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Sobre o personagem Inodoro Pereyra, el renegau

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  • DOI: 10.5433/1984-3356.2012v5n9p301

    , v. 5, n.9, p.301-328, jan./jul. 2012 301

    Da literatura gauchesca para as histrias em quadrinhos: uma leitura do poema telrico

    Inodoro Pereyra, el renegau

    Gaucho literature to comic books: a reading of the poem telluric Odorless Pereyra, el renegau

    Priscila Pereira1

    RESUMO

    Neste artigo pretende-se discutir a relao entre histria em quadrinhos (HQ) e literatura a partir da anlise da historieta argentina Inodoro Pereyra, el renegau. O quadrinho foi criado pelo humorista grfico rosarino Roberto Fontanarrosa para a revista Hortensia como uma pardia da literatura gauchesca, do radioteatro e do folclore argentinos. Alm disso, a apario de Inodoro Pereyra na imprensa cordobesa em 1972 coincide com a comemorao do centenrio do poema Martn Fierro, de Jos Hernndez. No por acaso, portanto, que Fontanarrosa tenha se inspirado neste clssico da literatura argentina para compor seu personagem. Contudo, Inodoro surge para ser muito mais que um espelho do Martn Fierro, ainda que para isso seu criador recorra a uma linguagem j conhecida e bastante difundida na Argentina. O presente trabalho apresenta uma leitura de alguns episdios publicados nos primeiros anos de existncia da srie, a partir dos dilogos entre teoria literria e nova histria poltica.

    Palavras-Chave: Histria da Argentina. Humorismo ilustrado argentino. Representao do gaucho. Histria em quadrinhos. Inodoro Pereyra.

    1 Doutoranda do Programa de Ps Graduao em Histria da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), sob a orientao do prof. Dr. Jos Alves de Freitas Neto. Mestre em Histria pela Unicamp e pela Universitat Jaume I, de Castell de la Plana (Espanha). Pesquisa de mestrado desenvolvida com apoio Fapesp e Capes. Email: [email protected].

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    ABSTRACT

    This article intends to discuss the relationship between comics and literature through the analysis of the Argentine historieta Inodoro Pereyra, el renegau. This comic was created by the comedian Roberto Fontanarrosa for the magazine Hortensia as a parody of Gauchesca literature, radiotheater and Argentine folklore. Furthermore, the appereance of Inodoro Pereyra in Crdoba press in 1972 matchs with the celebration of the Martn Fierro poems Centenary, written by Jos Hernndez. Therefore, it is not by chance that Fontanarrosa was inspired by this classical of Argentine literature to compose his character. However, Inodoro Pereyra arises to be much more than a mirror of Martn Fierro, even though his creator appeals to a known and widespread language in Argentine. The present work introduces a reading of some episodes published in early years of the comic, by across the dialogue with Literary theory and new political History.

    Keywords: Argentine History. Argentine wit and humor. Representation of gaucho. Comic books, strips. Inodoro Pereyra.

    Inodoro Pereyra, um poema telrico

    Genos das, Pereyra Cmo and?, pergunta um paisano ao gaucho Inodoro Pereyra, ao

    que este responde: Mal, pero acostumbru (FONTANARROSA, 1998: p. 405). Inodoro Pereyra, el

    renegau, uma personagem da HQ argentina, que por l eles chamam de historieta. Trata-se de

    um gaucho2

    A saga desde anti-heri campeiro comeou em 1972, quando Don Inodoro apareceu pela

    primeira vez na revista Hortensia, publicao humorstica da cidade de Crdoba. Nas suas

    primeiras aventuras, este gaucho se apresentava como um homem duro e de mau feitio, muito

    parecido ao Martn Fierro de Jos Hernndez e aos gauchos perseguidos de Eduardo Gutierrz. No

    entanto, Pereyra mudar com o passar dos anos, e suas histrias se tornaro mais cmicas e

    caricaturescas.

    que vive na regio da Pampa mida, acompanhado de sua mulher e de um cozinho

    que fala. Criado pelo desenhista rosarino Roberto Fontanarrosa, Pereyra surgiu na verdade como

    uma pardia de uma figura que tem uma longa histria na cultura e nas letras argentinas: a

    figura do homem que percorre livremente os pampas, montado no seu cavalo.

    A srie foi publicada durante mais de 30 anos na Argentina e as personagens acabaram

    caindo nas graas do pblico, conquistando o seu carinho e apreo. Indo Feria de Mataderos em

    2 Utilizarei ao longo do texto a grafia gaucho sem acento, para diferenciar do gacho brasileiro e de seu gentlico.

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    Buenos Aires, por exemplo, pode-se comprovar a inconteste popularidade de Inodoro Pereyra,

    convertido em smbolo de uma das mais importantes feiras de artesanato e tradies populares

    argentinas. Enfim, trata-se de uma personagem bastante popular, comparvel a prpria Mafalda

    no que diz respeito ao reconhecimento pelo pblico-leitor. Mas, diferentemente da menina de

    Quino, os quadrinhos de Pereyra no conseguiram ser publicados fora da Argentina.

    Alis, curioso que a obra de Fontanarrosa seja to pouco conhecida no nosso pas, haja

    vista que, exceto no caso de Inodoro Pereyra, outros personagens criados pelo Negro tiveram

    projeo fora da Argentina. Boogie, el aceitoso, por exemplo, foi publicado na Colmbia e no

    Mxico, o que possibilitou que a violncia delirante do personagem fosse difundida tambm por

    outros lados. Alm disso, a produo grfica de Fontanarrosa teve boa acolhida na Itlia, Espanha

    e Nicargua. No Brasil, chegou-se a publicar alguns dos trabalhos deste humorista, embora eles

    no tenham se popularizado tanto por aqui como ocorreu com os quadrinhos da Maitena, Quino e

    Liniers.

    Entretanto, preciso salientar que, mesmo ignorado no Brasil e sem traduo para o

    portugus, os quadrinhos de Inodoro Pereyra so uma excelente fonte para estudarmos a histria

    da Argentina, particularmente no que se refere ao problema da identidade nacional e de sua

    interface com questes polticas e culturais. Neste sentido, estamos diante de uma documentao

    riqussima, que permite ao historiador repensar questes cruciais do passado e do presente

    argentinos. As aventuras de Inodoro Pereyra so uma mescla de fina ironia com humor absurdo,

    recheadas de referncias ao cancioneiro folclrico, ao radioteatro e literatura gauchesca.

    Caracterizam-se, ademais, pela devastadora anlise poltica, que resultado da maneira inusitada

    como esta historieta trabalha temas relacionados histria deste pas. Enfim, a saga da

    personagem pode ser definida como pica moderna, lcida e irnica sobre a Argentina. Da a sua

    atualidade e relevncia histrica.

    Literatura gauchesca e HQ

    sabido que na gnese da histria das histrias em quadrinhos, muitos dos personagens

    dos comics tinham um claro vnculo com a literatura, como por exemplo, Tarzan, Dick Tracy e

    Fantasma. Isso talvez possa ser explicado pela prpria especificidade da linguagem das HQs, que

    surgiram a partir da mescla entre cultura icnica e cultura literria e como um gnero hbrido

    entre a narrativa e a grfica (SANTIS, 1998). Neste sentido, queremos problematizar neste artigo a

    relao entre quadrinhos e literatura, principalmente porque sabemos que o personagem

    Inodoro Pereyra antes de qualquer coisa uma pardia de uma obra literria argentina.

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    Criado no final de 1972 nas pginas da revista Hortensia, o gaucho Inodoro Pereyra, el

    renegau, nasceu como uma pardia do poema Martn Fierro (HERNNDEZ, 2008) do jornalista,

    escritor e poltico Jos Hernndez. Tal e qual seu smile literrio, Pereyra se apresentar nas suas

    primeiras aventuras como um homem duro e de mau feitio, prfugo da justia e inclinado s

    brigas e perseguies policiais. O cenrio de suas aventuras as vastas plancies do interior

    argentino, o mar de terra onde teria se estruturado o mundo do gaucho rio-platense. As

    histrias do renegado transcorrem, portanto, num imenso espao pampeano, metaforicamente

    definido como deserto, lugar onde ele protagonizar uma srie de peripcias e encontros

    inesperados com personagens oriundos do folclore, da literatura, dos mass media e da histria

    argentina.

    Mas as semelhanas entre Seu Privada e o gaucho hernandiano no param por a. A

    apario de Inodoro Pereyra na imprensa cordobesa coincide com o centenrio da publicao do

    poema Martn Fierro, o que explica porque nas suas primeiras aventuras este gaucho de papel

    buscar sua identidade nos episdios vividos pelo personagem de Hernndez. Tal escolha coloca

    el renegau na mesma fila dos clssicos gauchos-guapos-criollazos: Fierro - Vega Moreira Sombra

    Covas Pereyra (SASTURAIN, 1995, p. 195) . Alm disso, nas suas primeiras histrias Don

    Inodoro ser o protagonista de uma serie de situaes que remetem ao modelo do gaucho

    prfugo, do Martn Fierro, e figura do gaucho malo, consagrada em Sarmiento (SARMIENTO,

    2004).

    Sendo assim, a prpria definio desta HQ como poema telrico rende tributo ao poema

    escrito por Hernndez, elevado categoria de obra-prima da literatura argentina e

    monumentalizado pela gerao do Centenrio (ALTAMIRANO e SARLO, 1997). Quer dizer,

    Inodoro Pereyra surge como um comic em franco dilogo com os discursos sobre a identidade

    nacional, que pe em cena uma figura identitria cara retrica do nacional-popular e

    pertencente ao imaginrio social da nao. Levando isso em considerao, pode parecer que

    nosso gaucho no apresenta nada de novo em relao ao seu modelo literrio e ao gnero

    gauchesco do qual ele tributrio.

    No obstante, Pereyra surge para ser muito mais do que um espelho do gaucho de

    Hernndez. Neste sentido, este poema telrico pode ser analisado como uma srie na qual a

    histria, antes que se repetir, confirma seu carter excepcional. Nascido como uma pardia da

    literatura gauchesca, do radioteatro e do folclore argentino, os quadrinhos deste gaucho

    permitem que rediscutamos importantes questes que marcaram a histria da Repblica

    Argentina, tais como as oposies entre pampa e litoral, unitrios e federais, nacionalismo e

    cosmopolitismo, e que compem a imagem de uma nao dividida (SVAMPA, 1994).

    Desta maneira, este artigo pretende cruzar os itinerrios discursivos de Inodoro e

    personagens oriundas do campo literrio, de modo a se reconstruir o dialogismo e a

    intertextualidade existente entre tais textos, alm da polifonia que se instaura na enunciao

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    deles (BAKHTIN, 1997). Quer dizer, nosso objetivo apreender estas outras vozes que se

    intermesclam ao discurso destes personagens, e assim redimensionar a relao entre literatura e

    HQ.

    Como toda HQ de humor, que trabalha sua mensagem humorstica a partir de recursos

    como a condensao, o exagero, a aliterao, a anttese e o uso de esteretipos, os quadrinhos do

    gaucho Pereyra lidam com a linguagem do encoberto e do no-dito, operando a partir de

    deslocamentos semnticos e de duplos sentidos. Alm disso, em se tratando de um discurso

    pardico que dialoga com uma infinidade de interlocutores, que vo de Sarmiento a Borges, do

    Martn Fierro de Hernndez aos gauchos de Molina Campos, do problema agrrio oitocentista s

    reivindicaes socioambientais do Greenpeace, no possvel furtar-se tambm da tarefa de

    entender como funciona uma pardia, e qual a funo do humor nestes quadrinhos.

    A pardia do nacional-popular nos quadrinhos de Inodoro Pereyra

    preciso destacar que antes da criao de Inodoro Pereyra, existia toda uma tradio de

    HQs criollistas na Argentina, caracterizadas pelo tom nacional, costumbrista e pelos cenrios bem

    ambientados. Esta historieta gauchesca apareceu nos anos 1930 como o corolrio do

    reconhecimento tardio da figura do gaucho. notrio o tom nacionalista (e preconceituoso em

    relao aos ndios) de muitas destas tiras realizadas em tempos de nacionalismo e novas

    imigraes. Em geral, so quadrinhos bem ambientados, cruzados por referncias a

    acontecimentos e personagens histricos, com roteiros que tentavam imitar a linguagem do

    campo e assumem com naturalidade a violncia, as mortes e as arbitrariedades da autoridade

    (GOCIOL e ROSEMBERG, 2000: pp. 28-29).

    interessante notar que a HQ gauchesca se constituiu na Argentina atravs do dilogo

    com as matrizes explicativas da histria nacional, e a partir da retomada de modelos que

    integravam o imaginrio poltico da nao. Neste sentido, abundam referncias a

    acontecimentos histricos, como as campanhas do deserto, as disputas entre unitrios e federais,

    a Guerra do Paraguai, etc. Observa-se, ademais, um forte vnculo entre estas historietas criollistas e

    o momento presente vivido pelos seus autores. Assim, a reivindicao da figura de Juan Manuel

    de Rosas feita pela HQ El Huinca no foi bem vista por alguns leitores, que acusaram seu criador

    de ter transposto para o quadrinho suas mal disfaradas simpatias pelo peronismo que, como

    se sabe, se dizia herdeiro do legado nacionalista propagado por Rosas. Da mesma forma, a

    exaltao da figura do Gemes guerrilheiro promovida por Oesterheld em 1971 na revista

    Epopeyas Argentinas talvez seja um prenncio da filiao do roteirista agrupao guerrilheira

    Montoneros, anos mais tarde.

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    De qualquer modo, o retrato do gaucho feito por estes quadrinhos gauchescos abarca sua

    mais ampla tipologia homem livre, peo, soldado, desertor, baqueano, domador -, embora a

    nfase seja ainda a figura do gaucho errante (DEL CARRIL, 1993). Segundo Gociol e Rosemberg

    [...] no modelo de historieta clssica impulsionada por Rapela, todos os episdios tem mais ou menos a mesma estrutura: sempre h algum mal-entendido que pe em perigo a vida do gaucho e tudo parece andar irremediavelmente mal at que, de um momento a outro [...] a situao se reverte e ento o heri demonstra ser invencvel. E ali visto, uma vez mais, ao final da aventura: um gaucho de nanquim, a galope, numa inalcanvel plancie de papel (GOCIOL e ROSEMBERG, 2000, p. 290).

    Entretanto, importante ressaltar que a grande diferena entre os gauchos consagrados

    pela historieta gauchesca de ento e a personagem criada por Roberto Fontanarrosa que esta

    ltima antes de mais nada uma pardia. Nos quadrinhos de Inodoro Pereyra no h o tom

    nacionalista, a exaltao do arqutipo e a narrativa exemplar e didtica. Alm disso, a pardia

    construda pelo Negro no se dirige contra a HQ gauchesco-nativista3 anterior, que teria surgido

    em 1928 com o ndio Patoruz4

    Em suma, como pardia inter-genrica contra certo discurso gauchesco-nativista, os

    quadrinhos criados pelo Negro Fontanarrosa satirizam no a historieta gauchesca em si, mas sim

    certo nacionalismo em voga durante os anos de criao de Inodoro Pereyra. Trata-se de um

    discurso sobre o nacional bastante difuso por aqueles anos, e que ia das verses mais reacionrias

    do criollismo at a msica de protesto dos anos 1960. Neste sentido, Fontanarrosa construiu sua

    pardia a partir de trs alvos principais, a saber, a literatura, o folclore e o radioteatro gauchescos.

    este tema que ser tratado nas prximas pginas.

    , e que envolveria todas estas personagens gauchas elencadas,

    alm de outras indgenas. Ou seja, Inodoro Pereyra no foi uma pardia intra-genrica

    (ROMANO, 1991). Pelo menos, no a princpio.

    Um gaucho cantor

    Nas primeiras dcadas do sculo XX na Argentina, o gaucho reivindicado pela gerao do

    Centenrio como smbolo de argentinidade foi o gaucho cantor, aquele que anonimamente

    3 Neste gnero se incluem as histrias de ndios e as de gauchos. 4 Patoruz uma HQ humorstica criada por Dante Quinterno que tem como protagonista um ndio patagnico, algo um pouco raro na histria da historieta argentina. Trata-se do ltimo tehuelche, um indiozinho agauchado e rico, e que se tornou uma das personagens mais populares e polmicas dos quadrinhos deste pas. Cf: STEIMBERG, Oscar. Leyendo Historietas. Nueva Visin: Buenos Aires, 1977.

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    deambula pelo pampa chorando seus males em solido. Com efeito, o cantor uma das figuras

    chaves da literatura gauchesca, e seu canto sustenta o edifcio sobre o qual esto assentadas as

    convenes do gnero. Apesar de toda sua viso negativa sobre o gaucho argentino, Sarmiento

    no pde deixar de comparar o gaucho que canta com os bardos da Idade Mdia, reconhecendo a

    qualidade potica de suas composies. No Martn Fierro, canto e vida so uma nica coisa: o

    gaucho vive para cantar e canta para viver, e no deixa de ser simblico que no momento em se

    efetua a travessia da fronteira, Fierro quebra seu violo. Enfim, o trecho abaixo extrado do

    poema de Hernndez ilustra muito bem a importncia do canto para a conformao do gnero

    gauchesco.

    Aqu me pongo a cantar, al comps de la vigela que al hombre que lo desvela una pena estrordinaria, como el ave solitaria con el cantar se consuela.

    (HERNNDEZ, 2010)

    Figura 1 Recital

    No entanto, nos quadrinhos de Inodoro Pereyra, esta funo potica ligada ao canto

    ridicularizada e desmistificada. O gaucho de Fontanarrosa at que tenta cantar, mas no geral ele

    desafina horrivelmente. Sua pena extraordinria est mais para pena ordinria. Vejamos os

    quadrinhos a seguir.

    Fonte: Hortensia, n 41, setembro de 1973, p. 17.

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    Nesta sequencia, muito interessante a conscincia performtica que a personagem

    parece ter, e que contraria totalmente a ideia do canto como uma caracterstica intrnseca e

    natural ao gaucho, e no uma mera habilidade que poderia ser desenvolvida. Inodoro Pereyra

    parece cantar diante de um grande pblico, exibindo seus melhores dotes como cantor. Ele faz

    improvisaes, dedilha alucinadamente as cordas de seu violo, faz caras e bocas... Ou seja,

    desnaturaliza-se a ideia de que o gaucho seria um cantor nato, j que a seqncia brinca com a

    questo do artifcio e da natureza em relao ao canto. Contudo, as onomatopias e a anatomia

    expressiva da personagem no do lugar a dvida: nosso gaucho um tremendo de um

    desafinado e parece no se importar muito com isso. O crespn tem uma pena, que no me

    importa em saber, que v chorar no templo e pare de encher o saco. Alm disso, nestas coplas de

    Inodoro, parece recordar-se que msica e canto so questes mediatizadas pelo mercado, como o

    renegau deixa claro no final: Pra quem no gosta do meu canto, tenho uma coisa prevista, que

    compre outra vigela5

    ou que compre outra revista.

    J no episdio Payada con un negro retomado o mesmo tema do duelo entre Martn

    Fierro e o Negro, que desta vez tem nome: Mandinga. Assim como seu smile da literatura,

    tambm Inodoro se mostra preconceituoso com o payador mulato, - Que eu saiba os ndios so

    conhecidos por infiis, mas os negros so reconhecidos apenas pela cor, o que nos faz lembrar

    das palavras de Fierro: -A los blancos hizo Dios,/ a los mulatos San Pedro,/ a los negros hizo el

    diablo/ para tizn del infierno (HERNNDEZ, 2010, cap. 7)

    Inicia-se, ento, a payada. Mandinga se mostra bastante virtuoso nas composies de seus

    versos, e parecia que ganharia do gaucho: -Quem pode diferenciar um bid de uma Privada?, diz

    em tom desafiador. A pergunta era um golpe baixo. Um furnculo telrico pareceu brotar no

    bordo de Inodoro. O gaucho, ento, ataca: No posso cantar com este violo que est com as

    cordas desafiadas, a boca quebrada e as cravelhas bichadas. Mais uma vez o negro se sai bem: V

    ao violeiro. Proteste pelas cordas, proteste pela boca, proteste pelas.... Inodoro, ento, arremata: -

    O qu? Nunca ouviu falar dos cantores de protesto, caralho?.

    .

    5 A viola do gaucho.

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    Figura 2 Payada con un negro

    Fonte: Hortensia, n 39, agosto de 1973, p. 6.

    Em Payada con un negro, encontramos referncias literatura gauchesca atravs do

    Martn Fierro, ao folclore argentino atravs da lenda do Mandinga6, e msica de protesto dos

    anos 1960 e 1970. Ademais, neste episdio observa-se que Inodoro Pereyra, alm de no ser um

    cantor tpico, tampouco um exmio payador7

    De qualquer forma, mesmo sendo um cantor bem s avessas, Inodoro Pereyra no deixa

    de cantar, servindo-se para tanto dos muitos modelos oferecidos pela histria argentina

    relacionados ao gaucho cantor. Da literatura gauchesca msica de raz folclrica, o amlgama

    canto e nao se faz presente e o renegau no poderia ignorar este fato. Armando Tejada Gmez

    costumava dizer: Cantando hei de opinar, retomando assim um dos refres do Martn Fierro:

    canto opinando que es mi modo de cantar (HERNNDEZ, 2010, p. 69). Enfim, mesmo cantando

    , j que o negro lhe vence facilmente no duelo de

    violas. Contudo, o mais divertido desta sequencia que a suposta braveza do gaucho -

    representada no quadrinho em que Inodoro est com o olhar crispado de clera e no qual temos

    uma interferncia do narrador (A pergunta era um golpe baixo. Um furnculo telrico pareceu

    brotar no bordo de Inodoro) desconstruda no arremate final da historinha: Inodoro

    surpreende com a sada genial expressa na ltima vinheta (-O qu? Nunca ouviu falar dos

    cantores de protesto, caralho?). Ou seja, diante do desafio proposto por Mandinga, Pereyra se

    acovarda, abranda. O cenho frunzido da personagem indicado pelo close-up do segundo

    quadrinho se desanuvia no ltimo atravs de um plano inteiro, onde no h mais sombras de

    furnculos telricos.

    6 Na Argentina, trata-se de uma figura do folclore representada pela cor e roupas negras. Tambm pode significar diabo, menino travesso. 7 Improvisador ou pessoa que memoriza poemas e rimas

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    mal, Pereyra rende tributo ao topos do gaucho que canta, o que nos faz lembrar da cano

    composta por Horcio Guarany e interpretada por Mercedes Sosa em 1977: Si se calla el cantor

    calla la vida/ porque la vida, la vida misma es todo un canto.

    Figura 3 - Capa da composio "Si se calla el cantor"

    Um gaucho malo

    Fonte: Horacio Guarany & Mercedes Sosa, 1977.

    Alm do modelo do gaucho cantor, os quadrinhos de Inodoro Pereyra tambm brincam

    com o prottipo do gaucho malo cunhado por Sarmiento. Em Silencio y muerte de um maboret

    Fontanarrosa se refere a este modelo parodiando a seguinte passagem do Martn Fierro, "Yo jur

    en esa ocasin/ ser ms malo que una fiera! (HERNNDEZ, 2010, cap. 6). Tal frase foi dita pelo

    gaucho de Hernndez depois da sucesso de desgraas ocorridas na sua vida: aps desertar do

    exrcito e encontrar o seu rancho vazio, sem sua mulher e sem seus dois filhos, ele decide deixar

    de ser manso para se tornar gaucho matrero. No episdio em questo, Don Inodoro afirma j no

    primeiro quadrinho: Hoje quero ser injusto, explicando em seguida suas razes para isso:

    porque cresce em mim o mosto socavo e cereal, planetrio e caudaloso, o anelado encanto,

    feroz, ecumnico e rptil do protesto. Me retorce a ndole rumorosa, subversiva e turva de uma

    matilha impudente, incendiada por borrachudos febris e raivosos. Por que a falsa difteria levou

    de mim o meu melhor porco? Por que a desgraa me aoita desse jeito? No existe Deus para o

    gaucho pobre . Neste sentido, o leitor fica sabendo que tal e qual o Martn Fierro, o renegau

    tambm tem uma vida repleta de desgraas: no caso, o seu porquinho teria morrido por uma

    difteria. Todavia, o ato de injustia cometido pelo gaucho para aliviar seu sofrimento no matar

    a um negro e se meter em brigas, como o faz seu smile literrio. A injustia que comete Inodoro

    Pereyra simplesmente matar com uma pisadela a um louva-a-deus (mamboret), o que

    produzir um sonoro Crunch

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    Figura 4 Silencio y muerte de un mamboret.

    Fonte: Hortensia, n 35, junho de 1973, p. 18.

    Alis, esta mesma cena presente na Ida do Martn Fierro (Canto VI) parodiada no episdio

    Pa qu mentar mi tapera. Nele Inodoro decide voltar para o seu rancho aps trs dias longe de

    casa. Com intuio baqueana, seu cavalo criollo o leva at seu pago8 com muita m vontade e a galope

    curto, mas chegando l no encontram ningum, nem o Mendieta, nem a Eulogia, nem nada.

    Inodoro se desespera: Que ventos me castigaram para eu ficar to pobre?. No entanto, o

    personagem coloca as mos no queixo de modo pensativo e conclui: Eita. Este no o meu

    rancho. O gaucho, ento, dirige-se ao seu flete9

    Figura 5 Pa que mentar mi tapera

    , dizendo: Onde me trouxeste porqueira de

    animal?. O episdio termina com a insero de um balo de pensamento e a antropomorfizao

    do cavalo, que pensa: Pelo que me d de comer, o que ele queria? Uma excurso guiada?.

    Fonte: Hortensia, n 57, julho de 1974, p. 4.

    8 Lugar onde a pessoa nasceu; vilarejo, querncia. 9 Um dos nomes do cavalo do gaucho.

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    , v. 5, n.9, p.301-328, jan./jul. 2012 312

    Voltando pardia do gaucho malo e aos limites da valentia do nosso gaucho, so

    ilustrativos os episdios Eulogia, El leonero e El Escorpin Resolana. No primeiro, temos a

    cena do seqestro da Eulogia pelo renegau. Quando o pai da moa, caracterizado como uma

    coruja pampeana de to bravo que era, percebe que sua filha estava sendo cortejada pelo

    gaucho, a coisa se complica. Ento, Pereyra se enche de valentia para enfrentar ao pai da Eulogia,

    e como um maln10 brio de argentinidade, parece se preparar para demonstrar suas destrezas

    gauchas. Tudo indicava que haveria um duelo entre o gaucho e a coruja pampeana, mas de

    maneira inesperada o renegau comeou a danar um malambo, dana masculina de sapateado

    muito tradicional entre os gauchos argentinos. Por causa disso, subiu uma nuvem de poeira, que

    acabou facilitando o seqestro da prenda11

    sem que Pereyra fosse notado. Quando o pai da

    chinoca se d conta que sua filha foi raptada, cita um trecho da cano de Castilla, La Pomea:

    Por que te roubam, Eulogia, carnavaleando? Quer dizer, a tenso narrativa gerada pela

    iminncia de um combate quebrada exatamente pela no ocorrncia do combate, produzindo o

    efeito humorstico da historieta. Mais uma vez, vemos que a cara amarrada da personagem e a

    indicao de seu carter feroz desmentida pela prpria ao de Inodoro, que afrouxa.

    Figura 6 Eulogia

    Fonte: Hortensia, n 28, fevereiro de 1973, p 16.

    Em El Leonero, Inodoro Pereyra contratado para caar um leo, por causa da fama que

    teria de gaucho destemido e mau. Contudo, quando se depara com toda a ferocidade do animal, o

    10 Incurses indgenas inesperadas que tinham o objetivo de roubar gado e levar mulheres brancas cativas; empresas econmicas militarizadas organizadas por grupos indgenas fronteirios. 11 A mulher do gaucho; china.

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    personagem d um passo atrs, monta no seu cavalo e volta com uma pele de gato, justificando-se

    que o leo teria apequenado quando o viu.

    Figura 7 El leonero.

    Fonte: Hortensia, n 31, abril de 1973, p. 15.

    Finalmente, no episdio El Escorpin Resolana Pereyra convocado para pedir a um

    valento que estava andando pelo pago para que fosse embora. Tratava-se de Escorpin Resolana,

    o famoso cuteleiro criado como homenagem msica de Jaime Dvalos Resolana. Inodoro

    chega intimando o valento: O senhor deve ser o Escorpin Resolana, mas vou te pedir uma

    coisa, aparcero. Sem entender muito bem o propsito da vinda do renegau, Resolana comea a

    contar a sua histria: uma patrulha me perseguia porque eu havia feito um filho macho na china

    do delegado, tinha queimado o rancho e tinha degolado os trs gurisinhos e uma viscacha12

    12 Pequeno roedor de hbitos noturnos prprios das regies de plancie, da mesma famlia da chinchila.

    mulherenga que tinha. Roubei um puma e fugi montado no leo metade fatia e metade rodela

    usando como chicote uma jararaca que prendi rapidamente. Mas o puma comeou a mancar de

    repente. Descasquei o ferro e veio tipo uns porcos para o milho. Eram treze e eu, que sou meio

    supersticioso, acabei tirando as vsceras de todos na baguna. Depois depenei um cavalo. E com o

    sangue fiz um brinde ao mesmo Satans. Aps este relato de atrocidades, Resolana pergunta a

    Inodoro: Gostarias de me pedir mais alguma coisa?, ao que este responde: Um autgrafo....

    Quer dizer, se Inodoro Pereyra era mau, Escorpin Resolana seria o triplo, o que fica evidente na

    comparao do trao das duas personagens: este ltimo tem seu traado ainda mais forte e

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    expressivo do que o do gaucho, com destaque para a sua dentio medonha e para o cabelo e

    barba bastante densos, formando praticamente uma nica coisa.

    Figura 8 El Escorpin Resolana

    Fonte: Hortensia, n 58, julho de 1974, p. 19.

    Resumindo: a enunciao da valentia e do carter malevo da personagem Inodoro

    Pereyra, feita atravs do seu trao forte e carregado, de sua expresso sria e carrancuda e das

    descries hiperblicas oferecidas pelo narrador, so desconstrudas a todo o momento no

    prprio desenvolvimento das historinhas. Diante de situaes perigosas, o gaucho abre mo de

    sua braveza para colocar em ao sua picardia crioya13

    , mais apropriada para algum que precisa

    sobreviver e que, para tanto, prefere poupar-se. No que Inodoro Pereyra seja um covarde. Pelo

    contrrio, Pereyra um gaucho indmito e destemido como os anteriores, diferena de que, por

    causa de seu carter de anti-heri, seu herosmo em geral se converte em fracasso. Ou pelo

    menos, seu herosmo perde a sacralidade. No se pode ser heri sempre...

    13 Conceito que se refere a caractersticas que supostamente pertenceriam ao criollo: malandragem, astcia e capacidade de improvisar.

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    Inodoro Pereyra e seus Outros

    O mundo do gaucho se estruturou na literatura gauchesca sempre em funo de seus

    Outros, por antonomsia. Este outro poderia ser o estrangeiro, o negro ou o habitante da cidade,

    embora mais tradicionalmente a alteridade recaia no elemento indgena.

    Neste sentido, s se compreende o tipo de identidade reivindicada para o gaucho levando

    em considerao seus Outros. No Martn Fierro, por exemplo, este Outro no tem valor absoluto,

    j que sua apreciao depende das contingncias histricas do momento, e das variveis

    conjunturais que o poema registra. Isso explica porque na Ida, escrita em 1872 num contexto de

    muitas crticas poltica imigratria, o grande Outro em relao ao gaucho o gringo e no o

    ndio. Na Volta em contrapartida, e j na esteira da bem sucedida Campanha do Deserto, as

    coisas se invertem: a vida nos toldos14 teria sido muito pior para Martn Fierro do que a vida nos

    fortines15

    Nos quadrinhos de Inodoro Pereyra tambm a presena destes Outros recorrente, porm

    de modo geral eles aparecem deslocados, em contextos e situaes no familiares, o que acaba

    desestabilizando os plos identidade e alteridade, construdos historicamente e imbudos de

    grande fora simblica. No episdio Vergenza gaucha, Inodoro Pereyra assediado

    sexualmente por uma portenha que estava entediada diante da ausncia do marido, e s recusa o

    tentador convite porque a senhora o trata com esnobe superiorioridade. O mais engraado deste

    episdio que ele inverte o sentido de uma cena recorrente na histria argentina, na qual o

    campo quem assedia a cidade, e no o contrrio

    , inferno menor que se converteu o territrio cristo. Logo, o indgena aparece aqui

    totalmente desumanizado, cone da barbrie em seu estado puro. Inclusive, significativo que, ao

    fazer suas contas com a justia, Martn Fierro no computa aos indgenas que matou. A resposta

    bvia: no entram porque esto do outro lado da fronteira, fora do alcance da lei. Neste sentido,

    o ndio sim o outro absoluto, e seu estatuto de fora da lei o separa tanto de gauchos como de

    gringos e inclusive de negros (ANSOLABEHERE, 2008: p. 253).

    16

    14 Barraca dos indgenas, feita de ramas e couros.

    . Contudo, em Vergenza gaucha a cidade

    quem assedia o campo, o que tem um peso significativo em relao modificao das pautas da

    gauchesca.

    15 Fortaleza militar; pequeno forte. 16 Isso se d atravs de incurses de malones e das ameaas representadas por exrcitos de cavaleiros gauchos, como o caso da mazorca e das montoneras.

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    Figura 9 Verguenza gaucha

    Fonte: Hortensia, n 40, agosto de 1973, p. 19.

    Na histria El peludo incandescente temos mais um encontro entre Pereyra e gente

    vinda de Buenos Aires. Mais precisamente, era um casal que queria comprar o rancho do renegau

    a fim de montar uma pea17

    , um centro tradicional que se chamaria El peludo incandescente.

    Contudo, Pereyra no aceita de jeito nenhum a proposta oferecida, fazendo um discurso exaltado

    em defesa da no comercializao do seu rancho de adobe, levantado por ele mesmo, com suas

    prprias mos gauchas Assim, Don Inodoro afirma o seguinte, parodiando a cano Como yo lo

    siento de Osiris Rodriguez Castillo: Nooo. No me venha comercializar meu rancho com olhos

    de forasteiro porque no aquilo que aparenta, mas sim como eu o sinto. O casal portenho acaba

    indo embora e a histria termina com a seguinte fala de Inodoro Pereyra, que contradiz tudo o

    que ele havia dito anteriormente: Que pea que nada... Aqui o que preciso colocar um caf-

    concert.

    17 Agrupao de que se rene a fim de promover festas populares de raiz folclrica.

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    Figura 10 - El peludo incandescente

    Fonte: Hortensia, n 51, maro de 1974, p. 19.

    J no episdio Donde vas, gringo?, temos um encontro entre Inodoro Pereyra e uns

    turistas de fala inglesa. A histria totalmente construda a partir da dupla narrativa, dividida

    entre a viso do gringo/ a viso do gaucho. Pois ao passo em que o primeiro se aproxima de Don

    Inodoro imbudo de uma concepo totalmente essencialista e preconceitusa sobre o que seria o

    gaucho argentino, Pereyra esboa unicamente um incmodo silncio cujo sentido s ser

    revelado no ltimo quadrinho: o gaucho diz que no entendia porque se vinha de to longe se se

    vinha inutilmente. No entanto, ele enuncia esta ideia tomando de emprstimo a letra do cantor

    uruguaio Alfredo Zitarosa, La vuelta de Obligado18

    .

    18 Qu los pari los gringos/ Una gran siete;/ Navegar tantos mares,/venirse al cuete,/ qu digo vernirse al cuete.

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    Figura 11 Dnde vas, gringo?

    Fonte: Hortensia, n 48, janeiro de 1974, p. 4.

    De modo geral, os encontros entre Inodoro Pereyra com estrangeiros costumam repetir

    esta mesma estrutura sugerida pelo episdio Donde vas, gringo?. Neste sentido, ocorre uma

    srie de mal entendidos e falas desencontradas entre gaucho e gringo, de modo que isso produza

    o efeito humorstico. Nos quadrinhos do renegau, o conceito de gringo tambm abarca uma ampla

    tipologia, que vai dos turistas brasileiros Yon Darwin, dos charros mexicanos ao Zorro. s vezes

    sua representao gera simpatia no leitor; em outros momentos, repdio.

    Finalmente, vejamos como se d a representao do indgena nos quadrinhos de Inodoro

    Pereyra. Tal e qual sucede com os outros Outros de Inodoro Pereyra, tambm o ndio aqui aparece

    em contextos deslocados, protagonizando situaes clssicas em um cenrio modernizado e

    midiatizado pelo mercado e pela cultura massificada. s vezes mostrado como comparsa do

    gaucho, ou pelo menos, o percebemos inofensivo, como se nota na frase com que costumam

    cumprimentar ao renegau: Cmo andi, Inodoro toro y v Mendieta perro?; em outros

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    contextos, a imagem que predomina do indgena como o selvagem, o Outro em relao ao

    gaucho, tal e qual a literatura argentina o consagrou (MANDRINI, 2003). Por exemplo, em Maln

    de ausencia, d-se o encontro entre Pereyra e trs ndios. A princpio, a aproximao entre os

    dois lados no em nada amistosa: Huinca19

    Figura 12 Maln de ausencia.

    matando, huinca matando. Um deles se apresenta:

    Somos o maln das quartas-feiras, ao que Inodoro redargue: Um maln? E por que so to

    poucos?. A resposta do indgena de grande hilaridade: que somos um maln de ausncia. Ou

    seja, Fontanarrosa retoma um tema bastante presente na cultura argentina oitocentista, mas o

    inverte totalmente: se de um lado temos o topos das incurses indgenas que avassalavam as

    povoaes brancas da fronteira, por outro vemos que se trata de um maln de ausncia, que

    necessita inclusive pedir uma ajuda para o gaucho, atravs da compra de uma rifa que custearia a

    viagem dos indgenas at o forte que seria atacado. A concluso de Don Inodoro no deixa de ser

    cmica: P... que o pariu...! Os pampas andam perigosos.

    Fonte: FONTANARROSA, Roberto. 20 aos con Inodoro Pereyra, p. 21.

    19 Homem branco, em lngua indgena.

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    J no episdio Hasta la hacienda baguala Pereyra vai consultar ao feiticeiro pampa20

    Pechn-Cor para saber quando iria chover. O feiticeiro seria expert em provocar chuvas, um

    verdadeiro terror contra a escassez climtica. Entretanto, Pechn-Cor diz para o gaucho que ele

    teria chegado fora de horrio e a nica coisa que ele teria para oferecer naquele momento era

    granizo. Pereyra sai decepcionado da tolderia21

    do feiticeiro e conclui: Grande bosta esse

    feiticeiro... Essa boa, trabalhar agora sob regulamento.

    Figura 13 Hasta la hacienda baguala.

    Fonte: Hortensia, n 50, fevereiro de 1974, p. 11.

    Alm dos ndios pampas, outro grupo tnico mencionado nas historietas so os ranqueles.

    Aqui Fontanarrosa no poderia deixar de render tributo narrativa epistolar Una excursin a los

    indios ranqueles, publicada dois anos antes da primeira parte do poema Martn Fierro por Lucio V.

    Mansilla. O livro trata da expedio poltico-militar do sobrinho de Rosas s tolderas ranquelinas

    e de sua internao em Tierra Adentro, lugar de ndios bravos, gauchos renegados e tristes cativas.

    No Episodio salvaje y unitrio Pereyra encontra a um ndio montado sobre um cavalo. O

    gaucho, ento, pregunta: Quem sois, ao que o indgena responde: Sou ranquel e organizo

    excurses. Aqui se percebe claramente como funciona o trabalho desmistificador operado por

    Fontanarrosa, tendo em vista que a idia do homem branco que faz uma excurso rumo

    barbrie desmistificada e invertida. Afinal, agora so os indios que organizam excurses,

    atravs de um complexo processo de mimese com a civilizao, diferente da barbarizao

    presente no relato de Mansilla. Enfim, se os ranqueles esto na moda desde que Lucio Mansilla os

    20 Grupo indgena de origem mapuche habitante da regio pampeana. 21 Acampamento indgena.

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    inventou (IGLESIA, 2003, p. 548), foi com Inodoro Pereyra que eles adquiriram o protagonismo

    negado em outros momentos, inclusive de organizar sua prpria excurso.

    Figura 14 Episodio salvaje y unitario

    Fonte: Mengano, n 27, 1 a 14 de setembro de 1975.

    Resumindo: nos quadrinhos de Inodoro Pereyra o Outro fundamental para a

    constituio do relato. Este outro pode ser o indgena, o negro, o gringo, o turista ou o pueblero22

    ,

    tal e qual ocorre na literatura gauchesca. No entanto, diferentemente desta, os papis atribudos

    ao gaucho e seus Outros aparecem trocados, o que gera a comicidade da narrativa. Se no Martn

    Fierro o Outro no tem valor absoluto, nas historietas de Inodoro Pereyra o que impera o valor

    relativo de todos os personagens, do gaucho ao indgena, do homem da cidade ao turista perdido

    na imensido do pampa. Nada poupado nessa pardia estupenda da literatura gauchesca, e nem

    mesmo seria possvel fazer com que Inodoro Pereyra tivesse um comportamento previsvel para

    os seus leitores.

    Barbrie e civilizao

    Nos quadrinhos de Inodoro Pereyra, a metfora civilizao e barbrie cunhada por

    Sarmiento irreverentemente dessacralizada. Como exemplos, cito os episdios Un mazorquero

    de navidad, El vendaval no tiene riendas e La pampa dos senderos que se bifurcan.

    Em El vendaval no tiene riendas ocorre um conflito entre o renegau e seu patro, que

    paga muito caro pela afronta estirpe mocov de Inodoro Pereyra. A briga comea porque

    Pereyra teria degolado sem querer a um carneiro campeo. O patro, com os olhos crispados de

    clera e segurando um aoite nas mos, esbraveja: Besta selvagem. Sarmiento tinha razo. Vou

    22 Referncia ao homem da cidade.

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    marcar o seu queixo. Porm, o gaucho responde com tranqilidade: No faa com que eu me

    perca, patro, que depois eu no me acho. Mais enfurecido ainda, Don Venancio Olavarra

    ameaa o renegau, desta vez com uma arma de fogo: Gaucho desbocado, vais embora ou te

    queimarei as tripas. De repente, e tal e qual no episdio do seqestro da Eulogia, Pereyra perde a

    pacincia, vindo tona toda a valentia de sua estirpe mocov23: O ltimo que gritou com Inodoro

    Pereyra est mudo agora. Levou a sua lngua como escapulrio. Aquele que falar mal do gaucho

    pagar com seu enterro. O senhor me manda embora, mas eu juro pela ossatura do meu flete que

    isso lhe custar caro... Muito caro. Aps toda esta sequencia de bravura criolla, o episdio termina

    com a seguinte interveno do narrador: E caro custou ao patro. Sessenta pataces de

    indenizao e uma garrafa de ginebra24

    por demitir Inodoro sem aviso prvio.

    Figura 15 El vendaval no tiene riendas

    Fonte: Hortensia, n 29, maro de 1973, p. 8

    Em La pampa de los senderos que se bifurcan ocorre um encontro entre Don Inodoro e

    Jorge Luis Borges. A histria parodia o conto borgiano El Jardn de senderos que se bifurcan, de

    1941, arquitetado a partir de uma trama policial. No episdio em questo, uma figura encapuzada

    pede que Inodoro a ajude a atravessar o pampa, pois temia ser atropelada pelo maln das seis

    horas. Durante a atravessia, os dois personagens comeam a conversar e o desconhecido se

    apresenta: Meu nome Borges, mas pode me chamar de George. Em seguida ele diz: Recordo

    que foi em Balvanera, numa noite que sinto saudades, que algum deixou cair o nome de um tal

    Pereyra Inodoro. Neste trecho, parodia-se a poesia Milonga de Jacinto Chiclana, escrita por

    Borges e reunida no livro Para las seis cuerdas. Me acuerdo fue em Balvanera,/ En una noche

    lejana/ Que alguin dej caer el nombre/ De un tal Jacinto Chiclana. Aps escutar o trecho da

    23 Grupo indgena originrio do que hoje seria o Norte Argentino. 24 Genebra; bebida alcolica muito comum no pampa.

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    milonga, Inodoro comenta que o senhor encapazudo pareca ser hombre lido. De maneira

    arrogante, Borges corrige o gaucho: Lido no. Ledo se dice. Palabra grave. O clima da

    conversao fica tenso: Faco uma palavra grave, ameaa Inodoro. Finalmente, George

    arremata conclusivo: intil, somos um smbolo: Civilizao e barbrie. Mendieta, a voz do

    bom senso, tenta ento convencer o renegau a largar mo daquele senhor pedante que os tratava

    com desprezo. Contudo, a gag final recai na pardia da cano El corralero (Djelo noms

    pastar, no rechace mi consejo, que yo lo voy a enterrar, cuando se muera de viejo), pronunciada

    por Inodoro como uma maneira de dizer que no necessariamente se deveria optar pela

    civilizao ou pela barbrie. Quer dizer, ao sentenciar que se deveria deixar o velho Borges

    passar, Inodoro mostra que a polarizao sarmientina deveria ser abandonada, e uma nova

    histria deveria ser escrita. Ante a voz civilizada as rplicas de Inodoro costumam ser o silncio,

    a interpretao, a resposta desviada e os remates que misturam ingenuidade e ceticismo ante as

    atitudes dos representantes da civilizao (MINELLI, 2010).

    Figura 16 La pampa de los senderos que se bifurcan

    Fonte: Hortensia, n 38, julho de 1973, p. 18.

    Em El Mazorquero de Navidad temos o dilogo nonsense entre Inodoro Pereyra e o Papai

    Noel, confundido com um mazorquero25

    25 Nome que se dava aos milicianos gauchos que integravam a Mazorca, aparato policial do rosismo.

    . O dilogo desencontrado resulta na exclamao

    entusiasta do gaucho: Viva la santa Federacin. Mueran los salvajes unisex!. O efeito cmico

    desta vinheta resultado da burla de um dos topos mais contundentes na histria argentina

    oitocentista, e to forte na obra de inteletuais como Sarmiento e Hernndez. A oposio unitrios

    e federais, circunscrita por sua vez ao esquema civilizao e barbrie, simplesmente

    desmontada pela fala de don Inodoro, que parece estar pouco se importando se so unitrios ou

    unissex.

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    Figura 17 - El Mazorquero de Navidad

    Fonte: Hortensia, n 46, dezembro de 1973, p. 18.

    Enfim, atravs dessa distoro caricaturesca da realidade, nota-se que a metfora

    sarmientina ressignificada nos quadrinhos criados por Fontanarrosa. Mas quem o brbaro e

    quem o civilizado na epopia criada pelo Negro? Notemos que a barbrie, substantivada no texto

    de Sarmiento, aparece nesta historieta de maneira altamente intercambivel, por vezes

    encarnada na figura dos ndios ranqueles; em outros contextos, nos males decorrentes da vida

    civilizada; em outros momentos ainda, na prpria violncia do gacho Inodoro Pereyra.

    Podemos, assim, aventar a seguinte hiptese para explicar essa fluidez com que as balizas

    civilizao e barbrie aparecem na obra de Fontanarrosa: talvez esta historieta seja a

    dessacralizao risonha da prpria metfora sarmientina, que se baseia em uma equao falsa,

    um jogo conceitual, uma frase de papel. Afinal, como j dizia Jos Mart, no existe batalha

    entre civilizao e barbarie, mas apenas entre a falsa erudio e a natureza.

    A modo de concluso

    No gnero gauchesco recorrente a referncia de um personagem ao outro, de modo que

    um no pode se furtar de render tributo ao modelo anterior. Assim, Hilario Ascasubi se declara

    continuador do legado de Hidalgo, e por sua vez homenageado por Estanislao Del Campo

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    atravs de Anastasio el Pollo. At mesmo Jos Hernndez teria rendido tributo a uma obra

    anterior, Los tres gauchos orientales, do uruguaio Arturo Lussich.

    Ao tempo em que os autores da gauchesca se esforam, quase unanimemente, por demonstrar que eles simplesmente copiam a vida, que nos seus textos somente se deve buscar a mera realidade transposta em palavras [...] e que nada mais distante deles que o intento de uma dico literria e artstica para a qual no se sentem capacitados [...], ao mesmo tempo se inscrevem todos [...] num movimento literrio, declarando-se continuadores, aperfeioadores, meros discpulos e raras vezes discrepantes com os autores e obras do passado. Em poucas ocasies se poder comprovar de maneira to evidente como a literatura nasce da literatura e por sua vez engendra literatura, nesta sucesso que vai de pais a filhos, de mestres a discpulos, de textos em textos (RAMA, 1977, p. xliv-xlv).

    Com Inodoro Pereyra - exemplo de intertextualidade permanente, de crtica e de humor - a

    coisa no foi diferente, pois sua vida parece refletir tanto ao Martin Fierro de Hernndez como a

    muitos outros gauchos anteriores. Porm, a grande novidade que traz esta HQ em relao ao

    gnero gauchesco do qual ela tributria que o modelo serve somente como uma matriz a

    partir da qual se inscrevero novos itinerrios. O jogo entre homenagem gauchesca e negao

    da gauchesca muito claro aqui.

    Inclusive, pode-se considerar o episdio inicial que abre a srie, Cuando se dice adis26

    Nossa hiptese, portanto, que os quadrinhos de Inodoro Pereyra podem ser lidos como

    outro olhar sobre a histria da Repblica Argentina, ressignificando e invertendo esquemas

    explicativos da histria nacional. Canclini j havia dado a pista inicial de que Don Inodoro seria

    um ensaio de rediscusso da oposio entre unitrios e federais (CANCLINI: 1997). A questo,

    contudo, saber como esta HQ teria feito isso, e a partir de quais estratgias grfico-textuais se

    passou de um discurso pico para outro pardico.

    como um rapto de originalidade, j que Fontanarrosa deliberadamente homenageia e rouba uma

    cena do Martn Fierro. Esta pretenso de inaugurar uma narrativa a partir do roubo de uma cena

    fundacional da histria argentina pode estar relacionada prpria alcunha escolhida pelo

    quadrinista para o seu gaucho: el renegau. Porque de guri renegava muito ao meu pai. Quer

    dizer, os quadrinhos de Pereyra dialogam o tempo todo com a tradio gauchesca da qual eles so

    tributrios, a partir de um jogo que oscila entre a negao e a afirmao. Melhor dito, negam suas

    razes atravs da afirmao das mesmas, burlando dessa paternidade forjada e artificial.

    26 Hortensia, n 25, dezembro de 1972, p. 21

  • DOI: 10.5433/1984-3356.2012v5n9p301

    , v. 5, n.9, p.301-328, jan./jul. 2012 326

    Como cpia de um contexto conhecido que se faz com humor, o relato de Inodoro Pereyra

    funciona como caixa de ressonncia de uma srie de discursos provenientes do vasto campo da

    gauchesca, entrecruzados com referncias dos mass media e das indstrias culturais dos anos

    1970.

    De qualquer forma, acreditamos que o grande mrito deste quadrinho rediscutir

    problemticas fundadoras da histria argentina atravs de um outro ponto de vista. A pardia

    funciona neste caso como um filtro atravs do qual se pode captar ngulos e perspectivas ainda

    no vistos: ao copiar um contexto j conhecido, pode-se modific-lo, inserindo variveis que

    geram a desfamiliarizao e a ruptura do esteretipo. Logo, se o reconhecimento post mortem da

    figura do gaucho acabou cristalizando uma determinada verso sobre a histria ptria, eis os

    quadrinhos de Inodoro Pereyra para trazer novamente o incmodo das narrativas de origem.

    Neste caso, a volta a um gesto fundador tem menos a pretenso de repetir um itinerrio do que

    comear algo novo. Quer dizer, Inodoro Pereyra recupera o Martn Fierro com o objetivo de

    super-lo. De forma inversa tambm se poderia postular que no mais possvel pensar no

    personagem hernandiano sem pensar-se no gaucho de Fontanarrosa.

    Isso significa dizer que o quadrinho est atravessado por uma ambigidade estrutural: ora

    apresentado como modelo, ora como contra-modelo de determinado discurso sobre o gaucho

    argentino, a questo que el renegau parece ter sua existncia assegurada unicamente por meio

    desse mesmo discurso que pretende demolir.

    Em suma, o mais importante que deve ser destacado que atravs desta historieta

    possvel repensar importantes questes que marcaram a histria argentina, e que foram

    responsveis pela conformao de subjetividades e projetos identitrios naquele pas. Pardia

    estupenda da pica gauchesca, os quadrinhos de Inodoro Pereyra so um timo exemplo da

    desconstruo das fbulas de identidade cunhadas tanto na tradio literria argentina como no

    amplo espao cultural da ps-modernidade. Quer dizer,

    H um sculo, os argentinos discutem se a poltica cultural deve optar pela civilizao das metrpoles, rechaando a barbrie do autctone, ou por uma reivindicao enrgica do nacional-popular. Ao chegar beira do sculo XXI, quando as indstrias culturais como as histrias em quadrinhos e as telenovelas nos fazem habitar um espao internacional, frente pergunta de se preferimos Sarmiento ou Rosas, melhor nos aproximarmos de Inodoro Pereyra (CANCLINI: 1997, p. 341).

  • DOI: 10.5433/1984-3356.2012v5n9p301

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    Recebido em 30/02/2012

    Aprovado em 30/05/2012