Artigo ABET 2013

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POLÍTICAS DE CERTIFICAÇÃO PROFISSIONAL NA INGLATERRA: DISPOSITIVOS DE RECONHECIMENTO DE SABERES DO TRABALHO 1 POLICIES OF VOCATIONAL QUALIFICATION IN ENGLAND: DEVICES OF RECOGNITION OF WORK-BASED KNOWLEDGE Natália Valadares Lima 2 Daisy Moreira Cunha 3 Resumo: O presente artigo tem como objetivo apresentar e analisar os dispositivos de certificação profissional que viabilizam o reconhecimento de saberes construídos pelos sujeitos durante a experiência de trabalho elaborados pelo governo da Inglaterra. Para tal, através de pesquisa bibliográfica e documental, realizaremos um mergulho histórico na configuração econômica, política e educacional da Inglaterra durante as duas últimas décadas do século XX, levantando aspectos que determinaram a configuração do National Vocational Qualification, um dos primeiros mecanismos de avaliação e certificação de saberes de trabalhadores desenvolvido mundialmente, as modificação realizadas nesse dispositivo até sua extinção e substituição pelo Qualification and Credit Framework. Por meio desta análise, verificamos que os problemas encontrados nos dispositivos da Inglaterra persistem às mudanças realizadas, pois mantêm inalteradas as concepções teórico-metodológicas que fundamentam a concepção dos mesmos. Palavras-chave: Certificação Profissional; Inglaterra; Reconhecimento de saberes. Abstract: This article aims to present and analyse the devices of vocational certification that enable the recognition of knowledge constructed by the subjects during their work experience implemented by the British Government. To this end, through bibliographical and documentary research, we will 1 Classificação no Journal of Economic Literature: I28. 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da FAE/UFMG. Bolsista de mestrado do CNPq. Possui Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de Minas Gerais. 3 Pós-doutorado no CNAM-Paris; Doutorado em Filosofia pela Aix-Marseille Université. Professora Associada da Faculdade de Educação da UFMG.

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Polticas de Certificao Profissional na Inglaterra: dispositivos de reconhecimento de saberes do trabalho

POLICIES OF VOCATIONAL QUALIFICATION IN ENGLAND: DEVICES OF RECOGNITION OF WORK-BASED KNOWLEDGENatlia Valadares Lima

Daisy Moreira Cunha

Resumo:O presente artigo tem como objetivo apresentar e analisar os dispositivos de certificao profissional que viabilizam o reconhecimento de saberes construdos pelos sujeitos durante a experincia de trabalho elaborados pelo governo da Inglaterra. Para tal, atravs de pesquisa bibliogrfica e documental, realizaremos um mergulho histrico na configurao econmica, poltica e educacional da Inglaterra durante as duas ltimas dcadas do sculo XX, levantando aspectos que determinaram a configurao do National Vocational Qualification, um dos primeiros mecanismos de avaliao e certificao de saberes de trabalhadores desenvolvido mundialmente, as modificao realizadas nesse dispositivo at sua extino e substituio pelo Qualification and Credit Framework. Por meio desta anlise, verificamos que os problemas encontrados nos dispositivos da Inglaterra persistem s mudanas realizadas, pois mantm inalteradas as concepes terico-metodolgicas que fundamentam a concepo dos mesmos. Palavras-chave: Certificao Profissional; Inglaterra; Reconhecimento de saberes. Abstract: This article aims to present and analyse the devices of vocational certification that enable the recognition of knowledge constructed by the subjects during their work experience implemented by the British Government. To this end, through bibliographical and documentary research, we will explore the economic, political and educational setting of England during the last two decades of the 20th century, raising issues that led to the setting of the National Vocational Qualification (NVQ), one of the first mechanisms for evaluation and certification of work-based knowledge developed worldwide, the modifications performed on this device until its extinction and replacement by the Qualification and Credit Framework (QCF) in 2008. Keywords: Vocational Certification; England; Recognition of knowledge.I - Introduo

O presente trabalho tem como objetivo apresentar e analisar os dispositivos de certificao profissional que viabilizam o reconhecimento de saberes construdos pelos sujeitos durante a experincia de trabalho elaborados pelo governo ingls. Para tal, realizaremos um mergulho histrico na configurao econmica, poltica e educacional da Inglaterra durante as duas ltimas dcadas do sculo XX, levantando aspectos que determinaram a configurao do National Vocational Qualification (NVQ), um dos primeiros mecanismos de avaliao e certificao de saberes de trabalhadores desenvolvido mundialmente, as modificaes realizadas nesse dispositivo at sua extino e substituio pelo Qualification and Credit Framework (QCF) em 2008.

Este artigo fruto das investigaes iniciais da pesquisa de mestrado Reconhecimento de saberes do trabalho e Certificao Profissional: o caso ingls e integra o projeto de pesquisa sobre os sistemas de reconhecimento de saberes e certificao profissional desenvolvidos mundialmente, ainda sem financiamento. A metodologia adotada para anlise aqui proposta se pauta-se na reviso documental e bibliogrfica. A primeira consiste na apreciao de documentos legais emitidos pelo governo da Inglaterra, voltados para regulamentao dos dispositivos de certificao profissional que possibilitam o reconhecimento de saberes construdos no trabalho, e na anlise da documentao emitida pelas agncias responsveis pelo acompanhamento dos trabalhadores no processo de certificao e avaliao de seus saberes. A reviso bibliogrfica tem como objetivo de identificar de que forma as discusses sobre validao de saberes desenvolvidos na experincia de trabalho se configuram na Inglaterra. Neste sentido, foram foco desta pesquisa trabalhos que contemplam as temticas: certificao e qualificao profissional, avaliao e reconhecimento de saberes, National Vocational Qualification, e educao de trabalhadores. Segundo Moraes e Neto (2005), as polticas nacionais que instituem e regulamentam instrumentos de validao de conhecimentos construdos ao longo da vida pem em jogo interesses de diferentes atores sociais e, por isto mesmo, desencadeiam disputas ideolgicas e envolvem questes poltico-epistemolgicas importantes. Os referenciais terico-metodolgicos adotados em cada pas para organizao do dispositivo de reconhecimento e certificao de saberes so orientados por suas finalidades econmicas, sociais e/ou polticas. Ou seja, enquanto alguns pases desenvolveram sistemas de validao de experincia articulados aos direitos de trabalho e educao, buscando atender as reivindicaes sociais, outros viram neste instrumento a possibilidade de adequar os programas de formao e qualificao de mo de obra s exigncias do setor produtivo (ECOTEC, 2007).

Na Inglaterra, o dispositivo de certificao de saberes foi concebido no bojo do governo neoliberal conduzido por Margareth Thatcher e norteado por anseios polticos e econmicos, em detrimento das demandas sociais. Para o governo ingls, a introduo de um dispositivo que definisse objetivamente todas habilidades e competncias necessrias para certificao profissional permitiria aos trabalhadores identificar e desenvolver, por conta prpria, os conhecimentos essenciais para o crescimento do setor produtivo (TREVISAN, 2001), transferindo, desta forma, a responsabilidade pela formao profissional do Estado para os indivduos. Para colocar em prtica esta proposta, o governo conservador se norteou pelo modelo americano de competncias, que propunha a racionalizao de elementos indispensveis para um desempenho eficiente e se voltava para a avaliao de capacidades efetivas dos sujeitos (ARAJO, 2001). Desde sua concepo, o NVQ vm sendo alvo de crticas por parte de empresrios, representantes dos trabalhadores e da academia, uma vez que no conseguiu atender as demandas de nenhum destes atores. As alteraes do NVQ ao longo de sua vigncia e, finalmente, sua substituio pelo QCF em 2008, trazem tona aspectos importantes para pensamos a definio de instrumentos de reconhecimento de saberes com fins de certificao profissional. As ponderaes sobre esses mecanismos levantam questes sobre: as concepes de trabalho e experincia que fundamentam o processo de certificao; a possibilidade de racionalizao e formalizao de saberes da experincia; a tenso entre trabalho real e trabalho prescrito; a relevncia da avaliao de competncias; o papel do Estado, empresrios e trabalhadores para definio dos conhecimentos legitimados/certificados; e os limites e possibilidades do processo de reconhecimento de saberes (Hyland, 2007; WOLF, 2009).

Apesar de considermos todas estas questes de extrema relevncia para se pensar a construo de um sistema de reconhecimento de saberes e certificao profissional, nos focaremos neste trabalho, tendo em vista a escassez de pesquisas sobre este tema, em apresentar o contexto de implementao do National Vocational Qualification, sua orientaes terico-metodolgicas, as criticas a esse dispositivo, at a sua substituio por um novo mecanismo de reconhecimento de saberes. II - CONTEXTO HISTRICO A organizao dos dispositivos de certificao profissional da Inglaterra, assim como a reestruturao do sistema educacional ingls, foi orientada por demandas oriundas da crise econmica que atingiu o pas durante as dcadas finais do sculo XX. Os problemas econmicos vivenciados na Inglaterra, iniciados nos anos 1960 e agravados durante 1980, foram atribudos falta de adaptabilidade da mo de obra inglesa s novas tecnologias, que, por sua vez, foi relacionada m formao do trabalhador britnico, considerado inabilitado para alcanar altos ndices de produtividade no novo contexto de desenvolvimento tecnolgico (TREVISAN, 2001). Neste sentido, estabeleceu-se uma relao linear entre educao, qualificao e desenvolvimento econmico, utilizada para justificar a interveno governamental na organizao dos sistemas de educao e de formao profissional.

A crise econmica fez com que o governo ingls intensificasse a busca por caminhos que culminassem na elevao da produtividade e no desenvolvimento de novos produtos e mercados (CARVALHO, 1996). A alternativa encontrada pelo Partido Conservador, ento no poder, centrou-se na privatizao das indstrias nacionais. A privatizao foi apresentada como meio de modernizar as tcnicas de produo industrial, aumentando a competitividade dos produtos ingleses e restabelecendo o potencial produtivo do pas (TREVISAN, 2001).

O processo de privatizao e o desenvolvimento tecnolgico reorganizaram quase todos os setores de atividades econmicas e estabeleceram novos modelos de relaes de trabalho. A adeso s novas tecnologias enfraqueceu os dogmas tayloristas de organizao do trabalho e nesse novo modelo produtivo o mercado de trabalho passou a buscar trabalhadores dotados de mltiplas habilidades, responsveis, autnomos e capazes de se adaptarem s modificaes no processo de produo (CARVALHO, 1996). Alm disso, na Inglaterra, constatou-se a modificao do perfil do trabalho, caracterizada pela reduo no nmero de empregos no setor industrial e um aumento proporcional no setor de servios, j em expanso desde meados dos anos 1970 (TREVISAN, 2001).

No entanto, apesar destas alteraes, a crise econmica na Inglaterra continuava se agravando. A resposta encontrada pelo governo ingls para justificar esta situao se centrou na falta de qualificao da mo de obra inglesa para lidar com os aparatos tecnolgicos introduzidos nas empresas. A culpabilizao do sistema educacional pelos problemas econmicos na Inglaterra no tem origem neste momento histrico. Nos anos 1870, com o declnio da economia britnica e aumento de competitividade da Alemanha, relatrios governamentais e obras populares j afirmavam que a m qualidade da educao, principalmente da educao profissional, era responsvel pela falta de competitividade da indstria britnica (SANDERSON, 2008). Ao analisar o declino econmico da Inglaterra neste perodo, Schumpeter (1939) afirma que a modificao do tipo e local de emprego, derivado da alterao dos meios de produo, exigia outro tipo de capacitao profissional daqueles em busca de trabalho. Segundo Sanderson (2008, p. 32), o governo de Margareth Thatcher recorreu s obras produzidas no incio do sculo XX para justificar as dificuldades econmicas encontradas durante sua gesto. Desta forma, o governo conservador passou a se pautar na mxima de que o mercado de trabalho ingls requeria um novo tipo de trabalhador, dotado de mltiplas habilidades e capaz de adaptar-se a diferentes situaes, mas que o sistema educacional falhava em formar tais sujeitos. A educao passou, ento, a ser apontada como a principal causa do declnio econmico britnico (TREVISAN, 2001, p. 173). No relatrio realizado pela Cmara dos Lordes, em 1985, explicitada a importncia atribuda ao tratamento dos recursos humanos e educao para o desenvolvimento da economia nacional. De acordo com o documento, estudos mostram que a deficincia nos campos da educao e formao de mo de obra o fator que apresenta maior influncia sobre a baixa performance da indstria nacional, e, segue afirmando, que atravs de um melhor sistema educacional que uma nova atitude, fundamental para o setor industrial, ser estabelecida (House of Lords, 1985). Paralelamente a este relatrio, foram realizados estudos que demonstravam que os trabalhadores britnicos no possuam habilidades fundamentais, como letramento e conhecimento das operaes matemticas (MARCHIN e VIGNOLES, 2006).

Diante desta realidade, na dcada de 1980, o governo ingls deu nfase implementao de programas voltados para a valorizao da experincia de trabalho como rota de formao alternativa ao mundo acadmico, incentivando jovens cursando o ano final da educao compulsria a se inserirem no mercado de trabalho. Contudo, para atender s exigncias das empresas, era necessrio que estes jovens apresentassem habilidades distintas daquelas j possudas pelos trabalhadores ingleses (TREVISAN, 2001). Ou seja, para que a escola formasse trabalhadores que atendessem os requisitos do mercado de trabalho ingls, era necessria a alterao dos contedos ensinados durante a educao compulsria e profissional.

At o incio dos anos 1980, a formao profissional inglesa era realizada atravs de estgios, nos quais os alunos observavam e repetiam as aes de trabalhadores mais experientes. Esta forma de aprendizagem passou a ser amplamente criticada pelo governo ingls, que afirmava que este tipo de formao impossibilitava o desenvolvimento das novas habilidades necessrias para o sucesso do processo produo, pois a aprendizagem era limitada aos conhecimentos dos trabalhadores sobre os processos de produo j estabelecidos.Em 1978, a Manpower Services Commission (MSC) estabeleceu o Programa Youth Opportunities, voltado para o atendimento de jovens desempregados e evadidos do sistema de ensino. O Programa visava a preparar esses jovens, considerados no qualificados, para ingresso no mundo do trabalho, tendo em conta suas experincias de trabalho, procurando estabelecer uma relao entre trabalho e educao. A experincia de trabalho foi tomada como referncia para se pensar como a educao poderia ser apropriada ou relevante para as situaes de trabalho nos quais os estudantes estariam inseridos. As crticas a este programa estavam centradas na natureza artesanal dos trabalhos abordados e na oferta de formaes profissionais especificas, com pouco embasamento terico e que propiciava um desenvolvimento pessoal limitado (Harwood, 1996). Ainda procurando aproximar educao e as exigncias dos empregadores, em 1981, foi publicado o livro branco New Training Initiative: a Programme for Action. Neste documento foram apresentadas demandas por mudanas no sistema de formao profissional. Dentre as principais esto: a flexibilizao dos requisitos de entrada nesse sistema, a fim de ampliar as oportunidades para os adultos adquirirem, aumentarem ou atualizarem suas habilidades e conhecimentos; a reforma e ampliao das habilidades normatizadas por esse sistema; e a progresso entre os nveis do sistema de educao baseada na aprendizagem ao invs de no tempo gasto em frequncia de cursos. De acordo com Trevisan (2001), o livro branco propunha um maior controle do governo sobre o contedo da formao do trabalhador, o aumento da flexibilidade do trabalhador no processo de produo e a ampliao participao de empresrios em assuntos relacionados educao.O New Training Initiative sugeria a criao do Youth Training Scheme (YTS), que tinha o mesmo pblico alvo do Programa Youth Opportunities, ento extinto. O YTS, implementado em 1983, propunha uma maior relevncia do currculo, bem como o desenvolvimento de atividades mais relevantes para o indivduo e para a comunidade. Esse programa procurou estabelecer critrios objetivos de avaliao, voltados para as demandas do mercado de trabalho. Ele consistia em cursos voltados para formao e insero de jovens e adultos no mundo do trabalho, relacionando a oferta de estgios com a frequncia a cursos de formao (JESSUP, 1991). Contudo, as especificaes dos contedos de formao e avaliao no foram unificados com este programa e coexistiam na Inglaterra programas de formao profissional que adotavam parmetros diversificados. Para reorganizar o sistema de educao nacional o governo Thatcher elaborou o Education Reform Act de 1988. Este documento modificava perfil da educao nacional, centralizava a definio dos contedos curriculares e estabelecia um sistema de avaliao unificado, possibilitando o controle dos contedos ensinados e da qualidade do ensino. A formulao do currculo nacional, que padronizava dos contedos educacionais ensinados nacionalmente, visava garantir padres mnimos de qualidade para a educao obrigatria e controlar as habilidades e conhecimentos desenvolvidos pelos alunos durante este perodo. O currculo nacional foi organizado em mdulos de ensino, que delimitavam competncias e conhecimentos a serem adquiridos em cada etapa do ensino, auxiliando na implementao de um sistema de metas de aprendizagem por unidade escolar (PRADO, 2011). Com este sistema, ao final de cada etapa da educao compulsria, os alunos deveriam se submeter a avaliaes padronizadas, realizadas nacionalmente, estruturadas de acordo com os contedos curriculares previamente estabelecidos. A avaliao, por meio do Education Reform Act de 1988, adquire um papel fundamental no processo de aprendizagem, pois atravs da anlise de seus resultados que sero criados novos elementos para a reorganizao do sistema educacional (JESSUP, 1991).

No mbito da qualificao profissional, as diretrizes foram unificadas e centralizadas atravs da implementao do NVQ, que estabelecia os critrios de avaliao e certificao de trabalhadores. O NVQ foi elaborado pelo grupo de trabalho constitudo pelo governo ingls, chefiado por De Ville, para analisar a organizao da formao profissional no pas. O relatrio originrio dessa anlise apontou para a necessidade de criao de um sistema nacional de formao profissional. De acordo com De Ville (1986), esse sistema possibilitar o aumento das competncias dos trabalhadores, o aumento da competitividade da indstria nacional e melhorar a qualidade dos servios prestados. O autor justifica a necessidade de elaborao de sistema nacional apresentando os seguintes pontos: a nao precisa de maior nmero de pessoas bem qualificadas; necessrio uma ao para reduzir a confuso causada por diferentes programas formao; as formaes profissionais devem se relacionarem diretamente com as competncias requeridas pelo mundo do trabalho (1986, p. 01).

O NVQ foi apresentado como um instrumento necessrio para aprimorar as habilidades dos indivduos j inseridos no mercado de trabalho, uma vez que o pas no poderia se dar ao luxo de esperar o aumento gradual do nvel de qualificao e de habilidades dos trabalhadores por uma gerao ou mais. Alm disso, segundo Jessup, os novos trabalhadores tambm necessitaro de treinamento contnuo para atualizar e aprimorar suas habilidades, e para se adaptarem s mudanas requeridas pelo trabalho (1991, p. 96).Por meio do NVQ, o governo definiu as normas orientavam os programas de capacitao e avaliao de trabalhadores, buscando estabelecer uma coerncia entre habilidades requeridas pelo mercado de trabalho e competncias dos trabalhadores, sem, no entanto, assumir responsabilidade pelo processo de treinamento dos trabalhadores. De acordo com Trevisan, Esse processo, aparentemente contraditrio, s foi possvel porque se desenvolveu um sofisticado sistema de competncias, mantendo-o rigorosamente sob controle (2001, p. 201).

Uma anlise das polticas de educao e qualificao do trabalhador do governo Thatcher explicita que estas se basearam no modelo de competncias para fomentar o desenvolvimento de habilidades pelos trabalhadores compatveis com as necessidades dos empregadores na Inglaterra. Segundo Arajo,

A partir da noo de competncias, um novo discurso sobre formao profissional se apresenta prometendo ser capaz de responder s novas demandas do mercado de trabalho, sustentando um conjunto de ideias sobre como deve ser a formao da classe trabalhadora. Tal discurso, apesar de no homogneo, coloca-se como um elemento da nova realidade da sociedade capitalista ps-fordista e tem a pretenso de responder s exigncias desta nova realidade e de estabelecer novas prticas formativas e, com isso, contribuir para a construo de uma sociedade mais justa e de homens plenamente desenvolvidos (2001; p. 09).

O modelo de competncias, da forma como foi adotado na Inglaterra, estava voltado para o estimulo do desenvolvimento de habilidades individuais pelos membros da sociedade. Neste modelo, trabalhador competente aquele capaz de mobilizar qualidades subjetivas para realizar diferentes tarefas que compem determinada atividade de trabalho, independente de frequncia a cursos de formao profissional ou ao sistema de educao formal (ISAMBERT-JAMATI apud ARAJO, 2001).

Em consonncia com o foco na constatao das capacidades efetivas do sujeito, a avaliao de resultados assume um papel central nos sistemas de educao e de qualificao profissional. No primeiro, o governo ingls desenvolveu o Standard Assessment Tasks (SATs), que define contedo e forma das avaliaes no final de cada etapa do ensino regular. No segundo, atravs do NVQ, foi definido um referencial para avaliao padronizada dos sujeitos durante a atividade de trabalho voltado para a certificao profissional.

Para alm da centralidade da avaliao, um mergulho na histria dos dispositivos de certificao profissional implantados na Inglaterra nos mostra que a noo de competncias introduziu uma nova forma de tratar a questo da qualificao dos trabalhadores. Estes instrumentos, at os dias atuais, se articulam em torno de caractersticas inerentes esta noo. So elas: foco nas capacidades individuais; nfase no desenvolvimento de habilidades transferveis; responsabilizao do sujeito pelo processo de aquisio de habilidades, ingresso e permanncia no mercado de trabalho; e valorizao da autonomia e capacidade crtica dos trabalhadores, para o enfrentamento das demandas oriundas da flexibilizao da produo. (ARAJO, 2001, p. 12). A forma como estes aspectos esto presentes nos dispositivos de certificao profissional ser apresentada no prximo tpico.III - CONFIGURAO DOS DISPOSITIVOS DE CERTIFICAO PROFISSIONAL NA INGLATERRAA implementao do NVQ trouxe tona discusses em torno dos aspectos terico-metodolgicos que orientavam a avaliao e certificao de saberes dos trabalhadores na Inglaterra. Ao longo das ltimas dcadas, como resposta s crticas a este mecanismo, o governo nacional realizou alteraes estruturais no NVQ, sem, no entanto, debater os conceitos que norteavam os processos de avaliao e certificao. Isto foi possvel porque os dispositivos de certificao de profissional na Inglaterra sempre se voltaram para a satisfao das exigncias do mercado de trabalho, aferindo as habilidades diretamente requeridas para o exerccio de determinada atividade.

Conforme dito anteriormente, o NVQ foi concebido por De Ville em 1986. No documento apresentado pelo autor proposto a implementao do National Council for Vocational Education (NCVQ), como rgo responsvel pela elaborao de um sistema nacional de formao profissional. As atividades propostas para o NCVQ diziam respeito elaborao e regulao desse sistema, no cabendo a ele avaliar e certificar sujeitos. Nesse sentido, caberia a esse Conselho garantir o cumprimento dos critrios estabelecidos no relatrio supracitado para o NVQ, a saber: inteligibilidade, relevncia, credibilidade, acessibilidade e eficcia. De Ville (1986, p. 17 18) apresenta esses critrios da seguinte forma: 1. Inteligibilidade: a) A estrutura do novo sistema de formao profissional deve ser facilmente compreendida por todos, especialmente pelos responsveis por fornecer cursos de formao geral e profissional, estudantes, empregadores e sindicatos; b) A matriz de contedos e critrios dos programas de formao profissional deve ser clara, proporcionando a identificao da relao entre formaes, a localizao destas no sistema nacional e a sua conexo com outros modelos de formao elaborados fora desse sistema.

2. Relevncia: a) O sistema deve ir de encontro com as demandas, atuais e futuras, de jovens e adultos, independentemente de gnero, raa e etnia, e atender toda a gama de ocupaes e de habilidades requeridas para ingresso e permanncia no mundo do trabalho; b) O sistema deve atender as exigncias de todos os campos de trabalho; c) Demandas locais, assim como as novas exigncias que forem identificadas ao longo do tempo, devem ser contempladas pelo sistema nacional de formao profissional, atravs de esforos de empregadores e de responsveis fornecer programas de formao geral e profissional; d) A certificao profissional deve refletir os padres de competncia alcanados e, por conseguinte, contemplar a avaliao da aplicao de conhecimento e de habilidades; e) O sistema deve abranger diferentes mtodos de avaliao, possibilitando o reconhecimento e certificao de aprendizagens realizadas no trabalho ou em outros ambientes; f) Sempre que necessrio, atualizaes devem ser requisitadas, possibilitando a requalificao dos sujeitos.

3. Credibilidade: a) O sistema deve ser visto como referencial de conhecimentos, habilidades, compreenso e performance reconhecidos e valorizados por estudantes, empregadores, sindicatos e setores da educao. As certificaes devem ser nacionalmente monitoradas, para garantir a coerncia dos critrios adotados.

4. Acessibilidade: a) Restries de acesso educao e formao profissional e avaliao para certificao devem ter o mnimo de coerncia com os critrios estabelecidos pelo sistema. As circunstncias e necessidades de mulheres, membros de grupos tnicos minoritrios, pessoas deficientes e daqueles com necessidades especiais devem ser plenamente respeitadas; b) Educao e formao devem, o tanto quanto possvel, serem fornecidas de diferentes formas, quer seja em horrio integral ou parcial, em instituies de ensino, no local de trabalho ou em outro local escolhido pelo indivduo; c) Devem ser fornecidas oportunidades para que os sujeitos estabelecem o ritmo de sua progresso e no devem ser estabelecidos limites de idade; d) Deve ser possvel que os indivduos progridam nos sistemas de ensino, de formao profissional e no mundo do trabalho. Os indivduos devem poder ampliar, atualizar ou aprimorar suas competncias; d) Os sujeitos devem ter a possibilidade de obterem reconhecimento e transferir crditos para avaliao de competncias, habilidades e conhecimentos. Isso deve facilitar a mobilidade entre empregos, tanto geograficamente quanto entre setores.

5. Eficcia: O sistema deve ser eficiente em relao ao custo financeiro para o indivduo, para os empregadores e para o governo.Em consonncia com esses objetivos, o NVQ foi definido como uma declarao de competncia claramente relevante para o trabalho, voltada para facilitar a entrada ou a progresso no mundo do trabalho, na escola ou em cursos de formao profissional, obtida por um indivduo e emitida por uma instituio reconhecida pelo governo. Essa declarao de competncia deve incorporar a avaliao de: habilidades padronizadas especificadas de acordo com o trabalho avaliado; conhecimentos e compreenso a respeito das atitudes necessrias para realizao de determinado trabalho; e da capacidade de utilizar suas habilidades e conhecimentos para efetuar determinada atividade (DE VILLE, 1986, p. 17; JESSUP, 1991).

O NVQ no est vinculado ao sistema de educao compulsria ou cursos de formao profissional, uma vez que o processo de avaliao direcionado para a identificao de elementos que constituem uma ao competente. A avaliao e certificao dos candidatos ao NVQ so realizadas por Centros credenciados por Entidades Adjudicantes. Estas entidades so nomeadas pelo NCVQ para: aprovar e monitorar as atividades dos Centros; elaborar guias de conduta para os Centros, referente aos critrios de gerenciamento do processo de certificao; nomear e monitorar o trabalho dos Assessores externos aos Centros; auditar os programas NVQ; e apresentar ao NCVQ novas ocupao ou critrios para certificao profissional. As certificaes so agrupadas em 10 reas profissionais e em 5 nveis de habilidades. Estes so definidos de acordo com a complexidade da tarefa e aptido requerida para sua execuo. Nesta classificao, os nveis so organizados de forma crescente, sendo o primeiro nvel voltado para trabalhadores capazes de realizar atividades rotineiras, necessrias para o exerccio de determinada funo, e o ltimo destinado a trabalhadores aptos a exercerem todo tipo de atividade referente sua funo de forma autnoma e responsvel (QCA, 2006).

Ao analisar a ampliao dos nveis de habilidade, para alm das classificaes habilitado, no habilitado e profissional, Trevisan (2001, p. 197) afirma que, devido ao processo de inovao tecnolgica, (...) diversos outros nveis de habilidades se desenvolveram, diversas outras possibilidades de exerccio de funo se formaram, e os graus clssicos de habilitao, obviamente, no conseguiram abranger todo o novo arco de possibilidades profissionais. O autor constatou que os trabalhadores inseridos neste contexto possuam uma gama de habilidades intermediarias fundamentais para o processo produtivo e que, portanto, o desenvolvimento destas deveria ser estimulado atravs da certificao das mesmas (ibid).

Para iniciar o processo de obteno do NVQ, o indivduo deve procurar um Centro que ir indicar um assessor para acompanha-lo durante todo o processo de certificao. O assessor responsvel por decidir qual o nvel de certificao mais indicado para o candidato, de que forma as habilidades do candidato sero aferidas, e por avaliar os conhecimentos e habilidades dos mesmos para fins de emisso do NVQ (EDEXCEL, 2006). Uma vez que a proposta do NVQ certificar os resultados evidenciados durante a atividade de trabalho, ele deve ser realizado, preferencialmente, durante a atividade de trabalho. No entanto, quando este tipo de avaliao no possvel, ela pode ser realizada atravs de provas de competncias, que so obtidas atravs de anlise de documentos ou de relato de pessoas que acompanham o trabalhador cotidianamente (JESSUP, 1991).

A avaliao do NVQ se baseia em quadros referenciais que foram formulados com o objetivo de estabelecer nacionalmente os elementos necessrios para certificao em cada nvel e rea profissional. Estes quadros foram utilizados pelo governo ingls para centralizar o controle dos contedos dos programas de formao profissional, pblicos e privados, buscando garantir o desenvolvimento de habilidades pertinentes s exigncias do mercado de trabalho. Alm disso, pretendia-se que a consulta a estes quadros fornecesse aos empregadores informaes precisas sobre as habilidades e competncias de um trabalhador com um certificado da NVQ (JESSUP, 1991; TREVISAN, 2001).

A busca pelo julgamento objetivo e confivel das competncias dos trabalhadores fez com que o instrumento de avaliao do NVQ se estruturasse de forma muito fragmentada. Em um primeiro momento, a avaliao era norteada por unidades de competncia, que tratavam sobre as habilidades e tarefas que deveriam ser realizadas pelo trabalhador. Posteriormente, estas unidades foram divididas em elementos de competncia, que, por sua vez, eram elaborados segundo critrios de desempenho. Estes fornecem os padres sob os quais deve se realizar a avaliao das performances, enquanto aqueles proveem especificaes detalhadas das atividades que compem uma competncia. O quadro 1 apresenta os componentes que devem ser avaliados para emisso do NVQ. Quadro 1 Estrutura do NVQUnidade de Competncia: Descreve a tarefa ou a funo certificada;

Elementos de competncia: As unidades so feitas de um nmero de elementos. Cada elemento descreve a atividade de trabalho especfica que o trabalhador deve realizar e as habilidades requeridas para tal.

Critrios de desempenho: Define o que o candidato deve fazer para realizar sua tarefa completamente. Os assessores julgam a performance dos candidates a partir deste critrio.

Evidncias necessrias: Especifica a quantidade e o tipo de evidncias necessrias para provar que o candidato atende a todos os Elementos de Competncia. Abrangncia: Define as diferentes situaes nas quais os candidates devem atuar. Conhecimento e entendimento: Define o que o candidato deve saber sobre a tarefa e sobre a forma como este conhecimento aplicado na atividade de trabalho.

Para West (2004, p. 6), este excesso de especificaes se deu porque, quando os formuladores do NVQ se deparavam com critrios de avaliao remotamente no confiveis, eles adicionavam ainda mais detalhes a estes, criando uma espiral interminvel de especificaes. Ainda segundo a autora, o nvel de detalhamento destes quadros deu origem a um sistema de avaliao extremamente fragmentado, burocrtico e obscuro, fazendo com que o NVQ perdesse fora entre os empresrios e cidados (WEST, 2004).

Estudos sobre o papel do NVQ no mercado de trabalho e nos programas de formao e certificao profissional revelam que os objetivos almejados pelo governo ingls, quando da concepo deste dispositivo, no foram alcanados (Brown, 2011; West, 2004; Willians, 1999; Wolf, 2009). Hyland (2007) constatou que grande parte dos empregadores no conhecia ou utilizava o NVQ como referencial para contratao ou promoo de seus empregados, ou seja, a obteno de um NVQ no influenciava no potencial de ganho financeiro nem de competitividade do trabalhador, se tornando pouco atraente para a populao. No que diz respeito formao profissional, Willians (1999; p. 218) afirma que longe de ser um catalisador para o estabelecimento de um sistema coerente de certificao profissional, o NVQ simplesmente inseriu mais elementos na selva j existente, ampliando a gama de qualificaes disponveis.

O fracasso do NVQ foi atribudo, principalmente, centralidade dos resultados durante o processo de avaliao; anlise das atitudes dos trabalhadores, em detrimento dos conhecimentos mobilizados por eles para realizao da tarefa; e ao fracionamento e limitao dos referencias de avaliao (idem). Foi procurando sanar estes problemas e tornar o NVQ mais claro, dinmico e abrangente, que o governo ingls o inseriu no National Qualifications Framework (NQF).

O NQF, assim como o NVQ, mapeia as qualificaes de acordo com os resultados explicitados e as relacionam com uma posio em sistema de nveis hierrquicos. No NQF os nveis de habilidades foram ampliados, de cinco para nove, contemplando conhecimentos adquiridos no sistema de educao formal e queles relacionados formao profissional. Desta forma, este dispositivo estabelece uma equivalncia entre os certificados acadmicos e profissionais, e tambm entre queles emitidos por sistemas de educao e treinamento de pases membros da Unio Europeia (BROWN, 2011). Contudo, a insero do NVQ no NQF no alterou significativamente os referenciais terico-metodolgicos do dispositivo e as crticas aos instrumentos de qualificao e certificao profissional ingls permaneceram inalteradas. No entanto, de acordo com Lester (2011), com este dispositivo se detectou a necessidade de elaborao de um sistema que possibilitasse o reconhecimento de pequenos saberes. Foi justamente visando contemplar estes saberes, que o governo extinguiu o NQF e o substitui pelo Qualification and Credit Framework (QCF).

O QCF, criado em 2008, foi apresentado como o novo dispositivo de avaliao e certificao profissional desenvolvido pelos rgos governamentais. No QCF, apesar da permanncia do foco nas competncias, o processo de avaliao passa a se orientar pela ideia de acumulao de crditos. Estes so designados de acordo com o tempo despendido pelo indivduo em atividades, realizadas antes e durante o processo de certificao, que contribuam para o alcance de determinado resultado. De acordo com Brown (2011), por meio do QCF, a avaliao de competncia foi organizada de forma que o processo de aprendizagem, e no s a performance do trabalhador, fosse valorizado, estabelecendo uma relao entre desenvolvimento de habilidades individuais e programas de formao profissional.

O QCF apresentou duas importantes alteraes no dispositivo de reconhecimento de saberes e certificao profissional ingls. A primeira diz respeito organizao da acreditao de saberes em torno da noo de acumulao de crditos, na qual a soma de determinado nmero de crditos d origem a unidade, e a soma das unidades d direito a um tipo certificao profissional. Estas passaram a ser classificadas em trs esferas diferentes: prmio, certificado e diploma, designadas de acordo com o nmero de crditos acumulados pelo individuo (QCA, 2008). A segunda foi a abertura dos organismos responsveis por elaborar os requisitos para certificao profissional para aqueles empregadores que no participavam efetivamente do processo de avaliao e certificao de indivduos.

A definio dos contedos avaliados pelos dispositivos ingleses, NVQ e QCF, baseada nos Padres Nacionais de Ocupao (NOS). Estes apresentam requisitos mnimos de performance e descrevem o que pessoas competentes em determinada ocupao devero ser capazes de fazer (SKEERRATT, 2005; p. 30).

A formulao destes padres, por sua vez, realizada pelo Sector Skills Council (SSC), rgo licenciado pelo governo e composto pelos principais empregadores da indstria e do comrcio, em parceria com o Standard Setting Bodies (SSBs), rgo representante de cada setor profissional, responsvel por definir as habilidades necessrias para o exerccio de uma ocupao. Durante a vigncia do NVQ, somente poderiam fazer parte destes rgos as organizaes que participassem no processo de avaliao e certificao de trabalhadores, mas no QCF foi estabelecida uma distino entre organizaes autorizadas a submeter unidades para o quadro de qualificao, aquelas capazes de especificar as regras de combinao das unidades para emisso da certificao e aquelas responsveis por acreditar e emitir os certificados. Abrindo espao, desta forma, para que as organizaes que no quisessem emitir certificaes pudessem especificar os contedos das mesmas (LESTER, 2011).

O objetivo do QCF constituir um dispositivo de avaliao e certificao mais flexvel, transparente e relevante para empregadores e trabalhadores - coincidindo com aqueles almejados pelo NVQ quando de sua formulao. No entanto, enquanto alguns pesquisadores defendem que o QCF possibilitou o reconhecimento e certificao de saberes independentemente de seu tamanho, nvel ou da forma como foram adquiridos, efetivamente habilitando adultos a acumularem crditos a partir de qualquer tipo de aprendizagem (LESTER, 2011), outros acreditam que o foco na noo de competncia, no mapeamento de habilidades, nveis e resultados podem se tornar uma distrao de um objetivo muito mais difcil que melhorar a qualidade da educao no pas (BROWN, 2011; p. 02). IV - CONSIDERAES FINAISConforme explicitado, a elaborao do NVQ tinha como foco atender as exigncias de um novo contexto produtivo, oriundo do processo de inovao tecnolgica. No decorrer das ltimas 3 dcadas, este dispositivo sofreu uma srie de alteraes, no que diz respeito aos nveis de certificao, estrutura dos referenciais de avaliao e, at mesmo, s agncias responsveis por regular os dispositivos de certificao. Contudo, o foco na noo de competncias, a fragmentao do processo de avaliao de saberes e a grande influncia dos empresrios na definio dos critrios para certificao permaneceram inalterados ou foram agravados ao longo deste perodo, culminando em grandes gastos governamentais e pouco retorno para os atores interessados neste processo (WOLF, 2009).

Os dispositivos de certificao profissional implementados na Inglaterra visam o reconhecimento de habilidades fragmentadas, relacionadas diretamente com a execuo de determinadas atividades. O foco est na ao competente, nos resultados destas aes, o importante aqui formar mo de obra para atender as demandas do mercado de trabalho. Neste contexto, o processo de aprendizagem dos trabalhadores no ambiente de trabalho deixado de lado. A inflexo dos quadros referenciais adotados para avaliao e as tentativas de definir objetivamente aquilo que se espera do trabalhador eliminam o espao de reconhecimento dos saberes construdos durante a experincia de trabalho. Alm disso, a forma como estes dispositivos esto organizados trazem tona a questo: ser que a simples soma de todas as habilidades certificadas no mbito de uma tarefa garantir a execuo exitosa da atividade de trabalho? Visando atender as demandas do mercado de trabalho, o governo ingls reinterpretou os contedos os objetivos da educao e da formao profissional, e o conhecimento passou a ser valor somente quanto atrelado performance competente. O foco na avaliao de competncias e habilidades dos programas de formao e certificao profissional na Inglaterra explicitam um reducionismo equivocado motivado pelo desejo dos governantes do pas de encontrar solues rpidas e fceis para problemas econmicos e educacionais complexos, que coexistem na sociedade inglesas h dcadas. V - BIBLIOGRAFIA ARAJO, R.M.L. Desenvolvimento de competncias profissionais: as incoerncias de um discurso. 2001. 192 P. Tese (Doutorado em Educao) Faculdade de Educao, UFMG, Belo Horizonte, 2001.

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Classificao no Journal of Economic Literature: I28.

Mestranda do Programa de Ps-Graduao em Educao da FAE/UFMG. Bolsista de mestrado do CNPq. Possui Graduao em Pedagogia pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Ps-doutorado no CNAM-Paris; Doutorado em Filosofia pela Aix-Marseille Universit. Professora Associada da Faculdade de Educao da UFMG.

Na Europa estes programas so intitulados Lifelong Learning.

HYPERLINK "http://hansard.millbanksystems.com/lords/1985/mar/25/education-and-training-for-new-1" http://hansard.millbanksystems.com/lords/1985/mar/25/education-and-training-for-new-1

No Reino Unido a educao compulsria destinada pessoas entre 5 e 16 anos de idade e dividida em 4 etapas, a saber: Key Stage 1, atende crianas entre 5 e 7 anos; Key Stage 2, voltado para crianas entre 7 e 11 anos; Key Stage 3, destinada a crianas entre 11 e 14 anos; e Key Stage 4, abrange alunos entre 14 e 16 anos.

O MSC foi institudo pelo Employment and Training Act de 1973 como parte do Departament of Education, apoiado pelas Training Services Agency e Employment Services Agency, com o objetivo de melhorar a formao industrial.

() the new entrants to the workforce will also need continuing training to update and improve their skills, and to adapt to changing work requirements (JESSUP, 1991, p.96).

Em ingls Awarding bodies.

Tratamento de animais, plantas e terra; extrao e fornecimento de recursos naturais; construo civil; engenharia; manufatura; transporte; fornecimento de mercadorias e servios; fornecimentos e servios na rea de sade; servios em administrao de empresas; e servios em comunicao.

The NVQ framework.

() far from being a catalyst for the establishment of a coherent system of vocational awards, the provision of NVQs appears to have simply added to the existing jungle. (WILLIANS, 1999; p. 218)

() it should allow achievements to be captured, expressed and certificated regardless of their size or level or of how or where the learning took place, effectively enabling adults to gain credit for any learning achievement or area of skill that they could demonstrate (LESTER, 2011, p. 03).