Biopolitica Siid Lucia Matos

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    SIDD 2011

    Descobrir a Dana / Descobrindo atravs da Dana Discovering Dance / Discovering through Dance Descubrir la Danza / Descubriendo a travs de la Danza

    Portugal

    Seminrio Internacional International Seminar Seminario Internacional

    10-13 NOV Universidade Tcnica de Lisboa Faculdade de Motricidade Humana

  • i

    TTULO Livro de Atas do SIDD2011 Seminrio Internacional Descobrir a Dana / Descobrindo atravs da Dana 10-13 Novembro 2011 FMH

    EDITORES Elisabete Monteiro Maria Joo Alves

    EDIO Faculdade de Motricidade Humana Servio de Edies 1495-002 Cruz Quebrada, Portugal

    EXECUO GRFICA Staff for You

    TIRAGEM 300 exemplares

    DATA Fevereiro de 2012

    ISBN 978-972-735-181-7

    Depsito Legal n

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    TTULO Livro de Atas do SIDD2011 Seminrio Internacional Descobrir a Dana / Descobrindo atravs da Dana 10-13 Novembro 2011 FMH

    EDITORES Elisabete Monteiro Maria Joo Alves

    EDIO Faculdade de Motricidade Humana Servio de Edies 1495-002 Cruz Quebrada, Portugal

    EXECUO GRFICA Staff for You

    TIRAGEM 300 exemplares

    DATA Fevereiro de 2012

    ISBN 978-972-735-181-7

    Depsito Legal n

    ndice

    PREFCIO ...................................................................................................v AGRADECIMENTOS................................................................................... vi NOTA dos EDITORES............................................................................... viii

    ndice ........................................................................................................... 1

    Keynote Speakers ..................................................................................... 7

    CHILDRENS RIGHT TO DANCE ............................................................... 8 Eeva Anttila ................................................................................................ 8

    (BIO)POLTICA, DIFERENA E A DANA NA EDUCAO .................... 26 Lcia Matos .............................................................................................. 26

    Preletores ................................................................................................. 43

    A CRIAO COREOGRFICA NO ENSINO VOCACIONAL: ESTRATGIAS METODOLGICAS Patrcia Cayatte & Ana Silva Marques ................................................... 44

    A CRIATIVIDADE NO PROCESSO DE COMPOSIO COREOGRFICA Catarina Lopes Ribeiro & Ana Silva Marques ....................................... 55

    A DANA EM CONTEXTO ESCOLAR: ALGUMAS CONTRIBUIES DA MOTRICIDADE HUMANA PARA A EFECTIVAO DE UMA PRXIS TRANSFORMADORA Aline Fernandes Alvarenga, Ana Maria Pereira & Katia Simone Martins Mortari ...................................................................................................... 76

    A DANA NA PERCEO DOS PROFESSORES DE EDUCAO FSICA Luisa Alegre ............................................................................................. 88

    A DANA NA PROMOO DA INTERDISCIPLINARIDADE Ana Silva Marques ................................................................................... 99

    A DANA NO CONTEXTO DA MOTRICIDADE HUMANA: PRESENA, PROJECTO E PROCESSO Katia S.M. Mortari & Ana Maria Pereira ................................................ 113

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    (BIO)POLTICA, DIFERENA E A

    DANA NA EDUCAO

    Lcia Matos PPGDana - Escola de Dana UFBA, Brasil

    Resumo: Esta conferncia aborda as transformaes conceituais do termo biopoltica (Foucault, 2008; Deleuze e Guatarri, 1995) e suas

    implicaes para as relaes de corpo, diferena e poder nos processos

    artstico-educativos em dana. Prope-se como foco de anlise a

    estruturao de planos de composio (Lepecki, 2010) que possibilitem

    estabelecer alguns trnsitos entre questes presentes na performance My

    own private bio-politics, do performer srvio Saa Asenti, e aspectos

    relacionados Dana na Educao. Aponta-se a necessidade de

    (re)composies (bio)polticas e validao da diferena do/no corpo que

    dana para que o processo de ensino-aprendizagem seja potencializado

    como espao de transgresso e de agenciamentos coletivos.

    Palavras-chave: corpo; biopoltica; planos de composio; planos de fuga; dana; educao.

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    Primeiramente, gostaria de agradecer a Elisabete Monteiro e aos

    membros da Comisso organizadora pelo convite para compartilhar

    minhas ideias com os participantes deste Simpsio. Espero que a minha

    fala, de certo modo, consiga, nesse ambiente de encontro, gerar

    reverberaes. Apresentarei algumas questes do campo da Dana na

    Educao que tm me afetado e com as quais busco afetar aqueles que

    esto ao meu redor. Uso aqui a acepo de afeto de Deleuze, como aquilo

    que afeta e cria devires, e essa ao tem me propiciado experimentar

    zonas de incertezas e me levado a constantes indagaes.

    Assim, proponho estabelecer alguns trnsitos entre questes presentes

    na performance My private bio-politics, do performer srvio Saa Asenti, e

    aspectos relacionados Dana na Educao, visando esboar planos de

    composio, os quais se constituiro como elementos indagadores para

    devires compositivos. Como explana Lepecki (2010), um plano de

    composio uma zona de distribuio de elementos diferenciais

    heterogneos intensos e ativos, ressoando em consistncia singular, mas

    sem se reduzir a uma unidade (p. 13).

    Pensar a dana em seus sistemas, nos seus processos e configuraes

    artstico-educativos implica, tambm, em percebermos os agenciamentos e

    os planos que a compem. Assim, proponho pensar em linhas de fuga,

    com a prpria dana, o que no impede, pelo contrrio, potencializa,

    tangncias e relaes com outras reas de conhecimento.

    Assim, escolhi estruturar aqui dois planos de composio, os quais so

    codependentes e se configuram muito mais como pontos de devires do

    que certezas: contexto e micro (bio)polticas; corpo, diferena e repetio.

    A apreciao da performance My private bio-politics no foi estabelecida

    de forma direta, com a obra ao vivo, mas por meio de outras duas vias de

    acesso obra: o registro da performance existente na Internet, no canal

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    Primeiramente, gostaria de agradecer a Elisabete Monteiro e aos

    membros da Comisso organizadora pelo convite para compartilhar

    minhas ideias com os participantes deste Simpsio. Espero que a minha

    fala, de certo modo, consiga, nesse ambiente de encontro, gerar

    reverberaes. Apresentarei algumas questes do campo da Dana na

    Educao que tm me afetado e com as quais busco afetar aqueles que

    esto ao meu redor. Uso aqui a acepo de afeto de Deleuze, como aquilo

    que afeta e cria devires, e essa ao tem me propiciado experimentar

    zonas de incertezas e me levado a constantes indagaes.

    Assim, proponho estabelecer alguns trnsitos entre questes presentes

    na performance My private bio-politics, do performer srvio Saa Asenti, e

    aspectos relacionados Dana na Educao, visando esboar planos de

    composio, os quais se constituiro como elementos indagadores para

    devires compositivos. Como explana Lepecki (2010), um plano de

    composio uma zona de distribuio de elementos diferenciais

    heterogneos intensos e ativos, ressoando em consistncia singular, mas

    sem se reduzir a uma unidade (p. 13).

    Pensar a dana em seus sistemas, nos seus processos e configuraes

    artstico-educativos implica, tambm, em percebermos os agenciamentos e

    os planos que a compem. Assim, proponho pensar em linhas de fuga,

    com a prpria dana, o que no impede, pelo contrrio, potencializa,

    tangncias e relaes com outras reas de conhecimento.

    Assim, escolhi estruturar aqui dois planos de composio, os quais so

    codependentes e se configuram muito mais como pontos de devires do

    que certezas: contexto e micro (bio)polticas; corpo, diferena e repetio.

    A apreciao da performance My private bio-politics no foi estabelecida

    de forma direta, com a obra ao vivo, mas por meio de outras duas vias de

    acesso obra: o registro da performance existente na Internet, no canal

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    dance-tech1, e pela escrita performativa da prpria obra, feita por Saa

    Asenti com contribuio de Ana Vujanovi. Assim, todas as relaes que

    aqui estabeleo foram realizadas a partir das percepes e contaminaes

    que se efetivaram no fluxo de trocas que estabeleci com esses ambientes,

    e aqui no tenho a pretenso de desenvolver nenhuma anlise extensiva

    sobre a obra, mas tomar algumas de suas questes como pontos de fuga.

    Essa performance foi concebida como um ensaio aberto e construdo

    como um processo colaborativo, com artistas, dramaturgos e

    pesquisadores, por meio de um projeto denominado ndigo Dance, o qual

    foi coproduzido pelo Centre National de La Danse de Paris, por meio de

    uma residncia artstica.

    Nessa performance, Asenti, partindo sempre de suas experincias

    como artista/autor, aborda dispositivos relacionados ao processo de

    produzir dana na Srvia, os problemas encontrados nos sistemas de

    financiamento da produo artstica e as dificuldades presentes na

    insero/circulao da dana contempornea no seu pas e nos festivais

    ocidentais. Critica o monoplio da dana contempornea ocidental ao

    mesmo tempo em que indaga os motivos pelos quais os festivais do Oeste

    Europeu o convidam para apresentar essa performance.

    No paper performativo o autor declara que aps um ano de

    apresentao dessa performance na Srvia, como work-in-progress, ele

    resolve fazer uma mudana significativa: comea a realizar um work-in-

    regress. Nessa perspectiva, o artista assume um processo de regresso da

    obra e, dessa forma, vai, aos poucos, suprimindo partes da mesma,

    deixando rastros da primeira verso apresentadas por meio de trechos do

    1 Tive acesso a essa obra atravs do instigante projeto Dance-Tech - exploraes interdisciplinares sobre a performance do movimento, coordenado por Marlon Barrios Solano, um venezuelano radicado em Nova York (www.dance-tech.net).

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    registro da obra em vdeo. Para realizar a regresso da obra Asenti inclui

    narrativas sobre esse processo e demanda a um membro da plateia a

    responsabilidade de registrar, por meio de uma cmera, a performance

    daquele dia como uma forma de assegurar a permanncia de rastros entre

    o processo e a digresso. Essa digresso promove espaos de

    transgresso e deslocamentos sobre a prpria obra.

    Ao se colocar no cerne da questo enquanto artista e indagar a

    produo e o mercado da dana contempornea, Asenti potencializa as

    relaes entre o artstico/social/poltico, realiza agenciamentos em torno

    das micro e macropolticas, e prope, por meio de suas enunciaes, a sua

    prpria biopoltica. As teses apresentadas por esse artista, muitas delas

    sem possuir uma resposta conclusiva, passam a ser os elementos centrais

    da prpria performance. Assim, algumas das consideraes presentes

    nessa obra sero aqui utilizadas como pontos de reflexo para pensarmos

    a Dana na Educao.

    Plano do contexto e aes (micro) (bio)polticas

    Questo presente na performance:

    Existe alguma outra possibilidade de produzir dana contempornea na Srvia, alm da cpia de tcnicas e conceitos

    que so populares, quase modas e que so usual ou somente originrios do Ocidente? (Asenti, 2008).

    Essa uma das questes levantadas por Asenti em sua plataforma

    discursiva2 para colocar em cena questionamentos sobre o momento de

    2 Termo utilizado pelo autor para denominar a sua performance.

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    registro da obra em vdeo. Para realizar a regresso da obra Asenti inclui

    narrativas sobre esse processo e demanda a um membro da plateia a

    responsabilidade de registrar, por meio de uma cmera, a performance

    daquele dia como uma forma de assegurar a permanncia de rastros entre

    o processo e a digresso. Essa digresso promove espaos de

    transgresso e deslocamentos sobre a prpria obra.

    Ao se colocar no cerne da questo enquanto artista e indagar a

    produo e o mercado da dana contempornea, Asenti potencializa as

    relaes entre o artstico/social/poltico, realiza agenciamentos em torno

    das micro e macropolticas, e prope, por meio de suas enunciaes, a sua

    prpria biopoltica. As teses apresentadas por esse artista, muitas delas

    sem possuir uma resposta conclusiva, passam a ser os elementos centrais

    da prpria performance. Assim, algumas das consideraes presentes

    nessa obra sero aqui utilizadas como pontos de reflexo para pensarmos

    a Dana na Educao.

    Plano do contexto e aes (micro) (bio)polticas

    Questo presente na performance:

    Existe alguma outra possibilidade de produzir dana contempornea na Srvia, alm da cpia de tcnicas e conceitos

    que so populares, quase modas e que so usual ou somente originrios do Ocidente? (Asenti, 2008).

    Essa uma das questes levantadas por Asenti em sua plataforma

    discursiva2 para colocar em cena questionamentos sobre o momento de

    2 Termo utilizado pelo autor para denominar a sua performance.

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    reconfiguraes polticas e culturais entre Leste e Oeste Europeu, e vises

    estereotipadas, colonialistas e hierrquicas que permanecem nesse

    processo.

    Como sabemos, a produo de dana contempornea do Leste

    Europeu ainda pouco difundida (assim como a produo de muitos

    pases sul-americanos) na Europa. A Srvia um pas que se encontra em

    um momento de transio ps-socialista, (des)locado da Unio Europeia,

    e, muitas vezes, o senso comum cria uma expectativa de que a produo

    em dana nesse pas se restringe s tradicionais danas folclricas blcs.

    Como declara o prprio Asenti, durante a performance, parece que dentro

    do senso comum da dana s resta dana blc o direito de ser extica,

    amadora e antiquada.

    A partir desses questionamentos, de sua trajetria pessoal no campo da

    dana e de reflexes dialgicas com outros artistas e pesquisadores, esse

    artista cria espaos de enunciao e agenciamentos para sua biopoltica.

    Mas a que biopoltica ele se refere?

    O conceito de biopoltica foi primeiramente apresentado por Foucault no

    artigo sobre O nascimento da medicina social, texto integrante do livro

    Microfsica do Poder (2008). Ao afirmar que o controle da sociedade no

    se opera apenas pela conscincia ou ideologia, mas sim pelo biolgico,

    pelo somtico, Foucault ressalta que o corpo uma realidade e estratgia

    biopoltica, evidenciando a politizao da vida. Se, inicialmente, Foucault

    nos apresentou o termo corpos dceis para mostrar o corpo disciplinado,

    ordenado e apto ao sistema de produo conceito este que foi muito

    utilizado para abordar o disciplinamento do corpo na dana o termo

    biopoltico, na perspectiva foulcautiana, aponta para uma mudana do

    poder sobre corpos individualizados para a ao (poltica) do Estado no

    controle da vida e do corpo da populao.

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    Avanando nessa discusso sobre biopoltica, Deleuze (1992) aborda a

    substituio do modelo disciplinar de sociedade para o que denominou

    sociedade de controle, em que o poder est dissolvido nas modulaes

    dos fluxos sociais, os quais esto em constante transformao, o que

    implica, tambm, em subjetividades flexveis.

    Essa nova forma de poder, na mirada desses autores, no apaga os

    antigos dispositivos de confinamento, mas os modifica. As instituies

    disciplinares e de confinamento, como escola, famlia, fbrica, priso etc.,

    permanecem nessa sociedade como mecanismos de controle. Entretanto,

    por estarem em crise, muitos desses espaos ainda apresentam respostas

    baseadas nos pressupostos do pensamento moderno para problemas

    contemporneos, o que desvela a sua fragilidade. Como coloca

    Boaventura de Souza Santos (2008, p. 13), tempos de transio so, por

    definio, tempos de perguntas fortes e respostas fracas.

    Pensando a sociedade de controle nesse horizonte, na

    contemporaneidade, podemos indicar vrios exemplos. Hoje, no se

    enfatiza a necessidade da escola como Instituio, mas da formao

    continuada que se dissipa em diferentes ofertas do mercado, em uma

    busca por um conhecimento aparentemente inalcanvel; as redes sociais

    na Internet possibilitam ao cidado exercer o seu papel de fiscalizador do

    Estado, agindo simultaneamente como controle e mobilizao social; o

    confinamento da priso pode ser substitudo pela priso domiciliar,

    monitorado por coleiras eletrnicas; o corpo no mais disciplinado por

    algo externo a ele cada um de ns busca o controle, seja sobre sua

    sade, a ampliao de sua expectativa de vida, a seleo de uma atividade

    fsica, o cosmtico ideal para seu padro de beleza todos esses aspectos

    aliados a mercado, padres e consumo. Essas questes afetam a todos

    ns neste momento, de diversas maneiras, permito e acato, de certa

    forma, esse controle social: em meu celular, com Tecnologia Android, h

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    Avanando nessa discusso sobre biopoltica, Deleuze (1992) aborda a

    substituio do modelo disciplinar de sociedade para o que denominou

    sociedade de controle, em que o poder est dissolvido nas modulaes

    dos fluxos sociais, os quais esto em constante transformao, o que

    implica, tambm, em subjetividades flexveis.

    Essa nova forma de poder, na mirada desses autores, no apaga os

    antigos dispositivos de confinamento, mas os modifica. As instituies

    disciplinares e de confinamento, como escola, famlia, fbrica, priso etc.,

    permanecem nessa sociedade como mecanismos de controle. Entretanto,

    por estarem em crise, muitos desses espaos ainda apresentam respostas

    baseadas nos pressupostos do pensamento moderno para problemas

    contemporneos, o que desvela a sua fragilidade. Como coloca

    Boaventura de Souza Santos (2008, p. 13), tempos de transio so, por

    definio, tempos de perguntas fortes e respostas fracas.

    Pensando a sociedade de controle nesse horizonte, na

    contemporaneidade, podemos indicar vrios exemplos. Hoje, no se

    enfatiza a necessidade da escola como Instituio, mas da formao

    continuada que se dissipa em diferentes ofertas do mercado, em uma

    busca por um conhecimento aparentemente inalcanvel; as redes sociais

    na Internet possibilitam ao cidado exercer o seu papel de fiscalizador do

    Estado, agindo simultaneamente como controle e mobilizao social; o

    confinamento da priso pode ser substitudo pela priso domiciliar,

    monitorado por coleiras eletrnicas; o corpo no mais disciplinado por

    algo externo a ele cada um de ns busca o controle, seja sobre sua

    sade, a ampliao de sua expectativa de vida, a seleo de uma atividade

    fsica, o cosmtico ideal para seu padro de beleza todos esses aspectos

    aliados a mercado, padres e consumo. Essas questes afetam a todos

    ns neste momento, de diversas maneiras, permito e acato, de certa

    forma, esse controle social: em meu celular, com Tecnologia Android, h

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    um dispositivo, alardeado como um item de segurana, que permite a

    algumas pessoas rastrear a minha localizao via GPS (se eu errar na

    configurao dessa tecnologia posso me expor e permitir que todos os

    meus contatos do Facebook saibam onde estou). Por outra via, esse

    controle tambm pode ser feito por meio de processos de normalizao,

    como, por exemplo, a necessria apresentao de atestados de vacinao

    na entrada de vrios pases na Europa, pois todo brasileiro passa a ser

    generalizado como potencial transmissor de doenas tropicais, mesmo que

    no more no Brasil em rea suscetvel a essas doenas.

    Na sociedade de controle somos dados estatsticos, identificados por

    senhas e pelo perfil de consumo, atrelados s cifras que giram em torno da

    lgica flutuante neoliberal, um capitalismo de sobre-produo, como

    afirma Deleuze (1992, p. 223). Hoje, o controle contnuo e instantneo,

    em todas as esferas da vida, ocorrendo interpenetrao dos espaos, e o

    poder se dissolve nas redes.

    Ao defenderem outra compreenso de biopoltica, Deleuze e Guatarri

    (1995) afirmam que a viso por eles apresentada se distingue da

    perspectiva de Foucault, pois, enquanto, para este, a biopoltica da

    populao uma mquina abstrata, para Deleuze e Guatarri os

    agenciamentos no se centram no poder, mas nos desejos. Em suas

    palavras, os agenciamentos no nos parecem, antes de tudo, de poder,

    mas de desejo, sendo o desejo sempre agenciado, e o poder, uma

    dimenso estratificada do agenciamento (1995, p. 84).

    Se, para Foucault, a biopoltica mostra de forma depreciativa que a vida

    subordinada s lgicas de controle social, para Deleuze e Guatarri,

    nessa sociedade de controle o homem funciona em fluxos ondulatrios e o

    biopoltico pode significar microespaos de resistncia.

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    Como forma de transgresso s modulaes da sociedade de controle

    Deleuze ressalta que a biopoltica pode ser uma potncia positiva, uma

    fora criadora que articula simultaneamente a singularidade e pluralidade,

    abarca as dissonncias e possibilita linhas de fuga ou desterritorializao.

    Como Deleuze explana em uma das entrevistas cedidas Claire Parnet,

    no h territrio sem um vetor de sada do territrio e no h sada do

    territrio, ou seja, desterritorializao, sem, ao mesmo tempo, um esforo

    para se reterritorializar em outra parte3.

    A linha de fuga no um plano de abandono, pois, como ressalta

    Zourabichvili, uma potncia, j que uma linha sobre um plano fornece

    um outro ponto de vista sobre o conjunto de uma situao, um critrio

    imanente que permite analisar os agenciamentos (2004, p. 30). A linha de

    fuga permite pensar em outros estados de linhas, em outros tipos de

    linhas, em outros estados de corpos, e em outras conexes que

    possibilitam mapas mutantes.

    Nesse sentido, interessante identificar algumas correlaes com a

    performance j citada. Para poder se inserir no sistema da dana europeia

    Asenti aponta o caminho de participao em residncias artsticas e de

    envio de propostas s convocaes de festivais, mas aponta que, para os

    festivais, encontrou uma forma alternativa, mais eficaz, para ter acesso a

    esses circuitos: a recomendao, que acaba funcionando como um

    carimbo de pertencimento. Ao se ver nesse circuito, cuja performance

    inicial critica o prprio sistema de circulao da dana e os modelos

    educacionais da dana europeia, Asenti comea a indagar por que

    passou a ser convidado para participar de tantos festivais. A partir de seus

    3 In: Abecedrio de Gilles Deleuze. Srie de entrevistas disponveis na TV Escola Ministrio da Educao.

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    Como forma de transgresso s modulaes da sociedade de controle

    Deleuze ressalta que a biopoltica pode ser uma potncia positiva, uma

    fora criadora que articula simultaneamente a singularidade e pluralidade,

    abarca as dissonncias e possibilita linhas de fuga ou desterritorializao.

    Como Deleuze explana em uma das entrevistas cedidas Claire Parnet,

    no h territrio sem um vetor de sada do territrio e no h sada do

    territrio, ou seja, desterritorializao, sem, ao mesmo tempo, um esforo

    para se reterritorializar em outra parte3.

    A linha de fuga no um plano de abandono, pois, como ressalta

    Zourabichvili, uma potncia, j que uma linha sobre um plano fornece

    um outro ponto de vista sobre o conjunto de uma situao, um critrio

    imanente que permite analisar os agenciamentos (2004, p. 30). A linha de

    fuga permite pensar em outros estados de linhas, em outros tipos de

    linhas, em outros estados de corpos, e em outras conexes que

    possibilitam mapas mutantes.

    Nesse sentido, interessante identificar algumas correlaes com a

    performance j citada. Para poder se inserir no sistema da dana europeia

    Asenti aponta o caminho de participao em residncias artsticas e de

    envio de propostas s convocaes de festivais, mas aponta que, para os

    festivais, encontrou uma forma alternativa, mais eficaz, para ter acesso a

    esses circuitos: a recomendao, que acaba funcionando como um

    carimbo de pertencimento. Ao se ver nesse circuito, cuja performance

    inicial critica o prprio sistema de circulao da dana e os modelos

    educacionais da dana europeia, Asenti comea a indagar por que

    passou a ser convidado para participar de tantos festivais. A partir de seus

    3 In: Abecedrio de Gilles Deleuze. Srie de entrevistas disponveis na TV Escola Ministrio da Educao.

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    dilogos com a pesquisadora Ana Vujanovi, ele apresenta uma hiptese:

    como sua crtica vem de fora do sistema instaurado (festivais/contexto

    europeu ocidental) sua insero nesse circuito acaba demonstrando a

    frgil potncia crtica desses sistemas e, ao mesmo tempo, desvela o

    sintoma do monoplio ocidental no cenrio da dana contempornea. Ao

    perceber esse dispositivo do prprio sistema, esse performer inicia a

    terceira fase do seu projeto, na qual proclama a autoabolio da obra de

    arte e comea a pens-la como um meio artstico que propicia uma

    reflexo sobre o contexto e pblico. Nesse sentido, ele avalia que, a partir

    do momento em que se insere nesse circuito, passa a fazer parte dele, e

    isso leva a um enfraquecimento da prpria crtica presente em sua

    performance. E ainda desvela: essa a forma como opera o sistema da

    arte, da dana. Assim, prope a digresso da obra para que a mesma

    passe a ser um meio.

    interessante notarmos que nesse processo ocorrem as duas formas

    de biopolticas: o controle social, atravs dos sistemas dos festivais, e um

    ponto de fuga criado por Asenti, na digresso de sua obra, criando, a, um

    microespao de resistncia.

    Se pensarmos essas questes no campo da Dana na Educao, e aqui

    me refiro ao Brasil (mas muitos desses aspectos tambm ressoam em

    outros contextos), considero que poucas linhas de fuga tm sido criadas

    nos sistemas nos quais estamos inseridos. De uma forma ampla, quando

    se trata de processos artstico-educativos em dana, percebo que ainda h

    uma grande distncia entre a flexibilidade e reinveno presentes em

    processos e configuraes artsticas da dana, principalmente em algumas

    propostas da(s) dana(s) contempornea(s), e a conformao e linearidade

    de muitos processos educativos que ainda se fundamentam em prticas

    tradicionais de dana, em perspectivas hierrquicas e duais de corpo.

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    Ainda prevalece nos sistemas educacionais da dana um controle social

    e uma epistemologia excludente e hegemnica baseados na

    disciplinarizao dos corpos e hierarquizao dos saberes com

    predominncia de culturas de raiz eurocntrica. Nesses sistemas ainda se

    perpetuam configuraes lineares e hierrquicas de currculo que mantm

    o conhecimento compartimentalizado e cristalizam os conceitos de dana e

    de corpo. Seus mtodos empregam mecanismos de controle e

    adestramento do corpo que dana, e, desse modo, imprimem na paisagem

    educativa o que Najmanovich (s.d.) chama de escola da modernidade, com

    seu cenrio mecnico-disciplinador.

    Permanecem ainda sistemas educacionais da dana que pouco

    dialogam com os desejos e contextos dos alunos, cujos docentes separam

    sua prtica da teoria e da ao poltica e pouco se lanam nas incertezas

    do conhecimento e na construo coletiva. Essas ausncias enfraquecem

    a emergncia dos dilogos interculturais, a emerso de epistemologias

    contra-hegemnicas, que desvelam o carter mltiplo do mundo e outras

    ecologias dos saberes (Santos, 2005). Ao mesmo tempo, essas

    manutenes tambm no favorecem agenciamentos entre o que

    estabelecido e as incertezas, sendo as incertezas que nos movem para

    estados transitrios e possibilitam processos de (des)territorializao.

    Todos esses aspectos relacionados biopoltica me fazem lanar

    perguntas para devires compositivos: Como podemos potencializar novos

    planos de composies nos processos de ensino-aprendizagem para que

    estes se tornem espaos de indagao, de reforma de pensamento, de

    encontro com a diferena, de ao compartilhada, de agenciamento de

    desejos e visem instaurao de microespaos de resistncia? Como

    estamos articulando as macropolticas e as micropolticas da Dana na

    Educao?

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    Ainda prevalece nos sistemas educacionais da dana um controle social

    e uma epistemologia excludente e hegemnica baseados na

    disciplinarizao dos corpos e hierarquizao dos saberes com

    predominncia de culturas de raiz eurocntrica. Nesses sistemas ainda se

    perpetuam configuraes lineares e hierrquicas de currculo que mantm

    o conhecimento compartimentalizado e cristalizam os conceitos de dana e

    de corpo. Seus mtodos empregam mecanismos de controle e

    adestramento do corpo que dana, e, desse modo, imprimem na paisagem

    educativa o que Najmanovich (s.d.) chama de escola da modernidade, com

    seu cenrio mecnico-disciplinador.

    Permanecem ainda sistemas educacionais da dana que pouco

    dialogam com os desejos e contextos dos alunos, cujos docentes separam

    sua prtica da teoria e da ao poltica e pouco se lanam nas incertezas

    do conhecimento e na construo coletiva. Essas ausncias enfraquecem

    a emergncia dos dilogos interculturais, a emerso de epistemologias

    contra-hegemnicas, que desvelam o carter mltiplo do mundo e outras

    ecologias dos saberes (Santos, 2005). Ao mesmo tempo, essas

    manutenes tambm no favorecem agenciamentos entre o que

    estabelecido e as incertezas, sendo as incertezas que nos movem para

    estados transitrios e possibilitam processos de (des)territorializao.

    Todos esses aspectos relacionados biopoltica me fazem lanar

    perguntas para devires compositivos: Como podemos potencializar novos

    planos de composies nos processos de ensino-aprendizagem para que

    estes se tornem espaos de indagao, de reforma de pensamento, de

    encontro com a diferena, de ao compartilhada, de agenciamento de

    desejos e visem instaurao de microespaos de resistncia? Como

    estamos articulando as macropolticas e as micropolticas da Dana na

    Educao?

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    Plano do corpo, diferena e repetio

    Questes presentes na performance:

    [o performer ao vestir roupas esportivas, de segunda mo, afirma:] Agora sou reconhecido, sem dvidas, como um danarino contemporneo e estou totalmente nas novas

    tendncias da dana!

    Como perceber a influncia de coregrafos ao invs de copi-los ou imit-los? A traduo uma alternativa cpia?

    (Asenti, 2008).

    Se reconhecemos a potncia positiva da biopoltica, que a prpria

    potncia da vida, devemos lembrar que ela ocorre no corpo, que no

    apenas biolgico, mas cultural, poltico, histrico e social. O corpo no

    fragmentado em objetivo/subjetivo, natural/cultural, e, como explanam Katz

    e Greiner (2005), ele est em constante processo de contaminao com o

    ambiente, de forma codependente. O corpo mdia de si mesmo,

    corpomdia4, pois, como assevera Katz (2006, p. 1), um corpo sempre

    mostra a si mesmo, o que equivale dizer que ele sempre se apresenta com

    a coleo de informaes que o constituem naquele exato momento.

    Assim, suas transformaes se do nos agenciamentos que so

    coletivos e singulares, no e com o corpo na sua relao com o ambiente. A

    subjetividade a constituda da mesma forma que corpo pensamento.

    Chego, assim, a um segundo ponto essencial para o desenvolvimento

    de minha proposta. O corpo visto como a mdia de si mesmo, no caso da

    4 Termo cunhado por Greiner e Katz (2001). Que nega o corpo como instrumento de alguma coisa e define-o como mdia de si mesmo, cujas informaes e cruzamentos culturais esto contidos no prprio corpo em suas negociaes com o ambiente.

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    dana, se apresenta como pensamento, que pode propor linhas de fuga e

    desterritorializaes. Para tanto, compreendo a dana como ao poltica,

    pensamento transitivo do corpo que, em sua (re)com.posio, apresenta as

    informaes da diferena contida na singularidade e nos agenciamentos

    coletivos, j que o ser uno em sua multiplicidade e se diz na diferena.

    Vale ressaltar que, para Deleuze, a univocidade no significa a existncia

    de um nico e mesmo ser; para esse pensador, os seres so mltiplos e

    diferentes, sempre produzidos por uma sntese disjuntiva, eles prprios

    disjuntos e divergentes.

    Dessa maneira, adoto aqui o conceito de diferena5 proposto por

    Deleuze: o Ser se diz num nico sentido de tudo aquilo que ele se diz,

    mas aquilo de que ele se difere: ele se diz da prpria diferena (1988, p.

    76) e a faz diferindo. A diferena se instaura na relao, nos

    agenciamentos e, nesse sentido, a filosofia da diferena recusa a diferena

    delimitada como negao ou como negativo de limitao ou de oposio.

    Assim, a diferena no est circunscrita na exterioridade do sujeito, nem

    em seus adjetivos e nos estigmas.

    Deleuze prope que a diferena no pode ser compreendida baseada

    nos quatro pilares da representao (identidade, analogia, oposio e

    semelhana). Mostra-se a diferena diferindo, e ela s pode ser pensada

    em si mesma quando se desprende das amarras da representao. Para

    esse autor, no mundo dos simulacros o jogo o da diferena e da

    5 Utilizei esses conceitos em minha tese de doutoramento para analisar a produo de grupos de dana contempornea que possuem danarinos com e sem deficincia. Assim, mesmo que neste texto no aparea de forma direta a produo de dana contempornea com artistas com deficincia, sempre que me refiro a corpo e diferena vislumbro, tambm, a incluso de corpos no idealizados pela dana, cuja diferena se torna elemento essencial do processos de criao e sustenta perspectivas de aproximao com padres de normalidade.

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    dana, se apresenta como pensamento, que pode propor linhas de fuga e

    desterritorializaes. Para tanto, compreendo a dana como ao poltica,

    pensamento transitivo do corpo que, em sua (re)com.posio, apresenta as

    informaes da diferena contida na singularidade e nos agenciamentos

    coletivos, j que o ser uno em sua multiplicidade e se diz na diferena.

    Vale ressaltar que, para Deleuze, a univocidade no significa a existncia

    de um nico e mesmo ser; para esse pensador, os seres so mltiplos e

    diferentes, sempre produzidos por uma sntese disjuntiva, eles prprios

    disjuntos e divergentes.

    Dessa maneira, adoto aqui o conceito de diferena5 proposto por

    Deleuze: o Ser se diz num nico sentido de tudo aquilo que ele se diz,

    mas aquilo de que ele se difere: ele se diz da prpria diferena (1988, p.

    76) e a faz diferindo. A diferena se instaura na relao, nos

    agenciamentos e, nesse sentido, a filosofia da diferena recusa a diferena

    delimitada como negao ou como negativo de limitao ou de oposio.

    Assim, a diferena no est circunscrita na exterioridade do sujeito, nem

    em seus adjetivos e nos estigmas.

    Deleuze prope que a diferena no pode ser compreendida baseada

    nos quatro pilares da representao (identidade, analogia, oposio e

    semelhana). Mostra-se a diferena diferindo, e ela s pode ser pensada

    em si mesma quando se desprende das amarras da representao. Para

    esse autor, no mundo dos simulacros o jogo o da diferena e da

    5 Utilizei esses conceitos em minha tese de doutoramento para analisar a produo de grupos de dana contempornea que possuem danarinos com e sem deficincia. Assim, mesmo que neste texto no aparea de forma direta a produo de dana contempornea com artistas com deficincia, sempre que me refiro a corpo e diferena vislumbro, tambm, a incluso de corpos no idealizados pela dana, cuja diferena se torna elemento essencial do processos de criao e sustenta perspectivas de aproximao com padres de normalidade.

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    repetio e, nessa relao, a divergncia e o descentramento esto

    sempre associados diferena, e o deslocamento e o disfarce, repetio.

    Apesar de a repetio ser comumente vista como generalidade, como

    elementos iguais que possuem o mesmo conceito, na perspectiva

    deleuziana ela precisa ser compreendida em seu carter transgressor e

    como singularidade, pois necessrio localizar o se da repetio, a

    singularidade naquilo que se repete. Para o autor, distinguem-se duas

    formas de repetio: a primeira mecnica, repetio nua, repetio do

    mesmo e negativa por deficincia do conceito; a outra, e a que me

    interessa, a repetio travestida, aquela que apresenta a singularidade

    naquilo que se repete, que afirmativa pelo excesso de Ideia, e que

    compreende a diferena e compreende a si mesma na alteridade, na

    heterogeneidade de uma apresentao(Deleuze, 1988, pp. 55-56).

    A abordagem da singularidade de cada repetio um aspecto muito

    importante para a compreenso de uma parcela da produo da dana

    contempornea, pois em algumas obras coreogrficas a repetio um

    elemento de pesquisa, gerador de uma singularidade. Considero que a

    repetio em algumas obras da dana contempornea, ao explorar a

    complexidade do movimento/ao, o transmutar do que se repete no corpo

    em seus diferentes estados, provoca deslocamentos, retroaes,

    simulacros, tradues, pelos quais a diferena transita na organizao que

    ocorre em cada repetio, transbordando sries heterogneas de

    movimento/ao que possuem metforas prprias, fazendo com que a

    repetio seja a diferena em si mesma.

    Na performance My Private bio-politics, Asenti potencializa a repetio

    como diferena por meio de diferentes dispositivos: ao trazer para a cena

    movimentos apreendidos nas salas de aula de dana; ao citar referncias

    de coregrafos contemporneos que impactaram no seu trabalho; ao

    incluir aspectos autobiogrficos sobre seu desejo de infncia de se tornar

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    artista; e ao apresentar a coleo de objetos/informaes que fizeram parte

    de seu processo de criao. Por meio desses dispositivos Asenti desloca

    essas referncias e as apresenta de uma forma travestida, como atos de

    transgresso que interferem diretamente na plateia e no prprio sistema da

    dana. Seu ato de transgresso se intensifica com o proposital

    apagamento da prpria performance, que apenas permanecer como

    rastros, muito similar s nossas memrias. No final da performance, aps

    destruir todas as provas dos registros documentais de sua obra, ele

    declara estar livre do contexto. Em seguida, realiza uma sequncia que

    replica movimentos codificados e altamente reconhecidos pela plateia, que

    nada mais do que a repetio do mesmo. Isso pode gerar um estado de

    conforto na plateia, pela falsa ideia da negao da diferena e pela

    permanncia de linguagens de dana que todos esperam ver.

    Essa negao das diferenas tambm facilmente percebida em muitos

    sistemas educacionais da dana. Muitos corpos se tornam invisveis para

    garantir a visibilidade de determinados padres corporais. Prticas

    corporais usualmente presentes nas salas de dana ainda se encontram

    arraigadas a um corpo idealizado, cujos corpos que no se adequam a

    essa norma (como o obeso ou o corpo da pessoa com deficincia) so

    considerados como corpos no desejados pela dana, e estes devem se

    beneficiar da prpria dana apenas como terapia e no como arte.

    Muitos sistemas da dana compreendem os processos educacionais

    como individuais e h pouco espao para aes colaborativas. Os

    treinamentos corporais, mtodos e os processos criativos so abordados,

    em muitos desses sistemas, por meio de perspectivas instrumentais e

    duais de corpo. A repetio do movimento utilizada como uma simples

    re-apresentao mecnica de uma clula de movimento, como uma

    repetio nua. Ainda se percebe a permanncia da viso do corpo como

    linguagem no-verbal, como expresso ou como linguagem do indizvel,

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    artista; e ao apresentar a coleo de objetos/informaes que fizeram parte

    de seu processo de criao. Por meio desses dispositivos Asenti desloca

    essas referncias e as apresenta de uma forma travestida, como atos de

    transgresso que interferem diretamente na plateia e no prprio sistema da

    dana. Seu ato de transgresso se intensifica com o proposital

    apagamento da prpria performance, que apenas permanecer como

    rastros, muito similar s nossas memrias. No final da performance, aps

    destruir todas as provas dos registros documentais de sua obra, ele

    declara estar livre do contexto. Em seguida, realiza uma sequncia que

    replica movimentos codificados e altamente reconhecidos pela plateia, que

    nada mais do que a repetio do mesmo. Isso pode gerar um estado de

    conforto na plateia, pela falsa ideia da negao da diferena e pela

    permanncia de linguagens de dana que todos esperam ver.

    Essa negao das diferenas tambm facilmente percebida em muitos

    sistemas educacionais da dana. Muitos corpos se tornam invisveis para

    garantir a visibilidade de determinados padres corporais. Prticas

    corporais usualmente presentes nas salas de dana ainda se encontram

    arraigadas a um corpo idealizado, cujos corpos que no se adequam a

    essa norma (como o obeso ou o corpo da pessoa com deficincia) so

    considerados como corpos no desejados pela dana, e estes devem se

    beneficiar da prpria dana apenas como terapia e no como arte.

    Muitos sistemas da dana compreendem os processos educacionais

    como individuais e h pouco espao para aes colaborativas. Os

    treinamentos corporais, mtodos e os processos criativos so abordados,

    em muitos desses sistemas, por meio de perspectivas instrumentais e

    duais de corpo. A repetio do movimento utilizada como uma simples

    re-apresentao mecnica de uma clula de movimento, como uma

    repetio nua. Ainda se percebe a permanncia da viso do corpo como

    linguagem no-verbal, como expresso ou como linguagem do indizvel,

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    conceitos esses que muitas vezes implicam numa compreenso da dana

    como o grau zero da comunicao, descolada de suas informaes

    bioculturais. Imagina-se que o contexto social, econmico, cultural,

    poltico e histrico e todas as suas implicaes ficam do lado de fora das

    salas de dana.

    Essas perspectivas apontam algumas indagaes para outros devires

    compositivos: Como podemos potencializar planos compositivos que levem

    em considerao a emergncia de diferentes ecologias dos saberes? De

    que forma propiciamos agenciamentos entre o instaurado e as incertezas

    nos processos de ensino-aprendizagem na dana? Abordamos a diferena

    e a repetio como divergncia e deslocamentos? Potencializamos ou

    minimizamos nossa capacidade de afetar e ser afetados?

    Ao optar por apresentar possveis planos de fuga espero que estes

    possam se tornar elementos para mltiplos devires compositivos, os quais,

    em seu processo de desterritorializao, potencializem os agenciamentos

    com/na diferena, desvelem ecologias dos saberes, configurem-se como

    espaos de compartilhamento, de incertezas e deslocamentos, e que a

    repetio se apresente de forma travestida e a dana seja, tambm,

    percebida como ao poltica. E aqui chego ltima questo, mas a no

    menos importante: Como voc agencia a sua micro (bio)poltica?

    Referncias

    ASENTI, Saa (2011). My private bio-politics. In; dance tech TV, april 2011. Disponvel em: http://dance-tech.tv/videos/my-private-bio-politics-by-sasa-asentic/

    ASENTI, Saa & VUJANOVIC, Ana (2008). My private bio-politics: a performance on the paper floor (third phase). In: R. Gough, & A. Lepecki (issue editors). Performance Research, Volume 13.1, march.

    DELEUZE, Gilles (1988). Diferena e repetio. Rio de Janeiro: Graal. ______. (1992). Conversaes. So Paulo: Ed. 34, 1992. DELEUZE, Gilles e GUATARRI, Flix (1995). Mil plats: capitalismo e esquizofrenia. Vol.

    2. Rio de Janeiro: Ed. 34. FOUCAULT, Michel (2008). Microfsica do poder. 26. ed. So Paulo: Graal.

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    GALLO, Slvio (2008). Deslocamentos: Deleuze e a educao. Belo Horizonte: Autntica. KATZ, Helena & GREINER, Christine (2005). Por uma teoria do corpomdia. In: C.

    Greiner. O corpo: pistas para estudos indisciplinares (pp. 125-133). So Paulo: Annablume.

    KATZ, Helena. Todo corpo corpomdia (2006). COMCINCIA. Revista Eletrnica de jornalismo Cientfico, n. 74. Disponvel em: http://comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=11&id=87&tipo=1.

    LEPECKI, Andr. Planos de composio (2010). In: GREINER, C.; SANTO, C. & SOBRAL, S. (Orgs). Cartografia: Rumos Ita Cultural Dana 2009-2010 (pp. 13-20). So Paulo: Ita Cultural.

    NAJMANOVICH, Denise (s/d). Desamurallar a educacion: hacia novas paisagens educativas. Disponvel em:http://www.denisenajmanovich.com.ar/htmls/0301_textos.php.

    PARNET, Claire. O abecedrio de Gilles Deleuze. Sries de entrevistas realizadas entre 1988-1989. Realizao de Pierre-Andr Boutang. Produo ditions Montparnasse, Paris. TV Escola, Ministrio da Educao, Brasil. Disponvel em: http://tvescola.mec.gov.br

    SANTOS, Boaventura de Souza. A filosofia venda, a douta ignorncia e a aposta de Pascal (2008). In: Revista Crtica de Cincias Sociais, 80, Maro, 11-43.

    ______. Por uma sociologia das ausncias e uma sociologia das emergncias (2006). In: SOUZA, Boaventura de S. (Org.). Conhecimento prudente para uma vida decente: Um discurso sobre as Cincias revisitado (pp. 11-43). So Paulo: Cortez, 2006, p. 777-821.

    ZOURABICHVILI, Franois (2004). O vocabulrio de Deleuze. Rio de Janeiro: Relume-Dumar.

    Lcia Matos [email protected] /[email protected] Professora Adjunta da Escola de Dana da UFBA, atuando na graduao e na ps-graduao. Doutora em Artes Cnicas (PPGAC-UFBA), mestre em Educao (PPGE UFBA) e licenciada em Dana. co-lder e pesquisadora do PROCEDA - Processos Corporeogrficos e Educacionais em Dana, onde desenvolve a pesquisa Mapeamento dos campos artstico e formao em dana em dois municpios da Regio Metropolitana de Salvador. Coordenadora do Projeto Redanas: redes colaborativas em Dana como ao poltica. representante da Bahia no Colegiado Setorial de Dana da FUNARTE/ MINC (2004-2009/ 2010-2011) membro do Grupo Gestor da Red Sudamericana de Danza (2010 - ). Distinguida com o Prmio Nacional de Dana do Ministrio da Cultura da Colmbia (2010). Apresentou trabalhos relacionados metodologia do ensino da dana, corpo e diferena, e polticas culturais de dana em congressos nacionais e internacionais. Em 2009 foi palestrante-convidada do World Alliance for Arts Education Summit 2009 (Newcastle, Inglaterra), Nos anos de 2007-2008 exerceu o cargo de Diretora de Dana da Fundao Cultural do Estado da Bahia SECULT. Possui captulos de livros publicados, e artigos em revistas nacionais e internacionais.: In http://lattes.cnpq.br/8146090051443533