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Genis experfe rfer Repelenis molorehent, ommo ommo bear- um haritat volore nim custiis nihilit facest, et magnient vidipsum voluptae niani. Vidas Nove histórias resgatadas a partir de nomes gravados em lápides de cemitérios de Porto Alegre Jornal da Faculdade de Jornalismo ESPM-Sul Edição 1 Porto Alegre Dezembro 2011 Venda Proibida ESPM-Sul

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Jornal da Faculdade de Jornalismo da ESPM-Sul

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Genis experfe rferRepelenis molorehent, ommo ommo bear-

um haritat volore nim custiis nihilit facest, et magnient vidipsum voluptae niani.

VidasNove histórias resgatadas

a partir de nomes gravados em lápides de cemitérios

de Porto Alegre

Jornal da Faculdade de Jornalismo ESPM-Sul

Edição 1 Porto Alegre

Dezembro 2011Venda Proibida

ESPM-Sul

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JORNAL BLOG DE PAPEL é uma publicação semestral dos alunos do curso de Jornalismo ESPM-Sul na disciplina de Oficina de Redação I. DIREÇÃO DA FACULDADE DE JORNALISMO: Profa Dra Janine M. P. Lucht. Equipe da Edição Nº 1 (Agosto/Dezembro de 2011): Textos: Desirée de Barros Ferreira, Douglas Ratzlaff Bernardt, Caroline Araujo Pinheiro da Costa, Thaís Fontoura Drumond Costa, Matheus Velazquez Mello, Marcelo Bernardes Farina, Renata Narciso de Medeiros, Tatiana Reckziegel Rodrigues, Luiz Guilherme Alves Alberto. Coordenação de Conteúdo: Professora Me Patrícia Specht. Design Editorial: Eduardo Diniz, Luiza Santana, Jéssica Weimar, Cassio Menezes. Coordenação do Design Editorial e Produção Gráfica: Prof. Me Maurício Furlanetto. Fotos: Desirée Ferreira. Criação do nome do Jornal Blog de Papel desenvolvido por Micaela Ferreira e Richard Koubik e projeto gráfico por Eduardo Diniz e Marcos Mariante. Nossos contatos online: www.blogdepapel.blogspot.com - email: [email protected] ESPM – Sul – Rua Guilherme Schell, 350 e 268 - Santo Antônio - Porto Alegre - RS, 90640-040 - (0xx)51 3218-1300. Impressão: Ideograf - Tiragem: 2.000 exemplares.

EXPEDIENTE

Guilherme foi ao Museu da Comunicação em busca de filmes de Salomão Scliar. E encontrou.

Luiz Guilherme Alves Alberto

A vida de Marcelo Kripka foi recontada, também, do gramado do Beira-Rio

Renata Narciso de Medeiros

Uma lápide com inscrições sobre um assassinato fizeram Tatiana voltar ao inverno de 1915 para lembrar da morte de Josino Chaves

Tatiana Reckziegel Rodrigues,

A foto ao lado foi tirada por Clarice Vedana, a principal fonte de Marcelo na matéria sobre o instrumentista Hardy Vedana

Marcelo Bernardes Farina

Descobrir mais sobre a própria história motivou Matheus a desvendar a vida do avô Osman

Matheus Velazquez Mello

O personagem retratado por Douglas vivia em alta velocidade

Douglas Ratzlaff Bernardt

Caroline descobriu em Ilse Bing uma mulher muito afetuosa com os filhos

Caroline Pinheiro

A pequena que ama fotografar se apaixonou pela história de José Gerbase

Desirée Ferreira

O túmulo escolhido por Thaís estava vazio, e ela teve o privilégio de entrevistar Casemiro Scepaniuk, seu dono

Thais FontouraDrumond Costa

Se toda vida vale uma história, há bons enredos dando sopa em qualquer esquina. E eles seriam ótimos começos. Só que seriam começos fáceis

demais. Em especial para uma turma intrigada com um vizinho silencioso da ESPM: o maior complexo de cemitérios de Porto Alegre. Centenas de histórias repousam ali, do outro lado da rua, e essa foi nossa motivação. Cada aluno escolheu uma lápide, ao acaso ou atraído por algum detalhe (Thaís encontrou uma estátua com um paraquedista e um cachorro, Guilherme achou que Scliar era um bom nome a ser pesquisado e Tatiana estranhou a homenagem esculpida no túmulo de um jovem estudante). Escolhido o ponto final, nosso desafio era recontar o início e o meio. O jeito de uma vida. E isso veio das formas mais diversas: a internet e o Facebook davam pistas, indicavam nomes relacionados, amigos, museus, anos, registros. Tudo era válido. Inclusive quando Thaís descobriu que o dono do túmulo do paraquedista estava vivo! Ela chegou a pensar em desistir, achar outra lápide, começar do zero. Até ela ligar para Casemiro, marcar uma visita e saber que ele só quer terminar a vida em paz, e construir um túmulo lindo para ele e para Ruth, a companheira de sempre. Não tinha mais volta. Assim como não tem mais jeito de voltar a ser igual depois do desafio de reportagem que culminou nestes nove textos, obituários tardios, que você irá ler neste jornal. E o melhor de tudo: sentir pena de não ter conhecido essas pessoas em vida. Com exceção, é claro, do Casemiro e da Ruth que, até o fechamento desta edição, continuavam com excelente saúde.

Professora Me. Patrícia Specht

SENTIDO INVERSO

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BOM EXEMPLO

Difícil recordar a porto-alegrense Ilse Lucia Bing Reis sem evocar a sua fé e sua dedicação à igreja

e ao ensino. E sem lembrar de sua bele-za clássica quando jovem, época em que casou com Régis Ávila Reis, seu mari-do e pai de seus três filhos. Um deles, Ricardo Bing Reis, é quem conta que o pai ainda se recupera da morte de Ilse, ocorrida em 2010 após 13 anos de luta contra doenças. Ricardo aconselhou que ele deveria ser poupado de pergun-tas, o que provavelmente aumentaria a sua dor. E a saudade da companheira de 50 anos.

O tema da morte nem sempre é tratado com pesar. Jorge Amado bebeu do realismo fantástico para escrever uma novela sobre um sujeito que cansa da vida comum e se torna o “senador das gafieiras”, o “patriarca da zona do baixo meretrício”. Quando Joaquim Soares da Cunha morre, depois de ter fugido de uma vida maçante como cidadão irrepreensível, ele se torna Quincas, o “Rei dos vagabundos da Bahia”. Para a família, essa foi sua morte moral. Mesmo assim, decidem que merece um velório decente para ser lembrado como um “sujeito de bem”. O “paizinho” daquela gente das ruas, porém, parece ganhar vida novamente. Seus amigos beberrões acabam levando o defunto para uma noite de farra. Sua última morte só se dá quando resolvem ir ao mar comemorar seu aniversário. Uma grande onda leva Quincas, que ficou na tempestade “envolto num lençol de ondas e espuma, por sua própria vontade”.

Charles Dickens escreveu o clássico conto de natal, que narra a história de Ebenezer Scrooge, um homem avarento que não gosta de celebrar a data. Preocupado apenas em juntar dinheiro, trabalha em um escritório ao lado de seu empregado Bob Crachit, que tem um filho com dificuldades para andar.

Na véspera de Natal, Scrooge é visitado por três fantasmas, dos Natais passado, presente e futuro, que relembram como foi sua vida. O primeiro espírito mostra o tempo em que o velho ainda gostava da data e não era uma pessoa amarga. O segundo, um alegre fantasma lhe apresenta as comemorações natalinas, inclusive de seu humilde empregado. Por fim, o terceiro, sem dizer uma palavra, apenas aponta para uma lápide e mostra a morte para Scrooge, sem amigos, de forma solitária. Após a visita dos três espíritos, Ebenezer acorda mudado. Encontra espaço para a alegria em sua vida e, generoso, passa a conviver com as pessoas, inclusive ajudando Bob e o pequeno Tim. A história encanta gerações mundo afora e demonstra a possibilidade que todos têm para rever sua vida e tomar uma nova postura.

Durante toda a sua vida, a terceira dos seis filhos de Otília Friedrich e Pau-lo Bing, Ilse dedicou-se à comunidade onde morava, a Auxiliadora, e ao cristia-nismo. Trabalhou na Igreja Auxiliadora como Ministra Extraordinária da Sagra-da Sacristia, catequista, e, também, na Pastoral do Batismo e na Oficina de Ora-ção e Vida. É da convivência na igreja que lembra o Padre Máximo, afastado da paróquia depois de décadas de trabalho:

– Ilse me ajudou por mais de 30 anos. Foi um exemplo de generosidade que eu não esquecerei nunca.

A educação dos filhos era prioridade

Caroline Pinheiro

Luiz Guilherme Alves

O “defunto-autor” da história escrita pelo bruxo do Cosme Velho inicia sua autobiografia com uma dedicatória “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico com saudosa lembrança estas memórias póstumas”. Machado de Assis critica a sociedade carioca de seu tempo com ironia e sarcasmo. A vida de Brás Cubas é contada em primeira pessoa, seus amores, sucessos e fracassos. O narrador comenta sua própria história e, valendo-se da prerrogativa de estar morto, critica tudo e todos. Considerado um dos primeiros romances universais escritos no Brasil, tendo em vista a temática e a forma como o livro é escrito, Memórias Póstumas trata a morte de um outro ponto de vista, do de alguém que resolve olhar para trás e recapitular, de forma crítica, sua própria vida.

para ela. Ricardo lembra que quando es-tava na primeira série, teve uma crise de asma e precisou ter aulas em casa com a mãe:

– Ela foi minha primeira professora.Os três filhos fizeram faculdade e se

formaram na UFRGS. O mais velho se formou em Direito em 1984; o filho do meio em Medicina em 1986; e o filho mais novo é engenheiro elétrico, diplo-mado também em 1986.

Dez anos após a formatura de dois dos filhos, aos 60 anos, Ilse recebeu a notícia que mudaria sua vida. Foi quando Ricar-do, seu filho médico, percebeu algo es-tranho na fisionomia da mãe:

– Achei o abdômen dela um pouco abaloado, e fiquei preocupado. Fizemos uma tomografia. Foi diagnosticado um tumor no abdômen do tamanho de duas bolas de tênis. Tratava-se de um Linfo-ma Não-Hodgkin, um tipo de linfoma que se manifesta no corpo do abdômen para baixo.

Entre cirurgia e sessões de quimiote-rapia, foram cinco anos para que o linfo-ma desaparecesse. Anos depois, na casa da família na praia de Atlântida, contraiu outra complicação:

– Nossa casa estava com muito mofo e umidade, ela deve ter respirado mui-to aquilo e contraiu uma pneumonia por fungo, o que fez com que em menos de 24 horas ela estivesse na UTI do Hospi-tal de Clínicas – contou Ricardo.

Um prognóstico preocupante para

Dedicada aos três filhos e ao Bairro Auxiliadora, na Capital, a professora e catequista morreu em 2010 depois de lutar mais de uma década contra doenças

quem ainda estava com a imunidade baixa e recuperando-se de um linfoma. Suas chances eram mínimas, mas, por incrível que pareça, no dia seguinte o raio-x do pulmão demonstrava 50% de melhora. Em 48 horas, estava normal e, em três dias, ela saiu da UTI.

– Uma coisa inacreditável, os médicos até hoje não entendem como ela se recu-perou – lembra Ricardo que, por acom-panhar o tratamento da mãe, começou a estudar o assunto, e desenvolveu um site que aborda o sofrimento humano e a morte.

Sete anos depois, em um check-up anual, um novo linfoma – diferente do anterior – foi identificado. Gânglios es-tavam espalhados pela axila, pescoço, tórax e abdômen. Era um tipo de tu-mor que reduzia com a quimioterapia, porém, voltava depois de um tempo. Logo na segunda sessão, seu coração já apresentou insuficiência. Foi então que aquela mulher forte e com fé, como lem-bram as amigas da Paróquia da Igreja Auxiliadora, Neli Terezinha e Mercedes Bolognesi, teve um infarto. Quatro dias depois, no hospital, sofreu a segunda pa-rada cardíaca, o que tornou seu estado de saúde irreversível, segundo Ricardo:

– Fiz questão de ficar com ela porque sabia que ali eu estaria próximo, em seus últimos momentos de vida. É muito tris-te para um filho ver as pulsações da mãe irem ficando cada vez mais lentas até pa-rarem totalmente.

O QUE LER

ALEGRIA DE MORRERA morte e a morte de Quincas Berro d’Água Autor: Jorge Amado

DEFUNTO-AUTORMemórias Póstumas de Brás CubasAutor: Machado de Assis

O ADEUS A AVAREZAUm Conto de NatalAutor: Charles Dickens

Ilse (de azul), durante cerimônia de casamento do filho Ricardo

ARQUIVO PESSOAL

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Marcelo Kripka, TUDO PELO FUTEBOL

Renata de Medeiros

Uma trajetória dedicada ao Internacional que terminou, em outubro de 2011, na Rampa 3 do Beira-Rio

Luiz Guilherme Alves

O QUE VERVIDA E MORTE EM JOGOO Sétimo SeloDireção: Ingmar Bergman

Refletir sobre a vida e a morte. Muitas obras tentam, poucas conseguem. O diretor sueco Ingmar Bergman aborda o tema com profundidade. No filme, um cavaleiro retorna das cruzadas e se depara com a morte personificada que-rendo levá-lo. Ele propõe um jogo de xadrez, cujo resultado decidirá se ele irá ou não. Contudo, a película não se encerra nisso. O cavaleiro passa a pensar sobre a existência de Deus e o significado da vida, e discute isso com a morte. O jogo é uma forma de achar sentido em uma existência desiludida pela vio-lência que presenciou. Em paralelo, acompanha-se a viagem de uma trupe de artistas itinerantes, que apesar de muito humildes, enxergam alegria nas coisas simples. A vida e a morte são postas frente a frente nesse filme. As discussões filosóficas que traz permitem refletir sobre a simplicidade que as permeia.

O Internacional perdeu uma parte de si. Em 9 de outubro de 2011, um ataque cardíaco tirou a vida,

instantaneamente, do torcedor mais apai-xonado do clube. Sua morte ocorreu no momento em que subia a Rampa 3 da sua segunda casa: o Gigante. Era dia de jogo. O Inter já estava em campo contra o Vasco.

Marcelo Kripka era sinônimo de co-lorado. Presente em todos os jogos, co-mandava a torcida Força Colorada In-dependente, a FICO, desde 1979. Era conhecido pelo respeito que impunha aos torcedores, tanto dentro quanto fora do Beira-Rio.

– Quando eu podia viajar com o Inter, ia sempre com a FICO. O Marcelo era um disciplinador. E amigo – relatou Marisa Andrade, que acompanha, há décadas, a torcida mais antiga do clube.

Com a irmã Silvia Kripka, o sentimen-to conseguia ser ainda mais intenso:

– Ele foi meu filho, meu irmão e minha caixinha de segredos. Conversávamos

sobre tudo.Terceiro filho de quatro irmãos, Mar-

celo foi o mais bajulado. Principalmente por Silvia, a única menina da casa. Aos onze anos, já com vontade de ser mãe, era ela quem cuidava dele. Além de pro-teger, ela também era protegida: ao sair para namorar, por exemplo, o irmão ia junto, sempre.

Quando criança, ao contrário do que acontece com a maioria dos meninos, ele sequer se interessava em jogar bola. A paixão de Kripka pelo futebol foi desper-tada aos cinco anos, quando foi levado pela primeira vez ao estádio do Interna-cional.

Sua devoção ao colorado não atrapa-lhava os estudos e, mesmo não dando prioridade à escola, suas notas no Colé-gio Israelita eram excelentes. Logo que terminou o Segundo Grau, fez um ano de curso pré-vestibular e foi aprovado em dois cursos: Administração de Empresas, na UFRGS, e Engenharia, na PUC. Po-rém, naquele momento, seu time passou

a influenciar de maneira mais direta sua vida de estudante.

– Essa cadeira eu não posso fazer, mana. É no dia do jogo do Inter – argu-mentava o jovem à irmã.

No início, chegou a cursar as duas faculdades simultaneamente. Dois anos depois, porém, largou a Engenharia em função dos compromissos envolvendo o clube. Sua profissão, a partir dai, seria vender produtos do time, como bonés, camisetas e bandeiras. O curso de Admi-nistração foi largado no último ano.

Sua paixão pelo Inter e por mobilizar a torcida, jogo após jogo, levava-o a ficar muitas horas sem sentar, o que lhe rendeu um efeito indesejado:: dores frequentes nos pés, agravadas após cada partida. No dia seguinte às disputas, ele não conse-guia caminhar, contam amigos. Mesmo assim, nada tirava seu bom humor. So-fria também de diabetes, e não deixava de brincar com seus próprios males. Ao invés de chamar um táxi, por exemplo, dizia que iria pedir um carro da funerária.

Apesar de zombar de sua doença, ele causava preocupação nas pessoas que o cercavam, em especial porque gostava muito de comer doces.

– Quando ele saía com o pessoal da FICO a gente sempre ficava cuidando dele, porque ele adorava comer um do-cinho, ou tudo que não podia, escondido da gente – contou Philipe da Rocha, ami-go de Kripka e frequentador da torcida organizada desde o final da década de 90.

Os produtos sem açúcar ficavam guar-dados na gaveta de casa. Dos remédios, no entanto, ele não fugia. E foi pelo ex-cesso deles que Kripka já estava tendo

Essa era a mensagem enviada por Kripka aos integrantes da FICO antes de cada partida. O colorado queria todos no Beira-Rio.

vida colorada

Kripka (2º a partir da esq.) com torcedores

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E MED

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S

“Lugar de colorado

é no Beira-Rio”

problemas no fígado. Além disso, por causa do diabetes, não sentia mais os de-dos dos pés, conta a irmã.

Pouco preocupado com bens mate-riais, tinha um Escort, mesmo podendo ter um automóvel melhor ou mais novo. Em dias de chuva, chovia dentro do car-ro, mas ele nem ligava. O veículo era o símbolo da FICO. Ao seu redor, reuniam--se os colorados antes dos jogos, ao pé da Rampa 3, para conversar e subir juntos para assistir à partida.

Marcelo Kripka viveu para o Inter. Além de abandonar as duas faculdades, não quis seguir com o negócio da família, um escritório de representações herdado do pai. Ainda jovem, decidiu transformar a sala da empresa em um memorial co-lorado particular, adornado com pôsteres, bandeiras e outras recordações de gran-des momentos. Momentos que eram seus e do Inter. O que, afinal, virou quase uma coisa só.

– São poucos os homens que lar-gam tudo para viver seu grande amor. Marcelo deixou tudo pelo Inter – finaliza a irmã.

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RELEMBRANDO UMA HISTÓRIA DE AMORDiário de uma paixãoDireção: Nick Cassavetes

Baseado em um livro de Nicholas Sparks, este filme conta a história de Noah e Allie, dois jovens que se conhecem em um verão e iniciam uma grande história de amor. Ele um jovem operário e ela, uma menina rica. Juntos, enfrentam muitos obstáculos, como a ida dele para a guerra e o casa-mento dela com outro homem. A história é conta-da em dois tempos, na juventude do casal e, anos mais tarde, em um asilo, em que um homem lê um antigo caderno para uma mulher com a memória prejudicada. Aos poucos ela se deixa envolver pela história e descobrimos se tratar do casal Noah e Allie. A recuperação de toda uma vida tão próximo do fim acaba sendo o mais marcante, pois com a leitura do diário eles conseguem, por breves mo-mentos, recuperar a paixão que viveram.

FANTASIA E REALIDADE DE UMA VIDAPeixe Grande e suas histórias maravilhosasDireção: Tim Burton

Edward Bloom não queria uma vida racio-nal e desprovida de emoção. As histórias que sempre contou eram permeadas por elementos fantásticos e inspiradores. Seu filho Will, no en-tanto, nunca gostou desse lado imaginativo, por achar que ele nunca falava sobre sua história real. Com a iminência da morte de Edward, a realidade se mistura com a fantasia das histórias e Will passa a entender melhor a vida do pai. O filme trata de maneiras diferentes de encarar a vida, e demonstra que a existência de uma pes-soa pode ser contada de várias formas. Quando a morte se aproxima, a fantasia pode se misturar com o real, dando mais cor à vida de alguém. Contudo, a película não se encerra nisso. O cavaleiro passa a pensar sobre a existência de Deus e o significado da vida.

Casemiro Scepaniuk,vivo e feliz

PREPARANDO A PRÓPRIA MORTE

O túmulo ornamentado pela es-cultura de um paraquedista e seu cão do cemitério da Santa

Casa está vazio. Seu dono, o militar aposentado Casemiro Scepaniuk, 89 anos, mora a poucas quadras dali. E es-banja saúde.

Ruth Scepaniuk, o outro nome do túmulo, é quem recebe os visitantes na casa de número 159 da Rua Veríssimo Rosa, na Capital. A passos curtos e va-garosos, consequência de uma cirurgia feita na perna, ela anda até os fundos da casa, onde, em uma varanda bem areja-da, está Casemiro, um senhor sorridente de olhos azuis.

Scepaniuk, como o sobrenome su-gere, é de origem polonesa. Seus pais e avós vieram para o Rio Grande do Sul para plantar cereal no norte do Estado. A terra era boa, e dada de graça aos imi-grantes. Casemiro nasceu em Floresta, hoje município de Barão do Cotegipe.

– Nasci numa cama de tábua de pi-nheiro lascado, em um colchão de palha de milho – conta o militar.

Casemiro tinha sete anos quando seus pais se separaram. Na época, veio com a mãe e o irmão para Porto Alegre. Gostou da Capital. Desse período de sua vida, tem uma lembrança gastronô-mica: a empada da Confeitaria Rocco,

O invento do militar

Depois de testemunhar inúmeros acidentes com paraquedas, Scepaniuk provou que o gancho de ancoragem dos equipamentos não era total-mente confiável, podendo, ao bater um com outro, abrir e deixar de acionar o paraquedas principal. Teve a ideia, então, de fazer furos simétricos no gancho para colocar um pequeno fio de arame, o que impediria a sua abertura acidental. O sistema, segundo ele, é utilizado até hoje pelos paraque-distas:

– Mas foi apenas um furo e um arame. Não imaginava tamanha repercussão.

Paraquedista aposentado mora próximo do cemitério onde constrói, em bronze e aço, o jazigo que vai dividir com a mulher Ruth

Thais Drummond DESIRÉE DE BARROS FERREIRA

Scepaniuk exibe, orgulhoso, as medalhas e os troféus conquistados durante a carreira

na Cidade Baixa. O dono do estabele-cimento frequentado por Casemiro está enterrado perto de seu futuro túmulo, no cemitério da Santa Casa.

Em 1934, sua família se mudou para Curitiba, no Paraná, onde sua mãe mor-reu aos 35 anos. Até se formar no colé-gio, Casemiro estudou em um internato e, ao completar 18 anos, começou sua vida de militar. Em 1941, voltou sozi-nho para Porto Alegre e foi convoca-do pelo Exército para ir à guerra. Em consequência de sua convocação, vol-tou para Curitiba e foi incorporado na unidade em que serviu, mas acabou não lutando na guerra.

O gaúcho fez curso de sargento e, como gostava de esporte, se formou em Educação Física pela Escola de Educa-ção Física do Exército, na URCA, no Rio de Janeiro. A poucos meses de terminar o curso, o Brasil começou a investir no paraquedismo militar, um tipo de guerra de ataque. Casemiro e mais alguns com-panheiros foram designados, então, para o curso de paraquedista e planadorista na escola de Infantaria do Fort Benning, na Geórgia, em 1948.

Um ano antes, Casemiro conheceu Ruth na praia da Urca, no Rio de Janei-ro. Segundo ela, Casemiro lhe chamou atenção porque era um rapaz bonito, de olhos azuis.

– Impossível não se apaixonar – re-lembrou Ruth, 86 anos, orgulhosa do marido.

O casal não teve filhos, pois Ruth

nasceu com útero infantil. Os álbuns, comprados para as fotos dos filhos, aca-baram sendo preenchidos com fotos dos dois. Seis anos atrás, depois de morar 56 anos no Rio de Janeiro, o casal deci-diu voltar para Porto Alegre.

– Me sinto bem aqui, é um lugar onde sei que vou morrer bem – diz Casemiro.

A família de Ruth ficou no Rio de Ja-neiro, e a de Casemiro mora no Interior. A ideia de deixar pronto o túmulo veio de uma viagem feita pelo casal à Paris, onde eles visitaram o Pantheon, secu-lar mausoléu que abriga restos mortais de ilustres cidadãos franceses. Um dos túmulos, pintado de vermelho, chamou a atenção de Casemiro. Foi a inspira-ção para o seu próprio jazigo, ainda em construção, feito de aço com revesti-mento em bronze.

– Meu corpo já fez muito por mim. Ele merece um lugar especial para des-cansar. Ao lado da Ruth, é claro – con-clui o paraquedista.

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Josino Chaves, Prestes a se formar médico, Josino participava de uma manifestação reprimida pela polícia nas proximidades da Praça da Alfândega no inverno de 1915

Tatiana Reckziegel

O túmulo em forma de monumen-to encravado no quadrante oeste do Cemitério da Santa Casa es-

conde uma tragédia. Ali está enterrado Josino de Vasconcellos Chaves, o jovem estudante de Medicina baleado e morto durante um protesto organizado pelo Co-mitê Central Acadêmico em Porto Ale-gre em 1915. No enfrentamento com a polícia, ocorrido nas proximidades da Praça da Alfândega, no centro da capital gaúcha, morreram outras oito pessoas. Josino, que se formaria médico naquele ano, é o nome mais lembrado do grupo. O rapaz atingido por um tiro na barriga

A situação política do Rio Grande do Sul, em 1915, era conturbada. Borges de Medeiros, governador do Estado por 25 anos, havia pas-sado seu mandato temporariamente ao general Salvador Pinheiro Machado, seu vice e irmão do senador Pinheiro Machado. Lucrando com essa movimentação no governo, Hermes da Fonseca tinha o apoio do Partido Republicano Conserva-dor e dos irmãos Pinheiro Machado para se can-didatar ao Senado e, como desejava, manter-se no poder.

Recém-saído da presidência, Hermes havia

A batalha em que Josino Chaves foi morto está no romance O Tempo e o Vento, de Eri-co Verissimo. Ela é retratada através de uma notícia de jornal em O Retrato, segunda parte da trilogia. No livro, Dr. Rodrigo Cambará, ao folhear um periódico, depara com o relato do confronto de 14 de julho de 1915. O médico comenta com dois amigos sobre a grande mobi-lização política que vivia a capital gaúcha. No entanto, o que prende sua atenção é, justamente, a morte de um rapaz que logo seria um colega de profissão. Era a história de Josino sendo lem-brada em um dos clássicos da literatura gaúcha.

A ÉPOCA O EPISÓDIO POR ERICO VERISSIMO

o final trágico do estudante ativista

virou símbolo das batalhas estudantis.No jazigo de aproximadamente 2,5

metros está emoldurado o rosto de Jo-sino e, esculpida no granito, uma men-sagem: “Aqui repousa o doutorando Josino de Vasconcellos Chaves, inteli-gência preclara, coração nobilíssimo. Morreu assassinado na horrenda noite de 14 de julho. O crime não ficou impu-ne, julgou-o inapelavelmente a consci-ência pública, fulminando-o em senten-ça imprescritível.”

A morte surpreendeu o jovem estu-dante enquanto ele andava pela Andra-das com seus colegas quando, já no final

marcado seu governo por episódios de repres-são a protestos, como a expulsão dos marinhei-ros que participaram na Revolta da Chibata. Sua candidatura desagradava muitos gaúchos e foi a grande motivação do manifesto na Praça da Alfândega. Poucos meses após o enfrentamen-to de 14 de julho, Pinheiro Machado foi morto. Devido à sequência de demonstrações de repú-dio a sua candidatura, Hermes não assumiu o cargo de senador e se refugiou na Suíça durante seis anos.

MORTE EM PROTESTO

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Túmulo em forma de homenagem do Cemitério da Santa Casa

do protesto, o grupo avistou o pelotão de cavalaria da Brigada Militar vindo em direção ao povo. Com suas espadas e revólveres em punho, os policiais mi-litares contornaram a Praça da Alfânde-ga e perseguiram a multidão que corria em retirada pela Rua da Praia. Desar-mado e sem a menor chance de reação, Josino foi atingido na barriga.

Era inverno e fazia frio naquele dia, o que não impediu a população de sair às ruas em pleno feriado em comemoração aos 24 anos da Constituição de Júlio de Castilhos. Muitos passeavam pela Pra-ça da Alfândega, entrando e saindo de cafés, aproveitando o dia de folga. Che-gado o final da tarde, perto das 19h, a praça começou a ser ocupada para um protesto. Manifestantes aproveitavam a data de relevância política para se ex-pressar contra a candidatura de Hermes da Fonseca ao Senado. Eram, em sua maioria, estudantes, e Josino de Vas-concellos Chaves estava entre eles.

Assim que foi baleado, o estudante foi socorrido e prontamente levado à Pharmacia Kroeff para os primeiros--socorros. No entanto, a bala estava alo-jada no intestino e seu caso necessitava de mais cuidados. O rapaz foi transfe-

rido para a Santa Casa e, lá, operado por dois de seus professores. Próximo à meia-noite, Josino não resistiu ao feri-mento e morreu.

A comoção foi grande na cidade. Seu corpo foi transportado em uma maca pelos colegas de faculdade da Santa Casa até a residência de seus pais na Av. Independência, onde hoje funciona um centro comercial. Mãe e pai, juntamen-te com suas irmãs, receberam o corpo sem vida do dedicado estudante de 21 anos que tinha como maior objetivo ser útil e promover a saúde do próximo.

Durante o enterro, em 15 de ju-lho, Dr. Mário Totta fez uma oração. Sarmento Leite, diretor da Faculda-de de Medicina e Farmácia, discur-sou a favor da punição dos culpados pelas mortes. A história do protesto repercutiu nos jornais por alguns me-ses, ocupando espaço de destaque na mídia.

A sepultura de Josino de Vascon-cellos Chaves completa quase um sécu-lo no Cemitério da Santa Casa, intrigan-do quem passa pelo local e eternizando o sangrento episódio que entrou para a história gaúcha como o Massacre de 14 de julho.

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Essa é a história de um dos 20 pri-mos de uma grande e tradicional família do bairro Vila Nova, em

Porto Alegre. Ele viveu sua adolescên-cia e juventude durante os anos 70, par-ticipando ativamente de manifestações políticas. Foi, segundo familiares, um dos primeiros militantes do Partido dos Trabalhadores no Estado e de movi-mentos de contracultura, como o hip-pie. Seu nome não foi citado a pedido da família.

HIV positivo, diabético, teve, por duas vezes, uma doença infecciosa que afeta a região pélvica, a síndrome de Fournier. Morreu aos 44 anos, com poucos amigos e distante da família.

O mais próximo de seus primos, que ainda mora na Vila Nova, conta algu-mas das peripécias infantis. Uma delas foi quando ele inventou para a avó que

O preçoda rebeldia

ALTA VELOCIDADE

Douglas Ratzlaff Bernardt

HIV positivo, diabético, dependente de drogas, morto aos 44 anos

iria enfrentar, por causa de uma prima, os caras mais “barra pesada” do bairro:

– Óbvio que ele não ia se meter com aqueles malandros, mas o pavor da vó fez com que a gente desse muitas risa-das. Isso foi só uma das coisas. Era nor-mal ele imitar os outros, não deixar dor-mir, tirar sarro, pregar peças em geral.

As brincadeiras nunca iam muito além disso. Eram atitudes inocentes e de criança. Porém, no final da década de 70, com cerca de 20 anos, as coi-sas começaram a mudar. Ele passou a envolver-se com gente mais velha e, consequentemente, afastou-se daquele grupo de amigos que ele e seus primos haviam formado.

– Ele começou a andar com os mais velhos, que já estavam acostumados a beber muito e se drogar. Ficamos pre-ocupados, mas seus pais nunca lhe bo-

taram limite, nunca foram presentes o suficiente. Parece que eles preferiam se enganar do que enxergar a verdade. Eu cheguei a ser ameaçado de morte pe-los traficantes do bairro quando contei para a nossa família com o tipo de pes-soa que ele estava convivendo – relem-bra o primo.

Dessa época em diante, sua vida en-trou em declínio. Foi cada vez mais se afundando nas drogas e no álco-ol e se afastando da família. Chegou a ser preso algumas vezes, mas um amigo delegado, companheiro de an-tigas mobilizações partidárias, com frequência lhe salvava de encrencas maiores.

Era conhecido por estar sempre cir-culando pelos bares do bairro dirigin-do sua moto em alta velocidade. Tinha orgulho de dizer o quão era livre, e de

Douglas Bernardt

O QUE ESCUTARJOY DIVISION

Joy Division foi uma das principais bandas dos anos 70. O estilo sombrio foi aclamado por muitos fãs que se identificavam com o so-frimento exposto em palco pelo vocalista Ian Curtis. Revolucionária, a banda serviu de inspiração para diferentes movimentos, do gótico inspirado na obscuridade dos shows e composições ao new wave in-fluenciado pelo uso de sintetizadores nas gravações.

A morte, o sofrimento e a angústia são as principais temáticas en-voltas nas músicas. Ian teve uma vida extremamente conturbada e passava isso com facilidade e simplicidade em suas letras. Relaciona-mentos, fama precoce, incertezas e a epilepsia o levaram ao suicídio com apenas 23 anos.

“Escrevo sobre as diferentes formas que

diferentes pessoas lidam com certos problemas, e como essas pessoas

podem se adaptar e conviver com eles”.

exibir sua sensação de prazer ao apro-veitar essa liberdade. Seu desejo de não ficar preso a nada e nem a ninguém era muito bem representado pela motoci-cleta, a única que conseguia acompa-nhar seu ritmo.

Com 30 anos, se casou e teve um filho. Mesmo assim, seu estilo de vida não mudou. A boemia em excesso re-sultou no fracasso do casamento, em doenças e na impossibilidade de convi-ver por muito tempo com o filho, que hoje tem 20 anos e mora na Capital.

– A história dele retrata como o en-volvimento com certas pessoas pode in-fluenciar no resto de uma vida. Se ele não tivesse se envolvido com as pessoas erra-das na época errada poderia ter seguido por outro caminho. O descaso da família o impulsionou ainda mais para dependên-cia de drogas – opina o primo.

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DE TUDO UM POUCO

Salomão Scliar: fotógrafo, artista gráfico, cineasta e produtor cultu-ral. A inscrição na lápide do Ce-

mitério Israelita de Porto Alegre tenta sintetizar a vida do filho de imigrantes judeus que, desde jovem, registrava em fotos as ruas de Porto Alegre, queria fazer cinema e tinha um olhar volta-do para a arte e a cultura. Na adoles-cência, chegou a fabricar um projetor improvisado com uma caixa de sapato, para produzir pequenos filmes artesa-nais que exibia aos amigos. Foi o iní-cio de uma carreira dividida em vários talentos. Homem de excessos, muito teimoso e pouco preocupado com a saúde, Salomão acabou desenvolvendo diabetes. Morreu em 15 de fevereiro de 1991, poucos dias antes de completar 66 anos. Foi o mais jovem de três ir-mãos, e o primeiro a morrer. Um artista boêmio, criado em meio a discussões culturais e filosóficas.

Frequentou o Colégio Júlio de Cas-tilhos e, com seu jeito brincalhão, ado-rava pregar peças nos colegas. Chega-va a levar insetos para as aulas com a

intenção de assustar os amigos. Gosta-va de estar no Chalé da Praça XV para observar a movimentação das pessoas nos finais de tarde. Outro hábito era caminhar pelas ruas de Porto Alegre.

Seu irmão Carlos foi um célebre pintor, seu primo Moacyr, um reco-nhecido médico e aclamado escritor. A vida de Salomão, no entanto, não se resume a participações especiais nos feitos de familiares. Ele tinha um es-pírito curioso e inquieto, e trabalhou na produção de filmes, como repórter, fotógrafo e, no final da vida, editou li-vros de arte e história.

Nascido em 20 de fevereiro de 1925, Salomão era filho de Henrique Scliar e Cecília Stechman, judeus que transita-ram por vários endereços no Bom Fim do início do século 20. Seu pai, Henri-que, teria saído com cerca de 20 anos da Europa, da cidade de Gorichkova, na Ucrânia. A revolução bolchevique e a iminente grande guerra, por volta de 1914, fizeram com que famílias inteiras imigrassem mundo afora. No Brasil ele tornou-se alfaiate, diferentemente dos

Luiz Guilherme Alves

Capas de revistas com fotos feitas por Salomão

irmãos, marceneiros. Morou um tem-po em Buenos Aires e, ao voltar para Porto Alegre, em 1919, casou-se com Cecília.

A família Scliar trocou várias vezes de casa, na Rua Fernandes Vieira e na Avenida Osvaldo Aranha, sempre no Bom Fim. Moravam perto de um quar-tel quando estourou a Revolução de 1930. Salomão lembra, em entrevista armazenada no acervo do Museu Hi-pólito da Costa, que, certa vez, o baru-lho de tiros era tão assustador que sua mãe o jogou, junto com os irmãos, para baixo de uma cama. Aquele quartel é o atual Colégio Militar, em frente ao Parque Farroupilha. Naquela mesma região da cidade, Salomão registrou imagens de ciganos e mendigos. Certo dia, um repórter do jornal Folha da Tar-de estava em sua casa e descobriu esse material. As fotos foram publicadas e, com seu nome divulgado no periódico, Salomão passou a se dedicar mais à fo-tografia.

Ainda jovem, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde trabalhou na revis-ta Diretrizes. No entanto, sua vida de “foca” não durou muito. No mesmo ano, foi trabalhar como um “faz tudo” na Atlântida, uma das primeiras produ-toras cinematográficas do Brasil. Era 1943, Salomão tinha 18 anos e o país vivia sobre o regime do Estado Novo. No ano seguinte, começou a atuar como fotógrafo profissional na Revista Rio. Era o estilo de vida perfeito. Não tinha rotina, e conseguia tempo livre para seus projetos pessoais. Tanto que, em dezembro de 1944, passou um tem-po em Capão da Canoa, no litoral gaú-cho, filmando Os homens do mar, um curta-metragem de baixo orçamento que ele batizou de reportagem cinema-tográfica. Era o embrião de seu Vento Norte, pois descobriu que esse vento, em época de pesca, afasta os peixes, gerando miséria.

Terminado o curta, Salomão voltou para o Rio de Janeiro e seguiu traba-lhando em revistas, como O Cruzeiro e Manchete, além de colaborar para o periódico O Globo, em Porto Alegre.

– Passei a bolar minhas reportagens e a vendê-las prontas. Faturava mais que qualquer outro fotógrafo – contou Salomão em entrevista ao Pasquim Sul.

Integrante de uma família ligada à arte e à cultura, primo de Moacyr Scliar eternizou seu olhar irreverente da realidade em fotos, filmes e livros

Isso explica a produção de Salomão nos anos 1940 e 1950. Apesar de seu nome constar no expediente de revistas, ele trabalhava por conta, criando e ven-dendo posteriormente. Fotos de viagem e de montagens teatrais recheiam o seu portfólio do período. Além disso, fotos e reportagens retrataram os lugares pe-los quais passava: Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e o litoral gaúcho. Sem contar as viagens para a Bolívia e para a Fran-ça. Em uma dessas jornadas, conheceu Berta, uma atriz, também judia, com quem casou e teve três filhos.

Ao final dos anos 1970, ao voltar para Porto Alegre, dedicou-se à edição de livros de arte no Brasil. Para com-pletar a sua já eclética produção cultu-ral, publicou álbuns com imagens das histórias gaúcha e brasileira, futebol e folclore.

Salomão, em foto da juventude, e sua inseparável máquina fotográfica

FOTOS ACERVO MUSEU HIPÓLITO DA COSTA

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Vento Norte representa a síntese do que Sa-lomão Scliar buscava em suas obras: o regis-tro de momentos. Seu único longa-metragem ficcional é claramente o trabalho de um fotó-grafo. Existe o cuidado artístico em cada fra-me. É como se ele estivesse fotografando e não filmando. A história teve origem em um curta feito por Scliar em Capão da Canoa, Os ho-mens do mar. No tempo em que conviveu com os pescadores, ouviu várias histórias e lendas sobre como a natureza interferia em suas vidas. No filme, gravado na praia de Torres, quando o vento norte sopra, traz consigo a miséria e

reações violentas das pessoas. Sua ocorrência coincide com a chegada de um forasteiro, numa pequena aldeia gaúcha, provocando uma série de situações extremas.

O jornalista Alberto Dines, em crítica feita na época do lançamento, avalia que a falta de recursos técnicos impediu que toda a habilidade fotográfica de Salomão transparecesse na tela. Contudo, pode-se perceber sua sensibilidade como fotógrafo. Dines compara, ainda, o tra-balho de Salomão com o de Sergei Eisenstein, cineasta russo, de obras como O Encouraçado Potemkim, que via no cinema uma forma de ex-pressão artística.

O cineasta e estudioso do cinema Glênio Pó-voas realizou uma pesquisa científica sobre o filme, que gerou sua dissertação de mestrado. Ele ressaltou as dificuldades em analisá-lo, em parte por não haver muitas cópias disponíveis.

Outra dificuldade, para Glênio, foi o resgate de fatos sobre a vida e a obra de Scliar, relegados ao esquecimento ou à ausência de quem os acompanhou de perto.

O vento da miséria

Berta, mulher de Salomão e atriz de Vento Norte

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José Gerbase, sempre em Léa

SAUDADE ETERNA

Desirée Ferreira

O dermatologista nordestino que desembarcou em 1938 no Rio Grande do Sul para assumir um cargo público construiu na capital gaúcha uma história marcada por três amores: o futebol, a medicina e a família

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A família, a Santa Casa e o Grê-mio. Nada define melhor José Gerbase, dermatologista nordes-

tino que adotou Porto Alegre como lar definitivo. Foi aqui que ele conheceu Léa, a mulher de toda a vida, casou, teve seis filhos e exerceu a profissão da qual muito se orgulhava.

José, nascido em Maceió em abril de 1910, cursou o primeiro ano de Medici-na na Faculdade de Recife e o restante no Rio de Janeiro. Na capital fluminen-se, aliás, o estudante chegou por acaso, acompanhando uma marcha estudantil. Não quis mais voltar. Foi lá que ini-ciou também sua trajetória profissional, como assistente de médicos renomados.

O Sul não estava nos seus planos até 1938, quando recebeu um convite para assumir um cargo público em Porto Ale-gre: Técnico do Serviço Anti-Venéreo das Fronteiras. A mudança fez bem. Em pouco tempo, José abria seu consultório de dermatologia, que tratava também de casos de sífilis, doença comum na épo-ca. Não demorou para ficar conhecido por sua competência e generosidade. Sua prioridade, contam familiares, era a saúde dos seus pacientes, acima, inclu-sive, do retorno financeiro.

A viúva Léa Gerbase, 91 anos, que vive em Porto Alegre, conta que-ainda hoje escuta histórias de pacientes agradecidos.

– Uma senhora me contou que, aos 15 anos, tinha um problema e estava melhorando ao consultar com o meu marido. Só que o pai dela começou a enfrentar uma situação econômica di-fícil, e eles teriam de interromper as consultas. Gerbase disse a ela que o tra-tamento deveria continuar, com ou sem pagamento – contou Léa, orgulhosa de

seu grande amor.Amor que começou em abril de

1939, quando, ao sair com uma amiga do Grande Hotel, no centro da Capital, avistou na rua o “novo doutor” da ci-dade. Ele também a notou e, no dia se-guinte, convidou-a para um almoço. Foi o primeiro de muitos novos encontros nos meses seguintes. O início de uma relação que Léa contou num diário, a inspiração para os dois cadernos que a viúva escreveu anos mais tarde sobre a história do casal, de José, da família.

Na época do namoro, Léa lembra que, quando o assunto era compromis-so, José insistia que, antes de subir o altar, era preciso conquistar uma situ-ação econômica estável e projeção so-cial. Era o que Léa merecia, dizia ele. Foi uma relação de idas e vindas, lem-bra Léa.

E o primeiro quase rompimento re-presentou um recomeço:

– Queres sair da minha vida? – per-guntou Léa, em meio a uma sessão de cinema.

– Tu estás sempre em mim – respon-deu ele.

Declaração de amor que fez Léa investir em definitivo no roman-ce com o rapaz que, às vezes, viaja-va para longe e ficava muito tem-po sem dar notícias. Entre cartas e silêncios, o telefone era um alento. Passavam horas conversando, sobre fa-mília, profissão e minúcias do cotidia-no. Léa enfrentava também a resistência da mãe.

– Não conhecemos este moço, nem sua família – argumentava Dona Elvira, mãe de Léa.

– Eu o conheço muito bem, e é isso que importa – dizia Léa, categórica.

No mesmo ano em que se conhe-ceram, entre encontros em saí-das das missas aos domingos e

sessões de cinema, José quis fazer uma surpresa e levou Léa a um jogo do Grê-mio Foot-Ball Portoalegrense. Nascia uma nova paixão. Em menos de dez anos, José Gerbase tornou-se presidente do clube. Sua gestão foi de 1946 a 1947, e do conselho deliberativo de 1949 a 1953, quando participou da histórica transferência da Baixada para o Estádio Olímpico.

Paralelamente ao desenrolar do romance com Léa, a carreira de José Gerbase prosperava. Em 1941, o der-matologista foi nomeado diretor da En-fermaria de Doenças da Pele da Santa Casa, e seus novos pacientes viraram protagonistas de sua profissão.

– A gente tem de atender muito bem essas pessoas, porque elas não são como as do consultório, que nos esco-lhem. Nós somos impostos a essas pes-soas – costumava dizer José.

Três anos mais tarde, em uma via-gem a sua cidade Natal, Gerbase foi convencido pelo pai a iniciar uma vida a dois com a então namorada. Afinal, já tinha uma boa vida econômica. Noi-varam em 23 de novembro de 1943, aniversário de Léa. Em 11 de março de 1944, casaram. Permaneceram juntos até o final da vida de José, em 1982.

Maria, José, Antonio, Luiz, Carlos e Andrea são os filhos do casal. O médico se divertia junto aos pequenos, dedican-do seu tempo livre para fotografá-los, filmá-los e levá-los a partidas de fute-bol. No Olímpico, obviamente.

– Lembro que o pai me levava aos jogos. Era um passeio que a gente ado-rava. Um dia emocionante foi quando o Grêmio venceu o Gauchão, em 1977, por 1 x 0 – recorda Carlos, o mais novo dos filhos homens.

Hoje, a família Gerbase é constitu-ída, em sua maioria, por médicos, der-matologistas e cineastas. E claro, por muitos gremistas. Nas vitórias do time, muitas comemorações são feitas. E José sempre lembrado.

Grêmio,uma paixão familiar

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Léa (esq.), com foto do amado; acima, durante cirurgia e viagem com amigos (de manta)

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Viver por música. Esse era o lema de Hardy Vedana, maestro, tenor e clarinetista

que fundou e foi o primeiro presi-dente, em 1997, do Clube de Jazz de Porto Alegre. Se fosse só isso já seria o bastante. Mas Vedana fez mais: foi um lutador incansável pelos direitos da categoria dos músicos e um cole-cionador aficionado, que se dedicou também à pesquisa da história da música no Estado.

Nascido em Erechim, Vedana veio para Porto Alegre em 1943, na companhia da mãe e dos cinco ir-mãos. Segundo Clarice Vedana, filha de Hardy, dificuldades financeiras vividas pela família no interior de-cretaram a mudança:

Osman Velazquez Neto era um visionário. E também um centralizador de deci-

sões. Seu nome veio do avô paterno, o espanhol Osman Velazquez. O pai de Osman Neto, Omar, era dentista, e imigrou para o Brasil em busca de conhecimentos na área da Ortodon-tia. Veio também para apaziguar os ânimos da família, que não aceitava seu relacionamento com uma moça pobre, que o acompanhou e foi mãe de seus três filhos. Um deles Os-man.

Nascido em Porto Alegre em 8 de março de 1948, Osman teve uma infância de privações. Seus familia-res contam que, muitas vezes, che-gava a faltar comida.

– Isso o fez valorizar uma mesa farta – conta a mulher Antonia Marinete Gomes Velazquez, que

Hardy Vedana, música para os ouvidos

Osman Velazquez Neto, seu desejo era uma ordem

SINTONIA FINA

MOVIDO A DESAFIO

– Meu avô tinha uma alfaiataria e um restaurante café lá em Erechim. Todos tinham cultura e colégio pago. Só que meu avô começou a jogar e perder as coisas. Perdeu tudo. Minha vó se cansou daquela vida de ter que cozinhar para o marido e veio para Porto Alegre com os filhos. Tiveram de morar num lugar bem apertado.

Na época, Hardy já era um pré--adolescente interessado em música. No quartel, aos 18 anos, conta Clari-ce, ao conhecer pessoas que tocavam clarinete e escreviam partituras, o pai despertou definitivamente para a mú-sica. Na década de 40, Hardy come-çou a se destacar como clarinetista de jazz e, nos anos 1960, liderava um grupo de dez músicos que ganhou

notoriedade ao tocar música pela Ca-pital na carroceria de um caminhão, fazendo propaganda para uma loja de roupas. Ele foi integrante da Banda Municipal de Porto Alegre e ainda formou outras bandas.

– Passei a minha infância toda ou-vindo ensaios. Às vezes cansava de tanto som – brincou Clarice.

Hardy teve passagens pela Rádio Farroupilha, pela Banda Municipal, pelo Instituto de Artes e por outras entidades ligadas à cultura no Estado. Além disso, foi, por vários anos, pre-sidente do Sindicato dos Músicos do Rio Grande do Sul, e lutou para criar leis que protegessem os músicos.

– Uma das bandeiras foi tocar 45 minutos e descansar 15, além de me-lhores remunerações e regularização do trabalho. Foi um sujeito batalha-dor, que se envolveu com o sindica-to pela categoria – contou Clarice, lamentando que a falta de união da classe fez com que muitos de seus ideais não vingassem.

Seu carisma atraía muitos ami-gos. Entre eles a música e pro-fessora Ana Paola Oliveira, que conheceu o músico no Cinema Pa-raíso, um projeto que levava cinema às ruas.

– Ele tinha muitos sonhos e não parava de pensar na música. Uma de suas grandes aspirações era o

Marcelo Farina

continua vivendo na Capital, onde moram também seus três filhos e quatro netos.

Além de gostar de fartura, Os-man era considerado um homem audacioso para o seu tempo. A fim de prosperar no ramo da importação de produtos automotivos, por exem-plo, foi até o Uruguai em busca de parcerias.

– Ao chegar ao país vizinho, amigos exilados o alertaram da difi-culdade que ele teria para tratar, em uma determinada empresa líder de mercado, com uma diretoria arcaica e tradicional. Muitos já haviam ten-tado exportar os pneus, mas só ele conseguiu – relembra Antonia.

Com os negócios de compra e venda de pneus prosperando, Os-man abriu uma fábrica de blocos construtivos em Porto Alegre. Te-

riam sido os blocos de concreto usa-dos na obra do Shopping Iguatemi.

– Ele era um visionário, antes de alguém pensar em algo, ele já pen-sava. Chegou até a tentar uma con-cessão para produzir energia eólica no sul do Brasil, mas o governo não concedeu. Ninguém pensava em energia limpa na época – lembra a filha Michele Velazquez.

Outra característica de Osman era o jeito superprotetor, especial-mente com os familiares. Para os fi-lhos e a mulher, ele era “aquele que decide”. Suas ordens precisavam ser acatadas por todos, sem restrições.

– Todos tinham que viver em tor-no dele, seu desejo era uma ordem, não importava a hora. Muitas vezes tive que levantar de madrugada para cozinhar feijão mexido e batata frita para ele – recorda a mulher Antonia.

Vedana, instrumentista desde jovem, tocou em bandas, fundou o Clube de Jazz,lutou pelos direitos dos colegas e ainda produziu livros

Dificuldade para conseguir algo era combustível para o filho de imigrantes cespanhóis que viveu em Porto Alegre até o final de sua vida

Já seus filhos lembram o quanto era difícil sair à noite, ou ir a algum lugar sozinho.

– Sair à noite, só escondido. Isso sem falar nas consequências do dia seguinte. O jeito era colocar a roupa da festa por baixo de uma outra rou-pa qualquer e dizer que iria dormir na casa de algum conhecido – conta Osman Junior, o filho caçula.

Com os netos, porém, a relação era diferente. Osman era atencioso, brincalhão e adorava presentear.

– Toda visita era um presente novo. Os presentes de Natal, por exemplo, chegavam quase um mês antes, e a gente adorava – diz a neta Victoria Velazquez.

Osman valorizava boas refeições, viagens e conforto. Mas esqueceu da saúde. Em 1993, inesperadamente, o homem cheio de vida começou a

adoecer. Primeiro veio um proble-ma renal, depois várias outras enfer-midades associadas. Era o começo do fim.

– Todos os dias, havia procedi-mentos médicos horríveis. Além disso, ele não podia consumir sal – recorda a mulher.

Depender da família foi dolori-do e triste. De uma hora para outra, o homem que comandava passou a ser dependente integralmente dos cuidados de outros. E isso o inco-modava.

Onze anos depois de sua morte, a família ainda se reúne para celebrar, com saudade, as datas importantes para Osman. E o fazem como ele gostaria, com pizzas, cafés colo-niais e almoços em restaurantes. Sua energia, acreditam, está sempre presente.

Matheus Velazquez

ACERVO MUSEU HIPÓLITO DA COSTA

Hardy no museu O acervo acumulado por Hardy

foi cedido ao Museu da Comunicação Hipólito da Costa. O material foi reunido ao longo da vida de Verdana (1928-2009) e contém gravações, partituras, impressos, entre outros milhares de bens relacionados à música, incluindo a coleção especial de discos da Casa Eléctrica e outros selos raros, de valor internacional. A coleção está disponível ao público pesquisador no Acervo de Rádio e Fonografia do Museu da Comunicação, especializado nesse tipo de material localizado no terceiro andar da instituição.

Museu da Arte e do Som – recorda Ana Paola.

O momento mais delicado da vida do músico ocorreu em 1972, quando morreu seu filho Tony. Segundo Cla-rice, o pai viveu um ano difícil, em depressão. Até mesmo a música foi deixada um pouco de lado:

– Ele não conseguiu nem traba-lhar. Ele era músico, mas quando não tinha que tocar, ele pintava placas. Era letrista. Pintava placas de loja com letras. Tinha uma mão perfeita para fazer aquelas letras grandes.

Passado o trauma, a família foi morar no Paraná e, naquele perío-do, Hardy chegou a trabalhar como publicitário. Além disso, gostava de plantas, de fotografia e de arte. Pas-sou a colecionar discos. A coleção de discos o ajudou na pesquisa sobre a primeira gravadora de discos gaúcha, A Casa Elétrica, que funcionou em Porto Alegre de 1914 a 1923, e que futuramente resultaria na publicação A Eléctrica e os Discos Gaúchos, um de seus três livros. Os outros dois fo-ram O Jazz em Porto Alegre e Otávio Dutra. Mas a obra do clarinetista po-deria ter sido ainda maior não fosse a falta de patrocínio.

– No final da vida dele, vimos que muitos de seus pensamentos foram roubados. Pessoas que tinham mais dinheiro copiavam suas ideias. Isso

porque meu pai adorava mostrar vá-rios livros para todo mundo. Ele tem várias obras prontas que não foram publicadas por falta de patrocínio – revelou a filha.

No final da vida, em 2009, com pouco dinheiro e doente, Clarice conta que lhe perguntou:

– Pai, o que você faria para sua vida ser diferente?

– Não mudaria nada. Fiz tudo o que eu sempre quis fazer, experi-mentei de tudo que eu queria expe-rimentar.

Um jeito Hardy Vedana determinar.

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