Caminho de uma nova etica das relações nas organizações

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COLABORAÇÃO INTERNACIONAL  ABSTRACT: The subject matter on ethics has been recovered from philosophy due to the frequency that young executives show egotistic attitudes in detriment to concern towards others. This egocentric attitude leads to the vanishment of interest for the institution itself. On the other hand, the organizations have also failed in responding to the interests of the individuais. The author expresses his uneasiness towards a world oriented to economic values and proposes a renewal ofethics in relations inside the organizations, based upon the development of what he calls individual ethics articulated to collective ethics.  C MINHO DE UM NOV ÉTIC D S REL ÇÕES N S ORG NIZ ÇÕES Jean François h an lat Professor na Ecole des Hautes Etudes Commerciales Montréal Québec Canadá. Tradução de Maria Irene Stocco Betiol, Professora do Departamento deFundamentos Sociais e Jurídicos da Ad- ministração da EAESP/FGV. Revisão técnica de Claude Machline, Maria  ecilia C. Arruda, Nilza V. Manso do Prado.  RESUMO: O tema da ética vem sendo resgatado dafilosofia pela freqüência com que jovens executivos manifestam atitu- des egoístas, em detrimento do interesse pelos outros. Com esta atitude egocêntrica, acaba por desaparecer o interesse pela própria instituição. Por sua vez, asorganizações também têm falhado em atender o interesse dos indivíduos.  autor ex- pressa sua inquietação face a um mundo orientado por valo- res econômicos e propõe uma renovação da ética das relações nas organizações, fundamentada sobre o desenvolvimento do que ele denomina ética individual articuladamente com a éti- ca coletiva.  PALAVRAS CHAVE: Ética nas organizações, ética indivi- dual, ética coletiva. 68 Revista de Administração de Empresas  KEY WORDS: Ethics in organizations, individual ethics, collective ethics.  Texto publicado originalmente sob o título Vers une nouvelle éthique des relations dans lesorganisations , no li- vro L indivi du da ns l organ is at io n: les di men sion s oubliées, sob a coordenação de Jean-François Chanlat. Que bec e Otawa, Canadá, Les presses de l Université Laval/ Editions ESKA, 1990. (Algumas frases que faziam menção a outros capítulos do livro foram excluídas, pois ficavam fora de contexto.) São Paulo, 32(3): 68-73 Ju1./Ago.1992

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COLABORAÇÃO INTERNACIONAL

*A B S T R A C T :

T he su bje ct m a tte r o n e th ic s h as b ee n r ec ov er edfrom ph iloso ph y d ue to th e freq uen cy th at you ng exe cu tivessho w ego tistic a ttitu des in detrim en t to c on ce rn to wa rd sothers. T his egocentric attitude leads to the vanishm ent ofin terest for the institu tion itself. On the other hand, theo rg an iza tio ns h av e a ls o fa ile d in re sp on din g to t he in te res tsof the individuais. The author expresses his uneasinesstow ards a w orld oriented to econom ic values and proposes ar en ew al o f e th ic s in re la tio ns in sid e th e o rg an iza tio ns , b ase dupon the developm ent of what he calls individual ethicsa rti cu la te d to c ol le cti ve e th ic s.

A CAM INHO DE UMA NOVA ÉT ICA DAS

R ELA ÇÕ ES N AS ORGAN IZA ÇÕ ES *

• J ea n-F ra nç ois C han latProfessor na Ecole des Hautes Etudes

Commerciales, Montréal, Québec, Canadá.

Tradução de M aria Irene Stocco Betio l, Professora doD ep artam en to d e F un da men to s S ociais e Ju ríd ico s d a A d-m in is tr aç ão d a EAESP /FGV .R evisão técnica de C laude M achline, M aria Cecilia C.Arruda, N ilza V . M anso do Prado.

* R E S U M O : O te ma d a é tic a v em s en do r es ga ta do d a f ilo so fiap ela fr eq üê nc ia c om q ue jo ve ns e xe cu tiv os m an ife sta m a titu -d es e go ís ta s, em d etr im e nto d o in te re ss e p elo s o ut ro s. C om e sta

a titu de e go cê ntr ic a, a ca ba p or d esa pa re ce r o in te re ss e p el ap ró pria in stitu iç ão . P or s ua v ez , a s o rg an iza çõ es ta mb ém tê mfa lh ad o em a te nd er o i nt er es se do s i nd iv íd uos . O a utor ex-p ressa su a in qu ieta çã o fa ce a u m m un do o rien ta do p or va lo -r es e co nômic os e p ro põ e uma re no va çã o d a é tic a d as r ela çõ esn as o rg an iz aç õe s, fu nd ame nta da s ob re o d es en vo lv im en to d oq ue e le d en om in a é tic a in div id ua l a rtic ula dame nte c om a é ti-ca co le ti va.

* P A L A V R A S - C H A V E : É tic a n as o rg an iz aç õe s, é tic a in div i-d ual , é ti ca c o le ti va .

68 R e v is ta d e A d m in is tr a ç ã o d e E m p re s a s

* K E Y W O R D S : E thics in o rg an iza tion s, in divid ual eth ics,

co ll ec ti ve e thi cs .

* Texto publicado originalm ente sob o títu lo "Vers unen ou ve lle é th iq ue d es re la tio ns d an s le s o rg an is atio ns" , n o li-vr o L'individu dans l'organisation: les dimensions

oubliées, sob a coordenação de Jean-F rançois C hanlat.Q ue 'b ec e O ta wa , C an ad á, L es p re ss es d e l'U niv ers ité L av al/E ditions E SK A, 1990. (A lgum as frases que faziam m enção ao utro s ca pítu lo s d o livro fo ra m ex clu íd as, p ois fica va m fo rade con tex to .)

S ã o P a u lo , 3 2 ( 3 ): 6 8 -7 3 J u 1 . / A g o . 1 9 9 2

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A C A M IN H O D E U M A N O V A É T I C A . ..

Na É ti ca a N i cômaco, Aristóteles escreve:

"N o do mtnio da prá tica, o fim não consiste noestud o e no conh ecim ento pu ram en te teórico sd as d ife re nte s a çõ es m as, a nte s d e m ais n ad a, n asua execução . E m princip io, no que concerneigualmente à v irtu de , n ão é s ufic ie nte a pe na s

saber-seoq ue ela é,ma s d ev e- se e sfo rç ar ig ua l-m en te po r p ossuf-la e co locá-la em p rática ou ,

então, se houver outro m eio, por este tentartorn ar-se h om em d e bem ''. 1

Através desta proposição, o célebre fi-

lósofo grego colocava, há mais de 2000anos antes denós, não somente oproblema

das relações que a política - cuja finali-

dade éa ação - mantém comamoral,mas

também as relações que o bem individual

mantém comobemcoletivo. Estainvestida

de considerações de ordem ética no que

constitui a essência mesma da humanida-

de, a ação, éum fenômeno que seencontraem todas as épocas. Como o relembra EricWeil,2

"Todo em preendim ento hum ano, por m aisd es in te re ss ad o q ue s eja , e stá d e fa to s ubm etid oà qu estão d e sab er se é justifica do ou n ão, n e-c es sá rio , a dm is sfv el o u r ep re en sfv el, d e a co rd oco m os v alo re s r ec on he cid os o u em c on tr ad iç ãoc om e les , q uer d ize r, s e e le a ju da a re aliza çã o d oque é c on si de ra d o c omo d es ej áv el , à prevençãoou à e li min aç ão d aq uilo q ue é ju lg ad o m a u" .

Esta interrogação define o universo damoral. Ciência ou doutrina que determina

as regras de ação, esta última é indisso-

ciávelde toda atividade humana. Todas as

sociedades e todos os indivíduos vão se

habituando, em diferentes graus, a lidar

coma ética. A nossa, não faz, comcerteza,

excessão à regra.

Nomundo dasorganizações edagestão,

notadamente norte-americano, assiste-se,

aliás de uns anos para cá, a um retomo às

interrogações morais. Este crescimento da

ética, em um universo que até aqui não se

preocupava nem um pouco com ela, éatribuída adiferentes fatores: inicialmente,

aos inúmeros escândalos financeiros que

marcaram Wall Street, e à vida dos negó-

cios em geral; em segundo lugar, ao cres-

cimento de atitudes cada vez mais egoístas

nos jovens diplomandos, recémsaídos dos

programas de gestão; emterceiro lugar, às

conseqüências sócio-econômicas de certas

decisões especulativas; emquarto lugar, às

perturbações geradas pela técnica;e,enfim,

à uma baixa generalizada da consciência

profissional em diversos níveis da em-

presa.

Esta irrupção de uma disciplina, reser-

vada até então à filosofia, em um mundo

amplamente orientado por valores econô-

micos, mostra-nos que, tanto no plano co-letivo quanto no plano individual, não

podemos fazer economia de tais interro-

gações. É sobre esta dimensão amplamen-

teesquecida, a saber, a dimensão ética que

envolve as relações humanas, que eu gos-

taria de discorrer agora.

•••••••••••••••••••••••

A celebridad e repentin a efreq üentem ente efêm era esca nde avida daqueles que querem ser

b em -s uc ed id os. A s r ea liza çõ es d equalquer um se tornam m enos

im portantes que sua reputação ou apublicidade que se faz dela. N o

temp o d a so cie da de d o e sp etá cu lo ,onde o indivíduo deve vender um aim agem , alg um as pessoas pa rece

terem tendência a se m obilizar cadavez m ais por ela .

• ••••••••••••••••••••••

A vida nas organizações e mais comu-

mente as relações sociais que aí se tecem

repousam sobre valores. Estes valores,

implícitos ou explícitos vão definir as re-

gras deaçãoque inspirarão osjulgamentos

eascondutas. Nenhuma interação humana

escapa, de uma forma ou de outra, ao do-

mínio dessas regras, pois elas definem os

imperativos normativos de ação. Até o

presente momento, as regras que tiveram

curso nas relações, no seio das organiza-

ções, foram amplamente inspiradas em

valores econômicos. Esta" economização"das relações humanas sob o império de

uma ética utilitária não fez, jamais, justiça

à complexidade do comportamento hu-

mano. As relações humanas põem emjogo

regras que não são todas da ordem do

econômico. Todavia, sob a pressão do

econômico, vemos, infelizmente, surgirem

atitudes, maneiras de ser e de fazer que

inquietam numerosos observadores. Nós

partilhamos dessa inquietude. É a razão

C o p y rig h t © 1 9 9 2 , R e v is ta d e A d m i n is tr a çã o d e E m p re sa s / E A E SP / F G V , S ã o P a u lo , B r a s i l .

1 . A RIS TO TE , L ' é t h i q u e à

N i c o m a q u e . P a ris , U r in , 1 9 7 2 ,

p p . 5 2 2 - 2 3 .

2 . W E IL , E . " M o r a l e " . I n :

E n c y c l o p a e d i a U n i v e r s a l is , 1 5 . 1 9 8 9 ,

p p . 7 4 3 - 5 0 .

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singularidade. Em um universo onde,

como salienta C. Lasch, l ia auto-satisfaçãod ep en de d a a ce ita çã o e d a a pr ov aç ão p úb lic as ",é normal que "os homens não busquem aa pro va çã o d e s ua s a çõ es, m as d e s eu s a trib uto spessoaie"," A celebridade repentina e

freqüentemente efêmera escande a vidadestes e daqueles que querem ser bem-su-

cedidos. Asrealizações de qualquer um se

tomam menos importantes que sua repu-

tação ou a publicidade que se faz dela. No

tempo da sociedade do espetáculo, onde o

indivíduo deve vender uma imagem, al-

gumas pessoas parece terem tendência a se

mobilizar cada vez mais por ela.

Umdesvio narcisista como este seafas-

ta da preocupação antiga consigo próprio.

Ao invés de ser uma pessoa que tenta se

colocarcomo sujeito,quer dizer, umeuque

se define antes de mais nada por suasações, nosso Narciso moderno se curva e

sefechasobre simesmo e sua imagem pú-

blica.

3 . D U M O N T , L . E s s a i s s u r

/ ' I n d iv id u a l is m e : u n e p e r s p e c /i v e

a n /h r o p o lo g iq u e s u r / ' i d e o lo g ieh u m a i n e . P a r is , E d i t io ns d u S e uil ,

1 9 8 3 .

4 . B EN ED IC T , R . E c h a n / il lo n s d e

c i v i l i s a f f o n s . P a ri s, G a ll im a r d, 1 9 5 0.

5 . F O UC A U L T , M . H i s /o ir e d e l as e x u a l i t é . V o l. 4 : L e s o u c i d e s o i .P a ris , G a ll im a r d, 1 9 84 .

6 . D U MO N T , L . O p . c il .

7 . V e r p rin c ip a lm e n te o s t r a b alh os

d e : L A U R E N T , A . D e / ' i n d i v i d u a l i s m e :e n q u ê /e s u r I e r e / o u r d e / 'i n d i v i d u .P ar is , P .U .F ., 1 98 5; L AU R EN T , A .

L ' i n d i v i d u e / s e s e n n e m i s . P a r i s ,

H a ch e tt e , 1 98 7; V E RN A N T , J. P .

L ' i n d i v i d u , l a m o r t , / ' a m o u r : s o i · m ê m ee / / 'a u t re e n G r i l c e a n c i e n n e . P a r i s ,

G a ll im a r d, 1 9 8 9.

8 . V e r o e xc ele nte n úm e ro q ue M a ·g a z i n e L i ll é r a i r e c on sa gro u a e ste

a s s un to (E d w a ld e t a li i , 1 9 89 ).

9 . L A S C H , C . L e c o m p le x e d eN a r c is s e : l a n o u v e /l e s e n s ib i l i / éa m é r i c a i n e . P a ris , R o b er t L a flo n t,

1 9 8 1, p .9 0 .

70

pela qual fazemos um chamamento a uma

renovação, nos países ocidentais, e no-

tadamente na América do Norte, da ética

das relações nas organizações. Este novo

ethos deve fundamentar-se, ao mesmo

tempo, na individuação ena solidariedade

e inspirar as estruturas morais e nossosatos individuais e coletivos.

A É T IC A IN D IV ID U A L : U M T R íP L IC E IN T E R E S S E

No plano individual, toda ação em um

conjunto organizado deveria se assentar,

para tomar emprestada uma expressão de

Paul Ricoeur, num triplo interesse: o inte-

resse por si próprio, o interesse pelos ou-

tros, o interesse pela instituição.

o IN T E R E S S E P O R S I P R Ó P R IO

A civilização ocidental, a que pertence-

mos, foi marcada a partir da Antigüidade

por um desenvolvimento da sua própria

cultura. Esta cultura, que alguns qualifi-

caram de individualista' oudedionisíaca,'

está centrada no princípio do interesse por

si mesmo. A exemplo do filósofo grego

Epíteto, que declarava " qu e j ama is é muitocedo ou m uito tarde para se ocupar da própriaalma", "cuidar de si mesmo" passou a ser

um imperativo nas nossas sociedades. Esta

prescrição de ordem moral desembocou

em regras e práticas sociais. Fez emergirummodo deconhecimento e de erudições

de que o célebre aforismo de Sócrates

"Conhece-te a ti mesmo" permanece, tal-

vez, ainda a ilustração mais perfeita." Esta

cultura antiga de simesmo, estabelecendo

ovalor supremo no indivíduo, fez, em ra-

zão disso, emergir aquilo que Louis

Dumont chamou "o indivíduo nomundo"

e a ideologia que o fundamenta: o indivi-

dualismo." Embora este individualismo

ocidental tenha conhecido transformações

a partir dos primeiros pensadores da

Gréciaantiga",elepermenece, nãoobstanteàs mudanças, mais do que nunca no co-

ração da problemática de nossas socieda-

des contemporâneas,"

Hoje, a preocupação consigo mesmo

nãoseapóia mais, comoescreveu Foucault,

sobre "um trabalho de si m esm o para consigopróprio". Ao contrário, sob a influência da

imagem, vê-se surgir um indivíduo narci-

sista, para quem o mundo se toma um es-

pelho enão um lugar de afirmação de sua

•••••••••••••••••••••••

Preocupados com sua im agem ebem -estar pessoal, um grande númerod e n osso s c ontemp orâ neo s esq ue ce uque um a relação é, inicialm ente eantes de m ais nada, baseada na

reciprocidade. O q ue s ig nific a q ue ,obviam ente, tem os direitos, m as queta mb ém temo s o br ig aç õe s e d eve re s.

• ••••••••••••••••••••••

Nas organizações, reencontramos esta

espéciedeatitude junto aum certonúmero

depessoas, principalmente entre opessoal

administrativo e a direção. O mundo se

transforma em um reflexo deles mesmos.

As relações que eles desenvolvem com os

outros são impregnadas de frieza, desli-gamento e instrumentalidade. Tais atitu-

des têm muito em comum comas caracte-

rísticas dos universos tecnoburocráticos

onde a impessoalidade, o funcional e o

cálculoreinam comomestres. Não sepode,

então, ficar espantado com o sucesso que

podem fazer certos indivíduos muito nar-

cisistas emumtal ambiente. Elesestão "em

casa". Mas um tal comportamento tem um

custo social: o interesse por si próprio,

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A C A M IN H O D E U M A N O V A É T I C A

dando lugar ao egocentrismo, elimina o

interesse pelos outros.

o IN T E R E S S E P E L O S O U TR O S

oser humano é, por definição, um ani-

mal social. Como relembrava recentemen-te A. Etzioni, "o eu tem necessidade do n6spara ex is t ir " . Não obstante, oMe-ism, como

alguns o denominam na América do Nor-

te, toma um outro caminho. Osoutros não

são mais do que instrumentos para a rea-

lização de seus desejos pessoais.

A acreditar-se em um certo número de

observadores, esse tipo de atitude parece

particularmente dominante entre os estu-

dantes de administração, os jovens execu-

tivos recém-diplomados emesmo entre os

executivos mais velhos. Em um artigo

publicado recentemente, Etzioni'?expressasua perplexidade quanto ao fatode não ter

podido convencer uma classe de estudan-

tes de Mestrado em Administração de

Empresas que a vida é mais do que uma

questão de dinheiro, de poder, de celebri-

dade e de egocentrismo. Em uma obra,

igualmente recente, R. [ackall" assim con-

clui a pesquisa que fez com executivos de

empresas americanas:

"O ethos que os habita transform a os prin-cíp io s e m d iretiv as, a ética e m e tiq ue ta , o s v a-lo re s em p re fe rê nc ia s g u st ati va s, a r es po ns ab i-

lidade pessoa l em um a aptidão em relaçõesp úb lic as , e a v er da d e em c re di bil id a de ."

Enveredando por esse caminho, seus

engajamentos conduzem-nos a criar e a

recriar, acrescenta o autor, " uma s oc ie da d eonde a m oral se confunde com a busca da so-b re viv ên cia e d a v an ta ge m p es so al".

Esse crescimento egocentrista que nós

assistimos éum tanto inquietante, pois ele

vai de encontro ao desenvolvimento da

humanidade, colocando o interesse pelos

outros noúltimo plano das preocupações.

Com efeito, "no desenvolv im en to d a hum a-

nidade, assim com o no do indioiduo, lembraFreud, o am or se revelou o principal, senãom esm o o único fator de civ ilizaçã o, determ i-n an do a p ass ag em d o e go te mo a o a ltr uism o " .12

Outros exemplos atestam este egocen-

trismo: o respeito pelas pessoas mais ve-

lhas se perde, os rituais de polidez têm a

tendência a desaparecer, os direitos são

melhor conhecidos do que os deveres, a

solidão se difunde. Preocupados com sua

imagem e bem-estar pessoal, um grande

número de nossos contemporâneos es-

queceu que uma relação é, inicialmente e

antes de mais nada, baseada na reciproci-

dade. O que significa que, obviamente, te-

mos direitos, mas que também temos

obrigações e deveres. Semtal troca não há

relação social digna desse nome. É destarelação de reciprocidade que surgem, por

exemplo, a ética e os códigos de deonto-

logia profissionais."

•••••••••••••••••••••••

A s atitudes individuais não são,jamais , d is so ciá ve is d as a titu de s

co le ti va s. S e qu is ermos ,c on se qü en tem en te , p romov er

um a ética individual dar ec ip ro cid ad e, é p re cis o q ue os

c on ju nto s s oc ia is se v in cu lem ,ig ua lm ente , a os in div íd uo s.

•••••••••••••••••••••••

Se o respeito de si mesmo passa para

respeito do outro, para o reconhecimento

de sua palavra, de suas competências e de

sua originalidade, o respeito do outro

passa, igualmente, para o respeito de si

mesmo, quer dizer, de suas obrigações ede

seus deveres em relação aos outros que fa-

zem parte desta éticade simesmo. Emum

meio ambiente organizado, esse duplo in-teresse, consigo próprio e com os outros,

deve igualmente se conjugar com o inte-

resse pela instituição.

O IN T ER E S S E P E LA IN S T IT U iÇ Ã O

No Japão, "a d im en sã o in stitu cio na l (e s-c o la ou emp re sa ) , escreve Nakane, é a base daorgan ização soc ia l " .14 Nas nossas sociedades

ocidentais, as instituições não ocupam um

lugar tão central na vida do indivíduo. Se

os japoneses se definem, antes de mais

nada, por este vínculo que os une às suasinstituições, osocidentais, principalmente

osnorte-americanos, parecem fazer menos

uso deste tipo de identificação.

A razão, no nosso entender, édupla. Por

umlado, osocidentais sedefinem, antes de

mais nada, como indivíduos, por outro, as

instituições nas quais eles trabalham nem

sempre procuraram desenvolver o inte-

resse por elaspróprias. Como podemos, de

fato, desenvolver o interesse pela institui-

1 0 . E T Z I O N I , A . " M on ey , p o w e r a n d

f a m e " . N e w s w e e k , 1 8 , S e p . 1 O , 1 9 8 9 .

1 1. J AC K A L L , R . M o r a l m a z e s : l h e

w o r l d o f c o rp o r a le m a n a g e rs . N e w

Y o r k , O x f o r d U n i ve r si ty P r e s s, 1 9 8 8 ,

p . 2 0 4 .

12 . F R E U D , S . E s s a i s d e

p s y c h a n a l y s e . 91 é d . P a ris , P a yo t

( c o ll . " P r is m e s ') , 1 9 8 8 , p . I 2 9.

1 3 . O t er m o " de o n to lo g ia " v e m , a li-

á s , d o g re g o d é o n , q u e s ig n if ic a d e -

v e r .

1 4 . N A K A N E , C .. L a s o c ié léj a p o n a i s e . P a r is , C o I in , 1 9 7 4 , p .1 2 .

71

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A É T IC A C O L E T IV A : U M D U P L O IN T E R E S S E

1 5 . C o m e sta d is tin çã o , q u ere m o s

e v it a r a r e if ic a ç ã o q u e e s tá a s s o c ia -

d a à s a firm a çõ e s d o t ip o " a o rg an i-

z a ç ã o f a z i ss o ', " a o r g a ni z aç ã o p e n s a

q ue ', p ois é p re c is o te r s em p re e m

m e nte q ue s ão o s h om e ns e a s m u -

lh e re s q ue a s s im a g e m (e n ã o a s

c o n s tr u çõ e s a b s tr a ta s ). V e r E R A L Y ,

A . "D es u s a g e s s o c ia u x d e la

r é i f i c a t i o n ' , A c t e s d u C o / lo q u e , T r a v a il

el p r a t i q u e s / a n g a g ie r e s . Pa r i s ,

C N R S , 1 9 89 , p p . 37 9 -8 6 .

72

ção se a cultura que nos circunda faz a

apologia dosucesso individual, atémesmo

do narcisismo?

Para que haja um mínimo de consciên-

cia de que seé parte efetiva da instituição,

é preciso que haja um mínimo de vin-

culação. Pressionados pela ideologia da-quilo que osanglo-saxões denominam me,m yself, a nd I, numerosos contemporâneos,

fechando-se sobre simesmos, esqueceram

que eles trabalhavam em instituições, Éóbvio que esta atitude pode variar de uma

organização à outra, Muitos chegam, aliás,

a fomentar tal participação, tal interesse,

Mas esta vinculação cria raízes na relação

que a própria instituição, por intermédio

de seus dirigentes, desenvolveu com as

pessoas que dela fazem parte. O que nos

conduz à segunda razão.

•••••••••••••••••••••••

No momento em que nosso planetaestá am eaçado, em que o m eio

a mb ien te está cad a vez m ais d estru ídopor nossa ação devastadora, a

p re oc up aç ão e co ló gic a a pa re ce c omouma n ec es sid ad e im p erio sa .

•••••••••••••••••••••••

o indivíduo desenvolverá um vínculo

tanto mais forte comaorganização naqualele trabalha, seesta tentou fazer elaprópria

a mesma coisa. Dito de outro modo, o in-

teresse pela instituição, que se caracteriza

nos indivíduos pela lealdade, vinculação,

participação, trabalho bem feito, não pode

sedesenvolver sea instituição, elamesma,

não se interessar pelas pessoas_ Priori-

zando intensamente a mobilidade, o curto

prazo, a juventude, inúmeras empresas

contribuem para o enfraquecimento dos

vínculos que seu pessoal mantém comelas.

Como pode um indivíduo, realmente, de-

senvolver um sentimento de participação,de ter a empresa como própria, quando os

valores postos em destaque são, antes de

mais nada, econômicos e instrumentais?

O giro de mão-de-obra, o absenteísmo,

odesengajamento, asrespostas mecânicas,

o desinteresse são, freqüentemente, as

respostas a esta falta de consideração

institucional, o que conduz ao segundo

aspecto desta ética das relações: a dimen-

são coletiva.

As atitudes individuais não são, jamais,

dissociáveis das atitudes coletivas, Se

quisermos, conseqüentemente, promover

uma ética individual da reciprocidade, é

preciso que os conjuntos sociais se vincu-lem, igualmente, aos indivíduos. O desen-

volvimento não será possível a não ser que

as organizações, isto é, as pessoas que as

dirigem", tenham umduplo interesse:com

as pessoas e com a coletividade.

O IN T E R E S S E P E L A S P E S S O A S

Emnosso universo cultural, fortemente

marcado pela preocupação consigo pró-

prio, as organizações devem, constante-

mente, desenvolver o interesse pelas pes-soas que elas empregam_ O interesse

institucional em relação às pessoas deve

se fundamentar no reconhecimento dos

direitos individuais enum certonúmero de

deveres e de obrigações a serem cumpri-

dos.

Nos nossos dias, estamos, de fato, cada

vez mais sensíveis aos direitos da pessoa_

Esta sensibilidade deve sematerializar, ao

nível das organizações, por um respeito à

idade, ao sexo, à origem étnica, às experi-

ências, à formação e à vida privada. O in-

teresse institucional será tanto mais realquanto mais ele vier acompanhado de

obrigações. Estas terão por objetivo mos-

trar que o discurso sobre o respeito dos

direitos de cada um não são palavras fal-

sas. Elas devem girar em tomo de alguns

imperativos: de manter a estabilidade do

emprego; de assegurar boas condições de

trabalho; conferir eqüidade; escutar e di-

alogar; e partilhar o fruto do trabalho e as

responsabilidades.

Será apenas através da instauração de

tais objetivosque asinstituições estarão em

condições de, não somente ser um ambi-ente onde os indivíduos poderão dar pro-

va de autonomia e imaginação, mas, tam-

bém, desenvolver o senso de participação

integral consciente queelas procuram, sem

jamais obter osmeios de concretizá-lo.

O IN T E R E S S E P E LA C O L E T IV ID A D E

Uma organização, qualquer que sejaseu

tipo (empresa, escola, sindicato, coopera-

7/21/2019 Caminho de uma nova etica das relações nas organizações

http://slidepdf.com/reader/full/caminho-de-uma-nova-etica-das-relacoes-nas-organizacoes 6/6

A C A M IN H O D E U M A N O V A É T I C A . . .

tiva etc.), está estreitamente ligada a seumeio ambiente. Este meio ambiente podeser mais ou menos extenso, diversificadoou estranho. A relação que a organizaçãovai estabelecer com ele determinará, emlarga medida, aquela que o meio manterá

com ela.Por exemplo, uma empresa que nãorespeite o sistema de vida ou o contextosócio-cultural corre o risco de atrair pro-blemas. Basta lembrar o que a UnionCarbide representa para os indianos deBhopal! A preocupação com a coletividadedeve marcar o comportamento das orga-nizações. Se não o fizerem terão que res-ponder mais cedo ou mais tarde por suasações diante da sociedade. Quando certasempresas especulam, evitam impostos,vendem filiais por razões estritamente fi-

nanceiras, poluem, fabricam produtos pe-rigosos para a sociedade, mostram que nãotêm nenhuma preocupação com o meio noqual se inserem. Em contrapartida, quan-do fazem tudo para proteger o meio ambi-ente, investem, pesquisam, criam empre-gos a longo prazo, apóiam a coletividadeem seus esforços de solidariedade e depromoção da cultura, mostram que redis-tribuem, em certa medida, o que a socie-dade lhes deu.

Esta reciprocidade entre o meio e a or-ganização não se refere unicamente às

empresas. Diz respeito, igualmente, àsinstituições educativas, artísticas, sindicais,políticas, e outras. O interesse pela coleti-vidade e pelo seu bem-estar deve ser umapreocupação de todas as organizações quea constituem. Infelizmente sabemos que,aqui como em outros lugares, isto estálonge de ser sempre o caso. O corpora-tivismo, a diminuição de responsabilidade,a sindicracia ameaçam igualmente a vidasocial. Eles são, no nível coletivo, o que oegocentrismo é no nível individual. Taisatitudes contribuem para a desarticulação

do tecido social. No momento em que cer-tas análises tendem a mostrar que nossassociedades se dividem em muitos seg-mentos sociais cada vez mais afastadosuns dos outros", a preocupação pela cole-tividade deve se tornar um imperativopara todos os grupos sociais.

Por outro lado, uma obrigação desseporte nos conduz de volta às nossas pró-prias responsabilidades e àquilo queDostoíevsky, no século passado, havia tão

bem resumido em sua célebre frase: "Nósso mo s re sp on sá ve is p or tu do d ia nte d e to do s".

Às diferentes preocupações que jámencionamos é preciso, finalmente,acrescentar uma última: a ecologia. Nomomento em que nosso planeta está

ameaçado, em que o meio ambiente estácada vez mais destruído por nossa açãodevastadora, a preocupação ecológicaaparece como uma necessidade imperiosa.Após ter desejado dela se desvencilhar, oser humano redescobre, com espanto, queele está indissoluvelmente ligado à natu-reza e que os tratamentos a que ele a sub-mete são a própria imagem das relaçõesque ele mantém com seus semelhantes.Sem uma ética apropriada, estamos poiscondenados a um desfecho mais ou menosbreve. Uma renovação da ética das relações

se nos impõe. Se " a p r eo cupa ção , como es-creve Schmid, é op rin cíp io d o g ov er no d a v id ad o in div id uo ( .. .), e a a titu de g era l em rela çã o asi próprio , aos outros e ao m undo, engendraum a estética ,form as de atenção,um a ética es is tema s d e compor tamen to ''" , então é umanova arte de viver que devemos inventar.Fundamentada ao nível individual nestetríplice respeito, por si mesmo, pelos ou-tros e pelas instituições, e ao nível coletivonum duplo interesse pelas pessoas e pelacoletividade, tal arte de viver só é possí-vel pela instituição do diálogo. Este diálo-

go é considerado pelo grande poeta mexi-cano, Octávio Paz, como uma das formas,talvez a mais nobre, da "simpatia cósmi-ca" .18

A despeito das infelicidades, a históriaé, apesar de tudo, um diálogo, diz igual-mente Hõlderlin, que permitiu aos sereshumanos escutarem uns aos outros. Possaesse diálogo se instaurar, pois ele é a únicasegurança dessa nova ética da indivi-duação e da solidariedade pela qual cla-mamos com nossos anceios. Neste mo-mento, surgirá nova estética que permitirá

ao ser humano fazer de sua vida uma obrade arte, segundo a bela expressão de M.Foucault, e também permitirá às nossasorganizações deixar desabrochar a poesia,o imaginário e a criatividade humana, paraestarem, daqui para a frente, no centro dadinâmica social. Este imperativo de natu-reza cultural é sempre mais necessário,pois é a cultura e não a economia que defi-ne a alma humana. Que nossas sociedadese organizações jamais esqueçam isso. O

1 6. G O R Z , A . M e t a m o rp h o se s d u

t r a va il , q u ê te d u s e n s , c ri t i q u e d e la

r a i s o n é c o n o m iq u e . P a r is , G a l il é e ,

1 9 8 8 .

1 7. S C H M I D , W . " Fo uc a ult : la f or m e

d e I ' i n d iv i d u ' . M a g a z in e l i t té r a i r e , 2 6 4 ,

a b r o 1 9 8 9 , p p .5 4 - 6 .

1 8. P A Z, O . U n e p l a n e t e e t q u a t r e o u

c in q m o n d e s : r é f le x io n s s u r / ' h is to ir e

o o n t e m p o r a i n e . P a r i s , G a l l im a r d ( c o l l.

' Fo lio le s sa is '; 2 0 ), 1 9 85 , p .2 4 9 .

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