As Competências e os Relacionamentos Inter- Organizacionais
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CAPÍTULO 3 - As Competências e os Relacionamentos Inter-
Organizacionais
Em 1972, no artigo The Organisation of Industry, Richardson considera que, ao
contrário do defendido pelas teorias tradicionais, as empresas não são “ilhas de
coordenação planeada num mar de relacionamentos comerciais” (pp. 883). Pelo
contrário, “as empresas encontram-se ligadas pela cooperação e pela afiliação” (pp.
895). Axelsson e Easton (1992) referem que, nas Teorias Tradicionais, o mercado é
visto como um conjunto de empresas anónimas ou ‘sem rosto’. Nestas teorias, cada
empresa realiza as suas operações no mercado que funciona como um mecanismo
facilitador das transacções. Através do mecanismo de preços, o mercado coordena as
actividades realizadas pelas várias empresas. Contudo, tal como Snehota (2003)
argumenta, esta perspectiva não tem em consideração, e muito menos explica, porque
razão as transacções entre duas organizações acontecem, muitas vezes, não de forma
aleatória mas numa base continuada. Também Hakansson e Snehota (1995) afirmam
que em vez de mercados anónimos de factores e de produtos acabados, na realidade, as
empresas confrontam um conjunto limitado de fornecedores e clientes que representam
a maior parte das suas vendas ou compras. O confronto entre estas duas perspectivas
encontra-se ilustrado nas Figuras 4 e 5.
Figura 4 - A Perspectiva Tradicional da Empresa e dos seus Mercados
Fonte: in Ford et al. (2003, pp.14)
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Figura 5 - A Empresa na Rede
Fonte: Adaptado de Ford et al. (2003, pp.15)
Richardson (1972) identifica vários tipos de relacionamentos inter-
organizacionais, desde simples declarações de boa vontade até acordos formais,
envolvendo, por exemplo, a participação conjunta no capital, os acordos de natureza
técnica ou de marketing e os contratos de subcontratação. Com este trabalho,
Richardson tornou-se percursor de vários autores que estudam a existência e
importância dos relacionamentos inter-organizacionais, de onde destacamos a
Abordagem das Redes Industriais (Axelsson e Easton, 1992; Hakansson e Snehota,
1995). Esta Abordagem tem também as suas raízes no trabalho de Edith Penrose (1959).
Segundo Araújo e Kerndrup (2001, pp.3), “a Abordagem das Redes Industriais assume
uma perspectiva Penrosiana sobre o desenvolvimento dos recursos [que emerge através
de um processo de learning by doing], mas vê a aprendizagem como um processo que
tem lugar dentro e através das fronteiras da empresa. Em particular, a aprendizagem tem
muitas vezes um carácter multilateral importante, com os seus efeitos a fazerem-se
sentir sobre uma variedade de empresas conectadas”.
A EMPRESA Concorrente
Concor- rente
Fornecedor Fornecedor
Forne-cedor
Fornece-dor
Fornecedor
Cliente
Cliente
Cliente
Cliente
Cliente
Cliente
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Richardson (1972) e Penrose (1959) são também percursores de outra linha de
pensamento, a Teoria das Competências Organizacionais, onde a empresa é vista como
um repertório de conhecimento produtivo com determinadas características
idiossincráticas, isto é, as competências organizacionais. Esta Teoria procura encontrar
as razões subjacentes à heterogeneidade entre as empresas, em particular as relativas à
natureza e fontes do conhecimento produtivo (Langlois e Foss, 1999). Tendo em conta
que “a divisão do trabalho encoraja o desenvolvimento de conhecimento diferenciado”,
o problema subsequente é o da sua coordenação (Loasby, 1998, pp.139). Nesta
perspectiva, a evolução das fronteiras da empresa é analisada, partindo dos pressupostos
de que a racionalidade é limitada (Kogut e Zander, 1992; Dosi e Marengo, 1994) e de
que o conhecimento produtivo é tácito e não é transmissível livremente (Langlois,
1992).
Este capítulo tem como objectivo analisar estas duas perspectivas em maior
detalhe. Na verdade, parecem existir fundamentos para que estas duas correntes sejam
compatíveis e complementares (Araújo et al., 2003; Mota e de Castro, 2004). Mais
ainda, estas duas correntes poderão demonstrar-se úteis no trabalho que se pretende
realizar e onde se irá adoptar uma perspectiva relacional por oposição a visões
transaccionais do mercado e da indústria. Mais concretamente, procurar-se-á analisar o
papel das competências organizacionais nas redes de relacionamentos de franchising.
Tendo em mente o objectivo proposto, na primeira parte deste capítulo, começamos por
rever a Perspectiva do IMP Group sobre as Redes de Empresas e apresentamos de
forma resumida o Modelo ARA. Na segunda parte, revemos o trabalho de Penrose
(1959), analisamos a Teoria das Competências Organizacionais e analisamos a
influência da Teoria Evolucionista Económica. Na parte final do capítulo, analisamos o
delineamento e a evolução das fronteiras da empresa à luz da Teoria das Competências
e a sua ligação com os Relacionamentos Inter-Organizacionais.
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3.1. As Redes de Empresas
Axelsson e Easton (1992, pp. xiv) definem uma rede industrial como um modelo
que descreve um número normalmente grande de “actores envolvidos em processos
económicos que convertem recursos em produtos acabados e em serviços para consumo
(…). Assim, as ligações entre actores são normalmente definidas em termos das trocas
económicas que acontecem dentro do enquadramento de um relacionamento
continuado. A existência desses relacionamentos é a razão de ser das redes industriais”.
Por esta razão, um dos aspectos centrais na Abordagem de Redes Industriais é a
importância dos relacionamentos inter-organizacionais e as razões que explicam essa
importância.
Os relacionamentos que se estabelecem entre as empresas permitem-lhes
cooperar com os seus fornecedores, clientes e até mesmo concorrentes, permitindo-lhes
aceder aos recursos e competências das suas contrapartes (Axelsson e Easton, 1992).
Como os relacionamentos entre as empresas geram interdependências entre elas, os
relacionamentos são simultaneamente um elemento potenciador e um constrangimento
ao desenvolvimento da organização (Hakansson e Snehota, 1995). Mota (2000, pp.40)
descreve de forma elucidativa esta perspectiva, quando refere que o meio envolvente de
uma empresa não é “um ambiente constituído por empresas sem rosto nem totalmente
competitivo, no qual cada empresa tem um amplo espaço para escolher a melhor
estratégia visando melhorar a sua posição competitiva (…)”1. Pelo contrário, “(…)
[g]rande parte do ambiente de uma empresa é constituído por outras empresas com rosto
(...), com algumas das quais a empresa focal tem relações, envolvendo cooperação e
conflito, as quais condicionam o seu espaço de acção”2. Assim, para que o
relacionamento entre as partes subsista, é necessário que este seja interessante para
ambas (Hakansson e Snehota, 1995).
1 Tal como acontece, por exemplo, na perspectiva de Porter (1980). 2 A noção de que a organização se relaciona com ‘empresas com rosto’ é um conceito central em Axelsson e Easton (1992).
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Esta secção tem como objectivo apresentar a estrutura conceptual que, no
capítulo anterior, serviu de base teórica à clarificação das limitações das abordagens
existentes ao franchising. Simultaneamente, nos capítulos seguintes deste trabalho, este
quadro teórico fundamentará a exploração de proposições alternativas, que visam
melhorar a compreensão deste fenómeno. Tendo em conta este objectivo, em seguida,
apresenta-se resumidamente a Perspectiva do IMP Group sobre os relacionamentos e as
redes inter-organizacionais e descreve-se sucintamente o Modelo ARA.
3.1.1. A Perspectiva IMP
A pesquisa do IMP – Industrial Marketing and Purchasing Group focalizou-se,
inicialmente, num fenómeno não considerado pelas teorias tradicionais da empresa: a
existência de relacionamentos entre as empresas e as interdependências entre estes.
Posteriormente, o IMP Group focalizou-se na conceptualização dos relacionamentos, na
sua dinâmica e na rede que resulta das suas interdependências (Snehota, 2003).
De acordo com o IMP, como nenhuma empresa consegue sozinha satisfazer
todos requisitos ou resolver todos os seus problemas, necessita de recorrer aos recursos
e competências das empresas com que se relaciona. Neste enquadramento, Axelsson e
Easton (1992) definem as redes inter-organizacionais como estruturas de
relacionamentos que permitem que cada empresa participante aceda aos recursos e
competências das outras. De acordo com Snehota (2003), o mercado das empresas é,
por isso mesmo, uma rede de relacionamentos entre vários actores. Estas redes são
constituídas por empresas activas e heterogéneas que interagem, procurando soluções
para os seus diferentes problemas.
A literatura IMP tem como pressuposto fundamental a existência de
heterogeneidade. Para Holmen et al. (2003), os relacionamentos são vantajosos porque
as contrapartes são heterogéneas. Todos os actores são diferentes, tendo objectivos,
conhecimento, recursos e actividades diferentes (Hakansson e Johanson, 1992). Assim
sendo, todos os relacionamentos têm características únicas, ou seja, são heterogéneos
(Hakansson e Snehota, 1995).
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Mas, o desenvolvimento também só é possível porque existe heterogeneidade
(Holmen et al., 2003). As redes são locais importantes para a inovação, porque as
ligações fortes que se estabelecem entre a empresa e os seus clientes, fornecedores,
consultores, centros de pesquisa e instituições governamentais são vitais para a criação
de conhecimento e a transferência de tecnologia (Ritter et al., 2002). Neste contexto, a
heterogeneidade assume um papel fundamental. O confronto do conhecimento
heterogéneo das partes envolvidas num relacionamento promove a aprendizagem e a
geração de conhecimento e, logo, a inovação. No entanto, dada a heterogeneidade, os
diferentes actores não têm os mesmos objectivos, o que faz com lutem pelo controlo da
rede de forma a conseguirem concretizar os seus propósitos. Contudo, esse controlo
pode ser prejudicial por limitar a heterogeneidade, a criação de conhecimento e a
inovação.
Como foi já afirmado, a literatura IMP preocupa-se em conceptualizar os
relacionamentos inter-organizacionais. Nesse sentido, esta literatura procura caracterizá-
los. Hakansson e Snehota (1995), por exemplo, consideram que os relacionamentos
inter-organizacionais são caracterizados pela continuidade. As empresas valorizam a
continuidade, pois esta favorece o desenvolvimento dos relacionamentos (Snehota,
2003), é importante para o desenvolvimento do negócio e para a economia na utilização
de recursos (Hakansson e Snehota, 1995; Snehota, 2003). Partindo dos pressupostos de
que o conhecimento detido pelos actores na rede é heterogéneo e de que a aprendizagem
é um processo demorado, Hakansson e Snehota (1995) consideram ainda que, para que
as partes envolvidas num relacionamento aprendam uma com a outra, tem que existir
continuidade nas interacções. Apesar dessa continuidade, também existe instabilidade,
no sentido de evolução, uma vez que, constantemente, os actores revêem os seus planos
e alteram o conteúdo dos seus relacionamentos, ajustando-se mutuamente ao
comportamento das contrapartes e a alterações exógenas (Snehota, 2003).
De acordo com Hakansson e Snehota (1995), sendo os relacionamentos
processos que se caracterizam pela adaptação e empenho mútuo de cada uma das partes,
estes geram a interdependência de resultados ao longo do tempo. O resultado das acções
de uma empresa é fortemente influenciado pelas acções das empresas com que esta se
relaciona. Da mesma forma, também as suas acções influenciam o resultado das acções
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das outras. Assim sendo, numa rede, as empresas são interdependentes, o que significa
que o resultado das acções de uma empresa não depende, unicamente, dessa empresa.
Assim, esta interdependência de resultados faz com que, simultaneamente, os
relacionamentos enriqueçam e limitem as empresas, pois não só potenciam, como
também restringem, o desenvolvimento da organização. O relacionamento evolui ao
longo do tempo e, por um lado, ajuda a empresa permitindo-lhe utilizar os recursos e
competências das suas contrapartes. Mas, por outro lado, simultaneamente, essa
interdependência funciona como uma restrição ao desenvolvimento das suas iniciativas.
Sendo que os objectivos e iniciativas das contrapartes num relacionamento nem sempre
são coincidentes, uma empresa pode ter dificuldade em realizar os seus projectos, se
para isso necessitar da cooperação de outra com que se relaciona.
Conclui-se que a interdependência gerada pelos relacionamentos pode ser
positiva ou negativa. Assim sendo, a interacção entre empresas interdependentes
envolve, simultaneamente, elementos de cooperação e conflito, de integração e
separação. A coexistência de cooperação e o conflito num relacionamento torna
necessário que este não se torne um jogo de soma nula mas que crie valor para os dois
lados da relação. É necessário saber balancear os efeitos do relacionamento para as duas
partes, para que ele continue a ser interessante para ambas (Hakansson e Snehota,
1995).
Os relacionamentos inter-organizacionais caracterizam-se, também, pela
interacção social. Os indivíduos que pertencem a cada uma das empresas envolvidas no
relacionamento, podem estabelecer relações sociais entre si, inclusivamente relações
extra-profissionais. As relações sociais têm um papel importante e afectam, de
diferentes formas, o desenvolvimento desses relacionamentos inter-organizacionais
(Hakansson e Snehota, 1995; Snehota, 2003).
Devido à incerteza que caracteriza a envolvente em que as empresas actuam,
mesmo quando existem contratos formais, estes não abrangem todas as situações
possíveis e, portanto, normalmente, os relacionamentos têm também um carácter
informal. Apesar da complexidade e informalidade dos relacionamentos, com o tempo,
estes tendem a institucionalizar-se. A rotinização decorrente ajuda a lidar com as
necessidades complexas de coordenação das actividades individuais dentro desses
relacionamentos (Hakansson e Snehota, 1995).
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Normalmente, as empresas encontram-se envolvidas, simultaneamente, em mais
do que um relacionamento. Os principais relacionamentos da empresa encontram-se
conectados, no sentido de que o que acontece num relacionamentos afecta o que
acontece nos restantes3. Os relacionamentos estão conectados pelas interdependências
que afectam o desenvolvimento da empresa. Segundo Hakansson e Snehota (1995),
estas interdependências podem ser de natureza tecnológica, de conhecimento, de
relacionamento social, de laços legais, de rotinas e sistemas administrativos.
Os relacionamentos são definidos e desenvolvidos pela empresa e são o
resultado das suas interacções passadas. Mas, as empresas também se redefinem e
desenvolvem através dos relacionamentos. A forma como a empresa é percepcionada
pelos restantes actores depende das empresas com quem esta se relaciona e da forma
como se relaciona com elas. As empresas têm relacionamentos com várias contrapartes.
Em cada um dos seus relacionamentos, a empresa “representa” as suas contrapartes nos
restantes relacionamentos. A forma como a empresa se comporta numa relação afecta a
forma como é vista por actores exteriores a esse relacionamento. Conclui-se, portanto,
que o desempenho da empresa depende dos relacionamentos que estabelece. Mas, estes
também dependem do seu desempenho. (Hakansson e Snehota, 1995).
Numa rede, no desenvolvimento dos relacionamentos, existe uma ‘dependência
do percurso’ passado. De acordo com Araújo e Harrison (2002), a ‘dependência do
percurso’ é uma sequência de eventos, onde um determinado processo económico não
se consegue libertar dos estados ou movimentos que lhe são anteriores4. A ‘dependência
do percurso’ reconhece a contingência histórica em que uma conjuntura de eventos
pode seguir uma multiplicidade de percursos diferentes, levando a resultados diferentes.
Neste contexto, a estrutura da rede existente é o resultado das soluções adoptadas no
passado e a base para o seu desenvolvimento futuro. A forma actual de uma rede é um
produto do seu passado, no que respeita, por exemplo, ao conhecimento ou ao
3 Para Hakansson e Snehota (1995), dentro da carteira de relacionamentos de uma empresa, existem, também, relacionamentos que não estão conectados. 4 Este conceito foi criticado pelo seu carácter fatalista. No entanto, para Araújo e Harrison (2002), a noção de que os acontecimentos podem ter causas remotas no tempo, não significa, necessariamente, que esses acontecimentos estejam pré-determinados. Os actores podem constatar os resultados dos diferentes percursos que escolheram e, com base nesse conhecimento, escolher o que melhor lhes serve para o futuro.
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investimento em relacionamentos e é também uma determinante para o seu futuro. Por
esta razão, a estrutura da rede caracteriza-se pela estabilidade e pela continuidade.
Mas, as redes também se caracterizam pela mudança. Segundo Araújo e
Harrison (2002, pp.7), a ‘dependência do percurso’ encontra-se associada a dois tipos de
sequências de eventos: as ‘sequências de auto-reforço’, onde, ao longo de um
determinado percurso, cada passo amplifica os resultados de passos anteriores, e as
‘sequências reactivas’, onde “os eventos dão origem a uma sequência de reacções,
fortemente relacionadas, onde cada evento é visto como uma reacção a eventos
anteriores”. Neste último tipo de sequências, os passos iniciais “disparam uma resposta
poderosa, que altera o percurso do sistema para uma nova direcção que não reforça,
necessariamente, o primeiro movimento”. Numa rede de empresas, continuamente,
surgem novos relacionamentos, alteram-se relacionamentos existentes e acabam
relacionamentos antigos.
Apesar de parecer contraditório, a estrutura da rede tem, simultaneamente, um
carácter de estabilidade e de mudança contínua. O desenvolvimento numa determinada
área necessita de estabilidade noutro ponto da rede (Hakansson e Snehota, 1995). Por
exemplo, o desenvolvimento de uma nova actividade ou recurso pode assegurar ou
depender da estabilidade de um relacionamento. Como os relacionamentos estão
conectadas entre si, as mudanças propagam-se nas redes. O que acontece numa relação
entre duas empresas pode ter impacto nos restantes relacionamentos estabelecidos por
cada uma das partes envolvidas. A mudança é gerada por acções, que por sua vez são
reacções a acções anteriores. A mudança numa rede é também evolutiva. A
heterogeneidade dos recursos e a complexidade das interdependências entre actividades
oferecem tantas possibilidades que, dada a racionalidade limitada dos indivíduos5,6, a
única solução é um desenvolvimento incremental em interacção contínua com os outros.
Neste contexto, todas as mudanças necessitam ser marginais e ligadas fortemente ao
passado (Hakansson e Snehota, 1995).
5 A racionalidade limitada resulta da diferença entre a capacidade cognitiva humana e a complexidade dos problemas (Levinthal, 2000). 6 Segundo Holmen et al. (2003), a literatura IMP apenas considera a existência de racionalidade limitada de forma implícita. No entanto, para estes autores, este pressuposto, em conjunto com a heterogeneidade, é fundamental para compreender a existência de relacionamentos e o desenvolvimento.
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3.1.2. O Modelo ARA
Hakansson e Johanson (1992) propõem um modelo que permite estudar a
estabilidade e mudança numa rede industrial e, nesse contexto, o papel dos actores no
desenvolvimento industrial. Este modelo, conhecido por Modelo ARA, é constituído
por três classes de variáveis que formam redes funcionalmente interdependentes:
Actores, Recursos e Actividades. Este modelo encontra-se esquematizado na Figura 6.
Figura 6 – O Modelo ARA
Fonte: Adaptado de Axelsson e Easton (1992, pp.29)
Os actores realizam as actividades e controlam os recursos. A realização das
actividades depende do controlo, directo ou indirecto, dos recursos por parte dos
actores. O controlo directo existe quando os actores têm a propriedade dos recursos. O
controlo indirecto resulta dos relacionamentos que os actores estabelecem entre si, e que
lhes permitem aceder aos recursos dos outros. Um dos aspectos da heterogeneidade em
redes reside ao nível dos actores, nos seus conhecimentos, percepções e intenções.
Como cada actor tem objectivos específicos que procura concretizar, todos os actores
procuram obter o controlo sobre a rede, na expectativa de que este lhes permitirá
realizar esses objectivos. O controlo da rede obtém-se quer através do controlo directo
ou indirecto dos recursos, quer através do controlo das actividades. Por sua vez, o
controlo destas resulta tanto do controlo dos recursos como do conhecimento que a
Actores
Actividades Recursos
Rede de Actores
Rede de Actividades Rede de Recursos
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empresa tem sobre os restantes actores. Esse conhecimento é heterogéneo e é um
resultado da experiência dos actores, diferindo quanto aos recursos e actividades dos
restantes actores da rede.
Nas actividades, os actores utilizam os recursos para combinar, desenvolver,
trocar ou criar outros recursos. Uma actividade encontra-se ligada a várias outras, de
forma mais ou menos forte, de diferentes maneiras e a vários níveis. As ligações entre
actividades podem ser directas ou indirectas. As ligações são indirectas quando se
fazem através de actividades intermediárias. Estas ligações são específicas se dependem
de actores específicos ou genéricas se são independentes dos actores.
Os recursos são controlados pelos actores, quer individualmente, quer em
conjunto, que os utilizam para realizar as actividades. Os recursos são heterogéneos. Os
seus atributos distribuem-se por um número ilimitado de dimensões, o que significa que
as possibilidades da sua utilização são ilimitadas. A utilização e o valor de um recurso
dependem da forma como este é combinado com outros. A experiência e o
conhecimento relativo aos recursos são importantes, na medida em que a combinação de
recursos diversos e fortemente complementares aumenta o seu desempenho conjunto.
Através da criação de novas possibilidades de combinações melhoradas dos recursos,
cria-se novo conhecimento. Os recursos podem ser caracterizados pelos actores que os
controlam, quer directa, quer indirectamente através dos relacionamentos. Quanto mais
escasso for um recurso, mais importante se torna o seu controlo e maior o esforço dos
actores para o obter.
Procurando caracterizar o perfil e a dinâmica dos relacionamentos, Hakansson e
Snehota (1995) refinam o Modelo de ARA. Os actores desenvolvem e mantêm vínculos
entre eles (actor bonds), que podem ser formais ou informais, envolvendo confiança,
conhecimento mútuo, ligação das actividades (activity links) e recursos entrelaçados
(resource ties).
O relacionamento entre duas empresas pode influenciar a forma como estas
desempenham as suas actividades. À medida que o relacionamento se desenvolve, há
actividades, por exemplo técnicas, administrativas ou comerciais, que se ligam com
outras actividades na contraparte, afectando o desempenho das empresas. Esta ligação
das actividades (activity link) afecta também o desempenho da própria rede, porque
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como ambas as empresas têm outros relacionamentos, a ligação de actividades num
relacionamento, conecta-se a outras ligações de actividades noutros relacionamentos,
influenciando o seu desempenho.
O relacionamento entre duas empresas afecta também a forma como cada uma
delas utiliza os recursos. Os relacionamentos são uma forma de aceder aos recursos da
contraparte. Mas como os recursos das duas empresas são combinados através do
relacionamento, com o tempo, pode acontecer que parte desses recursos se torne
orientada especificamente para a contraparte da relação. Assim, parte dos recursos das
empresas envolvidas no relacionamento encontram-se entrelaçados. Estes nós entre os
recursos (resource ties) são o resultado da forma como o relacionamento se
desenvolveu e representam um novo recurso para as empresas envolvidas.
O vínculo entre dois actores (actor bonds) influencia a forma como cada um
deles percepciona o outro, pois pode alterar a sua forma de ver e interpretar as situações,
bem como as suas identidades tanto dentro como fora do relacionamento. Por outro
lado, a identidade percepcionada afecta as possibilidades de acção das empresas. Num
relacionamento, as duas partes ficam a conhecer as ambições e percepções da outra, o
que aumenta a possibilidade de utilizarem os recursos e competências uma da outra em
situações futuras. No entanto, por muito que uma empresa aprenda sobre a outra, existe
sempre incerteza e, consequentemente, a necessidade de confiança e empenho das duas
partes. Os vínculos entre os actores (actor bonds) são as regras que permitem que a
empresa se empenhe, inspire confiança e tenha uma determinada identidade.
Cada uma destas três redes, activity links, resource ties e actor bonds, está
fortemente relacionada com as restantes através de quatro forças: a interdependência
funcional, a estrutura de poder, a estrutura do conhecimento e a interdependência
temporal. Este último aspecto é fundamental para se compreender a coexistência de
estabilidade e mudança nas redes.
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3.1.3. Síntese
Nesta secção, reviu-se a literatura sobre redes e relacionamentos inter-
organizacionais, na perspectiva do IMP Group. Começamos por caracterizar esses
relacionamentos, tendo em vista o objectivo principal, a identificação das razões que
explicam a sua existência e importância para o desenvolvimento da empresa. Sendo a
racionalidade limitada, as empresas não são auto-suficientes pois não possuem todos os
recursos e competências de que necessitam. Existindo heterogeneidade, os actores num
sistema industrial são heterogéneos, o que, em conjunto com a racionalidade limitada,
torna os relacionamentos interessantes, pois permitem que a empresa aceda aos recursos
e competências das suas contrapartes (Holmen et al., 2003).
Focalizamo-nos ainda nas interdependências criadas pelos relacionamentos e na
rede resultante dessas interdependências. Como os resultados das acções de uma
empresa são influenciados não só por essas acções como também pelas acções das suas
contrapartes – tal como as suas acções também influenciam os resultados das empresas
com quem se relaciona – as empresas envolvidas numa rede são interdependentes. Mais
ainda, os principais relacionamentos da empresa também são interdependentes, pois os
resultados de um relacionamento podem afectar os restantes relacionamentos da
empresa. Esta interdependência pode ter um lado negativo. Da mesma forma que os
relacionamentos apoiam o desenvolvimento da empresa, também podem condicioná-lo,
na medida em que a empresa poderá depender da vontade das suas contrapartes para
realizar determinadas iniciativas (Hakansson e Snehota, 1995).
A dinâmica dos relacionamentos e da rede foi também considerada, concluindo a
importância da influência das trajectórias percorridas pelas empresas no estado presente
dos relacionamentos e nas possibilidade de desenvolvimento futuro, tal como a
importância do paradoxo da estabilidade e mudança nas redes industriais. Neste
contexto, constatou-se que a mudança numa rede é evolutiva, sendo fortemente ligada
ao passado e resultando do desenvolvimento incremental em interacção contínua com os
outros (Hakansson e Snehota, 1995).
Finalmente, revimos o Modelo ARA proposto por Hakansson e Johanson (1992)
para estudar a estabilidade e mudança numa rede industrial. Este modelo é constituído
por três classes de variáveis interdependentes: Actores, Recursos e Actividades. De
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acordo com Hakansson e Snehota (1995), os actores desenvolvem e mantêm vínculos
entre eles (actor bonds), as actividades estão ligadas entre si (activity links) e os
recursos estão entrelaçados uns nos outros (resource ties).
Nesta perspectiva, o relacionamento entre duas empresas pode influenciar a
forma como estas desempenham as suas actividades porque à medida que o
relacionamento se desenvolve, vão-se criando ligações entre actividades. Estas
conectam-se a outras ligações de actividades noutros relacionamentos, influenciando o
seu desempenho. O relacionamento entre duas empresas afecta também a forma como
cada uma delas utiliza os recursos. Como os recursos das duas empresas são
combinados através do relacionamento, com o tempo, pode acontecer que parte desses
recursos se torne orientada especificamente para a contraparte da relação. O
relacionamento entre dois actores influencia também a percepção das suas identidades,
tanto dentro como fora do relacionamento, o que afecta as suas possibilidades de acção.
Esta secção teve como objectivo apresentar um quadro teórico que fundamente a
exploração de proposições alternativas às teorias tradicionais do franchising. A
abordagem das redes de franchising numa perspectiva IMP, poderá ajudar a esclarecer o
funcionamento destas, analisando-as como sistemas complexos e dinâmicos de actores e
relacionamentos. Neste enquadramento, a mobilização, confronto e desenvolvimento de
competências, ao longo do tempo, poderão assumir um papel importante no
desenvolvimento, quer dos relacionamentos, quer do próprio sistema, tal como se verá
nas secções seguintes.
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3.2. As Competências Organizacionais
De acordo com Langlois e Foss (1999, pp. 201), nos últimos 25 anos do século
passado, a Economia da Organização focalizou-se na análise da empresa como um
conjunto de contratos que são vistos como mecanismos eficientes para criar e alinhar
incentivos. Nesta literatura, os problemas da organização económica são “reduzidos
literalmente […] a problemas de conflito de incentivos resultantes da informação
imperfeita”. Contudo, e ainda na opinião dos autores (pp. 202), apesar do grande avanço
realizado por esses trabalhos, “a concentração no conflito de incentivos deixou algo de
fora. Especificamente, […] o lado produtivo da empresa [...]”. Langlois e Foss (pp. 203)
argumentam ainda que se se “insistir em conceptualizar todos os problemas da
organização económica como reflectindo a resposta eficiente a conflitos de incentivo
latentes, então fecham-se imediatamente duas avenidas teóricas que levam à questão do
conhecimento produtivo”.
A questão do conhecimento produtivo tem, de facto, duas vertentes, por um
lado, a possibilidade de o conhecimento sobre como produzir ser imperfeito e, por
outro, a possibilidade de ser também imperfeito o conhecimento sobre como ligar o
conhecimento produtivo disperso por diferentes organizações. Estas questões são, no
entanto, centrais à Teoria das Competências Organizacionais que perspectiva a empresa
como sendo um repertório de conhecimento produtivo com determinadas características
idiossincráticas. Sendo que a racionalidade é limitada e que o conhecimento produtivo é
parcialmente tácito e idiossincrático, torna-se necessário coordenar e integrar esse
conhecimento.
Em síntese, o principal objectivo da Teoria das Competências Organizacionais é
encontrar a fonte da singularidade das empresas. Mais concretamente, as fontes da sua
heterogeneidade, das suas vantagens competitivas e da sua rendibilidade (Langlois e
Foss, 1999). Apesar de ter sido posta em segundo plano por vários autores nas últimas
décadas, a questão das fontes da singularidade das empresas não é nova. Já no final do
século XVIII, Adam Smith se preocupava com a identificação das fontes da
produtividade industrial. Também Penrose (1959) procurou determinar as razões
idiossincráticas que influenciam o crescimento da empresa.
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Na verdade, para Penrose, os recursos de uma empresa podem ser utilizados de
formas diferentes, ou seja, podem prestar serviços produtivos diferentes. Assim, o
mesmo recurso pode realizar serviços diferentes em empresas diferentes, ou até na
mesma empresa mas em momentos diferentes. Em parte, pode-se considerar que a fonte
da singularidade de cada empresa reside no facto dos seus recursos consistirem em
conjuntos diferentes de serviços produtivos potenciais (Turvani, 2000). A aplicação dos
recursos na realização de novos serviços produtivos depende da capacidade da gestão
para reorganizar os recursos da empresa e para percepcionar oportunidades potenciais
ou emergentes no meio envolvente. É exactamente esta capacidade que justifica que
existam serviços produtivos exclusivos de determinadas empresas.
Tendo em mente o objectivo desta investigação, nos pontos seguintes desta
secção, analisamos o contributo de Penrose (1959), revemos as principais
argumentações da Teoria das Competências Organizacionais e examinamos a influência
da Teoria Evolucionista Económica.
3.2.1. Edith Penrose: Percursora da Perspectiva das
Competências
Nas palavras de Edith Penrose (1995, p. xi), “ao analisar o crescimento da
empresa, nos anos 50, pretendia responder à questão se haveria algo inerente à natureza
da própria empresa que, simultaneamente, promovesse o seu crescimento e,
necessariamente, limitasse a sua taxa de crescimento.” Penrose acrescenta ainda que
“Sem dúvida, uma definição da empresa com conteúdo era necessária [...] tal como [nos
trabalhos de] Alfred Marshall […] e outros [...] que tratam a empresa como uma
organização.”
Tal como Penrose (1995) relembra, nos anos 50, a Teoria Neoclássica da
Empresa mantinha-se ainda praticamente inquestionável. Contudo, o seu trabalho é
totalmente incompatível com esta teoria. Assim, o trabalho de Penrose foi subvalorizado
durante cerca de um quarto de século. Durante muito tempo, o seu contributo foi
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reduzido ao debate da dimensão óptima da organização e ao conhecido Penrose Effect7,
apenas começando a ganhar a notoriedade presente com o nascimento do interesse pela
Teoria da Empresa Baseada nos Recursos e, mais tarde, pelas Competências
Organizacionais.
Assumindo que a função económica de qualquer empresa é a de adquirir e
organizar recursos de forma a fornecer bens e serviços ao mercado de forma lucrativa,
Penrose (1959, 1995) define a empresa como um conjunto de recursos ligados por uma
estrutura administrativa e cujas fronteiras são definidas por uma área de coordenação
administrativa (area of administrative coordination) e de comunicação ‘autoritativa’
(authoritative communication).
Os recursos que a empresa penrosiana detém podem ser utilizados de diferentes
formas, isto é, prestar diferentes serviços produtivos. Loasby (2000) considera que a
maior contribuição de Penrose foi esta distinção entre os recursos e os serviços
produtivos que eles podem originar. Dependendo da empresa que o detém, o mesmo
recurso pode realizar serviços diferentes. Na mesma empresa, pode ser chamado a
prestar serviços diferentes em momentos diferentes. Mais importante ainda, existem
serviços produtivos exclusivos de determinadas empresas. Turvani (2000) considera que
a importância da distinção entre recursos e serviços reside no facto dos recursos
consistirem num conjunto de serviços potenciais e poderem ser definidos
independentemente da sua utilização. Nesta distinção reside em parte a fonte da
singularidade de cada empresa. Também Araújo e Kerndrup (2001) consideram que é
na heterogeneidade dos serviços produtivos, prestados pelos recursos humanos e
materiais, que Penrose encontra a fonte da singularidade das empresas.
Turvani (2000, p.5) considera que Penrose desenvolve uma “teoria do
crescimento da empresa em relação ao papel do conhecimento” e é exactamente por
essa razão que ela está tão em voga actualmente. Também Best e Garnsey (1999)
7 No Prefácio da segunda edição do livro The Theory of the Growth of the Firm, Slater (1980, p. xi) sintetiza da seguinte forma o Efeito Penrose: “Ela pressupõe a existência de retornos constantes para a empresa, tanto do lado da procura como da oferta. Assim, no longo prazo, não existe uma dimensão óptima, uma vez que qualquer dimensão é tão rentável como qualquer outra. Então, o que determina a dimensão de uma empresa, num determinado momento do tempo? O custo crescente do crescimento: o Penrose Effect. Os retornos constantes, obtidos no longo prazo, só serão conseguidos quando se obtiver um ajustamento perfeito de todos os inputs a uma determinada dimensão. Se for difícil ajustar alguns dos inputs, então não será possível obter retornos constantes a curto prazo. Quanto mais depressa a empresa tentar crescer, menor será o ajustamento da estrutura dos inputs. Assim, a empresa poderá não crescer tão depressa quanto pretende porque há um custo específico associado ao crescimento rápido”.
83
referem que Penrose incorpora o conhecimento e a tecnologia numa ‘teoria dinâmica do
crescimento da empresa’. Na verdade, Penrose (1959) procura explicar o processo de
criação de conhecimento dentro da empresa. Este processo encontra-se ilustrado na
Figura 7.
Figura 7 – As Duas Dimensões da Criação do Conhecimento na Empresa Penrosiana
Limitações a nível do planeamento e, em particular, a indivisibilidade dos
recursos originam o subaproveitamento dos recursos da empresa. A tentativa de
aplicação desses recursos subaproveitados resulta no desenvolvimento de novos
produtos e serviços, ou seja, cria conhecimento. Mas, de acordo com Penrose, esse
desenvolvimento origina a subutilização de novos recursos e, assim, este processo
torna-se num ciclo.
No entanto, apesar da subutilização da capacidade estimular a expansão da
empresa, a rapidez do seu crescimento tem um limite que lhe é imposto pela sua
habilidade para antecipar e responder a oportunidades emergentes no meio ambiente.
Essa tentativa de antecipar e explorar oportunidades emergentes liga a empresa ao
cliente numa relação interactiva. A empresa molda estrategicamente o mercado porque à
medida que reage a oportunidades produtivas, estas alteram-se e diferenciam-se (Best e
Garnsey, 1999). Esta habilidade depende dos serviços produtivos exclusivos da
empresa, nomeadamente da capacidade da gestão para reorganizar os recursos de forma
a responder a essas oportunidades. A capacidade da gestão limita necessariamente a
expansão da empresa num dado momento. Enquanto que novos recursos podem ser
adquiridos rapidamente, a sua conversão em serviços produtivos leva tempo e exige
Criação de novos produtos ou serviços =
Criação de conhecimento
Ímpeto para utilizar recursos sub-aproveitados
Capacidade para identificar e explorar
oportunidades
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experiência. Nomeadamente o recrutamento de novos elementos para a equipa de gestão
pode ser relativamente rápido, mas a sua formação e a aquisição de conhecimentos é um
processo demorado.
Penrose (1995) explica como os recursos humanos de gestão impõem um limite
à taxa de crescimento da empresa. Sendo a empresa uma organização administrativa
coerente, é necessária a existência de recursos humanos de gestão experientes para a
absorção de gestores a partir do exterior da empresa. Até mesmo no caso do
crescimento por fusão ou aquisição, estes recursos funcionam como uma restrição, na
medida em que a coerência da “nova” organização depende deles. Assim, a
disponibilidade desses gestores experientes, que não podem ser adquiridos no mercado,
limita a expansão que se pode planear e realizar dentro de um determinado período de
tempo. Porém, assim que um determinado patamar de crescimento é atingido, os
serviços de gestão que estiveram dedicados a esse crescimento tornam-se disponíveis
para uma nova expansão. Assim, a existência de um limite à taxa de crescimento não
significa a existência de um limite à dimensão da empresa. Por outro lado, quando a
empresa procura novas formas para utilizar os seus recursos de forma mais rentável, a
experiência crescente da equipa de gestão, o seu conhecimento dos outros recursos da
empresa e da possibilidade de os utilizar de outras formas, criam um incentivo para
expansão adicional. Penrose (1995) conclui que os recursos humanos existentes na
empresa funcionam tanto como um limite à taxa de crescimento como um incentivo
para a expansão.
O trabalho de Penrose contrasta fortemente com a Teoria Económica
Neoclássica. O interesse da autora pela dinâmica do crescimento da empresa manteve o
seu trabalho à margem da teoria económica estabelecida, contribuindo para uma
aceitação tardia da sua argumentação. De acordo com a perspectiva neoclássica, o
desafio da produção é obter o máximo output, a partir de um conjunto fixo de recursos.
Este objectivo pode ser atingido se se satisfizer um conjunto de regras de optimização
que envolvem os inputs, outputs e preços de uma dada tecnologia, um dado produto e
uma dada organização. A optimização é a eliminação do desperdício. Nesse sentido, a
subutilização dos recursos da dinâmica penrosiana não pode fazer parte do processo de
crescimento da empresa da teoria tradicional (Best e Garnsey, 1999). Ao contrário da
Teoria Neoclássica, para Penrose, é o desequilíbrio que gera o crescimento (Best, 1990).
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As empresas são uma colecção de recursos produtivos que nunca atingem um ponto de
equilíbrio (“state of rest”, nas palavras de Penrose, 1959, p. 68) devido ao facto de (1)
os recursos serem indivisíveis; (2) em circunstâncias diferentes, os recursos poderem ser
utilizados de forma diferente e, mais concretamente, de forma especializada; (3) e, no
processo normal de operação e expansão, se criarem, continuamente, novos serviços
produtivos (Foss et al., 1995). A perspectiva de que a origem do processo de
crescimento reside nos desequilíbrios, é principalmente útil se olharmos para a empresa
sob o prisma cognitivo, direccionando a nossa atenção para o processo de criação de
conhecimento (Turvani, 2000).
Ao contrário do ‘homem económico’ da escolha racional, cujas acções são
determinadas por predisposições, como por exemplo, de ordenações de preferência, o
gestor da empresa penrosiana necessita sempre de interpretar e reinterpretar a
informação que lhe chega. Esta interpretação depende das suas perspectivas,
relativamente ao modo como o mundo funciona. O seu comportamento é determinado
pela imagem que a sua mente forma de todas as possibilidades e restrições com que o
meio ambiente o confronta (Best e Garnsey, 1999). Nenhuma empresa pode visionar
completamente o leque de serviços que pode ser produzido por um determinado recurso,
exactamente porque a sua identificação está, em grande parte, limitada pelas ideias da
gestão no que diz respeito a possíveis associações produtivas (Turvani, 2000).
Loasby (2001) analisa a dinâmica da empresa penrosiana por oposição às teorias
tradicionais da empresa. Penrose combina a dinâmica cognitiva e organizacional. A
organização de uma nova actividade requer novas ligações, quer em termos de padrões
de interacção, quer de cognição individual. Se a actividade tem sucesso, a maioria
destas ligações deixa de necessitar de atenção consciente. As capacidades cognitivas e
organizacionais ficam livres para outros propósitos. Ao mesmo tempo, os padrões de
comportamento absorvidos alteram os recursos da empresa que podem ser empregues
em novas utilizações conjecturadas por essas capacidades cognitivas. Estas ligações
entre os recursos e as suas aplicações têm que ser estabelecidas pelos indivíduos. Ao
contrário do que acontece na teoria neoclássica, não é possível deduzir estas ligações a
partir de um conjunto de dados iniciais. Para Loasby (2001), esta é a diferença
fundamental entre a teoria da empresa de Penrose e a teoria tradicional.
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O tratamento que Penrose dá às oportunidades emergentes no meio envolvente
contrasta fortemente com a ideia neoclássica de que todos os recursos são escassos,
excepto o conhecimento. O reconhecimento por Penrose das limitações cognitivas cria
espaço para a emergência da imaginação e do empreendorismo. No entanto, choca com
a hipótese da eficiência do mercado. Na teoria neoclássica, as oportunidades são
ilusórias. No momento em que são identificadas, desaparecem. Pelo contrário, para
Penrose, as oportunidades são a ligação entre o que existe e o que pode vir a existir
(Best e Garnsey, 1999). São as oportunidades que impulsionam o crescimento da
empresa penrosiana (Loasby, 2001).
3.2.2. A Teoria das Competências
Segundo Dosi et al. (2000), na última década, a questão das competências da
empresa despertou o interesse quer de académicos, quer de profissionais da gestão. Por
um lado, o efeito da estratégia de diversificação não relacionada no comportamento do
mercado accionista e o consequente regresso ao core business, bem como a
concorrência da indústria japonesa, levaram os gestores a preocupar-se com os factores
específicos e concretos que afectam a competitividade individual da empresa. Por outro
lado, o interesse dos académicos resultou do relativo fracasso da investigação que se
focalizou na relação da empresa com o ambiente competitivo e estereotipado,
redespertando o interesse pelo estudo do funcionamento interno das organizações. Neste
contexto, as ideias de Penrose (1959) ganharam novos impulsionadores.
Langlois e Foss (1999) identificam duas questões relativas ao conhecimento
produtivo, anteriormente negligenciadas pela literatura. Por um lado, a questão das
competências, isto é, o conhecimento imperfeito de como produzir. Por outro lado, a
questão da coordenação qualitativa, ou seja, o conhecimento imperfeito da forma de
ligar o conhecimento produtivo de mais do que um indivíduo ou organização. A Teoria
das Competências da Empresa enfatiza exactamente questões relacionadas com a
limitação do conhecimento produtivo e a necessidade da sua coordenação. Esta nova
abordagem baseia-se, em grande parte, no trabalho de Penrose (1959) e de Richardson
(1972).
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Esta teoria parte dos pressupostos de que a racionalidade é limitada (Kogut e
Zander, 1992; Dosi e Marengo, 1994) e de que uma parte do conhecimento produtivo é
tácito8 e não é transmissível livremente (Langlois, 1992). Desta forma, recupera a
preocupação com a determinação das razões da heterogeneidade das empresas,
nomeadamente quanto à natureza e fontes do conhecimento produtivo (Langlois e Foss,
1999), negligenciada pela literatura mais recente, mas que já interessou autores, como
Adam Smith ou Edith Penrose. Nesta perspectiva, a empresa é vista como um repertório
de conhecimento produtivo com determinadas características idiossincráticas – as
competências9 (Langlois e Foss, 1999). Dosi et al. (2000, pp.2) identificam
‘competência organizacional’ com o know-how que permite que a empresa desempenhe
a sua actividade. Langlois e Foss (1999, pp. 207-208) definem a noção de
‘competência’ como o conhecimento organizacional produtivo, incorporado na
empresa, parcialmente tácito, que pode ser empregue pelos seus membros com um
objectivo estratégico.
Para Penrose (1959), como se viu antes, o desenvolvimento da empresa depende
da detenção de recursos e serviços produtivos únicos e idiossincráticos. O crescimento
da empresa é um processo evolutivo, baseado na acumulação do conhecimento
colectivo, onde o princípio ‘history matters’ assume um carácter fundamental10
(Penrose, 1995, pp. xiii). Seguindo este raciocínio, vários autores defendem que a fonte
das vantagens competitivas reside na detenção de competências específicas, fruto de um
processo demorado de aprendizagem organizacional e que, por isso mesmo, são difíceis
de imitar (Dosi et al., 2000). Alguns autores identificam as condições necessárias para
que uma competência organizacional seja uma fonte de vantagens competitivas (por
exemplo Henderson e Cockburn, 2000): (1) deverá encontrar-se distribuída pela
8 Nem todo o conhecimento se encontra codificado, isto é, assume uma forma em que pode ser articulado em palavras e é, portanto, facilmente transmissível. Parte do conhecimento é tácito e, apenas pode ser adquirido, através de um processo de aprendizagem demorado, do tipo learning by doing (Polanyi, 1958). 9 Nesta perspectiva, as competências organizacionais são vistas como endógenas à empresa, encontrando-se incorporadas nas suas actividades, por oposição ao armazenamento passivo do conhecimento (tipo biblioteca). Nesse sentido, as competências são idiossincráticas num sentido mais forte do que o são os recursos na Teoria dos Recursos da Empresa, pois estes podem separar-se da empresa ao seu preço de mercado e as competências não. 10 A Teoria Tradicional não reconhece o papel do percurso passado, bygones are bygones. Contudo, o futuro da empresa depende dos percursos que se lhe apresentam e da sua posição actual que, por sua vez, dependem do percurso passado. Neste contexto, o passado tem importância, ou history matters (Teece et al., 2000, pp. 346).
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indústria de forma heterogénea; (2) deverá ser impossível comprar ou vendê-la no
mercado de factores a menos do que o seu verdadeiro valor marginal; (3) a sua
replicação deverá ser impossível ou muito dispendiosa. São exemplo destas
competências específicas, as relativas a investigação e desenvolvimento (Henderson e
Cockburn, 2000), tecnologia, distribuição, marketing, conhecimento sobre determinado
mercado ou necessidades, rotinas como a tomada de decisão ou resolução de problemas,
sistemas de gestão da informação, entre outras (Appleyard et al., 2000).
Neste contexto, para Teece et al. (2000), uma vantagem competitiva requer não
só a exploração das competências específicas da empresa, mas também o
desenvolvimento de novas competências. Vários autores constatam que algumas
empresas desenvolvem competências específicas mais rapidamente do que as outras
(Dierickx e Cool, 1989; Prahalad e Hamel, 1990; Teece; 1993), o que indica a
existência de competências específicas para o desenvolvimento de competências. Assim
sendo, Teece et al. (2000, pp.339) definem ‘Competências Dinâmicas’ como as
competências que permitem “reconfigurar, redireccionar, transformar, moldar e integrar,
de forma apropriada, as competências nucleares existentes, com os recursos externos, os
activos complementares estratégicos, de forma a responder às constantes mudanças do
mundo Shumpeteriano de concorrência e imitação”. As competências dinâmicas são, no
fundo, as competências que permitem obter novas vantagens competitivas.
Para melhor compreender a natureza das competências dinâmicas, os
investigadores recorrem aos conceitos introduzidos pela Teoria Económica
Evolucionista. Nesta linha de pesquisa, destaca-se o trabalho de Nelson e Winter
(1982), que incorpora analogias retiradas da Biologia: a inovação relacionada com a
‘variação/mutação’ da Natureza, a empresa como uma entidade que detém
conhecimento por ‘hereditariedade’ e a selecção do mercado associada à ‘selecção
natural’ (Foss et al., 1995).
Na Teoria Económica Evolucionista, a empresa é conceptualizada como uma
base de conhecimento que depende do seu percurso passado. No curso do seu
desenvolvimento, a empresa adquire um reportório de ‘rotinas’ que deriva das suas
actividades ao longo do tempo. A forma como as empresas ‘fazem as coisas’ tem um
forte carácter distintivo e de continuidade. Estas duas características resultam do que
Dosi et al. (2000, p.12) chamam “o triunvirato evolutivo da variedade, selecção e
89
retenção”. Segundo os autores, as empresas têm padrões de comportamento
heterogéneos. O mercado selecciona e promove os bem-sucedidos.
O conceito de ‘rotinas organizacionais’ surge, na Teoria da Empresa, com a
publicação, em 1982, de An Evolutionary Theory of Economic Change de Nelson e
Winter. De acordo com estes autores, as ‘rotinas das organizações’ são em muitos
aspectos semelhantes às ‘capacidades individuais’. Nas palavras de Nelson e Winter
(1982, p. 124), “As rotinas são os skills da organização”. O conceito de skills, ou
aptidões individuais, inclui, não apenas a noção de exercício de uma capacidade técnica,
mas também a mestria relativamente às “utilizações sociais” que acompanham esse
exercício. As rotinas têm o mesmo papel na organização que os genes têm num
organismo vivo. As ‘rotinas’ indicam ‘a forma de fazer as coisas’ e ‘a forma de
determinar o que deve ser feito’. São mecanismos para reunir e processar a informação
sobre o meio envolvente, necessária ao bom funcionamento das actividades da
organização. No limite, é em primeiro lugar através das ‘rotinas’ que as organizações
funcionam. Até mesmo a forma como uma organização resolve os seus problemas tem
um carácter de quasi-rotina, cujas principais linhas gerais podem ser antecipadas com
base na experiência obtida na resolução de problemas anteriores (Coriat, 2000).
Coriat (2000, p.214) resume da seguinte forma as propriedades das ‘rotinas’ em
Nelson e Winter (1982): “Em primeiro lugar, são uma parte fundamental da memória
organizacional da empresa: constituem o stock de know-how organizacional acumulado,
assegurando o funcionamento suave das operações da empresa. Segundo, representam
um tipo de alvo comportamental para a organização que tem também uma certa função
de controlo, essencialmente ligado ao manuseamento eficaz dos inputs e dos sinais do
meio ambiente, que são mais ou menos heterogéneos: o desenrolar sem sobressaltos da
actividade da organização implica que as rotinas sejam suficientemente flexíveis para
absorver variações menores, durante a sua execução e para as suavizar. Terceiro, as
‘rotinas’ devem ser replicáveis, pelo menos em princípio, isto é, se são bem sucedidas
num ponto da organização, deve ser possível replicá-las, num outro ponto (dentro da
mesma organização). Quarto, as ‘rotinas’ eficientes são imitáveis (apesar de existir um
custo de aprendizagem), ou seja, transferíveis de um contexto para outro (em particular,
o contexto inicial pode ser o de uma organização rival, que se pretende imitar). [...] As
‘rotinas’ podem ser analisadas como um grupo de protocolos relativos à divisão do
90
trabalho e à coordenação de tarefas que estão relativamente estabilizadas e que podem,
daí para a frente, desenvolver-se com um certo montante de automatismo [...] .”
Langlois e Robertson (1993, p. 35) distinguem o conceito de ‘rotinas’ e de
‘competências organizacionais’: “Note-se que as rotinas referem-se ao que a
organização realmente faz, enquanto que as competências também incluem o que ela
pode fazer se os seus recursos forem realocados. Assim, as rotinas da empresa são um
subconjunto das suas competências que influenciam, mas não determinam
completamente, o que a empresa consegue obter. Na sua essência, as competências e as
rotinas são formas de conhecimento de como levar a cabo tarefas produtivas. Algum
deste conhecimento pode ser tácito (Polanyi, 1958) e não facilmente transferível para
outros, mas outras competências podem estar genericamente disponíveis para aqueles
que estejam dispostos a investir na sua aquisição”.
Neste contexto, a obtenção de novas competências implica um investimento. No
entanto, as escolhas relativas a esses investimentos são influenciadas pelas opções
passadas. Cada decisão tomada relativa às competências não influencia unicamente as
competências actuais, mas também as opções futuras. Neste sentido, cada decisão
relativa a competências é uma decisão a longo prazo e, de certa forma, quase
irreversível (Teece et al., 2000).
Sendo a aprendizagem organizacional, a aquisição e adaptação de competências
pela empresa ao longo do tempo (Dosi et al., 2000), e tendo em conta que as vantagens
competitivas resultam das competências específicas da organização, a aprendizagem
organizacional torna-se num ponto central. “Sem a aprendizagem é difícil imaginar de
onde vêm essas [...] competências únicas e, portanto, como podem transformar-se em
vantagens competitivas” (Pisano, 2000, pp. 129). Uma vez que estas competências se
acumulam e desenvolvem através de um processo prolongado de aprendizagem, estas
dependem do percurso passado da empresa que não só as determina como limita o seu
desenvolvimento futuro (Dosi et al., 2000). As diferenças nas experiências passadas de
cada organização explicam as diferenças nas suas competências presentes (Pisano,
2000).
91
3.2.3. Síntese
Nesta secção, começamos por rever o trabalho de Penrose (1959) pela influência
que exerceu na investigação sobre Competências Organizacionais. A separação que a
autora realizou entre recursos e serviços produtivos permitiu-lhe reconhecer o papel do
conhecimento – ou mais concretamente, da capacidade da gestão para reorganizar os
recursos da empresa em novos serviços produtivos que permitem responder às
oportunidades emergentes do meio envolvente – como uma fonte da singularidade da
empresa. Mais ainda, esta distinção permitiu-lhe também reconhecer a necessidade do
gestor interpretar a informação – quer relativa às oportunidades do meio envolvente,
quer das possibilidades de utilização dos recursos da empresa – e a forma como esta
interpretação pode ser influenciada pela percepção do gestor.
Foi também analisado, nesta secção, o processo de criação de conhecimento na
empresa penrosiana. Para Penrose (1959), a criação de conhecimento é um processo
demorado, realizado através da construção de patamares ou plataformas – developing
new bases (por exemplo, o desenvolvimento de uma equipa de gestão e técnica para os
novos campos de actividade, mantendo a coordenação interna11) – a partir de onde a
empresa pode adaptar ou estender as suas operações, onde a aprendizagem acontece
através de um processo do estilo learn by doing e em cujo contexto, history matters.
Seguindo este enquadramento teórico, a literatura sobre competências
organizacionais procura exactamente encontrar no conhecimento produtivo
idiossincrático da empresa – i.e. nas suas competências organizacionais, a fonte da sua
heterogeneidade e das suas vantagens competitivas (Dosi et al., 2000). A aprendizagem
organizacional é um elemento fundamental para a manutenção dessas vantagens
competitivas. Como as competências são adquiridas através de um processo prolongado
de aprendizagem, elas são um resultado da trajectória percorrida pela empresa e do
investimento que esta realizou, no passado, na sua aquisição e desenvolvimento (Teece
et al., 2000).
11 Penrose (1960) relata que os limites ao crescimento, encontrados pela Hercules Powder Cia, foram os impostos pela dificuldade em desenvolver uma equipa de gestão e técnica, para os novos campos de actividade, e em manter a coordenação interna, ou dito de outra forma, a dificuldade em desenvolver novas plataformas (developing new bases).
92
Vimos na secção 3.1 que, numa perspectiva de redes, a empresa se encontra
inserida num conjunto de relacionamentos inter-organizacionais. Esses relacionamentos
influenciam a forma como as empresas realizam as suas actividades, utilizam os seus
recursos (Hakansson e Snehota, 1995) e - como se verá na secção seguinte -
desenvolvem as suas competências (Mota e de Castro, 2004), sendo mesmo possível
que as empresas desenvolvam competências específicas para a contraparte. Neste
enquadramento, as competências dinâmicas da empresa, ou seja, as competências que
permitem que adquirir novas competências, podem residir na estrutura de
relacionamentos da empresa.
Finalmente, analisou-se também o contributo da Teoria Evolucionista, de onde
se destaca o conceito de rotina organizacional e a noção de que as rotinas bem sucedidas
deverão, dentro do possível, ser replicadas. Este conceito é extremamente importante
não só justificando os “esforços realizados no sentido de realizar o benchmarking de
determinadas práticas organizacionais” (Levinthal, 2000, pp.364), como também no
âmbito da investigação de um fenómeno como o franchising, onde a replicação de
rotinas na rede é um elemento fundamental. A combinação da Teoria das Competências
com a Abordagem das Redes, poderá beneficiar esta pesquisa, através da acomodação
do conceito de 'rotina organizacional' numa perspectiva de Redes de Relacionamentos
Inter-Organizacionais. Referimos na secção 3.1. que devido à dificuldade de elaboração
de contratos completos decorrente da incerteza, desenvolvem-se rotinas inter-
organizacionais que ajudam a coordenar as actividades individuais dentro dos
relacionamentos (Hakansson e Snehota, 1995). Assim, é natural que os franqueadores
procurem replicar rotinas que se demonstram bem sucedidas no relacionamento com um
franqueado, nos relacionamentos com os outros. Contudo, tal como o Modelo ARA
demonstra, é possível que em cada relacionamento existam aspectos específicos que
terão que ser considerados. Esta questão será abordada nos capítulos seguintes deste
trabalho.
Na próxima secção, analisa-se a forma como a abordagem das Redes Industriais
e a Teoria das Competências se podem complementar no estudo das fronteiras da
empresa.
93
3.3. Competências, Relacionamentos e as Fronteiras da Empresa
Esta secção tem como objectivo rever a literatura sobre as fronteiras da empresa
numa perspectiva de competências e a sua ligação aos relacionamentos inter-
organizacionais.
A Teoria dos Custos de Transacção tem dominado a literatura sobre a definição
das fronteiras verticais da empresa. De acordo com esta abordagem, “...empresas,
mercados e formas mistas são vistas como formas de organização alternativas, sendo a
afectação da actividade económica entre elas, uma variável de decisão. [...] A variedade
organizacional explica-se pelo facto das transacções diferirem nos seus atributos...”
(Williamson, 1984, pp. 450-451). Em última análise, a escolha entre a realização da
actividade económica através do mercado, da empresa ou de “formas mistas” depende
unicamente dos custos de transacção associados a cada opção. Nesta teoria, a
especificidade dos activos assume um papel principal na explicação do grau de
integração vertical da empresa (Williamson, 1984). Quando, num contrato, uma das
partes investe em activos específicos, a outra parte tem um incentivo para adoptar um
comportamento oportunista e apoderar-se das quasi-rendas12 geradas por esses activos.
Neste contexto, a integração vertical surge como uma forma de resolver este problema.
Apesar do seu importante contributo, nos últimos anos, a Teoria dos Custos de
Transacção tem sido muito criticada por manter ainda fortes elementos neoclássicos
(Langlois e Robertson, 1993). Em primeiro lugar, esta Teoria preocupa-se com a
afectação de recursos dados e conhecidos. Segundo, apesar do pressuposto da
informação imperfeita ser central à teoria, nunca existe incerteza estrutural ou
qualitativa, isto é, nunca existe desacordo entre as partes quanto à categoria da acção.
Mais concretamente, pode ser muito dispendioso supervisionar os níveis de esforço ou
determinar se um produto é um ‘limão’13. Mas, todos os participantes sabem qual é o
nível de esforço adequado ou o que torna um produto num ‘limão’. Assim, não existe
espaço para a surpresa, para a inovação genuína ou para percepções diferentes da
12 Diferença entre o valor desse activo no fim específico a que se destina e o seu custo de oportunidade. 13 Ver Akerlof (1971)
94
realidade. Finalmente, esta teoria focaliza-se nas transacções e negligencia o lado da
produção.
Esta é, talvez, a maior crítica feita à Teoria dos Custos de Transacção. Na
verdade, apesar de pressupor que a informação é imperfeita, esta teoria não aplica este
pressuposto à informação produtiva (Langlois e Robertson, 1993; Demsetz, 1988;
Langlois e Foss, 1999). De acordo com esta abordagem, “o que uma empresa pode
produzir, outra também pode igualmente bem, portanto, a decisão entre fazer ou
comprar não depende de diferenças nos custos de produção” (Demsetz 1988, pp.148).
Também Nelson (1991) nota que, tal como a Teoria Neoclássica, a Teoria dos Custos de
Transacção suprime as diferenças entre as empresas a nível da produção. Langlois e
Foss (1999) argumentam, em particular, que a literatura Pós-Coase negligenciou o papel
dos custos de produção na compreensão dos problemas da organização. Para os autores,
esta literatura, ao desvalorizar o lado da produção, capta apenas parte da ‘natureza da
empresa’ de Coase (1937). Num mundo de conhecimento tácito e disperso por inúmeros
agentes, ao realizar uma mesma actividade económica, as diferentes empresas não são
confrontadas com os mesmos custos de produção. Ao contrário do proposto por
Williamson (1975), os custos que influenciam o delineamento das fronteiras da empresa
não se limitam aos custos associados à resolução de problemas de incentivo, risco moral
ou oportunismo. Sob esta nova perspectiva, o lado da produção negligenciado pela
literatura pós-Coaseniana volta a assumir um papel fundamental na definição das
fronteiras da empresa.
Richardson (1972) é o primeiro autor a referir o termo ‘competências’ no sentido
que actualmente é utilizado pela Teoria das Competências Organizacionais. Uma
indústria engloba um número infinito de actividades como sejam a identificação e
estimativa das necessidades futuras, a pesquisa, o desenvolvimento, o design, o
marketing, a execução e a coordenação de processos de transformação física. Estas
actividades têm que ser levadas a cabo por organizações com as competências
adequadas, isto é, com conhecimento, experiência, aptidões. Algumas actividades são
similares, ou seja, baseiam-se nas mesmas competências. Outras actividades são
complementares, isto é, estão ligadas pela cadeia de produção e, portanto, têm de ser
coordenadas.
95
De acordo com Richardson (1972), as competências organizacionais determinam
as fronteiras da empresa. A produção requer uma diversidade grande de competências,
no entanto, as empresas, tal como os indivíduos, têm um conhecimento limitado. A
integração de todas as competências necessárias à realização da produção teria custos
muito elevados. Assim, as organizações especializam-se em conjuntos de actividades
que usam competências similares e que lhes oferecem vantagens comparativas, e
recorrem a outras organizações para obter a realização de actividades complementares
mas dissimilares daquelas. Mas, Richardson considera que a coordenação não acaba nas
fronteiras da empresa. As actividades complementares também têm que ser
coordenadas. Para Richardson (1972), a cooperação entre empresas resulta da
necessidade de coordenar actividades muito complementares mas dissimilares. Estas
actividades não podem ser coordenadas por uma mesma hierarquia por carência de
conhecimento. Mas, também não devem ser coordenadas pelo mercado dado que há que
respeitar as exigências qualitativas e quantitativas das actividades, e não apenas que
igualar a procura e a oferta agregadas dos produtos/factores.
No seguimento do trabalho de Richardson (1972), Langlois e Robertson (1993)
procuram conjugar a Teoria dos Custos de Transacção com a Teoria das Competências
da Empresa. Para estes autores, tal como para Penrose (1959), a indústria é
caracterizada pela heterogeneidade das empresas. Esta característica deve-se ao
conhecimento tácito que cada uma delas detém. Assim, de acordo com esta teoria, as
competências da empresa incluem tanto conhecimento tácito como conhecimento
codificado, sendo possível identificar dois tipos de competências: as principais ou
nucleares – que são tácitas e idiossincráticas, e as acessórias – que são comuns a várias
empresas, facilmente transferíveis e imitáveis.
Neste contexto, a questão da organização económica pode resumir-se a um
problema de articulação da diversidade do conhecimento produtivo (Langlois e Foss,
1999). Esta diversidade pode ser tão forte que, em alguns casos, as empresas podem não
compreender o que as outras pretendem vender ou comprar. Como o conhecimento
produtivo pode ser muito específico ou tácito, uma empresa pode ter dificuldade em
compreender as competências da outra. Dado que o conhecimento tácito apenas se pode
obter através de um processo de aprendizagem prolongado, as empresas suportam os
custos resultantes da diferença entre as competências externas de que a empresa
96
necessita e aquelas que o mercado consegue fornecer em determinado momento. A estes
custos os autores chamam custos de transacção dinâmicos.
No entanto, estes custos são muito diferentes dos custos de transacção de
Williamson, pois não têm a ver com questões de incentivo, mas com problemas de
coordenação de conhecimento produtivo. No fundo, são os custos de identificar,
persuadir, negociar, coordenar e ensinar fornecedores externos. Se a combinação dos
custos de produção e dos custos de transacção dinâmicos tornar mais interessante
“fazer” do que “comprar”, a empresa pode optar por se integrar verticalmente. A longo
prazo, no entanto, com a codificação do conhecimento e a generalização das
competências, esses custos de transacção dinâmicos reduzem-se. Nessa altura, a
combinação dos custos de produção e dos custos de transacção dinâmicos pode tornar a
opção “comprar” mais interessante do que a “fazer”14.
De acordo com esta Teoria, as fronteiras da empresa dependem da distribuição
das competências no mercado e da natureza da mudança económica. A opção entre
‘comprar’ ou ‘fazer’ depende dos custos de transacção dinâmicos que, por sua vez, são
uma função da distribuição das competências. Por outro lado, quanto mais o
desenvolvimento de uma nova competência estiver associado a uma mudança sistémica,
isto é, quanto mais implicar alterações em vários estádios da produção, mais a opção
pela integração vertical será a alternativa preferível, por facilitar o processo.
A perspectiva de Langlois e Robertson (1993) baseia-se na dicotomia ‘empresa’
versus ‘mercado’. No entanto, recentemente, alguns autores sugeriram que as empresas
podem diferir substancialmente nas competências relativas ao acesso não ao mercado,
mas a um conjunto de fornecedores particulares (Araújo et al., 2003; Mota e de Castro,
2004). Consequentemente, os custos de transacção dinâmicos podem ser, em grande
medida, específicos da empresa. Deste ponto de vista, os custos de transacção
dinâmicos enfrentados por duas empresas, em dado momento, podem ser diferentes por
estas terem acessos diferentes às competências das empresas fornecedoras, ou seja, por
terem diferentes competências externas. A distinção de Loasby (1998) entre
competências directas e indirectas torna-se central para compreender melhor esta
conclusão.
14 No entanto, a desintegração vertical nem sempre é simples, devido à inércia que é gerada no processo (Mota e de Castro, 2000).
97
Para Loasby (1998), a empresa pode ser vista como um conjunto de
competências directas, relacionadas com o seu conhecimento sobre o ‘como fazer’, e
indirectas, associadas ao seu conhecimento sobre ‘como obter algo feito’. As segundas
são as formas que a empresa tem de aceder às competências de outras organizações.
Assim, cada empresa tenta construir uma organização externa15 de competências
indirectas que complemente o conjunto das suas competências directas. Como cada
empresa se especializa, há consequentemente a “necessidade de [saber] como obter algo
feito por outros, portanto, podemos reconhecer a possibilidade de construir
relacionamentos para gerir competências muito complementares (…). [As vantagens
desses relacionamentos não são os relativos] à redução dos custos de transacção, mas ao
aumento dos benefícios líquidos, (…) através do desenvolvimento de novos skills,
novos métodos, novos produtos (…). [Estas] vantagens podem justificar o aumento dos
custos de governo e mesmo novas formas de organização (…)” (Loasby, 1998, pp. 156-
157).
De acordo com Loasby (1998), as competências indirectas, tal como as
competências directas, têm natureza tácita e idiossincrática, pelo que diferem de
empresa para empresa e resultam do investimento realizado na sua organização externa.
A introdução deste conceito dá um contributo importante para a explicação da
existência de uma rede de cooperação entre empresas (Araújo et al., 2003). As
fronteiras da empresa, ou mais concretamente a decisão entre realizar as actividades
económicas através do mercado, da empresa ou da cooperação, dependem, em parte, da
estrutura de competências indirectas da empresa, isto é, da sua organização externa.
Mota e de Castro (2004) analisam a questão da divisão do trabalho na indústria e
da coordenação do conhecimento produtivo, propondo-se conciliar a Abordagem das
Redes Industriais com a Teoria das Competências da Empresa. Mota (2000, pp. 54)
clarifica a compatibilização entre estas teorias que se encontram fortemente alicerçadas
nos trabalhos de Penrose (1959) e Richardson (1972). Além de partilharem as mesmas
fundações, as duas perspectivas concordam que “os mecanismos de integração das
diferentes especialidades constituem um aspecto central para abordar a dinâmica dos
sistemas industriais”. Mas, estas duas abordagens também se complementam. Ao
contrário da Teoria das Competências da Empresa, a Abordagem das Redes Industriais
15 Loasby (1998) recupera a noção de organização externa, introduzida por Marshall (1920).
98
considera que os relacionamentos entre empresas têm um papel central quer como
mecanismo de coordenação das actividades económicas, quer no que respeita a
evolução das competências das empresas.
Recorrendo aos trabalhos de autores como Richardson (1972), Loasby (1998),
Langlois e Robertson (1995), Axelsson e Easton (1992) e Hakansson e Snehota (1995),
Mota e de Castro (2004) consideram que os relacionamentos inter-organizacionais
assumem um papel fundamental na determinação das fronteiras da empresa, na medida
em que contribuem para a criação, difusão e coordenação de competências. Para estes
autores, as competências indirectas são aquelas que permitem à empresa através dos
relacionamentos, não só aceder, mas também influenciar o desenvolvimento (ou
redução) das competências de outras empresas. O desenvolvimento das competências da
empresa não acontece de forma isolada, mas num contexto de relacionamentos com
outras empresas. Por se encontrar inserida no meio de outros conjuntos de competências
directas e indirectas, o desenvolvimento das competências de uma empresa é
influenciado pelas competências das outras. Portanto, a distribuição de competências
num sistema industrial influencia as fronteiras da empresa, mas também é influenciada
pela forma como as empresas pretendem definir as suas fronteiras e pelo mix de
competências directas e indirectas que detêm.
Neste contexto, a decisão do delineamento das fronteiras da empresa pode ser
vista como a questão de estabelecer, manter, desenvolver ou terminar ligações entre
competências (Araújo et al., 2003). De acordo com Mota e de Castro (2004), as
fronteiras da empresa dependem não tanto da distribuição momentânea das
competências, proposta por Langlois e Robertson (1995), mas da diversidade da
estrutura de competências directas e indirectas, como em Loasby (1998), que resulta da
forma como a empresa gere a sua carteiras de relacionamentos ao longo do tempo16.
16 A importância da gestão dos relacionamentos como forma de obter vantagens competitivas tem sido analisada por alguns autores (ver, por exemplo, os trabalhos de Dyer, 1996 e Dyer e Nobeoka, 2000 sobre a Toyota). Whieshofer (2005) refere um estudo que indica que mais de 20% das receitas produzidas pelas 2.000 maiores empresas norte americanas são provenientes de alianças estratégicas. Mais ainda, estas empresas apresentam indicadores de rendibilidade dos capitais próprios e do investimento nas actividades envolvidas nessas alianças superiores às dos seus core businesses. Contudo, alguns estudos indicam que nem sempre os relacionamentos são bem sucedidos. Ritter et al., (2002), por exemplo, referem outro estudo que constata que 60% dos relacionamentos fracassa. Neste contexto, torna-se claro que a gestão dos relacionamentos da empresa pode ser visto como uma competência fundamental. Para Kay (1993a,b), o sucesso de uma empresa depende de vantagens competitivas que se baseiam em competências distintivas que resultam, na maior parte das vezes, dos relacionamentos da empresa com os seus clientes e fornecedores. A estas competências distintivas, Kay (1993a,b) chama ‘arquitectura da organização’. Esta
99
3.4. Conclusões
Argumentamos, no capítulo anterior, a necessidade de introduzir diversidade
teórica adicional na pesquisa sobre franchising. Nesse capítulo foi também identificada
a necessidade de adoptar uma perspectiva que ultrapassasse as lacunas da teoria
existente, incorporando um conjunto de factores potencialmente relevantes, mas
negligenciados ou sub-valorizados. Assim, identificamos a utilidade de adoptar, nesta
investigação, uma estrutura teórica que, ao contrário das teorias tradicionais, permitisse
acomodar a possível relevância:
- de uma perspectiva relacional, por contraposição a visões atomísticas e sobre-
socializadas dos franqueadores e franqueados;
- da heterogeneidade de actores, actividades, recursos, competências e
relacionamentos, nomeadamente entre partes da mesma rede ou entre redes
diversas;
- do conhecimento produtivo que, dada a heterogeneidade dos actores, se encontra
disperso e necessita de coordenação;
- da dependência do percurso no desenvolvimento das competências e
relacionamentos;
- da existência paradoxal de estabilidade e mudança contínua numa rede;
- da diversidade (quer associada aos franqueados, quer à forma plural) como
factor potenciador do desenvolvimento e inovação.
Em face do exposto, este capítulo teve como objectivo apresentar um quadro
teórico que, englobando os elementos que identificamos como relevantes, permitisse
clarificar as limitações das teorias existentes e fundamentasse o desenvolvimento de
proposições alternativas. Tendo em conta este objectivo, neste capítulo reviu-se a
literatura sobre Relacionamentos e sobre Competências Organizacionais. Estas duas
linhas de investigação são compatíveis e complementares. Sendo que ambas têm as suas
raízes nos trabalhos desenvolvidos por Penrose (1959) e Richardson (1972), as duas
é um sistema complexo de relacionamentos intra e inter-organizacionais, cujo conteúdo é implícito e depende do empenho mútuo. Este sistema facilita a transmissão de informação e a resposta rápida a mudanças no meio envolvente. A ‘arquitectura da organização’ não é reprodutível pois depende da história da empresa.
100
teorias partilham de um conjunto de pressupostos comuns, de onde se destacam a
existência de heterogeneidade no sistema industrial, a importância do conhecimento
produtivo e do trajecto percorrido pela empresa. As duas perspectivas abordam a
dinâmica dos sistemas industriais, preocupando-se em analisar os mecanismos que
integram as diferentes especialidades.
A Teoria das Competências analisa a mudança das fronteiras da empresa, mas
não tem em consideração a importância dos relacionamentos organizacionais nesse
contexto. A Abordagem das Redes Industriais pode complementar esta perspectiva, na
medida em que considera que os relacionamentos entre empresas têm um papel central,
quer como mecanismo de coordenação das actividades económicas, quer no que
respeita a evolução das competências das empresas e, portanto, das suas fronteiras. Por
último, a pesquisa de um fenómeno como o franchising, onde – como se verá nos
capítulos seguintes – a replicação de rotinas na rede assume um carácter primordial,
poderá beneficiar da acomodação do conceito de 'rotinas organizacionais' estudado
pelos teóricos das Competências numa perspectiva de Redes de Relacionamentos Inter-
Organizacionais.
As conclusões mais importantes deste capítulo, tendo em conta o âmbito deste
trabalho, encontram-se sumariadas nos parágrafos seguintes.
Na perspectiva da Teoria das Competências, a empresa é vista como um
repertório de conhecimento produtivo, tácito e idiossincrático, que resulta de um
processo demorado de aprendizagem. Neste conhecimento – as competências
organizacionais – reside a fonte da heterogeneidade, da singularidade e das vantagens
competitivas da empresa (Dosi et al., 2000). Na Perspectiva das Redes Industriais (de
onde destacamos os trabalhos de Axelsson e Easton, 1992; Hakansson e Johanson,
1992; Hakansson e Snehota, 1995), é exactamente a heterogeneidade - nomeadamente
de competências, mas também de recursos - que promove a existências de
relacionamentos. Um relacionamento é interessante porque as partes são heterogéneas e,
nesse sentido, é possível através desse relacionamento aceder aos recursos e às
competências idiossincráticas de terceiros (Holmen et al., 2003). As redes inter-
organizacionais são, portanto, as estruturas de relacionamentos conectados que
101
permitem que cada empresa participante aceda aos recursos e competências das suas
contrapartes.
Estes relacionamentos são caracterizados pela heterogeneidade e pela
continuidade. A heterogeneidade é importante, como se disse, para que um
relacionamento em dado momento seja interessante para as partes, mas é também
importante para o seu desenvolvimento e a inovação num dado horizonte. O confronto
do conhecimento variado, detido pelas partes envolvidas num relacionamento, promove
a aprendizagem e a geração de conhecimento. Por outro lado, as redes são locais
importantes para a inovação, porque as ligações fortes que se estabelecem entre as
partes favorecem a criação e a transferência de conhecimento – e em particular do
conhecimento tácito. Neste contexto, a continuidade é importante para o
desenvolvimento do próprio relacionamento e também para que os intervenientes
possam aprender um com o outro. Assim, essa continuidade é importante para que
exista evolução. Os relacionamentos podem, pois, ser vistos como processos de
adaptação e empenho mútuo por parte dos actores envolvidos.
Como se disse, os relacionamentos são importantes para o desenvolvimento da
empresa porque permitem que esta aceda a recursos e competências de outras empresas.
No entanto, como a interacção entre as empresas gera interdependência entre elas, os
relacionamentos são, simultaneamente, um constrangimento ao desenvolvimento da
organização, por limitarem a percepção de possibilidades e a concretização das suas
iniciativas. Como os actores numa rede são heterogéneos, eles têm objectivos diferentes
e, consequentemente, os relacionamentos não envolvem apenas cooperação entre eles,
mas também conflitos. Assim, para que um relacionamento subsista, é necessário que
ele seja interessante para as duas partes envolvidas no relacionamento. Por essa razão,
numa rede, assiste-se não só a processos de integração mas também de separação.
Nesta perspectiva, o relacionamento entre duas empresas pode influenciar a
forma como estas desempenham as suas actividades, a forma como cada uma delas
utiliza os recursos – pode mesmo acontecer que parte desses recursos se torne orientada
especificamente para a contraparte – e a forma como são percepcionados, tanto dentro
como fora do relacionamento, condicionando as suas possibilidades de acção. Mais
ainda, como os principais relacionamentos da empresa são interdependentes, os
resultados de um relacionamento podem afectar os restantes relacionamentos da
102
empresa. Como os relacionamentos da empresa estão conectados, as trocas ou processos
que ocorrem num relacionamento podem afectar ou ser afectados pelas trocas ou
processos que ocorrem noutros.
No desenvolvimento dos relacionamentos, tal como no desenvolvimento das
competências, existe uma ‘dependência do percurso’ passado. Por um lado, as
competências são adquiridas através de um processo prolongado de aprendizagem.
Portanto, são o resultado da trajectória percorrida pela empresa e do investimento que
esta realizou, no passado, na sua aquisição e desenvolvimento. Assim sendo, as
experiências passadas da organização explicam as suas competências presentes, e estas
influenciam o seu desenvolvimento futuro (Teece et al., 2000).
Por outro lado, também os relacionamentos resultam do investimento realizado
pela empresa na sua manutenção e desenvolvimento. Os relacionamentos, como vimos,
fortalecem-se pela continuidade, pelo empenho e adaptação mútuos das partes. Neste
contexto, a estrutura presente da rede é um produto do seu passado e uma determinante
para o seu futuro. Por esta razão, a estrutura da rede caracteriza-se pela estabilidade e
pela continuidade. Mas, numa rede de empresas, continuamente, surgem novos
relacionamentos, alteram-se relacionamentos existentes e acabam relacionamentos
antigos. Assim, a estrutura da rede tem, paradoxalmente, um carácter de estabilidade e
de mudança contínua. Por exemplo, para se desenvolver de uma nova actividade pode
ser necessário manter a estabilidade de um relacionamento. Como os relacionamentos
estão conectadas entre si, as mudanças propagam-se nas redes. O que acontece num
relacionamento tem impacto nos restantes relacionamentos estabelecidos por cada uma
das empresas envolvidas. Face à racionalidade limitada dos indivíduos, à
heterogeneidade dos recursos e à complexidade das interdependências entre actividades,
a mudança numa rede é evolutiva. O desenvolvimento tem que ser incremental, em
interacção contínua com os outros e fortemente ligada ao passado (Hakansson e
Snehota, 1995).
Sendo a racionalidade limitada e o conhecimento produtivo tácito e
idiossincrático, torna-se necessária a sua coordenação e integração. A conciliação da
Abordagem das Redes Industriais com a Teoria das Competências da Empresa pode
ajudar a clarificar a questão da divisão do trabalho na indústria e da coordenação do
103
conhecimento produtivo. Os relacionamentos entre empresas podem assumir um papel
fundamental na determinação das fronteiras da empresa, na medida em que contribuem
para a criação, difusão e coordenação de competências (Mota e de Castro, 2004). Na
última secção deste capítulo, revimos a literatura sobre as fronteiras da empresa numa
perspectiva de competências e a sua ligação aos relacionamentos inter-organizacionais.
Assim, nesta perspectiva, mais do que identificar as variáveis que influenciam a opção
entre ‘comprar’ ou ‘fazer’, há a preocupação em definir o que determina a escolha entre
‘realizar na empresa’, ‘adquirir no mercado’ ou ‘obter através dos relacionamentos com
outras empresas’.
Richardson (1972) parece ser o primeiro autor a fazer esta ligação ao argumentar
que as empresas se especializam nas actividades similares que utilizam as mesmas
competências e recorrem ao exterior para obter as restantes actividades. Em certas
circunstâncias, dada a necessidade de respeitar determinadas exigências de qualidade
em algumas actividades dissimilares mais muito complementares, a empresa deverá
recorrer aos relacionamentos inter-organizacionais para obter as competências que
necessita para realizar essas actividades.
Para Langlois e Robertson (1993), a definição das fronteiras da empresa depende
da combinação dos custos de produção e dos custos de transacção dinâmicos, que
resultam da diferença entre as competências externas que a empresa necessita e as que o
mercado oferece num determinado momento do tempo. Esta análise é realizada numa
perspectiva dicotómica do tipo ‘Mercado vs. Empresa’. No entanto, alguns autores
argumentam que as empresas podem diferir nas competências relativas ao acesso a um
conjunto particular de fornecedores. Loasby (1998) recupera a noção de ‘organização
externa’ proposta por Marshall (1920) e considera que a decisão relativa às fronteiras da
empresa é influenciada não só pelas competências directas que detém, mas também pelo
seu conjunto de competências indirectas. Loasby (1998) introduz o conceito de
‘competências indirectas’, associadas ao seu conhecimento sobre ‘como obter algo
feito’, isto é, sobre a forma como acedem às competências de outras organizações. Estas
competências são tácitas e idiossincráticas pois resultam do investimento realizado na
sua ‘organização externa’.
Neste enquadramento, as fronteiras da empresa dependem da sua estrutura de
competências indirectas. O desenvolvimento das competências de uma empresa não
104
acontece de forma isolada, mas num contexto de relacionamentos com outras empresas.
Por isso mesmo, esse desenvolvimento é influenciado pelas competências das outras.
Mota e de Castro (2004) acrescentam que, sendo as competências desenvolvidas num
contexto de relacionamentos, as competências indirectas da empresa permitem-lhe não
só aceder como também influenciar o desenvolvimento das competências das
contrapartes com quem se relaciona.
Conclui-se, portanto, que a distribuição de competências num sistema industrial
influencia as fronteiras da empresa. Mas esta distribuição também é influenciada pela
forma como as empresas definem as suas fronteiras e pela combinação das suas
competências directas e indirectas. Ou seja, a distribuição de competências num sistema
industrial não só influencia como também é influenciado pela forma como as empresas
definem as suas fronteiras. Neste contexto, a definição das fronteiras da empresa pode
ser vista como a questão de estabelecer, manter, desenvolver ou terminar ligações entre
competências (Araújo et al., 2003). De acordo com Mota e de Castro (2004), as
fronteiras da empresa dependem da sua estrutura de competências directas e indirectas,
que resulta da forma como a empresa gere a sua carteiras de relacionamentos ao longo
do tempo.
De acordo com a Teoria das Competências, uma vantagem competitiva requer a
exploração das competências específicas da empresa, Mas, as competências
organizacionais podem sofrer erosão. Mais ainda, sendo elas a fonte das vantagens
competitivas da empresa, torna-se necessário o seu desenvolvimento. Nesse contexto, as
competências dinâmicas, que possibilitam a renovação das competências existentes e o
desenvolvimento de novas competências, tornam-se fundamentais para a manutenção
dessas vantagens competitivas (Teece et al., 2000). Como se viu, numa perspectiva de
redes, o desenvolvimento das competências organizacionais ocorre num contexto de
relacionamentos com outras empresas (Mota e de Castro, 2004). Esses relacionamentos
influenciam a forma como as empresas realizam as suas actividades, usam os seus
recursos e desenvolvem as suas competências. É mesmo possível que as empresas
desenvolvam competências específicas para a contraparte. Neste enquadramento, as
competências dinâmicas da empresa podem residir na forma como as empresas se
relacionam.
105
Finalmente, a combinação das duas abordagens revistas neste capítulo, pode
beneficiar a pesquisa de um fenómeno como o franchising, onde a replicação de rotinas
na rede é um elemento fundamental, através da acomodação do conceito de 'rotina
organizacional' numa perspectiva de Redes de Relacionamentos Inter-Organizacionais.
As ‘rotinas organizacionais’ são um sub-conjunto das ‘competências organizacionais’.
“(…) [A]s rotinas referem-se ao que a organização faz, enquanto que as competências
também incluem o que ela pode fazer se os seus recursos forem realocados” (Langlois e
Robertson, 1993, p. 35). De acordo com esta perspectiva, as ‘rotinas’ bem sucedidas
num ponto da organização devem ser seleccionadas e replicadas num outro ponto dentro
dessa mesma organização.
Referimos na secção 3.1. que devido à incerteza e à decorrente dificuldade de
elaboração de contratos completos, desenvolvem-se algumas rotinas inter-
organizacionais que ajudam a coordenar as actividades individuais dentro dos
relacionamentos (Hakansson e Snehota, 1995). Dito isto, pode-se esperar que os
franqueadores procurem identificar rotinas bem sucedidas no relacionamento com um
franqueado e replicá-las nos relacionamentos com os outros. Contudo, relembrando-nos
do Modelo ARA, será conveniente não descurar a possibilidade de existirem aspectos
específicos a cada relacionamento.
No próximo capítulo, com base no quadro teórico aqui apresentado, procurar-se
-á desenvolver proposições alternativas às Teorias Tradicionais, onde as redes de
franchising são analisadas como sistemas complexos e dinâmicos de actores que
estabelecem relacionamentos entre si, visando a partilha e o desenvolvimento de
recursos e competências. Neste contexto, o confronto dessas competências, ao longo do
tempo, poderá influenciar o desenvolvimento do sistema, desses relacionamentos e
mesmo dessas competências.