BRANCOS X NEGROS - ANPUH · Estas freguesias estão destacadas, bem como o município e a comarca...

6
BRANCOS X NEGROS: COLONIZAÇÃO HELVÉTICA E QUILOMBOS NO RIO DE JANEIRO DO SÉCULO XIX Renata Azevedo Lima * Abstract This comunication purpose to debate the ocupation in Freguesias São João Batista and Freguesia Sacra Família, Macaé municipality, in maroon grounds. Beginning the politic imigration opening from Portuguese Crown, study the transportation of swiss colonist to Nova Friburgo for Casimiro de Abreu municipality present. This work contemplate, first, the study of slave resistance in this place, recuperating the social conflict like a structure of the slavish and colonial society. Using the Relation of Presidents of Rio de Janeiro Province and the correspondence of swiss colonist, of 1822 e 1823, is possible to discover caracteristics of the communities fo fugitive Black people and to reconstruct the processes culminate with the destruction. Key words: maroons, slave resistance, swiss colonist A atuação do braço negro na economia do Brasil colônia e império foi fundamental na dinâmica daquela sociedade. Em diversas obras públicas e privadas, trabalharam escravos homens e mulheres, vindos da costa oeste africana e também da região onde atualmente é Moçambique. Durante os 350 anos de escravidão brasileira, estima-se que foram trazidos cerca de 4 milhões de cativos, num total de aproximadamente 10 milhões de africanos que, durante 4 séculos (CURTIN, 1969: 268), abandonaram compulsoriamente suas terras de origem para embarcarem em viagens transatlânticas cujos destinos desconheciam. A fonte * Historiadora da Fundação Cultural Casimiro de Abreu/Prefeitura Municipal de Casimiro de Abreu; mestranda de Arqueologia do Museu Nacional/UFRJ.

Transcript of BRANCOS X NEGROS - ANPUH · Estas freguesias estão destacadas, bem como o município e a comarca...

BRANCOS X NEGROS:

COLONIZAÇÃO HELVÉTICA E QUILOMBOS NO RIO DE JANEIRO DO SÉCULO XIX

Renata Azevedo Lima*

Abstract

This comunication purpose to debate the ocupation in Freguesias São João Batista

and Freguesia Sacra Família, Macaé municipality, in maroon grounds. Beginning the politic

imigration opening from Portuguese Crown, study the transportation of swiss colonist to

Nova Friburgo for Casimiro de Abreu municipality present.

This work contemplate, first, the study of slave resistance in this place, recuperating

the social conflict like a structure of the slavish and colonial society.

Using the Relation of Presidents of Rio de Janeiro Province and the correspondence of

swiss colonist, of 1822 e 1823, is possible to discover caracteristics of the communities fo

fugitive Black people and to reconstruct the processes culminate with the destruction.

Key words: maroons, slave resistance, swiss colonist

A atuação do braço negro na economia do Brasil colônia e império foi fundamental na

dinâmica daquela sociedade. Em diversas obras públicas e privadas, trabalharam escravos

homens e mulheres, vindos da costa oeste africana e também da região onde atualmente é

Moçambique. Durante os 350 anos de escravidão brasileira, estima-se que foram trazidos

cerca de 4 milhões de cativos, num total de aproximadamente 10 milhões de africanos que,

durante 4 séculos (CURTIN, 1969: 268), abandonaram compulsoriamente suas terras de

origem para embarcarem em viagens transatlânticas cujos destinos desconheciam. A fonte

* Historiadora da Fundação Cultural Casimiro de Abreu/Prefeitura Municipal de Casimiro de Abreu; mestranda de Arqueologia do Museu Nacional/UFRJ.

que forneceu estes dados afirma que o Brasil foi seu principal local de desembarque, para

onde veio o maior número de cativos. Em segundo lugar, o Caribe britânico, recebeu um

pouco menos de 2 milhões de africanos.

No início do século XIX, entretanto, chegou ao Brasil um outro tipo de mão-de-obra.

Teve início uma tímida política de imigração européia, incentivada pela Coroa Portuguesa.

Alguns países da Europa, muito afetados pelas guerras napoleônicas, passaram por graves

crises econômicas, que conduziram muitos camponeses à miséria. A moradia nas terras férteis

brasileiras, tendo no plantio de café uma esperança de prosperidade, atraiu dezenas de

famílias de suíços que, chegando ao Brasil, ao contrário dos africanos, eram trabalhadores

livres.

Censos populacionais deste século oferecem parâmetros gerais sobre a demografia

fluminense. Para esta pesquisa, foram considerados os censos que estão contidos nos

Relatórios de Presidente de Província do Rio de Janeiro. Eles vêm divididos primeiramente

em grandes grupos de livres e cativos. Depois, as divisões são por cor e sexo,

respectivamente.

O censo abaixo é de 1840. Na primeira coluna estão as comarcas, na segunda os

municípios e na terceira as freguesias. A partir de dados conferidos pelo Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística (BRASIL, 1959: 241), identificam-se as freguesias de São João

Baptista e da Sacra Família como correspondentes ao atual município de Casimiro de Abreu.

Estas freguesias estão destacadas, bem como o município e a comarca correspondentes a elas.

Como se pode verificar, os cativos são mais de 50% da população em ambas as freguesias.

A resistência escrava ao cativeiro era uma característica estrutural da sociedade

escravista colonial brasileira. Numa região onde mais da metade da população era escrava,

houve diversas modalidades de resistência que, entretanto, eram tratadas como crime, uma

vez que o escravo era parte do capital do senhor, sua propriedade. As ordenações Filipinas,

que vigoraram em Portugal e no Brasil, definiam o rigor das penas aos escravos resistentes e

àqueles que fossem seus cúmplices.

Esta estrutura de opressão ao negro foi reforçada no século XIX por estudos que se

pretendiam científicos visando provar a superioridade branca em relação aos negros e

amarelos. Neste intento, nasceu a então chamada antropologia física. O historiador Thomas

Skidmore investigou a influência deste ideário racista, gestado na Europa, na formação

intelectual das classes dominantes brasileiras e no projeto de construção da nação brasileira.

O incentivo à imigração européia, realizado pela Coroa Portuguesa, se inseria na crença de

que estes trabalhadores, mais bem dotados intelectualmente, trariam consigo o progresso ao

Brasil, cujo desenvolvimento retardado se devia à maciça presença negra.

Na década de 1820, na região serrana do Rio de Janeiro, onde hoje estão situados os

municípios de Casimiro de Abreu e Nova Friburgo, foram redigidas correspondências que

registraram a existência de quilombos e encontros entre quilombolas e colonos suíços.

Estas cartas, produzidas por colonos suíços, juntamente com os censos populacionais,

forneceram indícios para a compreensão de uma ocorrência curiosa no município de Casimiro

de Abreu: a existência de uma localidade, na região serrana, chamada Quilombo, onde só

residem descendentes de colonos suíços, nem sequer um negro.

Em suas correspondências os suíços se responsabilizaram pela destruição de

quilombos; prisão de quilombolas; apropriação de terras quilombolas, algumas já com

plantação agrícola; e relataram uma expedição de portugueses a um quilombo recentemente

abandonado, do qual voltaram com um pacote.

Em uma destas fontes, da autoria um suíço agricultor, Antoine Cretton, quilombo foi

definido como “um esconderijo de negros fugidos que, para escaparem da crueldade dos

portugueses, vão viver juntos em montanhas quase inacessíveis” (FRIBOURG, 1924: 195).

Cretton escreveu para um conterrâneo convidando-o para vir para o Brasil, por serem boas as

possibilidades de enriquecimento, e relatou uma expedição de suíços por mata fechada à

procura de terras férteis. Ao cabo de oito dias de marcha, depararam com um quilombo. Ele

descreveu o tipo de armadilha que os quilombolas faziam em todos os caminhos de acesso ao

seu refúgio: buracos do tamanho de um homem, cheios de estacas pontiagudas e cobertos por

folhas que os disfarçavam. Lamentou que seu genro tivesse caído num destes e ficado com a

perna atravessada por uma das estacas. Em seguida, relatou a ocorrência do encontro entre

suíços, que saíram em caravana de dezesseis pessoas, e os quilombolas, oito negros, estes a

postos com flechas estiradas.

A fonte forneceu informações importantes sobre os recursos de defesa utilizados pelos

quilombolas, notadamente as armadilhas de proteção da região, que visavam a impedir a

chegada de inimigos por serem camufladas e de difícil percepção para estranhos. Além disso,

tratou de um tipo de arma utilizada contra invasores: as flechas. Estas foram também

mencionadas em outra correspondência. O relato mostrou a capacidade dos quilombolas de

identificarem os inimigos à distância por terem, já em sua primeira aparição aos suíços,

estirado flechas direcionadas a eles. A localização do quilombo, difícil acesso, dentro da mata

fechada, também ofereceu características importantes sobre seus mecanismos de defesa.

Prosseguindo em seu relato, Cretton narrou o retorno da expedição de suíços a sua

colônia, avisando à autoridade de lá o quilombo encontrado. Esta retornou àquele local de

refúgio, tendo a ação terminado com a prisão de 18 homens e mulheres quilombolas. Ele

também relatou o prêmio que recebeu como delator: uma légua de terra onde melhor lhe

conveio, tendo escolhido aquela plantada com banana, batata-doce, cana-de-açúcar e café.

Neste trecho da carta, obtemos informações sobre os tipos de gêneros agrícolas

cultivados no quilombo, denotando o caráter diversificado de sua economia, distinta da

monocultura agro-exportadora, própria da sociedade escravista colonial.

Diante da escassez de fontes documentais produzidas pelos quilombolas, o relato

daqueles que atuaram em sua perseguição ofereceram informações válidas para a

caracterização deste tipo de organização de resistência escrava. Os colonos suíços, recém

chegados em terras brasileiras na região serrana do Rio de Janeiro, se instalaram em terras

quilombolas e atuaram na repressão e combate a quilombos.

Entretanto, a existência de uma localidade denominada Quilombo em Casimiro de

Abreu do século XXI, com cerca de mil metros de altitude e difícil acesso, mostra que a luta

dos negros pela liberdade deixou marcas que perduram na história contemporânea.

BIBLIOGRAFIA

Obras:

BRASIL. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro: s.e., 1959.

CRETTON, Antoine. Une lettre de la Nouvelle Friboug (1823). In Annales Fribourgeoises,

1924, pp. 195-196. (Tradução de Marcelo Lima).

CURTIN, Philip D. The Atlantic Slave Trade: A Census. Madison, Wisconsin University

Press, 1969, p. 268 IN FRAGOSO, João e FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como

projeto: mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil em uma economia colonial

tardia: Rio de Janeiro, c.1790-c.1840. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 36.

LIMA, Renata Azevedo. Quilombo : a resistência escrava no Rio de Janeiro do século XIX.

Niterói : Monografia de graduação em História da UFF, 2007.

SKIDMORE, Thomas Eliot. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento

brasileiro. Paz e Terra, 1976.

Sites:

http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l5p1212.htm, acessado em 16 de junho de 2010.

(Ordenações Filipinas)