Assembleia de Deus

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Estudos Teológicos foi licenciado com uma Licença Creative Commons – Atribuição – NãoComercial – SemDerivados 3.0 Não Adaptada ASSEMBLEIA DE DEUS: QUESTÕES IDENTITÁRIAS NA CRIAÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS DO MOVIMENTO PENTECOSTAL – CEMP 1 Assembly of God: Identity issues in creating the Center for the Study of the Pentecostal Movement – CEMP Valdinei Ramos Gandra 2 Euler Renato Westphal 3 Resumo: O fenômeno religioso está em constante transformação, por conta disso surgem “novos atores religiosos” e “novas maneiras de experimentar o sagrado”. As mudanças são inevitáveis e tendem a pressionar os grupos religiosos ditos “tradicionais”, tendo em vista que, por um lado, há um esforço para preservar as “tradições”, por outro, uma conscientização da necessidade de ressignificação frente ao “outro” diferente. A dialógica entre o “antigo” e o “novo” é permeada por tensões que não raras vezes criam uma “crise de identidade”, forçando os produtores de conhecimento do grupo “tradicional” a buscarem uma transição sem muitos sobressaltos. É o que está ocorrendo na Assembleia de Deus (AD), principal representante do movimento pentecostal. Essa instituição religiosa, ao comemorar seu primeiro centenário (1911-2011), sente-se “desconfortável” com a influência dos “novos pentecostais” (neopentecostais). Como resposta põe em curso várias ações identitárias com o intuito de (re)estabelecer as fronteiras do campo religioso pentecostal, entre elas a materialização de sua memória com a criação do Centro de Estudos do Movimento Pentecostal – CEMP. 1 O artigo foi recebido em 30 de abril de 2013 e aprovado em 07 de outubro de 2013 com base nas avaliações dos pareceristas ad hoc. Este artigo é parte da pesquisa que está em curso no mestrado em Patrimônio Cultural e Sociedade (MPCS) da Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE) sob o título: O Patrimônio Cultural da Assembleia de Deus: memória e identidade na criação do Centro de Estudos do Movimento Pentecostal – CEMP. 2 Mestrando em Patrimônio Cultural e Sociedade – MPCS pela Universidade da Região de Joinville – UNI- VILLE; licenciando em História pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI; graduado em Teologia pela Faculdade Sul Americana – FTSA; graduado em Processos Gerenciais pela Faculdade Internacional de Curitiba – FACINTER. Professor da Faculdade Teológica Refidim em Joinville/SC, Brasil. Contato: [email protected] 3 Doutor em Teologia pelo Instituto Ecumênico de Pós-Graduação na Faculdades EST, em São Leopoldo/ RS. Professor de Ética, Cultura e Sociedade e Pensamento Contemporâneo no Mestrado da UNIVILLE, em Joinville/SC. Professor orientador do mestrado em Patrimônio Cultural e Sociedade na Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE, em Joinville/SC, Brasil. Publicações na área da Teologia, Filosofia, Ética e Bioética. Professor de Teologia Sistemática na FLT, em São Bento do Sul/SC, Brasil. Contato: [email protected]

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Estudos Teológicos foi licenciado com uma Licença Creative Commons – Atribuição – NãoComercial – SemDerivados 3.0 Não Adaptada

AssembleiA de deus: Questões identitáriAs nA criAção do centro de estudos do movimento PentecostAl – cemP1

Assembly of God: Identity issues in creating the Center for the Study of the Pentecostal Movement – CEMP

Valdinei Ramos Gandra2

Euler Renato Westphal3

Resumo: O fenômeno religioso está em constante transformação, por conta disso surgem “novos atores religiosos” e “novas maneiras de experimentar o sagrado”. As mudanças são inevitáveis e tendem a pressionar os grupos religiosos ditos “tradicionais”, tendo em vista que, por um lado, há um esforço para preservar as “tradições”, por outro, uma conscientização da necessidade de ressignificação frente ao “outro” diferente. A dialógica entre o “antigo” e o “novo” é permeada por tensões que não raras vezes criam uma “crise de identidade”, forçando os produtores de conhecimento do grupo “tradicional” a buscarem uma transição sem muitos sobressaltos. É o que está ocorrendo na Assembleia de Deus (AD), principal representante do movimento pentecostal. Essa instituição religiosa, ao comemorar seu primeiro centenário (1911-2011), sente-se “desconfortável” com a influência dos “novos pentecostais” (neopentecostais). Como resposta põe em curso várias ações identitárias com o intuito de (re)estabelecer as fronteiras do campo religioso pentecostal, entre elas a materialização de sua memória com a criação do Centro de Estudos do Movimento Pentecostal – CEMP.

1 O artigo foi recebido em 30 de abril de 2013 e aprovado em 07 de outubro de 2013 com base nas avaliações dos pareceristas ad hoc. Este artigo é parte da pesquisa que está em curso no mestrado em Patrimônio Cultural e Sociedade (MPCS) da Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE) sob o título: O Patrimônio Cultural da Assembleia de Deus: memória e identidade na criação do Centro de Estudos do Movimento Pentecostal – CEMP.

2 Mestrando em Patrimônio Cultural e Sociedade – MPCS pela Universidade da Região de Joinville – UNI-VILLE; licenciando em História pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI; graduado em Teologia pela Faculdade Sul Americana – FTSA; graduado em Processos Gerenciais pela Faculdade Internacional de Curitiba – FACINTER. Professor da Faculdade Teológica Refidim em Joinville/SC, Brasil. Contato: [email protected]

3 Doutor em Teologia pelo Instituto Ecumênico de Pós-Graduação na Faculdades EST, em São Leopoldo/RS. Professor de Ética, Cultura e Sociedade e Pensamento Contemporâneo no Mestrado da UNIVILLE, em Joinville/SC. Professor orientador do mestrado em Patrimônio Cultural e Sociedade na Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE, em Joinville/SC, Brasil. Publicações na área da Teologia, Filosofia, Ética e Bioética. Professor de Teologia Sistemática na FLT, em São Bento do Sul/SC, Brasil. Contato: [email protected]

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Palavras-chave: Assembleia de Deus. Pentecostalismo. Patrimônio cultural. Memória. Identidade.

Abstract: The religious phenomenon is in continuous change. And because of that “new religious actors” have risen and new kinds of experiencing the sacred have appeared. The changes are inevitable and tend to press the religious groups called “traditional”, having in view on one side the effort to preserve “the traditions”, on the other side, to have an awareness of the necessity of the reframing facing the other that is different. The dialogical between the “elder” models and the “new” one is permeated by tensions that not infrequently have created a crisis of identity. The crisis has forced the producers of knowledge of the “traditional” group to search the transition without much trepidation. This has happened with the Assembly of God Church, the main agent of the Pentecostal movement in Brazil. The Assembly of God, celebrating its centenary (1911-2011), feels “uncomfortable” with the influence of the “new Pentecostals”. As answer to these feelings, the Assembly of God Church puts ongoing several actions to rescue its identity with the aim to put the limits of the Pentecostal religious field, among their churches, the embodiment of its memory with the upbringing of the Center of Studies of the Pentecostal Movement – CEMP.Keywords: Assembly of God. Pentecostalism. Cultural heritage. Memory. Identity.

Introdução

No CENSO/1991, o número de pentecostais era de 8.768.929, em 2000 subiu para 17.617.307, ou seja, de 5,6% da população em 1991 para 10,4% da população em 2000. Apesar de crescerem menos na década seguinte, os números ainda se revelaram impressionantes, segundo o CENSO/20104, 25,3 milhões de brasileiros se declararam pentecostais, aproximadamente 13,3% da população. A força numérica dos pentecos-tais torna-se ainda mais evidente quando comparada ao número total de evangélicos, tendo em vista que representa 60% dos 42,3 milhões de evangélicos no país. Os da-dos apontam para o acelerado processo de crescimento dos pentecostais nos últimos 20 anos, tornando-se um dos fenômenos sociais mais expressivos da atualidade. Na segunda metade da década de 1990, já havia entre os sociólogos da religião uma per-cepção sobre o declínio da hegemonia católica e, consequentemente, o avanço do plu-ralismo religioso.5 Pelo critério numérico, a maior representante do pentecostalismo no Brasil é a Assembleia de Deus, tendo em vista que o número de assembleianos em 2010 era de 12,3 milhões de pessoas (6,5% da população). Deste modo, é a segunda maior denominação cristã do Brasil, atrás somente da Igreja Católica.

4 IBGE. Censo demográfico 2010: características gerais da população, religião e pessoas com deficiência. Disponível em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Caracteristicas_Gerais_Reli-giao_Deficiencia/tab1_4.pdf>. Acesso em: jan. 2013.

5 Cf. SANCHIS, Pierre. As Religiões dos Brasileiros. In: Revista Horizonte, Belo Horizonte: PUC, v. 1, n. 2, 1998. MACHADO, Maria das Dores Campos & MARIZ, Cecília. Mudanças Recentes no Campo Religioso Brasileiro. Rio de Janeiro: UERJ/UFFRJ, 1998. Mimeografado.

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Entretanto, apesar do surpreendente tamanho, a Assembleia de Deus é histo-ricamente fragmentada em grupos (ministérios) independentes com convenções pró-prias. Nesse aspecto, ela deve ser compreendida no plural, o que significa dizer que não há um poder central que represente todos os assembleianos. As duas maiores convenções em termos de representatividade são: Convenção Geral das Assembleias de Deus – CGADB e a Convenção Nacional das Assembleias de Deus no Brasil – CONAMAD, conhecida como ministério de Madureira, uma dissidência da CGADB.

Este artigo discorrerá sobre as Assembleias de Deus ligadas institucionalmente pela Convenção Geral das Assembleias de Deus – CGADB, cuja editora oficial é a Casa Publicadora da Assembleia de Deus – CPAD, responsável pelos principais veí-culos de comunicação assembleiana, como, por exemplo, o Jornal Mensageiro da Paz e as Lições Bíblicas das Escolas Dominicais. Desse modo, ao longo do artigo será usa-da a abreviação AD/CGADB/CPAD para identificar o objeto de análise deste artigo.

O objetivo é apresentar uma reflexão sobre a relação entre o recente interesse por parte da AD/CGADB/CPAD em preservar seu patrimônio histórico-cultural, com a criação do Centro de Estudos do Movimento Pentecostal – CEMP, e as “tensões” identitárias que perpassam o campo religioso pentecostal nos últimos 30 anos com o surgimento de “novos atores pentecostais” (neopentecostais). Para tanto, acessar-se--ão alguns teóricos do campo disciplinar dos Estudos Culturais e da Sociologia, em especial os que se dedicaram à compreensão do pentecostalismo.

O campo religioso pentecostal no Brasil

O Movimento Pentecostal é decorrente das transformações sociorreligiosas que ocorreram nos Estados Unidos no final do século XIX.6 Muitas igrejas indepen-dentes, sobretudo metodistas do movimento de santidade (holiness), aderiram ao avi-vamento da “Azuza Street”, em Los Angeles, liderado pelo pastor William Seymour (1870-1922), ex-aluno de Charles Fox Parham (1873-1929), pioneiro do movimento pentecostal moderno. Entre os líderes evangélicos que estiveram em Los Angeles para conhecer a “Missão da Fé Apostólica” do pastor Seymour estava o pastor batista de Chicago William Howard Durham (1873-1912), que em decorrência da visita fundou, em 1907, a igreja pentecostal North Avenue Mission. Os fundadores do pentecostalis-mo no Brasil, tanto da Congregação Cristã quanto da Assembleia de Deus, procedem dessa comunidade pentecostal de Chicago (EUA).

Na primeira década do século XX, chegaram ao Brasil os pioneiros do Mo-vimento Pentecostal: o italiano Luigi Francescon (1866-1964), fundador da Congre-gação Cristã (1910), e os suecos Gunnar Vingren (1879-1933) e Daniel Berg (1884-1963), fundadores da Assembleia de Deus (1911). Essas duas igrejas são classificadas

6 Cf. CAMPOS, Leonildo Silveira. As origens norte-americanas do pentecostalismo brasileiro: observações sobre uma relação ainda pouca avaliada. Revista USP, n. 67, p. 100-115, set./nov. 2005.

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como “pentecostalismo da primeira onda”7 ou “pentecostalismo clássico”8. A prin-cipal característica do “pentecostalismo clássico” (“primeira onda”) em relação ao denominado “protestantismo histórico” (luteranos, anglicanos, presbiterianos, ba-tistas etc.), presente no Brasil desde a segunda década do século XIX, consistia na experiência do “Batismo com o Espírito Santo”, com ênfase no “falar em línguas”, embora haja registros dessa experiência em solo brasileiro antes mesmo da chega-da dos fundadores do pentecostalismo.9 A ênfase no Espírito Santo proporciona uma leitura de mundo a partir da experiência direta com Deus, não necessariamente me-diada pelo texto bíblico. O pentecostalismo aparece com uma proposta alternativa ao catolicismo e também ao protestantismo histórico com sua ênfase na racionalização das Escrituras.10 Segundo o historiador Hans-Jürgen Prien, o pentecostalismo surge como fenômeno religioso em virtude da marginalização dos pobres.11 Através da ex-periência com o Espírito, o crente se vê revestido de dignidade em meio à realidade de marginalização e pobreza.12

No início da década de 1950, o campo religioso pentecostal se fragmenta-ria com o impacto da “segunda onda do pentecostalismo”13, denominada também de “deuteropentecostalismo”14, representada pela Igreja Quadrangular (1951), Brasil Para Cristo (1955) e a Igreja Deus é Amor (1962). As principais características desse grupo, em relação aos da “primeira onda”, podem ser descritas da seguinte forma: ênfase na cura divina, apropriação do rádio na evangelização e uma maior abertura nas questões de “usos e costumes de santidade”. Entretanto, as características apre-sentadas não são totalizantes, a Igreja Deus é Amor, por exemplo, sempre manteve um controle rígido em relação aos “usos e costumes de santidade”, e a Assembleia de Deus sempre frisou a cura divina, tanto que seu slogan histórico é: “Jesus salva, cura e batiza com o Espírito Santo”. Entretanto, as classificações fornecem um mínimo de distinção entre os grupos pentecostais. Por exemplo, se a questão dos “usos e costu-mes” apresenta suas limitações demarcatórias, o uso do rádio na evangelização é, de fato, um elemento de diferenciação, pois a Assembleia de Deus, embora tivesse sido

7 FRESTON, Paul. Protestantes e política no Brasil: da constituinte ao impeachment. 1993. 303 p. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 1993. p. 66.

8 MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2005. p. 23-48.

9 Cf. SANTOS, Ismael dos. Raízes de nossa fé. Blumenau: Letra Viva, 1996. p. 30.10 Cf. VELASQUES FILHO, Prócoro. Declínio do cristianismo tradicional e ascensão das religiões do

Espírito. In: GOUVêA MENDONçA, Antônio; VELASQUES FILHO, Prócoro. Introdução ao Protes-tantismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1990. p. 252-253.

11 Cf. PRIEN, Hans-Jürgen. Die Geschichte des Christentums in Lateinamerika. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1978. p. 857-875.

12 Cf. WESTPHAL, Euler Renato. Heiliger Geist und Wohlstand: Die Pfingstbewegungen sind in Brasilien auf Wachstumskurs. Oekumenische Information: Nachrichten und Hintergründe aus der Christlichen Ökumene und dem Dialog der Religionen, Katholische Nachrichten Agentur (KNA), Bonn, n. 6, p. 9-11, 7 fevereiro 2012.

13 FRESTON, 1993, p. 66. 14 MARIANO, 2005, p. 23-48.

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vanguarda no início do século XX com o uso do jornal, na década de 1950 se posicio-na contrária ao uso do rádio, diferentemente do “deuteropentecostalismo”, que, como já frisado acima, se apropria do rádio como instrumento de evangelização.

No final da década de 1970, para abalar ainda mais o campo religio-so pentecostal, surgiu uma “terceira onda do pentecostalismo”15, denominada de “neopentecostalismo”16, cujos principais expoentes são: Igreja Universal do Reino de Deus (1977), Igreja Internacional da Graça de Deus (1980) e Igreja Renascer em Cristo (1986). Diana Lima, ao se referir à Igreja Universal do Reino de Deus, afirma que o crescimento de fiéis desde a década de 1990 aconteceu, principalmente, entre os setores populares da sociedade.17 O “neopentecostalismo” também apresenta suas singularidades em relação aos “pentecostalismos” anteriores. Segundo Mariano18, as diferenças são: “exacerbação da guerra espiritual contra o diabo e seu séquito de anjos decaídos, pregação enfática da teologia da prosperidade19 e a liberalização dos este-reotipados usos e costumes de santidade”. Se a “segunda onda do pentecostalismo” já havia provocado fragmentação no campo religioso pentecostal, a “terceira onda” radicalizou o processo, principalmente por causa da visibilidade midiática20, ocorrida tanto pela apropriação de canais de evangelização quanto pela hostilização enfrentada pela suposta prática de charlatanismo. Desde então, para o bem ou para o mal, eles são assíduos frequentadores da mídia, de maneira que a matriz do “gospel midiático” é neopentecostal.

No entanto, o crescimento dos “neopentecostais” e a força representativa de-corrente desse crescimento exerceram uma forte atração no pentecostalismo como um todo, acelerando o processo de competição e disputa do campo religioso pentecostal, ou melhor, de todo o campo religioso. Assim, houve um processo de “neopentecosta-lização” em parte considerável do protestantismo brasileiro, fato que obrigou muitas igrejas a se posicionar contra ou a favor da “teologia da prosperidade” numa disputa identitária sem precedentes, como é o caso da AD/CGADB/CPAD.

Tensões identitárias na AD/CGADB/CPAD

Qual o “lugar” da Assembleia de Deus no campo religioso pentecostal após o impacto das duas novas “ondas do pentecostalismo”? Antes de tentar responder a essa pergunta, é preciso dizer que o movimento pentecostal se estabeleceu com fron-

15 FRESTON, 1993, p. 66.16 MARIANO, 2005, p. 23-48.17 LIMA, Diana. Alguns fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus. MANA, Rio de Janeiro, v. 16, n. 2,

p. 368 nota 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93132010000200005&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 28 mar. 2013.

18 MARIANO, 2005, p. 36.19 A teologia da prosperidade caracteriza-se pelo discurso de que o cristão tem o direito de obter prosperidade

na sua relação com Deus. 20 É preciso salientar que tanto a “segunda onda” quanto a “terceira onda” exerceram influência em todo o

campo religioso protestante, muitas igrejas “históricas” tornaram-se “pentecostais”. Além disso, grupos dissidentes dessas igrejas fundaram comunidades “pentecostais”.

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teiras identitárias bem definidas em relação aos demais grupos protestantes do país. A principal linha demarcatória que separava o território simbólico do protestantismo, como já se mencionou, era o “Batismo com o Espírito Santo”. Algo que fica evidente na histórica exclusão de Daniel Berg e Gunnar Vingren da Igreja Batista de Belém do Pará em 1911. Por conta disso, a “síndrome de marginal”21, herdada dos movimentos pré-pentecostais22 e da experiência batista na Suécia oficialmente luterana, tornou-se uma das expressões identitárias da Assembleia de Deus23, posicionando-a, de certo modo, no campo religioso protestante. Dessa maneira, o discurso assembleiano, em suas origens, foi pautado pela negação do mundo com forte apelo ao escatologismo, recusando-se a se adaptar às mudanças culturais do mundo moderno.

Com isso, a postura ascética foi determinante para a construção histórica da “identidade assembleiana”, servindo de parâmetro para as decisões que seriam toma-das em sua trajetória histórica no Brasil. Uma delas ocorreu com a decisão de não criar seminários teológicos para a formação de pastores, tendo em vista que se acreditava que os seminários teológicos seriam “fábricas de pastores”, ou seja, eles abririam precedentes para uma valorização do “racional” em detrimento do “emocional”, este último adequado ao “mover” do Espírito, enquanto o primeiro propenso a anular sua ação. Além disso, havia o receio de que poderiam absorver o “liberalismo teológico”, próprio do ambiente acadêmico luterano da Europa, como era o caso da Suécia.24

Valdir Pedde constata que o pentecostalismo não se preocupou em construir uma teologia com bases doutrinárias racionalmente desenvolvidas. A pregação con-siderada inspirada é aquela que relata experiências com o Espírito Santo.25 Assim, o foco está na luta contra os demônios, a luta contra o alcoolismo, a prostituição, as religiões afro-brasileiras e o catolicismo.26

A partir dessas considerações, percebe-se que a radicalização dos “usos e cos-tumes de santidade” é outra característica ascética da “identidade assembleiana”. É digno de nota que quando houve a pressão, ainda que pequena, por parte de alguns líderes de mudar os “usos e costumes”, a CGADB normatizou sua prática por ato convencional em 1975 em Santo André, Estado de São Paulo. Segue a normativa:27

A Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, reunida na cidade de Santo An-dré, Estado de São Paulo, reafirma o seu ponto de vista no tocante aos sadios princípios

21 Cf. ALENCAR, Gedeon. Assembleias de Deus: origem, implantação e militância (1911-1946). São Paulo: Arte Editorial, 2010.

22 Cf. CAMPOS, Leonildo Silveira. As origens norte-americanas do pentecostalismo brasileiro: observações sobre uma relação ainda pouca avaliada. Revista USP, n. 67, p. 100-115, set./nov. 2005.

23 Cf. ALENCAR, 2010. 24 Cf. LINDHARDT, Poul Georg. Kirchengeschichte Skandinaviens. Berlin: Evangelische Verlagsanstalt,

1983. p. 104-125. 25 Cf. PEDDE, Valdir. O poder do pentecostalismo: a experiência do Espírito Santo. Estudos Teológicos,

São Leopoldo, v. 37, n. 3, p. 243-245, 1997.26 Cf. BONINO, José Míguez. Rostos do protestantismo latino-americano. São Leopoldo: EST; Sinodal,

2003. p. 59-61.27 Cf. DANIEL, Silas. História da Convenção Geral da Assembléia de Deus no Brasil. Rio de Janeiro:

CPAD, 2004. p. 438.

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estabelecidos como doutrinas na Palavra de Deus – a Bíblia Sagrada – e conservados como costumes desde o início desta obra no Brasil. Imbuída sempre dos mais altos propósitos, ela, a Convenção Geral, deliberou pela votação unânime dos delegados das igrejas da mesma fé e ordem em nosso país, que as mesmas igrejas se abstenham do seguinte:1) Uso de cabelos crescidos, pelos membros do sexo masculino; 2. Uso de traje mascu-lino, por parte dos membros ou congregados, do sexo feminino; 3. Uso de pinturas nos olhos, unhas e outros órgãos da face; 4. Corte de cabelos, por parte das irmãs (membros ou congregados); 5. Sobrancelhas alteradas; 6. Uso de minissaias e outras roupas con-trárias ao bom testemunho da vida cristã; 7. Uso de aparelho de televisão – convindo abster-se, tendo em vista a má qualidade da maioria dos seus programas; abstenção essa que se justifica, inclusive, por conduzir a eventuais problemas de saúde; 8. Uso de bebidas alcoólicas.

Além da postura contracultural dos “usos e costumes” e da negação em criar seminários teológicos, houve também repúdio aos meios de comunicação de massa, primeiro do rádio e depois da televisão, ainda que tenha sido vanguarda no início do século XX com a comunicação via jornal impresso, diga-se de passagem, liderada por uma mulher, Frida Vingren (1891-1940), esposa de Gunnar Vingren.

Pode-se afirmar que nem mesmo o surgimento do deuteropentecostalismo28 (Quadrangular, Brasil para Cristo, Deus é Amor), no início da década de 1950, con-seguiu mover significativamente as fronteiras identitárias da Assembleia de Deus.29 Porém o arrefecimento da “síndrome de marginal” vai se desfazendo com uma maior inserção na cultura, como fica claro com a participação política dos assembleianos nas primeiras eleições do período de redemocratização do país no final da década de 1980.30 Esse é o momento de transição de uma “identidade marginal” para uma maior inserção nas disputas socioculturais do país.

Além disso, a “identidade assembleiana” a partir dos “usos e costumes de san-tidade” e da “demonização” do rádio e depois da televisão sofreu um considerável recuo, como pode ser constatado nas resoluções do 5º Encontro dos Líderes das ADs (ELAD) em 1999 e confirmado na 40ª Assembleia Geral Ordinária (AGO) em 2011:

Convém, portanto, atualizar a redação da resolução de Santo André, omitindo a ex-pressão “como doutrina”, ficando assim: sadios princípios estabelecidos na Palavra de Deus – a Bíblia Sagrada – e conservados como costumes desde o início desta Obra no Brasil. Quanto aos princípios da Resolução, uma maneira de colocar numa linguagem atualizada é:1. Ter os homens cabelos crescidos, bem como fazer cortes extravagantes; 2. As mulhe-res usarem roupas que são peculiares aos homens e vestimentas indecentes e indecoro-

28 MARIANO, 2005. 29 Com exceção da igreja Deus é Amor, o “deuteropentecostalismo” (pentecostais da “segunda onda”) era

mais flexível em relação aos usos e costumes; além disso, mais ousado no uso dos recursos midiáticos na evangelização e no discurso da cura divina e, por fim, tinha uma liturgia mais dinâmica, pois usava guitarras elétricas em seus cânticos congregacionais.

30 FRESTON, 1993.

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sas, ou sem modéstias; 3. Uso exagerado de pintura e maquiagem – unhas, tatuagens e cabelos; 4. Uso de cabelos curtos em detrimento da recomendação bíblica; 5. Mau uso dos meios de comunicação: televisão, Internet, rádio, telefone; 6. Uso de bebidas alcoólicas e embriagantes.

A abertura para os meios de comunicação, como, por exemplo, a televisão e a internet, inseriram os assembleianos nas mídias do mundo contemporâneo, portanto tornaram-se mais expostos às transformações que tais acessos culturais promovem, sendo a “crise de identidade” uma delas.

Segundo Stuart Hall31:

[...] as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado. A assim chamada “crise de identidade” é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social.

A explicação de Hall ajuda a compreender o fenômeno religioso pentecostal, tendo em vista que uma “nova identidade pentecostal” (neopentecostais) fragmentou a “velha identidade pentecostal” (pentecostalismo clássico), pois o “novo” se aproxima dos elementos religiosos da cultura brasileira32, ao mesmo tempo em que assimila o discurso global do sucesso financeiro com a “teologia da prosperidade”. Deste modo, a resposta para a pergunta sobre a posição da AD/CGADB/CPAD no campo religioso pentecostal pode ser respondida da seguinte maneira: há uma “crise de identidade”, pois se sabe o “lugar” que deve ocupar (como será apresentado adiante), porém en-contra dificuldade para chegar até lá.

O surgimento/expansão dos neopentecostais abalou a “identidade assem-bleiana”, desestabilizando também seu “espaço” no campo religioso brasileiro. As-sim, várias ações identitárias estão em curso na AD/CGADB/CPAD, porém qual a “identidade” almejada, já que a “identidade marginal”, centrada nos usos e costumes, já não pode mais ser acessada? Principalmente quando a “outra” suposta identidade provoca ao mesmo tempo repulsa e atração. Segundo Walter Benjamin33, as fronteiras identitárias, causam “desejo e escárnio”. Assim, se, por um lado, a CPAD, produtora e reprodutora teológica da instituição, pende mais para a repulsa, por outro lado, a “massa” assembleiana manifesta certo fascínio pela “teologia” dos neopentecostais. A instituição do “culto da vitória” é um exemplo dessa dimensão do desejo.

31 HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós Modernidade. 10. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 7.32 Cf. ALENCAR, Gedeon. Protestantismo tupiniquim: hipóteses sobre a (não) contribuição evangélica à

cultura brasileira. São Paulo: Arte editorial, 2005.33 BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução. In: Textos escolhidos. São

Paulo: Abril Cultural, 1980. (Os Pensadores). p. 3-28.

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Além disso, há uma disputa pelo controle da CGADB/CPAD entre os pastores Samuel Câmara e José Wellington Bezerra da Costa.34 A disputa também tem caráter político-identitário, já que cada um supostamente representaria um tipo de cosmovi-são pentecostal, mais próxima ou mais distante das práticas “neopentecostais”. Em entrevista concedida a Celso de Carvalho35 do site Creio, o pastor José Wellington Bezerra da Costa, quando perguntado sobre a disputa pela liderança da Assembleia de Deus com o pastor Samuel Câmara, afirmou: “o desejo deles36 é a CPAD”. Em outro momento da entrevista, questionado sobre a identidade assembleiana, declara: “nós temos influência dos suecos, temos doutrina firme. O deles é baseado nos america-nos, com atos midiáticos e comércio. Eles se amoldam a determinados costumes que não nos adaptamos”. Já o pastor Samuel Câmara37, em cartilha com seu programa de gestão “Construindo o Futuro da CGADB”, critica os 25 anos de liderança do pastor José Wellington e afirma que seu compromisso é “voltar à alternância e rotatividade de presidentes da CGADB”. Para tanto, também se colocará como representante da identidade assembleiana: “mantendo fielmente a história, o zelo espiritual, a doutrina bíblica e a identidade denominacional”. A identidade assembleiana visivelmente está em disputa.

A identidade consiste na diferenciação, porém, quando as diferenças se tornam fluidas, como é o caso do campo religioso pentecostal, há uma busca por novos (ou não tão novos assim) referenciais demarcatórios da identidade, dentro ou fora do gru-po, ou ambas as coisas. Segundo Castells38, a identidade é “o processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual(ais) prevalece(m) sobre outras fontes de signi-ficados”. Construção identitária que, em maior ou menor medida, sempre ocorreu na Assembleia de Deus, o que é normal não havendo identidade fixa, entretanto, qual será o atributo cultural que sustentará a (re)construção identitária da Assembleia de Deus no campo religioso pentecostal?

Antes de também sinalizar uma possível resposta a essa questão, é necessário esclarecer que a AD/CGADB/CPAD tenta polarizar as “identidades pentecostais”, atribuindo, de um lado, o lugar dos pentecostais “clássicos” (“primeira onda”) e do outro, o lugar dos “neopentecostais” (“terceira onda”), cabendo às denominações do

34 Cf. ALENCAR. Gedeon Freire de. Assembleias Brasileiras de Deus: Teorização, História e Tipologia (1911-2011). 2012. 285 p. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012. p. 216-222.

35 CARVALHO, Celso. A Assembleia não é de A ou B: pastor José Wellington diz que seu compromisso é com a doutrina. Disponível em: <http://www.creio.com.br/2008/noticias01.asp?noticia=13930>. Acesso em: 28 mar. 2013.

36 Na entrevista é inserido também o nome do pastor Silas Malafaia, atual presidente da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, na época um dos principais apoiadores do pastor Samuel Câmara. No entanto, o pastor Silas Malafaia se desligou da CGADB.

37 CÂMARA, Samuel. Construindo o futuro da CGADB: perspectivas para o futuro e reflexões sobre a história e o presidente da CGADB. Disponível em: <http://www.cgadbpratodos.com.br/?wpdmact=process&did=MS5ob3RsaW5r>. Acesso em: 28 mar. 2013. p. 9.

38 CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 2006. (A era da informação: eco-nomia, sociedade e cultura, v. 2). p. 22.

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“deuteropentecostalismo” (“segunda onda”) decidir entre um ou outro lado. Desse modo, parece que o atributo identitário no qual a AD/CGADB/CPAD tenta construir suas redes de significações culturais é “ser”, mais ainda, se “entender” como fun-dadora e mantenedora dos valores históricos do pentecostalismo, portanto legítima representante do “pentecostalismo clássico”39, ou seja, apropria-se de um conceito sociológico demarcatório que não pretende estabelecer distinções de valor, significan-do apenas antiguidade ou pioneirismo histórico40, para tentar assegurar um mínimo de diferenciação identitária.

O conceito de “Movimento Pentecostal ‘Clássico’” é o atributo cultural que permeia os discursos da AD/CGADB/CPAD na contemporaneidade, como demonstra a “Carta de Campinas”, documento final do “Primeiro Seminário de Reflexão Teoló-gica do Movimento Pentecostal”, realizado pela CPAD/CGADB na cidade de Campi-nas em 2010. Em um dos trechos é dito:41

Considerando a banalização do sagrado que vem ocorrendo em nosso país, através do aumento indiscriminado de diversas formas de manifestação que pretendem se acomo-dar – ou que são sociologicamente classificadas – ao pentecostalismo, é que resolvemos realizar esse Seminário para reafirmar a obrigatória e devida distinção que precisa mar-car o nosso movimento de pentecostalidade clássica.

Percebe-se a estratégia de estabelecer as fronteiras do pentecostalismo através do discurso da diferença. Tomaz Tadeu da Silva42 esclarece que “as afirmações sobre diferença só fazem sentido se compreendidas em sua relação com as afirmações sobre a identidade”. Assim, o “novo” (neopentecostalismo) banaliza o sagrado enquanto o “tradicional” (pentecostalismo clássico) é seu fiel depositário.

O patrimônio da AD/CGADB/CPAD como recurso identitário

Além de estabelecer o discurso da diferença no jogo das identidades pente-costais, a CGADB/CPAD também recorrerá ao “patrimônio cultural assembleiano” como instrumento para a disputa identitária do campo religioso pentecostal. Dennys Cuche43 afirma que estratégias identitárias servem “como um meio para atingir um objetivo”, algo que se evidencia na AD/CGADB/CPAD, que tenta, ao desqualificar os “neopentecostais”, colocar-se como parâmetro do que de fato é ser pentecostal. Deste modo reedita tradicionais livros de sua história e publica novos, como: “Mulheres que fizeram a História das Assembleias de Deus no Brasil”; “Cem acontecimentos que

39 Cf. GANDRA, Valdinei. A identidade da Assembleia de Deus: uma análise a partir da Carta de Campinas. Azuza – Revista de Estudos Pentecostais, v. II, n. 2, p. 19-34, jul. 2012.

40 MARIANO, 2005, p. 24.41 CPAD NEWS. Manifesto da Reflexão Teológica Pentecostal das Assembleias de Deus no Brasil. Dispo-

nível em: <http://www.cpadnews.com.br/integra. php?s=12&i=4330>. Acesso em: 15 out. 2012.42 SILVA, Tomaz Tadeu. A produção social da identidade e da diferença. In: ______. Identidade e diferença:

a perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 75.43 CUCHE, Denys. A noção da cultura nas ciências sociais. Bauru: EDUSC, 1999. p. 198.

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marcaram a história das Assembleias de Deus no Brasil”; “História da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil”; “Dicionário do Movimento Pentecostal, História dos Hinos que Amamos” etc.

Apesar dos esforços empreendidos pela CPAD, a memória e a teologia assem-bleianas são transmitidas oralmente44 através dos púlpitos das Assembleias de Deus espalhadas pelo país, situação que fragiliza as ações identitárias promovidas pela AD/CGADB/CPAD.

Em outra frente, no entanto na mesma linha patrimonial, a CGADB/CPAD criou o Centro de Estudos do Movimento Pentecostal – CEMP em 2009. O nome já é em si uma estratégia identitária, pois na prática é um centro de estudos da Assembleia de Deus, conforme consta no site oficial da instituição:

O Cemp é responsável pela guarda, conservação, organização, catalogação e desenvol-vimento de todo o material da CPAD gerado e reunido no passado e no presente e que se encontra fisicamente guardado na Biblioteca, no Memorial Gunnar Vingren, nos arqui-vos de fotos, imagens, fitas cassetes, vídeos, CDs, DVDs, filmes, produtos, documentos impressos da editora, coleções de periódicos e revistas da Escola Dominical. Todo esse material se constitui no acervo e na memória histórica, não somente da CPAD, mas das Assembleias de Deus no Brasil.

Assim, o patrimônio cultural assembleiano é uma das “armas” usadas na dis-puta pelo “território” pentecostal. Segundo o diretor executivo da CPAD, Ronaldo Rodrigues de Souza, o CEMP servirá “como instrumento permanente para fortale-cimento do compromisso histórico das Assembleias de Deus com a atualidade e a prática da doutrina pentecostal”. Ainda sobre a proposta do CEMP, o site da institui-ção45 informa que o objetivo “é auxiliar pastores, crentes e pesquisadores em geral a compreender o Movimento Pentecostal e como se chegou até aqui”.

É surpreendente a disposição do CEMP/CPAD em disponibilizar seus arquivos para pesquisadores interessados na Assembleia de Deus. Na página da instituição, há, como uma propaganda, uma imagem da pesquisadora da PUC/SP, Marina Aparecida Oliveira dos Santos Correa, com o Pr. Isael de Araujo, responsável pelo CEMP, segu-rando um documento entre as estantes da instituição. Embaixo da imagem apresenta-se uma breve entrevista com a referida pesquisadora sobre a importância do CEMP. Destaca-se sua fala:46

[...] com o funcionamento de um centro de pesquisas ficou ainda melhor, posso dizer que se iniciou um novo ciclo na história das Igrejas das ADs, é a instituição abrindo as

44 Cf. POMMERENING, Claiton Ivan. A relação entre a oralidade e a escrita na teologia pentecostal: acertos, riscos e possibilidades. 2008. 120 p. Dissertação (Mestrado) – Instituto Ecumênico de Pós-Graduação em Teologia, Escola Superior de Teologia, São Leopoldo, 2008.

45 Disponível em: <http://www.cpad.com.br/cemp/integra.php?s=1&i=5>. Acesso em: 10 out. 2012.46 Doutoranda da PUC-SP estuda a lógica dos ministérios nas ADs. Disponível em: <http://www.cpad.com.

br/cemp/view.php?s=2&i=32>. Acesso em: 10 out. 2011.

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portas aos estudos acadêmicos com um compromisso, ou seja, mostrar a sua “face” aos pesquisadores. Isto é muito bom.

A ênfase na fala da pesquisadora denota, ainda que nas entrelinhas, que há cer-to otimismo de que as pesquisas acadêmicas realizadas com a contribuição do CEMP poderão propor um realinhamento das fronteiras identitárias do campo religioso pen-tecostal. Como diz a pesquisadora entrevistada, “é a instituição abrindo as portas aos estudos acadêmicos com um compromisso, ou seja, mostrar a sua ‘face’ aos pesqui-sadores”. O Pr. Isael Araujo, ao responder sobre o intuito do CEMP e a quem ele vai beneficiar, afirmou que:47

De uma situação quando nenhuma universidade prestava a atenção ao fenômeno pen-tecostal, agora mestrandos e doutorandos estão produzindo dissertações e teses, se-minários estão sendo realizados e grupos de estudos estão sendo formados. Todavia, a extensão do Movimento Pentecostal não tem sido devidamente documentada e compreendida. Para atender a esta necessidade, um centro de estudos pode auxi-liar pesquisadores, pastores e crentes em geral a compreender quem são os pente-costais e como chegamos até aqui.

Assim, a estratégia por parte da AD/CGADB/CPAD para consolidar a “identi-dade clássica” assembleiana passa necessariamente pela instrumentalização do patri-mônio cultural da Assembleia de Deus.

Considerações finais

Percebe-se que a AD/CGADB/CPAD coloca em prática um planejado pro-cesso de resgate e fortalecimento de sua identidade, materializando sua memória e sinalizando à sociedade sua relevância com a criação do CEMP. A abertura para as pesquisas parece apontar para uma confiança de que as diferenças em relação aos “neopentecostais” serão esclarecidas com os estudos acadêmicos. Enfim, o resgate da memória assembleiana torna-se instrumento de suporte para o jogo identitário. A par-tir disso, cabe considerar que o pentecostalismo no contexto brasileiro está passando por um processo de migração da oralidade e informalidade para a escrita da doutrina pentecostal. Assim, a identidade pentecostal pode ser estudada e pode ser lida, sem, contudo, perder a dinâmica da piedade, que é própria do pentecostalismo. Por meio das obras doutrinárias escritas, a identidade é afirmada. Desse modo, preserva-se o seu patrimônio cultural material, que são as várias formas de registros, e demarca-se a identidade como patrimônio cultural imaterial, afirmando suas referências teológicas identitárias.

47 CORREA, Marina. A. O. S. Pentecostais pesquisando sua própria história. Entrevista com o Pr. Isael de Araujo, organizador do Dicionário do Movimento Pentecostal. História Agora, 2011. Disponível em: <http://www.historiagora.com/dmdocuments/Artigos/Histria%20Agora%20n10/ha10_entrevista3.pdf>. Acesso em: 10 out. 2012. (grifo nosso).

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