CAPÍTULO 6 – O CASO DO ROYAL COLLEGE OF...

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CAPÍTULO 6 – O CASO DO ROYAL COLLEGE OF MUSIC 1 - O ROYAL COLLEGE OF MUSIC O Royal College of Music (RCM) foi fundado em 1882 pelo então Príncipe de Gales, mais tarde Eduardo VII, e regula-se pela Carta que lhe foi concedida em 23 de Maio de 1883 pela Rainha Vitória, actualizada por uma Carta Suplementar em 1994, a pedido do RCM. Com efeito, a instituição considerou que poderia melhorar “a gestão e direcção do college se fossem fixadas novas disposições no que respeita aos seus objectivos, procedimentos e deveres” (RCM, 1994, preâmbulo). Desde a sua fundação, o RCM tem visto a sua importância reforçada por uma estreita ligação à família real. Actualmente, a Rainha é a sua patron, tendo a Rainha-Mãe sido sua Presidente durante 40 anos, até 1993, data em que o Príncipe de Gales se tornou o Presidente e a Rainha- Mãe Presidente Emerita. De acordo com a nova Carta (id., 4, a), b), c)), os objectivos do RCM são: (i) o progresso da Arte da Música através de um órgão central de ensino e avaliação com a função de oferecer um ensino musical do mais elevado nível e de atribuir graus académicos e certificados a pessoas que, tendo ou não frequentado o RCM, se mostrem merecedoras dos mesmos, através de provas de exame; (ii) a promoção e supervisão do ensino musical nas escolas e outros organismos, do modo que for considerado mais adequado para a cultura e disseminação da Arte da Música no Reino Unido; (iii) em geral, o estímulo e promoção da prática da música como arte em todo o mundo. Estes objectivos eram já fixados pela Carta de 1883 (RCM, 2002, 7). Os graus que o RCM está autorizado a conferir são os de Bachelor of Music, Master of Music e Doctor of Music, graus que também podem ser atribuídos a título honorífico (id., 5, l) e m). O facto de poder conferir graus a nível doutoral torna o RCM “único entre os conservatórios ingleses” (QAA, 2003,4). No que se refere ao segundo objectivo, é especificado na Carta que ele se operacionaliza através da colaboração com o Governo no que diz respeito “ao ensino musical nas escolas, incluindo a inspecção destas, a realização de exames, a satisfação total ou parcial das necessidades de professores de música para estas escolas, a atribuição de bolsas e outros apoios aos alunos destas escolas, e a qualquer outra matéria relacionada com a promoção da música com apoio governamental (RCM, 1994, 5, o) ). Os objectivos da Carta são, em grande parte, assegurados através da participação do RCM no “Associated Board of the Royal Schools of Music” (ABRSM), que é uma instituição que tem por missão “o progresso das artes, das ciências e das competências nas áreas da música, do discurso e do teatro no Reino Unido e no estrangeiro e a promoção da educação, da instrução, do estudo e da fruição nas áreas de música, discurso e teatro”. A ABRSM tem um sistema internacional de ensinos musicais em mais de 80 199

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CAPÍTULO 6 – O CASO DO ROYAL COLLEGE OF MUSIC 1 - O ROYAL COLLEGE OF MUSIC O Royal College of Music (RCM) foi fundado em 1882 pelo então Príncipe de Gales, mais tarde Eduardo VII, e regula-se pela Carta que lhe foi concedida em 23 de Maio de 1883 pela Rainha Vitória, actualizada por uma Carta Suplementar em 1994, a pedido do RCM. Com efeito, a instituição considerou que poderia melhorar “a gestão e direcção do college se fossem fixadas novas disposições no que respeita aos seus objectivos, procedimentos e deveres” (RCM, 1994, preâmbulo). Desde a sua fundação, o RCM tem visto a sua importância reforçada por uma estreita ligação à família real. Actualmente, a Rainha é a sua patron, tendo a Rainha-Mãe sido sua Presidente durante 40 anos, até 1993, data em que o Príncipe de Gales se tornou o Presidente e a Rainha- Mãe Presidente Emerita. De acordo com a nova Carta (id., 4, a), b), c)), os objectivos do RCM são: (i) o progresso da Arte da Música através de um órgão central de ensino e avaliação com a função de oferecer um ensino musical do mais elevado nível e de atribuir graus académicos e certificados a pessoas que, tendo ou não frequentado o RCM, se mostrem merecedoras dos mesmos, através de provas de exame; (ii) a promoção e supervisão do ensino musical nas escolas e outros organismos, do modo que for considerado mais adequado para a cultura e disseminação da Arte da Música no Reino Unido; (iii) em geral, o estímulo e promoção da prática da música como arte em todo o mundo. Estes objectivos eram já fixados pela Carta de 1883 (RCM, 2002, 7). Os graus que o RCM está autorizado a conferir são os de Bachelor of Music, Master of Music e Doctor of Music, graus que também podem ser atribuídos a título honorífico (id., 5, l) e m). O facto de poder conferir graus a nível doutoral torna o RCM “único entre os conservatórios ingleses” (QAA, 2003,4). No que se refere ao segundo objectivo, é especificado na Carta que ele se operacionaliza através da colaboração com o Governo no que diz respeito “ao ensino musical nas escolas, incluindo a inspecção destas, a realização de exames, a satisfação total ou parcial das necessidades de professores de música para estas escolas, a atribuição de bolsas e outros apoios aos alunos destas escolas, e a qualquer outra matéria relacionada com a promoção da música com apoio governamental (RCM, 1994, 5, o) ). Os objectivos da Carta são, em grande parte, assegurados através da participação do RCM no “Associated Board of the Royal Schools of Music” (ABRSM), que é uma instituição que tem por missão “o progresso das artes, das ciências e das competências nas áreas da música, do discurso e do teatro no Reino Unido e no estrangeiro e a promoção da educação, da instrução, do estudo e da fruição nas áreas de música, discurso e teatro”. A ABRSM tem um sistema internacional de ensinos musicais em mais de 80

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países, cobrindo 35 instrumentos, Canto, Teoria e Prática Musical, sendo os exames abertos a pessoas de todas as idades. A associação oferece também formação contínua a professores de instrumentos e de canto (RCM, 2002, 8) Em complemento dos objectivos institucionalmente fixados, o RCM define nos seguintes termos a sua missão: “O RCM está empenhado em ser um líder mundial na educação e investigação práticas por e para músicos que trabalham principalmente no campo da música ocidental. Procura assegurar o dinamismo contínuo desta tradição através da inovação, da expansão das fronteiras culturais e do alargamento da relevância dessa música a todos os grupos da sociedade. O RCM luta para oferecer, a intérpretes e compositores talentosos de todas as origens, um acesso justo a um meio que estimula os músicos a realizarem o seu potencial, não apenas como artistas com elevadas competências de execução, mas também como indivíduos com a visão, a inteligência e os recursos necessários para contribuir de modo significativo para a vida musical, no país e internacionalmente” (id., 6). Esta declaração sobre a sua missão revela a preocupação de explicitar, para além das finalidades artístico-musicais, a relevância que a instituição pretende dar a princípios como a igualdade de oportunidades, a inclusão social e a multiculturalidade, que correspondem a recomendações que os poderes políticos dirigem a todos os sectores do sistema educativo. Para além da missão, o RCM explicita os valores que orientam essa missão. Numa preocupação com as “necessidades em mudança dos estudantes e do pessoal” e com as “expectativas externas em mudança”, o RCM afirma procurar “manter os valores nucleares que moldaram o seu trabalho desde a fundação em 1882”, identificando como tais os valores artísticos, os valores sociais e os valores institucionais. Dos primeiros são salientados o compromisso com a excelência, o profissionalismo e a inovação, dos segundos a abertura ao exterior (a nível local, regional, nacional e internacional), a resposta às necessidades da sociedade (através, designadamente, de parcerias) e a aprendizagem ao longo da vida e, dos terceiros, a inclusão, o respeito pela liberdade académica e pela perspectiva individual (id., 10). A abertura ao exterior, através de colaborações formais ou informais, é uma característica distintiva do RCM. Com outras escolas, conservatórios, universidades, orquestras, companhias de ópera, centros comunitários, etc. são estabelecidas regularmente relações, em muitos casos formalmente institucionalizadas. Algumas destas são referidas no Plano Estratégico 2002-07, agrupadas do seguinte modo: Parcerias académicas para oferecer programas de estudo ou fazer investigação; Parcerias de apoio ao ensino da música; Parcerias artísticas e com a comunidade; Parcerias para infraestruturas; Parcerias com empresas e comércio (id., 12). A missão e objectivos do RCM são levados a cabo com o auxílio de uma estrutura complexa, onde têm assento não só os corpos internos da instituição, mas também outros stakeholders representativos de sectores da sociedade relevantes para a acção do RCM e

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personalidades cuja associação ao college é vista, por parte deste, como factor de acréscimo do seu prestígio. A gestão do RCM é assegurada pelo Conselho, existindo ainda os seguintes cargos fixados na Supplemental Charter: (i) o President, que preside às reuniões do Conselho e às reuniões gerais do RCM; (ii) o Chairman, nomeado pelo President de entre os membros do Conselho; (iii) o Deputy Chirman, nomeado de igual forma; (iv) os Vice-Presidents (entre 4 e 15, nomeados também pelo President); (v) o Honorary Treasurer, nomeado pelo Conselho; (vi) o Director, nomeado pelo President sob recomendação do Conselho; (vii) o Clerk to the Council, nomeado pelo Conselho. Nos termos dos Estatutos aprovados pela Supplemental Charter o Conselho poderá ter até 25 membros (sem contar com o President), dos quais pelo menos 10 são membros independentes com experiência significativa nas áreas da indústria, do comércio, das finanças ou do emprego ou numa área profissional. Este órgão inclui ainda o Director, 2 membros eleitos pelos docentes, 1 membro eleito pelo pessoal não docente e o Presidente da Associação de Estudantes. O Conselho nomeia, de entre os seus membros, um Conselho Executivo, que compreende o Chairman e o Deputy Chairman, o Honorary Treasurer, o Director e os membros eleitos que o Conselho determinar. No que respeita à gestão académica, o órgão principal é o Board of Professors, que comprende membros do pessoal senior académico e administrativo e que tem por funções (i) aconselhar o Director em todos os aspectos relativos aos planos de estudo; (ii) aconselhar o Director quanto aos exames. À data da realização da última avaliação externa (2003) faziam parte deste órgão o Director, o Dean & Deputy Director, o Secretário, o Director dos Recursos e Planeamento, a Directora da Escola de Pós-graduação, a Directora dos Cursos de Graduação, os Directores das Áreas de Teclado, de Cordas, de Sopros, de Estudos Vocais, de Gestão da Composição, de Interpretação e de Tecnologia Musical, a Bibliotecária-Chefe, o Director do Departamento Júnior, o Conselheiro para a Música Antiga, o Director do Centro para a História da Interpretação, a Directora do Woodhouse Centre (centro a que aludirei mais adiante), três professores eleitos pelos docentes e o Presidente da Associação de Estudantes. Refira-se, a propósito, que esta Associação está prevista na Charter como um órgão pertencente ao RCM (e não independente, como é o caso das Associações de Estudantes em Portugal, por exemplo). Para além das referidas na Charter existem outras estruturas académicas no RCM, das quais mencionarei apenas as que têm intervenção directa nas questões da avaliação da qualidade: (i) o Senior Management Team, composto pelo Director, pelo Dean & Deputy Director, pelo Director de Recursos e Planeamento, pelo Director Financeiro e pelo Secretário; (ii) o Grupo para a qualidade e os níveis; (iii) o Conselho dos cursos de graduação e o dos cursos de pós-graduação; (iv) o Grupo de Gestão Académica; (v) o Grupo de Recursos de Aprendizagem. As competências de cada uma destas estruturas no processo de avaliação serão descritas oportunamente. A oferta formativa do RCM compreende cursos de graduação e de pós-graduação. Os primeiros, com a duração de 4 anos, conferem o grau de Bmus(Hons), sendo que o RCM

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ministra ainda, a este nível e em conjunto com o Imperial College, um curso que combina estudos musicais com estudos que conferem um honours degree em Física e que é titulado com o grau de BSc (Hons) em Física com Estudos em Interpretação Musical. A nível de pós-graduação estão em funcionamento “cursos integrados de mestrado” nas áreas de Interpretação, de Interpretação Vocal, de Composição e de Composição para filmes. A designação de “cursos integrados” refere-se ao facto de cada curso compreender percursos que podem ser parcialmente comuns aos vários títulos académicos conferidos: Diploma de Pós-graduação (PGDip), a que correspondem 120 créditos) e Mestrado em Música (MMus), compreendendo 240 créditos, podendo a formação obtida com vista ao diploma ser creditada para efeitos de prosseguimento de estudos a nível do mestrado ou para obtenção do Diploma de Estudos Avançados (120 créditos). Para os estudantes interessados num complemento de investigação à prática musical avançada, o RCM organiza, em conjunto com a Royal Holloway University of London, um MMus em Estudos de Interpretação. A nível de doutoramento, o RCM confere o grau de Doutor em Música (DMus) nas áreas de Interpretação, de Composição, de Musicologia e de Psicologia da Música, o qual pode ser obtido num mínimo de 3 anos, se os estudos forem a tempo integral e de 4, se forem a tempo parcial. O RCM confere ainda um diploma específico, o “RCM Artist Diploma in Performance”, ao qual se podem candidatar os alunos que obtenham uma nota de 70% ou superior na disciplina nuclear do PGDip (ou a alunos de outras instituições que tenham habilitações idênticas). O diploma é-lhes concedido após prova, perante um júri, de que alcançaram um nível digno deste diploma, depois de um ano de aulas individuais de 90 minutos por semana, completadas com a oferta de um contrato para um recital fora do RCM ou de um concerto com uma das orquestras do RCM. Os concertos de orquestra, do coro ou de música de câmara regularmente organizados ou em que participam estudantes do RCM são considerados um complemento essencial da formação no RCM, quer estejam ou não integrados nas actividades das correspondentes disciplinas curriculares. Com efeito, mesmo os concertos de câmara que são da iniciativa individual dos estudantes podem ser contabilizados para efeitos do curso: os professores fazem um relatório sobre o desempenho dos estudantes, o qual lhes é comunicado por correio electrónico ou por outras vias. Tal como outros conservatórios no Reino Unido, o RCM tem um Departamento Júnior, destinado a estudantes entre os 8 e os 18 anos que revelem talento para a música e que pretendam aprofundar estudos nesta área, com vista a candidatarem-se a conservatórios superiores ou universidades, ou apenas para seu enriquecimento pessoal. É-lhes oferecida uma formação baseada numa disciplina nuclear, que pode ser um Instrumento de orquestra ou um Instumento de Tecla, o Canto ou a Composição, complementada por prática de orquestra e de música de câmara, um segundo instrumento, Formação Auditiva e Formação Coral. Podem ser ainda aprofundadas certas áreas específicas, como a Música Antiga, o Jazz e a Música Electroacústica. Este Departamento, que funciona há

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mais de 75 anos, tem uma frequência superior a 300 alunos, que se deslocam ao RCM aos sábados, vindos de todo o país. Pra além de se preocupar com o que acontece a “montante” da sua formação central, o RCM está atento, a “juzante” desta, ao desenvolvimento dos seus diplomados enquanto profissionais no mundo do trabalho. A criação, em 1999, do Woodhouse Centre, com o apoio do Paul Woodhouse Trust, permitiu ao RCM apoiar, de forma estruturada, não só os seus estudantes mas também os seus diplomados, nos primeiros 5 anos após a obtenção do respectivo diploma, no que diz respeito ao desenvolvimento das capacidades necessárias para a sua inserção na vida activa. Esse apoio traduz-se na organização de seminários com especialistas-visitantes, na produção de folhetos informativos, na oportunidade de realização de estágios em escolas, em orquestras e no sector de administração das artes, na participação em actividades de extensão e em projectos comunitários (em escolas, lares, hospitais, centros de juventude), em aconselhamento nas áreas do marketing e da publicidade (incluindo a preparação de C.V.s, fotografias e outros materias para divulgação impressa ou electrónica), no desenvolvimento de capacidades empresariais básicas, como gestão financeira e fiscal, etc. Para levar a cabo a sua missão, o Centro dispõe de uma directora (manager), e de um responsável por cada uma das seguintes 5 áreas: Actividades de Extensão, Oportunidades de trabalho (External Engagements), Promoção e Marketing, Website e Publicações, Antigos Alunos. O trabalho do Woodhouse Centre articula-se com a oferta curricular dos cursos de graduação e de pós-graduação do RCM: por um lado, a disciplina de Professional Skills do 3º ano dos cursos undergraduate é ministrada por membros do Centro ou por especialistas que estes indicam; por outro, o Centro organiza uma formação especial para os estudantes de pós-graduação. O RCM tinha, em 2005-2006, uma frequência de cerca de 610 alunos, de 49 países, representando os estrangeiros aproximadamente 50% do número total. O ensino era ministrado por aproximadamente 200 docentes, dos quais apenas 15 exercem funções a tempo inteiro. Como em todas as escolas e conservatórios superiores de música procura-se recrutar músicos que tenham uma actividade artística regular na área em que são chamados a exercer funções docentes, pelo que o tempo integral se verifica quase apenas naqueles que desempenham cargos específicos na organização. É o caso dos Directores (Heads) dos Cursos undergraduate e dos “Cursos de graduação” e ainda dos Directores das 13 Faculties (Área académica, Composição,Teclado, Órgão, Cravo e Fortepiano, Cordas, Madeiras, Metais, Percussão, Estudos Vocais, Ópera, Música Antiga, Direcção de Orquestra). A este corpo docente fixo (cujo número era, em Abril de 2003, de 204, dos quais 58 do sexo feminino) juntam-se individualidades de renome na vida musical e artística britânica

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e internacional que dão cursos breves e masterclasses no âmbito dos diversos cursos e níveis de ensino do RCM. Quanto ao pessoal não docente, o número de elementos era de 87, em Abril de 2003, dos quais 47 do sexo feminino. O RCM está instalado num magnífico edifício da época vitoriana, localizado em frente do Royal Albert Hall – sala de concertos mundialmente famosa – e na vizinhança de alguns dos principais museus de Londres e de uma importante instituição de ensino superior, o Imperial College, com o qual o RCM tem relações privilegiadas, designadamente ao nível do já referido curso integrado de BSc em Física com Estudos em Interpretação Musical. Para além das salas de aula, estúdios para estudo dos alunos e auditórios de diversas dimensões, o RCM conta ainda com os seguintes espaços e equipamentos especiais: (i) o Britten Theatre, pequeno teatro com 400 lugares, que é gerido como um teatro profissional e dispõe de pessoal próprio; (ii) estúdios que permitem a gravação digital e actividades de pós-produção e edição para intérpretes e compositores, o que permite aos estudantes produzir CDs dos seus concertos ou compor música electro-acústica ou para os media; (iii) uma oficina de piano, dotada com um Técnico de Piano responsável pelos instrumentos de tecla; (iv) uma oficina de instrumentos de corda, com um luthier residente e outro como consultor, onde é feita a manutenção e reparação da colecção de instrumentos de cordas e que dispõe de um inovador “banco de cordas”, onde os alunos podem experimentar exemplos da maior parte das cordas de uso corrente; (v) a biblioteca, uma das maiores do Reino Unido na sua especialidade, com obras que datam desde o século XV; e (vi) o Centro para a História da Interpretação, criado em 2004 a partir do Museu de Instrumentos e do Departamento de Retratos e História da Interpretação anteriormente existentes. O RCM utiliza as suas instalações como fonte de rendimento, alugando alguns dos espaços para eventos privados ou de empresas. Com efeito, a instituição vê-se obrigada a diversificar as suas fontes financiadoras, uma vez que o orçamento da instituição não é da responsabilidade total dos poderes públicos: em 2002/2003, estes só cobriam 38%, sendo 26% cobertos pelas propinas dos estudantes. Os restantes 36% foram obtidos através de doações individuais, de empresas ou de charitable trusts (e o RCM fornece mesmo instruções concretas sobre a forma legal de fazer legados e doações), bem como de várias actividades e serviços desenvolvidos pela instituição, a título oneroso. Como formas de apoio por parte daquelas entidades, o RCM sugere (i) a concessão de bolsas aos estudantes mais dotados; (ii) o patrocínio de concertos e espectáculos de ópera; (iii) o apoio a actividades educativas e de extensão. Através dos seus Serviços para as Empresas e a Comunidade, o RCM oferece um conjunto de serviços que inclui músicos para eventos, formação artística, investigação, consultoria e aluguer de instalações. O RCM organiza, ainda, eventos para a angariação de fundos, dos quais dois com regularidade anual: a Soirée d’Or (que, em 2004, “rendeu” 92.000 libras, com

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bilhetes para o concerto e jantar a 185 libras por pessoa) e La Dolce Musica, que teve a sua 1ª edição em 2004) A simples leitura do sítio do RCM – que foi a principal fonte de informação utilizada para esta descrição do contexto - evidencia, por um lado, um cabal cumprimento das orientações da QAA no sentido do “rigor” e da “profundidade” da informação publicada. Nele estão “dissecados” todos os aspectos da organização que é possível descrever, de forma organizada para uma leitura fácil, desde as informações gerais a informações especificamente destinadas a determinadas categorias de interessados (por exemplo, alunos, docentes, antigos alunos, patrocinadores, empresas e comunidade em geral). Estas informações são complementadas por outras, apresentadas de forma mais tradicional e disponibilizadas para consulta dos interessados e que vêm, igualmente, responder às exigências da explicitação, tão completa quanto possível, da vida no interior da escola. Por outro lado, a produção retórica patente no sítio e decorrente, em grande parte da Carta do RCM e do Plano Estratégico, evidencia também uma sagaz mobilização de recursos simbólicos assentes numa cultura organizacional desenvolvida a partir da história da instituição e do papel preponderante que tem desempenhado na vida artística do Reino Unido, com projecção internacional. A génese “real”do RCM e o patrocínio que a Coroa sempre lhe tem concedido, a contribuição que artistas de grande craveira têm prestado, ao longo dos tempos, como docentes regulares ou visitantes, o prestígio que muitos dos seus alunos têm alcançado no país e no estrangeiro, as condições de estudo e trabalho que oferece em termos de espaços e equipamentos, a própria localização num dos centros artísticos e culturais de Londres, o atractivo que exerce sobre estudantes de mais de 40 países, a abertura à comunidade e a articulação formal com estruturas exteriores que contribuam para aquilo que o RCM entende como um desempenho mais eficiente, tudo é retoricamente mobilizado em torno de uma visão/missão explicitada de forma a que todos os stakeholders se sintam envolvidos na prossecução de um objectivo comum: a criação de um ambiente que contribua para que os estudantes desenvolvam capacidades artísticas e intelectuais que lhes permitam quer realizarem-se a nível pessoal quer contribuir de forma significativa para a vida musical, a nível nacional e internacional. Como testemunho do grau de realização desse objectivo de criar tal ambiente, o RCM seleccionou e publica, no seu sítio,declarações de vários alunos, que se referem à grande qualidade dos professores e às oportunidades que têm enquanto alunos da instituição, bem como ao sentido de comunidade aí existente, sublinhando o apoio que a instituição lhes dá enquanto ex-alunos, bem como os contactos musicais que ali fizeram e que consideram que irão permanecer para o resto das suas vidas. Por outro lado, é também grande a procupação do RCM em alimentar redes destinadas não só a manter a visibilidade da organização num sector cada vez mais concorrencial, mas também a garantir um certo nível de apoio financeiro, indispensável, como já se disse, à boa saúde orçamental da instituição. Nesta perspectiva, os antigos alunos merecem especial atenção, dando-se-lhes a possibilidade de integrarem a RCM Society,

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juntamente com os alunos e pessoal do college, bem como a de serem apoiados através do Prince Consort Circle, que promove vários eventos que lhes são especialmente destinados. Por outro os “Amigos do RCM” são uma estrutura que ajuda a manter um certo “espírito de corpo” em torno da instituição, e que proporciona apoio financeiro através de uma quotização anual. Todas estas manifestações simbólico-culturais reforçam o ethos da instituição e ajudam-na a afirmar a sua individualidade no conjunto das instituições congéneres “concorrentes”. 2 - O PROCESSO DE AVALIAÇÃO INTERNA Como qualquer outra instituição de ensino superior no Reino Unido, o RCM dispõe de um “Manual da Qualidade” destinado a informar os diversos stakeholders sobre os dispositivos e procedimentos existentes, a nível interno, para a avaliação e garantia da qualidade. A garantia de qualidade a que o documento se refere centra-se na substância da formação proporcionada, como decorre dos objectivos que nele são definidos para a garantia dessa qualidade e que são: (i) assegurar a oferta de cursos com a mais elevada qualidade possível em função dos recursos disponíveis e com padrões internacionais relevantes para a profissão e (ii) reforçar a qualidade do ensino e da aprendizagem, facultando um ambiente que sustente o seu desenvolvimento. Os processos de qualidade abrangem os cursos (incluindo as actividades de ensino e as de execução/interpretação (performance), bem como os processos de admissão), os serviços de apoio e os recursos existentes para o processo de ensino/aprendizagem e a avaliação e níveis dos resultados, incluindo os níveis de execução/interpretação (RCM, 2002 a), 3). De acordo com o Manual, quase todos os órgãos académicos têm um papel nas questões da qualidade, mas a apenas alguns são atribuídas funções específicas neste domínio. Estão neste caso os seguintes: (i) Board of Professors (Academic Board), que aprova as revisões dos procedimentos de garantia da qualidade, os relatórios de aprovação inicial de cursos e respectivas revisões, a nomeação dos examinadores externos1 e a revisão dos níveis de execução/interpretação, supervisionando também a monitorização anual dos cursos e a formação contínua; (ii) Grupo para a Qualidade e os Níveis, que aprova o calendário da institutional review e as grandes alterações aos cursos e respectivos regulamentos e dá parecer sobre as nomeações dos examinadores externos, a monitorização anual dos cursos e as revisões dos níveis de interpretação/execução, competindo-lhe ainda identificar temas comuns ou transversais referidos nos relatórios de avaliação externa e fazer recomendações sobre as acções a desenvolver, bem como

1 No sistema britânico cada instituição de ensino superior dispõe de 2 ou mais examinadores externos (académicos e representantes dos sectores profissionais) que assistem aos exames como observadores e analisam exames escritos, com o fim de verificarem se o nível demonstrado corresponde ao nível nacional esperado. Recentemente, os relatórios desses examinadores passaram a estar disponíveis na internet, para consulta do público em geral.

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responsabilizar-se pela manutenção da eficácia dos procedimentos internos para a garantia da qualidade; (iii) Comissão para os cursos de graduação e Comissão para os cursos de pós-graduação, que aprovam as pequenas alterações aos cursos e os relatórios anuais de monitorização dos cursos; (iv) Grupo de Gestão Académica, que aprova os membros das comissões externas de avaliação e dá parecer sobre os relatórios acerca dos níveis da execução/interpretação; e (v) Grupo dos Recursos Educativos, que estuda propostas sobre os recursos educativos e o equipamento identificados na monitorização anual dos cursos (id., 3,4). Os processos internos de avaliação e garantia da qualidade dos estabelecimentos de ensino superior britânicos são definidos por cada instituição, no exercício da sua autonomia, mas a sua efectiva margem de regulação autónoma acaba por ser fortemente condicionada pelas exigências externas, uma vez que a abordagem interna é, evidentemente, orientada para aqueles aspectos que irão ser avaliados no decurso da institutional audit e tem que respeitar certas orientações estabelecidas a nível nacional: “Há orientações nacionais ou aspectos nacionais relativos aos processos de avaliação da qualidade que temos que seguir...mas a forma concreta como levamos à prática estas coisas, muito do desenho básico do sistema de avaliação da qualidade, é inteiramente connosco. E cada instituição de ensino superior define os seus próprios procedimentos.. [...] O que a QAA diz é que [...] há um certo número de orientações que estão fixadas no chamado ‘Código de Práticas’...e mais uma vez elas são relativamente gerais e a maneira como as interpretamos é connosco. Portanto, não há um modelo rígido que sejamos obrigados a seguir, não somos inspeccionados nesse sentido. Somos uma instituição independente, como todas as instituições de ensino superior, desenhamos os nossos próprios sitemas. Desde que se conformem a alguns modelos gerais” (EC3, 2) Esta perspectiva de que, apesar das normas nacionais a respeitar, a instituição dispõe de um razoável grau de autonomia nesta matéria, é reforçada pela percepção de que é sempre possível justificar os desvios às normas de controlo: “...temos que dizer a razão pela qual estamos a fazer as coisas de modo diferente e isso é aceite, desde que seja justificado” (EC3, 2) Na perspectiva da completa transparência de processos e procedimentos, o Manual descreve pormenorizadamente como são feitas a aprovação inicial e posteriores revisões dos cursos (estas feitas, normalmente, de 5 em 5 anos), bem como o processo de monitorização anual. Este é considerado um processo anual de controlo da qualidade – cujas conclusões serão consideradas no processo quinquenal de revisão interna do curso – que reflecte sobre os graus de desempenho no ano transacto, sobre aspectos referidos nos relatórios dos examinadores externos e sobre as respostas aos inquéritos aos estudantes, propondo linhas de acção para o ano lectivo seguinte. A elaboração dos relatórios de monitorização anual dos cursos é da responsabilidade dos directores dos cursos de graduação e de pós-graduação, com base em “dados provenientes dum amplo leque de fontes”, sendo “a primeira fonte importante os próprios estudantes” e “outra fonte importante os colegas” (EP2, 1).

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Os estudantes são “ouvidos” de forma informal e formal, sendo a primeira facilitada pelo tipo de ensino ministrado: “Temos sorte [...] porque o núcleo do ensino é a lição individual, que permite aos estudantes ficarem a ser bem conhecidos como indivíduos por, pelo menos, uma pessoa (o seu professor individual) mas muitas vezes por mais [...] a disciplina principal é muitas vezes um meio directo de conhecer não apenas o progresso musical dum estudante, mas também a maneira como está a viver o seu curso e se tem problemas para os quais precisa de ajuda” (EP2, 1) Os modos formais de participação dos estudantes no processo desenvolvem-se quer através de um seu representante em diversos órgãos do RCM, quer através da Associação de Estudantes (que é quem designa os representantes dos estudantes para os restantes órgãos do RCM onde os alunos têm representação), quer ainda por via do questionário de avaliação do curso. Este compreende as seguintes questões: (i) Relativamente ao ensino instrumental nos Principal, Second e Related Study: classificar de 1 a 5 a qualidade do ensino; informar se teve, até ao momento do preenchimento do inquérito, todas as lições a que tinha direito e, se não, quantas estão em falta; acrescentar quaisquer comentários sobre estas disciplinas; e reflectir, “para efeitos de investigação no RCM”, sobre si próprio “enquanto sujeito da aprendizagem: o que torna o ensino instrumental eficiente para si?”; (ii) Ensino académico: classificar de 1 a 5 o conteúdo das disciplinas que frequentou no corrente ano, justificando a classificação dada; (iii) Oportunidades de apresentação: classificar de 1 a 5 a eficácia dos sistemas do RCM no que respeita a facilitar oportunidades de trabalho solístico, em orquestra e em Música de Câmara e de interpretar música de compositores; indicar qual foi a melhor experiência que teve no corrente ano nesta área; acrescentar quaisquer comentários; (iv) Comentários sobre os procedimentos de avaliação do RCM (nas disciplinas académicas, disciplina principal, audições para as orquestras, etc.); (v) Comentários sobre a organização dos horários; (vi) Recursos: classificar de 1 a 5 alguns dos sistemas de apoio (biblioteca, TICs, apoio a deficientes, Woodhouse Centre, etc.); (vii) Espaço para quaisquer comentários adicionais que o estudante queira fazer. Como se vê, o inquérito não permite identificar o desempenho de cada professor, uma vez que as perguntas sobre o processo de ensino/aprendizagem nunca identificam os docentes, apenas as disciplinas e relativamente a estas o que se pretende avaliar são os respectivos conteúdos, não a forma de leccionação: “Apenas lhes pedimos que comentem resumidamente o conteúdo de cada disciplina, como é que classificam o conteúdo, não a forma como é ensinado. Também comentam o ensino individual (o qual classificam geralmente de muito elevado, como seria de esperar num conservatório)” (EP2, 2). A fraca fidedignidade das respostas dos estudantes, em alguns aspectos, é reconhecida, tal com a dificuldade de encontrar um equilíbrio justo entre as condições de recolha da informação e o desejo de obter uma taxa de respostas elevada: “Podem obviamente acrescentar comentários e desenvolvê-los, mas inevitavelmente alguns estudantes não querem acrescentar comentários pormenorizados sobre o ensino. Mas estou

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perfeitamente consciente de que um único questionário não pode ser tudo para todos e que alguns estudantes nem sempre expressam no papel o que realmente sentem sobre as suas experiências e perspectivas” (EP2, 2) “...os estudantes preenchem o questionário no fim do seu exame mais curto, quando estão todos juntos numa sala. Algumas pessoas podem considerar que estas não são as melhores condições para recolher a opinião dos estudantes, mas é uma maneira muito boa de garantir uma elevada taxa de resposta (cerca de 100%)” (EP2, 2, 3) A combinação dos métodos formais e informais de recolher a opinião dos alunos é vista como a maneira ideal de se obterem melhores resultados, parecendo que a primeira serve sobretudo propósitos externos e que a segunda será mais adequada para a vida interna da instituição: “Os processos informais geralmente garantem informações mais francas e honestas (o que acaba por significar informação mais útil), mas os processos formais também são necessários, para que uma instituição possa demonstrar o que está a ser feito” (EP2, 3) A participação dos professores neste processo afigura-se mais difícil, designadamente por parte da esmagadora maioria que trabalha no RCM a tempo parcial: “Sim, é muito difícil envolver os professores a tempo parcial, porque também têm outros empregos. Eu diria que isto é provavelmente o desafio mais difícil de concretizar: envolver os professores em tempo parcial na vida quotidiana da escola” (EP2, 4) “...o pessoal docente vem, lecciona, avalia e é tudo...” (EC3, 4) No entanto, e atendendo a que na avaliação externa a participação dos docentes na vida da organização é um dos aspectos valorizados, o RCM tem tentado mobilizar estes docentes através de vias mais formais do que os simples contactos pessoais com os coordenadores dos cursos: “...através de conferências, de sessões de formação e desenvolvimento, através da participação voluntária em diversas comissões...Obviamente, na “institutional review” sente-se muito a importância de dar a impressão de que todos nós trabalhamos em conjunto. Temos agora em funcionamento um sistema de avaliação (appraisal system): isto quer dizer que anualmente (ou de 2 em 2 anos) cada professor se reune com o respectivo coordenador para discutir como é que o seu trabalho se está a desenvolver, que aspectos do seu trabalho achou que fez bem e quais foram os mais gratificantes, se há aspectos do seu desempenho que gostaria de melhorar através de mais formação” (EP2, 5) “Bem, numa perspectiva formal, temos comissões de departamento, por exemplo, o departamento de Teclas, que têm reuniões quase todos os períodos, para as quais todos os professores são convidados e onde têm a oportunidade de dar as suas opiniões. O grau de presença nestas reuniões não é lá muito boa...é difícil conseguir que os professores participem. Temos uma grande diversidade de maneiras de comunicar com os professores: contactamo-los [...] por escrito, o J escreve todos os períodos uma carta aos professores, dando-lhes informações práticas sobre o período seguinte e sobre qualquer coisa que precisem de saber, incluindo as questões da Qualidade. Temos uma Conferência anual, uma Conferência de Professores, que é uma

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Conferência de Desenvolvimento Profissional, onde há a oportunidade de falar sobre novos métodos, sobre avaliação, sobre novos métodos de ensino. Temos acções de formação durante o ano, por exemplo, para os exames dos recitais temos formação para os presidentes dos júris de exame, nas quais eles aprendem a orientar as avaliações, a cumprir as orientações da Garantia da Qualidade e todo esse género de coisas” (EC3, 4) Esta revisão anual dos cursos tem em vista a “grande” revisão que é feita internamente, de 5 em 5 anos, com vista à eventual introdução de “alterações estruturais significativas num curso” (RCM, 2002 a), 7). Este processo compreende uma comissão composta por académicos exteriores à instituição, profissionais da música e pares internos, bem como a equipa de desenvolvimento dos cursos, administradores, representantes dos recursos educativos e estudantes. Esta comissão elabora um relatório contendo as suas recomendações, o qual é submetido a parecer do Grupo para a Qualidade e os Níveis e à aprovação do Board of Professors (id., 7). 3 - O PROCESSO DE AVALIAÇÃO EXTERNA O processo de avaliação externa (IA-Institutional Audit) é um processo separado que, como se disse, compreende um documento de auto-avaliação (SED-Self Evaluation Document) como ponto de partida para o processo. No entanto, os relatórios anuais de monitorização dos cursos não são formalmente a base para a elaboração do SED, embora para a produção deste seja utilizada toda a informação disponível, incluindo, evidentemente, a que consta dos relatórios anuais: “A IA é o processo de avaliação nacional, é quando a QAA nos vem visitar. E produzimos um SED para eles. É completamente separado dos processos internos de qualidade...A Monitorização Anual é o nosso processo interno que conduz à Revisão Quinquenal interna, não encaixa na IA...usamos dados que já temos e normalmente não fazemos – podíamos, mas não fazemos – um processo especial para este fim” (EC3, 5) O SED (RCM, 2003), com 10 páginas, está organizado em 6 secções, que remetem, no total, para um conjunto de 26 outros documentos. As secções são as seguintes: (i) Revisão interna (referência à última revisão interna dos cursos de graduação, cujo relatório constitui um dos anexos do SED); (ii) Objectivos educativos dos cursos, com remissão para o Manual do Curso (existem Manuais para os cursos de Instrumento, Canto e Composição, que obedecem às normas nacionais definidas pela QAA para a especificação dos cursos); (iii) Resultados da aprendizagem (learning outcomes), com remissão também para o Manual e para o documento nacional “Subject Benchmark Statement” para a Música; (iv) Programas e avaliações, onde é especificada a organização do curso durante os seus 4 anos e se explica como se articula o conteúdo dos cursos e as avaliações com os “Resultados da aprendizagem”, com referência ainda ao nível académico do grau concedido (declarando-se que o nível académico deste grau é estabelecido em relação estreita com os “Resultados da aprendizagem”e com os descritores de nível fixados no documento nacional “Credit and Higher Education Qualifications”) e também à avaliação do sucesso dos estudantes, com remissão, neste ponto, para os relatórios de Monitorização Anual, que incluem os relatórios dos

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examinadores externos; (v) Qualidade das oportunidades de aprendizagem, subdividida nos seguintes temas: a) Ensino e Aprendizagem; b) Avaliação das estratégias de ensino; c) Avaliação das estratégias de aprendizagem e apoio; d) Formação contínua e partilha de boas práticas para apoiar as estratégias de ensino/aprendizagem; e) Admissão e progresso dos estudantes; f) Recursos para o processo de ensino/ aprendizagem; e (vi) Manutenção e reforço dos níveis e da qualidade, onde são descritas as formas como se procura a participação de estudantes e professores no processo e como se garante a segurança dos níveis académicos, com remissão para dois documentos nacionais: “Pratical Examinations Procedures” e “Guide to the Submission and Marking of Undergraduate Written Work”. Como é manifesto, o SED destina-se sobretudo a demonstrar que, nos diversos aspectos do processo de ensino/aprendizagem dos cursos que ministra, são conhecidos e utilizados os documentos que regulamentam, a nível nacional, esses aspectos e que as regras e orientações neles fixadas são tidas em conta e orientam os procedimentos internos do RCM. Trata-se, na verdade, de um documento muito mais descritivo do que crítico, se bem que se possa considerar que a simples descrição do grau de “obediência” a regras e regulamentos configura uma avaliação crítica do auto-desempenho. Uma apreciação mais judicativa desse auto-desempenho encontra-se, por exemplo, na referência ao estado “infantil” dos sistemas de avaliação para o pessoal a tempo parcial, sendo este o único ponto fraco abertamente assumido no relatório, o que parece dar razão ao comentário do Presidente da Associação de Estudantes: “Quanto ao SED que o “staff” prepararou para a auditoria, ele é auto-promocional: de certo modo, eles têm que se “vender” à QAA, mostrar que são bons. Bem, é suficientemente equilibrado, claro” (EE3,4, 4) Na verdade, o dilema entre não assinalar muitos pontos fracos num documento para o exterior e demonstrar que se possui uma verdadeira capacidade de auto-análise e estratégias para a melhoria é sentido pelos autores do SED: “ Do nosso ponto de vista, a IA por parte da QAA é uma oportunidade para nós, de 5 em 5 anos, recuarmos e vermos tudo o que a instituição está a fazer, a qualidade do que está a fazer e identificarmos o que é que achamos que estamos a fazer bem, onde é que pensamos que há áreas onde poderíamos fazer melhor. E somos encorajados a ser auto-críticos.Portanto, essencialmente, o que a QAA procura ver é se a instituição percebe quais são os seus pontos fortes e fracos e se tem planos para lidar com essas fraquezas. E quanto mais maduras são as instituições, mais estão dispostas a identificar o que está a funcionar bem ou não. Uma instituição que produz um SED que não identifica quaisquer problemas, é provavelmente uma instituição que não está a desenvolver o processo como deve ser. É portanto uma instituição com a qual eles se têm que preocupar mais. Portanto, temos o maior interesse em mostrar que somos capazes de ser auto-críticos...ser honestos no processo, identificar os pontos fracos por nós próprios, de modo a que quando nos visitam, nós possamos dizer: ‘Sim, sabemos que não fazemos tudo de forma perfeita, estas áreas são para melhorar, isto é como planeamos fazê-lo’ ” (EC3, 5).

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Para além do SED, o RCM produz um outro documento no âmbito do processo da institutional audit, este da responsabilidade da Associação dos Estudantes: o “Students’ Submission” (SS). Dividido em 5 secções, o SS é baseado em informação recolhida, junto dos estudantes, pela sua Associação. Na Secção I- Introdução é explicitada a metodologia de trabalho que conduziu à recolha das opiniões dos estudantes. A Associação designou uma comissão, que incluiu o seu presidente, um antigo presidente, um representante do 4º ano, um representantes dos estudantes estrangeiros, um representante do departamento de Sopros (Madeiras) e uma secretária, comissão essa que organizou reuniões gerais de alunos, tendo tido “o cuidado de garantir que nenhum elemento do pessoal docente e não docente estivesse presente” (RCM Students’Association, 2003, 3). Foram realizadas 3 reuniões, uma conjunta para os estudantes de graduação e de pós-graduação e mais duas, uma para cada um destes grupos em separado. Nestas duas últimas reuniões, membros do sindicato dos professores foram convidados para participar num dos pontos da agenda, para falar sobre a sua perspectiva relativamente às questões que estavam a ser discutidas, “como parte da tentativa, em curso, de estabelecer laços mais fortes entre a Associação dos Estudantes e os sindicatos do pessoal” (id., 3). A média de participação nestas reuniões foi de 15 estudantes, o que significa, na melhor das hipóteses (se nenhum dos estudantes tiver estado em 2 reuniões diferentes), a participação de cerca de 45 num universo de mais de 600 alunos (o que é congruente com a participação fluida dos estudantes de música na vida da sua escola). Na Secção II – O College como conservatório, abordam-se as seguintes questões: (i) Ensino individual na disciplina nuclear a nível da graduação; (ii) Carga horária da disciplina principal; (iii) Ensino da disciplina nuclear a nível de pós-graduação; (iv) Aulas em conjunto intra-classes; (v) Concertos e outras oportunidades de apresentação; (vi) Projectos com as orquestras; (vii) Audições para as orquestras. Porque dão uma visão muito clara – ainda que sintética – das características do ensino da música numa instituição de ensino superior, é importante analisar alguns dos conteúdos destas questões, tal como foram avaliadas na perspectiva dos estudantes. No que se refere ao ensino nas disciplinas nucleares (Instrumento, ou Canto ou Composição) é salientada a elevada qualidade dos professores que as asseguram, tendo sido “unanimemente assinalado [...] que o professor da disciplina nuclear é muito mais importante do que a instituição ou as suas instalações na escolha da escola de música onde estudar” (id., 4). Contudo, alguns estudantes assinalaram que, devido às exigências da vida profissional dos seus professores, nem sempre tinham lições de forma regular. Trata-se do dilema sobre a forma de conciliar o exercício de funções docentes na sua plenitude (aulas, apoio aos alunos, momentos de avaliação, participação em reuniões ou tarefas de âmbito pedagógico e organizacional) por parte de docentes que a instituição recruta de entre músicos com actividade artística “no terreno”.

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A questão da carga horária na disciplina nuclear é tradicionalmente uma das que suscita mais debate quando se trata de reformular planos de estudo e também aqui se verifica uma divisão entre aqueles que consideram suficiente a carga horária existente e aqueles que gostariam de a ver substancialmente aumentada, “o que seria muito apreciado pela maioria dos estudantes do RCM” (id., 4). Embora, até hoje, a estrutura dos cursos de música assente numa concepção em que a maior importância é dada à disciplina nuclear, sendo as restantes consideradas de apoio a esta (o que é patente até nas designações utilizadas: disciplinas complementares, disciplinas de apoio, disciplinas anexas, etc.) existe um dilema entre uma visão mais “tradicional”, mais “vertical”, do ensino da música, que pretende continuar a garantir à disciplina nuclear uma posição hierárquica de topo, constituindo as restantes uma base de apoio, ou uma visão mais “horizontal”, que considera as restantes disciplina num plano mais próximo da principal, formando todas, de pleno direito, o ambiente de aprendizagem proporcionado aos estudantes. A questão das aulas em conjunto intra-classes (isto é, entre alunos dos diversos professores da mesma disciplina nuclear) representa, de certo modo, uma inovação no ensino da música. Duma maneira geral, nas aulas individuais cada aluno toca perante o seu professor, sem assistência de mais ninguém. No caso de muitos professores, nem sequer quando a lição se atrasa e o aluno seguinte chega este é autorizado a entrar e a assistir um pouco à aula do colega. O facto de os alunos, no RCM, tocarem perante os seus colegas alunos do mesmo professor ou de outros professores da mesma especialidade (por exemplo, Violino, Flauta, Canto) permite-lhes actuar perante um público reduzido antes de enfrentarem audiências mais alargadas, bem como “aprenderem uns com os outros e darem o exemplo aos alunos mais novos” (id., 4). As oportunidades oferecidas no RCM aos estudantes para participarem em concertos a solo, em conjuntos de música de câmara e em orquestras são muito valorizadas, embora se considere desejável aumentar essas oportunidades, o que é congruente com a importância que este tipo de actividades tem na formação dos estudantes, ao permitir-lhes actuar em contextos semelhantes àqueles em que vão exercer a sua actividade profissional. Mas se a participação enquanto executantes é altamente valorizada e “vivida”, já quanto à participação dos estudantes enquanto espectadores destas actividades a situação é diversa: embora obrigatória e creditada curricularmente (é exigido um certo número de créditos nestas áreas), refere-se que, para muitos, “é difícil satisfazer estes requisitos, devido a outros compromissos e ao trabalho que se espera deles” (id., 5). Trata-se, aqui, mais uma vez, da questão da participação fluida dos estudantes de música na vida da escola, uma vez que privilegiam o estudo da sua disciplina nuclear ou exercem já algum tipo de actividade profissional, o que lhes dificulta a assistência e participação em iniciativas fora deste círculo restrito de interesses. De referir ainda que no documento se considera que o processo de audições (recrutamento) para os lugares das orquestras não é suficientemente claro, não havendo muitas “linhas orientadoras oficiais sobre as audições e, portanto, nenhuma maneira

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oficial de contestar os resultados das audições “ (id., 5). Este exemplo de como a “cultura documental” está incorporada já no espírito dos estudantes é patente também na exigência de que os relatórios que são feitos sobre a prestação de cada aluno na audição sejam mais pormenorizados, porque os actuais “são demasiado curtos e, portanto, não é possível determinar o que é que o aluno deve fazer para melhorar na vez seguinte” (id., 6). A Secção III – O College como universidade (Estudos académicos/de apoio) debruça-se sobre as disciplinas mais teóricas e sobre disciplinas não musicais que se destinam a fornecer algumas bases para o exercício profissional (como, por exemplo, Professional Skills, que inclui os módulos de “Gestão da Carreira” e de “Ensino”). Considerados geralmente úteis em si mesmo, são no entanto questionados alguns dos conteúdos e dos métodos de ensino, sendo particularmente relevante para a caracterização deste tipo de instituição o comentário feito quanto à obrigatoriedade de frequentar todas as aulas de um determinado módulo, sob pena de reprovação. Considera o documento que “Num conservatório, fazer este tipo de regra é irracional, dado o largo número de exigências práticas feitas aos estudantes que não podem ser reprogramadas, tais como ensaios de música de câmara ou orquestra, projectos de extensão, ensaio marcado com o acompanhador para preparação dum concerto)” (id., 7). Também aqui – e apesar de toda a extensa e desenvolvida documentação sobre os cursos no Manual de cada um deles – se considera que “deveria haver um maior esforço para informar como é que o curso de graduação funciona”, parecendo que, para responder a certas dúvidas, “é necessária e urgente uma melhor explicação sobre a estrutura do curso” (id., 8). Na Secção IV – O College a nível operacional são tratadas as seguintes questões: (i) Relações entre os estudantes e o pessoal docente e não docente, considerando-se que, dum modo geral, a comunicação entre estes diversos corpos é fluente, sendo feitas algumas sugestões para a sua melhoria, uma vez que “é ainda uma área que necessita de revisão constante” (id., 8); (ii) Orientação profissional, sendo referido que o Woodhouse Centre é um serviço de enorme valia no RCM; (iii) Horários de abertura, mencionando-se como positivo o facto de o RCM ter passado a abrir aos domingos, como forma de compensar horários de abertura, durante a semana, que não são tão amplos como os de outros conservatórios; (iv) Actividades extra-curriculares, sendo referido que alguns estudantes consideram que deveria haver mais aulas não relacionadas com música, de tempos a tempos, embora se entenda que isso é dificultado pelo facto de o RCM não ser parte de uma universidade maior, onde os alunos pudessem frequentar aulas de outras instituições integradas nessa mesma universidade (id., 9) A Secção V – Conclusão explica os aspectos formais da elaboração do documento, informando que ele foi compilado pelo Presidente da Comissão (e da Associação de Estudantes) e escrito em estreita colaboração com os membros da Comissão, tendo em conta as actas das reuniões gerais de alunos. O documento foi aprovado numa reunião da Comissão (id., 9) e posteriormente

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“...apresentado à Comissão de Avaliação Externa juntamente com o documento do staff sobre como pensavam acerca da forma como o College é gerido. Portanto as pessoas que vieram entrevistar o staff, entrevistar os estudantes, já tinham lido estes documentos e portanto as questões que tínhamos tratado já eram do seu conhecimento. E também tivemos reuniões privadas com essa comissão” (EE3,4, 1). O processo de avaliação externa completa-se com o relatório elaborado pela Comissão de Avaliação Externa. O último destes processos ocorreu no RCM em 2003 e o respectivo relatório está organizado como se descreve de seguida. O documento inicia-se com o Prefácio, de carácter geral e no qual são recordados os objectivos da agência responsável pelo processo (QAA) e as finalidades da Institutional Audit (IA), bem como o tipo de avaliação qualitativa que deve ser produzida no final do processo: “ampla confiança”, “confiança limitada” ou “falta de confiança” quanto (i) à capacidade presente e futura da instituição no que respeita à gestão da qualidade dos seus cursos e do nível académico dos graus e diplomas que confere, (ii) ao rigor, integridade, profundidade e franqueza da informação que a instituição publica e (iii) à qualidade dos seus cursos e níveis dos seus graus e diplomas. São seguidamente referidos os documentos publicados pela QAA que servem de base à IA, chamados “infraestrutura académica” e que são 4: (i) O “Quadro para as qualificações no ensino superior na Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte”, que inclui as descrições de diferentes qualificações de nível superior; (ii) O “Código das práticas para a garantia da qualidade académica e dos níveis no ensino superior”; (iii) Os “Subject Benchmark Statements”, que descrevem as características dos graus nas diferentes áreas; (iv) As linhas orientadoras das especificações dos cursos, que são descrições quer daquilo que um estudante deve saber no final do seu curso, no que diz respeito aos conhecimentos, capacidades e atributos, quer dos métodos de ensino e avaliação. Após enumerar os diversos passos do processo, enunciando as visitas e os documentos utilizados (de acordo com o modelo normativo anteriormente descrito), o documento relembra que a IA é realizada por equipas de académicos que vão “avaliar os seus iguais”, pelo que “o processo se designa por “avaliação pelos pares” (peer review)” (QAA, 2003, Prefácio). Finalmente, após referir a possibilidade de ser realizada uma discipline audit trail e um thematic enquiry, o relatório informa que a equipa estará atenta ao progresso que a instituição está a fazer com vista ao cumprimento do documento “Informação sobre a qualidade e os níveis no ensino superior”, publicado pelo Conselho para o Financiamento do Ensino Superior em Inglaterra e que determina o formato segundo o qual as instituições, a partir de 2004, devem publicar a informação sobre a qualidade e os níveis dos seus cursos. O relatório propriamente dito compreende 32 páginas e organiza-se em 4 partes: Sumário, Relatório Principal, Conclusões e Anexo (Declaração, pelo RCM, dos desenvolvimentos desde a visita de auditoria). O Relatório Principal, por sua vez,

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encontra-se dividido em 4 secções: (i) Introdução: o contexto do College; (ii) As investigações da auditoria: processos institucionais; (iii) As investigações da auditoria: discipline trails e thematic enquiries; (iv) As investigações da auditoria: informação publicada. No Sumário são descritos os passos dados no RCM, de acordo com as regras gerais, salientando-se que a avaliação se centrou na forma como são geridos “os aspectos académicos” da formação oferecida e não “os aspectos da prática profissional” do trabalho da instituição (id., 1). Segue-se a informação de que os resultados da avaliação foram de “ampla confiança” relativamente aos aspectos a considerar, destacando-se como exemplos de boas práticas: (i) o trabalho do Woodhouse Centre no apoio a estudantes e antigos alunos; (ii) o uso de estatísticas sobre o progresso dos estudantes e sobre a conclusão dos cursos, na monitorização anual; (iii) a atenção e reflexão cuidada que o RCM demonstrou na consideração da relevância da “infraestrutura académica” para o seu trabalho; e (iv) o cuidado posto na monitorização anual do curso de Bmus (Hons) (que foi o curso avaliado). Como recomendações para a acção, o relatório sugere: (i) que sejam atingidas as metas para o desenvolvimento do esquema de avaliação (appraisal scheme), tal como estabelecidas na “Estratégia para os Recursos Humanos” do RCM; (ii) que seja revista a estratégia sobre os Planos de Desenvolvimento Pessoal, de forma a que reflictam melhor as intenções constantes do Manual do Curso; e (iii) que seja considerada a possibilidade de oferecer um sistema estruturado de apoio aos docentes recém-recrutados que tenham pouca experiência de ensino. O Sumário conclui com a declaração de que o RCM demonstrou uma “atenção cuidadosa” a todos os documentos que constituem a “infraestrutura académica”, considerando que “a maneira como o College usou a infraestrutura académica para reflectir sobre e reforçar os seus dispositivos internos constitui um elemento de boas práticas” (id., 2). A actuação do RCM quanto à preparação para as já referidas exigências a partir de 2004 foi igualmente considerada adequada. Do restante relatório, irei mencionar apenas as questões que me parecem mais relevantes para os objectivos do presente trabalho. Na Secção 1. Introdução: o contexto do College é prestada atenção a algumas das especificidades do ensino musical, a saber: (i) “Os cursos dos conservatórios diferenciam-se da maior parte dos cursos de música universitários por colocarem a execução (incluindo a composição) no centro do estudo”; (ii) “O acesso é determinado, em primeiro lugar, através de uma audição na disciplina nuclear (embora os estudantes, para se matricularem, tenham que satisfazer determinadas condições académicas)”; (iii) “A execução ou a composição de elevado nível são o foco dos estudos e as outras disciplinas estão orientadas para apoiar o objectivo de sucesso como músico profissional”; (iv) o recital público (ou, para os compositores, a apresentação duma

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carteira de composições) é “o método somativo chave de avaliação” e o “elemento de avaliação que mais peso tem”; (v) “A centralidade da disciplina nuclear significa que é dado grande ênfase à escolha do professor [...] O ponto de vista do College é o de que os estudantes que se candidatam à sua frequência o fazem porque consideram que ele tem “músicos distintos e professores de sucesso” no seu corpo docente; (vi) Dos 221 professores que, à data, existiam no RCM, apenas 30 tinham contratos permanentes, sendo de apenas 15 os docentes a tempo inteiro, a maior parte com cargos de administração, tais como os chefes de departamento (Heads of Faculty) (id., 5). Isto determina que “a maioria do pessoal docente [...] é membro das comissões de departamente, mas não participa no trabalho de outras comissões principais”, sendo referido no SED que “no total, o College tem um grande número de comissões e um pequeno número de indivíduos-chave [...] o núcleo do pessoal permanente, que pertence a essas comissões [...] que acumula muitos papéis distribuídos pela estrutura das comissões” (id., 8). Todos os aspectos referidos têm reflexos na forma como são geridas e avaliadas as instituições de ensino superior de música, pelo que se afigura positivo que a Comissão de Avaliação Externa os tenha identificado e tomado em consideração no juízo que foi chamada a fazer. Nesta secção é de salientar ainda a análise da parte do SED em que a instituição procura demonstrar que desenvolveu as acções adequadas, na sequência das recomendações constantes do relatório da “auditoria de qualidade” realizada em 1996 pelo Conselho para a Qualidade do Ensino Superior, concluindo o relatório que “ a actual equipa encontrou provas substanciais de que as questões da auditoria de 1996 foram tratadas” (id., 7). Na Secção 2, referente aos processos institucionais, o relatório descreve os pontos fortes e fracos identificados no SED, considerando que “a clareza com que estas questões foram identificadas no SED é um bom guia para a consciência auto-crítica do College, para a sua auto-confiança e a sua capacidade de identificar áreas para melhoria” (id., 7). Especialmente relevantes nesta secção são as questões levantadas pelo elevado número de docentes em tempo parcial. Essa situação determina que apenas “um pequeno núcleo de gestores académicos a tempo integral seja o principal responsável [...] pelos procedimentos de avaliação da qualidade”, reconhecendo-se que seria “irrealista o College esperar que os seus professores pagos à hora se envolvam de forma regular nos seus processos formais de gestão da qualidade” (id., 9). Ao reconhecer esta realidade, o relatório refere também a vontade demonstrada quer pela instituição, quer pelos próprios, de adoptar estratégias que permitam uma maior participação destes docentes nas questões da qualidade e lhes permitam uma “compreensão do contexto institucional mais amplo em que se situa o seu ensino e mais oportunidades e canais mais claros para poderem dar a sua contribuição ao debate sobre o desenvolvimento do processo de ensino/aprendizagem” (id., 9).

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Por outro lado, a internacionalização do RCM, através da prevista criação de um mestrado em conjunto com instituições congéneres de Paris e Viena, e da sua qualidade de membro da Associação Europeia dos Conservatórios e participante activo nos projectos desta, é vista como muito positiva, sendo recomendado que ele “continue com estas iniciativas para garantir a comparabilidade dos níveis entre os conservatórios” (id., 10). Nas suas referências aos procedimentos de que o RCM dispõe para a avaliação interna da qualidade, o relatório valoriza a participação de pares externos quer nos processos de aprovação inicial dos cursos, quer nos da sua revisão, bem como o papel dos examinadores externos. Mais uma vez, a situação dos professores a tempo parcial é especialmente referida, agora como uma realidade que permite a estes docentes actuarem como “uma fonte adicional de perspectivas e de informação semi-externa”, na medida em que “para muitos professores, o emprego no College é apenas uma parte menor das suas actividades, e o seu emprego principal dá às suas perspectivas e opiniões um grau de independência e de referência externa que o College solicita e respeita” (id., 12). Também a questão do recrutamento deste pessoal é objecto duma consideração especial quer no SED, quer no relatório da Comissão de Avaliação Externa. Enquanto no primeiro se considera “um desafio importante [...] o desenvolvimento dum sistema transparente para o recrutamento do pessoal pago à hora, que garanta igualdade de oportunidades”, no segundo descreve-se o processo vigente (procura de indivíduos com experiência apropriada na vida profissional e apresentação dos candidatos adequados ao Dean & Deputy Director, que poderá fazer-lhes uma entrevista) e recomenda-se que ele seja desenvolvido “num contexto mais regular”, através da publicitação dos lugares a preencher (id., 16). Outra questão específica do tipo de instituição em análise – e que também decorre da situação do pessoal docente a tempo parcial com outras actividades fora do RCM – é a da substituição destes professores durante as suas ausências por compromissos profissionais no âmbito da sua actividade principal. O RCM dispõe de uma série de convenções (embora não documentadas) que regulam as condições em que são nomeados assistentes (deputies) para suprirem as ausências daqueles docentes, bem como outras medidas práticas para evitar interrupções no processo de ensino. O relatório considera necessário “desenvolver um programa de indução para novos assistentes que não tenham tido experiência prévia de ensino” (id., 17). Refira-se que a formação de professores para o ensino superior no Reino Unido é algo que começou a ser formalizado através do “Institute for Learning and Teaching in Higher Education” (ILT) ( criado na sequência das recomendações do Relatório Dearing) e que 20 professores do RCM se tornaram membros do Instituto, incluindo vários docentes a tempo parcial (id., 17). Finalmente, e no âmbito desta preocupação com a formalização/documentação de processos e práticas, é interessante referir que, apesar da abundante produção documental do RCM, no estrito cumprimento das orientações nacionais aplicáveis, quer os estudantes quer os professores ouvidos pela Comissão de Avaliação Externa durante a visita institucional confessaram “não ter uma compreensão total da complexidade do curso”,

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verificando-se que o professor da disciplina nuclear continua a ser “uma fonte importante de aconselhamento académico/musical (e muitas vezes pastoral)” para todos os estudantes (id., 18), o que é congruente com o tipo de ensino em questão. No âmbito da IA, foi realizada uma DAT (discipline audit trail), para “verificar como é que os procedimentos do College no que se refere à gestão da qualidade e dos padrões académicos actuam a nível do curso” (id., 21). Também aqui o trabalho da Comissão de Avaliação Externa se destina a averiguar o grau de cumprimento, pela instituição, das normas gerais constantes da documentação nacional, mas com a apreciação dos aspectos substantivos do processo de ensino aprendizagem. É de sublinhar que essa apreciação não deixou de se estender também à audição de gravações de recitais de finalistas, em complemento da análise que é habitualmente efectuada, em todas as instituições, a uma amostra de exames escritos, o que demonstra o reconhecimento de que no tipo de estabelecimento em causa (artístico) não basta examinar textos como forma de avaliação da qualidade do processo de ensino/aprendizagem e dos seus resultados. A Comissão concluiu que “o nível e o conteúdo do trabalho avaliado de que tomou conhecimento eram apropriados ao título do grau e à sua localização no FHEQ” ou seja, o documento que define o quadro das qualificações no ensino superior (id., 23). Na sua Secção 4, o relatório da Comissão de Avaliação Externa debruça-se sobre a informação fornecida aos estudantes, designadamente a publicada, analisando a sua “confiança, rigor e profundidade” (id., 24), de acordo com a terminologia dos documentos nacionais que acentuam a necessidade de garantir a todos os stakeholders, especialmente aos estudantes, uma informação com aquelas características, a fim de lhes permitir fazerem as escolhas e percursos adequados aos seus interesses e necessidades. O relatório encerra com as conclusões, organizadas nas seguintes secções: (i) A eficácia dos procedimentos institucionais para assegurar a qualidade dos cursos; (ii) A eficácia dos procedimentos institucionais para assegurar os níveis dos graus; (iii) A eficácia dos procedimentos institucionais para apoiar o processo de ensino/aprendizagem; (iv) Resultados das discipline audit trails; (v) O uso que a instituição faz da “infraestrutura académica”; (vi) A utilidade do SED como uma ilustração da capacidade da instituição para reflectir sobre os seus pontes fortes e as suas limitações e para actuar no sentido da melhoria da qualidade e dos níveis; (vii) Comentário sobre as intenções da instituição para a melhoria da qualidade e dos níveis; (viii) Fiabilidade da informação; (ix) Manifestações de boas práticas; (x) Recomendações para a acção. Como se vê, o “olhar” judicativo centra-se essencialmente na avaliação da capacidade presente e futura da gestão da qualidade: do diagnóstico à acção, passando pelo planeamento e pela operacionalização de dispositivos tidos como apropriados, a instituição tem que demonstrar que é capaz da auto-análise e da iniciativa que lhe permitirá atingir os seus objectivos. Essa demonstração é feita não só nos momentos que precedem a visita institucional (com a preparação do SED) e durante esta (com o

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fornecimento de informação complementar, designadamente através das entrevistas realizadas pela Comissão com diversos actores internos) mas também imediatamente após a visita, como se verifica pelo documento anexo ao relatório da Comissão de Avaliação Externa e que é uma “Declaração do RCM sobre os desenvolvimentos após a visita de auditoria” (id., 32), embora esta se limite a declarar genericamente que irá “informar a Agência, em devido tempo, sobre os progressos” relativos aos pontos assinalados e aos aspectos da melhoria dos sistemas e processos de qualidade, em geral (id., 32). 4 - AS REPRESENTAÇÕES DOS ACTORES Os processos de avaliação das instituições de ensino superior e do ensino que ministram, no Reino Unido, conheceram o início da sua expansão quando “...se verificou um aumento significativo dos estudos conferentes de grau fora das universidades. Estas instituições não tinham, por si sós, competência para conferir graus. Foi criado um novo órgão (o Conselho para os Títulos Académicos) que era o órgão que conferia a competência para atribuir graus a estas instituições que os estavam a oferecer pela primeira vez [...]que começou a dizer: ‘Isto é o género de coisas que precisamos de saber se quisermos ter a certeza de que isto corresponde ao nível do grau’...” (ED2, 1) Tratou-se, portanto, de processos claramente induzidos do exterior, nascidos da necessidade de provar, perante instâncias externas, que o ensino ministrado correspondia ao nível do grau que se pretendia conferir, quando instituições de ensino superior não universitário deixaram de conferir apenas diplomas e passaram a querer conferir graus, até então reservados às universidades (cuja “tradição” inspirava uma confiança nos graus atribuídos, o que não se verificava relativamente aos novos graus). O desenvolvimento destes processos ao longo das últimas 3 décadas terá levado, entretanto, à emergência de uma “cultura de avaliação” interna nas instituições de ensino superior, que os vêem não só como algo que têm que fazer, mas também como uma oportunidade que podem aproveitar para melhorar a qualidade do seu desempenho: “...uma espécie de cultura que significa que as instituições escolhem fazer isto para serem capazes de estar confiantes de que o que estão a oferecer será acreditado” (ED2, 1) “...não quero caracterizar a introdução desses sistemas como algo que fizemos porque alguém nos mandou. Em primeiro lugar, o Senior Academic Staff decidiu que seria bom para o College, em segundo lugar temos que o fazer de qualquer maneira. Portanto fizemos isto para...sabendo que melhoraria a qualidade do que fazíamos [...] A razão pela qual fazemos a garantia da qualidade desta maneira não é porque o Governo ou a QAA nos dizem para a fazermos assim, mas porque pensamos que melhora os nossos cursos e melhora a qualidade da oferta aos nossos alunos ” (EC3, 2)

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Esta percepção de que a instituição tem um certo grau de iniciativa e autonomia nestes processos parece assentar na convicção de que, embora existam linhas gerais enquadradoras e orientadoras da acção, a construção dos processos em concreto é largamente determinada pelas próprias instituições: “.....há um certo número de orientações que estão fixadas no chamado ‘Código de Práticas’... e mais uma vez elas são relativamente gerais e a maneira como as interpretamos é connosco. Portanto, não há um modelo rígido que sejamos obrigados a seguir... desenhamos os nossos próprios sistemas, desde que se conformem a alguns modelos gerais. Portanto, é o nosso próprio sistema e cada instituição tem pequenas variações. Diria que o modelo que adoptámos é aquele que provavelmenta a maioria das instituições de ensino superior tem, na maior parte dos aspectos. Há uma série de diferenças, mas na maior parte segue as orientações que são acordadas em geral” (EC3, 2) Mesmo no caso de um ensino que é tido como muito especial, como o da Música, não parece considerar-se que tenha havido grandes dificuldades no cumprimento das orientações gerais, uma vez que o sector foi ouvido nas questões onde essa especificidade é mais distintiva: “A QAA fixou também um conjunto das chamadas “subject benchmarks” para cada área, incluindo Música. O conjunto de benchmarks para a Música está, de facto, desenhado para ser aplicável aos graus em Música conferidos quer pelas universidades quer pelos conservatórios. O que foi interessante é que quando a comissão começou a construir estas benchmarks havia a impressão de que não seria possível fazer um único conjunto para os dois tipos de ensino porque, como sabe, a formação num conservatório é um tipo muito especial de formação. De facto – e penso que foi muito importante que estivessem na comissão membros dos dois tipos de instituição – concluiu-se que havia um conjunto de benchmarks que se adequa a ambos os tipos de instituição” (ED3, 1) Apesar de os processos de avaliação se encontrarem em aplicação há já mais de uma década no RCM, há quem considere que a informação sobre eles não alcançou ainda de forma plena todos os actores internos, designadamente os docentes, que não compreendem a natureza da avaliação externa (centrada essencialmente sobre a gestão dos processos e procedimentos): “ Penso que o actual formato dessa avaliação – a chamada “Institutional Audit” – se torna difícil de compreender, em muitos aspectos, por uma instituição como os conservatórios [...] as visitas não incluem visitar os professores nos seus estúdios, assistir a concertos e outras actividades musicais. Por outras palavras, muitas das medidas de excelência que para os músicos que trabalham num conservatório fariam o máximo sentido, são precisamente aquelas que são ignoradas [...] é talvez mais difícil de explicar aos colegas da instituição[o trabalho em questão],

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porque é realizado por um grupo de pessoas sentadas numa sala com montes de papéis, a falar com outras pessoas sobre os sistemas e processos existentes.” (ED3, 1) A participação nos processos de avaliação no RCM é concebida a dois níveis: de uma forma indirecta, através das diversas formas de “ouvir” professores e alunos, de modo informal ou por meio de questionários (só no caso dos alunos), reuniões, conversas regulares com os coordenadores e participação nos diversos órgãos e de forma directa, por parte quer dos órgãos com responsabilidades específicas nos processos, quer do pessoal especialmente afecto a estas questões. Pode dizer-se que se verifica uma certa “profissionalização” dos processos, com os aspectos práticos/procedimentais a serem sobretudo executados por pessoal não docente especializado, especialmente no que diz respeito à avaliação externa, sendo as avaliações internas anuais consideradas um instrumento de gestão corrente, coordenadas por pessoal docente com funções administrativas (directora dos cursos de graduação e directora dos cursos de pós-graduação): “E quando vim para o College, uma das razões por que fui nomeado foi a minha experiência em questões da qualidade e a primeira coisa que fiz foi criar processos formais de avaliação da qualidade para o College (EC3, 2) “Não preciso de dizer às directoras dos cursos que elas têm que fazer a monitorização anual. Elas sabem que têm que o fazer e fazem-no... gerem esse processo sozinhas...o que eu faço é a supervisão do processo...portanto...em parte eu faço a gestão do sistema no dia-a-dia...(EC3, 2, 3) Se a participação da maioria dos professores é difícil, sobretudo a nível formal, devido à sua situação de docência em tempo parcial, como já foi anteriormente referido, já a sua participação enquanto representantes do mundo do trabalho é significativa, na medida em que eles são a principal fonte de informação/relação com esse mundo, considerando o RCM necessário estar atento aos pontos de vista do sector profissional: “A maneira como obtemos esses pontos de vista faz parte do processo, estamos atentos às maneiras como a profissão está a mudar. Muitos dos professores do College são muito activos profissionalmente e estamos em estreito contacto com a profissão no dia-a-dia. Mas sim, garantir que o BMus ou qualquer dos outros cursos que estão a ser revistos vão habilitar os estudantes com as capacidades relevantes não apenas para a profissão tal como é agora, mas como podemos prever que ela será, nas mudanças que haverá no futuro, o que significa capacidades gerais, não apenas capacidades para os dias de hoje, especialmente porque os cursos dos conservatórios são cursos profissionais, vocacionais” (EC3, 3) Como parte da importância da centralidade dos estudantes no sistema de ensino superior no Reino Unido é sobretudo a participação destes que se pretende assegurar/demonstrar, pelo que é só quanto a este corpo que existe uma maior formalização na recolha de opiniões, através de questionários. Se quanto à existência

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destes os estudantes não levantam objeccções, já quanto ao enquadramento em que eles são distribuídos e preenchidos se levantam algumas reservas: “...é o enquadramento. A objecção...não é objecção, o que eu penso...Não há nada de mal em se escreverem as coisas e ter percentagens e todo esse género de coisas. Mas é o enquadramento em que são preenchidos. Estão centenas de pessoas no auditório e então eles dizem ‘Importam-se de preencher estes formulários?’ E então nós preenchêmo-los em silêncio...num enquadramento mais informal, mais relaxado, onde não nos sentíssemos assim debaixo de pressão, era uma boa ideia, porque obtinham os factos e isso é necessário. É o enquadramento...é o enquadramento em que esses formulários são preenchidos...Não ajuda ninguém” (EE3, 4, 3) “...não sabemos quantas pessoas estão a sentir o mesmo, porque é preenchido em silêncio. Portanto isto significa que por maior que seja o problema para mim, na verdade nunca saberei se mais alguém está a sentir o mesmo problema. E então – penso que é no período seguinte – recebemos as folhas com o feedback e tudo está reduzido a percentagens. Mas não identificaram quem teve os mesmos problemas e quem vai falar sobre eles” (EE3, 4, 2) Ms a questão do anonimato é também vista como problemática, num tipo de instituição em que pode haver, em casos extremos mas relativamente frequentes, apenas um aluno em determinado instrumento/ano: “Penso que o problema é...da maneira como eu pessoalmente o vejo... a maneira como nos é entregue...porque são preenchidos em condições de exame...porque têm o nosso nome – o nome não, são anónimos, mas têm o instrumento e o ano – portanto se eu for o único aluno de um determinado ano de Trompete, sabe-se logo. E porque somos uma instituição pequena, somos só 600, é muito fácil descobrir. Portanto se um aluno do 1º ano está a fazer isto , diz ‘Espera aí, se eu não preencher isto da maneira “certa”, isso pode afectar o meu 2º ano’ ” (EE3, 4, 2) Relativamente às oportunidades da sua participação formal na vida da instituição, em geral, os estudantes consideram que ela está bem assegurada, incluindo no processo de avaliação externa: “Temos um sistema segundo o qual a Associação de Estudantes é uma opt-out association. Portanto, automaticamente todos os estudantes são membros da associação, a não ser que expressamente declarem que não querem ser membros. E deste órgão é designada pelos estudantes uma comissão de estudantes que actuam como porta-vozes e embaixadores e têm determinados cargos [nos restantes órgãos do RCM] [...]E além disso organizei a auditoria da QAA. O que ela teve de bom foi...que tivemos que começar as reuniões abertas...o que foi uma coisa muito boa e que acho que teve um efeito duradouro na maneira como interagimos com o pessoal aqui, este ano” (EE3, 4, 4) “...o que nos foi pedido enquanto Associação de Estudantes [...] foi [...] um documento escrito sublinhando o que os estudantes pensavam sobre certos assuntos [...]Formámos uma comissão e tivemos reuniões abertas, de modo que quaisquer estudantes do College – de graduação, de pós-graduação, a começar estudos ou há mais anos aqui – podiam vir a essas reuniões e nós

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propunhamos-lhes questões ... por exemplo, se achavam que os professores lhes estavam a dar tempo suficiente, que tipo de trabalho académico estavam a conseguir fazer e se gostavam ou se devia ser mais ou menos, e também questões como o número de salas para estudo, as oportunidades de contacto com os responsáveis da gestão e da administração e se pensavam que o “College” estava a ser gerido com eficiência” (EE3, 4, 1) As mudanças que ocorrem na instituição não são vistas como decorrendo do processo de avaliação externa, mas sim das iniciativas internas, incluindo os processos de avaliação interna: “...a maior parte das mudanças resultam dos nossos processos internos – não de exigências da QAA. Há também outros processos, como o planeamento estratégico institucional e a gestão do risco que contribuem de forma significativa para o desenvolvimento do College. Mas também não esperamos por esses processos, porque quando precisamos de mudar alguma coisa, mudamos. Não diria que os processos nacionais da QAA são uma condição para a mudança na instituição. Esses processos são muito mais um exercício de demonstração, perante um órgão nacional, da eficácia dos nossos processos de garantia da qualidade” (EC3, 6) Contudo, quer uns quer outros processos de avaliação determinam alguns efeitos que são sentidos sobretudo ao nível da produção (cursos), das estruturas, das rotinas, dos recursos financeiros e da motivação. Relativamente ao processo de ensino/aprendizagem, é no decurso dos processos internos de monitorização anual e de revisão quinquenal que todos os aspectos da oferta formativa são pensados, passando as propostas de criação e revisão dos cursos por uma série de instâncias formais que garantem a intervenção de um amplo leque de actores internos, tais como o Dean & Deputy Director, o Senior Management Team, o Secretary & Registar, especialistas internos na área considerada, a comissão de curso, o Grupo para a Qualidade e os Níveis e o Board of Professors, havendo ainda a intervenção de especialistas externos. O peso das novas responsabilidades em matéria de avaliação obrigou a que as instituições aumentassem o número de estruturas internas, de forma a garantir uma resposta adequada a essas acrescidas responsabilidades. Esta situação é considerada penalizante para organizações pequenas como o RCM, que tem dificuldades orgânicas e de pessoal, sentindo dificuldades na compatibilização das tarefas decorrentes dos processos de avaliação com as restantes tarefas que devem ser desempenhadas : “Um dos problemas que eu penso que as instituições como a nossa têm decorre mais do facto de sermos uma pequena instituição. Se isto fosse um Departamento de Música de uma grande universidade, muitos destes processos burocráticos seriam tratados de forma centralizada pela universidade e o Departamento de Música estaria relativamente “almofadado” quanto a esses processos [...] as camadas de gestão e administração que existem numa universidade, numa administração central, aqui estão comprimidas e isso coloca uma pressão tremenda nos administradores” (ED3, 2)

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“...isso coloca uma pressão tremenda nos administradores e penso que uma das consequências é que as pessoas como eu são obrigadas a concentrar-se no exterior ... e não suficientemente no interior. Penso que uma pessoas na minha posição deveria ter a possibilidade de assistir regularmente às aulas, de falar com os colegas no corredor, de falar com os estudantes, perceber o que se está a passar, fazer parte das suas vidas, para que eles percebam quem eu sou, o que é que faço. Quando há tantas pressões que significam que tenho que escrever este e aquele relatório, estar naquela reunião, etc...(ED3, 2) “ Não [ninguém está cá a tempo inteiro para as questões da avaliação] (EC3, 6) “...é difícil para os músicos que trabalham numa instituição perceber que, com um sistema mais organizado como este, é essencial ter mais pessoal para isto do que há 10 ou 20 anos” (ED3,2) As rotinas institucionais também foram afectadas pelo peso crescente destas questões, obrigando a instituição a desenhar e gerir sistemas cada vez mais complexos, considerando-se que isso representa um “fardo”, mesmo que se admitam vantagens na situação: “ Sim, penso que são [estes processos] um fardo extra, mas um fardo inevitável e que tem benefícios reais ... é um processo razoavelmente leve – mas claro que implica muito trabalho ... Não descreveria estes processos como burocráticos, porque isso soa demasiado negativo. Têm um elemento burocrático, porque as coisas têm que ser documentadas como deve ser, mas na medida do possível os processos dizem respeito ao pessoal académico, ao falarmos uns com os outros como uma equipa, ao pensarmos nas melhores maneiras de fazer as coisas, o elemento burocrático é a menor parte”. (EC3, 5, 6) Por outro lado, estes processos determinaram alterações significativas quanto à afectação dos recursos financeiros, o que se revela um ponto particularmente sensível em tempos de escassez desses recursos: “...é difícil para os músicos que trabalham numa instituição perceber que, com um sistema mais organizado como este, é essencial ter mais pessoal para isto do que há 10 ou 20 anos. Portanto quando os recursos escasseiam na instituição e se as pessoas quizerem, sei lá, comprar mais um contra-fagote e lhes disserem que não há dinheiro para isso, mas virem que têm que ser recrutadas mais pessoas para as estruturas de avaliação, comprende-se facilmente que sintam que está a acontecer qualquer coisa que vai no sentido errado, que não é fiel ao espírito da instituição” (ED3, 2) No que respeita ao incentivo à motivação dos actores para a participação na vida da instituição e nos processos de avaliação, em especial, verifica-se que o grande esforço feito, a nível institucional, para multiplicar as oportunidades formais de participação, são decorrentes desses processos, sobretudo como consequência das recomendações feitas pelas comissões externas nos seus relatórios. Mas o uso que é feito das opiniões e comentários dos diversos grupos de actores nem sempre se afigura claro aos olhos dos

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mesmos, o que é detectável, por exemplo, nas percepções dos estudantes quanto ao uso que é feito das respostas dos alunos aos inquéritos: “ ...de certo modo, nada verdadeiramente criativo ou positivo ... sai dali [dos questionários]. Tenho a certeza que sai, de certa maneira, mas na perspectiva dos estudantes eles apenas nos dizem como é e nada mais. E se eles fazem alguma coisa, não recebemos qualquer feedback: ‘Isto foi o que aconteceu como resultado de...’ ” (EE3, 4, 2) “...como nos dão um sumário [dos questionários] é muito fácil ver se alguma coisa foi realmente feita. Nas questões mais pequenas, nas questões gerais, faz-se qualquer coisa ... faz-se qualquer coisa ... Mas claro que os estudantes falam das grandes questões, coisas que podem levar anos a resolver, mas pelo menos sabemos que estão escritas e é bom saber que algures alguém leu o que escrevemos” (EE3, 4) No entanto, os estudantes reconhecem que a formalização de certo tipo oportunidades de participação (como a que ocorreu na preparação da institutional audit) podem ser um bom meio para motivar essa participação: “Durante algum tempo, como estávamos a ter essas reuniões abertas para os estudantes fazerem parte do processo, de repente as pessoas descobriram que gostavam dessas reuniões abertas ... e houve uma boa recepção ... montes de estudantes vieram a essas reuniões.” (EE3, 4, 2) Pode, portanto, dizer-se que não foram manifestadas quaisquer discordâncias de fundo quanto aos processos de avaliação em si, embora ao nível dos dirigentes máximos fosse sublinhada a necessidade de as instituições salvaguardarem que eles se limitem a ser um meio e não um fim, devendo a instituição apropriar-se deles para resolver os problemas específicos do sector do ensino musical: “O que temos de ter em atenção relativamente a estes processos é que eles não se tornem demasiado elaborados, que não ocupem demasiado tempo, que não sejam demasiado centrados nos processos de rotina...assegurar que o sistema continua vivo para as pessoas envolvidas, garantir que está verdadeiramente centrado na melhoria da qualidade. Não apenas uma vez por ano, ou de 5 em 5 anos, mas de certa maneira todos os dias, através de todas as actividades: no estúdio do professor, na sala de aula. Há maneiras de trabalhar que podem provocar o tipo de conversações que faz que não seja preciso esperar pela revisão do curso para conhecer os pontos de vista e as preocupações dos próprios estudantes e para poder introduzir melhorias” (ED2, 1) “Portanto vejo o processo [de internacionalização e comparabilidade dos sistemas de ensino superior e de avaliação, no âmbito do Processo de Bolonha] como algo a que temos que ter a certeza de poder corresponder, de poder gerir por nós próprios. Penso que podemos usar isto como uma ferramenta para lidar precisamente com estes problemas” (ED3, 4) Em resumo, pode concluir-se que no RCM o modelo praticado não se afasta do modelo normativo, sendo que este, impondo regras de controlo fortemente estruturadas através de uma regulamentação minuciosa sobre os diversos aspectos dos processos de

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avaliação (e do ensino superior, em geral), apenas permite desvios que sejam fundamentadamente justificados. Esta pequena margem de manobra é, contudo, apresentada pelos actores como uma zona de autonomia suficiente para sentirem que os princípios e valores do seu mundo institucional são adequadamente salvaguardados. Relativamente aos processos em curso no âmbito da avaliação, verifica-se que o RCM se preocupa em informar e envolver todos os stakeholders nas diversas fases dos processos, embora se verifique uma separação entre os aspectos mais formais, designadamente da avaliação externa, mas não só, e as dinâmicas informais, que são especialmente fortes neste tipo de organização. O sistema de garantia de qualidade está formalmente instituído como um dos sistemas de gestão do RCM, com uma multiplicidade de órgãos com funções expressamente atribuídas nesta matéria, ao mesmo tempo que a instituição se preocupa em formalizar as interacções quer com os actores com maior participação fluida (os docentes a tempo parcial), quer com os estudantes, que ganham agora o protagonismo máximo, na medida em que são considerados, pelos poderes públicos, como o elemento central do processo de ensino/aprendizagem. Os efeitos dos processos de avalição no RCM fazem-se sobretudo sentir ao nível das estruturas (número de órgãos responsáveis pelos diversos aspectos da avaliação), das rotinas (dispêndio de tempo de diversos actores com esta questão, em detrimento de outras tarefas), dos recursos financeiros (afectação de recursos ao sistema de qualidade, com prejuízo de outras áreas) e da motivação para a participação na vida institucional, designadamente no que se refere aos estudantes. A opinião global manifestada sobre os processos de avaliação foi positiva, considerando-se que eles têm efeitos relevantes para a instituição, quer a nível do seu reconhecimento e visibilidade externos, quer a nível das dinâmicas internas. Já quanto ao objectivo da melhoria da qualidade parece considerar-se que ele é obtido por outras vias de debate e decisão internas, de forma bastante independente relativamente aos processos de avaliação externa, mesmo na sua componente de auto-avaliação.

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