Ateliê de ensino de projeto arquitetônico e novas...

15
Ateliê de ensino de projeto arquitetônico e novas tecnologias: a APO como metodologia para a avaliação da qualidade do espaço Educational architectural design studio and new technologies: APO as a methodology for assessing the quality of space Atelier de educación diseño arquitectónico y las nuevas tecnologías: APO como una metodología para la evaluación de la calidad del espacio Eleusy Natália Miguel Mestranda em Economia Doméstica, Universidade Federal de Viçosa, [email protected] Maressa Fonseca e Souza Mestranda em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Viçosa, [email protected] Aline Werneck Barbosa de Carvalho Doutora em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Viçosa, [email protected] RESUMO Partindo da premissa que o ambiente do atelier é fundamental para o ensino e aprendizagem em arquitetura, este artigo pretende apresentar uma abordagem a cerca da sala de aula, da APO (Avaliação Pós-ocupação do Ambiente Construído) como ferramenta de análise da qualidade desse espaço, e das novas mídias. O objetivo deste estudo foi avaliar a qualidade do espaço utilizado e sua adequação para novas práticas pedagógicas e novas tecnologias, tendo como objeto de estudo as salas de aula do DAU-UFV. Para tal, foi adotada a metodologia da APO construtiva, funcional e comportamental. Os dados obtidos confirmaram a afirmativa que: o ateliê de projeto de arquitetura é um exemplo vivo e tradicional de uma forma de ensino prática-reflexiva, onde os estudantes aprendem através do fazer, apoiados pela orientação dos professores. No DAU verificou-se a necessidade de adaptação das salas quanto ao layout, à parte elétrica, da inconstância do sinal de internet assim como a inclusão de novas mídias de ensino; necessidade de manutenção geral das salas e do mobiliário e necessidade de maior flexibilidade do espaço. Neste sentido, entende-se que as novas mídias e tecnologias devem ser introduzidas nas escolas de arquitetura já que estão inseridas na vida do estudante, e devem ser encaradas como ferramenta no processo ensino-aprendizagem. Cabe salientar que a finalidade não é substituir as mídias tradicionais, e sim acoplá-las aos recursos tecnológicos, para que a aprendizagem seja mais eficaz e estimulante. PALAVRAS-CHAVE: atelier de projeto; ensino de projeto arquitetônico; avaliação pós-ocupação; novas mídias educacionais; novas tecnologias. ABSTRACT Assuming that the studio environment is essential for teaching and learning in architecture, this article aims to present an approach about the classroom, the APO (Post-occupancy Evaluation of the Built Environment) as an analytical tool of the quality of that space, and of the new medias. The objective of this study was to evaluate the quality of the used space and its suitability for new pedagogical practices and new technologies, with the classrooms of the DAU-UFV as the object of study. To this end, the APO constructive, functional and behavioral methodology was adopted. The data confirmed the statement that: the studio of architectural design is a living example of a traditional form of practice-reflexive education, where students learn by doing, supported by the

Transcript of Ateliê de ensino de projeto arquitetônico e novas...

Page 1: Ateliê de ensino de projeto arquitetônico e novas ...projedata.grupoprojetar.ufrn.br/dspace/bitstream/123456789/2109/1/... · Suponiendo que el ambiente de estudio es esencial para

Ateliê de ensino de projeto arquitetônico e novas tecnologias: a APO como metodologia para a avaliação da qualidade do espaço

Educational architectural design studio and new technologies: APO as a

methodology for assessing the quality of space

Atelier de educación diseño arquitectónico y las nuevas tecnologías: APO como una metodología para la evaluación de la calidad del espacio

Eleusy Natália Miguel Mestranda em Economia Doméstica, Universidade Federal de Viçosa, [email protected]

Maressa Fonseca e Souza Mestranda em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Viçosa, [email protected]

Aline Werneck Barbosa de Carvalho Doutora em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Viçosa, [email protected]

RESUMO Partindo da premissa que o ambiente do atelier é fundamental para o ensino e aprendizagem em arquitetura, este artigo pretende apresentar uma abordagem a cerca da sala de aula, da APO (Avaliação Pós-ocupação do Ambiente Construído) como ferramenta de análise da qualidade desse espaço, e das novas mídias. O objetivo deste estudo foi avaliar a qualidade do espaço utilizado e sua adequação para novas práticas pedagógicas e novas tecnologias, tendo como objeto de estudo as salas de aula do DAU-UFV. Para tal, foi adotada a metodologia da APO construtiva, funcional e comportamental. Os dados obtidos confirmaram a afirmativa que: o ateliê de projeto de arquitetura é um exemplo vivo e tradicional de uma forma de ensino prática-reflexiva, onde os estudantes aprendem através do fazer, apoiados pela orientação dos professores. No DAU verificou-se a necessidade de adaptação das salas quanto ao layout, à parte elétrica, da inconstância do sinal de internet assim como a inclusão de novas mídias de ensino; necessidade de manutenção geral das salas e do mobiliário e necessidade de maior flexibilidade do espaço. Neste sentido, entende-se que as novas mídias e tecnologias devem ser introduzidas nas escolas de arquitetura já que estão inseridas na vida do estudante, e devem ser encaradas como ferramenta no processo ensino-aprendizagem. Cabe salientar que a finalidade não é substituir as mídias tradicionais, e sim acoplá-las aos recursos tecnológicos, para que a aprendizagem seja mais eficaz e estimulante.

PALAVRAS-CHAVE: atelier de projeto; ensino de projeto arquitetônico; avaliação pós-ocupação; novas mídias

educacionais; novas tecnologias.

ABSTRACT

Assuming that the studio environment is essential for teaching and learning in architecture, this article aims to present an approach about the classroom, the APO (Post-occupancy Evaluation of the Built Environment) as an analytical tool of the quality of that space, and of the new medias. The objective of this study was to evaluate the quality of the used space and its suitability for new pedagogical practices and new technologies, with the classrooms of the DAU-UFV as the object of study. To this end, the APO constructive, functional and behavioral methodology was adopted. The data confirmed the statement that: the studio of architectural design is a living example of a traditional form of practice-reflexive education, where students learn by doing, supported by the

Page 2: Ateliê de ensino de projeto arquitetônico e novas ...projedata.grupoprojetar.ufrn.br/dspace/bitstream/123456789/2109/1/... · Suponiendo que el ambiente de estudio es esencial para

guidance of teachers. At the DAU there was the need to adapt the rooms layout, electrical installations, and internet signal inconsistency; as well as the inclusion of new educational medias; need for general maintenance of the rooms and furniture and need for greater flexibility of the space. In this sense, it is understood that the new medias and technologies should be introduced in schools of architecture since the students already interact with them, and should be seen as a tool in the teaching-learning process. It should be noted that the purpose is not to replace the traditional medias, but to incorporate them to the technological resources so that the learning experience is more effective and stimulating.

KEYWORDS: design studio; architectural design education; post-occupancy evaluation; new educational media;

new technologies.

RESUMEN

Suponiendo que el ambiente de estudio es esencial para la enseñanza y el aprendizaje en la arquitectura, este artículo tiene como objetivo presentar un enfoque sobre el salón de clases, la APO (evaluación posterior a la ocupación de Medio Ambiente Construido) como herramienta de análisis de la calidad de ese espacio y nuevos medios de comunicación. El objetivo de este estudio fue evaluar la calidad del espacio utilizado y su idoneidad para las nuevas prácticas pedagógicas y las nuevas tecnologías, con el objeto de aulas de estudio de la SAD-UFV. Con este fin, el Comité aprobó la metodología constructiva AP, funcional y conductual. Los datos confirman la afirmación de que: el estudio de diseño arquitectónico es un ejemplo vivo de una forma tradicional de la educación práctica reflexiva, donde los estudiantes aprenden haciendo, con el apoyo de la dirección de los profesores. El SAD hubo la necesidad de adaptar las habitaciones como el diseño, la eléctrica, la inconstancia de señal de Internet; así como la inclusión de nuevos medios de comunicación educativa; necesario para el mantenimiento general de las habitaciones y los muebles y la necesidad de una mayor flexibilidad del espacio. En este sentido, se entiende que los nuevos medios de comunicación y las tecnologías deben ser introducidos en las escuelas de arquitectura a medida que se introducen en la vida estudiantil, y debe ser visto como una herramienta en el proceso de enseñanza-aprendizaje. Cabe señalar que el propósito no es reemplazar los medios de comunicación tradicionales, pero acoplarlos a los recursos tecnológicos para que el aprendizaje es más eficaz y estimulante.

PALABRAS CLAVE: estudio de diseño; la enseñanza del diseño arquitectónico; evaluación posterior a la ocupación; nuevos medios de comunicación educativa; nuevas tecnologias.

1 INTRODUÇÃO

Este artigo apresenta a síntese de um trabalho prático fundamentado em pesquisa de campo

realizado para a disciplina ARQ 632 – Avaliação Pós-Ocupação do Ambiente Construído, no período

2014/1 no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de

Viçosa, por uma equipe multidisciplinar de quatro alunos – um engenheiro civil, uma economista

doméstica, uma arquiteta, uma arquiteta e economista doméstica – e uma coordenadora, no caso, a

professora arquiteta e urbanista responsável pela disciplina.

A escolha do objeto de estudo partiu de uma problemática levantada pela coordenadora quanto ao

espaço utilizado para as aulas de Projeto Arquitetônico no Departamento de Arquitetura e

Urbanismo da UFV (DAU-UFV) e a sua adequação para prática pedagógica em um contexto de novas

tecnologias, tanto as tecnologias de informação e comunicação quanto as aplicadas especificamente

Page 3: Ateliê de ensino de projeto arquitetônico e novas ...projedata.grupoprojetar.ufrn.br/dspace/bitstream/123456789/2109/1/... · Suponiendo que el ambiente de estudio es esencial para

aos projetos de Arquitetura e Urbanismo. Por ministrar aulas para a graduação, a coordenadora citou

alguns problemas percebidos em sua prática pedagógica. Tem-se como hipótese que a configuração

destes ambientes influencia a prática pedagógica, bem como o processo de criação dos projetistas.

Em se tratando de arquitetura e urbanismo, a qualidade do processo de criação incidirá diretamente

no espaço projetado, é um tema pertinente para investigação, uma vez que um processo

retroalimenta o outro, tanto a APO quanto o processo de projeto.

2 CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO

O curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Viçosa foi criado no

ano de 1991. Lotado inicialmente no Departamento de Engenharia Civil, logo adquiriu

reconhecimento institucional e autonomia com a criação, em 1992, do Departamento de Arquitetura

e Urbanismo (DAU). O edifício sede do DAU, com cerca de dois mil metros quadrados, foi fruto de

uma adaptação de um edifício existente dentro do Campus da Universidade (Figura 01).

Figura 01: Planta baixa do edifício do Departamento de Arquitetura e Urbanismo– UFV. 2014.

Fonte: Acervo pessoal.

Os ateliês de projeto (salas 204 e 206) situam-se no segundo pavimento do edifício do DAU e são

acessados por meio da rampa principal ou pela escada presente no bloco1 anexo ao corpo principal

do edifício, que se liga a ele através de um corredor. Os ateliês resultaram da demolição de uma

parede que dividia as salas 203 e 204, e as salas 205 e 206, respectivamente, para atender uma

1 Este bloco foi construído posteriormente.

Page 4: Ateliê de ensino de projeto arquitetônico e novas ...projedata.grupoprojetar.ufrn.br/dspace/bitstream/123456789/2109/1/... · Suponiendo que el ambiente de estudio es esencial para

capacidade de 48 alunos (ver área destacada na Figura 01). Como solução estrutural, foram inseridas

duas colunas de concreto no lugar das paredes, conformando uma planta livre retangular longilínea.

Essa modificação foi necessária em função do aumento do número de vagas do curso de Arquitetura

e Urbanismo, a partir do ano 2000, quando o número de alunos das turmas de projeto arquitetônico

dobrou (Figura 02).

Figura 02: Espaço das salas 204 e 206, conhecidas como sala verde e azul, respectivamente.

Fonte: Acervo pessoal.

Durante todo o semestre letivo as salas em estudo são utilizadas por diversas disciplinas, ou seja, não

são restritas às aulas de projeto arquitetônico. Cada disciplina ministrada requer uma dinâmica

espacial, material, mobiliário e equipamentos distintos.

As aulas de Projeto Arquitetônico necessitam de pranchetas, equipamentos para aula expositiva e

ambiente para confecção de maquetes, assim como espaço para desenhos manuais e em

computadores. As disciplinas de Desenho Geométrico e Desenho Arquitetônico necessitam de espaço

para aulas expositivas e pranchetas para desenho, enquanto disciplinas como Planejamento Urbano,

Planejamento Regional e Instalações Prediais utilizam materiais e equipamentos destinados a aulas

expositivas e à produção de trabalhos didáticos como cartazes, mapas e pranchas. Mesmo com as

especificidades de cada disciplina, todas têm em comum a necessidade de flexibilidade do mobiliário,

pois há dinâmicas pedagógicas que necessitam de arranjos diversos do mobiliário.

3 TECNOLOGIA E SALA DE PROJETO

Historicamente, o ambiente do “atelier” ou estúdio predominou na maioria das instituições, sendo

visto desde a École des Beaux Arts, fundada na França, em 1816 (Figuras 03 e 04). Este modelo foi

herdado por diversas instituições ao redor do mundo, onde permanecem ainda hoje os ateliês

destinados às disciplinas de projeto arquitetônico, caracterizados por ambientes amplos, com

pranchetas, réguas paralelas fixas ou móveis, onde os alunos realizam seus trabalhos enquanto os

Page 5: Ateliê de ensino de projeto arquitetônico e novas ...projedata.grupoprojetar.ufrn.br/dspace/bitstream/123456789/2109/1/... · Suponiendo que el ambiente de estudio es esencial para

professores orientam, se dirigindo às pranchetas, ou apresentam conteúdo teórico com auxílio de

lousas.

Figuras 03 e 04: Atelier de arquitetura na École des Beaux Arts em 1905 e estúdio de arqutietura do MIT em 1900.

Fonte: <http://home.comcast.net/~abstover/learning_arch/learning_arch_02.html#history>. Acesso em: 25 junho 2014.

Porém, a incorporação das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) na produção

arquitetônica contemporânea impõe uma revisão do espaço destinado ao ensino de Arquitetura e

Urbanismo. A Arquitetura Digital é uma nova tendência, amparada em tecnologias que possuem um

corpo teórico exclusivo, com capacidade de produzir uma categoria inédita de objetos com alto nível

de complexidade. De acordo com Nardelli (2007), esta nova arquitetura supera os padrões

tradicionais, saindo do espaço geométrico Euclidiano para uma plataforma de sistemas cinéticos e

dinâmicos integrados a sistemas como o CAD (Computer Aided Design) e o BIM (Building Information

Modeling), que permitem construções bastante complexas. Passa-se então, do processo do desenho

na arquitetura tradicional, onde a materialização do desenho se dá por meio do papel, para um

processo complexo e digital.

Veloso e Rufino (2007) afirmam que o domínio das ferramentas computacionais não garante a

qualidade dos projetos, nem a inserção de novas tecnologias por parte do professor asseguram um

caráter inovador às práticas pedagógicas. Defendem, portanto, (a) uma melhor inserção dos

paradigmas da colaboração, da simulação e da flexibilidade; (b) um maior esforço de

capacitação/atualização profissional, em especial dos professores de projeto, no sentido de

acompanharem inovações tecnológicas nas áreas de arquitetura, engenharia, construção civil e

informática; e (c) uma maior preocupação institucional no sentido de garantir condições para o

acompanhamento do desenvolvimento tecnológico, destinando mais recursos para o ensino e a

pesquisa de qualidade e também para a capacitação de pessoal.

Além da necessária reflexão sobre as práticas pedagógicas, os espaços destinados ao ensino de

Arquitetura e Urbanismo, especificamente destinados às disciplinas de projeto arquitetônico,

precisam ser revistos em paralelo. O que se observa em muitas instituições de ensino de arquitetura,

que tem buscado se adaptar a estes novos paradigmas, é que os espaços destinados à prática do

Page 6: Ateliê de ensino de projeto arquitetônico e novas ...projedata.grupoprojetar.ufrn.br/dspace/bitstream/123456789/2109/1/... · Suponiendo que el ambiente de estudio es esencial para

projeto valorizam muito mais o processo do que o resultado final, ou seja, o desenho técnico

propriamente dito. Superfícies que possibilitam experimentações com maquetes físicas, postos de

trabalho multiuso, possibilidade de uso simultâneo de computadores e materiais de desenho,

espaços apropriáveis pelos alunos através da presença de estantes, murais e até mesmo plantas, são

alguns dos elementos que compõem a dinâmica de um atelier de projeto.

4 OBJETIVO

Analisar a qualidade do espaço utilizado para o ensino do projeto arquitetônico e a sua adequação

para prática pedagógica em um contexto de novas tecnologias, tanto as tecnologias de informação e

comunicação quanto às aplicadas especificamente aos projetos de Arquitetura e Urbanismo, tendo

como objeto de estudo as salas de aula destinadas às disciplinas de Projeto do DAU-UFV.

5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Tendo em vista o objetivo proposto, a composição da equipe e o tempo disponível, definiu-se que a

Avaliação Pós-Ocupação (APO), a APO Construtiva seria realizada a partir do ponto de vista dos

técnicos, enquanto a APO Funcional seria realizada a partir do ponto de vista técnico e da satisfação

dos usuários (avaliação comportamental).

O trabalho foi dividido em três fases ao longo de um semestre letivo. A primeira fase correspondeu

ao planejamento da pesquisa, realizado a partir do estudo sobre os métodos utilizados em APO,

sendo definido um cronograma norteador das ações. A segunda fase constou de pesquisa de campo,

realizada entre os meses de abril e junho de 2014, com aplicação dos métodos de coleta e análise

escolhidos. Por fim, foi elaborado um Relatório Final contendo a síntese dos trabalhos realizados,

tabulação dos dados e avaliação dos resultados obtidos.

APO Construtiva

A avaliação dos aspectos construtivos das salas foi realizada através de dois métodos de coleta de

dados: observação direta e o walkthrough, utilizando-se fichas de registro e fotografias. Os aspectos

construtivos observados se pautaram na análise de quatro “órgãos” do edifício – vedos, vãos,

paramentos e pavimentos – além de mobiliário, infraestrutura e equipamentos. De maneira geral,

constatou-se que as salas se encontram em estado satisfatório de conservação. Os principais aspectos

considerados inadequados se relacionam com a manutenção do espaço, como a presença de

Page 7: Ateliê de ensino de projeto arquitetônico e novas ...projedata.grupoprojetar.ufrn.br/dspace/bitstream/123456789/2109/1/... · Suponiendo que el ambiente de estudio es esencial para

sujidades das paredes, partes do forro descobertas, infiltração em pontos próximos à viga de

sustentação das calhas do telhado. A observação das condições de infraestrutura e do mobiliário

registrou algumas pranchetas quebradas ou com réguas paralelas soltas, certo número de cadeiras

com altura de assento não compatível com a altura do tampo das pranchetas e armários embutidos

com acesso restrito, com portas de difícil manuseio e acúmulo de sujidades.

APO Funcional

A avaliação funcional teve como objetivo verificar os aspectos relevantes quanto à organização

espacial e das atividades desenvolvidas nas salas de projeto, além de fluxos, acessos, circulações e

disponibilidade de área compatível com a atividade fim. Para tanto foram utilizados a observação

direta do comportamento dos usuários, registrada por meio de fotografias e mapas comportamentais

(Figuras 05 e 06), e métodos para investigação da satisfação dos usuários.

Figuras 05 e 06 – Comportamento dos alunos durante as aulas de Projeto Arquitetônico, sala 204.

Fonte: Acervo pessoal.

As observações foram realizadas durante as aulas de quatro disciplinas de Projeto Arquitetônico

ministradas no primeiro semestre de 2014 (ARQ 130, ARQ 342, ARQ 344 e ARQ 346), com duração de

quatro horas por aula. Ao todo, foram realizadas doze observações registradas por meio de mapas

comportamentais em intervalos de 30 minutos entre um registro e outro. Através das análises dos

registros, observou-se um comportamento bastante semelhante entre as turmas tanto pela

característica das aulas ministradas quanto pelo mobiliário e interação entre os alunos (Figura 07).

Page 8: Ateliê de ensino de projeto arquitetônico e novas ...projedata.grupoprojetar.ufrn.br/dspace/bitstream/123456789/2109/1/... · Suponiendo que el ambiente de estudio es esencial para

Figura 07 – Exemplo de mapa comportamental elaborado durante uma aula de ARQ 346 – Projeto VI, ocasião em que houve uma dinâmica de discussão de textos e diretrizes de projeto.

Fonte: Acervo pessoal.

Ao longo das aulas, percebeu-se certa dispersão dos alunos no ambiente da sala, reflexo de uma

preferência pelo uso das pranchetas localizadas próximas às paredes laterais, onde há disponibilidade

de tomadas, tanto nas paredes quanto nas canaletas instaladas para atender a esta demanda. Como

as salas são longas, os alunos ficavam distantes das extremidades onde se localizam as telas de

projeção e os quadros. Tal situação ocorria tanto em aulas práticas, em que os alunos utilizam o

computador para projetar, quanto em aulas teóricas, exigindo dos professores uma postura

desconfortável por ter que pedir aos alunos para se aproximarem, tentando facilitar assim sua

interlocução. Em algumas aulas que exigiam uma dinâmica distinta, como no caso de discussão de

textos, o layout da sala era modificado para formar uma grande roda de discussões. Porém, como as

pranchetas são pesadas e não possuem rodinhas, observou-se que mesmo com a mudança de

dinâmica na mesma aula, o layout permanecia o mesmo e os alunos se deslocavam para as

pranchetas laterais para trabalharem em seus projetos.

Avaliação Comportamental

Para avaliar o comportamento e a satisfação dos usuários quanto aos espaços, foram aplicados

questionários, poema dos desejos e mapeamento visual – preenchidos pelos alunos (112 formulários

Page 9: Ateliê de ensino de projeto arquitetônico e novas ...projedata.grupoprojetar.ufrn.br/dspace/bitstream/123456789/2109/1/... · Suponiendo que el ambiente de estudio es esencial para

no total, o que representou aproximadamente 80% do número de alunos matriculados), e realizadas

entrevistas com os professores das respectivas disciplinas de Projeto Arquitetônico.

Questionário

O questionário foi elaborado com questões fechadas de múltipla escolha, contendo uma escala de 4

pontos (Concordo, Concordo Totalmente, Discordo e Discordo Totalmente), separadas em dois blocos:

Aspectos Gerais (configuração espacial, mobiliário, conforto ambiental, elementos construtivos e

tecnologia) e Práticas Pedagógicas. Em Aspectos Gerais, a maioria dos itens abordados recebeu

avaliação satisfatória pelos alunos. Com relação à configuração espacial, para mais de 60% a sala

permite flexibilidade quanto ao uso de novos recursos didáticos e há certo consenso com relação à

adequabilidade da sala para seu uso geral, mas o mobiliário é apontado com 60% de insatisfação em

relação à sua manutenção, sendo parcialmente adequado às demandas das aulas. Os itens

relacionados ao uso de tecnologias foram os que mais receberam desaprovação, principalmente nas

questões de infraestrutura elétrica e de rede sem fio (Gráfico 01).

Gráfico 01 – Respostas quanto ao uso da tecnologia em sala de aula 2014.

Fonte: Acervo pessoal.

Em relação às Práticas Pedagógicas, houve concordância quanto à necessidade de aulas teóricas e

aprovação do uso de recursos tecnológicos durante as aulas. A maioria concorda que os professores

são adeptos às novas tecnologias e que estimulam o uso de recursos tecnológicos durante as aulas.

Entretanto, a metodologia utilizada pelos professores foi reprovada por 50% dos alunos e mais de

80% deles não consideram que a conformação das salas estimula a criatividade (Gráfico 02).

Page 10: Ateliê de ensino de projeto arquitetônico e novas ...projedata.grupoprojetar.ufrn.br/dspace/bitstream/123456789/2109/1/... · Suponiendo que el ambiente de estudio es esencial para

Gráfico 02 – Respostas quanto às práticas pedagógicas.

Fonte: Acervo pessoal.

Poema dos desejos

Ao analisar as respostas ao Poema dos Desejos, foram elencados alguns itens recorrentes, registrados

graficamente. Os maiores anseios registrados referem-se ao aumento do número de tomadas e à

necessidade de um mobiliário mais flexível. Embora em menor número, foram citados alguns itens

que os pesquisadores não haviam levado em consideração a priori, como a menção de espaços

disponíveis na sala para exposição de trabalhos realizados em semestres anteriores (como maquetes,

por exemplo), superfícies táteis e de referência criativa para o processo de projeto, além de livros

para consulta e o desejo de um espaço que estimule a apropriação pelos alunos.

Mapeamento visual

O mapeamento visual possibilita identificar a percepção dos usuários em relação a um determinado

ambiente quanto à sua localização, apropriação, inadequação a situações existentes, mobiliário

excedente ou inadequado, etc. (RHEINGANTZ et al. 2009). A partir da análise das fichas de

mapeamento visual, constatou-se certo equilíbrio em relação aos pontos positivos e negativos das

salas de aula. O índice elevado de pontos positivos deve-se a aspectos como amplitude das salas e

iluminação natural. Com relação aos pontos negativos, os de maior destaque foram condições de

manutenção da prancheta, presença de pilares que prejudicam a visibilidade do quadro e das

exposições orais, número reduzido de tomadas e formato alongado das salas.

Entrevistas

Para a análise das entrevistas, foram levantados os aspectos mais abordados pelos sete professores

entrevistados, considerados mais relevantes para a pesquisa. A maioria dos professores não considera

Page 11: Ateliê de ensino de projeto arquitetônico e novas ...projedata.grupoprojetar.ufrn.br/dspace/bitstream/123456789/2109/1/... · Suponiendo que el ambiente de estudio es esencial para

as salas de aula estimulantes para o desenvolvimento das atividades; apenas um professor acredita

que o estímulo à criatividade está mais relacionado ao que se pretende desenvolver na disciplina. A

grande parte dos entrevistados não considera o formato da sala adequado, por suas dimensões,

alegando que “tem sobrado espaço” nas salas, o que muitas vezes provoca dispersão dos alunos. Essa

percepção deve-se à distribuição dos alunos ao longo das paredes das salas, como já foi mencionado

anteriormente. Há certa divisão quanto à adequabilidade do mobiliário, porém os professores

questionam a necessidade de instalação de réguas paralelas nas pranchetas, por considerarem ser

necessário rever as metodologias de ensino. Os professores acreditam que as salas permitem o uso

de novos recursos didáticos, porém com limitações, devido à pequena quantidade e disposição

concentrada das tomadas, bem como à inconstância do sinal de internet.

Como sugestões para tornar o espaço mais adequado, houve certo consenso por um espaço mais

livre e flexível, com superfícies para cortar materiais, sujar, permitir experimentações, com inclusão

das novas mídias e com nova disposição espacial da sala, além de modificações na parte elétrica e

melhoria no sinal de internet. Há também um consenso quanto ao uso das novas mídias eletrônicas

pelos alunos, considerado necessário para a finalidade das disciplinas. Entretanto, afirmam a

necessidade de bom senso por parte dos alunos, referindo-se ao uso indevido de celulares ou da

internet durante as aulas e a certa individualização:

(...) elas são também meio de distração muito rápido; então, ficar nos celulares significa não

projetar e outro problema também é que cria certa individualização, o aluno fica voltado só

para aquela mídia e ele acaba não articulando com o grupo (...) (Entrevistado 1)

Com relação a como deveria ser a sala de aula, alguns professores destacam que não existe uma sala

ideal, o que deveria existir é um espaço mais flexível, passível de se adaptar às necessidades de cada

disciplina.

6 RESULTADOS

Para sintetizar os resultados obtidos nas avaliações, os dados foram triangulados nos itens a seguir,

por meio de tabelas e recursos gráficos que procuram facilitar sua sistematização e compreensão.

Avaliação dos Técnicos x Avaliação da Satisfação dos Usuários

Page 12: Ateliê de ensino de projeto arquitetônico e novas ...projedata.grupoprojetar.ufrn.br/dspace/bitstream/123456789/2109/1/... · Suponiendo que el ambiente de estudio es esencial para

A triangulação dos resultados obtidos através da avaliação realizada pelos técnicos e da avaliação por

parte dos usuários foi sintetizada em uma tabela e pontuada na Matriz de Descobertas. Observa-se

que os aspectos de configuração espacial relacionada ao uso do ambiente só foram possíveis de se

identificar a partir da pesquisa com os alunos e professores. Alguns aspectos físicos identificados

pelos pesquisadores muitas vezes não coincidiam com o ponto de vista dos usuários (por exemplo, a

existência de uma trinca diagonal numa das paredes da sala 204 e aspectos relacionados a sujidades

nos armários e no quadro branco). Porém, existem diversos pontos em comum entre as duas

avaliações.

Matriz de Recomendações

Por fim, foi elaborada uma matriz de recomendações pelos técnicos a partir dos principais resultados

obtidos, apresentando itens por categorias e cronograma de intervenções a curto, médio e longo

prazo. Em curto prazo, existem recomendações que se relacionam com adaptações de mobiliário,

equipamentos e instalações, de maneira a tentar solucionar problemas considerados como mais

imediatos e que podem ser solucionados com intervenções pontuais. Em longo prazo, situam-se

intervenções mais onerosas e que se relacionam com aspectos construtivos, que necessitam de

planejamento mais cuidadoso, como instalação de piso elevado, instalações elétricas embutidas e

novos itens de mobiliário.

Matriz de Descobertas

A Matriz de Descobertas foi concebida para registro gráfico dos resultados e descobertas de uma

APO, de modo a facilitar a leitura e a compreensão dos resultados e descobertas por parte dos

clientes e usuários (RHEINGANTZ et al. 2009). Constitui-se de uma planta baixa com linhas de

chamada que se ligam aos resultados encontrados de acordo com os métodos utilizados,

identificados em uma legenda. Para este trabalho, optou-se por acrescentar à matriz um quadro

definido como Espaço e Práticas Pedagógicas, mencionando assim aspectos que não podem ser

pontuados em planta, mas estão diretamente relacionados com as salas e as disciplinas ministradas

(Figuras 07 e 08).

Page 13: Ateliê de ensino de projeto arquitetônico e novas ...projedata.grupoprojetar.ufrn.br/dspace/bitstream/123456789/2109/1/... · Suponiendo que el ambiente de estudio es esencial para

Figuras 07 – Matriz de Descobertas. Sala 204 do DAU/UFV. 2014.

Fonte: Acervo pessoal.

Page 14: Ateliê de ensino de projeto arquitetônico e novas ...projedata.grupoprojetar.ufrn.br/dspace/bitstream/123456789/2109/1/... · Suponiendo que el ambiente de estudio es esencial para

Figura 08 – Matriz de Descobertas. Sala 206 do DAU/UFV. 2014.

Fonte: Acervo pessoal.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para Schön (2000), o ateliê de projeto de arquitetura é um exemplo vivo e tradicional de uma forma

de ensino prática-reflexiva, onde os estudantes aprendem através do fazer, apoiados pela orientação

dos professores. Entretanto, em um momento de mudança de paradigmas no âmbito de tecnologias

Page 15: Ateliê de ensino de projeto arquitetônico e novas ...projedata.grupoprojetar.ufrn.br/dspace/bitstream/123456789/2109/1/... · Suponiendo que el ambiente de estudio es esencial para

digitais e em novas práticas pedagógicas, até mesmo este ambiente precisa ser revisto. A presença de

grandes pranchetas e materiais destinados ao desenho técnico à mão ainda não é descartada,

entretanto, questiona-se se este tipo de espaço deveria ser compartilhado pelo ateliê de projeto

arquitetônico enquanto ambiente destinado ao processo de criação, em que a criatividade e a

experimentação deveriam predominar.

A partir das análises realizadas, conclui-se que as salas destinadas ao ensino de projeto arquitetônico

do DAU permanecem na configuração tradicional destinada ao desenho técnico manual, que conflita

com os paradigmas das novas mídias tecnológicas. Como estratégia para atender as expectativas dos

usuários, algumas recomendações foram realizadas com relação a adequações de curto, médio e

longo prazo para os itens: mobiliário, equipamentos, elementos construtivos, instalações elétricas,

conforto e layout. As principais recomendações visam a obtenção de um ambiente que estimule a

apropriação pelos alunos, que proporcione e aguce a criatividade, permita maior flexibilidade na

dinâmica das aulas e o uso facilitado da tecnologia, como a lousa digital. Todas essas recomendações

propõem melhorar a qualidade do espaço de maneira a favorecer também as práticas pedagógicas,

refletindo-se em um processo de aprendizagem mais dinâmico e rico.

8 AGRADECIMENTOS

Este trabalho só foi possível graças a contribuição de uma equipe multidisciplinar em um trabalho

realizado juntamente com os alunos Talita da Conceição de Oliveira Fonseca e Cleverson Alves de

Lima. Agradecemos também a contribuição dos alunos e professores do curso de graduação em

Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Viçosa.

9 REFERÊNCIAS

NARDELLI, E. S. Arquitetura e projeto na era digital. Arquitetura Revista, São Paulo, v. 3, n. 1, p. 28-36, 2007.

RHEINGANTZ, P. A. et al. Observando a qualidade do lugar: procedimentos para a avaliação pós-ocupação. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009.

SCHÖN, D. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2000.

VELOSO, M.; RUFINO, I. A. A. Entre a bicicleta e a nave espacial: os novos paradigmas da informática e o ensino do projeto arquitetônico. In: DUARTE. C. et al (org.). O lugar do projeto no ensino e na pesquisa em arquitetura e urbanismo. Rio de Janeiro: Contracapa, 2007.