Art_ranciere a Politica Arte

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AISTHE, Vol. VII, nº 11, 2013 Cachopo, João Pedro ISSN 1981-7827 Momentos estéticos: Rancière e a Política da Arte 21 MOMENTOS ESTÉTICOS: RANCIÈRE E A POLÍTICA DA ARTE João Pedro Cachopo Universidade Nova de Lisboa Resumo: Desde a transição para o século XXI, o pensamento de Jacques Rancière tem-se destacado como um dos que mais insistentemente tem interrogado o devir contemporâneo da arte no seio e em confronto com o nosso tempo. Neste artigo, procuraremos lançar luz sobre alguns dos principais momentos do seu pensamento estético: desde o nexo entre estética e política em relação com o conceito de “partilha do sensível” à crítica da “viragem ética”. Este itinerário implicará esclarecer em que medida só no quadro de um “regime estético da arte” (cujo sentido importará também explicitar) se torna possível pensar uma “política da arte” e questionar criticamente a valorização do conceito de sublime contra o pano de fundo de uma suposta ruptura pós-moderna. Palavras-chave: Rancière, estética, arte, sublime, pós-modernismo Abstract: Since the threshold of the 21th century Rancière’s thought has emerged as one of the most significant attempts to reappraise the fate of art amidst and against the present times. In this article, my aim is to shed light on some of the main moments of his aesthetic thinking, ranging from the link between aesthetics and politics in relation to the concept of “distribution of the sensible” to the criticism raised against the “ethical turn”. Such an itinerary entails clarifying the extent to which only in the context of the “aesthetic regime of the art” (whose sense should be spelled out as well) a “politics of the art” becomes thinkable, and calling into question the praise of the concept of sublime against the background of an alleged post-modern break. Keywords: Rancière, aesthetics, art, sublime, post-modernism

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A partir de três exemplos recentes, o intelectual francês Jacques Rancière debate as tensões da arte contemporânea, tendo como base a conceito de partilha do sensível.

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AISTHE, Vol. VII, n 11, 2013 Cachopo, Joo PedroISSN 1981-7827 Momentos estticos: Rancire e a Poltica da Arte 21

MOMENTOS ESTTICOS: RANCIRE E A POLTICA DA ARTE Joo Pedro Cachopo Universidade Nova de Lisboa Resumo:DesdeatransioparaosculoXXI,opensamentodeJacquesRanciretem-se destacado como um dos que mais insistentemente tem interrogado o devir contemporneo da artenoseioeemconfrontocomonossotempo. Nesteartigo,procuraremoslanarluz sobrealgunsdosprincipaismomentosdoseupensamentoesttico:desdeonexoentre esttica e poltica em relao com o conceito de partilha do sensvel crtica da viragem tica.Esteitinerrioimplicaresclareceremquemedidasnoquadrodeumregime estticodaarte(cujosentidoimportartambmexplicitar)setornapossvelpensaruma polticadaarteequestionarcriticamenteavalorizaodoconceitodesublimecontrao pano de fundo de uma suposta ruptura ps-moderna. Palavras-chave: Rancire, esttica, arte, sublime, ps-modernismo Abstract: Since the threshold of the 21th century Rancires thought has emerged as one of the most significant attempts to reappraise the fate of art amidst and against the present times. In this article, my aim is to shed light on some of the main moments of his aesthetic thinking, ranging from the link between aesthetics and politicsin relation to the concept of distributionofthesensibletothecriticismraisedagainsttheethicalturn.Suchan itinerary entails clarifying the extent to which only in the context of the aesthetic regime of the art (whose sense should be spelled out as well) a politics of the art becomes thinkable, andcalling into question thepraise of theconcept of sublimeagainst the background of an alleged post-modern break. Keywords: Rancire, aesthetics, art, sublime, post-modernism AISTHE, Vol. VII, n 11, 2013 Cachopo, Joo PedroISSN 1981-7827 Momentos estticos: Rancire e a Poltica da Arte 22 DesdeatransioparaosculoXXI,opensamentodeJacquesRanciretem-se destacado como um dos que mais insistentemente tem interrogado o presente da arte no seioeemconfrontocomonossotempo.Umconjuntoamplodetrabalhos,deLe Partagedusensible(2000)aAisthesis.Scnesdurgimeesthtiquedelart(2011), passandoporMalaisedanslesthtique(2004),foidandocorpoaesteesforo interrogativo.Poderfalar-selcitoperguntardeumaviragemestticanoseu pensamento, que teria at ento girado, sobretudo, em torno de questes polticas? Seja qualforarespostaporquesedecidaoleitor,certoqueprivilegiarcomofaremos, nesteensaioostrabalhosmaisrecentesdeRancirenoimplicapressuporque possvel isol-los da sua produo anterior, tanto que a afinidade entre, por exemplo, Le Matre ignorant (1984) e Le Spectateur emancip (2008) por demais evidente, e que em termos mais globais e significativos a teorizao da relao entre esttica e poltica estavajpresenteemLaMsentente(1995)enosensaiosreunidosemAuxbordsdu politique (1998), remontando seguramente a La Nuit des proltaires (1981). Questionadosobreumasupostarupturanoseupensamento,esclareceRancire, numa das muitas entrevistas que concedeu, que no um filsofo que tivesse passado dapolticaesttica,dosmovimentosdeemancipaodopassadoarte contempornea (Rancire, 2009, p. 587). No se trataria, portanto, de privilegiar ora a poltica ora a esttica, mas de recusar a dicotomia, reconhecer a imbricao constitutiva entreambaseescolheramodalidadedeintervenomaisadequadaemcadacaso. Sendo este ponto decisivo para um entendimento cabal do que se joga nos textos deste autor,comearemosestenossoensaionoqualprocuraremosrestituiralgumasdas linhas de fora do pensamento esttico de Rancire pelo esclarecimento do nexo entre estticaepolticaemrelaocomoconceitodepartilhadosensvel(1).No perdendodevistaestenexo,tornar-se-maisclaraaconceptualizaodosregimesde identificaodasartes(2),aproblematizaodosconceitosdemodernidadeede ps-modernidade (3), bem como a crtica ao uso (e abuso) do conceito de sublime (4) no contexto do que Rancire considera ser a recente viragem tica na esttica e na poltica(5).Maisdoquepressuporumasequncialinearentreestesmomentos AISTHE, Vol. VII, n 11, 2013 Cachopo, Joo PedroISSN 1981-7827 Momentos estticos: Rancire e a Poltica da Arte 23 estticos, arrisca-se uma sua possvel articulao. Caber ao leitor ajuizar se possvel tom-la como ponto de partida para ensaiar outras linhas de pensamento e aco. 1. Esttica e poltica a partilha do sensvel EstticanoumtermounvoconopensamentodeRancire:se,emsentido estrito,aestticadizintimamenterespeitoarte(emboranoseconfunda,convm notar, com uma teoria da arte)1, caberia pensar, em sentido lato, uma esttica primeira umaque,emboraserelacione,nocoincidecomotecidosensveleaformade inteligibilidadedaquiloaquechamamosArte(Rancire,2011,p.9).parapensar essa esttica primeira e a imbricao irredutvel entre esttica e poltica que Rancire recorre noo de partilha do sensvel [partage du sensible]. Esta mais no seria do que um sistema de evidncias sensveis que d a ver em simultneo a existncia de um comumeosrecortesqueneledefinemoslugareseaspartesrespectivas(Rancire, 2000, p. 12). crucial, neste contexto, no esquecer a ambivalncia da palavra francesa partage,referenteconcomitantementeaosgestosdapartilha(quetornacomum)eda distribuio(quetornaexclusivo)2.Nessesentido,econsiderandoaconfiguraode lugares,competnciaseformasdeinclusoouexclusonummundocomumdeque permite dar conta, o conceito de partilha do sensvel revela at que ponto a poltica se joga no campo da esttica (i.e., do que visvel, audvel, pensvel e, consequentemente, realizvel)3. Aprofundando o conceito, e recorrendo a uma analogia, possvelcompreenderapartilhadosensvelemsentidokantiano eventualmenterevisitadoporFoucaultenquantosistemadeformasapriori, que determinam o que se d a perceber. Trata-se de um recorte dos tempos e dos espaos,dovisveledoinvisvel,dapalavraedorudo,quedefine simultaneamenteondetemlugareoquesejoganapolticacomoformade experincia. A poltica tem que ver com o que se v e com o que se pode dizer a 1Naspalavrasdoautor(Rancire,2000,p.31):Anoodeestticanoremeteparaumateoriada sensibilidade, do gosto ou do prazer dos amadores dearte. Elaremetapropriamenteparao modo deser especfico do que do mbito da arte, para o modo de ser dos seus objectos. Noutros termos (Rancire, 2001, p. 12): Esttica, quanto a mim, no designa a cincia ou a disciplina que se ocupa da arte. Esttica designaummododepensamentoquesedesdobraapropsitodascoisasdaarteequeseprendecom dizer em que que elas so coisas de pensamento. 2 Nas palavras de Rancire: Toma-se aqui partilha [partage] no duplo sentido da palavra: comunidade e separao. a relao de uma com a outra que define uma partilha do sensvel. (Rancire, 1995, pp. 48-9). 3A imbricao entreestticaepoltica queassim sesinaliza nadateriaquever, porm, com anoo de estetizao da poltica proposta por Walter Benjamin: H portanto, na base da poltica, uma esttica quenotemnadaavercomessaestetizaodapoltica,prpriadaidadedasmassas,dequefala Benjamin.Nodevemosentenderestaestticanosentidodeumacapturaperversadapolticaporuma vontade de arte, pelo pensamento do povo como obra de arte. (Rancire, 2000, p. 13). AISTHE, Vol. VII, n 11, 2013 Cachopo, Joo PedroISSN 1981-7827 Momentos estticos: Rancire e a Poltica da Arte 24 esse respeito, com saber quem competenteparaver ecapaz dedizer, com as propriedadesdosespaoseaspossibilidadesdotempo.(Rancire,2000,pp. 13-14) Umatalpartilhadosensvelconstituioplanodascondiesdaexperincia,da acoedopensamento;asuavalncia,portanto,transcendental4.Massearemisso para Kant se acha justificada em virtude da tnica posta nas condies de possibilidade relativasaoqueounovisvel,audvel,imaginveldaexperinciacomum,a aluso a Foucault revela-se, no seu encalo, imprescindvel, uma vez que o estatuto de taiscondiesirredutivelmentehistricoesociale,nessesentido,mutvelporque contingente.Noestaramosportantolongedoconceitodeapriorihistrico, desenvolvidoporFoucault(Foucault,2002[1969],pp.173-180),queviriaaafirmar que o que a razo sente ser necessrio, ou antes o que se impe a diferentes formas de racionalidadecomonecessrio,podeserreconhecidonasuahistoricidade.Ora, continuaFoucault,setaisformasderacionalidadeforamfeitas,tambmpodemser desfeitas,contantosesaibadequemodoforamfeitas(Foucault,2001[1983],p. 1268).5Anoodepartilhadosensvelteriaassimanopequenavantagemde contornaraconotaoa-histricadasnoesdetranscendentaledeapriori,que ocorremnasexpressesdeempirismotranscendental(Deleuze)edeapriori histrico (Foucault). Pe-se de imediato o acento na possibilidade de desfazer o quadro dascondiesdaexperinciapormeiodeumareconfiguraodascategorias, pressupostos e distines que regulam a experincia comum. Esta viso de fundo acerca das condies da experincia e da sua mutabilidade, na medidaemquepermiterepensarapolticanostermosdeumaintervenosobreo visvel e o enuncivel (Rancire, 2007 [1998], p. 241) que viria perturbar a partilha do sensveldominante(associada,tambmnaesteiradeFoucault,aoconceitode 4 Neste particular, o projecto de Rancire no est distante do empirismo transcendental de Deleuze, no qual estava em causapensarem quemedidaatransformao das condies daexperinciasepodiadar num campo em que a hierarquia entre a esfera das condies e a esfera do condicionado suspensa. 5Note-se,deresto,quejustamenteestamutabilidadeapossibilidadededesfazerofeitoque RancireacentuaquandosetratadepensararelaodoseupensamentocomodeFoucault:Noh dvidadequeanoodepartilhadosensveleaclassificaodosregimesdeidentificaodasartes devembastantesnoesdeFoucaultdeepistmedeapriorihistrico.Trata-separamim,como paraele,dedefinirascondiesdepossibilidadedeumaexperinciaquesejamformasdearticulao entreaspalavraseascoisas,entreasformasdeenunciaoeosmodosdeapresentaosensveldos objectos visados por essas enunciaes. [...] A minha perspectiva distingue-se contudo da dele pelo facto deeusermaissensvelaoqueumregimedepercepoedepensamentopermitedoqueaoqueele interdita, mais sensvel ao que ele rene e pe a circular do que ao que ele exclui. (Rancire, 2009b, p. 165) AISTHE, Vol. VII, n 11, 2013 Cachopo, Joo PedroISSN 1981-7827 Momentos estticos: Rancire e a Poltica da Arte 25 polcia)6, no poderia no influir sobre o modo como se pensa, mais especificamente, a relao entre arte e poltica. Trata-se, agora, da acepo mais estrita de esttica. Nesse sentido,setodaapolticatemasuaestticanamedidaemqueaoposioentre polticaepolciasejogarianasemprepossvelreconfiguraodapartilhado sensvel,todaaesttica,consideradaagoraemrelaocomosobjectos,prticase discursosartsticos,temnecessariamenteumapolticanamedidaemqueaartelida com,mobilizaedeslocaasdistines,hierarquiasetensesexistentesentrevisvele invisvel, audvel e inaudvel, imaginvel e inimaginvel. Inevitavelmente,decorredestaapreciaoqueapolticadaartesejoga independentemente do comprometimento poltico dos artistas e dos temas sociais que as suasobrasdeartepossamabordar.Aarteserpolticaenquantoartenonamedida emqueveiculaideiascapazesdedirigiroufomentarumaacopoltica.Aomesmo tempo,talnoautoriza,nemoconfinamentodapolticaarte,nemodecalque,por extrapolao, de toda e qualquer forma de poltica sobre o seu desdobramento artstico. A arte, tendo intrinsecamente que ver com poltica, no de modo nenhum a sua nica declinao. entrada de Politique de la littrature, Rancire referiu-se poltica da arte literria em termos paradigmticos: Apolticadaliteraturanoapolticadosescritores.Elanodizrespeitoao seuempenhamentopessoalnaslutaspolticasousociaisdoseutempo. Tampoucodizrespeitomaneiracomoelesrepresentamnosseuslivrosas estruturassociais,osmovimentospolticosouasidentidadesdiversas.A expressopolticadaliteraturaimplicaquealiteraturafazpolticaenquanto literatura.Elasupequenointeressaperguntarseosescritoresdevemfazer poltica ou antes dedicar-se pureza da sua arte, mas que esta pureza tem em si mesmaquevercompoltica.Elasupequehumnexoessencialentrea polticacomoformaespecficadaprticacolectivaealiteraturacomoprtica definida da arte de escrever. (Rancire, 2007, p. 11) 6 Para Rancire, poltica e polcia so partilhas do sensvel antagnicas a polcia sendo a regra, a poltica a excepo. Ou seja, de modo intermitente que a poltica interrompe a ordenao policial do mundo.Emresumo:Apolcia,nasuaessncia,alei,geralmenteimplcita,quedefineaparteoua ausnciadepartedas partes.[...] A polciaassim, antesdemais, umaordem dos corpos quedefineas partilhas entreosmodos defazer, osmodos deser eosmodos dedizer, quefaz com quecertos corpos sejam atribudos pelo seu nome a um certo lugar e a uma certa tarefa; uma ordem do visvel e do dizvel quefazcomquetalactividadesejavisvelequeumaoutranooseja,queumapalavrasejaouvida enquantodiscursoeumaoutracomorudo.[...]Proponhoagorareservaronomedepolticaparauma actividade bem determinada e antagnica primeira: aquela que rompe a configurao sensvel em que se definemaspartesouasuaausnciaporumapressuposioque,pordefinio,notemlugarnaquela configurao: a de uma parte dos sem-parte. [...] A poltica encontra a polcia por todo o lado. (Rancire, 1995, pp. 52-5). AISTHE, Vol. VII, n 11, 2013 Cachopo, Joo PedroISSN 1981-7827 Momentos estticos: Rancire e a Poltica da Arte 26 Nesteponto,RanciredumnovoflegoaopropsitodeAdornodepensara dimensopolticadaarte7,semrecorrersenomesmoopondo-senoode comprometimento. De facto, no est distante de Adorno que defendeu que a crtica autonomiaestticaesgrimidapelosarautosdocomprometimentoartstico contraditrianamedidaemqueexerceomesmotipodeviolncia(sobaformada instrumentalizao)quegostariadeprevenir(Adorno,2009[1962],pp.409-30)8a afirmao de que o enunciado que ope a transformao do mundo sua interpretao pertenceaomesmodispositivohermenuticodasinterpretaesqueelecontesta (Rancire,2007,pp.39-40).Ouseja,nohquedeplorarqueaartemaisnofaado que, supostamente, interpretar o mundo, que mais no seja porque querer transform-la foranummeiocapaz,entremuitosoutros,detransformaromundo,maisnoseria doquereiteraralgicapolicialqueessamesmatransformaodomundoaspiraa derrubar. De resto, conviria problematizar e este o ponto decisivo a fronteira que separa interpretao e transformao, sobretudo se ao conceito de interpretao for dado umaamplitudesusceptveldeabarcaraprpriareformulaodascondiesde inteligibilidade do que se interpreta. 2. No limiar dos regimes esttico e representativo Defacto,segundoRancire,afronteiraqueseparariaasprticasartsticados discursosqueasinterpretamtornandotaisprticasvisveisepensveistnue. Talquertambmdizerqueapolticadaarte,independentementedaimprevisibilidade dosseusefeitos,dependedomodocomosecompreendeonexoentreosmodosde produo das obras ou das prticas, as formas de visibilidade dessas prticas e os modos deconceptualizaodeumasedeoutras(Rancire,2000,p.27).Reportando-ses diferentes maneiras de entender esse nexo, Rancire distingue trs regimes da arte ou asexpressesvariam,emborasejamporprincpiopermutveistrsregimesde 7Defacto,arteemgeral,ejnoespecificamenteliteratura,queRanciresereferenumaoutra passagem de Malaise dans lesthtique: A arte no logo poltica pelas mensagens ou sentimentos que transmitesobreaordemdomundo.Tambmnoopelamaneiracomorepresentaasestruturasda sociedade, os conflitos ou as identidades dos grupos sociais. poltica pela prpria distncia que toma em relaoaessasfunes,pelotipodetempoedeespaoqueinstitui,pelamaneiracomorecortaesse tempo e povoa esse espao (Rancire, 2004, pp. 36-7). 8Leia-seestapassagemdoinciodoensaioEngagement:Aobradeartecomprometidadesmascara aquela que no quer seno existir como um fetiche, como uma brincadeira ociosa daqueles que de bom gradofechariamosolhosaodilvioiminente[...].Aobradearteautnomadistrairiadalutapeloque realmente interessa. [...] Para as obras autnomas, porm, tais consideraes, e a concepo de arte que as sustenta,sojelasmesmasacatstrofeparaaqualasobrascomprometidaschamamaateno. (Adorno, 2009 [1962], p. 409) AISTHE, Vol. VII, n 11, 2013 Cachopo, Joo PedroISSN 1981-7827 Momentos estticos: Rancire e a Poltica da Arte 27 identificao,visibilidadeepensabilidadedaarte.Comoafirmanumaentrevistasobre os regimes, formas e passagens das artes, Umregimeestticoumsistemadeconcordnciasentreasmaneirasdefazer dosartistas,osmodosdepercepoeasformasdepensabilidadedoqueeles fazem. A arte tambm o que se v e o que se pode pensar enquanto arte, sendo esseomotivoporquereflictosobreestacoernciaglobaldeumconjuntode prticasesobreassuasformasdevisibilidadeedeidentificao.Oponho-me portanto queles que afirmam que existe de um lado a arte, que uma prtica, e do outro as teorias, que se lhe acrescentam. (Rancire, 2009, p. 255) ParaRancire,oactualregimeestticoqueseopeaoregime representativo, sendo que ambos se distinguem do regime tico uma construo histrica:surgeaolongodosculoXVIII,sedimentando-segradualmente,quernos textos de inumerveis crticos, tericos e artistas, quer nas prticas e nos objectos a que aqueles textos reagiam, ao longo dos sculos XIX e XX. As cenas que pontuam este processoterico-prticomaisnosodoqueasinstnciasdeumahistriadoregime esttico.estahistriaou,comoveremos,estacontra-histriaqueAisthesis.Scnes durgimeesthtiquedelart(2011),completandooquadropreviamentetraadoem Malaise dans lesthtique (2004), pretende restituir.Nestesentido,aesttica,comoregimedeidentificaodaarte,veioopor-se representao.Podeatacrescentar-sequesapartirdarevoluoesttica,que assinalaatransioentreosdoisregimes,foipossvelpensarapolticadaarteno sentidoacimaexposto.Comefeito,oregimerepresentativo,ancoradonanoo aristotlica de mimesis, que definiria uma relao regulada entre uma maneira de fazer umapoiesiseumamaneiradeserumaaisthesisqueafectadaporela (Rancire, 2004, p. 16), no se limita a autonomizar as artes (as belas-artes) em virtude dasuarelaocomoprincpiomimtico,masarticulaessaautonomiacomuma ordenaohierrquicadasactividades,dasfunesedascompetnciasindividuaise colectivas. No mago da ordem representativa, encontra-se, portanto, umarelaodeanalogiaglobalcomumahierarquiaglobaldasocupaes polticas e sociais: o primado representativo da aco sobre os caracteres ou da narrao sobre a descrio, a hierarquia dos gneros de acordo com a dignidade dosseustemas,eoprprioprimadodaartedapalavra,dapalavraemacto, formamumaanalogiacomtodaumavisohierrquicadacomunidade. (Rancire, 2000, 30-31). AISTHE, Vol. VII, n 11, 2013 Cachopo, Joo PedroISSN 1981-7827 Momentos estticos: Rancire e a Poltica da Arte 28 Poroutraspalavras,osmodosdefazerartsticosconsagradospeloregime representativo eram solidrios com uma partilha policial do sensvel, onde quer o lugar das artes, quer a sua relao com outras actividades, quer o prprio esquema mediador entre as lgicas do fazer, do ver e do interpretar artsticos permaneciam estveis. Ora, umatalordenaodomundoqueaarte,noquadrodoregimeesttico,podefazer vacilar. Aolongodesteprocessopoisaumprocesso,maisdoqueaumatransio abrupta, que a noo derevoluo esttica se refere, a prpria autonomia da arte que se afirma contra o lugar que era atribudo no regime representativo a cada uma das artes.Contudo,oregimeestticoafirmaaabsolutasingularidadedaarteedestriao mesmotempotodoocritriopragmticodessasingularidade(Rancire,2000,p.33). Ou seja, se quer o regime representativo quer o regime esttico permitem a identificao da(s) arte(s) note-se que tal no acontecia ainda no anterior regime tico, que Rancire associacrticaplatnicadaimagem,nocasodoregimeestticod-seuma radicalizaoparadoxaldaquelaidentificao:porumlado,aautonomiadaartedeixa de se basear num princpio identificador (que, no regime representativo, era o princpio da mimesis); por outro lado, a ausncia desse princpio que permite reconhecer como prpriodaarteoquedaordemdavidaeafirmaraidentidadeparadoxalentreartee no-arte9. No regime esttico, autonomia e heteronomia surgem portanto inseparveis10. Por outras palavras, s com a revoluo esttica, que torna porosa a linha que separa o mundo da arte do que o rodeia, surge a arte em sentido forte: A arteexiste como ummundo parte a partir do momento em queo quequer quesejapode entrar nele.E tal umdosobjectivosdestelivro. Mostrar como umregimedepercepo,desensaoedeinterpretaodaarteseconstituie transformaaoacolherasimagens,osobjectoseasperformancesquemais parecemopostasideiadebelaarte[...].Mostrarcomoaarte,longede soobrarcomestasintrusesdaprosadomundo,nocessadeseredefinirno seu seio, trocando por exemplo as idealidades da histria, da forma e do quadro pelasdomovimento,daluzedoolhar,construindooseudomnioprprio 9Como afirmaemMalaisedans lesthtique: Em resumo,o prprio daarte, enfim nomevelenquanto tal, a sua identidade com a no-arte. (Rancire, 2004, p. 91) 10 deste paradoxo que emerge a tenso originria e persistente [no quadro do regime esttico] de duas grandes polticas daesttica:apoltica do devir-vidadaarteeapoltica daformaresistente(Rancire, 2004,62).Estasmaisnoseriamdoqueastentativasderealizar,oradirectaoraindirectamente,o programaesttico-polticodeemancipaocolectivaformuladoporSchiller,queinterpretaobelo kantianonostermosdaaboliodahierarquiaentreumafaculdadeactiva(entendimento)euma faculdade passiva (imaginao). AISTHE, Vol. VII, n 11, 2013 Cachopo, Joo PedroISSN 1981-7827 Momentos estticos: Rancire e a Poltica da Arte 29 baralhandoasespecificidadesquedefiniamasarteseasfronteirasqueas separavam do mundo prosaico. (Rancire, 2011, pp. 10-11). Nesta passagem torna-se igualmente claro que o fio condutor da revoluo esttica coincide com o pressuposto da poltica. de uma igualdade radical que se trata uma que, inseparvel da prosa sempre poetizvel do mundo, se torna visvel e pensvel sob o regime esttico da arte. No h temas nobres por um lado e temas vulgares por outro, tal como no h episdiosnarrativosimportanteseepisdiosdescritivosacessrios.Noh episdio,descrio,frasequenoacolhaapotnciadaobra.Porquenoh coisa que no acolha a potncia da linguagem. Tudo est em p de igualdade, igualmente importante, igualmente significativo. (Rancire, 2001, p. 37). Umataligualdadecorrinosafronteiraqueseparaoprosaicodonobre,mas aindaaquedistingueovoluntriodoinvoluntrio,apassividadedaactividade,o pensamentodono-pensamento,apalavradorudo,oantigodomoderno.Dafalncia de cada uma destas distines desprende-se um fio do pensamento esttico de Rancire dodebateemtornodarelaoentreoinconscienteesttico(deBaumgartena SchellingpassandoporKant)eoinconscientefreudianoexploraodoconceitode espectadoremancipado,passandopelaproblematizaodoconceitodemodernidadee dassuasfronteiras...sobreesteltimotemacrucialparacompreenderopropsito subjacente conceptualizao do regime esttico da arte que nos debruaremos agora. 3. Modernidade versus ps-modernidade uma dicotomia v?Resultaentretantoclaroqueopropsitodolevantamentodetrsregimesde identificaoda(s)arte(s)nodecarcterestritamentehistoriogrfico:nosetrata, para Rancire, de tomar a sucesso destes regimes como critrio para o delineamento deumahistriadaarte:oregimeestticodaarteumsistemadepossveisquese constituihistoricamentemasquenoaboleoregimerepresentativoqueprevalecia anteriormente.Numadeterminadapoca,diversosregimescoexistemeentrelaam-se nasprpriasobras(Rancire,2009,p.502).Ouseja,importadarcontadequeainda hojeconcorremdiferentesformasdeinterpretaredeprolongarou,aoinvs,de neutralizar a potncia dissensual da arte. Aindaassim,esemcontradio,importanotarqueumadasprincipais motivaes, se no a principal, subjacente elaborao do conceito de regime esttico AISTHE, Vol. VII, n 11, 2013 Cachopo, Joo PedroISSN 1981-7827 Momentos estticos: Rancire e a Poltica da Arte 30 daarteconsisteemproblematizaranoodemodernidadeou,emtermosmais drsticos, em propor uma contra-histria da modernidade artstica(Rancire, 2011, p. 13). Para Rancire,com efeito, o regimeesttico das artes o verdadeiro nome do queanooconfusademodernidadedesigna(Rancire,2000,p.33),confusoque, inseparvel de um certo modo de relacionar arte, histria e poltica, est igualmente na base da dicotomia entremodernidade e ps-modernidade, que o autor deMalaise dans lesthtique procurar, com idntica veemncia, desconstruir. Para entender a crtica que Rancire dirige contra a noo de modernidade, pois imprescindveltornarclaroqueparaofilsofoateorizaodesteconceitoreduziu retrospectivamenteastransformaesartsticasinerentesemergnciadoregime esttico(demeadosdosc.XVIIIatprimeirametadedosc.XX)aumanarrativa histrica baseada em supostas rupturas exemplares, que, relacionando a separao entre antiguidade e modernidade com aautonomizao radical das artes, tomar o abandono dafiguraoempinturacomoparadigmadeumdestinoglobalantimimticoda modernidade artstica (Rancire, 2000, p. 34). A autonomizao das artes coincidiria comaexploraoexaustivadaspossibilidadesinerentesaoseurespectivomedium:ao recuobidimensionalidadepictricacorresponderiam,portanto,ararefacode processoscomunicativosemliteraturaeaausteridadesonoradoatonalismo (dodecafnico e, mais tarde, serial) em msica... Eis-nos pois diante da trade composta porMalevich,MallarmeSchnberg,cujasobrasconstituiriamoemblemadas conquistas modernistas em cada uma daquelas artes (Rancire, 2004, p. 94). Contrariando este discurso unilateral, Rancire recusa-se a reconhecer o princpio antimimtico como critrio exclusivo de um suposto progresso das artes. De resto, para Rancire, se como vimos j o regime esttico se salda no abandono da mimesis, esta no sereduzfiguraoempinturaourepresentao(nosentidodereproduoda realidade)noutrasartes.Daque,paradarumexemploemblemtico,orealismoem literaturaconstituaumaprimeirainstanciaodoregimeesttico:elesubverteo princpio mimtico na base do regime representativo, no porque abdique de representar arealidadeoque,deresto,fazsaciedade,masporquesubverteporcompletoos pressupostos hierrquicos dessa representao. Ao mesmo tempo da que, segundo Rancire,o discurso modernista estabelea umadeterminadarelaoentrearte,histriaepoltica,estaconvicona necessidadedodesenvolvimentointernoacadaarteseriaanlogacrenana AISTHE, Vol. VII, n 11, 2013 Cachopo, Joo PedroISSN 1981-7827 Momentos estticos: Rancire e a Poltica da Arte 31 necessidadedoamadurecimentopolticodassociedades,noquadrodeumaleitura teleolgicadahistriadecarctermarxista.estaanalogia,segundoRancire,que permitepolitizarpense-se,porexemplo,emGreenbergaautonomiada(s)arte(s). Sobretudo quando depois do fracasso do projecto moderno lato sensu (i.e., depois de Auschwitzeaocabododesmoronamentodasesperanasdepositadasnaexperincia sovitica)acrenanumacertateleologiahistrico-polticaesmorece,sendo substituda(ecompensada),pelaconviconumacertateleologiaartstica.Aarte surgiriaassimcomoumaespciedeltimoredutodeesperanautpicanuma emancipao por vir... curioso que o modernismo ou seja, a viso da arte moderna enquanto arte da autonomiatenhasidoinventadoemlargamedidapormarxistas.Porque motivoissoaconteceu?Porquesetratavadeprovarque,searevoluosocial tinha sido confiscada, ainda assim, manter-se-ia na arte a pureza da ruptura com o que ela comportava enquanto promessa de emancipao. (Rancire, 2009, p. 248). Deste ponto de vista, a suposta ruptura ps-moderna mais no foi tambm do que otriunfo,nocampodasartes,daincredulidadearespeitodasmeta-narrativas (Lyotard,2005[1979],p.7),que,pelomenosdesdeatransioparaosculoXIX, tinhamalimentadoaimaginaopolticadehistoriadores,filsofoseartistas.Caberia poisdistinguiremboraelasserelacionemdepertoenemsempresejamclaramente separadas por Rancire duas modernidades: (1) a modernidade artstica, inseparvel doconceitodemodernismo,e(2)amodernidadedefinidaemtermossocioculturais maislatoscombasenaassociaoentreeducaoestticaeemancipaopoltica,de queRanciredcontareferindo-seaumparadigmamodernitarista(Rancire,2000, pp.39ss).Crucial,emtodoocaso,mostrarcomosubjazaestasduasvisesda modernidadeumamesmaconcepoteleolgicadehistria.ParaRancire,to problemticacomoatesesegundoaqual,findaameta-narrativadamodernidade,a histria terminaria, a proclamao de uma ruptura ps-moderna no campo das arte. O modelo teleolgico da modernidade tornou-se insustentvel, tal como as suas demarcaesentreosprpriosdasdiferentesartesouaseparaodeum domnio puro da arte. O ps-modernismo, num certo sentido, foi simplesmente otermosoboqualalgunsartistasepensadorestomaramconscinciadoque tinhasido o modernismo: umatentativadesesperada defundar um prprio da artevinculando-oaumateleologiasimplesdeevoluoerupturahistricas. (Rancire, 2000, p. 42). AISTHE, Vol. VII, n 11, 2013 Cachopo, Joo PedroISSN 1981-7827 Momentos estticos: Rancire e a Poltica da Arte 32 Eistoindependentementedeestarupturaserlamentada,porimplicarumacerta despolitizao da arte caso em que se veria na crise da arte uma declinao do fim dahistria,orasaudada,porsignificarumalibertaoemrelaoainterditos ideolgicosimpostosautoritariamente.Anoodeps-modernidadeassentaria, portanto,numduploequvoco.Porumlado,oqueteriapassadoaserpossvela comearpelaintromissodasartesumasnasoutrasenodeixandodeabarcaro cruzamento de gneros e estilos historicamente distantes j o era h muito, ainda que intermitentemente, no quadro do regime esttico. Por outro lado, o que teria deixado de serpossvelpensarapolticadaarteemrelaocomodestinohistrico-polticoda modernidade s parcialmente deixa de o ser. O que, a bem dizer, deixa de ser possvel umadeterminadavisodapolticadaartedecalcadadeumanarrativahistricade carcter teleolgico no toda e qualquer viso da poltica da arte. Por outras palavras, afalnciadoparadigmamodernistanosignificaafalnciadapolticadaartepelo simples facto de que esta no est dependente do estabelecimento de uma analogia entre oprogressoartsticodecadaarteeoprogressopolticoemdirecoauma revoluo sempre adiada, porque sempre trada na sociedade.Ao contrrio do que pensaram os arautos do modernismo, nem a fronteira entre as artes,nemarupturadecadaumadelascomoseupassado,garantiamporsisa efectividadepolticadaarte.Jocontrriopodeserverdade,poiscomaseparao radical entre as diferentes artes era tambm a fronteira entre arte e no-arte que se erigia emdogma(Rancire,2004,p.94).Orasendoistoignoradoemlargamedidapelo discursomodernista,aidentidadeparadoxalentrearteeno-artejustamenteoque alimenta a(s) poltica(s) da arte desde h muito, na tenso entre a lgica da arte que se tornavidapelopreodesesuprimircomoarteealgicadaartequefazpolticana condio expressa de no a fazer de todo (Rancire, 2004, p 66). 4. Sobre os (ab)usos do conceito de sublime Seadistinoentremodernidadeeps-modernidadevnamedidaemque interpreta em termos de ruptura um conjunto de deslocamentos h muito possveis , os pressupostos e as consequncias do debate que se gerou em seu torno so, mais do que vos,problemticos.Eso-no,tambm,emvirtudedoentrelaamentodasduas acepesdemodernidadeaquenosreferimosacima.Comefeito,seodebateps-AISTHE, Vol. VII, n 11, 2013 Cachopo, Joo PedroISSN 1981-7827 Momentos estticos: Rancire e a Poltica da Arte 33 moderno no campo das artes girou em torno de temas como a imbricao entre as artes, o cruzamento de diferentes media, a reprodutibilidade tcnica e digital da obra de arte, a abolio da fronteira entre erudito e popular, entre outros, no tardou a que ele se visse parasitado por uma meditao crtica mais abrangente acerca do fracasso civilizacional da modernidade meditao de que a arte acabaria, finalmente, por ficar refm. Neste contexto, Schiller revelar-se-ia uma figura-chave. Seria na obra deste cuja conceposimultaneamenteestticaepolticadarevoluonodeixoudeencontrar ecosnoidealismoalemorepresentadoporHegel,HlderlineSchellingque encontramosaideiademodernidadecomorealizaosensveldeumahumanidade aindalatentedohomem(Rancire,2000,p.40).Reconhecerofracassoda modernidade nesta acepo equivaleria a assumir que foi a desumanidade no homem, e noahumanidade,oquesemanifestouhistoricamentedemodomaisindelvel.O mesmoequivaleriaadizer,pensandoemLyotard,queumacertainumanidade(a inumanidademortferadoadulto)levouamelhorsobreumaoutrainumanidade(ada criana e a do animal) (Lyotard, 1988, pp. 9-15). Quando a revoluo poltica fracassa e a catstrofe qual conduz a inumanidade mortferadohomemacontece,desabaaesperanadepositadanaqueleprograma.A modernidadeartsticasobreviveuprovisoriamentegraasaoseuisolamento programtico, mas acabaria por ceder em virtude da fragilidade dos seus pressupostos. este o momento problemtico da suposta rupturaps-moderna: um momento em que a esttica, uma vez consumada a falncia dos pressupostos do modernismo, acabaria por setornarnolugarprivilegiadoemqueatradiodopensamentocrticose metamorfoseou em pensamento do luto (Rancire, 2000, p. 8). na obra de Lyotard, a creremRancire,queestametamorfosetemlugardemodomaisntido:aarteuma arte que, em virtude demostrar que h o irrepresentvel (Lyotard, 1988, pp. 131-140), soconceitodesublimepermitiriacaracterizarconstituiriaotestemunhodeuma dvidaobscura(Lyotard,1988,p.153)darazomodernaemrelaoaoOutro.Para tornar clara a perspectiva de Rancire, imprescindvel restituir, ainda que brevemente, emquemedidaoconceitodesublimefoimobilizadoparapensaraartepeloautorde Linhumain. Sublinhemos,antesdemais,queareleiturapropostaporLyotarddosublime kantianonosefazsemtorses(eestasnoserestringemaofactodeLyotard transportar o conceito de sublime para a esfera da arte, quando em Kant ele designa um AISTHE, Vol. VII, n 11, 2013 Cachopo, Joo PedroISSN 1981-7827 Momentos estticos: Rancire e a Poltica da Arte 34 sentimento que s ocorre diante de fenmenos naturais). Em Kant, fundamentalmente, o sentimentodosublime(Kant,2006[1790],105-135[23-29])consistena concomitncia paradoxal do desprazer causado pela incapacidade da imaginao (aliada aoentendimento)deabarcaroexcessomatemticooudinmicodeumfenmeno naturalparticularmentedesmesuradoouavassaladorcomoprazeraindaassim suscitadopelacontemplaodessemesmofenmenoaumadistnciasegura.Este prazer, segundo Kant, s se torna inteligvelcom a tomada de conscincia pelo sujeito de uma faculdade, cujo poder superior natureza (alm de independente das faculdade da imaginao e do entendimento): a razo. razo, e ao campo moral por ela regido, que Kant concede primazia. O sublime prova que a faculdade legisladora e s pode ser a razo. Ora,seKantvianofracassodasfaculdadesdasensibilidadeadescobertada supremaciadarazoedavocaosuprassensveldoesprito,Lyotardvnessemesmo fracasso dada a irredutibilidade representao da matria imaterial (Lyotard, 1988, p. 154) na arte a marca da impotncia do esprito diante da potncia do sensvel. Tal significaque,mutatismutandis,otimbremusicalouanuancedecordesempenham [emLyotard]opapelqueKantreservavapirmideouaooceanodesenfreado.Eles sinalizam uma incapacidade do esprito de se apoderar de um objecto (Rancire, 2004, pp. 124-5). Se em Kant o sublime era o signo da autonomia do sujeito, em Lyotard ele emblemadasuadependnciaemrelaoleiheternomadoOutro.11Foisobreeste Outroecontraavulnerabilidadequeelerepresentaquearazoexerceuasua violnciamilenar.Eessavulnerabilidadequearazoeosujeitoautnomoqueo projectodeemancipaomodernapromoveprocuraesquecer.Esquec-laquase integralmente,procurandoapagartodoequalquertraodoOutro,parecetersidoo pontodehonraparadoxalda(des)razomodernaqueconduziucatstrofetotalitria. Deresto,segundoaperspectivadeLyotardapresentadaemHeideggeretlesjuifs (1988),foiporqueosjudeussurgiramnumdeterminadomomentohistricocomouma figurao desse Outro que atraram o dio assassino do nazismo, precisamente onde h pouco mais de um sculo nascera o movimento da Aufklrung12. 11Nodeixadesercuriosoque,nasanlisesdeLyotard,oOutroacabeporocuparolugarqueKant reservara para o Absoluto como, de resto, Lyotard no deixa de salientar na leitura que faz da Crtica da FaculdadedeJulgardeKant(Lyotard,1991,pp.185-8).Poroutraspalavras,tratar-se-iade,sub-repticiamente, absolutizar o Outro. 12SegundoRancire:EsteOutro,natradioocidental,teriaassumidoonomedoJudeu,onomedo povotestemunhadoesquecimento,testemunhadacondiooriginaldopensamentoqueestrefmdo AISTHE, Vol. VII, n 11, 2013 Cachopo, Joo PedroISSN 1981-7827 Momentos estticos: Rancire e a Poltica da Arte 35 Neste contexto, o sublime artstico sempre que a razo vacila diante da matria imaterial pictrica, sonora ou lingustica (Lyotard, 1988, pp. 147-156) constituiria o trao dessa dependncia do esprito em relao ao Outro (dependncia que, mais do que qualquer outra coisa, importa testemunhar). O pensamento do luto, em que desemboca o pensamentocrticonosmastambmemmatriadeesttica,seriapoisa consequncialgicadatomadadeconscinciaagudadodestinotrgicoda modernidade.Tallutonamedidaemqueo,nopeloprojectomoderno,maspelas vtimasdesseprojectoinseparveldaculpa.ParaRancire,queopensamentoda artesevejarefmdestediscursocriticvelnoapenasporserilegtimorestringira arteaumafunotestemunhaldecarcterontolgico-histrico,masaindaporessa restrio poder e, na verdade, tender a acarretar uma neutralizao da poltica da arte (que,comoveremos,Rancireassociaaumaviragemticaouaumretorno tica). Emtodoocaso,importatornarclaroqueapotencialdespolitizaodaesttica nodecorreria,nocasodeLyotard,deumdficedezelocrticoLyotardestnos antpodas de um ps-modernismo da reaco (como se lhe referiu Hal Foster) , mas da sua radicalizao. Tal como para Adorno, a arte constitui para Lyotard uma prtica do dissenso (Rancire, 2004, p. 129). Mas se, em Adorno, esta prtica se denominava contradio,emLyotard,elapassaachamar-sedesastre.Eestedesastre original(Rancire,2004,p.130).Chega-seaumbecosemsada,umavezquese trataria de decidir entre dois desastres: O sentido do dissenso esttico reformula-se ento assim: ou um desastre ou um outrodesastre.Ouodesastredosublimequeoannciosacrificialda dependncia tica a respeito da lei imemorial do Outro; ou o desastre que nasce do esquecimento daquele desastre, o desastre da promessade emancipao que noserealizasenonabarbrieabertadoscampossoviticosounazis,ouno totalitarismosuavedomundodaculturademercadoedacomunicao. (Rancire, 2004, pp. 140s). Rancire, portanto, no deixa de alinhar Lyotard, no contexto do que considera ser opresenteps-utpicodaarte,doladodeumaradicalizaodapolticadaforma resistente,dequeaobradeAdornoforaatmuitorecentementeoltimo Outro.DistodecorrequeoextermniodosJudeusestinscritodoprojectodedomniodesido pensamento ocidental, dasuavontadedepr fimao testemunho do Outro, o testemunho do impensvel no corao do pensamento. (Rancire, 2003, p. 147). AISTHE, Vol. VII, n 11, 2013 Cachopo, Joo PedroISSN 1981-7827 Momentos estticos: Rancire e a Poltica da Arte 36 representante.Contudo,nopensamentodeLyotard,adialcticadaobradearte apoliticamente poltica atingiria um limite. porque atinge esse limite que se anula e se precipita no seu contrrio (movimento que Rancire associar, como veremos, a um retorno da tica). Nohumarupturaps-moderna.Mashumadialcticadaobra apoliticamentepoltica.Ehumlimiteemqueoseuprprioprojectose anula.[...]Aheterogeneidadesensveldaobradeixadeserogaranteda promessadeemancipao.Pelocontrrio,elaveminvalidartodaapromessa desse tipo ao testemunhar uma dependncia irremedivel do esprito em relao aoOutroqueohabita.Oenigmadaobraqueinscreviaacontradiodeum mundo torna-se no puro testemunho da potncia desse Outro. (Rancire, 2004, pp. 60s). 5. Contra a viragem tica PorviragemticaRancirenoentendeoretornoaosvaloresdamoral,nos quais almas bem intencionada pudessem encontrar um antdoto contra os malefcios do relativismo contemporneo. A este propsito, recorda Rancire que antes de dar nome a umdiscursonormativosobreosprincpioseasconsequnciasdaacoindividual, ethos significou um nexo identitrio entre um meio ambiente, uma maneira de ser e um princpio de aco (Rancire, 2004, p. 146). esta acepo colectiva doconceito que Ranciretememmentequandofalanumaviragemtica,queconsistiriana emergnciadeumafiguradecomunidadeticaconsensualporcontrastecomuma comunidadepolticadissensualcujacoesosetornanecessriaemfacedaameaa irredutvel de um Outro. Neste sentido, apesar de colectiva, a tica seria absolutamente contrriapoltica.srazescontraditrias(ondefactoedireitosedistinguiam)que opunham duas faces no seio da comunidade poltica, sucede o sentimento de pertena unvocoaumacomunidadeameaada(unidanospelanecessidadedefazerface ameaa, mas tambm pela culpa, de que a violncia perpetrada pelo outro mais no seria do que a manifestao traumtica). Ofulcrodoretornoticanopreconizarumretornoaosvalores individuais. forjar uma figura da alteridade que invalida por princpio todo o pensamentodeemancipaocolectiva.Etica, talcomohojedecretada,no ope o privado e os bons sentimentos individuais aco colectiva. Ela ope ao dissensopolticoumaalteridademaisfundamental,guardidosentidoda comunidade,quenopodesenoserarruinada,pelopreodacatstrofe colectiva,portodooprojectodeemancipao.evidentequeatica,assim entendida,nosenoumdiscursodolutoqueviracontrasimesmaa AISTHE, Vol. VII, n 11, 2013 Cachopo, Joo PedroISSN 1981-7827 Momentos estticos: Rancire e a Poltica da Arte 37 radicalidade revolucionria e a pe ao servio do consenso. (Rancire, 2009, p. 249) Trata-sedeumaviragemqueestariadanslairdutempssobretudodesdeo11 deSetembrode2001eaolongodacriseeconmico-financeiraquegrassouumpouco por todo o mundo desde 2007, embora os seus pressupostos remontem queda do muro de Berlim em 1989 com manifestaes tanto no pensamento poltico e esttico, quanto naarte,nocinemaenacenapolticacontempornea.oquepermiteaRancire (Rancire,2004,pp.146-50)relacionaraanlisededoisfilmesde2002,Dogvillede Lars von Trier e Mystic River de Clint Eastwood filmes em que duas personagens so alvodeumaviolnciacatrticaquegaranteaprevalnciadacomunidadecomo discursoantiterroristadeGeorgeW.Bush.Estediscurso,segundooqual,numa parfrasedeRancire,sajustiainfinitaapropriadalutacontraoeixodomal (Rancire, 2004, p. 148), retm apenas a necessidade de defender a comunidade (aqum ealmfronteiras...)dasameaasreaiseimaginriasqueaexistnciadeumOutro representa.Masnemporissoestediscursoestverdadeiramentenosantpodas, sobretudo se considerarmos um dos seus aspectos cruciais a construo de uma figura consensualdecomunidade,doreconhecimentodeumdireitodoOutro(em Lyotard)ou,maisrecentementeeporrazesdistintas,daconceptualizaodo estado de excepo (em Agamben). Ou seja seguindo o fio do argumento de Rancire , apesar de hostis ao discurso da campanha antiterrorista, quer Lyotard quer Agamben o primeiro nas dcadas de 80 e90,osegundodesdemeadosdestaltimaathojecomoqueprotagonizamuma viragemticanocampodafilosofia,namedidaemqueodiagnsticoradicaldo presente que propem no qual o destino trgico da modernidade posto a nu unifica odestinodospovoseoapresentacomoinelutvel.Aviragemticad-se,neste contexto,emduasvertentes:(1)nadoreconhecimentodequeaquiloquesejulgava progressonaverdadecatstrofeafiguradoanjodahistriadeKlee,lidapor Benjamin, disto paradigmtica, pois este anjo, que volta o rosto para o passado, no v seno uma catstrofe sem fim, que incessantemente acumula runas sobre runas e lhas lanaaosps(Benjamin,1972[1940],p.697),e(2)nadonivelamentodasformas destacatstrofe.AgambenquemRanciretemparticularmenteemvistanesta passagem: AISTHE, Vol. VII, n 11, 2013 Cachopo, Joo PedroISSN 1981-7827 Momentos estticos: Rancire e a Poltica da Arte 38 Oextermnio dosJudeusdaEuropaapareceassimcomoaformamanifestade umasituaoglobalquecaracterizatambmodia-a-diadanossaexistncia democrtica e liberal. o que resume a frmula de Giorgio Agamben: o campo deconcentraoonomosdamodernidade,isto,oseulugareasuaregra, regraelaprpriaidntica exceporadical.[...] Todasasdiferenassevem assim apagadas na lei de uma situao global. Esta surge ento como realizao deumdestinoontolgicoquenodeixanenhumamargemparaodissenso polticoenoesperasalvaosenodeumaimprovvelrevoluoontolgica. (Rancire, 2004, pp. 158s) RancirenodeixadenotarqueasperspectivasdeLyotardeAgambensoem muitosaspectosbastantesdistintas.Relevanteseriaentoqueemambossetratariade recodificar os conflitos polticos em termos de destino de civilizao (Rancire, 2009, p. 585), que em ambos, em suma, um diagnstico crtico da modernidade se transforma, por fora da sua radicalizao, no reconhecimento de um destino trgico comum a toda a humanidade. De um destino que , na sua tragicidade, inelutvel: a dvida imemorial aooutrotoimpagvelcomoosaltoparaforadoestadodeexcepoincerto.A viragem tica, neste contexto, mais no seria do que o sacrifcio do dissenso poltico no altardasupostainelutabilidadehistrica,quetornaindiferentesasdistinesmoraise inteis os esforos de emancipao colectiva. Nocampodaarte,queaquinosinteressaparticularmente,aviragemtica conheceduasvias,umasofteoutrahard,segundoRancire(quecorresponderiams duasprincipaisvertentesdopresenteps-utpicodaesttica,representadaspelaarte relacionalepelaartedosublime):deumlado,osqueatribuemarteatarefade repararoelosocial;dooutroosqueavotamaotestemunhointerminvelda catstrofe. Debrumo-nos j sobre a crtica de Rancire conceptualizao do sublime propostaporLyotard,quecorresponderiasegundavia,masolugarnela desempenhadopeloirrepresentvelsagora,luzdacrticamaisglobalauma viragem tica, se torna inteiramente claro. Talcomooterrorapalavra-chavedaviragemticanocampodapoltica,o irrepresentvel s-lo-ia no campo da esttica. Contudo, a promulgao de uma arte do irrepresentvel que permitiria at imaginar uma continuidade simples entre Carr noir deMalevich(1915)eofilmeShoahdeLanzmann(1985)assentanumaconfuso acercadoprpriosentidodapalavra.Trata-sedoquesepode(ouno)representar,ou doquepermitido(ouno)representar?AcreremRancireparaquemumaarte oposta ordem representativa no uma arte que j no representa mas uma arte que AISTHE, Vol. VII, n 11, 2013 Cachopo, Joo PedroISSN 1981-7827 Momentos estticos: Rancire e a Poltica da Arte 39 jnoestlimitadanempelaescolhadosrepresentveis,nempeladosmeiosde representar (Rancire, 2004, p. 166) nada por natureza irrepresentvel (disso sendo Shoah,deresto,umexemplocrasso)13.Ora,seassim,paradeclararumaartedo irrepresentvelserianecessriofazercoincidiroimpossvelcomointerdito.Maso interditoteriaentodevirdeforadaartee,nestecaso,proviriadaesferadareligio: no se pode ou no se deve representar o extermnio do povo judeu, tal como no se podia representar o Deus dos Judeus. Reelabora-se, com pressupostos ticos tomados de emprstimo religio, o dogma antirrepresentativo do modernismo: Estacondio[detestemunhodeumimpensvelnocoraodopensamento] seria ento paralela ao dever moderno da arte. A construo deste dever da arte emLyotardsobrepesuaslgicasheterogneas:umalgicaintrnsecados possveis e dos impossveis prprios a um regime da arte e umalgica tica de denncia do prprio facto da representao. (Rancire, 2003, p. 147) Quenosejapossveldetectarestaviragemticanocampodaestticanos termosdasupostarupturaps-modernaapsaqual,alegadamente,odogma antirrepresentativodomodernismoteriacaducado(ofactosendo,segundoRancire, queeleseprolonganumaestticadosublimeedoirrepresentvel)mostracomoa oposio entre modernidade e ps-modernidade impede uma compreenso cabal do que sejogacontemporaneamentenocampodasartes.Masestaapenasumadasfacesdo problema. A outra que nos conduz ao ncleo problemtico de uma tal viragem tica, noqueconcernesuadimensohistrico-polticatemquevercomaprpria singularidade da sua verso hard. Sentir-nos-amostentadosadizerqueodiscursoticocontemporneono senoopontodehonradadosnovasformasdedominao.Masficaramos aqumdeumpontoessencial:seaticasoftdoconsensoedaartede proximidadeconstituiaadaptaodaradicalidadeestticaepolticadeontem s condies actuais, j a tica hard do mal infinito e de uma arte votada ao luto 13 Para Rancire, com efeito, a obra de Lanzmann no deixa de representar. Ela prova, pelo contrrio, que nemomaisatrozdosacontecimentosinsusceptveldeserrepresentado.Poroutraspalavras,que Lanzmann prescinda de usar quaisquer imagens de arquivo e opte por filmagem de testemunhos pstumos nosnoinfirmacomocorroboraaideiadequeofilmeShoahnoserefereaumacontecimento absolutamente irrepresentvel. , no entanto, necessrio tornar claro o que se trataria ento de representar: Em que sentido este filme testemunha um irrepresentvel? Ele no afirma que o facto do extermnio se subtraiaapresentaoartstica,produodeumequivalenteartstico.Elenegaapenasqueeste equivalente possaser dado por uma encarnao ficcional dos carrascos e das vtimas. Pois o que h que representarnosooscarrascoseasvtimas,masoprocessodeumaduplasupresso:asupressodos Judeus e a supresso dos traos da sua supresso. E isto perfeitamente representvel. (Rancire, 2003, p. 143) AISTHE, Vol. VII, n 11, 2013 Cachopo, Joo PedroISSN 1981-7827 Momentos estticos: Rancire e a Poltica da Arte 40 interminveldacatstrofeirremedivelmaisnoseriadoaestritainverso dessa radicalidade. O que torna possvel esta inverso aconcepo do tempo que a radicalidade tica herdou da radicalidade modernista, a ideia de um tempo cindido em dois por um acontecimento decisivo. (Rancire, 2004, p. 168) Contudo,sedurantelongosanosesseacontecimentodecisivofoiesperadocomo uma revoluo por vir, a partir da transio para os anos 90 do sc. XX, no rescaldo da queda do muro de Berlim, ele passa a ser pressentido como j tendo tido lugar h meio sculo: revoluo prometida (e em ltima instncia realizvel) sucedia a catstrofe j acontecida(edeantemoinevitvel).,tambm,contraestaconcepo simultaneamenteteleolgicaecatastrofistadahistria,econtraaneutralizaoda polticanocontextodeumaviragemticaqueessaconcepoarrasta,queRancire procura pensar a arte (e a poltica) no seio e em confronto com o nosso tempo. Referncias bibliogrficas: ADORNO,T.W.Engagement[1962].In:_____.NotenzuLiteratur.Gesammelte Schriften. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2009. V. 11, pp. 409-30. AGAMBEN, G. Ce qui reste dAuschwitz. Trad.de Pierre Alferi. Paris: Rivages, 2003 [1998]. __________.StateofException.Trad.deKevinAttell.ChicagoeLondon:The University of Chicago Press, 2005 [2003]. BENJAMIN,W.berdenBegriffderGeschichte[1940].In:_____.Gesammelte Schriften. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1972ss. V. I.2, pp. 691-704. FOUCAULT, M. LArchologie du savoir. 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