Caminho de uma nova etica das relações nas organizações
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7/21/2019 Caminho de uma nova etica das relações nas organizações
http://slidepdf.com/reader/full/caminho-de-uma-nova-etica-das-relacoes-nas-organizacoes 1/6
COLABORAÇÃO INTERNACIONAL
*A B S T R A C T :
T he su bje ct m a tte r o n e th ic s h as b ee n r ec ov er edfrom ph iloso ph y d ue to th e freq uen cy th at you ng exe cu tivessho w ego tistic a ttitu des in detrim en t to c on ce rn to wa rd sothers. T his egocentric attitude leads to the vanishm ent ofin terest for the institu tion itself. On the other hand, theo rg an iza tio ns h av e a ls o fa ile d in re sp on din g to t he in te res tsof the individuais. The author expresses his uneasinesstow ards a w orld oriented to econom ic values and proposes ar en ew al o f e th ic s in re la tio ns in sid e th e o rg an iza tio ns , b ase dupon the developm ent of what he calls individual ethicsa rti cu la te d to c ol le cti ve e th ic s.
A CAM INHO DE UMA NOVA ÉT ICA DAS
R ELA ÇÕ ES N AS ORGAN IZA ÇÕ ES *
• J ea n-F ra nç ois C han latProfessor na Ecole des Hautes Etudes
Commerciales, Montréal, Québec, Canadá.
Tradução de M aria Irene Stocco Betio l, Professora doD ep artam en to d e F un da men to s S ociais e Ju ríd ico s d a A d-m in is tr aç ão d a EAESP /FGV .R evisão técnica de C laude M achline, M aria Cecilia C.Arruda, N ilza V . M anso do Prado.
* R E S U M O : O te ma d a é tic a v em s en do r es ga ta do d a f ilo so fiap ela fr eq üê nc ia c om q ue jo ve ns e xe cu tiv os m an ife sta m a titu -d es e go ís ta s, em d etr im e nto d o in te re ss e p elo s o ut ro s. C om e sta
a titu de e go cê ntr ic a, a ca ba p or d esa pa re ce r o in te re ss e p el ap ró pria in stitu iç ão . P or s ua v ez , a s o rg an iza çõ es ta mb ém tê mfa lh ad o em a te nd er o i nt er es se do s i nd iv íd uos . O a utor ex-p ressa su a in qu ieta çã o fa ce a u m m un do o rien ta do p or va lo -r es e co nômic os e p ro põ e uma re no va çã o d a é tic a d as r ela çõ esn as o rg an iz aç õe s, fu nd ame nta da s ob re o d es en vo lv im en to d oq ue e le d en om in a é tic a in div id ua l a rtic ula dame nte c om a é ti-ca co le ti va.
* P A L A V R A S - C H A V E : É tic a n as o rg an iz aç õe s, é tic a in div i-d ual , é ti ca c o le ti va .
68 R e v is ta d e A d m in is tr a ç ã o d e E m p re s a s
* K E Y W O R D S : E thics in o rg an iza tion s, in divid ual eth ics,
co ll ec ti ve e thi cs .
* Texto publicado originalm ente sob o títu lo "Vers unen ou ve lle é th iq ue d es re la tio ns d an s le s o rg an is atio ns" , n o li-vr o L'individu dans l'organisation: les dimensions
oubliées, sob a coordenação de Jean-F rançois C hanlat.Q ue 'b ec e O ta wa , C an ad á, L es p re ss es d e l'U niv ers ité L av al/E ditions E SK A, 1990. (A lgum as frases que faziam m enção ao utro s ca pítu lo s d o livro fo ra m ex clu íd as, p ois fica va m fo rade con tex to .)
S ã o P a u lo , 3 2 ( 3 ): 6 8 -7 3 J u 1 . / A g o . 1 9 9 2
7/21/2019 Caminho de uma nova etica das relações nas organizações
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A C A M IN H O D E U M A N O V A É T I C A . ..
Na É ti ca a N i cômaco, Aristóteles escreve:
"N o do mtnio da prá tica, o fim não consiste noestud o e no conh ecim ento pu ram en te teórico sd as d ife re nte s a çõ es m as, a nte s d e m ais n ad a, n asua execução . E m princip io, no que concerneigualmente à v irtu de , n ão é s ufic ie nte a pe na s
saber-seoq ue ela é,ma s d ev e- se e sfo rç ar ig ua l-m en te po r p ossuf-la e co locá-la em p rática ou ,
então, se houver outro m eio, por este tentartorn ar-se h om em d e bem ''. 1
Através desta proposição, o célebre fi-
lósofo grego colocava, há mais de 2000anos antes denós, não somente oproblema
das relações que a política - cuja finali-
dade éa ação - mantém comamoral,mas
também as relações que o bem individual
mantém comobemcoletivo. Estainvestida
de considerações de ordem ética no que
constitui a essência mesma da humanida-
de, a ação, éum fenômeno que seencontraem todas as épocas. Como o relembra EricWeil,2
"Todo em preendim ento hum ano, por m aisd es in te re ss ad o q ue s eja , e stá d e fa to s ubm etid oà qu estão d e sab er se é justifica do ou n ão, n e-c es sá rio , a dm is sfv el o u r ep re en sfv el, d e a co rd oco m os v alo re s r ec on he cid os o u em c on tr ad iç ãoc om e les , q uer d ize r, s e e le a ju da a re aliza çã o d oque é c on si de ra d o c omo d es ej áv el , à prevençãoou à e li min aç ão d aq uilo q ue é ju lg ad o m a u" .
Esta interrogação define o universo damoral. Ciência ou doutrina que determina
as regras de ação, esta última é indisso-
ciávelde toda atividade humana. Todas as
sociedades e todos os indivíduos vão se
habituando, em diferentes graus, a lidar
coma ética. A nossa, não faz, comcerteza,
excessão à regra.
Nomundo dasorganizações edagestão,
notadamente norte-americano, assiste-se,
aliás de uns anos para cá, a um retomo às
interrogações morais. Este crescimento da
ética, em um universo que até aqui não se
preocupava nem um pouco com ela, éatribuída adiferentes fatores: inicialmente,
aos inúmeros escândalos financeiros que
marcaram Wall Street, e à vida dos negó-
cios em geral; em segundo lugar, ao cres-
cimento de atitudes cada vez mais egoístas
nos jovens diplomandos, recémsaídos dos
programas de gestão; emterceiro lugar, às
conseqüências sócio-econômicas de certas
decisões especulativas; emquarto lugar, às
perturbações geradas pela técnica;e,enfim,
à uma baixa generalizada da consciência
profissional em diversos níveis da em-
presa.
Esta irrupção de uma disciplina, reser-
vada até então à filosofia, em um mundo
amplamente orientado por valores econô-
micos, mostra-nos que, tanto no plano co-letivo quanto no plano individual, não
podemos fazer economia de tais interro-
gações. É sobre esta dimensão amplamen-
teesquecida, a saber, a dimensão ética que
envolve as relações humanas, que eu gos-
taria de discorrer agora.
•••••••••••••••••••••••
A celebridad e repentin a efreq üentem ente efêm era esca nde avida daqueles que querem ser
b em -s uc ed id os. A s r ea liza çõ es d equalquer um se tornam m enos
im portantes que sua reputação ou apublicidade que se faz dela. N o
temp o d a so cie da de d o e sp etá cu lo ,onde o indivíduo deve vender um aim agem , alg um as pessoas pa rece
terem tendência a se m obilizar cadavez m ais por ela .
• ••••••••••••••••••••••
A vida nas organizações e mais comu-
mente as relações sociais que aí se tecem
repousam sobre valores. Estes valores,
implícitos ou explícitos vão definir as re-
gras deaçãoque inspirarão osjulgamentos
eascondutas. Nenhuma interação humana
escapa, de uma forma ou de outra, ao do-
mínio dessas regras, pois elas definem os
imperativos normativos de ação. Até o
presente momento, as regras que tiveram
curso nas relações, no seio das organiza-
ções, foram amplamente inspiradas em
valores econômicos. Esta" economização"das relações humanas sob o império de
uma ética utilitária não fez, jamais, justiça
à complexidade do comportamento hu-
mano. As relações humanas põem emjogo
regras que não são todas da ordem do
econômico. Todavia, sob a pressão do
econômico, vemos, infelizmente, surgirem
atitudes, maneiras de ser e de fazer que
inquietam numerosos observadores. Nós
partilhamos dessa inquietude. É a razão
C o p y rig h t © 1 9 9 2 , R e v is ta d e A d m i n is tr a çã o d e E m p re sa s / E A E SP / F G V , S ã o P a u lo , B r a s i l .
1 . A RIS TO TE , L ' é t h i q u e à
N i c o m a q u e . P a ris , U r in , 1 9 7 2 ,
p p . 5 2 2 - 2 3 .
2 . W E IL , E . " M o r a l e " . I n :
E n c y c l o p a e d i a U n i v e r s a l is , 1 5 . 1 9 8 9 ,
p p . 7 4 3 - 5 0 .
69
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singularidade. Em um universo onde,
como salienta C. Lasch, l ia auto-satisfaçãod ep en de d a a ce ita çã o e d a a pr ov aç ão p úb lic as ",é normal que "os homens não busquem aa pro va çã o d e s ua s a çõ es, m as d e s eu s a trib uto spessoaie"," A celebridade repentina e
freqüentemente efêmera escande a vidadestes e daqueles que querem ser bem-su-
cedidos. Asrealizações de qualquer um se
tomam menos importantes que sua repu-
tação ou a publicidade que se faz dela. No
tempo da sociedade do espetáculo, onde o
indivíduo deve vender uma imagem, al-
gumas pessoas parece terem tendência a se
mobilizar cada vez mais por ela.
Umdesvio narcisista como este seafas-
ta da preocupação antiga consigo próprio.
Ao invés de ser uma pessoa que tenta se
colocarcomo sujeito,quer dizer, umeuque
se define antes de mais nada por suasações, nosso Narciso moderno se curva e
sefechasobre simesmo e sua imagem pú-
blica.
3 . D U M O N T , L . E s s a i s s u r
/ ' I n d iv id u a l is m e : u n e p e r s p e c /i v e
a n /h r o p o lo g iq u e s u r / ' i d e o lo g ieh u m a i n e . P a r is , E d i t io ns d u S e uil ,
1 9 8 3 .
4 . B EN ED IC T , R . E c h a n / il lo n s d e
c i v i l i s a f f o n s . P a ri s, G a ll im a r d, 1 9 5 0.
5 . F O UC A U L T , M . H i s /o ir e d e l as e x u a l i t é . V o l. 4 : L e s o u c i d e s o i .P a ris , G a ll im a r d, 1 9 84 .
6 . D U MO N T , L . O p . c il .
7 . V e r p rin c ip a lm e n te o s t r a b alh os
d e : L A U R E N T , A . D e / ' i n d i v i d u a l i s m e :e n q u ê /e s u r I e r e / o u r d e / 'i n d i v i d u .P ar is , P .U .F ., 1 98 5; L AU R EN T , A .
L ' i n d i v i d u e / s e s e n n e m i s . P a r i s ,
H a ch e tt e , 1 98 7; V E RN A N T , J. P .
L ' i n d i v i d u , l a m o r t , / ' a m o u r : s o i · m ê m ee / / 'a u t re e n G r i l c e a n c i e n n e . P a r i s ,
G a ll im a r d, 1 9 8 9.
8 . V e r o e xc ele nte n úm e ro q ue M a ·g a z i n e L i ll é r a i r e c on sa gro u a e ste
a s s un to (E d w a ld e t a li i , 1 9 89 ).
9 . L A S C H , C . L e c o m p le x e d eN a r c is s e : l a n o u v e /l e s e n s ib i l i / éa m é r i c a i n e . P a ris , R o b er t L a flo n t,
1 9 8 1, p .9 0 .
70
pela qual fazemos um chamamento a uma
renovação, nos países ocidentais, e no-
tadamente na América do Norte, da ética
das relações nas organizações. Este novo
ethos deve fundamentar-se, ao mesmo
tempo, na individuação ena solidariedade
e inspirar as estruturas morais e nossosatos individuais e coletivos.
A É T IC A IN D IV ID U A L : U M T R íP L IC E IN T E R E S S E
No plano individual, toda ação em um
conjunto organizado deveria se assentar,
para tomar emprestada uma expressão de
Paul Ricoeur, num triplo interesse: o inte-
resse por si próprio, o interesse pelos ou-
tros, o interesse pela instituição.
o IN T E R E S S E P O R S I P R Ó P R IO
A civilização ocidental, a que pertence-
mos, foi marcada a partir da Antigüidade
por um desenvolvimento da sua própria
cultura. Esta cultura, que alguns qualifi-
caram de individualista' oudedionisíaca,'
está centrada no princípio do interesse por
si mesmo. A exemplo do filósofo grego
Epíteto, que declarava " qu e j ama is é muitocedo ou m uito tarde para se ocupar da própriaalma", "cuidar de si mesmo" passou a ser
um imperativo nas nossas sociedades. Esta
prescrição de ordem moral desembocou
em regras e práticas sociais. Fez emergirummodo deconhecimento e de erudições
de que o célebre aforismo de Sócrates
"Conhece-te a ti mesmo" permanece, tal-
vez, ainda a ilustração mais perfeita." Esta
cultura antiga de simesmo, estabelecendo
ovalor supremo no indivíduo, fez, em ra-
zão disso, emergir aquilo que Louis
Dumont chamou "o indivíduo nomundo"
e a ideologia que o fundamenta: o indivi-
dualismo." Embora este individualismo
ocidental tenha conhecido transformações
a partir dos primeiros pensadores da
Gréciaantiga",elepermenece, nãoobstanteàs mudanças, mais do que nunca no co-
ração da problemática de nossas socieda-
des contemporâneas,"
Hoje, a preocupação consigo mesmo
nãoseapóia mais, comoescreveu Foucault,
sobre "um trabalho de si m esm o para consigopróprio". Ao contrário, sob a influência da
imagem, vê-se surgir um indivíduo narci-
sista, para quem o mundo se toma um es-
pelho enão um lugar de afirmação de sua
•••••••••••••••••••••••
Preocupados com sua im agem ebem -estar pessoal, um grande númerod e n osso s c ontemp orâ neo s esq ue ce uque um a relação é, inicialm ente eantes de m ais nada, baseada na
reciprocidade. O q ue s ig nific a q ue ,obviam ente, tem os direitos, m as queta mb ém temo s o br ig aç õe s e d eve re s.
• ••••••••••••••••••••••
Nas organizações, reencontramos esta
espéciedeatitude junto aum certonúmero
depessoas, principalmente entre opessoal
administrativo e a direção. O mundo se
transforma em um reflexo deles mesmos.
As relações que eles desenvolvem com os
outros são impregnadas de frieza, desli-gamento e instrumentalidade. Tais atitu-
des têm muito em comum comas caracte-
rísticas dos universos tecnoburocráticos
onde a impessoalidade, o funcional e o
cálculoreinam comomestres. Não sepode,
então, ficar espantado com o sucesso que
podem fazer certos indivíduos muito nar-
cisistas emumtal ambiente. Elesestão "em
casa". Mas um tal comportamento tem um
custo social: o interesse por si próprio,
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A C A M IN H O D E U M A N O V A É T I C A
dando lugar ao egocentrismo, elimina o
interesse pelos outros.
o IN T E R E S S E P E L O S O U TR O S
oser humano é, por definição, um ani-
mal social. Como relembrava recentemen-te A. Etzioni, "o eu tem necessidade do n6spara ex is t ir " . Não obstante, oMe-ism, como
alguns o denominam na América do Nor-
te, toma um outro caminho. Osoutros não
são mais do que instrumentos para a rea-
lização de seus desejos pessoais.
A acreditar-se em um certo número de
observadores, esse tipo de atitude parece
particularmente dominante entre os estu-
dantes de administração, os jovens execu-
tivos recém-diplomados emesmo entre os
executivos mais velhos. Em um artigo
publicado recentemente, Etzioni'?expressasua perplexidade quanto ao fatode não ter
podido convencer uma classe de estudan-
tes de Mestrado em Administração de
Empresas que a vida é mais do que uma
questão de dinheiro, de poder, de celebri-
dade e de egocentrismo. Em uma obra,
igualmente recente, R. [ackall" assim con-
clui a pesquisa que fez com executivos de
empresas americanas:
"O ethos que os habita transform a os prin-cíp io s e m d iretiv as, a ética e m e tiq ue ta , o s v a-lo re s em p re fe rê nc ia s g u st ati va s, a r es po ns ab i-
lidade pessoa l em um a aptidão em relaçõesp úb lic as , e a v er da d e em c re di bil id a de ."
Enveredando por esse caminho, seus
engajamentos conduzem-nos a criar e a
recriar, acrescenta o autor, " uma s oc ie da d eonde a m oral se confunde com a busca da so-b re viv ên cia e d a v an ta ge m p es so al".
Esse crescimento egocentrista que nós
assistimos éum tanto inquietante, pois ele
vai de encontro ao desenvolvimento da
humanidade, colocando o interesse pelos
outros noúltimo plano das preocupações.
Com efeito, "no desenvolv im en to d a hum a-
nidade, assim com o no do indioiduo, lembraFreud, o am or se revelou o principal, senãom esm o o único fator de civ ilizaçã o, determ i-n an do a p ass ag em d o e go te mo a o a ltr uism o " .12
Outros exemplos atestam este egocen-
trismo: o respeito pelas pessoas mais ve-
lhas se perde, os rituais de polidez têm a
tendência a desaparecer, os direitos são
melhor conhecidos do que os deveres, a
solidão se difunde. Preocupados com sua
imagem e bem-estar pessoal, um grande
número de nossos contemporâneos es-
queceu que uma relação é, inicialmente e
antes de mais nada, baseada na reciproci-
dade. O que significa que, obviamente, te-
mos direitos, mas que também temos
obrigações e deveres. Semtal troca não há
relação social digna desse nome. É destarelação de reciprocidade que surgem, por
exemplo, a ética e os códigos de deonto-
logia profissionais."
•••••••••••••••••••••••
A s atitudes individuais não são,jamais , d is so ciá ve is d as a titu de s
co le ti va s. S e qu is ermos ,c on se qü en tem en te , p romov er
um a ética individual dar ec ip ro cid ad e, é p re cis o q ue os
c on ju nto s s oc ia is se v in cu lem ,ig ua lm ente , a os in div íd uo s.
•••••••••••••••••••••••
Se o respeito de si mesmo passa para
respeito do outro, para o reconhecimento
de sua palavra, de suas competências e de
sua originalidade, o respeito do outro
passa, igualmente, para o respeito de si
mesmo, quer dizer, de suas obrigações ede
seus deveres em relação aos outros que fa-
zem parte desta éticade simesmo. Emum
meio ambiente organizado, esse duplo in-teresse, consigo próprio e com os outros,
deve igualmente se conjugar com o inte-
resse pela instituição.
O IN T ER E S S E P E LA IN S T IT U iÇ Ã O
No Japão, "a d im en sã o in stitu cio na l (e s-c o la ou emp re sa ) , escreve Nakane, é a base daorgan ização soc ia l " .14 Nas nossas sociedades
ocidentais, as instituições não ocupam um
lugar tão central na vida do indivíduo. Se
os japoneses se definem, antes de mais
nada, por este vínculo que os une às suasinstituições, osocidentais, principalmente
osnorte-americanos, parecem fazer menos
uso deste tipo de identificação.
A razão, no nosso entender, édupla. Por
umlado, osocidentais sedefinem, antes de
mais nada, como indivíduos, por outro, as
instituições nas quais eles trabalham nem
sempre procuraram desenvolver o inte-
resse por elaspróprias. Como podemos, de
fato, desenvolver o interesse pela institui-
1 0 . E T Z I O N I , A . " M on ey , p o w e r a n d
f a m e " . N e w s w e e k , 1 8 , S e p . 1 O , 1 9 8 9 .
1 1. J AC K A L L , R . M o r a l m a z e s : l h e
w o r l d o f c o rp o r a le m a n a g e rs . N e w
Y o r k , O x f o r d U n i ve r si ty P r e s s, 1 9 8 8 ,
p . 2 0 4 .
12 . F R E U D , S . E s s a i s d e
p s y c h a n a l y s e . 91 é d . P a ris , P a yo t
( c o ll . " P r is m e s ') , 1 9 8 8 , p . I 2 9.
1 3 . O t er m o " de o n to lo g ia " v e m , a li-
á s , d o g re g o d é o n , q u e s ig n if ic a d e -
v e r .
1 4 . N A K A N E , C .. L a s o c ié léj a p o n a i s e . P a r is , C o I in , 1 9 7 4 , p .1 2 .
71
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A É T IC A C O L E T IV A : U M D U P L O IN T E R E S S E
1 5 . C o m e sta d is tin çã o , q u ere m o s
e v it a r a r e if ic a ç ã o q u e e s tá a s s o c ia -
d a à s a firm a çõ e s d o t ip o " a o rg an i-
z a ç ã o f a z i ss o ', " a o r g a ni z aç ã o p e n s a
q ue ', p ois é p re c is o te r s em p re e m
m e nte q ue s ão o s h om e ns e a s m u -
lh e re s q ue a s s im a g e m (e n ã o a s
c o n s tr u çõ e s a b s tr a ta s ). V e r E R A L Y ,
A . "D es u s a g e s s o c ia u x d e la
r é i f i c a t i o n ' , A c t e s d u C o / lo q u e , T r a v a il
el p r a t i q u e s / a n g a g ie r e s . Pa r i s ,
C N R S , 1 9 89 , p p . 37 9 -8 6 .
72
ção se a cultura que nos circunda faz a
apologia dosucesso individual, atémesmo
do narcisismo?
Para que haja um mínimo de consciên-
cia de que seé parte efetiva da instituição,
é preciso que haja um mínimo de vin-
culação. Pressionados pela ideologia da-quilo que osanglo-saxões denominam me,m yself, a nd I, numerosos contemporâneos,
fechando-se sobre simesmos, esqueceram
que eles trabalhavam em instituições, Éóbvio que esta atitude pode variar de uma
organização à outra, Muitos chegam, aliás,
a fomentar tal participação, tal interesse,
Mas esta vinculação cria raízes na relação
que a própria instituição, por intermédio
de seus dirigentes, desenvolveu com as
pessoas que dela fazem parte. O que nos
conduz à segunda razão.
•••••••••••••••••••••••
No momento em que nosso planetaestá am eaçado, em que o m eio
a mb ien te está cad a vez m ais d estru ídopor nossa ação devastadora, a
p re oc up aç ão e co ló gic a a pa re ce c omouma n ec es sid ad e im p erio sa .
•••••••••••••••••••••••
o indivíduo desenvolverá um vínculo
tanto mais forte comaorganização naqualele trabalha, seesta tentou fazer elaprópria
a mesma coisa. Dito de outro modo, o in-
teresse pela instituição, que se caracteriza
nos indivíduos pela lealdade, vinculação,
participação, trabalho bem feito, não pode
sedesenvolver sea instituição, elamesma,
não se interessar pelas pessoas_ Priori-
zando intensamente a mobilidade, o curto
prazo, a juventude, inúmeras empresas
contribuem para o enfraquecimento dos
vínculos que seu pessoal mantém comelas.
Como pode um indivíduo, realmente, de-
senvolver um sentimento de participação,de ter a empresa como própria, quando os
valores postos em destaque são, antes de
mais nada, econômicos e instrumentais?
O giro de mão-de-obra, o absenteísmo,
odesengajamento, asrespostas mecânicas,
o desinteresse são, freqüentemente, as
respostas a esta falta de consideração
institucional, o que conduz ao segundo
aspecto desta ética das relações: a dimen-
são coletiva.
As atitudes individuais não são, jamais,
dissociáveis das atitudes coletivas, Se
quisermos, conseqüentemente, promover
uma ética individual da reciprocidade, é
preciso que os conjuntos sociais se vincu-lem, igualmente, aos indivíduos. O desen-
volvimento não será possível a não ser que
as organizações, isto é, as pessoas que as
dirigem", tenham umduplo interesse:com
as pessoas e com a coletividade.
O IN T E R E S S E P E L A S P E S S O A S
Emnosso universo cultural, fortemente
marcado pela preocupação consigo pró-
prio, as organizações devem, constante-
mente, desenvolver o interesse pelas pes-soas que elas empregam_ O interesse
institucional em relação às pessoas deve
se fundamentar no reconhecimento dos
direitos individuais enum certonúmero de
deveres e de obrigações a serem cumpri-
dos.
Nos nossos dias, estamos, de fato, cada
vez mais sensíveis aos direitos da pessoa_
Esta sensibilidade deve sematerializar, ao
nível das organizações, por um respeito à
idade, ao sexo, à origem étnica, às experi-
ências, à formação e à vida privada. O in-
teresse institucional será tanto mais realquanto mais ele vier acompanhado de
obrigações. Estas terão por objetivo mos-
trar que o discurso sobre o respeito dos
direitos de cada um não são palavras fal-
sas. Elas devem girar em tomo de alguns
imperativos: de manter a estabilidade do
emprego; de assegurar boas condições de
trabalho; conferir eqüidade; escutar e di-
alogar; e partilhar o fruto do trabalho e as
responsabilidades.
Será apenas através da instauração de
tais objetivosque asinstituições estarão em
condições de, não somente ser um ambi-ente onde os indivíduos poderão dar pro-
va de autonomia e imaginação, mas, tam-
bém, desenvolver o senso de participação
integral consciente queelas procuram, sem
jamais obter osmeios de concretizá-lo.
O IN T E R E S S E P E LA C O L E T IV ID A D E
Uma organização, qualquer que sejaseu
tipo (empresa, escola, sindicato, coopera-
7/21/2019 Caminho de uma nova etica das relações nas organizações
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A C A M IN H O D E U M A N O V A É T I C A . . .
tiva etc.), está estreitamente ligada a seumeio ambiente. Este meio ambiente podeser mais ou menos extenso, diversificadoou estranho. A relação que a organizaçãovai estabelecer com ele determinará, emlarga medida, aquela que o meio manterá
com ela.Por exemplo, uma empresa que nãorespeite o sistema de vida ou o contextosócio-cultural corre o risco de atrair pro-blemas. Basta lembrar o que a UnionCarbide representa para os indianos deBhopal! A preocupação com a coletividadedeve marcar o comportamento das orga-nizações. Se não o fizerem terão que res-ponder mais cedo ou mais tarde por suasações diante da sociedade. Quando certasempresas especulam, evitam impostos,vendem filiais por razões estritamente fi-
nanceiras, poluem, fabricam produtos pe-rigosos para a sociedade, mostram que nãotêm nenhuma preocupação com o meio noqual se inserem. Em contrapartida, quan-do fazem tudo para proteger o meio ambi-ente, investem, pesquisam, criam empre-gos a longo prazo, apóiam a coletividadeem seus esforços de solidariedade e depromoção da cultura, mostram que redis-tribuem, em certa medida, o que a socie-dade lhes deu.
Esta reciprocidade entre o meio e a or-ganização não se refere unicamente às
empresas. Diz respeito, igualmente, àsinstituições educativas, artísticas, sindicais,políticas, e outras. O interesse pela coleti-vidade e pelo seu bem-estar deve ser umapreocupação de todas as organizações quea constituem. Infelizmente sabemos que,aqui como em outros lugares, isto estálonge de ser sempre o caso. O corpora-tivismo, a diminuição de responsabilidade,a sindicracia ameaçam igualmente a vidasocial. Eles são, no nível coletivo, o que oegocentrismo é no nível individual. Taisatitudes contribuem para a desarticulação
do tecido social. No momento em que cer-tas análises tendem a mostrar que nossassociedades se dividem em muitos seg-mentos sociais cada vez mais afastadosuns dos outros", a preocupação pela cole-tividade deve se tornar um imperativopara todos os grupos sociais.
Por outro lado, uma obrigação desseporte nos conduz de volta às nossas pró-prias responsabilidades e àquilo queDostoíevsky, no século passado, havia tão
bem resumido em sua célebre frase: "Nósso mo s re sp on sá ve is p or tu do d ia nte d e to do s".
Às diferentes preocupações que jámencionamos é preciso, finalmente,acrescentar uma última: a ecologia. Nomomento em que nosso planeta está
ameaçado, em que o meio ambiente estácada vez mais destruído por nossa açãodevastadora, a preocupação ecológicaaparece como uma necessidade imperiosa.Após ter desejado dela se desvencilhar, oser humano redescobre, com espanto, queele está indissoluvelmente ligado à natu-reza e que os tratamentos a que ele a sub-mete são a própria imagem das relaçõesque ele mantém com seus semelhantes.Sem uma ética apropriada, estamos poiscondenados a um desfecho mais ou menosbreve. Uma renovação da ética das relações
se nos impõe. Se " a p r eo cupa ção , como es-creve Schmid, é op rin cíp io d o g ov er no d a v id ad o in div id uo ( .. .), e a a titu de g era l em rela çã o asi próprio , aos outros e ao m undo, engendraum a estética ,form as de atenção,um a ética es is tema s d e compor tamen to ''" , então é umanova arte de viver que devemos inventar.Fundamentada ao nível individual nestetríplice respeito, por si mesmo, pelos ou-tros e pelas instituições, e ao nível coletivonum duplo interesse pelas pessoas e pelacoletividade, tal arte de viver só é possí-vel pela instituição do diálogo. Este diálo-
go é considerado pelo grande poeta mexi-cano, Octávio Paz, como uma das formas,talvez a mais nobre, da "simpatia cósmi-ca" .18
A despeito das infelicidades, a históriaé, apesar de tudo, um diálogo, diz igual-mente Hõlderlin, que permitiu aos sereshumanos escutarem uns aos outros. Possaesse diálogo se instaurar, pois ele é a únicasegurança dessa nova ética da indivi-duação e da solidariedade pela qual cla-mamos com nossos anceios. Neste mo-mento, surgirá nova estética que permitirá
ao ser humano fazer de sua vida uma obrade arte, segundo a bela expressão de M.Foucault, e também permitirá às nossasorganizações deixar desabrochar a poesia,o imaginário e a criatividade humana, paraestarem, daqui para a frente, no centro dadinâmica social. Este imperativo de natu-reza cultural é sempre mais necessário,pois é a cultura e não a economia que defi-ne a alma humana. Que nossas sociedadese organizações jamais esqueçam isso. O
1 6. G O R Z , A . M e t a m o rp h o se s d u
t r a va il , q u ê te d u s e n s , c ri t i q u e d e la
r a i s o n é c o n o m iq u e . P a r is , G a l il é e ,
1 9 8 8 .
1 7. S C H M I D , W . " Fo uc a ult : la f or m e
d e I ' i n d iv i d u ' . M a g a z in e l i t té r a i r e , 2 6 4 ,
a b r o 1 9 8 9 , p p .5 4 - 6 .
1 8. P A Z, O . U n e p l a n e t e e t q u a t r e o u
c in q m o n d e s : r é f le x io n s s u r / ' h is to ir e
o o n t e m p o r a i n e . P a r i s , G a l l im a r d ( c o l l.
' Fo lio le s sa is '; 2 0 ), 1 9 85 , p .2 4 9 .
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