os conflitos fundamentais do cinema hollywoodiano: civilizao e territrio selvagem, espao interior (lar) e exterior (paisagem, natureza), indivduo e comunidade, homens e mulheres. H uma enormi-dade de filmes que tomam o clssico dos clssicos de John Ford como referncia central, de Taxi Driver (1976, Martin Scorsese) a 48 Horas (48 Hrs., 1983, Walter Hill), passando por Guerra nas Estrelas (Star Wars, 1977, George Lucas) e muitos outros.

    Mas a releitura da Nova Hollywood para Rastros de dio que merece mais destaque Hardcore No Submundo do Sexo (Hardcore, 1979), de Paul Schrader, que narra o pri-plo de Jake Van Dorn (George C. Scott) em busca de sua filha adolescente, desaparecida em meio excurso que fazia com o grupo jovem da igreja reformista a que pertencem. Os pri-meiros minutos de filme descrevem a vida montona e simples

    levada naquela pequena comunidade calvinista no interior dos Estados Unidos. Depois de receber a notcia de que sua filha sumiu, Jake parte para a Califrnia, onde ela foi vista pela l-tima vez. Alm de acionar a polcia, ele contrata um detetive particular, o qual, passado algum tempo, vai ao seu encontro dizendo que precisa lhe mostrar um pequeno filme rodado em 8 mm. Para o choque e o desespero de Jake, trata-se de um filme porn cuja atriz principal sua filha. Determinado a ach--la, ele viaja para Los Angeles e comea uma jornada infernal pelo universo da pornografia. Entre casas de prostituio, ca-bines de peep-show, sex-shops, sets de filmes pornogrficos e sesses clandestinas de snuff movies, Jake se embrenha pelos meandros de um mundo que at ento desconhecia por completo. No caminho, conhece Niki, uma jovem atriz porn que se junta a ele na operao de resgate. A relao que se estabelece entre Jake e Niki de certa maneira a confrontao entre a imagem clssica e a imagem pornogrfica. Fantasma de substituio tanto para a filha desaparecida de Jake como para a esposa que o largou, Niki tudo o que ele no poderia permitir que uma mulher fosse. Schrader faz desse contraste entre a Amrica puritana e seu avesso vulgar e pornogrfico uma forma de confrontar a imagem clssica com o grande outro da sociedade patriarcal que ela representa, ou seja, a sexualidade feminina, o desejo sexual da mulher.

    O diretor realiza tambm um interessante painel da indstria do filme porn, que tivera um rentvel esboo no final dos anos 1950 e incio dos 1960 com os filmes de ex-ploitation, os quais, embora no fossem hard-core, possuam narrativas que eram claramente pretextos para cenas de sexo e violncia. Feitos com muita rapidez e pouco dinheiro, alguns desses filmes lotaram salas de cinema comerciais de reputa-o duvidosa. Mas o grande boom da pornografia visual s se daria no comeo dos anos 1970, motivado, logicamente, por um contexto social maior, que, a reboque da revoluo sexual

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    do final da dcada anterior, trouxera uma nova permissividade com relao a cenas de sexo explcito antes impensveis para um filme de longa-metragem. A Nova Hollywood deve muito de sua esttica adulta e despudorada a esse novo territrio de permissividade desbravado pela pornografia.

    O segundo filme que apontaria como pea modelar da Nova Hollywood Um Corpo que Cai, mais at que Psicose (Psycho, 1960). Se Rastros de dio oferecera aos jovens dire-tores um modelo de epopeia moderna, o filme de Hitchcock traz uma parbola sobre a obra de arte na era de sua reprodutibi-lidade tcnica, uma reflexo sobre a imagem e os enganos do olhar numa poca em que a crena no visvel cede lugar de-siluso. A atrao hipntica que Scottie (James Stewart) sentia por Madeleine (Novak) converte-se agora no fascnio que os ci-neastas modernos sentem pela obra-prima de Hitchcock, e que os impele a querer refilm-la sem parar, sempre procura de uma beleza perdida, de um encantamento irrecupervel. Brian De Palma o campeo dessa sndrome manaco-obsessiva com Um Corpo que Cai, consagrando-lhe duas prodigiosas rein-terpretaes pessoais, uma em chave romntica e reverencial, Trgica Obsesso (Obsession, 1976), e outra em chave par-dica e desmistificadora, Dubl de Corpo (Body Double, 1984).

    Outro filme que rapidamente se tornaria uma das ob-sesses da Nova Hollywood Blow-Up - Depois Daquele Beijo (Blow-Up, 1966), de Michelangelo Antonioni. A trama do filme, grosso modo, pode ser assim resumida: num singelo passeio em um parque, um fotgrafo capta com sua lente voyeurstica o idlio romntico de um casal; ao revelar as fotos, ele percebe que algo de estranho se passa, o olhar da mulher indica algu-ma coisa escondida na imagem; ampliando e reampliando as imagens, o fotgrafo acaba descobrindo o detalhe criminoso que a paisagem camuflava.

    Um aspecto determinante para a concepo de Blow-Up foi o clima de paranoia e vigilncia que, quela altura, j era

    parte integrante da conscincia visual de uma poca marcada, entre outras coisas, pela Guerra Fria e pela cada vez mais so-fisticada indstria da espionagem. Em paralelo s temticas de compl e conspirao poltica ento em voga, havia tambm a constatao de que a imagem havia colonizado as diversas esferas da vida cotidiana (uma generalizao/banalizao da dimenso esttica do cotidiano, um mundo transformado em mera imagem de si prprio) e de que em todo lugar havia uma cmera (profissional ou amadora) apta a flagrar alguma coisa. Nada mais escapava imagem.

    U m evento em particular confirmaria tudo isso: o assassinato de John F. Kennedy em Dallas, em 22 de novembro de 1963, que um cine-grafista amador, Abraham Zapruder, filmou em Super-8, regis-trando o momento exato em que o presidente foi atingido pelos tiros, evento traumtico divisor de guas na histria moderna norte-americana. O Zapruder Film viraria no apenas uma pe-a-chave na investigao do assassinato, mas um reservatrio de pesadelos e choques visuais que assombrariam o imagin-rio coletivo a partir de ento.

    Para Jean-Baptiste Thoret, o filme de Zapruder, que pode retrospectivamente ser considerado uma das cenas primitivas do cinema americano ps-632, representou o corte epistemolgico decisivo, o marco histrico do incio de uma nova era no que tange a fabricao e a recepo das imagens. O simples fato de um pequeno filme amador ser o registro ca-bal de tamanha catstrofe j seria suficiente para torn-lo um documento histrico sem precedentes. Mas o legado do filme de Zapruder vai alm e diz respeito, sobretudo, conflagrao de um delrio interpretativo sem fim, de uma procura inesgot-vel pelos signos de uma espcie de realidade secundria (uma conspirao) que s se revelaria aos que se arriscassem a in-terpretar os pontos obscuros das imagens. O filme de Zapruder pedia uma investigao, uma montagem discursiva capaz de

    2 J.-B. Thoret, 26 se-condes: LAmrique cla-bousse, Petuis: Rouge Profond, 2003, p. 71.

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    suprir suas ausncias, de fazer surgir todas as respostas ocul-tadas no fora de campo (essa zona letal de onde vm os ti-ros). Diante disso, a viso tornou-se uma operao de anlise, um pequeno exerccio semiolgico que submete as imagens ao teste da decodificao e da interpretao.3

    Em Saudaes (Greetings, 1968), de De Palma (para quem o filme de Zapruder uma fonte crucial de inspirao e assombrao), h um rapaz, Lloyd Clay (Gerrit Graham), que totalmente obcecado pelo assassinato de JFK. Ele passa os dias a tentar provar para os outros a existncia de um vasto compl poltico encoberto pelo FBI e pela mdia. Numa das melhores cenas do filme, Lloyd leva para o laboratrio foto-grfico de uma amiga uma foto tirada no dia do assassinato de Kennedy segundos depois dos tiros. Ele mostra a ela que todas as pessoas da foto esto correndo na direo do que ele acredita ser um homem de blusa branca portando uma arma e escondido atrs de uma rvore. Sua amiga afirma que apenas uma mancha branca que se pode ver por entre as rvores. Lloyd, contudo, est bastante certo de que se trata de um dos autores dos disparos que puseram fim vida de Kennedy. Ele quer que ela amplie o detalhe da foto para poder mostrar para todo o mundo o homem de branco segurando a arma do crime. Voc no vai conseguir ver nada alm de gros do tamanho de bolas de golfe, ela o desencoraja. E continua: Eu vi Blow-Up, eu sei como isso termina: voc no conseguir ver nada. Mas a jovem acaba aquiescendo insistncia de Lloyd e fazendo a ampliao, que, como ela havia previsto, nada mostra alm de uma imagem esgarada e sem definio, composta de gros e manchas disformes, exatamente como algumas das ampliaes do fotgrafo do filme de Antonioni.

    Cenas como aquelas de Blow-Up em que o protagonista analisava com lupa suas ampliaes fotogrficas se tornariam recorrentes no cinema dos anos 1960 e 1970, as fotos sendo

    eventualmente substitudas por gravuras, filmes, livros, notcias de jornal ou outro tipo de documento. Tais cenas ilustram com preciso um perodo marcado por uma srie de filmes que contes-tam o princpio de transparncia sobre o qual se erguera o cinema clssico. Elas aparecem nos thrillers polticos de Alan J. Pakula (A Trama/The Parallax View, 1974, Todos os Homens do Presidente/All the Presidents Men, 1976), e nos de Sidney Pollack (Trs Dias do Condor/Three Days of the Condor, 1975), alm de Um Lance no Escuro (Night Moves, 1975), de Arthur Penn, e em Morte no Inverno (Winter Kills, 1979), de William Richert.

    E m A Conversao (The Conversation, 1974, Francis Ford Coppola) e Um Tiro na Noite (Blow Out, 1981, Brian De Palma), que se assumem abertamente como variaes em torno de Blow-Up, as fotografias so substitudas por registros sonoros. Embora tenham em mos materiais distintos, os protagonistas de Blow-Up, A Conversao e Um tiro na Noite se encontram, no fundo, na mesma situao: eles analisam, manipulam, espremem um registro documental da realidade (fotogrfico no primeiro caso, sonoro nos outros dois) at conseguir extrair dele uma fico, um segredo, uma trama que, nos trs filmes, se prova uma his-tria de assassinato e compl. Segundo Luc Lagier, Blow-Up, A Conversao e Um Tiro na Noite poderiam constituir uma trilogia sobre a percepo e a compreenso a posteriori de um evento atravs de meios tecnolgicos cada vez mais sofistica-dos.4 Feitos consecutivamente nas dcadas de 1960, 70 e 80, os filmes falam de uma realidade inacessvel, invisvel primeira vista; uma realidade qual s se pode chegar poste-riormente, com a ajuda de materiais registrados em imagem e/ou som. A quantidade de aparatos, dispositivos e suportes que so necessrios para se chegar informao desejada vai se multiplicando de um filme para o outro, o que demonstra que a mediao da percepo pela tecnologia vai se tornando mais complexa de uma dcada para a outra.3 Ibid., p. 40.

    4 L. Lagier, Les mille yeux de Brian De Palma, Paris: Cahiers du Cinma, 2008, p. 95.

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    Se Blow-Up foi um filme ainda mais influente para a onda de fico paranoica dos anos 1970 do que outras obras que abordavam muito mais de frente a questo do compl e da conspirao poltica5, isso s pde acontecer por Antonioni ter percebido que o centro nevrlgico da questo no era mais o evento em si (o assassinato, o compl), mas o frisson, o delrio interpretativo desencadeado pelas parcas imagens captadas de tal evento. A possibilidade de encontrar nas imagens, por mais escassas, opacas e inconclusivas que elas fossem, a cha-ve do enigma, a explicao do caso, seria uma das grandes obsesses dos anos seguintes. O centro de gravidade, o n do problema havia se deslocado da realidade para a imagem. Localizando a raiz da problemtica diretamente na imagem, ou melhor, na percepo e na anlise da imagem, Blow-Up crista-lizou um sentimento que estava disperso no ar depois do as-sassinato de JFK e da repercusso que suas imagens tiveram. E o filme ainda demonstrava qual era o nico aprendizado que ficava da histria: a fragilidade da realidade, por um lado, e a potncia performativa da imagem, por outro.

    The EndThis is the end, afirma a voz de Jim Morrison durante o primei-ro plano de Apocalypse Now (1979, Francis Ford Coppola), que consiste naquela imagem impactante dos helicpteros despe-jando gs laranja e depois incinerando uma floresta vietnamita.

    Isto o fim: refro dos anos Nixon e epitfio de duas dcadas de pesadelo (Vietn, Watergate, assassinatos de JFK, Robert Kennedy e Martin Luther King).

    o fim tambm das utopias comunitrias e da filosofia hippie de paz e amor, que Arthur Penn, em Deixem-nos Viver (Alices Restaurant, 1969), j filmava com grande melancolia e sentimento precoce de fracasso aquele simptico grupo de

    jovens, que compra uma velha igreja e quer fundar uma nova comunidade margem dos valores tradicionais, no consegue superar suas divergncias internas.

    Fim do governo Jimmy Carter e da sua poltica de paz: a dcada de 1980 seria dos republicanos e dos yuppies, dos reacionrios e do cinema careta de roteiro, que os produtores das majors veriam como antdoto aos excessos cometidos pelos ases da Nova Hollywood. Esta, alis, tambm chega ao fim, depois dos fracassos sucessivos de O Portal do Paraso, Touro Indomvel (Raging Bull, 1980, Martin Scorsese), Um Tiro na Noite e O Fundo do Corao (One from the Heart, 1982, Coppola). Aquele momento mpar em que o cinema de autor deu as cartas em Hollywood no tinha mesmo como virar regra, estava fadado a ser exceo.

    5 Como, por exemplo, Sob o Domnio do

    Mal (The Manchurian Candidate, 1962), de John Frankenheimer,

    que, de forma premoni-tria, um ano antes da

    morte de JFK, contava a histria de um ex-com-

    batente que sofria uma lavagem cerebral para assassinar um poltico

    durante um comcio.

    Luiz Carlos Oliveira Jr. crtico e pesquisador de cinema. Autor do livro A Mise en Scne no Cinema: Do Clssico ao Cinema de Fluxo (Papirus, 2013). Ex-

    -editor da revista Contracampo, j colaborou para as revistas Bravo!, Cult, Foco, Interldio e Pais. Mi-nistrou cursos e oficinas em espaos como Centro Cultural Banco do Brasil, Cinesesc, Cine Humberto Mauro e Fundao Getlio Vargas.

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    Antes, o nome. Quando se fala de Nova Hollywood, preciso ter em mente, an-tes, o sentido do adjeti-vo (Nova) e do substantivo (Hollywood), no caso mais substantivo do que nome prprio, pois designador de um sistema de produo, no de um lugar na Califrnia. Hollywood um gru-

    Hollywood, Clber Eduardo

    Nova

    anos 1940

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    po de estdios. Essas empresas tm certo modo de funcio-namento, desde o perodo silencioso, em constantes ajustes nas maneiras de planejamento e de hierarquias com centros de poder, para sua melhor operacionalidade e rendimento. Hollywood a mentalidade da fbrica do sculo XIX. A lgica da racionalizao do processo, ou da planificao de ferro, da qual falava Pudovkin na URSS, estava expressa no modo/mo-delo clssico. O modo o da racionalizao e da causalidade + continuidade + transparncia ilusionista, com apagamento do trabalho. O modelo em suas variaes concentrado na capacidade dos esforos/trabalho do indivduo em limpar os entulhos ao redor. Hollywood sinnimo de ordem, organiza-o, planejamento, competitividade, hierarquia e meritocracia. Hollywood acredita no trabalho, como mtodo e resultado, e consequentemente na capacidade individual. Os valores da sociedade americana so seu marco regulatrio.

    Suas primeiras quatro dcadas de perodo sonoro, porm, sofreram modificaes especficas e gerais, no apenas no modo de gesto, mas tambm nos modos flmicos e na matria humana. O cinema americano dos anos 1930, narrativa e estilisticamen-te, diferente do cinema americano dos 1960. Mudaram ritmo, percursos de personagens, angulaes, tecnologias, ordena-o do tempo, vises das coisas, diretores autorais, produtores mandachuvas e a sensibilidade dos novos espectadores. Os EUA tambm so outros. No havia ainda Segunda Guerra Mundial nos anos 1930. Mas havia a do Vietn no final dos 1960. E uma vivncia de Guerra Fria, controles internos e reaes sociais. A nova populao e os novos espectadores no acreditam mais nos valores de Frank Capra. O cinema nos anos 1960 conheceu nar-rativas de fracasso, de desordem, de crises insolveis no campo individual e social. No lugar de Roosevelt, houve John Kennedy, o presidente de telenovela, mas Kennedy, alm de pendengas exter-nas e internas, foi morto em pblico, um tiro nas utopias tardias dos americanos como sociedade harmnica.

    Uma Nova Hollywood, cuja extenso discutvel, no ultrapassa 15 anos. Com maior rigor, sequer ultrapassaria dez. Em 10 ou 15 anos, de qualquer forma, estacas se deslocaram. Novos funcionamentos, novas formas de gesto, resultados de contingncias econmicas, culturais e histricas dos anos 60, so postos em prtica. momento de expanso da tele-viso e de uma troca de postos de poder e de criao, inclusi-ve com aposentadoria, morte, decadncia ou estagnao de experientes diretores expressivos, surgidos antes e depois da Segunda Guerra, alguns ainda no perodo silencioso. Uma Nova Hollywood, com novos modos de autogesto, tambm aceita novos contedos, novas formas, novos valores, mais nebulosos, mais ambguos e mais cticos.

    N estes anos 1960/70, sob este nome agluti-nador, associado novidade e a uma tradi-o, filmes diferentes conviveram. O perodo comporta obras de legitimada relevncia social, como No Calor da Noite (In the Heat of the Night), de Norman Jewison, e ou-tras destacadas por trazer cena um novo comportamento, atravs do drama particular do recm-graduado em A Primeira Noite de um Homem (The Graduate, de Mike Nichols). Se estas so narrativas mais carregadas de dramaticidade cnica, tam-bm se encontra ressonncia para filmes mais associados a gneros menos nobres, como Bonnie e Clyde Uma Rajada de Balas (Bonnie and Clyde), de Arthur Penn, e Queima-Roupa (Point Blank), de John Boorman, ambos pautados por uma di-nmica mais enftica e de maior adrenalina. Todos os filmes em questo so de 1967, talvez o ano de ecloso de um novo ciclo na jornada dos estdios americanos.

    Essas oscilaes e variedades estilsticas marcam os anos seguintes. Basta tomar como exemplo comparativo trs filmes de 1968, aquele ano em que tudo aconteceu, in-clusive as estreias do materialmente modesto Faces, de John Cassavetes, filme de concentrao fsica e intensidade dram-

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    tica, e da grande produo 2001 Uma Odisseia no Espao (2001: A Space Odissey), de Stanley Kubrick, com sua fria me-tafsica do espao fsico e sideral; alm da produo de esprito B e retr Na Mira da Morte (Targets), do ento estreante Peter Bogdanovich, com seu olhar de transio entre um fim e uma nova fase, e apontando o apagar das luzes de uma mitologia do cinema americano. Tambm o momento dos incios de Martin Scorsese, com o embate amizade versus amor em Quem Bate Minha Porta (Whos that Knocking at My Door), e de Brian De Palma, com seus jovens personagens vagando pelos espaos e pelos estmulos, certamente os dois cineastas mais influencia-dos pelos modernos autores europeus do ps-guerra, sobretu-do a partir da Nouvelle Vague, sem os quais essa modernidade americana seria menos potente.

    O que h em comum na diferena entre estes e outros filmes do fim dos anos 1960 o descontrole dos personagens em relao s suas contingncias de vida, mas tambm da vida como um tabuleiro de xadrez composto de ao individu-al, determinaes impostas aos indivduos e a uma cadeia de acasos impossveis de se prever ou evitar. Em algumas destas obras mencionadas, o corpo e a psique esto vulnerveis. Esse descontrole tambm marca os deslocamentos, de opostas naturezas, de Perdidos na Noite (Midnight Cowboy, 1969), de John Schlesinger, com uma viagem mais pragmtica do prota-gonista do interior metrpole, e de Sem Destino (Easy Rider, 1969), de Dennis Hopper, com motoqueiros viajando a esmo pelas profundezas do interior margem das estradas.

    O descontrole permanece nos anos 1970, como se v em Sob o Domnio do Medo (Straw Dogs, 1971), de Sam Peckinpah, com um pacato professor de matemtica virando bicho para pro-teger sua casa e esposa, mas h duas mudanas. De um lado, alguns cineastas tm acesso a oramentos maiores e coman-dam produes com cara de Hollywood e enfoques ou estruturas mais complexas, como foi o caso das duas partes de O Poderoso

    Chefo (The Godfather, 1972 e 1974), filmes de estampas visto-sas e ricas, mas com abordagens em nada facilitadoras ou apa-ziguadoras. De outro lado, alguns filmes se encaminham para certo engajamento com os delinquentes jovens, seguindo a linha Bonnie e Clyde, em narrativas associadas a noes de liberdade e de punio. Vemos essa adeso marginalidade em Terra de Ningum (Badlands, 1973), de Terrence Malick, centrado em um casal em fuga aps um ato de violncia, bem como em Pat Garrett & Billy the Kid (1973), tambm de Peckinpah, filme de respeitoso embate entre as foras da lei e da bandidagem, ou entre um xerife que fora bandido e agora persegue seu ex-amigo de bando; e ainda em Os Implacveis (The Getaway, 1972), do mesmo Peckinpah, com mais um casal tentando sobreviver aos criminosos e s foras da lei, embora tambm tenham de lidar com desconfiana mais ntima, a conjugal, talvez fazendo de Bonnie e Clyde uma narrativa mais juvenil.

    O peso dramtico tambm se adensa nos anos 1970 em diferentes tons e filmes, por meio de sua instalao nos espaos ou no interior dos personagens, como em A ltima Sesso de Cinema (The Last Picture Show, 1971), de Peter Bogdanovich, e O Estranho Sem Nome (High Plains Drifter, 1973), de Clint Eastwood, assim como em Klute O Passado Condena (Klute, 1971), de Alan J. Pakula, e A Conversao (The Conversation, 1974), de Francis Ford Coppola, alm de outros filmes com maior ou menor trama, acontecimentos e decises, mas todos com alguma ambiguidade no ar e nos rostos, com a impotncia para agir como horizonte. Em Um Estranho no Ninho (One Flew Over the Cuckoos Nest, 1975), de Milos Forman, e em Taxi Driver (1976), de Martin Scorsese, por exemplo, os persona-gens no encontram sada, a no ser ameaar a governabili-dade, resistentes ao modo de gestar o espao. Nos dois filmes, mais prximos do que se supe, o psicolgico est em sintonia com o poltico. Sofre com os poderes desiguais.

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    H tambm, nos anos 1970, os filmes e diretores menos densos e menos cticos (exemplos esto em Steven Spielberg e em George Lucas, nos mais notrios filmes que cada um dirigiu sobretudo na segunda metade da dcada). H outros filmes mais srios em suas colocaes (como os do j experien-te Sidney Lumet, em atividade desde os anos 50). Tambm h ainda os mais cnicos e sarcsticos, como os de Robert Altman e Woody Allen, cineastas cujos filmes de humor corrosivo ou inslito negativizam o funcionamento de instituies e seg-mentos sociais/culturais. A Nova Hollywood foi muitas coisas nestes anos intensos, variando entre narrativas lineares e re-ordenadas no tempo dramtico, entre enfoques mais diretos e mais opacos, entre percursos mais cruis e menos duros, entre abordagens sobre os indivduos e a relao deles com o social.

    Mais discutvel a intensidade e amplitude dessas novi-dades em termos estilsticos, sem com isso diminuir em nada a relevncia cultural, histrica e artstica da Nova Hollywood. Em relao a outras fases de Hollywood, mantm-se a tenso cara histria da arte e dos artistas, embutidas e explcitas nas negociaes entre as expresses singulares autorais e a neces-sidade de se fazer bons negcios. O momento dessa tenso o de um ambiente social pouco manso, mas com maior espao de liberdade de criao. No deixa de ser curioso que, embora haja maior espao de ao para os cineastas em suas nego-ciaes com os estdios, seus personagens tenham espaos mais estreitos, tendo de lidar com as determinaes variadas.

    O mais importante, ao se pensar nesse adjetivo, Nova, atribudo a Hollywood, no aceitar a novidade, como hbito, sem perspectiva histrica. A Nova Hollywood contempornea de uma filosofia europeia em embate sobre o espao do sujeito na estrutura social, a partir de Michel Foucault, mas com cren-a em linhas de escape e zonas de fuga pela singularidade e pela estetizao da vida. Os lugares do autor e os lugares dos personagens esto em questo. Quais so as margens de de-

    ciso e de controle entre as partes de uma relao qualquer? Esta pergunta no estaria j como um eco desde a ecloso da Segunda Guerra Mundial?

    E mbora o cinema americano sonoro dos anos 1930 tivesse um time forte de diretores, me-nos ou mais preferidos dos estdios para os quais trabalhavam, como John Ford, Howard Hawks, Frank Capra e William Wyler, o comeo dos 1940 conheceu um mete-oro: Rosebud! Essa senha enigmtica de acesso a uma vida e a uma psique, a do magnata das comunicao Charles Foster Kane, protagonista do filme monumento-mito Cidado Kane (Citizen Kane, 1941), coloca os modos de olhar e de narrar em uma outra instncia. A performance narrativa, dramtica e visual injeta uma modernidade radical aps a qual o cinema americano no ficaria imune nos anos seguintes.

    Cidado Kane o comandante de uma linhagem de ci-nema americano, existente com menos frequncia antes dos 1940, que poderamos classificar de cinema sombrio, sem vincul-lo somente ao policial noir, mas a filmes e diretores com um enfoque e uma forma nutridos de ameaas ordem narrativa e ao equilbrio dramtico, em geral com quebras dos acordos feitos com as imposies estticas e sociais. preciso narrar para organizar e potencializar expectativas, nos ensina o classicismo, mas, a partir de Orson Welles, mesmo sem ser ele o primeiro a fechar a cara para a sociedade e para a vida, os acordos sero mais complexos ou deixam de ser feitos. O cinema da crueldade, do qual falou Andr Bazin, encontra seu marco divisor (antes e depois de Kane).

    Esse marco prximo aos marcos do cinema do pr e do ps-Segunda Guerra Mundial nos EUA. Uma gerao iniciada no sonoro, e no no silencioso, estreia nos anos 40 e, de certa forma, inicia o ciclo ps-Griffith, justamente aquele marcado por Ford, Hawks, Capra e Wyler. a gerao iniciada com Welles e expandida pela dcada com Nicholas Ray, Samuel Fuller e Elia

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    Kazan, com o acrscimo do austraco Otto Preminger, que fez os primeiros filmes em seu pas, mas chegou em Hollywood durante a Segunda Guerra. Essas revelaes dos 1940, dca-da dos filmes noir, integram a gerao sombria que quebra o espelho idealizador do cinema industrial. A semente da dis-crdia com os estatutos mais apaziguadores do classicismo, aps o lanamento e a arrumao dos conflitos dos indivduos com seu mundo direto, comeam a se tornar frequentes nos filmes destes diretores e de outros em ao nos anos 1940 e 50, como Billy Wilder, Edgar G. Ulmer, Robert Siodmak, John Huston, Joseph Mankiewicz, Stanley Kubrick e Robert Aldrich.

    Se h uma gerao sombria ps-Welles-Kane, dois eu-ropeus chegam a Hollywood nos anos anteriores a esse marco insurgente, e no sem sombras em seus olhares. Um deles, Fritz Lang, veio da Alemanha ainda nos anos 1930, por razes polticas (ou de vida). Outro, Alfred Hitchcock, da Inglaterra, na virada para os 1940, por razes comerciais. Os dois so ante-riores a Welles, comearam ainda no cinema silencioso, mas nas dcadas de 1940 e 50 ajudam a espalhar as sombras pelas telas, expondo o pior dos humanos e da sociedade, cer-tamente com a contribuio de outro veterano, William Wyler, tambm europeu, da Alscia (na fronteira Alemanha/Frana), embora da primeira gerao ps-Griffith.

    E sses antecedentes americanos ou europeus em Hollywood, nos anos 1940 e 50, possibili-taram um caminho para a Nova Hollywood, em termos de olhar modernizado, assim como a Nova Hollywood, depois de seu encaminhamento conservador (Tubaro, Star Wars, Rocky, Contatos Imediatos do Terceiro Grau), deixou sementes para os anos e dcadas seguintes, facilitando os in-cios e as permanncias de David Lynch, David Cronenberg, Jim Jarmusch, Spike Lee, Hal Hartley, Steven Soderbergh, Quentin Tarantino, Paul Thomas Anderson e James Gray, entre outros no mencionados. Nova Hollywood, assim, termo plural, no

    singular. O classicismo foi a grande marca estilstica dos anos 1930 e 40, com alto investimento na valorao da capacida-de individual de ao, mas, conforme o classicismo se tornou complexo e renovado, a partir das obras singulares problema-tizadoras ou subversivas em relao aos cdigos dramticos e narrativos (sobretudo a partir do ps-guerra), tambm entrou em crise como modo ou modelo. A Nova Hollywood fruto des-se processo, desde os anos 1940.

    Clber Eduardo professor e pesquisador do curso de bacharelado de Cinema e Audiovisual do Centro Universitrio SENAC. Atua como curador, desde 2007, da Mostra de Cinema de Tiradentes. mes-tre pela ECA-USP com pesquisa sobre document-rio brasileiro contemporneo. , tambm, autor de artigos publicados em livros da rea.

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    O primeiro mandamento da poesia pica diz: ... e Todos os caminhos levaro ao Fim.Homero, Raoul Walsh e tudo o que se aparenta a eles, que se encontra entre eles. Mais precisamente: aqueles que viram os convalescidos se reerguerem (como, por exemplo, Meryl Streep em O Franco Atirador, levantando-se aps ser espancada pelo pai bbado, agarrando-se a um guarda-roupa repleto de livros no seu teto e erguendo-se em um gesto anlogo ao de Mickey Rourke no final de O Ano do Drago), os heris carem (mesmo quando essa queda acaba por confundir, como nos filmes de

    O CAMINHO

    DA LTIMA VEZ

    Bruno Andrade

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    John Milius e Sam Peckinpah, o herosmo injustia, a glria vergonha, o sangue lama), as mulheres lutarem (e, aqui, ne-nhuma ambiguidade: as mulheres dos filmes de Monte Hellman, sem dvida, o que desta matria vimos de mais revelador e to-cante no cinema). Poetas (porque do sentido s coisas atravs daquilo que toca verdadeiramente a poesia: a descrio lrica dos elementos que, sem deixar de fazer parte dela, transcendem a realidade contingente) e picos (se entendermos que, como Virglio e Cames, Fernando Pessoa e James Joyce tambm fo-ram grandes pintores de epopeias, criadores de mundos).

    O cansao que o xerife Marlon Brando carrega nos om-bros cados e os jatos de hemoglobina das jornadas peckinpah-nianas manifestam o mesmo incmodo, apontam o mesmo limite, algo como o flego dos ltimos passos quando se sabe que se est prximo do fim do caminho: a pelcula que se infla-ma com a imagem da estrada se estendendo no horizonte, em um filme, Two-Lane Blacktop, que oportunamente teve, aqui no Brasil, o ttulo de Corrida Sem Fim.

    Cruzar a linha de chegada. disto que se trata. O fim da linha.As travessias, as grandes migraes, os comboios; cru-

    zar de carroa um novo pas (uma miragem); lutar contra os ndios por um pedao de terra e, mais tarde, contra o prprio vizinho (sujar-se); finalmente, plantar-se em um lugar, construir um casebre no meio do deserto, recostar-se sobre uma cadeira de balano, balanar essa cadeira, e ter, agora, tempo para contemplar as coisas, para compreend-las (o que se fez, o que no se pde fazer, o que resta a ser feito); eventualmen-te alcanar a viso total (amadurecer); ver uma cidade sendo

    construda l onde no havia nenhuma, l onde s havia p, e mais tarde ver uma delegacia sendo instalada nesta cidade, seguida de um banco, seguido de uma escola, seguida de no-vos habitantes... (cada vez mais numerosos); procurar outros lugares, perder-se, dever ao banco, fugir da polcia; ver as es-colas, os bancos, as delegacias virando p novamente, e com isso tentar comear tudo de novo (impossvel). Resta, ao fim e a cabo, nada alm disto: um homem, com roupas batidas, em um carro cheio de peas de reposio, trocando as peas mas mantendo o carro, tendo em vista um horizonte j desbravado.

    Nas obras de todos os cineastas que, de Edwin S. Porter a Michael Cimino, participaram na descrio dessa epopeia (a qual, como vimos acima, transformar-se- lentamente em epi-tfio), no existe algo como uma linha tnue que ope em um esquema binrio (apogeu/queda) as duas pontas dessa gran-de narrativa que funda o que de mais frutfero e de mais longe-vo se produziu no cinema americano. Nenhum maniquesmo, e por uma razo to lgica como simples: nenhuma fraqueza de carter nesses cineastas, nenhuma hesitao formal nos seus trabalhos, nenhum abatimento no gesto de enraizamento que os permitiu, anos mais tarde, incidir o olhar mais penetrante so-bre o homem e a terra. Sem desculpas e sem arrependimentos: eis o lema do grande cinema americano, ao qual cada cineasta, cada participante (atores, produtores, roteiristas, tcnicos, p-blico) contribui com o seu quinho.

    Os sonhos de prosperidade dos que vieram se instalar no novo mundo e o desejo de serenidade daqueles que de fato se instalaram nele cedem lugar, nessa histria, deteriorao desses sonhos, desse desejo e desse mundo, e o que os nos-sos cineastas americanos extraram, o que nos narraram disso tudo foi, como bem se sabe, a ao. Devido sua densidade (a massa de componentes, fatores e variveis que entram na sua composio), sua ambivalncia (o exame metdico de todos os elementos sociais, econmicos e geogrficos que determinam

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    as vidas dos que por l se estabeleceram; todas as matizes, todas as riquezas exploradas), sua violncia intrnseca (sua intensidade), seus discursos sero necessariamente os mais opacos, por mais que a forma adotada seja a da transparncia, a da nitidez, a da simplicidade (D. W. Griffith, Thomas H. Ince).

    O que faz, no que acarreta esta to falada transparncia do famoso classicismo americano?

    Ela faz com que as contradies, os conflitos, as diver-gncias se tornem ainda mais distintas e suas consequncias ainda mais evidentes (e, como j sabemos, a evidncia que prova o gnio nesse cinema).

    aqui que uma linha precisa ser traada. aqui que um limite comea a ser avistado.

    Do motor que tosse antes de arrancar (Hellman), da entropia (Peckinpah), da rarefao (Milius, Cimino) ou do desmorona-mento (Penn), uma nova imagem que se descortina, uma nova maneira de se descrever os frutos das expedies que plantaram no solo americano uma nao. No prprio incio de sua narrativa fundadora o cinema americano j lidava sob a forma de grande espetculo e, de um ponto de vista exclu-sivamente estrutural, como diagrama rudimentar de todo o cinema por vir com o seu desdobramento mais degenerado: a Ku Klux Klan em O Nascimento de Uma Nao (D. W. Griffith, 1915). O que assistiremos anos mais tarde, primeiramente em filmes como O Fugitivo de Santa Marta (Joseph Losey, 1950) e O Quimono Escarlate (Samuel Fuller, 1959), depois em filmes como Caada Humana (Arthur Penn, 1966) e O Franco Atirador (Michael Cimino, 1978), no exatamente uma crtica a essa

    faceta espetacular fundamental do cinema americano que tem no filme de Griffith seu alicerce, seu lugar geomtrico, mas sim a diluio coordenada, o apagamento progressivo do seu mpeto espetacular. Se h uma contribuio especfica do que hoje chamamos de Nova Hollywood s pginas desse grande romance de formao da identidade (afirmada ou criticada: a mesma coisa) e da alma norte-americanas, esta se localiza na vontade que leva um cineasta como Monte Hellman a querer apagar tudo histria, memria, lembranas, passado pela simples velocidade com que faz suceder os fatos e os eventos, pela acumulao de uma matria narrativa que reitera apenas sua prpria velocidade e no mais aquilo que em outros filmes era narrado atravs dessa velocidade (o assentamento de um povo em uma nova terra, a superao individual sobre as difi-culdades materiais, o herosmo exemplar de homens da lei e de foras da lei).

    Nos seus melhores momentos (penso aqui em O Portal do Paraso, de Michael Cimino, em Amargo Reencontro, de John Milius, em A Volta do Pistoleiro, de Monte Hellman, em Um Lance no Escuro, de Arthur Penn, em Pat Garrett & Billy the Kid, de Sam Peckinpah), esses filmes comunicam um fastio melanclico que a contraparte dos osis de serenidade, da f na aventura e das promessas de paz que vimos anteriormente em filmes como os de Allan Dwan e Delmer Daves. Esse fastio de forma alguma deve ser visto como sinal de enfermidade ou como manifestao de complacncia e de m conscincia, nem muito menos como o naufrgio da energia compartilhada tanto pelos pioneiros que atravessaram o vasto territrio ame-ricano como pelos prias que j no encontravam um pedao de terra para ocupar. Esse fastio, ele nada mais que o far-do, o peso carregado por personagens privilegiados (o xerife Kristofferson no filme de Cimino, o soldado William Katt no fil-me de Milius, o fazendeiro Warren Oates no filme de Hellman, o detetive Gene Hackman no filme de Penn, todos sucessores do

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    velho Pat Garrett do filme de Peckinpah) em momentos difceis, nas encruzilhadas definidoras desta longa, inacabada histria.

    Esse fastio, suas imagens icnicas, est nos finais de Caada Humana (Marlon Brando deixando com a esposa Angie Dickinson a cidadezinha sulista da qual foi o delegado), O Portal do Paraso (Kristofferson em um iate no meio do oceano, de uma vez por todas longe da terra que outrora visou defender) e Amargo Reencontro (a lenda do surfe Jan-Michael Vincent mancando para chegar ao topo de uma acrpole improvisada), est tambm na voz de Bob Dylan durante os crditos finais da elegia de Peckinpah e principalmente na inconcluso de Corrida Sem Fim.

    Essa inconcluso , por assim dizer, a prpria meta-histria desta trajetria que descrevemos at agora.

    E, milagre do cinema americano, essa inconcluso tambm faz parte de sua histria.

    Ela no um apndice, uma nota de rodap desagra-dvel, um libi safo para ser reconhecido e aceito por setores culturais. A prpria contracultura participa desse grande es-quema narrativo (atravs dos filmes de Bob Rafelson, de Jerry Schatzberg e, inclusive, de alguns de Penn) positivamente ou de forma neutra como em Corrida Sem Fim, e isso apenas mostra o alcance da generosidade natural desse cinema. Ela completa esse retrato da formao da sociedade americana, fornecendo-lhe contrastes slidos que o tornam ainda mais compacto, mais robusto. Se o herosmo foi substitudo pela velocidade velocidade da marcha do homem na tentativa de acompanhar eventos que o ultrapassam, isto quer dizer

    da prpria velocidade da histria, a qual o cinema americano absorveu e esquematizou como nenhum outro , ento o que so John Dillinger, Thunderbolt e Lightfoot, os competidores de Corrida Sem Fim, Bonnie e Clyde, Junior Bonner seno heris de tempos sem herosmo?

    desse ponto que devem partir nossas indagaes, nossos esforos, nossas expectativas.

    Pois esse o ponto de partida desse cinema.

    Bruno Andrade crtico de cinema, historiador e realizador. Colaborou para as revistas Contracam-po, La furia umana, Lumire, Interldio, entre ou-tras. criador e editor da Revista Foco - www.foco-revistadecinema.com.br.

    Filmes mencionados ou em remisso

    O Nascimento de uma Nao (Birth of a Nation, 1915, David W. Griffith)

    O Fugitivo de Santa Marta (The Lawless, 1950, Joseph Losey)

    O Quimono Escarlate (The Crimson Kimono, 1959, Samuel Fuller)

    Dillinger - Inimigo Pblico n 1 (Dillinger, 1973, John Milius)

    Amargo Reencontro (The Big Wednesday, 1978, John Milius)

    Corrida Sem Fim (Two-Lane Blacktop, 1971, Monte Hellman)

    A Volta do Pistoleiro (Amore, piombo e furore, 1978, Monte Hellman)

    Dez Segundos de Perigo (Junior Bonner, 1972, Sam Peckinpah)

    Pat Garrett & Billy the Kid (1973, Sam Peckinpah)

    Caada Humana (The Chase, 1966, Arthur Penn)

    Bonnie e Clyde Uma Rajada de Balas (Bonnie and Clyde, 1967,

    Arthur Penn)

    Um Lance no Escuro (Night Moves, 1975, Arthur Penn)

    O ltimo Golpe (Thunderbolt and Lightfoot, 1974, Michael Cimino)

    O Franco Atirador (The Deer Hunter, 1978, Michael Cimino)

    O Portal do Paraso (Heavens Gate, 1980, Michael Cimino)

    O Ano do Drago (Year of the Dragon, 1985, Michael Cimino)

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    Ns vamos para a Flrida. Vamos nos deitar na praia e ficare-mos saudveis. Deixar todas as feridas curarem. Talvez fugir

    para o Arizona. As noites so agradveis e as estradas so retas. E vamos construir uma casa. Sim, vamos construir uma

    casa. Porque se eu no aterrissar logo, entrarei em rbita

    G.T.O., o motorista do Pontiac GTO vivido por Warren Oates em Corrida Sem Fim (Two-Lane Blacktop, 1971), de Monte Hellman

    Sobre cowboys

    solitrios

    Filipe Furtado e mitos revisitados

    Nova Hollywood uma ex-presso que ao longo do tem-po ganhou tamanho peso a ponto de ser uma pea de di-vulgao pronta a ser acopla-da a qualquer filme do per-odo que se deseje promover

    que perdeu seu significado original e se tornou no imaginrio cinfilo o smbolo de um suposto momento melhor no cine-ma americano. Seu significado original, perdido num desejo nostlgico. Existem vrias possveis Novas Hollywoods e os recortes histricos feitos sob o perodo terminam inevitavel-mente por refletir sobre os interesses dos responsveis tanto quanto sobre os filmes.

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    Martin Scorsese, cinfilo que possui um olhar dos mais atentos e um artista com inegvel sentido de autopromoo, aponta o casamento entre o filme de gnero europeizado, o underground de Nova York, com o esprito vulgar e confron-tador dos filmes B de Roger Corman a soma de Queima-Roupa (Point Blank, 1967, John Boorman), Sombras (Shadows, 1959, John Cassavetes) e O Homem dos Olhos de Raio-X (X: The Man with X-Ray Eyes 1963, do prprio Corman) no uma m equao para o esprito da poca. uma observao que no deixa de apontar as vrias tendncias do perodo, mas que sugere que elas costumam se exibir com um equilbrio visto em apenas alguns raros filmes e, certamente, no acidental que Taxi Driver (1976, Martin Scorsese) permanea como filme essencial do perodo para tanta gente, j que Scorsese transita aqui por todas estas vertentes com desenvoltura sem igual.

    inevitvel diante desta conjuntura que o ponto de parti-da da Nova Hollywood seja uma questo geralmente respondida pelos interesses de quem a levanta. Sem Destino (Easy Rider, 1969, Dennis Hopper), Bonnie e Clyde Uma Rajada de Balas (Bonnie and Clyde, 1967, Arthur Penn), Na Mira da Morte (Targets, 1968, Peter Bogdanovich), A Noite dos Mortos-Vivos (Night of the Living Dead, 1968, George A. Romero) e David Holzmans Diary (1967, Jim McBride) so todos candidatos naturais, dependendo das inclinaes do historiador. Pessoalmente prefiro localizar esta gnese um pouco antes destes filmes e num momento bem especifico: maio de 1965. Neste ms trs filmes essenciais comearam suas filmagens, Disparo para Matar (The Shooting, Monte Hellman), Cavalgada no Vento (Ride in the Whirlwind, Monte Hellman) e Caada Humana (The Chase, Arthur Penn).

    A princpio, so filmes distantes a despeito de serem todos neo westerns que misturam um grande conhecimento da histria do gnero com igual disposio de revitaliz-lo. Disparo para Matar e Cavalgada no Vento foram realizados em sequncia, seguin-

    do o credo do seu produtor, Roger Corman, de que sempre possvel realizar dois filmes com o oramento de um, e com uma equipe majoritariamente em comeo de carreira na frente e atrs das cmeras. J Caada Humana era uma superpro-duo de prestgio que marcava o retorno aos Estados Unidos do produtor Sam Spiegel (cujo filme anterior fora Lawrence da Arbia), encabeada por Marlon Brando e com jovens ato-res em ascenso, como Robert Redford, Jane Fonda e Angie Dickinson, e com roteiro de Lillian Hellman. Caada Humana foi cuidadosamente posicionado como um grande evento cultural incontornvel, um filme sobre a Amrica com A maisculo. Uma parbola de retorno do filho prdigo a uma cidade que entra em parafuso com a notcia que um jovem local (Redford) fugira da cadeia e planejava voltar para l, uma espcie de cruzamento entre Matar ou Morrer (High Noon, 1952, de Fred Zinnemann) e Tennessee Williams. Os anos 1950 revistos pe-los 60 com o cone maior da dcada anterior (Brando) colocado na posio do xerife de mos atadas diante da corrupo moral da cidade que protege. Caada Humana parte de sua srie de elementos icnicos e os deixa apodrecer, como um forte retrato do mal-estar numa comunidade que projeo de um estado de coisas maior.

    Em Disparo para Matar, um homem (Warren Oates) retor-na a seu acampamento para encontrar seu irmo desaparecido, e acaba contratado por uma mulher misteriosa como guia para iniciar uma jornada que, progressivamente, mostra-se uma caa-da condenada. Seu roteiro foi escrito por Carol Eastman, uma das figuras-chave esquecidas do perodo, tambm responsvel pelos textos de Cada Um Vive Como Quer (Five Easy Pieces, 1970, Bob Rafelson), Model Shop O Segredo ntimo de Lola (Model Shop, 1968, Jacques Demy) e Puzzle of a Downfall Child (1970, Jerry Schatzberg). O princpio de Cavalgada no Vento mais direto: cowboys (Jack Nicholson e Cameron Mitchell) passam a noite em companhia de um grupo de criminosos e acordam com a

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    chegada de um grupo de linchamento, e, culpados por associa-o, precisam fugir. Ambos os filmes so fbulas absurdas, com muitas semelhanas na forma como os personagens aceitam o inevitvel e no modo como a tenso dramtica prevista na dinmica entre o estilo exuberante de Nicholson e um registro em tom mais baixo de Oates e Mitchell que mostra como seus personagens encaram mais resignados o seu destino.

    Todos os trs filmes foram recusados poca (literal-mente, no caso dos westerns de Hellman), j que a American International Pictures, compradora habitual dos filmes de Corman, se recusou a distribu-los e o produtor, ento, ofereceu os filmes para a televiso. Quanto a Caada Humana, foi o fra-casso mais retumbante de 1966, com crticas que caoavam da autoimportncia do filme. A despeito disso, contudo, todos estes trs filmes apontam um momento de virada no cinema norte-americano do perodo. O crtico e historiador Robin Wood, no seu Hollywood from Vietnam to Reagan, refere-se a Caada Humana como o primeiro cenrio apocalptico do cinema ame-ricano no que poderamos estender o termo tambm aos dois westerns de Hellman. O que aproxima os trs serem os primei-ros filmes americanos a assumir mais conscientemente a ideia de pertencer ao ps-novembro de 1963 (ms do assassinato de John Kennedy), num desejo alegorizante de tentar dar conta de um EUA paranoico e confuso. So longas que sugerem um desastre em andamento e que tambm soam assombrados por um pecado original. Em suma, Caada Humana, Disparo para Matar e Cavalgada no Vento so os primeiros filmes ame-ricanos narrativos que se assumem abertamente como perten-centes ao que se convencionou pensar como os anos 1960, e se h algo que frequentemente se perde quando se pensa a Nova Hollywood como, a despeito de se referir majoritaria-mente a filmes realizados na dcada de 1970, trata-se de um fenmeno essencialmente dos anos 1960 (mesmo que em algumas vertentes sugerindo uma reao a esse perodo).

    Ser no binio de 1967-1968 que esta ideia de um novo olhar do cinema americano que reflita o perodo ganha-r fora. Um elemento histrico importante e frequentemente esquecido neste processo que este binio coincide com os 18 meses entre a extino do Cdigo Hays (regulando o que os filmes poderiam mostrar desde 1934, mas j enfraquecido desde 1953) e o surgimento do regramento por faixa etria da MPAA Motion Picture Association of America (em vigor at hoje). Por cerca de um ano e meio, o cinema americano se viu pela primeira vez, desde o incio da fase sonora, sem algum tipo de regulamentao oficial, o que possibilitou mais liberda-de de forma e contedo.

    O ano de 1967 pode ser reconhecido, principal-mente, como aquele em que o cinema ame-ricano descobriu oficialmente os cinemas novos e encontrou maneiras de se apropriar de seus recursos de montagem e encenao. Antes, tratava-se de um impacto localizado exclusivamente em alguns filmes de arte, como O Homem do Prego (The Pawnbroker, 1964, Sidney Lumet) e alguns trabalhos ingleses de grande sucesso, como As Aventuras de Tom Jones (Tom Jones, 1962, Tony Richardson), Os Reis do I I I (A Hard Days Night, 1964, Richard Lester) e Blow-Up Depois Daquele Beijo (Blow-Up, 1966, Michelangelo Antonioni). Central neste processo seria o sucesso de Bonnie e Clyde, o filme que Arthur Penn realizou aps o fracasso de Caada Humana. No por acaso que os textos sobre a poca faam questo de destacar que os roteiristas Robert Benton e David Newman ofereceram o projeto inicialmente a Franois Truffaut e Jean-Luc Godard, o que refora tanto uma posio de inferioridade da intelligentsia americana naquele momen-to como a mstica de que o filme aliava o iderio da Nouvelle Vague a uma temtica pulp essencialmente norte-americana. Se o essencialismo de Bonnie e Clyde torna-o mais icnico, ele no foi o nico, pois 1967 tambm viu chegar aos cinemas

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    Queima-Roupa, A Primeira Noite de um Homem (The Graduate, Mike Nichols), Um Caminho para Dois (Two For the Road, Stanley Donen) e, em 1968, Petlia Um Demnio de Mulher (Petulia, Richard Lester), Enigma de uma Vida (The Swimmer, Frank Perry) e O Beb de Rosemary (Rosemarys Baby, Roman Polanski), que, com intensidades variadas, aplicaram lies ex-tradas de filmes europeus. O fenmeno se intensificou de tal forma que no final de 1968 at cineastas a princpio bastante convencionais, como Gordon Douglas, com Crime Sem Perdo (The Detective), e Norman Jewison, com Crown, o Magnfico (The Thomas Crown Affair), experimentaram tcnicas associa-das a filmes estrangeiros.

    Paralelo a isto, Roger Corman realizaria Viagem ao Mundo da Alucinao (The Trip, 1967), uma espcie de sequncia te-mtica do seu muito popular filme de motoqueiros Os Anjos Selvagens (The Wild Angels, 1966), em que narra uma viagem de alucingenos com um imaginrio visual muito derivado do cinema experimental dos trabalhos que Kenneth Anger fazia naquela dcada. O filme no repetiu o sucesso do anterior, mas notvel apontar que Dennis Hopper e Peter Fonda combina-ram elementos de ambos quando realizaram Sem Destino, dois anos mais tarde. Curtis Harrington, uma das raras figuras que buscaram manter um p tanto no avant-garde como no cinema narrativo, fez seu primeiro filme de sucesso com O Terceiro Tiro (Games, 1967) e, numa outra chave, John Cassavetes final-mente conseguiria reconhecimento com Faces (1968).

    s margens da indstria, especialmente em Nova York, este perodo de 1967-1968 veria emergir um grande nmero de filmes que questionavam o aparato cinematogrfico. O trabalho mais not-vel do movimento , certamente, David Holzmans Diary, falso filme-dirio no qual Jim McBride se satiriza ao utilizar certas estratgias do cinema verdade. Mais tarde, McBride deixaria o processo mais complexo, em My Girlfriends Wedding (1969) e

    Pictures from Lifes Other Side (1971), trabalhando elementos de no fico contaminados com estratgias de construo ficcional. Outros filmes afiliados incluiriam Coming Apart (1969, Milton Moses Ginsberg), Dias de Fogo (Medium Cool, 1969, Haskell Wexler), as stiras godardianas de Brian De Palma (Saudaes/Greetings, de 1968, e Ol, Mame!/Hi, Mom!, de 1970) e, de certa forma, as incurses americanas do prprio Godard (One Plus One, 1968) e Agns Varda (Lions Love, 1969). Um fascinante exemplar mais prximo da indstria Na Mira da Morte, estreia na direo do ento crtico Peter Bogdanovich. Produzido por Corman e com um roteiro de um no creditado Samuel Fuller, o filme coloca Boris Karloff essencialmente interpretando a si mesmo (completa com clipes de Sombras do Terror/The Terror que o ator fizera com Corman em 1963 e que fora codirigido por Monte Hellman e Francis Ford Coppola). Karloff est em espelhamento com um atirador num drive-in, o monstro de Frankenstein encarando um novo monstro, que agora um homem comum, gente como a gente, promovendo um barbarismo que revela uma perda da inocncia e do lugar seguro que o cinema garantia.

    Na Mira da Morte aproxima a tendncia anti-ilusionista a outro fenmeno do perodo que encontrava sua gnese nos pri-meiros filmes regionais independentes de figuras como George Romero, Robert Downey Jr. e John Waters, que desbotaram, mais tarde, tanto nos midnight movies como em toda a produ-o de drive-in da dcada seguinte que o cineasta francs Olivier Assayas descreveu como o que de mais prximo minha gerao encontrou no cinema a ver com o punk rock.

    a partir deste perodo e tendncias que o que ficou con-vencionado como Nova Hollywood se desenvolver em dois blo-cos autnomos que dialogam ocasionalmente. O primeiro, que alcanou maior popularidade entre 1969-1971, o de filmes que buscavam traduzir o perodo atravs de dramas individuais

    frequentemente homens em fuga , geralmente com elemen-

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    tos ligados contracultura e apenas ocasionalmente lanando mo de gnero. Podemos dizer que so filmes que derivam dos experimentos de Hellman com Atirando para Matar (Shoot to Kill) e Cavalgada no Vento. Os grandes sucessos que os im-pulsionaram foram Sem Destino e Cada Um Vive Como Quer (Five Easy Pieces), e o diretor do segundo filme, Bob Rafelson, provavelmente seu maior aglutinador. Rafelson conquistara grande sucesso na televiso com sua srie protagonizada pelo grupo The Monkees e se capitalizou com ele para montar a produtora BBS Productions, em parceria com Bert Schneider e Stephen Blauner. Schneider tinha um tio bem posicionado na Columbia e a produtora fez bom uso do canal aberto at 1972, e a BBS foi responsvel por A ltima Sesso de Cinema (The Last Picture Show, 1971, Peter Bogdanovich), O Dia dos Loucos (The King of Marvin Gardens, 1972, Rafelson), alm das estreias na direo de Jack Nicholson (O Amanh Chega Cedo Demais/Drive He Said, 1971) e Harry Jaglom (Refgio Seguro/A Safe Place, 1971). Pode-se ressaltar que, com ex-ceo do filme de Bogdanovich, Nicholson protagonizou todos esses filmes e rapidamente ascendeu ao posto oficial deste cinema. O outro estdio que apoiou de forma decisiva este grupo foi a Universal, atravs do executivo Ned Tanen, que su-pervisionou os filmes ps-Sem Destino de Dennis Hopper (The Last Movie) e Peter Fonda (Pistoleiro Sem Destino/The Hired Hand), assim como o primeiro longa de Monte Hellman aps seus faroestes (Corrida Sem Fim) e o primeiro filme americano do tchecoslovaco Milos Forman, Procura Insacivel (Taking Off), todos em 1971. A outra tendncia principal do perodo seria a dos filmes de gnero revisionistas, com a presena mais acentuada do autor, trabalhos que beberiam diretamente das lies de Bonnie e Clyde e seriam muito atrativos aos estdios, que os encarariam como um relativo retorno normalidade de boas histrias e estrelas. Num primeiro momento, a indstria faria um esforo considervel para promover alguns roteiristas,

    como a dupla Benton/Newman e Francis Ford Coppola e John Milius, recebendo grandes destaques na poca, assim como em menor medida Walter Hill e Terrence Malick (e mais tarde Paul Schrader e Michael Cimino). Trata-se de um grupo bas-tante heterogneo, o que fica explcito quando pensamos nos diferentes rumos que as carreiras individuais tomariam. Difcil pensar em temperamentos mais distintos que os de Milius e Malick, mas ambos no comeo dos anos 1970 tinham grande reputao como script doctors com um amplo conhecimento de histria do cinema americano e domnio dramatrgico que melhoravam qualquer projeto. A Warner Bros., que produzira antes Bonnie e Clyde e Meu dio Ser Sua Herana (The Wild Bunch, 1969, Sam Peckinpah), se tornaria a principal casa desta produo. O sucesso simultneo, em 1971, de dois filmes policiais bastante duros, Operao Frana (The French Connection, William Friedkin) e Perseguidor Implacvel (Dirty Harry, Don Siegel), comprovavam a larga escala de projetos cinematogrficos distintos.

    S e os nomes do primeiro grupo eram formados majoritariamente por figuras que estavam na periferia da indstria desde o final dos anos 1950 e com ligaes com a contracultura, a maior parte dos nomes do segundo grupo vinha das faculdades de cinema da Califrnia (Coppola fez ambas as coisas). No calor do momento, houve uma forte tendncia em contrapor os dois grupos, com pouco produtivos maniquesmos tpicos do jornalismo cultural (Hopper e Milius com suas personalidades muito reconhec-veis foram frequentemente parodiados para se encaixar em agendas distintas). Em 1969, foi um passatempo comum o de crticos oporem Meu dio Ser Sua Herana e Sem Destino como vises antagnicas do mal-estar americano. Deve-se notar, porm, que no somente vrias figuras transitavam com facilidade entre ambos, como Scorsese, Bogdanovich e Robert Altman (cujo MASH, 1970, deve parte da sua popularidade

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    forma como se equilibrava entre os dois lados), como eles po-deriam ser confundidos e atacados, como o veterano diretor Billy Wilder, em Fedora (1978), pondo na boca do protagonista, um produtor veterano vivido por William Holden, a reclamao sobre os sapos barbudos terem arruinado Hollywood.

    Por ltimo, til lanar uma luz sobre a fase final do perodo. De forma preguiosa, costuma-se culpar a ascenso da dupla Steven Spielberg e George Lucas pelo fim do perodo, mas trata-se de uma maneira fcil de simplificar as coisas. A progresso da carreira de Lucas , na verdade, uma conden-sao fascinante das tendncias do perodo, dos curtas expe-rimentais na faculdade nos anos 60, aos experimentos narra-tivos radicais de THX 1138 (que poderia facilmente figurar ao lado de outros filmes arriscados de 1971) ao apelo nostlgico de Loucuras de Vero (American Graffiti, 1973) e o reconfigurar de mitos de gnero numa escala de superproduo industrial de Guerra nas Estrelas (Star Wars, 1977). Hollywood nunca parou e permitiu que os sapos barbudos de Wilder tomassem conta das coisas. Basta apontar que as maiores bilheterias de 1970 foram Love Story: Uma Histria de Amor (Love Story), de Arthur Hiller, e Aeroporto (Airport), de George Seaton, lon-gas muito longe de qualquer ideia de Nova Hollywood. A Nova Hollywood era um fenmeno essencialmente dos anos 1960, de um contexto socioeconmico que incentivou vrias tendn-cias de contedo e estticas e tambm de um contexto indus-trial ligado agonia do sistema dos grandes estdios a partir da lei antitruste, que os obrigou a vender seu circuito exibidor e a subsequente venda para grandes consrcios.

    P odemos dizer que o ponto mximo da Nova Hollywood aconteceu em 1972, quando os fil-mes mais populares do ano foram O Poderoso Chefo, de Coppola, e Essa Pequena uma Parada (Whats Up, Doc?, Peter Bogdanovich. O primeiro partia de um romance policial pulp e o reimaginava como pico viscontiano, enquan-

    to o segundo atualizava a comdia maluca dos anos 1930 de Levada da Breca (Bringing Up Baby, 1938), de Howard Hawks. Ambos se voltavam para o passado, mas sem deixar de es-tarem ligados ao seu momento, e sua popularidade tambm deixou uma porta aberta para exploraes mais diversas. O re-visionismo e a nostalgia sentidos por um Bogdanovich ou Penn foram aos poucos sendo substitudos por filmes que se aprovei-tavam desinteressadamente dessas formas. Para cada filme como Chinatown (1974, Roman Polanski), haver uma revisita preguiosa do filme noir, como as duas adaptaes das obras de Raymond Chandler protagonizadas por Robert Mitchum na metade da dcada. Em poucos anos, metodicamente o cinema americano se moveu de The Last Movie para The Last Tycoon (O ltimo Magnata). Mais do que os fracassos e sucessos high profile como Tubaro (Jaws, 1975, Steven Spielberg), O Comboio do Medo (Sorcerer, 1977, William Friedkin), Guerra nas Estrelas ou New York, New York (1977, Martin Scorsese), pelos filmes primeira vista mais rotineiros que o desapa-recimento da Nova Hollywood se revela notvel. quando co-mea a se tornar mais difcil encontrar filmes como Liberdade Condicional (Straight Time, 1978, Ulu Grosbard), Morte no Inverno (Winter Kills, 1979, William Richert), A Um Passo do Abismo (Over the Edge, 1979, Jonathan Kaplan) ou Times Square (1980, Allan Moyle) que percebemos que o momento importante do cinema americano ficou para trs.

    Filipe Furtado editor da Revista Cintica e ex-editor da Revista Pais. Colaborou com veculos como Contracampo, Filme Cultura, Teorema, Cine Imperfeiro, Rouge, La Furia Umana e The Film Journal. Mantm o blog Anotaes de um Cinfilo.

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    Talvez anterior renovao temtica, de estilo, anterior at mesmo revoluo dos meios de produo, que re-configurou o lugar dos direto-res em Hollywood, talvez an-tes disso tudo haja um ponto no to evidente, mas nem por isso menos essencial, menos definidor, para esta gerao de cineastas dos anos 1970 no qual valha a pena se deter: trata-se da primeira gerao de diretores cinfilos do ci-nema americano. A cinefilia, claro, um produto da moderni-

    Notas sobre a

    Nova Hollywood

    Calac Nogueira

    e William Friedkin

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    dade, e recentemente houve at mesmo quem quisesse dat--la, de maneira definitiva, como um produto do ps-guerra. De modo que falar da Nova Hollywood necessariamente falar de cinema moderno, com toda a carga que o termo carrega no h, por fim, muita escolha.

    Mais do que a cinefilia declarada (Scorsese falando dos filmes que viu aos 5 anos de idade, Schrader crtico, a nostalgia de um Bogdanovich), interessa notar aqui de que forma este olhar cinfilo penetra efetivamente nos filmes para criar algu-mas das obras mais originais do perodo: De Palma dilacerando Hitchcock; o bressonianismo de fins duvidosos em Corrida Sem Fim (Two-Lane Blacktop, 1971, Monte Hellman), eu sempre me perguntando se algum chegou a mostrar o filme a Bresson, e no acho que ele detestaria, por sinal: Bresson tinha l seu amor professado pela juventude; Cimino partindo de Ford em O Portal do Paraso (Heavens Gate, 1980): partindo efetivamen-te do solo, para contar uma histria da terra, daquelas pessoas documentadas sob aquela luz e, arquetipicamente, muito difcil no ver em Kris Kristofferson uma rplica de Henry Fonda em A Mocidade de Lincoln (Young Mr. Lincoln, 1939).

    Essas obras impressionam sobretudo por sua conscin-cia (conscincia formal, conscincia de seu lugar no tempo). Elas nos colocam num contato direto, guiado, com a prpria histria das formas. Longe da reverncia, elas propem uma apropriao bastante selvagem e ativa do cnone. No caso de Cimino, ficaramos tentados at mesmo a dizer que este encaminha a perfeio fordiana rumo a um refinamento l-timo, melhorando o trabalho do mestre!, se nessa melhora no fosse tambm perdido algo, uma fora bruta do original, em favor de um trao mais fino. O que importa que, mais do que o aceno ou a piscadela, em De Palma, Cimino e Hellman parecemos contemplar um ponto de vista geolgico sobre o cinema, o prprio solo onde as formas iro se depositar umas sobre as outras.

    Mas esse solo talvez no seja exatamente frtil: difcil pensar em quem possa vir depois de De Palma, Hellman ou Cimino. Porque esses cineastas j chegaram depois, e soam como ruas sem sada (a prpria curva do to proclamado fim do cinema fica logo ali nos anos 1980). E o moderno talvez no se preste mesmo muito bem ao cnone (uma pequena hiptese aqui). Tanto o moderno autoconsciente (De Palma, Hellman e Cimino, justamente) quanto o moderno de um radi-calismo irredutvel: Cassavetes nos EUA (e, antes dele, Welles); Straub, Rossellini e Godard na Europa; Sganzerla no Brasil. So cineastas que encarnam um moderno absoluto, vulces isolados sem vocao para o cnone: Godard jamais ir in-fluenciar diretamente ningum, e a reverncia a Cassavetes ou Sganzerla frequentemente incorre numa certa macaqueao. A regra no clara (Bresson, em sua modernidade, dos cine-astas mais influentes), mas o que importa observar aqui que as obras mais perfeitas e impactantes no so forosamente as mais influentes, talvez at pelo contrrio. E que o clssico, por se colocar sobretudo como uma tradio, em que a autoria se manifesta de maneira mais discreta, menos incisiva, talvez sirva melhor ao cnone.

    Falamos aqui de cinema moderno por acreditamos que esta gerao do cinema americano dos anos 1970 preen-che todos os requisitos para ser alinhada junto s pequenas revolues documentadas no cinema ao redor do mundo a partir do ps-guerra. Mas se quisermos falar no s do que essa gerao produziu de mais brilhante ou mais original, mas tambm do terreno frtil que ela consolida, talvez seja

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    interessante voltarmos os olhos para William Friedkin, que, apesar de ser um dos grandes diretores do perodo, tambm um dos mais subestimados. Os mal-entendidos comeam com O Exorcista (The Exorcist, 1973), clssico instantneo do cinema de horror e, do ponto de vista comercial, um dos filmes-chave da Nova Hollywood. Mas hoje parece claro que toda a importncia do filme est mais naquilo que ele tem de particular, no que tem de chocante para a poca (e que per-manece at hoje), na abordagem franca do exploitation, do que propriamente por um estilo pessoal de direo. Se quiser-mos encontrar o verdadeiro Friedkin, melhor nos determos em Operao Frana (The French Connection, 1971), O Comboio do Medo (Sorcerer, 1977) e Viver e Morrer em Los Angeles (To Live and Die in L.A., 1985).

    M e parece que a grande diferena de Friedkin para outros cineastas-autores do perodo que ele instaura, de fato, um mtodo, uma prxis que serve a toda uma ideia de cinema de ao: esvazia-mento da cena, da trama e at mesmo dos personagens, fas-cnio pela imagem bruta, pela superfcie opaca, tudo isso atra-vessado, costurado, por um pessimismo particular. Friedkin o oposto de um Scorsese, que tem um gosto por personagens fortes, esteretipos pitorescos, pela descrio e crtica social

    o olhar scorseseano sempre culturalizante (social, poltico, fetichista, s vezes afetivo e sentimental). Em Friedkin, tudo isso drenado em nome de uma prxis violenta da ao. Gene Hackman em Operao Frana como um zumbi esvaziado vagando pelas ruas: a utopia do tira 24 horas por dia, sem vida pessoal, sem descanso. A adrenalina da ao preenche o vazio que o personagem carrega no estmago.

    A imagem que fica de Operao Frana , naturalmente, aquela das ruas, essa superfcie opaca da qual Friedkin parte para criar uma narrativa despojada e veloz. A realidade, longe de ser fetichizada, estritamente funcional: as sequncias

    mais memorveis do filme se do em espaos pblicos (no en-tra e sai do metr, na calada-fachada-interior dos restauran-tes, ou ainda a perseguio de carro debaixo dos trilhos). Em outras palavras, a realidade serve prxis. Dali, Friedkin ainda iria depurar seu estilo em O Comboio do Medo e, sobretudo, em Viver e morrer em Los Angeles.

    A cena mais chocante de O Comboio do Medo se repete em Viver e Morrer em Los Angeles: Friedkin implode seu pro-tagonista sem maiores explicaes. No primeiro filme, quando Bruno Cremer, o francs do grupo, comea a lembrar com ca-rinho da esposa, o caminho tomba e tudo vai pelos ares. Em Viver e Morrer, Chance (William Petersen), o heri do filme, quem morre no fim, abruptamente. A repetio dessas cenas nada mais do que uma declarao de princpios ao mesmo tempo que expem o pessimismo de Friedkin, alimentam per-feitamente seu sistema, sua prxis: reduo do personagem a seu corpo, drenado de todo sentimentalismo, reduzido mera pea de um sistema de ao.

    O Comboio do Medo prefigura todo John Carpenter: o tom soturno, o olhar niilista sobre a coletividade em plena barbrie, os personagens encurralados, lutando pela prpria sobrevi-vncia. Pode-se evocar desde Fantasmas de Marte (Ghosts of Mars, 2001) a O Enigma do Outro Mundo (The Thing, 1982). Carpenter tambm atuar drenando a ao de todo sentimen-talismo (o drama carpenteriano por excelncia o drama da so-brevivncia). O gosto de Friedkin pela superfcie opaca tambm nos faz pensar em alguns filmes do perodo, como Caador de Morte (The Driver, 1978), de Walter Hill pensando nesses cineastas (Carpenter, Friedkin, Walter Hill), temos a impresso de que os anos 1960 e 70, ao destrurem definitivamente os arqutipos do cinema clssico, devolvem um certo mutismo do corpo, que se torna uma superfcie impermevel e opaca.

    Como cinfilo, Friedkin sempre foi admirador de Henri-Georges Clouzot (O Comboio do Medo uma refilmagem de

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    Calac Nogueira crtico de cinema e cineasta. Gra-duado em Cinema pela UFF-RJ, escreveu para a revista Contracampo entre 2008 e 2013 e realizou o curta Os Invasores (2013).

    O Salrio do Medo/Le salaire de la peur, de 1953). Mas um encontro com outro mestre, Howard Hawks, que aparentemen-te ser mais decisivo para o diretor. Friedkin ento namorava a filha de Hawks, que o apresentou ao pai num jantar. Hawks o teria aconselhado a fazer histrias de ao como rota para o sucesso, se que isto o interessava. Friedkin prossegue o re-lato: Tive essa epifania de que no estvamos fazendo filmes para pendurar na porra do Louvre. Estvamos fazendo filmes para divertir as pessoas e, se eles no fizessem isso, ento no estavam atingindo um objetivo mais bsico. (...) foi o que me levou a fazer Operao Frana.1

    Passada a anedota, como no ver no gosto pelo esva-ziamento e pela superfcie de Friedkin, em sua abordagem da ao como um sistema implacvel, uma herana, precisamen-te, hawksiana?

    Diramos que Friedkin um autor maneira do cinema clssico: no por encenar temas de interesse pessoal, mas constituindo uma prxis, um sistema prprio: uma maneira de pr em cena a ao. verdade que sua crena numa vocao comercial do cinema o levou, igualmente, a fazer alguns filmes pouco interessantes. Mas, entre os filmes da Nova Hollywood, Operao Frana sem dvida um dos que tm mais vocao para cnone (James Gray retomar a perseguio sob o metr em Os Donos da Noite/We Own the Night, conscientemente ou no), e bastante fascinante observar o trabalho de um autor que no se limita a girar como um universo fechado em torno de si mesmo.

    1 O caso relatado por Peter Biskind em

    Como a Gerao Sexo-Drogas-e-RocknRoll

    Salvou Hollywood (Rio de Janeiro:

    Intrnseca, 2009).

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    O nascimento da Nova

    Hollywood

    Herana da Carne (Home from the Hill), de Vincente Minnelli, promove o enterro da velha Hollywood. Em 1960, ano de lanamento do filme, comeava a se despedaar o sistema dos estdios, sob o comando de grandes corpo-raes que ento dominavam um terreno antes exclusivo de homens de cinema. Minnelli teste-munhou a runa, o patriarca que cai por seus prprios excessos por viver em um mundo cujos modos no se encaixam com os dele. Vtima dos maldizeres, das futricas de uma cidade retr-grada, esse homem, Wade Hunnicutt (Robert Mitchum), vai su-cumbir por sua prpria grandeza. A fama que o precedia o levou morte, por assassinato. Morre o patriarca, morre o cinema dos grandes estdios, representado pela lpide, imponente e brilhante, que ocupa toda a esquerda do plano final, enquanto direita sua viva e seu filho ilegtimo iniciam uma outra fam-

    Srgio Alpendre

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    lia. O que viria nos anos seguintes so suspiros em relao aoque j foi Holly