Artigos de Reviso para Abril 2006, Neuroatual · teste negativo não exclui o diagnóstico de HPN....

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NeuroAtual Volume 2, número 4, 2006

NEUROLOGIA GERAL Dr. Osvaldo M. Takayanagui

The diagnosis and treatment of idiopathic normal pressure hydrocephalus. Gallia GL

et al. Nature Clin Practice Neurol, 2: 375, 2006.

A hidrocefalia de pressão normal (HPN) é caracterizada pela síndrome de distúrbio

da marcha, deterioração cognitiva e incontinência urinária, associada à dilatação

ventricular, na ausência de aumento da pressão intracraniana. Quando ocorre

secundariamente a outras doenças, como hemorragia intracraniana, traumatismo

encefálico, infarto cerebral e meningite, a síndrome é referida como HPN secundária. A

HPN em pacientes sem fatores precipitantes definidos, é denominada HPN primária ou

idiopática. Em 2002, um grupo de estudo internacional desenvolveu um guia sobre

diagnóstico e tratamento da HPN.

Epidemiologia

Há poucos estudos epidemiológicos sobre HPN. A incidência relatada na literatura

varia de 1,8 casos/100.000 habitantes a 2,2 casos /1.000.000 habitantes. Estima-se que

1,6% a 5,4% dos pacientes com demência tenham como causa a HPN.

Apresentação clínica

A HPN é caracterizada pela tríade clínica de distúrbio da marcha, demência e

incontinência urinária. O quadro tem instalação insidiosa, ocorrendo geralmente entre a 6ª

e 8ª décadas de vida. O distúrbio da marcha costuma ser a manifestação inaugural e pode

ser descrita como sendo apráxica, bradicinética, parkinsoniana ou de arrastar os pés no

chão, com quedas freqüentes. A marcha é caracterizada por ser lenta, de passos curtos, de

base alargada, com dificuldade em girar o corpo. No entanto, não há diminuição

importante da força muscular.

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O déficit cognitivo é tipicamente do tipo subcortical, caracterizado por desatenção,

retardo psicomotor e dificuldade na função executiva. A apraxia, a agnosia e a afasia são

raras.

A incontinência urinária é o terceiro sintoma da HPN. Nas fases iniciais, as queixas

podem ser quanto à freqüência e à urgência miccional. Com a progressão da doença,

surgem incontinência urinária e/ou fecal. O teste urodinâmico revela hiperatividade

vesical.

Há ampla variação na apresentação clínica, na intensidade e na velocidade de

progressão dos sintomas e o diagnóstico de HPN não necessita da tríade clínica completa

para ser considerado. Classicamente, o comprometimento da marcha precede ou surge

concomitantemente à incontinência urinária ou ao início da demência.

O exame de neuroimagem com medida do tamanho ventricular na tomografia

computadorizada ou na ressonância magnética é parte essencial da avaliação

complementar. Embora nenhum achado na neuroimagem seja suficiente, a dilatação

ventricular é necessária para o diagnóstico de HPN nos pacientes com quadro clínico

compatível. O índice de Evans, definido como a largura máxima dos cornos frontais dos

ventrículos laterais dividida pelo diâmetro transversal interno do crânio, igual ou maior que

0,3 representa dilatação ventricular. Outras alterações associadas à HPN incluem:

hiperintensidade periventricular, freqüentemente associada a isquemia microvascular

subcortical, aumento do fluxo liquórico no aqueduto, estreitamento e elevação do corpo

caloso nas imagens sagitais e nenhuma evidência de obstrução do trânsito do LCR.

Várias outras técnicas de imagem têm sido investigadas, tais como PET,

cisternografia nuclear, velocidade de fluxo do LCR. No entanto, não está estabelecido o

valor destes testes e, no momento, não fazem parte dos exames rotineiros na investigação

de pacientes com suspeita de HPN.

Diagnóstico Diferencial

Pelo fato da HPN afetar a população idosa em que a dificuldade de marcha,

demência e incontinência urinária são freqüentes, uma diversidade de causas pode ser

considerada no diagnóstico diferencial. A dificuldade na marcha pode ocorrer na

neuropatia periférica, estenose de canal cervical ou lombar, artrite, vestibulopatias e

doença de Parkinson. A distinção entre esta última e a HPN pode ser desafiadora, pois

ambas apresentam marcha hipocinética devido a passos curtos. No entanto, alguns detalhes

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podem ser úteis: na HPN a base é alargada, os pés estão rodados para fora, com pequena

elevação do solo, preservação relativa do balanço dos membros superiores e tronco ereto.

Adicionalmente, correções aos comandos externos pouco influem na marcha da HPN,

enquanto são efetivos na doença de Parkinson, ampliando os passos e melhorando a

cadência da marcha.

A demência é uma síndrome freqüente na população idosa e o comprometimento

cognitivo observado na HPN apresenta algumas similaridades com outras demências

subcorticais, incluindo as doenças de Parkinson e de corpos de Lewy, além da demência

vascular. A ausência de apraxia, de agnosia e de afasia pode auxiliar na distinção de HPN

das demências corticais, incluindo a doença demencial mais comum, a de Alzheimer.

Da mesma forma que o distúrbio da marcha e da demência, há numerosas causas de

incontinência urinária nos idosos, e todas devem ser devidamente investigadas. A

incontinência urinária pode refletir doença prostática no homem e incontinência por stress

ou infecção crônica do trato urinário na mulher.

Exames Suplementares Prognósticos

De acordo com um guia de consenso, a HPN pode ser categorizada como sendo

provável, possível e improvável, fundamentada na história, exame neurológico e

neuroimagem. Sem exames adicionais, 46% a 61% dos pacientes com HPN provável e

possível apresentarão melhora com o tratamento cirúrgico. Existem vários exames

suplementares que aumentam a precisão diagnóstica e devem ser considerados nos

pacientes com HPN provável e possível, incluindo a punção do LCR (“taptest”), retirada

externa de LCR via drenagem espinhal e a determinação da resistência de fluxo do LCR.

A remoção de grande volume de LCR lombar, o “taptest”, envolve a retirada de 40

a 50 ml de LCR por meio da punção lombar. A melhora clínica após a retirada de LCR

aumenta a probabilidade de uma resposta favorável da derivação, com um valor preditivo

positivo de 73% a 100%. Entretanto, apresenta uma sensibilidade baixa (26% a 61%) e um

teste negativo não exclui o diagnóstico de HPN.

A avaliação da resposta clínica à drenagem prolongada de LCR por cateter espinhal

apresenta a combinação de níveis elevados de sensibilidade (50% a 100%), especificidade

(60% a 100%) e valor preditivo positivo (80% a 100%). Este procedimento requer a

hospitalização do paciente e uma equipe de enfermagem treinada no manejo da drenagem

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externa de LCR e pode ser associado a taxas elevadas de complicações (infecção, irritação

de raízes nervosas).

Tratamento

O tratamento de HPN é a derivação cirúrgica, com desvio do LCR do sistema

ventricular ou do espaço subaracnóideo lombar para um local distante (peritôneo, cavidade

pleural ou sistema venoso) onde é reabsorvido. Os sistemas mais freqüentemente utilizados

são a derivação ventrículo-peritoneal e a ventrículo-atrial. Como em qualquer

procedimento invasivo, na avaliação da relação risco:benefício devem ser levados em

consideração as comorbidades, o estado funcional e a expectativa de vida do paciente.

Há vários tipos de válvulas disponíveis no mercado, classificáveis como de baixa,

média e alta pressão, mas que ocasionalmente apresentam dificuldades decorrentes da

super ou subdrenagem de LCR. Recentemente foi lançado um novo tipo de válvula, a

ajustável ou programável, projetada para a pressão variar entre 20 e 200mmH2O,

ajustando-a por via transcutânea através de um equipamento magnético. Esta válvula é

particularmente benéfica, pois permite a correção de forma não invasiva da velocidade de

drenagem do LCR. Apresenta, no entanto, a limitação da susceptibilidade aos campos

magnéticos da ressonância magnética ou até mesmo de pequenos imãs (tais como os de

cozinha) que podem alterar o ajuste da pressão do LCR. O paciente deve ser orientado para

que, após a realização de ressonância magnética, a pressão da válvula seja re-programada,

assim que possível, para evitar a super ou subdrenagem de LCR.

Riscos e Complicações

Embora a derivação do LCR seja um procedimento neurocirúrgico relativamente

simples, existem algumas complicações tais como hematoma intracerebral, infecção,

obstrução, cefaléia por hipotensão liquórica por excesso de drenagem e higroma. A

complicação mais freqüente é a obstrução, manifestada pela recorrência dos sintomas

iniciais de HPN após um período de recuperação.

O consenso de HPN aponta como complicações: mal-funcionamento da válvula

(20%), hematoma subdural (2% a 17%), crises epilépticas (3% a 11%), infecção (3% a

6%) e hematoma intracerebral (3%).

Evolução

A taxa de melhora varia de 30% a 96%, dependendo da casuística analisada. Uma

meta-análise publicada em 2001 apontou que 59% dos pacientes melhoraram com a

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derivação e que em 29% o benefício foi duradouro. Embora todos os sintomas possam

desaparecer após a cirurgia, o maior benefício é na marcha. Os autores constataram

melhora de todos os sintomas de HPN em 46% dos pacientes e de pelo menos um dos

sintomas em 75% dos casos. No total, 93% tiveram melhora na marcha, mas somente

metade dos pacientes melhorou da demência e da incontinência urinária. O tempo é um

fator determinante no prognóstico: quanto mais prolongado o quadro de HPN, pior a

resposta da derivação.

Dos três sintomas clássicos, o comprometimento cognitivo é o de recuperação mais

difícil.

Conclusões

A HPN é uma condição potencialmente tratável, caracterizada por distúrbio da

marcha, demência e incontinência urinária e que, portanto, deve ser incluída no diagnóstico

diferencial de pacientes idosos apresentando tais sintomas.Os pacientes são categorizados

como tendo HPN provável, possível e improvável, de acordo com a história, exame

neurológico, avaliação de neuroimagem e testes complementares. O tratamento consiste na

interposição de válvula para drenagem do LCR e a seleção adequada dos pacientes é

associada à melhora significativa do quadro clínico.

The neurological disorder associated with thyroid autoimmunity. Ferracci F et al. J

Neurol, 2006, no prelo.

O interesse pela encefalopatia de Hashimoto é relativamente recente e muitos

aspectos são ainda controversos, particularmente em relação ao quadro clínico, diagnóstico

e tratamento. Há basicamente duas idéias difundidas: a) o diagnóstico de encefalopatia de

Hashimoto é baseado na associação de tireoidite autoimune e sintomas neuropsiquiátricos,

após exclusão de outras causas mais comuns; b) os corticosteróides representam o

tratamento de escolha. Fundamentado nesses dois conceitos, surgiu a proposta da nova

denominação de Encefalopatia Associada com Tireoidite Autoimmune Sensível ao

Corticosteróide (steroid-responsive encephalopathy associated with autoimmune thyroiditis

– SREAT). Entretanto, como o epônimo permanece sendo a denominação mais difundida,

ele será mantido no artigo.

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A busca no PUBMED aponta 97 artigos sobre encefalopatia de Hashimoto, com

descrição de 121 pacientes com quadros neurológicos atribuíveis à doença, sendo 97

mulheres (80%), numa proporção mulher:homem de 4:1. A idade variou de 8 a 86 anos,

com média de 46 anos, sendo portanto uma doença de média idade, embora 17 casos

tivessem menos que 15 anos de idade.

Manifestações clínicas

A apresentação clínica é extremamente variável, nas mais diversas combinações de

sintomas que podem remitir, persistir ou reaparecer com características distintas. Pode ser

mono-sintomática com alteração psiquiátrica, mielopatia progressiva, demência, crises

epilépticas, parestesias ou síndrome cerebelar. Neste panorama nebuloso, um estudo com

20 pacientes com encefalopatia de Hashimoto descreveu dois quadros clínicos diferentes.

O tipo “vasculítico” caracterizado por episódios do tipo vascular, com déficits

neurológicos focais, acompanhados ou não de crises e comprometimento da consciência. O

tipo “progressivo difuso” caracterizado por declínio mental progressivo levando à

demência ou psicose, com ou sem crises. Estes dois tipos podem se sobrepor. Embora

outros sintomas sejam também descritos na encefalopatia de Hashimoto, atualmente, as

variedades aguda e progressiva continuam sendo o único esquema classificatório aplicável

à doença.

Crises epilépticas e mioclonias são as manifestações mais freqüentes na

encefalopatia de Hashimoto, ocorrendo em 52% e 37%, respectivamente. As crises têm

sido descritas como do tipo grande mal (78%) embora possam ser do tipo parcial simples

ou complexa, com generalização secundária (17%) ou sob a forma de estado de mal (13%).

O comprometimento da consciência é descrito como sintoma independente de crises,

variando de hipersonolência até coma. Os déficits focais podem ser transitórios ou

permanentes, envolvendo a motricidade e a sensibilidade, e representam os episódios

“vasculares” que eram descritos como manifestações freqüentes nas primeiras publicações

sobre a doença. A demência, depressão, sinais cerebelares, síndromes piramidal e

extrapiramidal são típicos da variedade “progressiva” da encefalopatia de Hashimoto. O

déficit cognitivo difere de acordo com a faixa etária: nas crianças a dificuldade de

aprendizado e, nos adultos, distúrbios da memória assim como afasia ou apraxia. Num dos

casos da literatura, o grau de comprometimento era tal que estava sendo diagnosticado

como doença de Alzheimer. Em outros, a combinação de comprometimento cognitivo,

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crises, ataxia e mioclonias sugeriam o diagnóstico de doença de Creutzfeldt-Jakob. O

tremor é outro sinal freqüente na encefalopatia de Hashimoto, observado em 28% dos

casos. Pode ser do tipo postural (62%), de ação (21%) ou de repouso (15%), ou mesmo a

combinação entre si. O espectro de distúrbios psiquiátricos é amplo. A depressão é

freqüentemente um sintoma inaugural de caráter insidioso. As mudanças de personalidade

variam de ansiedade e emocionalidade excessiva até surtos de furor e comportamento

agressivo ou franca paranóia. Podem ser acompanhados de crises, depressão, confusão e

agitação, ou representar a única manifestação da encefalopatia de Hashimoto. Alguns

pacientes apresentam sinais piramidais ou extrapiramidais.

Achados laboratoriais

O diagnóstico é baseado no exame de sangue, revelando uma elevada concentração

sérica de anticorpos anti-tireóide. Há questionamentos se o título de anticorpos estaria

relacionado com a intensidade do comprometimento clínico, não havendo concordância de

opiniões.

A pesquisa de anticorpos anti-tireóide no LCR revelou resultado positivo em vários

pacientes com encefalopatia de Hashimoto, mas não em todos.

O EEG não apresenta anormalidades específicas. A mais freqüente é a lentificação

difusa do traçado de fundo, com ondas delta.

Os exames de neuroimagem são também inespecíficos, podendo ser inteiramente

normais ou revelar, ocasionalmente, atrofia cerebral. A espectroscopia na RM pode revelar

redução de N-acetil-aspartato e uma elevação de colina nos lobos frontais.

Evolução e Tratamento

Apesar de várias estratégias terem sido adotadas, o corticosteróide é a medicação de

escolha. O tipo, dose e esquemas da corticoterapia são amplamente variáveis. Outros tipos

de medicamentos têm sido utilizados como azatioprina, ciclofosfamida, methotrexate,

plasmaferese, imunoglobulina EV, etc. Por ser a corticoterapia a mais freqüentemente

adotada, o número de pacientes que melhoram com esse tratamento é, naturalmente, maior.

Deve-se, contudo, salientar que há registros de melhora espontânea, sem qualquer

medicamento. Portanto, é mais correto dizer que o paciente com encefalopatia de

Hashimoto melhore “com corticosteróide” ao invés de “por causa do corticosteróide”.

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The Neurology of menopause. Henderson VW. The Neurologist, 12: 149, 2006.

A Neurologia da menopausa envolve os seguintes aspectos: 1- a menopausa é um

processo natural vivenciado por cerca de meio bilhão de pessoas no mundo; 2- as

modificações hormonais podem influir ou desencadear doenças neurológicas e 3- a terapia

hormonal prescrita no tratamento dos sintomas da menopausa pode também acarretar

conseqüências neurológicas.

Com a menopausa, o estradiol e a progesterona não são mais produzidos pelo

ovário e as menstruações cessam. A idade média da menopausa é de 51 anos, variando de

42 a 58 anos, mas não há um marcador biológico do evento. A menstruação final, o evento

definidor da menopausa natural, pode ser identificada apenas retrospectivamente após 12

meses de amenorréia. A produção ovariana de estrógeno começa a declinar 1 ou 2 anos

antes do último período menstrual e atinge um valor mínimo estável cerca de 2 anos após a

menopausa.

O cérebro sofre a ação de hormônios esteróides, incluindo os gonadais (estrógeno,

progesterona, andrógeno) e os adrenocorticóides. As modificações hormonais relacionadas

com a menopausa e com o uso de medicamentos hormonais na menopausa têm o potencial

de acarretar uma série de conseqüências neurológicas e neuropsiquiátricas que ocorrem a

partir desse período de vida, tais como distúrbios afetivos, ansiedade, doença de

Alzheimer, epilepsia, meningeoma, enxaqueca, esclerose múltipla, síndromes álgicas,

doença de Parkinson, esquizofrenia, distúrbios do sono e acidente vascular cerebral. Os

autores focalizam 4 dessas doenças:

Acidente Vascular Cerebral (AVC)

A incidência de AVC aumenta significativamente com a idade e a freqüência é

maior nos homens que nas mulheres; a idade média do AVC é de 70 anos no homem e de

75 anos na mulher. Essas diferenças sugerem algum papel dos esteróides gonadais na

patogênese do AVC. Apesar dos dados da pesquisa básica, a literatura observacional não

sugere que haja uma relação clara entre a terapia hormonal e AVC.

Epilepsia

Em muitas mulheres com epilepsia, há uma tendência de recorrência de crises nas

diferentes fases de seu ciclo menstrual (epilepsia catamenial), com aumento da freqüência

das crises no período pré-menstrual ou durante a menstruação; em outras pessoas, há

exacerbação das crises durante a fase ovulatória ou tardiamente num ciclo anovulatório.

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Nas mulheres com epilepsia, o descontrole das crises pode promover o início mais precoce

da menopausa, antecipando em cerca de 3 anos naquelas com crises freqüentes em relação

àquelas com crises controladas. Os efeitos da menopausa e da terapia hormonal sobre as

crises foram pouco estudados até o momento.

Doença de Parkinson

A coréia gravídica, em que os movimentos anormais surgem durante a gravidez e

desaparecem durante o puerpério, tem sido reconhecida como indicativa de uma relação

entre os movimentos involuntários e os hormônios ovarianos. Mas a doença mais freqüente

envolvendo anormalidades de movimentos é a de Parkinson e há alguns dados indicando

que o estrógeno modifique suas manifestações. Mulheres com essa doença relatam uma

exacerbação sintomatológica precedendo ou durante a menstruação, isto é, quando os

níveis de estrógeno circulante estão mais baixos. Entretanto, a literatura observacional a

respeito da relação entre a doença de Parkinson com os fatores reprodutivos ou com a

terapia hormonal permanece totalmente confusa e contraditória.

Doença de Alzheimer

As mulheres freqüentemente queixam de distúrbios da memória no período

perimenopausal, chegando a cifras de 60%. Entretanto, a queixa pode envolver uma série

de sintomas rotulados como sendo memória fraca, tais como falta de concentração,

dificuldade de lembrar nomes, esquecimento da razão pela qual entrou num cômodo da

casa ou o esquecimento de compromissos e fatos. Apenas a última queixa poderia refletir

uma dificuldade na memória, dependente do hipocampo e de outras estruturas do lobo

temporal. As pesquisas experimentais sugerem que o estrógeno desempenharia um papel

no aprendizado e na memória. Nas mulheres, com o declínio dos níveis circulantes de

estradiol no processo de transição menopausal, poder-se-ia esperar o comprometimento da

memória e talvez de outras funções cognitivas. Entretanto, os estudos não têm avaliado

especificamente esta questão. Da mesma forma, as evidências sobre a terapia hormonal na

cognição em mulheres idosas são inconsistentes. Por sua vez, alguns estudos sobre a

administração da terapia hormonal em mulheres com doença de Alzheimer têm revelado

algum benefício, mas envolvem casuística pequena e um período de seguimento

demasiadamente curto. Os estudos com maior número de sujeitos, mas de qualquer modo

ainda relativamente pequeno, conduzidos por período de tempo maior, não sugerem que a

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terapia hormonal beneficie os aspectos cognitivos, funcionais e globais da doença de

Alzheimer.

Perspectivas e Conclusões

A Neurologia da menopausa não tem como motivação promover uma futura

fragmentação dentro da Neurologia e sim a conscientização dos neurologistas que atendem

adultos sobre as questões relacionadas com a menopausa e as terapias hormonais. Na

epilepsia e na doença de Parkinson os dados disponíveis fornecem poucas respostas,

havendo controvérsias. No entanto, para AVC e doença de Alzheimer há respostas pelo

menos parciais. A terapia hormonal não reduz a incidência de AVC, havendo algumas

evidências indicando que a incidência de AVC isquêmico possa ser maior. E em que

dimensão? Segundo os ensaios de the Women’s Health Initiative, o risco foi de 8 episódios

de AVC/10.000 indivíduos/ano para estrógeno associado a progesterona e de 12

eventos/10.000 pessoas/ano para o estrógeno isoladamente. Em termos absolutos, essas

cifras indicam uma diferença modesta, mas após 10 anos de uso de terapia hormonal o

risco cumulativo atinge cerca de 1%. Baseado nesses dados, a conclusão é que a terapia

hormonal não pode ser recomendada para prevenção de AVC. A administração de

hormônios é provavelmente ineficaz para memória nas mulheres mais idosas ou nas que já

apresentam demência por doença de Alzheimer.

Severe head injury and the risk of early death. Bot GR et al. J Neurol Neurosurg

Psychiatry, 77: 1054, 2006.

O traumatismo crânio-encefálico grave é a principal causa de morbidade e de

mortalidade na população inferior a 40 anos de idade em todas os países industrializados.

O coeficiente de letalidade varia, atualmente, de 30% a 50%, cifras muito semelhantes aos

registrados há 30 anos, apesar de todos o desenvolvimento da ciência. Adicionalmente,

nenhum dos ensaios sobre medidas de neuroproteção tem mostrado resultado positivo.

Umas das razões dessa falha poderia ser a inclusão de pacientes com alta probabilidade de

morte precoce. Este estudo retrospectivo teve como objetivo desenvolver um modelo para

identificação desses casos.

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No período de Janeiro de 1987 a Agosto de 1999, foram analisados 895 pacientes

com traumatismo crânio-encefálico grave (excluindo armas de fogo), submetidos a

tomografia computadorizada nas primeiras 6 horas, procurando os fatores associados com

morte precoce (primeiras 48 horas).

A taxa de morte precoce ocorreu em 20% dos casos e os fatores preditivos foram:

lesões com efeito de massa, comprometimento difuso, flacidez, midríase não reativa

bilateral, drenagem de massa, idade igual ou superior a 65 anos, postura de descerebração e

choque. O modelo prognóstico identificou 93% dos pacientes.

Concluem os autores que o modelo prognóstico indicativo de morte precoce é

baseado em dados clínicos e radiológicos simples que são plenamente identificáveis nas

primeiras 6 horas após o trauma.

Post-traumatic epilepsy: an overview. Agrawal A et al. Clin Neurol Neurosurg, 108:

433, 2006.

A epilepsia pós-traumática é definida como uma doença com recorrência de crises

secundariamente a traumatismo crânio-encefálico. Pode ser classificada como sendo crises

imediatas (<24 horas após o trauma), precoces (< 1 semana) ou tardias (> 8 dias).

A incidência é maior nos adultos jovens por ser esta faixa etária a mais susceptível

ao trauma crânio-encefálico. Representa cerca de 20% dos casos de epilepsia sintomática

na população geral e de 5% de todos os casos nos centros especializados em epilepsia. As

cifras são muito maiores (até 50%) na população militar, pois incluem os casos com armas

de fogo. A incidência de crises imediatas é de 1-4%, a de crises precoces 4-25% e a de

crises tardias 9-24% dos traumas na população civil. Aproximadamente 80% dos pacientes

com epilepsia pós-traumática apresentam sua primeira crise nos primeiros 12 meses após o

trauma e mais de 90% nos primeiros dois anos. Nos ferimentos à bala, o risco é de 50%

(nos pacientes seguidos por até 15 anos).

Os fatores do trauma relacionados a um risco elevado de crises são: duração da

perda da consciência, trauma por arma de fogo, hemorragia intracerebral, contusão cerebral

difusa, amnésia pós-traumática prolongada (3 dias), hematoma subdural agudo com

drenagem cirúrgica, crise pós-traumática precoce e fratura com afundamento. A contusão

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cerebral e o hematoma subdural são os maiores fatores de risco, perdurando por até 20

anos.

A investigação de uma crise num paciente vítima de trauma craniano recente deve

focalizar a possibilidade de ter sido causada por alguma anormalidade bioquímica, tal

como hiponatremia, ou sangramento intracraniano.

O EEG é útil para esclarecer a localização e gravidade, mas não serve como

indicador de desenvolvimento futuro de epilepsia pós-traumática num indivíduo isolado.

Embora a ressonância magnética seja o exame de neuroimagem de escolha, a

tomografia computadorizada pode permitir a visualização da anormalidade subjacente,

assim como indicar a necessidade de intervenção urgente (p. ex. hematoma intracraniano,

ou fratura com afundamento). Há evidências de que a presença de lesão hemorrágica

cerebral é um dos fatores mais fortes como indicador do surgimento de epilepsia pós-

traumática precoce ou tardia.

A ocorrência de crises no período pós-traumático imediato pode causar dano

cerebral secundário às modificações metabólicas, elevação da pressão intracraniana e

excesso de liberação de neurotransmissores. É, portanto, recomendado o pronto tratamento

da epilepsia pós-traumática precoce. Apesar das preocupações quanto a reações colaterais

de drogas anti-epilépticas durante o período agudo do trauma, os estudos experimentais

mostram que esses medicamentos possuem efeito neuroprotetor.

Os medicamentos disponíveis são: fenitoína, valproato de sódio, carbamazepina e

fenobarbital. Na maioria dos casos, é aconselhável a administração EV pela condição do

paciente, sendo a fenitoína a droga de escolha (os autores apontam também valproato de

sódio por via EV).

Quanto à administração preventiva de drogas antiepilépticas, uma enquete

envolvendo 127 serviços de neurocirurgia mostrou que 36% não tratam preventivamente

os pacientes vítimas de trauma, 12% prescrevem drogas antiepilépticas e os demais 52%

condicionam aos fatores de risco individuais. A fenitoína e a carbamazepina são úteis na

prevenção de epilepsia pós-traumática precoce nos indivíduos com alto risco. Entretanto,

fenitoína, a carbamazaepina e o fenobarbital não são recomendados para a prevenção da

epilepsia tardia. A fenitoína é a mais indicada para o controle das crises precoces, mas

deve ser utilizada apenas no tratamento imediato de crises tônico-clônicas repetidas

ocorrendo nas primeiras 24-48 horas. Se o tratamento for dado por apenas uma semana, o

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risco de reações colaterais agudas é reduzido. Após a primeira semana, não está indicado o

uso rotineiro para prevenção de crises, principalmente nos indivíduos com lesões isoladas e

cujo risco seja relativamente baixo. Entretanto, naqueles com epilepsia precoce, lesões

penetrando a dura, contusões múltiplas ou drenagem de hematoma subdural agudo a

medicação pode ser prolongada por mais tempo.

Conclusões

A epilepsia pós-traumática é uma condição amplamente prevenível, posto que sua

causa, o trauma craniano, é passível de prevenção. As estratégias preventivas são variáveis

de acordo com as necessidades; da mesma forma que é obrigatório o uso de capacete na

condução de bicicletas nos países desenvolvidos, há necessidade de conscientização e

educação nos países em desenvolvimento. Os pacientes com epilepsia pós-traumática

necessitam de seguimento para revisão da medicação, monitoramento de reações

colaterais, avaliação neurológica periódica e exame neuropsicológico para detecção de

alguma disfunção cognitiva. A epilepsia pós-traumática precoce deve ser tratada

prontamente. Após a primeira semana, não está indicado o uso rotineiro de medicamento

profilático, particularmente nos indivíduos com lesões isoladas e naqueles com risco

relativamente baixo de crises. Os pacientes com epilepsia precoce, lesão penetrante de

dura, múltiplas contusões e drenagem de hematoma subdural agudo podem necessitar da

administração de medicamentos anti-epilépticos por um período maior que uma semana.

Weight change and antiepileptic drugs. Health issues and criteria for appropriate

selection of an antiepileptic agent. Biton V. The Neurologist, 12: 163, 2006.

As drogas antiepilépticas (DAE) constituem uma grande diversidade de

medicamentos, com diferentes mecanismos de ação e perfis de reação colateral.

Modificações no peso corporal, seja ganho seja perda, representam reações adversas,

envolvendo múltiplos riscos de morbidade adicional.

As conseqüências negativas do ganho de peso com o uso de determinadas DAE são

potencialmente significantes tanto para a saúde do paciente como para o controle dos

sintomas epilépticos.

Ganho de peso

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O sobrepeso e a obesidade são fatores de risco independentes para o

desenvolvimento de diabete e síndrome metabólica, doença coronariana e hipertensão.

Podem estar associados também com osteoartrite, câncer de próstata e apnéia obstrutiva do

sono. A não aderência aos esquemas medicamentosos, como resultado do ganho de peso,

tem sido documentada com vários produtos. Embora a não aderência especificamente às

DAE por causa do ganho de peso não tenha sido analisada, os pesquisadores têm notado

essa associação, demonstrada na prática pelo descontrole de crises.

As DAE associadas com ganho de peso são: carbamazepina, gabapentina,

progabalina e valproato.

Perda de peso

A perda de peso, uma reação colateral associada a várias DAE, pode ser

considerada benéfica ou prejudicial à saúde do paciente, dependendo, em parte, da

condição de seu peso. Para pessoas obesas, a perda de peso pode representar um menor

risco de doença cardiovascular ou cerebrovascular, de diabete e de dislipidemia. Para

pessoas normais ou magras, o risco de nutrição inadequada pode acarretar conseqüências

indesejáveis e comorbidades adicionais.

Três DAE – topiramato, felbamato e zonisamida – são tidas como causadoras de

perda de peso, através de mecanismos pouco conhecidos, embora do ponto de vista clínico

seja mais por perda do apetite ou anorexia. Curiosamente, a perda do apetite tem sido

observada não apenas com DAE que provocam perda do peso, mas também com o

valproato, uma DAE associada com ganho de peso.

Seleção adequada de medicamentos antiepilépticos

A maioria das DAE apresenta eficácia adequada para a maioria dos pacientes com

epilepsia e quase a metade dos casos novos obtém remissão total das crises com a primeira

DAE. Isto, no entanto, não significa que todas tenham o mesmo efeito, mas sim que se

deve destacar a importância da tolerabilidade individual na escolha da DAE.

Associação de drogas

As possíveis interações entre diferentes medicamentos podem ocorrer na

administração múltipla de DAE ou de outras drogas. Os antipsicóticos atípicos que são

freqüentemente associados a DAE representam uma potencial interação pois a maioria tem

o risco de ganho de peso e de disfunção metabólica. Tem havido relatos de ganho

16

dramático de peso com olanzapina com risco aumentado de diabete. Outros antipsicóticos,

como risperidona e quetiatina, têm também sido associados à disfunção metabólica.

Medicamentos associados à perda de peso são motivos de preocupação quando

administrados conjuntamente a DAE com o mesmo tipo de reação colateral. Por exemplo,

certos inibidores da recaptação de serotonina, como a fluoxetina e o citalopram, podem

causar perda de peso e acarretar conseqüências indesejáveis na associação com DAE

relacionadas com redução de peso.

População pediátrica

As reações colaterais de ganho ou de perda de peso podem estar exacerbadas nas

crianças. Nos adolescentes, a não aderência ao esquema terapêutico é a principal causa de

controle inadequado das crises.

O valproato, uma das DAE mais fortemente vinculadas ao ganho de peso, tem sido

associado com taxas elevadas de obesidade nas meninas entre 8 e 18 anos. Distúrbios no

desenvolvimento, tais como na estatura reduzida e hiperandrogenismo, têm sido vistos em

pacientes pediátricos com epilepsia.

População idosa

O efeito sobre o peso na população idosa recebendo DAE não tem sido

adequadamente estudado. Entretanto, seu ritmo metabólico relativamente reduzido torna

esse grupo etário mais susceptível a ganho de peso que os pacientes mais jovens. Outra

consideração é a presença de comorbidades, aumentando a chance de associação de

medicamentos, com riscos de alteração do metabolismo hepático, de diabete e de

resistência a insulina, associados com o ganho de peso e obesidade.

Mulheres

Além das preocupações quanto ao sobrepeso, diabete e doenças circulatórias, nas

mulheres há a questão do risco de mal-formações congênitas como os defeitos do tubo

neural (p. ex. espinha bífida) por exposição ao valproato ou à carbamazepina durante a

gravidez.

Manejo de mudanças do peso induzidas por medicamento antiepiléptico

O monitoramento do peso do paciente recebendo DAE é fundamental. A

autoavaliação por parte do paciente em verificar seu peso periodicamente é também

procedimento válido, particularmente nos casos em que o intervalo dos retornos passa a ser

17

maior, por controle adequado das crises. Deve-se também verificar periodicamente os

valores de lipídios.

No início do tratamento de epilepsia, deve-se escolher preferencialmente alguma

DAE com menor risco de modificar o peso. Nos pacientes recebendo DAE e apresentando

reações indesejáveis quanto ao peso, é recomendável a substituição por aquelas com baixa

interferência, isto é, DAE do tipo neutro, como lamotrigina, levetiracetam e fenitoína, ou

de DAE com efeito indefinido sobre o peso, como etosuximida, fenobarbital,

oxcarbazepina, e tiagabina. Num recente trabalho, a substituição de valproato por

lamotrigina em pacientes com epilepsia mioclônica juvenil não acarretou prejuízos no

controle das crises. Da mesma forma, em outro estudo, os pacientes com crises parciais

tiveram a carbamazepina substituída por oxcarbazepina, sem qualquer intercorrência.

Preventing pressure ulcers: a systematic review. Reddy M et al. JAMA, 296: 974, 2006.

A úlcera de decúbito é uma complicação freqüente em pessoas idosas e naquelas

com limitações físicas, podendo comprometer a recuperação funcional, facilitar o

surgimento de infecções e determinar pior prognóstico. Além de contribuir para a

mortalidade prematura, a úlcera de decúbito representa um impacto financeiro substancial:

um estudo alemão mostrou que os custos associados com seu cuidado estiveram em

terceiro lugar, precedidos apenas pelo câncer e pelas doenças cardiovasculares.

Há várias propostas de prevenção de úlceras de decúbito e a finalidade do presente

estudo é a revisão sistemática sobre o tema. Os autores analisaram as principais

publicações até Junho de 2006 e selecionaram 59, por constituírem ensaios randomizados e

controlados, com 13845 pacientes e envolvendo 3 categorias de intervenção: na

mobilidade, nutrição e cuidado da pele, através da adoção de diferentes estratégias tais

como o uso de colchões, camas e almofadas com composições, envoltórios e mecanismos

dinâmicos distintos para reduzir a pressão do peso do corpo sobre a pele e tecido

subcutâneo, reposicionamentos freqüentes do corpo com mudança de decúbito a cada 2 ou

4 horas, exercícios e tratamento da incontinência fecal e urinária, suplementação

nutricional, aplicação tópica de pomadas contendo diversos produtos, etc. Entretanto, a

qualidade metodológica dos estudos foi muito variável e, na maioria das vezes, sub-ótima,

18

com sérias limitações. Apesar disso, baseado nas evidências dos poucos trabalhos

metodologicamente adequados, pode-se concluir que a superfície de apoio, a mudança de

decúbito, a otimização da condição nutricional e o umedecimento da pele na região sacral

representam estratégias válidas para a prevenção da úlcera de decúbito. Há, de qualquer

modo, necessidade no futuro de estudos metodologicamente mais adequados permitindo

melhor avaliação das diferentes intervenções na prevenção de úlceras de decúbito.

The “gender gap” in authorship of academic medical literature. A 35-year

perspective. Jagsi R et al. N Engl J Med, 355: 281, 2006.

Nas últimas 4 décadas, a participação da mulher na Medicina tem aumentado

dramaticamente. Atualmente, as mulheres representam 49% de todos os estudantes de

Medicina, enquanto perfaziam 6% em 1960. No total, 25% dos médicos dos Estados

Unidos da América são do sexo feminino, assim como 32% dos membros das faculdades

médicas em tempo integral. Entretanto, as mulheres continuam sendo sub-representadas

nos cargos mais elevados da medicina acadêmica: 10% são diretoras de faculdades

médicas, 11% chefes de departamento e 14% professores titulares de escolas médicas.

A publicação em revistas médicas representa importante medida da produtividade

acadêmica. É também altamente valorizada no processo de promoção acadêmica, além de

um importante meio pelo qual a comunidade médica acadêmica se comunica.

Neste estudo os autores examinaram a produção feminina na autoria (primeiro e

último autores) de artigos originais em 6 revistas médicas de maior prestígio, publicadas

nos EUA, abrangendo as principais áreas de atuação médica: N Engl J Med, JAMA, Ann

Intern Med, Ann Surg, Obstet Gynecol e J Pediatr, nos anos de 1970, 1980, 1990, 2000 e

2004. Procuraram também nos editoriais escritos por convidados de duas revistas gerais: N

Engl J Med e JAMA.

De um total de 7249 autores de artigos originais que possuíam o título de médico e

pertenciam a instituições americanas, 15,9% dos primeiros autores e 10,3% dos últimos

autores eram mulheres. A análise dos dados relativos aos anos demonstrou um incremento

significativo desde 1970. A proporção de mulheres na posição de primeiro autor aumentou

de 5,9% para 29,3% e na de último autor de 3,7% para 19,3%. O incremento foi mais

19

evidente nas revistas especializadas de obstetrícia (Obstet Gynecol) e de pediatria (J

Pediatr), permanecendo numa taxa baixa nas relacionadas à cirurgia (Ann Surg). Em 2004,

nas três revistas gerais (Ann Intern Med, JAMA e N Engl J Med) as mulheres surgiram

como primeiro autor em 23,2% e como último em 12,7%. A autoria de editoriais na revista

N Engl J Med foi feminina em 8,8% no total, sendo 1,5% em 1970, 2,4% em 1980, 9,7%

em 1990, 20,4% em 2000 e 11,4% em 2004. No JAMA, aparecem num total de 10%,

sendo 0% em 1970, 2% em 1980, 7,4% em 1990, 10% em 2000 e 18,8% em 2004.

Apesar desse incremento global, a comparação dos dados de 2004 com 2000 sugere

que tenha havido um arrefecimento do movimento ascendente, tanto na autoria de artigos

como de editoriais.

Concluem os autores que apesar dos resultados confirmarem a percepção de que as

mulheres apresentaram uma elevação substancial de publicações nas últimas 4 décadas,

continua existindo uma importante diferença entre os sexos na autoria de artigos originais

nas revistas médicas de grande prestígio.

The scientific production of Brazilian neurologists: 1995-2004. Nitrini R. Arq

Neuropsiquiatr, 64: 538, 2006.

A produção científica brasileira mais do que quadruplicou desde 1990. O objetivo

deste estudo foi avaliar a evolução da produção científica dos neurocientistas clínicos

brasileiros nos últimos 10 anos. A pesquisa realizada no PUBMED identificou 295

neurocientistas clínicos e suas publicações. A produção científica brasileira representou

2,3% dos artigos publicados pelos 20 periódicos indexados que regularmente publicam

pesquisas em neurociência clínica. Quando somente os primeiros e últimos dois anos

forem comparados, houve crescimento real de 75,1%. Mais de 40% dos artigos brasileiros

foram publicados em Arquivos de Neuro-Psiquiatria, o jornal oficial da Academia

Brasileira de Neurologia. Quando apenas os periódicos com fator de impacto superior a 1

foram considerados, a percentagem caiu para 0,86% no período total, mas atingiu 1,23%

em 2004. Epilepsia e doenças infecciosas foram as subáreas com a maior produção

científica. Conclui o autor que o crescimento do número de publicações é decorrente do

20

desenvolvimento dos programas de pós-graduação e aos rígidos critérios de avaliação

desses programas pela CAPES.

Clinical recognition of meningococcal disease in children and adolescents. Thompson

MJ et al. Lancet, 367: 397, 2006.

A doença meningocócica é uma infecção rapidamente progressiva e de importância

global. Em surtos epidêmicos nos países em desenvolvimento, a incidência atinge cifras de

500/100.000 habitantes. Nos países desenvolvidos, é a principal causa infecciosa de óbitos

em crianças, com uma incidência de pelo menos 4 casos/100.000 habitantes e um

coeficiente de letalidade de 10%. Como o quadro pode evoluir muito rapidamente dos

sintomas iniciais até o óbito, em poucas horas, é imprescindível o diagnóstico precoce.

Uma das razões para que o médico atuando na comunidade pode considerar difícil o

diagnóstico é a pouca experiência na identificação da doença meningocócica. Por

conseguinte, a identificação do quadro depende da experiência do médico assistente no

hospital e das características clássicas como o rash hemorrágico, meningismo e

comprometimento da consciência que ocorrem tardiamente na doença.

Os autores procuram neste trabalho avaliar a seqüência e o desenvolvimento dos

sintomas e sinais precoces da doença meningocócica antes da admissão hospitalar.

Os dados foram obtidos através do questionamento dos pais dos pacientes que

tiveram doença meningocócica, dos médicos que prestaram o primeiro atendimento e dos

prontuários médicos.

Das 448 crianças com doença meningocócica, 103 faleceram; 296 (66%) das

crianças tiveram predominantemente septicemia, 99 (22%) meningite e 53 (12%) ambos

quadros. O sorogrupo do meningococo foi identificado em 307 casos (68%), sendo o

sorogrupo B em 152 (50%), o C em 146 (47%) e o W135 e o Y em 9 (3%). O óbito

ocorreu predominantemente nas crianças que apresentaram septicemia e que tiveram o

sorogrupo C.

O quadro clínico progrediu muito rapidamente na maioria das crianças. A mediana

de tempo entre o início dos sintomas e a admissão hospitalar foi de 22 horas nas crianças

mais velhas (15-16 anos) e menor nas mais jovens (13 horas nas menores de 1 ano, 14

21

horas naquelas entre 1-4 anos e 20 horas nas de 5-14 anos). As manifestações de

aparecimento mais precoce foram idênticas às de infecções virais auto-limitadas vistas no

atendimento primário. A febre foi a primeira manifestação percebida nas crianças menores

de 5 anos. Em 94% a febre surgiu em algum momento e as crianças mais jovens

apresentaram irritabilidade. Inapetência, náusea e vômitos foram de surgimento precoce

em todas a faixas etárias, com muitas delas apresentando também sintomas do trato

respiratório superior durando 4 horas nas crianças menores e até 8 horas nos adolescentes.

Em todas as faixas etárias, as primeiras manifestações clínicas específicas foram os

sinais e sintomas de sepsis: dor nas pernas, coloração anormal da pele, mãos e pés frios e,

nas crianças mais velhas, sede. A maioria das manifestações da sepsis surgiu antes do

primeiro atendimento médico.

O primeiro sinal clássico da doença meningocócica foi o rash, embora inespecífico

no início, e apenas tenha evoluído para petéquias e, finalmente, para manchas

hemorrágicas amplas no decorrer de várias horas.

O surgimento do quadro específico de meningite (rigidez de nuca, fotofobia,

abaulamento de fontanelas) foi tardio, somente 12-15 horas após o início da doença. As

manifestações tardias (inconsciência, delírio ou crises epilépticas) estiveram presentes com

mediana de 15 horas nos lactentes e de 24 horas nas crianças mais velhas.

A ordem de aparecimento dos sinais e sintomas em todas as faixas etárias foi febre,

seguida de manifestações de sepsis e, somente depois, os sinais clássicos de rash

hemorrágico, comprometimento da consciência e os sinais meníngeos. A mediana do

surgimento das características clássicas da meningococcemia (rash hemorrágico,

meningismo e comprometimento da consciência) foi de 13-22 horas. Em contraposição, a

mediana dos sintomas precoces, inespecíficos foi de 7-12 horas. Os pais de ¾ das crianças

tinham percebido pelo menos um dos sintomas precoces antes da admissão hospitalar.

Menos de 10% das crianças apresentaram sinais clássicos de meningismo ou

comprometimento da consciência sem que seus pais tivessem percebido o rash cutâneo ou

sinais precoces de sepsis. Considerando apenas 3 das manifestações de sepsis, dor nas

pernas, coloração anormal da pele e mãos e pés frios, 72% das crianças apresentaram uma

ou mais delas, perceptíveis com 8 horas de evolução, isto é, 11 horas antes da admissão

hospitalar.

22

Concluem os autores que o quadro clássico de rash, meningismo e

comprometimento da consciência surge apenas tardiamente na doença meningocócica. As

três manifestações clínicas precoces são dor nas pernas, mãos e pés frios e coloração

anormal da pele e estão presentes nas primeiras 12 horas da instalação e devem ser

reconhecidas no atendimento primário. Nas primeiras 4-6 horas do início da doença

meningocócica, as crianças apresentam manifestações inespecíficas tais como febre,

inapetência, náusea, vômitos e irritabilidade. O quadro então progride rapidamente num

período de algumas horas. É, portanto, extremamente importante que os pais sejam

orientados para uma reavaliação médica se o quadro se agravar. Da mesma forma, se o

médico considerar que os sintomas não exijam uma admissão hospitalar imediata, deve

marcar uma reavaliação clínica dentro de 4 a 6 horas, e não no dia seguinte.

Bat-transmitted human rabies outbreaks, Brasilian Amazon. Rosa et al. Emerg Infect

Dis, 12: 1197, 2006.

A transmissão de raiva através de morcegos tem aumentado de forma significativa

nos países da América do Sul, tornando-se problema de saúde pública em vários deles.

Este importante trabalho descreve dois surtos de encefalite por raiva ocorrendo nos

municípios de Portel e de Viseu, no estado do Pará, acarretando 21 óbitos. Foram isoladas

dez linhagens virais de raiva a partir do material cerebral e as análises antigênica e genética

evidenciaram tratar-se das mesmas variantes do vírus encontrado nos morcegos D.

rotundos, da região.

Os pesquisadores destacam ainda que muitos outros habitantes relataram terem sido

mordidos por morcegos repetidamente tendo, felizmente, recebido o tratamento pós-

exposição (soro e vacina).

Comentários Os neurologistas brasileiros devem estar cientes da importância da raiva

humana nos dias atuais, principalmente com a possibilidade da transmissão por morcegos,

lembrando que os relatos de mordedura por esses animais têm ocorrido em várias partes do

Brasil, inclusive em zonas urbanas. Segundo dados do Ministério da Saúde, foram

notificados 30 casos de raiva humana em 2004 e 44 casos em 2005.

23

Dengue infection: neurological manifestations and cerebrospinal fluid analysis. Soares

CN et al. J Neurol Sci, 2006, no prelo.

O comprometimento neurológico é considerado complicação rara na dengue. Os

autores relatam 13 casos atendidos em 2002 na cidade do Rio de Janeiro. Os quadros

neurológicos foram encefalite em 7 casos, mielite aguda em 2 e síndrome de Guillain-

Barré em 4.

A instalação do quadro neurológico variou de 4 a 30 dias após o início do período

febril da infecção. A mielite e a síndrome de Guillain-Barré tiveram instalação mais tardia

(mediana de 16 dias) que a encefalite (mediana de 7 dias).

Os autores ressaltam que nas regiões endêmicas, o vírus da dengue deve ser

considerado como possível agente etiológico de casos de encefalite, mielite e síndrome de

Guillain-Barré. Como a infecção pode ser oligosintomática, o número real de casos com

envolvimento neurológico pode estar sendo subestimado.

HIV/AIDS epidemiology, pathogenesis, prevention, and treatment. Simon V et al.

Lancet, 368: 489, 2006.

Excelente artigo de revisão sobre os mais recentes avanços das pesquisas sobre

HIV/Aids, tendo o Dr. David Ho como um de seus autores. Discute em profundidade os

medicamentos anti-retrovirais atualmente existentes, destacando que o acesso ao HAART

constitui uma necessidade humanitária absoluta para estancar a mortalidade da população

dos países mais pobres. Ressalta ainda que, na ausência de uma vacina protetora ou uma

cura, a prevenção e o acesso aos medicamentos anti-retrovirais são as melhores opções

para minorar a pandemia do HIV.

24

Neurological disease in HIV-infected patients in the era of highly active antiretroviral

treatment: a Brazilian experience. Oliveira JF et al. Rev Soc Bras Med Trop, 39: 146,

2006.

Com o objetivo de estudar as doenças neurológicas em pacientes infectados pelo

HIV e sua relação com a terapia anti-retroviral altamente ativa, os autores realizaram um

estudo transversal em um hospital público de doenças infecciosas de Belo Horizonte, no

período de 1999 a 2000. De um total de 417 pacientes admitidos no hospital, 194 (46,5%)

apresentaram comprometimento neurológico e um novo episódio de doença neurológica

definidora de aids em 23,7% dos casos. As principais complicações neurológicas foram

toxoplasmose (42,3%), criptococose (12,9%) e tuberculose (10,8%). A maioria dos

pacientes estava recebendo terapia anti-retroviral altamente ativa (79,3%) e esses

indivíduos apresentavam maior contagem de CD4 e maior freqüência de doença

neurológica clinicamente estável, embora não tenha havido diferença no perfil etiológico

das complicações neurológicas. O comprometimento neurológico continua sendo causa

freqüente de complicações da infecção pelo HIV no Brasil apesar do advento da terapia

anti-retroviral altamente ativa.

Human Immunodeficiency Vírus and the central nervous system. Almeida SM et al.

Braz J Infect Dis, 10: 41, 2006.

Excelente artigo de revisão sobre o comprometimento neurológico na aids,

discutindo os mecanismos fisiopatológicos, manifestações clínicas e tratamento da

agressão primária do sistema nervoso central pelo HIV. Apresenta uma tabela contendo as

concentrações das drogas anti-retrovirais no plasma e no LCR.

25

MOLÉSTIAS INFECCIOSAS Dr. Marcus Tulius T. Silva

Lack of association of herpesviruses with brain tumors. Poltermann S et al. J

Neurovirol, 12: 90, 2006

A pesquisa por partículas virais em doenças neurológicas crônicas e mesmo

tumorais não é recente, e freqüentemente é motivo de grande discordância entre os

pesquisadores envolvidos na área. Neste artigo, os autores iniciam relembrando que a

infecção viral pelo JC, BK vírus e membros da família herpesvirus já foi associada a

tumores cerebrais. Por exemplo, em 2002, publicou-se que de 27 biópsias cerebrais de

pacientes com glioma, todas apresentavam produtos genéticos diversos do CMV, enquanto

que em nenhuma amostra controle observou-se qualquer produto viral. Outra informação

conflitante disponível na literatura é em relação à presença de anticorpos específicos contra

alguns vírus em pacientes com tumores do sistema nervoso central (SNC). Já se descreveu

uma correlação inversa entre glioblastoma e a determinação de IgG específica contra os

vírus varicela zoster (VZV) e EBV. Diante destas incertezas, Poltermann et col

objetivaram avaliar a prevalência de produtos genéticos do CMV em tumores primários do

SNC e a prevalência de anticorpos específicos contra o CMV, o VZV, o EBV e o HSV no

soro de pacientes com tumor cerebral.

Eles avaliaram 77 pacientes com tumor primário do SNC (40 gliomas, 31

meningiomas e 6 neurinomas do acústico). Para avaliar a presença do DNA do CMV eles

utilizaram a técnica da PCR aninhada, amplificando várias seqüências diferentes de genes

específicos do CMV. A presença de proteínas específicas do CMV nas amostras dos

tumores foi também pesquisada através de imunohistoquímica, usando três anticorpos

monoclonais diferentes. Os autores não detectaram nem o DNA viral nem a presença de

partículas virias em nenhuma das amostras estudadas. Anticorpo específico do tipo IgM

contra um dos quatro vírus herpes não foi detectado em nenhum dos pacientes. A

soroprevalência para o CMV foi de 64%, para o HSV de 86%, para o EBV de 89% e para

o VZV de 92%. Estas soroprevalências são semelhantes às descritas na população geral da

Alemanha (país onde foi realizado o estudo).

26

Os resultados obtidos neste estudo não corroboram a hipótese de que a infecção

pelo CMV ou outros membros da família Herpesviridae esteja associada ao

desenvolvimento de tumores primários do SNC.

Do follow-up imaging examinations provide useful prognostic information in patients

with spine infection? Kowalski T et al. Clin Infect Dis, 43: 172, 2006.

A importância da RNM na condução dos casos de infecção espinhal ultrapassa,

hoje em dia, os limites do diagnóstico. Em muitos casos de infecção espinhal, a terapia

clínica tem sido a primeira escolha em detrimento da abordagem cirúrgica, e métodos de

acompanhamento clínico e radiológico eficientes são de capital importância para

assegurarmos a melhora neurológica. No entanto, exames seriados de neuroimagem são

dispendiosos e nem sempre disponíveis. Neste artigo, os autores se propõem a aplicar um

sistema de classificação radiológica escalonada, focado nos achados de alterações em

partes moles vistas por RNM realizadas entre 4 a 8 semanas após o início da terapia

antimicrobiana em pacientes com infecção espinhal.

Este estudo foi conduzido na Mayo Clinic e baseou-se em banco de dados

clínicos e de imagem de todos os pacientes admitidos de 1994 a 2002 com alguma infecção

espinhal. Eles atribuíram as definições radiológicas de melhorado, duvidoso e piorado

(improved, equivocal, worse) com base nas alterações da musculatura paraespinhal, do

músculo psoas e no espaço epidural, comparando o exame antes da terapia antimicrobiana

e após 4 a 8 semanas.

Foram incluídos 79 pacientes, nos quais a média de tempo de infecção era de

730 dias. Destes, 28% eram devido à infecção pós-procedimento neurocirúrgico. O germe

mais comum entre os 79 pacientes foi o S. aureus (44%). Houve uma forte correlação entre

a classificação radiológica e a possibilidade de cura microbiológica (100% dos que tiveram

critérios radiológicos de melhora estavam de fato curados microbiologicamente; p =

0.004). Houve também uma correlação entre a melhora dos parâmetros inflamatórios

(VHS, PCR) e a possibilidade de cura microbiológica.

A conclusão dos autores é que naqueles pacientes em que não se observa uma

queda dos marcadores biológicos de inflamação, o acompanhamento periódico por RNM

27

(4 a 8 semanas) pode estratificar os pacientes em risco de falência terapêutica. Naqueles

em que rapidamente se observa queda dos parâmetros inflamatórios, principalmente se

associada à melhora clínica e neurológica, há uma grande probabilidade de haver também

melhora radiológica e, conseqüentemente, microbiológica.

28

NEUROLOGIA COGNITIVA E DO ENVELHECIMENTO Dr. Francisco AC Vale

Alzheimer's disease. Blennow K et al. Lancet, 368: 387, 2006.

Excelente artigo de revisão sobre doença de Alzheimer, abrangendo epidemiologia,

genética, patogênese, diagnóstico e tratamento, como também desenvolvimentos recentes e

controvérsias.

Epidemiologia e fatores de risco

DA é a forma mais comum de demência, responsável por 50-60% de todos os

casos. Em 2001, mais de 24 milhões de pessoas tinham demência, um número que é

esperado duplicar a cada 20 anos até 81 milhões em 2040.

Envelhecimento é o principal fator de risco para DA. Outros fatores associados são

baixa escolaridade e baixa demanda ocupacional, atividades física e mental reduzidas,

trauma cranioencefálico e fatores associados a doença vascular (como hipercolesterolemia,

hipertensão, aterosclerose, doença coronariana, tabagismo, obesidade e diabete).

Ingesta dietética de vitaminas relacionadas a homocisteína (vitamina B12 e ácido

fólico), antioxidantes (como vitaminas E e C), ácidos graxos insaturados e quantidade

moderada de vinho, parecem associar-se a redução do risco de DA, mas os dados ainda não

são conclusivos.

Embora fatores ambientais possam aumentar o risco de DA esporádica, essa forma

da doença parece ter uma base genética significativa.

Genética

Do ponto de vista genético, DA é um transtorno heterogêneo com formas familiar e

esporádica.

DA familiar é um transtorno autossômico dominante com início antes dos 65 anos,

raro (prevalência abaixo de 0,1%). A primeira mutação identificada foi no gene da APP

localizado no cromossomo 21, mas explica apenas alguns casos familiares. Mutações nos

genes das presenilinas 1 e 2 explicam a maior parte dos casos familiares.

A forma esporádica está associada à APOE. O alelo ε4 aumenta o risco de DA em 3

vezes nos heterozigotos e em 15 vezes nos homozigotos. Cada cópia do alelo baixa a idade

de início em quase 10 anos.

29

Patogênese

Microscopicamente, as lesões características da DA são placas senis ou neuríticas e

emaranhados neurofibrilares juntamente com degeneração neuronal e sináptica. Vários

mecanismos patogênicos têm sido estudados, incluindo agregação e deposição do Aβ com

desenvolvimento das placas, hiperfosforilação da tau com formação dos emaranhados,

disfunção neurovascular, e outros mecanismos, como anormalidades do ciclo celular,

processos inflamatórios, estresse oxidativo e disfunção mitocondrial.

Achados clínicos

DA é um transtorno lentamente progressivo, com início insidioso e

comprometimento progressivo da memória episódica; sinais instrumentais incluem afasia,

apraxia e agnosia, juntamente com prejuízo do julgamento, decisão e orientação.

Diagnóstico

A base é a história médica juntamente com o exame clínico, neurológico e

psiquiátrico. Em casos muito iniciais, uma avaliação neuropsicológica pode ser útil.

Exames laboratoriais causas secundárias de demência e doença coexistentes. Neuroimagem

ajuda a excluir outras causas e a demosntrar a atrofia cerebral. Um diagnóstico definitivo

de DA somente pode ser feito pela neuropatologia.

Tratamento

O conhecimento de distúrbios de neurotransmissores na DA tem levado ao

desenvolvimento de fármacos com efeitos sintomáticos, aprovados em muitos países.

Presentemente há os inibidores da acetilcolinesterase (donepezil, galantamina e donepezil)

e a memantina, de ação antiglutamatérgica.

Avanços nas pesquisas sobre a patogênese molecular da DA tem levado a novos

fármacos candidatos com potencial ação modificadora da doença, alguns presentemente

em ensaios clínicos. Esses fármacos incluem moduladores das secretases, imunoterapia

Aβ, inibidores da fibrilização de Aβ e fármacos anti-tau.

Dados epidemiológicos também têm sugerido fármacos candidatos, alguns dos

quais têm sido investigados em ensaios randomizados. Esses fármacos incluem anti-

inflamatórios, estatinas, estrógenos e antioxidantes.

Perspectivas

As últimas duas décadas de pesquisa em DA resultaram em um conhecimento

detalhado do mecanismo molecular da produção e agregação de Aβ. Com a hipótese da

30

cascata amilóide sevindo como fundação e os modelos de ratos transgênicos de DA como

ferramentas de testes, fármacos candidatos anti-Aβ têm sido desenvolvidos.A questão

chave é não apenas se a cascata amilóide é correta, mas também se esses modelos de ratos

transgênicos são modelos acurados para a DA esporádica.

31

NEUROLOGIA COGNITIVA E DO ENVELHECIMENTODr. Paulo Carameli

Donepezil in patients with severe Alzheimer’s disease: double-blind, parallel-group,

placebo-controlled study. Winblad B et al. Lancet, 367: 1057, 2006.

Fundamentos. O inibidor da colinesterase donepezil é utilizado no tratamento da

doença de Alzheimer (DA) leve a moderada. Sua eficácia na demência grave não foi

avaliada e é controversa. O objetivo do estudo foi estabelecer a efetividade do donepezil

em pacientes com DA grave, mais especificamente em relação à cognição e às atividades

de vida diária.

Métodos. Foi realizado um ensaio clínico duplo-cego, com grupos paralelos,

controlado com placebo, com duração de seis meses, avaliando 248 pacientes com DA

grave (escores no Mini-exame do Estado Mental entre 1 e 10) que viviam em instituições

de longa permanência na Suécia. Os pacientes foram alocados para receberem tratamento

com donepezil (5 mg ao dia por 30 dias, seguidos de 10 mg ao dia, n = 128) ou placebo (n

= 120). Os parâmetros de eficácia primária foram a mudança, a partir da linha de base, nas

pontuações da bateria de demência grave (severe impairment battery ou SIB) e a escala

modificada de avaliação das atividades de vida diária do Alzheimer’s Disease Cooperative

Study activities of daily living inventory para DA grave (ADCS-ADL-severe). Foram

analisados os desfechos para aqueles casos em que havia dados disponíveis na linha de

base em um ou mais momentos de avaliação (análise do tipo ITT modificada), com

metodologia de última observação carreada adiante (last observation carried forward) para

substituir dados faltantes.

Resultados. 95 pacientes alocados para receber donepezil e 99 pacientes alocados

para receber placebo completaram o estudo. Os pacientes tratados com donepezil tivearm

melhora mais significativa nos escores da SIB e declinaram menos na escala ADCS-ADL-

severe ao final de seis meses em relação à linha de base quando comparados ao grupo

placebo (diferença média =, 5,7; IC 95% 1,5-9,8; p=0,008 e 1,7; IC 95% 0,2-3,2; p=0,03,

respectivamente). A incidência de eventos adversos foi comparável entre os dois grupos

(donepezil 82% [n=105] vs placebo 76% [n=91]), com a maioria sendo de caráter

transitório e de intensidade leve a moderada. Mais pacientes interromperam o tratamento

32

devido a eventos adversos no grupo tratado com donepezil (n=20) em comparação ao

grupo tratado com placebo (n=8).

Conclusão. O donepezil melhora a cognição e preserva o desempenho functional

em indivíduos com DA que vivem em instituições de longa permanência.

Comentários

Os inibidores da colinesterase ou IChEs (donepezil, galantamina e rivastigmina)

são atualmente indicados pelas agências reguladoras para o tratamento da doença de

Alzheimer (DA) com sintomatologia de intensidade leve a moderada. A memantina, outra

medicação aprovada para o tratamento da doença, está indicada para os casos moderados a

graves, podendo ser combinada com os IChEs nos casos de demência (DA) moderada.

O presente traz uma contribuição relevante para a prática clínica, uma vez que

demonstra que os IChEs (no caso, o donepezil) pode ser utilizado de forma segura e que

apresenta eficácia superior ao placebo também em casos de demência avançada na DA

(escores < 10 no Mini-exame do Estado Mental ou MEEM). Esta superioridade foi

estabelecida em parâmetros de avaliação cognitiva e funcional, aspectos relevantes no dia-

a-dia destes pacientes e de seus familiares/cuidadores. Os autores também realizaram uma

sub-análise do desempenho dos pacientes nos diferentes itens das escalas SIB e ADCS-

ADL-severe antes e após o tratamento. Em relação, à escala SIB, foi observada melhora

significativa com o tratamento com donepezil nos domínios da linguagem, praxias e

habilidades visuais-espaciais. Já na escala de avaliação funcional ADCS-ADL-severe, foi

observada melhora significativa do controle esfincteriano e também no vestir-se. O

benefício significativo com o tratamento ativo foi também observado em algumas variáveis

de eficácia secundária, como o desempenho no MEEM e na escala de impressão clínica

global de mudança (CGI-C). Houve ainda melhora significativa das manifestações

neuropsiquiátricas (avaliadas pelo Inventário Neuro-Psiquiátrico ou NPI) ao final de três

meses de estudo, embora sem diferença estatística em relação ao grupo placebo ao final de

seis meses.

Trata-se, portanto, do primeiro ensaio clínico controlado avaliando a eficácia de um

agente IChE na DA grave. Embora esta não seja uma recomendação ou indicação aprovada

e incluída na bula destes agentes, o presente trabalho abre perspectivas - a depender

também de novos estudos - para o emprego desta classe de medicamentos nos estágios

mais avançados da DA.

33

Aplicação da versão brasileira da escala de avaliação clínica da demêndia (Clinical

Dementia rating – CDR) em amostras de pacientes com demência. Maia ALG et al.

Arq Neuropsiquiatr, 64: 485, 2006.

Objetivo: Avaliar a concordância da escala CDR com critérios diagnósticos e mini

exame do estado mental (MEEM), e correlação com escala de Blessed, numa amostra de

pacientes do sul do Brasil.

Método:A escala foi avaliada em 269 pacientes com doença de Alzheimer (DA),

demência vascular e demência questionável num desenho transversal. Os critérios do

NINCDS-ADRDA para provável DA e NINDS-AIREN para p rovável demência vascular

foram os padrões-ouro. O MEEM, a escala Blessed para gravidade da demência, o escore

isquêmico de Hachinski, e uma bateria de testes cognitivos também foram aplicados.

Resultados: A concordância com o padrão-ouro foi boa (kappa=0,73), e com o

MEEM em categorias foi moderada (kappa= 0,53). Observou-se correlação significativa da

escala CDR com Blessed (r=0,96; p=0,001). Não se observou diferença de escolaridade ou

de idade entre as categorias da escala CDR.

Conclusão: A concordância da CDR foi boa para os critérios diagnósticos e

moderada para o MEEM. A escala mostrou validade de construto para gravidade de

demência. Não se observou impacto da escolaridade sobre este instrumento.

Comentários

A escala CDR (Clinical Dementia Rating) é um dos instrumentos mais empregados

para estabelecer a graduação da intensidade da síndrome demencial, particularmente na

doença de Alzheimer (DA). Trata-se de uma entrevista semi-estruturada, que classifica os

pacientes de como normais do ponto de vista cognitivo (CDR = 0), com demência

questionável (CDR = 0,5) e com demência leve, moderada ou grave (CDR = 1, 2 e 3,

respectivamente). No presente estudo, a escala demonstrou boa concordância com os

critérios diagnósticos empregados (considerados padrão-ouro) que foram aplicados por

examinadores independentes. Um dos aspectos de maior interesse - especialmente para um

país como o nosso, de nível educacional tão heterogêneo - foi a ausência de influência da

escolaridade sobre o instrumento.

Desde 2002, o Ministério da Saúde do Brasil definiu a escala CDR como um dos

dois instrumentos a serem empregados na avaliação de pacientes com DA leve a moderada

com vistas à dispensação de medicamentos inibidores da colinesterase. Nesse sentido, o

34

presente trabalho fornece informações bastante úteis para a utilização deste instrumento em

ambulatórios de atendimento a pacientes com demência e também em centros de referência

especializados.

35

NEUROPATIAS PERIFÉRICAS Dr. Wilson Marques Jr.

Cryptogenic polyneuropathy: clinical and neurophysiological findings. Lindh J et al. J

Peripher Nerv Syst, 10: 31, 2005.

Os autores descrevem os achados clínicos e neurofisiológicos de 168 pacientes com

neuropatia crônica de causa desconhecida seguidos em 3 hospitais da Suécia. A maioria

dos pacientes é do sexo masculino (68%) e apresenta uma polineuropatia sensitivo-motora

axonal crônica de leve a moderada intensidade. A neuropatia em geral se inicia após os 60

anos e a principal queixa é adormecimento dos pés. Ao exame clinico observa-se,

principalmente, alteração da sensibilidade profunda e arreflexia, embora a

eletroneuromiografia demonstre envolvimento motor distal. Consideram essencial que

estes pacientes sejam investigados quanto a hereditariedade, abuso de álcool, diabetes,

insuficiência renal, deficiência de B12, doenças da tireóide, doenças inflamatórias,

gamopatias monoclonais, tumores, infecções, exposição a drogas ou agentes ambientais.

Este trabalho é interessante porque define o que é neuropatia crônica criptogênica e

enumera a investigação mínima necessária.

Peripheral neuropathy in an outpatient cohort of patients with Sjögren’s syndrome.

Lopate G et al. Muscle Nerve, 33: 672, 2006.

Neuropatia periférica é comum na Síndrome de Sjögren (SS), mas a sua prevalência

exata nestes pacientes é ainda desconhecida, variando de 10% a 60%, dependendo das

particularidades dos diferentes estudos. Embora a neuropatia mais comumente associada a

SS seja uma neuronopatia sensitiva, a mais comum é uma polineuropatia sensitivo-motora.

Vários outros tipos de neuropatia podem ser, no entanto, encontrados, incluindo síndrome

do túnel do carpo, neuropatia de fibras finas, mononeuropatia múltipla, neuropatia motora,

neuropatia desmielinizante, neuropatia autonômica e neuropatias cranianas. Embora a

maioria delas seja axonal, neuropatias desmielinizantes já foram descritas. Objetivando

caracterizar as neuropatias dos pacientes com SS que seguiam ambulatorialmente e não

36

haviam sido encaminhados para consultar reumatologista ou neurologista, os autores

encontraram evidência de neuropatia sensitiva distal dolorosa de fibras finas em 59% dos

pacientes.

Este achado é muito importante, pois inclui a SS como um diagnóstico diferencial

importante a ser considerado nas neuropatias de fibras finas.

37

NEUROIMUNOLOGIA

Dra. Soniza Vieira Alves Leon

O DC de Neuroimunologia teve aprovada, pelo comitê de ética da ABN, a proposta

de estudo epidemiológico de captura para avaliar a prevalência da EM no Brasil, que

transcrevemos a seguir.

ESCLEROSE MÚLTIPLA:

PROPOSTA PARA ESTUDO DE PREVALÊNCIA NO BRASIL COM VISTAS AO

MELHOR CONHECIMENTO DA DOENÇA E OTIMIZAÇÃO DA

PROGRAMAÇÃO DE CENTROS DE REFERÊNCIA

A controvérsia entre fatores geográficos, em particular a latitude e susceptibilidade

genética na fisiopatogenia da Esclerose Múltipla (EM) mantém-se até os dias atuais, com

estudos populacionais mostrando grande variação de prevalência em populações vivendo

na mesma latitude (Poser, 1994). Embora o Brasil seja considerado um país com baixa

incidência de EM, a doença não é rara e afeta um número elevado de indivíduos inclusive

aqueles de etnia negra (Papais-Alvarenga et al, 2001, Caballero et al., 1999; Alves-Leon

et al., 1999). A inclusão de dados da RM em estudo epidemiológico da EM realizado em

São Paulo mostrou uma prevalência três vezes maior da doença no ano de 1997 em

comparação com o ano de 1990, atribuído a melhoria no diagnóstico e acompanhamento

clínico desses pacientes (Callegaro et al, 2001). Contudo, o aumento da freqüência de uma

doença autoimune como a EM pode estar ligado a fatores ambientais que vêm mudando

sensivelmente nas últimas décadas em países em desenvolvimento como o Brasil e em

cidades cada vez mais industrializadas como São Paulo e Rio de Janeiro. A avaliação da

incidência de doenças autoimunes entre os anos de 1950 e 2000 mostra aumento

significativo dessas em países em desenvolvimento (Figura 1) na medida em que doenças

infecciosas e parasitárias diminuem e campanhas de vacinação se tornam mais efetivas

(Bach JF, 2002).

38

Figura 1. Inversão da relação entre a incidência de doenças infecciosas (gráfico A) e incidência de doenças autoimunes (gráfico B) de 1950 e 2000.

Procedência da figura 1: The Effect of Infections on Susceptibility to Autoimmune and Allergic Diseases N Eng J Med 2002, 347:911-920

Conhecer a prevalência da EM no Brasil será o primeiro passo para o melhor

reconhecimento do perfil inflamatório e uma possível distinção do perfil clínico e

imunogenético em diferentes subgrupos ou formas de evolução que deverão ser

fundamentais no acompanhamento, prognóstico e na orientação terapêutica de pacientes

acompanhados em centros de referência (CR). Não só a freqüência da EM parece ser

diferente no Brasil em relação a outros países, mas estudos genéticos em Afro-

descendentes brasileiros da cidade do Rio de Janeiro mostraram associação alélica com

HLA DQB1*0602 e negativa com os outros alelos que compõem o haplótipo DR2 (HLA

DQA1*0102-DRB1*1501-DQB1*0602) associado com a EM na maioria das populações

caucasianas (Alves-Leon, 1999, Caballero et al, 1999). Ao contrário, pacientes brancos

brasileiros mostram associação com o haplótipo DR2 (Papais-Alvarenga, Alves-Leon et

al). Na replicação do estudo de associação genética com o haplótipo DR2 e o alelo

DPA1*0301 numa nova população de pacientes com EM da cidade do Rio de Janeiro, o

alelo DRB1*1501 manteve-se negativo independente da etnia (Santos et al 2002, Oliveira

et al, 2003). Em Ribeirão Preto, cidade do interior de São Paulo, foi encontrada associação

com o haplótipo DR4, comum em italianos da Sardenha (Marrosu et al 2001, Barreira et

39

al, 2002). Longe de ser esses resultados uma conclusão dissociada da prática assistencial,

os estudos genéticos podem contribuir na melhor escolha e no melhor momento para o

início do tratamento contínuo da EM naqueles pacientes que preenchem critérios para tal.

Corroborando a importância desses dados, estudo recente mostrou que pacientes com

associação positiva do alelo DRB1*1501 apresentam resposta terapêutica distinta entre os

imunomoduladores disponíveis para o tratamento contínuo da EM, os interferons beta e o

acetato de glatiramer (Fusco C et al. 2001). Se a influência imunogenética determina

diferentes respostas terapêuticas, ensaios clínicos em diferentes populações, como em

brasileiros, são relevantes e fundamentais para a adequação na sua indicação. A

distribuição de ensaios clínicos parte do conhecimento da freqüência e do perfil clínico da

EM (Cottrell et al, 1999). O Brasil nunca participou de ensaio clínico com

imunomoduladores mas gasta milhões de Reais na compra de medicamentos de alta

complexidade, como os imunomoduladores. O conhecimento da freqüência e o

monitoramento da incidência de doenças autoimunes como a EM pode contribuir na

melhor programação de recursos com drogas de alto custo em diferentes regiões

brasileiras, e manter em nosso país o mesmo direito de acesso a medicamentos de ponta

que são disponibilizados em países desenvolvidos.

O perfil clínico da EM no Brasil foi publicado no primeiro estudo multicêntrico que

envolveu 22 centros de tratamento brasileiros (Papais-Alvarenga et al, 2002). Contudo, a

prevalência da EM só é estimada na cidade de São Paulo (Callegaro et al, 2001).

CENTROS DE REFERÊNCIA PARA ESCLEROSE MÚLTIPLA E DADOS

CRONOLÓGICOS RELEVANTES PARA ESTUDO INDEPENDENTE DE

PREVALÊNCIA VINCULADOS A UNIDADES ACADÊMICAS DE PESQUISA

Os Centros de Referência para EM são uma proposta que visa a criação de data-

base para o acompanhamento do perfil clínico e evolutivo de pacientes e o monitoramento

da distribuição de medicamentos de alto custo. Os critérios de inclusão e exclusão da

terapia proposta por neurologistas de outros serviços da mesma região são analisados caso

a caso. Essa realidade não existe na maioria dos estados brasileiros e o número de CR para

cada estado ou cidade deveria ser proporcional à freqüência da EM nessas regiões. Como

40

essa freqüência é desconhecida o critério para o número de CR necessários nem sempre é

contemplado.

Muito antes da disponibilidade dos imunomoduladores no Brasil foi criado o grupo

de trabalho de neuroimunologia da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), hoje

denominado Departamento Científico de Neuroimunologia, que vem se concentrando

principalmente no estudo da EM, na medida em que o surgimento de diferentes Grupos de

Trabalho acabou absorvendo outros grandes grupos de doenças neurológicas

imunomediadas como as Poliradiculoneuropatias e a Miastenia Gravis, por exemplo. Com

a chegada do tratamento com imunomoduladores a comunidade neurológica no Brasil, na

América Latina, Europa e Estados Unidos assistiram o surgimento de vários Grupos de

Trabalho sob a forma de organizações não governamentais (ONG), patrocinadas na sua

grande maioria com recursos da indústria farmacêutica.

Os imunomodoladores são medicamentos de alto custo, dispensados pelo

Ministério da Saúde e disponíveis gratuitamente para os pacientes com determinadas

formas de EM. Por se tratar de uma doença com possibilidade de evolução para

incapacidade motora grave em indivíduos jovens, a maioria dos estudos recentes vêm

recomendando o tratamento com imunomoduladores após o primeiro evento

desmielinizante, conduta altamente discutível e criticada. Até os estudos de Berger et al

(Berger T et al, 2003), não havia sido encontrado nenhum parâmetro imunológico que

pudesse ser considerado para o tratamento após o primeiro surto. O estudo de Berger et al

mostra que a conversão para EM definida foi significativa no grupo de pacientes com

presença de anticorpos para proteína básica de mielina (PBM) e mielina oligodendrócito

(MOG).

Por ser a EM uma doença poligênica e multifatorial é considerada modelo para

estudos farmacognéticos (Kirstein-Grossman I, 2002). A consideração de parâmetros

clínicos e imunogenéticos permitirá em futuro próximo a otimização da indicação do

melhor tratamento para cada paciente.

OBJETIVO

O objetivo desse estudo é verificar a freqüência/prevalência da EM no Brasil e criar um

data-base institucional que vise o monitoramento de casos novos a cada ano e a

conseqüente avaliação de sua incidência.

41

Centralizar esse data-base no Ministério da Saúde e Secretarias de Saúde, além de

disponibilizá-lo para pesquisadores devidamente acompanhados de projetos de pesquisa

submetidos e autorizados pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP).

METODOLOGIA PROPOSTA

Captura de pacientes:

A proposta é a captura de pacientes que receberam diagnóstico de EM uma vez na vida por

meio de meios de comunicação de massa. Os pacientes seriam convidados a escolher

centro de referência em hospital universitário ou de serviço público capacitado e preparado

para recebê-los e confirmar, ou não, a EM por intermédio dos meios de comunicação. A

proposta desse meio de captura foi submetida ao Presidente da Federação de Pacientes de

Esclerose Múltipla (FEBRAPEM) em novembro de 2003 que a aprovou e se comprometeu

a oficializar sua parceria e contribuição na escolha da melhor mensagem que será

veiculada.

ÉTICA

Essa proposta foi aprovada pelo Comitê de Ética da ABN.

É vetada a personificação dessa pesquisa, que tem caráter institucional, e as questões

referentes aos seus resultados deverão ser veiculadas por pessoal autorizado Ministério da

Saúde e Secretarias de Saúde.

RECURSOS

Esse projeto será submetido a Fundações e instituições sem fins lucrativos.

JUSTIFICATIVA DA CAPTURA NA MÍDIA DE MASSA

A proposta da campanha nacional na mídia de massa (televisão, internet, telefonia, jornais

etc) para se convocar pacientes com diagnóstico confirmado ou suspeito de esclerose

múltipla, a se dirigirem a serviços de neurologia previamente designados, sob o ponto de

vista epidemiológico e de saúde pública, apresenta as seguintes justificativas:

42

1-Aumentará a "captura" de pacientes então dispersos na população, que não tem seu

diagnóstico confirmado por dificuldade de acesso ao sistema de saúde, ou então, mesmo

tendo sido já diagnosticados, não tem seguimento adequado ou ainda, estão sendo

atendidos por médicos particulares e assim podem não constar de registros oficiais de

morbidade do sistema único de saúde (SUS). O resultado será a otimização do atendimento

para o paciente (Chui et al, 1993, Egeland et al., 1995) .

2- Concentrar o registro e/ou atendimento em locais que poderão servir como fontes de

informação independentes sobre casos da doença, a nivel das capitais dos estados

brasileiros, visando-se a melhoria da qualidade dos dados (representatividade amostral),

para a realização de inquéritos de prevalência utilizando-se a metodologia de captura-

recaptura. O benefício para o sistema de saúde será a melhoria de estatística oficial de

casos, o que permitrá, entre outras coisas, o melhor dimensionamento da distribuição da

medicação específica (Hook,E.B. & Regal, R.R., 1992, Hook, E.B. & Regal, R.R., 1995,

McCarty, D.J., et al., 1993).

Critérios de inclusão de pacientes

Após serem avaliados nos CR, só serão incluídos no data-base pacientes que preencherem

critérios de inclusão de Poser et al e McDonald et al.

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