Arthur Conan Doyle - A Nova Revelação
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Arthur Conan Doyle - A Nova Revelacao
www.autoresespiritasclassicos.comArthur Conan DoyleA Nova RevelaoThe New Revelation
1918
Contendoa biografia de Arthur Conan Doyle
William Turner
A paisagem da noite
Contedo resumido
Sir Arthur Conan Doyle, criador do famoso personagem Sherlock Holmes, foi tambm um dos desassombrados estudiosos e divulgadores do Espiritismo.
Nesta obra ele descreve os estudos e experimentaes que empreendeu durante vrios anos, que o levaram a abraar definitivamente a Doutrina dos Espritos.
Relata os esforos que realizou na divulgao da Nova Revelao, no seu aspecto religioso, atravs de conferncias em que expunha e analisava os fenmenos psquicos e suas conseqncias espirituais.
Contm, ainda, uma biografia do autor, que mostra a evoluo das idias de Conan Doyle sobre o Espiritismo.
Sumrio
4Prefcio
Captulo 51 As Pesquisas
Captulo 192 A Revelao
Captulo 263 A Vida Futura
Captulo 344 Problemas e Limitaes
43Documentos Suplementares
43I A outra vida
44II Escrita automtica
45III O abrigo de Cheriton
49Biografia de Sir Arthur Conan Doyle
Prefcio
Muitos espritos, mais filosficos do que o meu, se tm sentido atrados pela feio religiosa deste assunto e grande nmero de inteligncias mais cientficas do que a minha tm volvido a ateno para os fenmenos psquicos. At agora, porm, que eu saiba, ainda ningum tentou demonstrar a exata relao que existe entre os dois aspectos do problema. Entendo que se me fosse dado lanar alguma luz sobre esse ponto, muito teria eu contribudo para resolver-se a questo que mais importa Humanidade.
Mrs. Pipper, clebre mdium, proferiu em 1899 algumas palavras que o doutor Hodgson registrou. Achando-se em estado de hipnose, ela foi levada a falar do Espiritismo religioso e declarou:
No sculo vindouro, o Espiritismo se ter tornado maravilhosamente acessvel ao entendimento humano. Anunciar-vos-ei, alm disso, uma coisa cuja realizao poder comprovar. A evidente percepo das nossas relaes com o Alm ser precedida de uma guerra terrvel, que abalar diversas partes do mundo. Antes que, pela viso espiritual, os mortais possam ver a seu lado os amigos que deixaram de viver na Terra, mister se faz que o mundo inteiro seja purificado e por aquele meio que ele alcanar a perfeio.
Amigos, refleti muito.
Tivemos a guerra terrvel nas diferentes partes do mundo. Aguardamos que se cumpra o resto da predio.
1 As Pesquisas
A questo das investigaes psquicas uma das que mais me tm feito pensar e, entre todas, aquela sobre a qual mais tardei em formar opinio.
De quando em quando, medida que avanamos na vida, certos incidentes mnimos ocorrem que nos foram a reconhecer que o tempo voa, que primeiro a juventude e depois a idade da madureza fogem precipitadamente. o que ultimamente me sucedeu. Na excelente revista Light, h uma coluna consagrada a recordar os acontecimentos que, uma gerao atrs, isto , h trinta anos, se verificaram na data correspondente em que nos achamos. Recentemente, percorria eu essa coluna quando de sbito deparei surpreendido com o meu nome e reli em letra de forma uma carta que escrevera em 1887, relatando interessante experincia verificada no curso de uma sesso esprita. Isso prova que data de longo tempo o meu interesse por esse assunto e prova tambm que no formei apressadamente sobre ele a minha opinio, visto que s h um ano ou dois me declarei satisfeito com a evidncia.
Ao ver-me inserindo aqui, agora, a narrativa de algumas de minhas experincias e a indicao de dificuldades que se me entulharam, meus leitores no iro supor, assim o espero, que o fao por egotismo, mas sim por ser o melhor meio de assinalar pontos que provavelmente se apresentaro a qualquer investigador. Depois de haver transposto esse campo, poderei considerar algo de natureza mais geral e impessoal.
Ao concluir, em 1882, o curso de medicina, achei-me, como sucede maioria dos mdicos jovens, um materialista convencido, relativamente ao nosso destino pessoal. Jamais deixara de ser fervoroso desta, por me parecer que ainda ningum respondera a esta pergunta que, numa noite estrelada, Napoleo dirigiu a alguns professores ateus, quando em marcha para o Egito: Quem foi, Senhores, que fez estas estrelas? Porque, dizer que o Universo resultou da ao de leis imutveis equivale apenas a afastar mais para trs a questo, dando lugar a uma nova pergunta: Quem o autor dessas leis?
Eu no acreditava, certamente, num Deus antropomrfico, mas cria ento, como agora, em uma Fora inteligente, presidindo a todas as operaes da Natureza, fora to grande e to infinitamente complexa que meu crebro limitado no pde nunca ir alm do reconhecimento da sua existncia. Considerava igualmente o bem e o mal como fatos to bvios que no reclamavam nenhuma revelao divina.
Sempre, porm, que encarava a questo de saber se as nossas insignificantes personalidades sobreviveriam aps a morte, afigurava-se-me que todas as analogias da Natureza se pronunciavam contra essa sobrevivncia. Consumida a vela, a luz se apaga. Quando a centelha eltrica se parte, cessa a corrente. A dissoluo do corpo marca o fim da matria. Cada um, ao impulso do seu egosmo, pode julgar-se com direito a sobreviver; mas, quem quer que atente, diremos, num tratante de alta ou baixa hierarquia, ser capaz de encontrar razo plausvel a favor da sobrevivncia de tal personalidade? Isso parecia iluso e, assim, estava convencido de que a morte realmente punha fim a tudo, se bem no achasse que este fato fosse de molde a afetar os nossos deveres para com a Humanidade, durante a nossa transitria existncia.
Essa a minha maneira de pensar, quando os fenmenos espritas me chamaram a ateno. Sempre considerara esse assunto a maior tolice da Terra e, como tivera conhecimento das fraudes de alguns mdiuns, perguntava a mim mesmo de que modo podia um homem sensato crer em semelhantes coisas.
Acontecendo, entretanto, que alguns amigos meus se interessavam pela questo, tomei parte com eles em sesses de mesas girantes, no curso das quais obtivemos mensagens conexas. Devo, todavia, confessar que o nico efeito que em meu esprito produziram foi o de me tornarem um tanto suspeitoso de meus amigos. Foram mensagens quase sempre longas, soletradas por meio de movimentos da mesa e impossvel era que representassem obra do acaso. Algum, certamente, movia a mesa. Supus fossem meus amigos e eles, provavelmente, pensavam fosse eu. Isto me perturbava e afligia, porque no os podia ter na conta de pessoas capazes de um embuste e no podia compreender a transmisso das mensagens seno por meio de uma consciente presso exercida sobre a mesa.
Por essa poca seria em 1886 me caiu nas mos um livro intitulado: As reminiscncias do juiz Edmonds. O autor era membro da Suprema Corte dos Estados Unidos e homem de grande reputao. Na sua obra, narrava, minuciosamente, como, morta sua esposa, pudera durante anos comunicar-se com ela.
Li esse livro com interesse, mas tambm com absoluto cepticismo. Para mim, aquilo era apenas exemplo da possibilidade de existir um ponto fraco na mente de um homem de carter firme e prtico, uma espcie de reao, por assim dizer, contra os fatos positivos com que lidava na sua vida cotidiana. Que esprito seria esse de que ele falava?
Suponhamos que um homem, num acidente, frature a caixa craniana. Seu carter pode mudar completamente. De uma natureza elevada pode tornar-se de outra muito baixa. Do mesmo modo, sob a influncia do lcool, do pio ou de qualquer droga semelhante, o esprito de um indivduo pode mudar inteiramente. Tudo isso me demonstrava que o esprito depende da matria. Tal a minha forma de raciocinar naquela poca. Eu no percebia ento que no era o esprito que, em tais casos, se modificava e sim o corpo que lhe servia para exercer sua atividade. Ningum judiciosamente invocar como argumento contra a existncia de um msico a circunstncia de no produzir seu violino seno sons desagradveis, por se haver estragado.
Contudo, muito estimulada fora a minha curiosidade, de sorte que continuei a ler todos os livros que me vinham s mos, referentes ao assunto. Causou-me espanto notar que muitos homens eminentes, cujos nomes figuravam na vanguarda da cincia, se achavam inteiramente convencidos de que o esprito independe da matria e lhe sobrevive. Enquanto considerei o Espiritismo como uma iluso vulgar dos ignorantes, pude trat-lo com desprezo. Desde que, porm, o vi amparado por sbios como Crookes, que eu sabia ser o maior qumico da Inglaterra, por Wallace, o rival de Darwin, e por Flammarion, o mais conhecido dos astrnomos, j me no foi possvel desprez-lo.
Fcil verdadeiramente era atirar para o lado os livros desses homens, com as suas minuciosas investigaes e amadurecidas concluses, e dizer: Bem! H em seus crebros um ponto fraco. Mas, muito satisfeito deve ficar consigo mesmo um homem se no v chegar o dia de inquirir se o ponto fraco no est no seu prprio crebro.
Por algum tempo ainda me mantive no meu cepticismo, considerando que muitos homens notveis, como o prprio Darwin, Huxley, Tindall e Herbert Spencer, zombavam desse novo ramo de conhecimento. Mas, desde que soube que o desdm da parte deles chegara ao extremo de no quererem ao menos examin-lo; que Spencer declarara repetidamente ter-se decidido contra ele baseado em razes a priori; que Huxley dissera no o interessar o assunto, fui forado a admitir que, por maiores que fossem esses homens como cientistas, seu modo de proceder a tal respeito era dogmtico e nada cientfico, ao passo que os que estudavam os fenmenos espritas e procuravam apreender as leis que os regem, esses seguiam o caminho que nos h conduzido realizao de todos os progressos do saber humano. Tendo chegado to longe o meu raciocnio, a minha posio de cptico j no era to firme como dantes.
Como reforo a esse raciocnio, tive as minhas prprias experincias. Note-se que eu trabalhava sem mdium, o que muito se assemelha a um astrnomo que no use de telescpio. Nenhuma faculdade psquica possuo e ainda menos os que comigo colaboravam. Entre ns apenas conseguamos reunir fora magntica ou o que assim se denomina em quantidade suficiente para obter da mesa suas comunicaes suspeitas e, muitas vezes, estpidas.
Ainda conservo notas dessas reunies e cpias de pelo menos algumas de tais mensagens, que nem sempre eram de todo estpidas. Recordo-me, por exemplo, de que, de uma feita, tendo, em busca de provas, perguntado quantas moedas trazia nos bolsos, a mesa respondeu: Estamos aqui para instruir e elevar as almas, no para adivinhaes. E acrescentou: O que queremos inculcar um estado da alma religioso e no de crtica. Creio que ningum achar seja isto uma mensagem pueril. Por outro lado, perseguia-me sempre o temor de uma presso involuntria das mos dos assistentes.
A esse tempo, um incidente se produziu que me perturbou e desgostou muito. Encontrando-nos certa noite em excelentes condies, obtivramos bom nmero de movimentos que pareciam independentes, em absoluto, da nossa ao. Recebramos longas e minuciosas mensagens provindas, conforme nelas se dizia, de um Esprito que nos deu seu nome e declarou ter sido agente comercial e haver perdido a vida recentemente no incndio de um teatro em Exeter. Fornecendo pormenores to precisos, pediu-nos escrevssemos sua famlia, que vivia, segundo nos disse, num lugar chamado Slattenmere, no Condado de Cumberland. Assim fiz, mas o Correio me devolveu a carta, por ser desconhecido o lugar de seu destino. Ainda estou para saber se naquela sesso fomos enganados, ou se nos equivocamos ao tomarmos o endereo. Seja como for, o fato ocorreu qual o estamos narrando. Foi para mim uma decepo tal que diminuiu de muito, durante algum tempo, o meu interesse pelo assunto.
Era meu intuito estudar uma questo sria. Logo, porm, que ela comeou a dar lugar a gracejos cuidadosamente arranjados, pareceu-me ser tempo de parar. Se no mundo existe um lugar chamado Slattenmere, mesmo agora, muito me alegraria sab-lo.
Clinicava eu ento em Southsea, onde residia o general Drayson, homem de carter muito distinto e um dos pioneiros do Espiritismo nesse pas. Confiei-lhe o embarao em que me via e ele me ouviu com grande pacincia. No ligou importncia s minhas crticas acerca da inutilidade de algumas daquelas mensagens e da absoluta falsidade de outras.
A verdade fundamental ainda no a apreendestes disse-me. Essa verdade consiste em que cada esprito encarnado passa para o outro mundo exatamente como neste, sem transformao alguma. O mundo que habitamos est cheio de fracos e nscios e o outro mundo tambm. Nenhuma necessidade tendes de vos envolverdes com os de l, como no tendes a de vos misturardes com os daqui. Cada um escolhe seus companheiros. Mas, suponde que aqui na Terra um homem, tendo vivido sempre s em sua casa, no convivendo com pessoa alguma, afinal se lembrasse de chegar janela para ver em que espcie de lugar se achava. Que poderia acontecer? Que alguns garotos malcriados lhe dissessem grosserias. O que ele no lograria era conhecer coisa alguma da sabedoria ou da grandeza do mundo. Sairia da janela crente de encontrar-se num lugar ordinarssimo. Foi precisamente o que vos sucedeu. Numa reunio heterognea, sem objetivo definido, metestes a cabea para observar o outro mundo e destes com uma turba de garotos malcriados. Prossegui e tratai de obter coisa melhor.
Assim falou o general Drayson e, conquanto a sua explicao me no houvesse satisfeito no momento, acabei por compreender que ele asperamente me aproximara da verdade.
Tais foram os meus primeiros passos no Espiritismo. Continuava cptico, mas j era um investigador, e quando ouvia qualquer crtico da escola antiga dizer que ali nada havia a explorar, que tudo era embuste, ou que um prestidigitador bastaria para tudo desmascarar, j no tinha dvida de que insensatez era dizer isso. Verdade que as provas por mim reunidas at aquele momento ainda no haviam bastado para me convencerem. Entretanto, das minhas contnuas leituras tirei a concluso de que outros j tinham aprofundado muito a questo e reconheci que os testemunhos em favor do Espiritismo eram to poderosos quais nenhum outro movimento religioso, no mundo, poderia apresentar que se lhes comparassem. Isso no provava que ele fosse a verdade, mas pelo menos provava que devia ser tratada com respeito e no atirada para o lado.
Tomemos como exemplo um s fato, que Wallace qualificou, com razo, de milagre moderno. Escolho-o por ser dos mais incrveis. Refiro-me faanha de D. D. Home que, seja dito de passagem, no era, como geralmente se supe, um aventureiro pago e sim homem de boa famlia atirando-se de uma janela a outra, a uma altura de setenta ps do solo.
No pude acreditar. Informado, porm, de que trs testemunhas oculares atestavam o fato e que essas testemunhas eram lorde Dunraven, lorde Lindsay e o capito Wynne, todos homens honrados e de grande reputao, os quais mais tarde assentiram em afirmar o sucedido sob juramento, fui obrigado a admitir que a evidncia, nesse caso, era mais direta do que com relao a qualquer dos longnquos acontecimentos que todo o mundo conveio em aceitar por verdadeiros.
Continuei sempre, durante todos esses anos, a fazer sesses de mesas falantes, cujos resultados foram, muitas vezes, nulos; de outras, insignificantes e, de algumas, surpreendentes. Ainda guardo as notas dessas sesses e vou reunir aqui os resultados de uma em que foram bem definidos, dando-me, acerca da vida de alm-tmulo, informes to opostos s minhas idias a tal respeito que, ento, mais me divertiram do que edificaram.
To intimamente concordantes, entretanto, os acho agora com as revelaes de Raymond e com outras mais recentes, que muito diversamente os considero. Sei que todas essas narrativas da vida no Alm diferem nas particularidades como diferem, creio, muitas das que se fazem da vida terrena, mas, em geral, h entre elas grande semelhana. No caso que vou relatar, o que de semelhante havia nas informaes recebidas longe estava do conceito que, sobre aquela vida, formvamos as duas senhoras que comigo compunham o crculo das minhas sesses e eu.
Dois foram os espritos que se comunicaram conosco e nos transmitiram mensagens. Do primeiro a mesa soletrou o nome: Doroteia Poslethwaite, nome que de todo desconhecamos. Disse que morrera havia um lustro, em Melbourne, na idade de dezesseis anos; que era ento feliz; que trabalhava e que freqentara a mesma escola que uma das senhoras presentes. A meu pedido, a senhora indicada retirou as mos da mesa e citou uma srie de nomes. Ao ser pronunciado o nome exato da diretora da escola, a mesa se inclinou, o que nos pareceu uma prova. O Esprito disse mais: que a esfera em que vivia circundava a terra; que conhecia os planetas; que habita Marte uma raa muito mais adiantada do que a nossa e que os canais ali existentes so artificiais; que na esfera onde se achava no h males corporais, mas apenas ansiedade mental; que os espritos eram governados e tomavam alimentos; que fora catlica e ainda o era. Nem por isso, entretanto, se via mais bem tratada do que os protestantes.
Disse mais, que entre os da sua esfera havia budistas e maometanos, mas que todos tinham igual tratamento. Nunca vira o Cristo, nem dele sabia mais do que quando estava na Terra, porm acreditava na sua influncia. Os espritos, referiu, moravam e morriam na esfera em que se encontravam antes de passarem a outra; que lhes eram proporcionados prazeres como, por exemplo, o da msica. Estava numa regio de luz e alegria. Acrescentou que os espritos no eram nem ricos nem pobres e que as condies gerais da existncia eram muitssimo mais venturosas do que as do viver terreno.
Esse esprito nos deu boa-noite e logo uma outra influncia, muito mais enrgica, se apoderou da mesa, que entrou a mover-se violentamente. Em resposta s minhas perguntas, disse ser o esprito de um homem, a quem chamarei Dodd, que fora famoso jogador de crquete e que comigo tivera uma sria conversao no Cairo, antes de subir o Nilo, onde encontrara a morte na expedio Dongolesa. Devo observar que, na progresso de meus estudos, j nos achamos no ano de 1896.
Nenhuma das duas senhoras comigo sentadas volta da mesa conhecia Dodd. Comecei a interrog-lo exatamente como se o tivera sentado defronte de mim e ele a me responder com presteza e deciso por vezes respostas to em oposio ao que eu esperava, que nenhuma suspeita poderia haver de que o meu pensamento o influenciava. Disse-nos ser feliz e no desejar voltar Terra. Fora livre-pensador, mas da nenhum sofrimento lhe adviera na outra vida. Reconhecia, contudo, que a prece muito salutar porque nos pe em contacto com o mundo espiritual. Se houvesse orado mais, teria chegado a maior altura nesse mundo.
Cumpre-me assinalar que isto me pareceu em contradio com o que ele antes declarara que nenhum sofrimento lhe adviera do fato de ter sido livre-pensador, acrescendo que muitos, sem serem livres-pensadores, pouco se lembram de orar.
Voltemos a Dodd. Morrera sem sofrimento. Recordou a morte de Polwhele, jovem oficial, que antes dele desencarnara. Ele, Dodd, quando morreu, recebeu as boas-vindas de muitos espritos que vieram ao seu encontro. Entre estes, porm, no vira Polwhele. Fora informado da queda de Dongola, mas no estivera presente em esprito ao banquete que depois se realizou no Cairo. Lembrou-me a nossa conversao nessa cidade. Disse ter que trabalhar e que possua conhecimentos muito mais amplos do que quando na vida terrena. Informou que a durao da vida l, onde se achava, era mais curta do que na Terra. No vira o general Gordon, nem qualquer outro esprito famoso Os espritos viviam em famlias e comunidades. Os esposos no se encontravam forosamente. Reuniam-se de novo os que se amavam.
Fiz esse resumo de uma comunicao, para mostrar de que gnero eram as que obtnhamos, se bem que a amostra apresentada seja das mais favorveis, quer em extenso, quer em coerncia. Serve, entretanto, para demonstrar que no justo dizer-se, como fazem muitos crticos, que s se conseguem mensagens vazias de senso. Nestas, nenhuma insensatez se nota, a menos que assim qualifiquemos tudo que no se adapte s nossas idias preconcebidas.
Mas, por outro lado, que provas possumos da veracidade daquelas afirmaes? No tendo meio de comprov-las, elas me deixaram simplesmente desorientado. Agora, entretanto, que uma experincia mais larga me permitiu verificar que informaes da mesma natureza foram dadas a muitas pessoas, desconhecidas umas das outras e de pases diferentes, creio que a concordncia dos testemunhos constitui, at certo ponto, como em todos os casos de investigao, um argumento a favor da veracidade de tais informes. Naquela poca, no me era possvel harmonizar semelhante concepo da vida futura com o meu sistema de filosofia. Limitei-me, por isso, a anot-la e passei adiante.
Continuei a ler muito sobre o assunto e pude apreciar cada vez mais a infinidade dos testemunhos existentes e quo meticulosos tinham sido em suas experincias os que os davam. Isso me impressionava muito mais do que os limitados fenmenos que lograva obter nas minhas sesses. Ento, ou pouco depois, li uma obra do Sr. Jacolliot sobre os fenmenos de ocultismo na ndia. Jacolliot era presidente do tribunal da colnia francesa de Chandernagor. Esprita de feitio muito jurdico, nutria prevenes contra o Espiritismo. Efetuou uma srie de experincias com faquires, que nele depositavam confiana pela simpatia que inspirava e porque lhes falava no idioma deles. No seu livro, Jacolliot descreve as mltiplas precaues que tomou para evitar toda espcie de fraude.
Resumindo a sua longa narrativa, direi que entre os faquires se lhe depararam todos os fenmenos da mais adiantada mediunidade europia, tudo, por exemplo, o que Home realizara. Observou a levitao do corpo, a imunidade contra o fogo, o movimento de objetos distncia, rpido crescimento de plantas, levantamento de mesas. Explicando a produo desses fenmenos, diziam os faquires que quem os operava eram os Pitris, ou espritos, sendo que a nica diferena notada entre aqueles processos e os nossos parecia consistir em que l faziam maior uso da evocao direta. Pretendem os faquires que tais poderes lhes foram outorgados desde tempos imemoriais e remontavam aos caldeus.
Tudo isso me causou enorme impresso, porquanto os faquires chegavam aos mesmos resultados que ns, sem que se lhes pudesse imputar os embustes to freqentes na Amrica, ou a vulgaridade atual, como se costumava fazer amide com relao aos fenmenos semelhantes que se produziam na Europa.
Tambm na mesma poca fui influenciado pelo relatrio da Dialectical Society, relatrio muito antigo, datando de 1869. um trabalho convincente e, conquanto tenha sido ridiculizado em unssono pelos jornais ignorantes e materialistas daquele tempo, constitui um documento de grande valor.
A Dialectical Society se compunha de certo nmero de pessoas distintas e imparciais, desejosas de investigar os fenmenos fsicos do Espiritismo. O relatrio a que aludo faz uma exposio minuciosa das experincias que realizam e das precaues que adotaram contra as fraudes. Atentando nas provas de que ele d conta, ningum compreender de que modo seus autores teriam podido chegar a uma concluso diversa da que proclamaram, isto : que os fenmenos eram sem dvida alguma autnticos e indicavam a existncia de leis e foras que a cincia ainda no explorara.
H no caso um fato singular a ser notado e que, se a concluso fora contrria ao Espiritismo, o relatrio teria sido saudado como o golpe de morte no movimento esprita; mas porque, em vez disso, assegurou a realidade dos fenmenos, cobriram-no de ridculo. O mesmo, alis, sucedeu a muitas outras investigaes, desde as que se fizeram em Hydesville, no ano de 1848, e a que se verificou quando o professor Hare, de Filadlfia, se atirou, como S. Paulo outrora, contra a verdade e teve que se curvar diante dela.
Por volta de 1891, eu me fiz membro da Psychical Research Society, o que me facultou ler todos os seus relatos. Muito deve o mundo infatigvel diligncia dessa Sociedade e sobriedade de suas exposies, embora eu reconhea que estas so, s vezes, de impacientar e que, no propsito de evitarem o cunho de maravilhosas, desanimam o pblico, levando-o a desinteressar-se de um esplndido trabalho e de tirar dele proveito. A terminologia meio cientfica de que usam tambm desnorteia o leitor comum. Assim que, depois da leitura daqueles relatrios, se pode dizer o que em certa ocasio me disse um caador americano das Montanhas Rochosas com referncia a um membro de uma universidade a quem ele escoltara durante toda uma estao de caa: Era to sbio que se no conseguia compreender o que dizia. A despeito, porm, dessas pequenas esquisitices, todos os que, na obscuridade, ho buscado a luz a tm encontrado nos metdicos trabalhos dessa Sociedade, cuja influncia foi um dos fatores da atual orientao de minhas idias. Alm dessa, entretanto, outra influncia se fez sentir profundamente em mim.
Inteirara-me at ali das admirveis experincias realizadas pelos grandes investigadores, mas ainda no descobrira da parte deles qualquer esforo para elaborar um sistema que as abrangesse e contivesse todas. Foi ento que li a obra monumental de Myers Human Personality (A Personalidade Humana) , de cujas formidveis razes se h de erguer toda uma rvore de conhecimentos.
Myers no pde apresentar nenhuma frmula que envolvesse todos os fenmenos ditos espritas. Contudo, discutindo a ao, a que deu o nome de telepatia, da mente sobre a mente, a exps e estabeleceu de modo to claro e completo, apoiando-se em numerosos exemplos, que, para todos, exceto para os que deliberadamente cerram os olhos evidncia, aquela ao passou a figurar entre os fatos cientficos.
Foi um grande passo dado. Se a mente podia atuar, a distncia, sobre a mente, que existia no homem poderes de todo independentes da matria, tal como a temos compreendido sempre.
O terreno fugia debaixo dos ps do materialista e a minha posio de outrora fora destroada. Eu dissera que, consumida a vela, a chama se apagava. Surgiu-me uma chama muito afastada da vela e agindo por si mesma. A analogia, portanto, era evidentemente falsa. Se a mente, o esprito, a inteligncia do homem podia operar a distncia do corpo, que era coisa independente deste. Por que ento no poderia continuar a existir, mesmo depois de haver perecido o corpo? E no s essas impresses se produziam, a distncia, no caso dos que tinham morrido, como tambm o mesmo fato provava que aquilo donde elas provinham revestia as aparncias da pessoa morta, demonstrando que eram transmitidas por alguma coisa exatamente semelhante ao corpo, mas que obrava independente deste e que lhe sobrevivia.
Ininterrupta se apresentava a cadeia das provas, desde o simples caso de leitura do pensamento, num extremo, at a manifestao mesma do esprito sem o corpo, no outro extremo. As frases se sucediam sem hiato. Esta circunstncia me pareceu conter os primeiros elementos de um sistema cientfico, de uma classificao do que at ali no passara de mera coleo de fatos confusos e mais ou menos discordantes uns dos outros.
Por aquela mesma poca tive ensejo de participar de interessante experincia, como um dos trs comissionados pela Psychical Society para passarem a noite numa casa assombrada. Era um caso de poltergeist, um desses casos em que, durante anos, se ouvem barulhos estranhos, pancadas inexplicveis, muito parecido, em suma, como caso clssico da famlia de John Wesley, em Epworth, no ano de 1762, ou ainda com o da famlia Fox, em Hydesville, perto de Rochester, em 1848, e que foi o ponto de partida do moderno espiritualismo.
Nada de extraordinrio assinalou a nossa viagem, que, todavia, no foi de todo improfcua. Na primeira noite, nenhum incidente. No decorrer da segunda, ouvimos formidveis barulhos semelhantes aos que se produzem batendo-se numa mesa com uma bengala. Ns nos cercamos, est visto, de todas as precaues, mas no pudemos descobrir a causa do rudo. Contudo, no ousaramos, no momento, jurar que algum no estivesse habilmente a divertir-se conosco. E o caso permaneceu assim.
Decorridos alguns anos, encontrei um membro da famlia que residia naquela casa e por ele me foi dito que, depois da nossa visita, descobriram-se no jardim os ossos de uma criana, enterrada evidentemente desde muito tempo. Ho de convir que seja este um fato digno de nota. Raras so as casas assombradas e no menos raras devem ser, suponho, as que nos seus jardins tenham restos humanos enterrados. Reunir numa casa essas duas circunstncias excepcionais, sem dvida, constitui argumento em prol da autenticidade do fenmeno. interessante lembrar que tambm no caso da famlia Fox se falou da descoberta de ossos enterrados na cava, provando que um assassnio ali se cometera, sem que entretanto se tivesse podido verificar a hiptese de um crime recente.
No duvido de que, se a famlia Wesley houvesse conseguido chegar fala com seus perseguidores, tambm teria conhecido o motivo da perseguio. Isto quase parece indicar que, quando uma vida cortada violenta e prematuramente, certa quantidade de energia vital no consumida permanece em condies de se manifestar de modo estranho e malfico. Mais tarde observei um outro fenmeno do mesmo gnero que descreverei no fim deste trabalho.
Desde ento, at que estalou a guerra, continuei a consagrar as horas de lazer de uma existncia muito laboriosa ao estudo atento desse assunto. Assisti a uma srie de sesses que deram surpreendentes resultados, inclusive vrias materializaes visveis numa meia obscuridade. Como, porm, pouco depois o mdium foi surpreendido em fraude, deixei de considerar probantes aquelas sesses. Penso, entretanto, no ser lcita a presuno de que, pelo fato de alguns mdiuns, como Euspia Paladino, se tornarem culpados de fraude, quando lhes sucede falharem as faculdades que possuem, de outras vezes no produzam fenmenos cuja autenticidade se possa provar.
A mediunidade, nas suas formas menos elevadas, um dom puramente fsico, que nenhuma relao tem com a moralidade; em muitos casos intermitente e no pode ser governada vontade. Pelo menos duas vezes Euspia foi apanhada a cometer fraudes grosseiras e estpidas, ao passo que de outras muitas sofreu demorados exames, feitos em condies de exclurem toda suspeita de embuste, por comisses cientficas compostas dos homens mais eminentes da Frana, da Itlia e da Inglaterra.
No obstante, prefiro riscar do rol das minhas observaes todas as experincias realizadas com um mdium desacreditado e tenho para mim que os fenmenos fsicos produzidos no escuro necessariamente perdem muito do seu valor, a menos que sejam acompanhados de comunicaes inteiramente comprobatrias.
Pretendem os que costumam criticar-nos que, se excluirmos os mdiuns que se tornaram suspeitos, teremos que abrir mo da maior parte das provas em que nos apoiamos. Absolutamente no assim. Eu, at ento, ainda no travara relaes com um mdium profissional e, no entanto, j reunira algumas provas. O mais notvel de todos os mdiuns, D. D. Home, produziu fenmenos plena luz do dia e estava sempre disposto a submeter-se a todas as verificaes e jamais contra ele se pode levantar qualquer acusao de fraude. E, como esse, muitos outros.
Cumpre ainda ponderar que, quando um mdium pblico serve de reclamo aos que andam busca de notoriedade, aos detetives amadores e a reprteres vidos de notcias de sensao; quando intervm na produo de fenmenos obscuros e inelucidveis, tendo que se defender perante jris e juzes que, de ordinrio, nada conhecem do que influencia as manifestaes medinicas, seria prodigioso que lograsse escapar de um escndalo ocasional.
Tambm importa reconhecer que o sistema, em geral adotado presentemente, de pagar-se ao mdium conforme os resultados obtidos, nada recebendo ele se nada produzir, o pior possvel. Somente quando se assegurar ao mdium profissional um honorrio determinado, independente dos resultados que com ele se consigam, estar afastada definitivamente a tentao de substituir por pretensos fenmenos os que no se produzam.
Tenho assim esboado a evoluo de minhas idias at quando rebentou a guerra. Creio poder pretender se reconhea que ela foi bem cautelosa e que nenhum trao apresenta dessa credulidade de que nos fazem carga os nossos adversrios. Foi mesmo por demais demorada, pois que me sinto culpado de lentido em atirar balana da verdade a pouca influncia de que porventura goze. Sem a guerra, provavelmente houvera passado o resto de minha vida qual simples investigador dos problemas psquicos, demonstrando uma atitude de simptico diletantismo para com esse assunto, como se se tratasse de alguma coisa impessoal, como se se tratasse, por exemplo, da existncia da Atlntida ou da controvrsia Baconiana.
Mas, veio a guerra e, reafervorando-nos as almas, nos obrigou a olhar mais intimamente para as nossas crenas, a fim de lhes renovarmos o valor. Em face de um mundo que agonizava, ouvindo narrar diariamente como morria a flor da nossa raa, nos primeiros albores da sua juventude, observando nossa volta as esposas e as mes sem fazerem idia clara do destino que teriam tido os seres a quem amavam, de pronto se me afigurou que o assunto com que desde tanto tempo eu brincava no se resumia apenas no estudo de uma fora que escapava aos preceitos da cincia, que nele havia alguma coisa verdadeiramente tremenda; o desabar de muralhas entre dois mundos, uma mensagem inegvel vinda diretamente do Alm, um brado de esperana e de encaminhamento para o gnero humano, na hora da sua mais viva aflio.
O lado objetivo da questo deixou de me interessar. Convencido, afinal, da sua veracidade, no havia mais por que prosseguir. Seu lado religioso apresentava importncia infinitamente maior. A campainhada do telefone coisa em si mesmo pueril, mas pode dar-se que seja a chamada para uma comunicao de vital interesse. Afigurou-se-me que todos esses fenmenos, grandes e pequenas, eram campainhadas de telefones que, sem significao em si mesmas, bradavam aos homens: Levantai-vos! Alerta! Atendei! Estes sinais so para vs outros! Eles vos previnem da mensagem que Deus vos quer enviar!
O que tem valor real a mensagem, no os sinais. Pareceu-me que uma Nova Revelao estava em via de ser dada ao mundo, embora ainda se achasse num ponto que podemos comparar ao de S. Joo Batista com relao ao Cristo e sem que ningum possa saber se chegaremos algum dia a receb-la com maior preciso e clareza. Na minha opinio, os fenmenos psquicos, verificados at evidncia por todos os que ho tido o cuidado de estud-los, em si nada valem; o justo valor deles est em que servem de base, dando-lhe uma realidade objetiva, a um imenso corpo de doutrina que h de modificar profundamente as nossas anteriores idias religiosas e que, quando bem compreendido e assimilado, far da religio alguma coisa de muito real, no mais simples matria de f, porm de experimentao e de fato.
Para este lado da questo que me voltarei agora, aditando, todavia, ao que acabo de dizer das minhas experincias pessoais, que, desde que a guerra comeou, tenho tido algumas oportunidades excepcionais de ver confirmado o conceito que j formara quanto verdade dos fatos gerais sobre os quais se apiam minhas opinies.
Tais oportunidades nasceram da circunstncia de haver uma senhora das nossas relaes, Miss L. S., demonstrado possuir a faculdade de escrever automaticamente. A meu ver, de todas as formas da mediunidade, esta a que precisa ser provada mais rigorosamente, pois que mais facilmente se presta a ocasionar, no tanto uma decepo qualquer, mas a sua prpria, o que infinitamente mais sutil e perigoso. ela mesma quem escreve? Ou h, como afirma, um poder que a dirige, conforme afirmava o cronista dos israelitas, na Bblia?
No caso de Miss L. S., no h negar que se reconheceram inexatas algumas das mensagens por ela transmitidas. Especialmente em matria de tempo no podiam ser levadas em conta. Doutro lado, o nmero das que se reconheceram exatas excedia a tudo o que qualquer conjetura ou coincidncia pudesse explicar. Assim, quando o Lusitnia submergiu e os jornais do dia anunciaram que, tanto quanto se sabia, no houvera perda de vida, o mdium escreveu imediatamente: terrvel, terrvel; e ter grande influncia na guerra. Com efeito, isso foi o que mais fortemente impeliu a Amrica a entrar no grande conflito. A comunicao, pois, fora exata, a ambos os respeitos.
Doutra vez, Miss L. S. predisse o recebimento de um telegrama importante em determinado dia e indicou o nome do expedidor, a pessoa de quem menos se poderia esper-lo. Inegvel se tornou a realidade da sua inspirao, conquanto fossem notrios os equvocos havidos. Foi como se houvssemos recebido excelente comunicao atravs de um aparelho telefnico imperfeito.
Um outro incidente acorrido no princpio da guerra se me fixou na memria. Em certa cidade de provncia morreu uma senhora por quem eu me interessava. Era uma doente crnica e ao lado de seu leito morturio encontraram morfina, o que deu motivo a um inqurito judicirio, que a nenhum resultado chegou. Passados oito dias, realizei uma sesso com o Sr. Vout Peters. Depois de me dizer muitas coisas vagas e nada concludentes, declarou ele de sbito: Est aqui uma senhora amparada por outra mais idosa. Persiste em dizer morfina. J o repetiu trs vezes. Seu crebro se acha obscurecido. Ela no o faz conscientemente. Estas foram, quase que textualmente, suas palavras. A telepatia nada teve que ver com essa comunicao, porquanto muitos outros eram os meus pensamentos e no contava com semelhante comunicado.
O movimento esprita h de adquirir muita intensidade, no s por efeito das experincias pessoais, mas tambm devido admirvel literatura a que tem dado nascimento nestes ltimos anos. Se, contudo, no existissem mais livros espiritualistas do que os cinco que apareceram recentemente, esses bastariam, em minha opinio, para convencer dos fatos qualquer investigador imparcial. Os livros a que me refiro so: Raymond, do professor Lodge; Psychical Investigations (Investigaes Psquicas), de Arthur Hill; Reality of Psychical Phenomena (Realidade dos Fenmenos Psquicos), do professor Crawford; Threshold of the Unseen (Limiar do Invisvel), do professor Barrett; e Ear of Dionysius (Ouvido de Dionsio), de Gerald Balfour.
Antes de abordar a questo de uma nova revelao religiosa, de explicar como obtida e em que consiste, quisera dizer uma palavra sobre outro assunto. Da parte dos nossos adversrios tem havido sempre duas maneiras de atacar-nos. Uma delas se reduz afirmao de que so falsos os fatos em que nos baseamos. A essa j atendi. A outra a de que pisamos terreno proibido, do qual nos deveramos afastar imediatamente. Com relao a mim, esta objeo jamais teve significao alguma, pois que parti de um ponto relativamente materialista. Desejo, entretanto, submeter uma ou duas consideraes aos que possam ser por ela atingidos.
A principal dessas consideraes que Deus no nos h concedido faculdade alguma de que nos no devamos servir nunca, em nenhuma circunstncia. O simples fato de a possuirmos prova de que estamos na obrigao de estud-la e desenvolv-la. Verdade que, se perdermos o critrio da proporo e da razo, poderemos ser levados a abusar dessa faculdade, como de qualquer outra. Mas, repito, o simples fato de a possuirmos constitui forte razo de que nos lcito e mesmo obrigatrio us-la.
No esqueamos tambm que a pecha de conhecimentos ilcitos, apoiada em textos mais ou menos apropriados, se lanou sempre contra todos os progressos do saber humano. Lanou-se contra Galvani e a eletricidade. Lanou-se contra Darwin, que certamente houvera sido condenado fogueira, se vivera alguns sculos antes. At contra Simpson, por ter empregado o clorofrmio em casos de parto, ela foi lanada, sob o pretexto de que a Bblia diz: Parireis com dor. fora de dvida que um argumento de que se tem usado tantas vezes e que tantas vezes tem sido abandonado j no pode ser tomado a srio.
Todavia, queles para quem o ponto de vista teolgico constitui uma pedra de tropeo, eu recomendaria a leitura de dois livrinhos, escritos ambos por clrigos. O primeiro, do pastor Fielding Ould, se intitula Is Spiritualism of the Devil? (O Espiritismo do Diabo?). O outro tem por autor o pastor Arthur Chamber e por ttulo: Our self after death (Ns mesmos depois da morte). Posso tambm recomendar os escritos do pastor Charles Tweedale sobre essa matria. Acrescentarei que, quando comecei a tornar pblicas minhas idias acerca dessa questo, uma das primeiras cartas de felicitaes que recebi foi do hoje falecido arcedicono Wilberforce.
Telogos h que no se limitam a fazer oposio ao Espiritismo unicamente como doutrina; que vo mesmo ao ponto de dizer que os fenmenos e as comunicaes provm dos demnios, que se fazem passar pelos nossos mortos, ou por instrutores celestes. No se pode admitir que os que emitem semelhantes opinies tenham experimentado alguma vez pessoalmente os efeitos consoladores e verdadeiramente elevados que tais comunicaes produzem nos que as recebem. Ruskin deixou registrado que a sua convico acerca da vida futura lhe viera do Espiritismo, embora acrescentando, com certo ilogismo e muita ingratido, que, tendo alcanado o que queria, nada mais tinha que ver com isso.
Considervel, no entanto, o nmero quorum pars parva sum dos que, sem reserva alguma, podem declarar que passaram do materialismo crena na vida futura, com tudo quanto essa crena implica, apenas estudando o assunto. Se isso obra do diabo, ser foroso confessar que o diabo um obreiro muito inbil, pois que os resultados que consegue so diametralmente opostos aos que se deve crer que ele deseje.
2 A Revelao
Posso agora, com certo desafogo, abordar um aspecto mais impessoal desta importante questo. Aludi constituio de uma nova doutrina. Donde nos vem ela? Vem principalmente pela escrita automtica, que a mo do mdium traa, quando este a tem governado, seja pelo suposto esprito de um ser humano j morto, como no caso de Miss Jlia Ames, seja por um suposto instrutor invisvel, como no de Stainton Moses.
Essas comunicaes escritas ho sido completadas por grande nmero de exposies feitas pelo mdium em estado de transe e por mensagens dadas verbalmente pelos espritos, servindo-se estes dos rgos vocais do mdium. Algumas vezes, ainda, tm vindo sem intermedirio, falando os espritos diretamente, como nos diversos casos que o almirante Usborne Moore refere no seu livro The Voices (As Vozes). No raro tambm tm sido reveladas a alguns crculos familiares, por meio da mesa girante, como nos dois casos que acima relatei, tratando das minhas experincias pessoais. Doutras vezes, como no caso citado por Mrs. de Morgan, tm sido transmitidas pela mo de uma criana.
Logo, certamente, se nos faz esta objeo: Como sabeis que essas mensagens vm de fato do Alm? Como podeis saber que o mdium no escreve conscientemente, ou, admitido que isto seja improvvel, que no escreve apenas, sem que de tal se aperceba, o que lhe ditado pelo seu subconsciente? esta uma objeo perfeitamente razovel e que devemos ter em conta diante de qualquer caso, porquanto, se o mundo viesse a encher-se de profetas sem valor, cada um alardeando suas idias acerca do novo domnio religioso e apoiando-as unicamente nas suas prprias afirmaes, volveramos aos obscuros tempos da f cega.
Devemos responder que reclamamos provas cuja autenticidade podemos testificar e que no aceitamos asseres cuja veracidade se no possa provar. Outrora se pedia ao profeta um sinal atestador do que dizia. Era uma exigncia absolutamente justa e que hoje tambm o . Se algum me trouxesse uma descrio da vida em qualquer outro mundo, sem mais credenciais que no as suas prprias afirmaes, longe de colocar esse trabalho sabre a minha mesa de estudos, atir-lo-ia cesta dos papis inservveis. A vida por demais curta para aferirmos do valor de semelhantes produes.
Se, porm, como se deu com Stainton Moses em seus Ensinos Espiritualistas, as doutrinas apresentadas como vindas do Alm so acompanhadas da manifestao de mltiplas faculdades anormais e Stainton Moses foi a todos os respeitos um dos mais notveis mdiuns que a Inglaterra j produziu ento encaro o assunto com mais seriedade.
Igualmente, desde que Miss Jlia Ames logrou, da sua vida terrena, revelar a Stead particularidades que ele no podia conhecer e que, depois de muitas investigaes, verificou serem exatas, naturalmente qualquer pessoa se sentir inclinada a admitir como verdadeiras outras revelaes cuja exatido se no pode provar. Assim, tambm, desde que um Raymond nos pode descrever uma fotografia, da qual nenhuma cpia havia chegado Inglaterra e que depois se verifica ser exatamente como fora descrita; desde que esse Raymond, por boca de estranhos, nos transmite toda sorte de detalhes da sua vida familiar, detalhes que seus parentes verificaram e atestaram ser exatos; fora despropositado dar-lhe crdito quando ele descreve o gnero de vida que tem no Alm, no momento mesmo em que se comunica conosco?
Ainda mais: quando Sir Arthur Hill recebe mensagens de pessoas de quem nunca ouvira falarem e verifica que tais mensagens so verdadeiras em todos os seus pontos, no justo deduzir-se que essas entidades dizem a verdade quando nos elucidam sobre as condies em que se encontram?
Contam-se por muitos os casos dessa natureza. Apenas menciono alguns. Mas, penso que todo o sistema que eles formam, desde o fenmeno fsico do simples rudo numa mesa at a mais inspirada alocuo de um profeta, constitui um todo completo, uma cadeia cujos elos se ligam uns aos outros e que, se o extremo inferior dessa cadeia veio ter s mos da Humanidade, foi para que esta, por seus esforos e pelo uso da razo, encontrasse o caminho a seguir at chegar revelao que a esperava no extremo superior.
No mofeis do fato de lhe terem servido de incio as mesas girantes ou as pranchetas a flutuarem no ar, embora esses fenmenos possam ter sido muitas vezes enganosos ou simulados. Lembremo-nos de que a queda de uma ma nos deu a lei da gravidade; de que da panela a ferver nos veio a mquina a vapor; de que a contrao da pata de uma r abriu caminho s elucubraes e experincias que nos levaram descoberta da eletricidade. Do mesmo modo as grosseiras manifestaes de Hydesville deram em resultado interessar pelo assunto a pliade dos mais eminentes intelectuais daquele pas, durante os ltimos vinte anos, estando, a meu ver, destinadas a imprimir s experincias humanas o maior desenvolvimento que j o mundo presenciou.
Personalidades cujas opinies tenho na mais alta conta, especialmente Sir William Barrett, afirmaram que a investigao psquica coisa inteiramente distinta da religio. Isso incontestvel no sentido de que um mau indivduo pode, no entanto, ser excelente investigador dos fenmenos psquicos. Mas, os resultados dessas pesquisas, as dedues que delas podemos tirar e as lies que podemos colher nos ensinam a sobrevivncia da alma, a natureza dessa sobrevivncia e como o nosso proceder neste mundo a influencia. Se isto coisa distinta de religio, confesso que no compreendo bem a distino. Para mim, religio, a essncia mesma da religio.
No quer, entretanto, dizer que esses resultados viro necessariamente a cristalizar-se numa nova religio. Pessoalmente confio que tal no se dar. J nos achamos sobejamente divididos. Antes, vejo neles a grande fora unificadora, a nica coisa provvel em conexo com qualquer das religies, crist ou no, formando uma slida base comum sobre a qual cada uma delas, admitido que o deva fazer, erija um sistema particular em correspondncia com os vrios tipos de mentalidades.
Efetivamente, as raas meridionais preferiro sempre, em oposio s do Norte, o que seja menos austero; as do Oeste sero sempre mais analistas do que as do Leste. Ningum poder conduzir todas a uma perfeita igualdade de nvel. Todavia, se forem aceitas as amplas premissas que o ensinamento vindo do Alm nos oferece, a Humanidade ter avanado grandemente para a paz religiosa e para a unidade.
Logo, porm, esta outra questo se nos apresenta: De que maneira atuar o Espiritismo sobre as antigas religies existentes e sobre os diferentes sistemas filosficos que tm influenciado as aes dos homens? A resposta que s a uma dessas religies ou filosofias a nova revelao ser absolutamente fatal: ao Materialismo. No digo isto com esprito de hostilidade aos materialistas, que, como coletividade organizada, so to srios e morais como qualquer outra classe. Porm, manifesto que, se o esprito pode viver sem a matria, desaparece a base mesma do materialismo, acarretando o desmoronamento de todas as suas teorias.
Pelo que toca s outras crenas, foroso ser admitir que a aceitao do ensino que nos vem do Alm modificaria profundamente o Cristianismo convencional. Essas modificaes, entretanto, no se fariam no sentido de contradio, mas no de explicao e desenvolvimento. Aquele ensino corrigiria as graves dissenses que sempre chocaram a razo dos pensadores, confirmando e tornando absolutamente certo o fato da continuao da vida aps a morte, fundamento de todas as religies. Confirmaria as desgraadas conseqncias do pecado, mas mostrando que elas no so eternas. Confirmaria a existncia de seres superiores, at aqui chamados anjos, e a de uma hierarquia ascendente acima de ns, na qual tem seu lugar o esprito do Cristo, colocado a uma altura do infinito a que associamos sempre a idia de onipotncia, ou seja, de Deus. Confirmaria, enfim, a idia de um cu e de um estado penal transitrio, ponderado mais ao purgatrio do que ao inferno.
Assim, a nova revelao, na maioria de seus pontos essenciais, no se apresenta como destruidora das velhas crenas. Ela, pois, seria recebida pelos fiis, realmente fervorosos, de todos os credos, antes como uma aliada poderosa, do que como um perigoso inimigo engendrado pelo diabo.
Examinemos, por outro lado, os pontos em que o Cristianismo dever ser modificado pela nova revelao.
Antes de tudo direi uma coisa, bvia para muitos, que, no entanto, muito a deploram: o Cristianismo tem que evolver ou perecer. lei da vida que o que no se adapta perece. O Cristianismo j deferiu demais a sua transformao; deferiu-a tanto que as suas igrejas j se acham meio vazias; que as mulheres lhe constituem o principal sustentculo; que, assim, de um lado, os membros mais instrudos da coletividade humana, como, de outro, os mais pobres, quer na cidade, quer no campo, se separaram completamente dela. Procuremos descobrir a razo desse estado de coisas. Ele patente em todas as seitas do Cristianismo. Deriva, portanto, de alguma profunda causa comum.
As gentes se afastam porque francamente no podem ter por verdadeiros os fatos tais como lhes so apresentados. Semelhante coisa lhes ofende igualmente a razo e o senso da justia. Ningum, com efeito, pode vislumbrar justia num sacrifcio feito em substituio, nem num Deus cuja clemncia s por esse meio se consiga. Sobretudo, muitos h que no logram compreender o que signifiquem expresses como remisso do pecado, purificao pelo sangue do Cordeiro e outras.
Enquanto perdurou a questo da queda do homem, havia pelo menos, para tais frases, certa explicao. Desde que, porm, ficou demonstrado que jamais o homem caiu; desde que, graas ao progresso da cincia, se nos tornou possvel reconstituir a nossa ascendncia ancestral e, passando pelo homem das cavernas e pelo homem nmade, remontar s pocas sombrias e distantes em que o macaco-homem evolveu lentamente para o homem-macaco; se lanamos um olhar retrospectivo sobre essa longa sucesso da vida, verificamos que ela se vai sempre desdobrando passo a passo, sem que encontremos nunca qualquer prova de queda. Ora, se queda nunca houve, a que ficam reduzidas s doutrinas da expiao, da redeno, do pecado original? Numa palavra, que resta de uma grande parte da filosofia mstica do Cristianismo?
Dado que aquelas doutrinas tivessem sido to racionais em si mesmas, quanto presentemente so absurdas, elas estariam, apesar de tudo, em oposio aos fatos.
Acresce que muito exagero houve, ao que parece, com relao morte do Cristo. Morrer algum por uma idia no fato fora do comum. Todas as religies tiveram seus mrtires. Constantemente morrem homens pelas suas convices. Milhares de nossos mancebos esto fazendo isso, neste momento, em Frana. Da vem que a morte do Cristo, sublime, alis, como a descreve o Evangelho, assumiu uma importncia injustificada, como se constitusse fenmeno singular sacrificar-se um homem pela realizao de uma reforma.
No meu entender, morte do Cristo se atribuiu excessivo valor, ao passo que muito pouco se tem dado sua vida. Entretanto, nesta que se encontram a verdadeira grandeza e a verdadeira lio. Mesmo imperfeitamente descrita como o , foi uma vida onde nenhum trao se descobre que no seja admirvel; uma vida plena de tolerncia para com todos, de suave caridade, de ampla moderao, de serena coragem; vida sempre votada ao progresso e aberta a todas as idias novas; vida sem nenhuma nota de azedume contra as idias que ele realmente suplantava, se bem manifestasse justificado desgosto ante a estreiteza de esprito e a tartufice dos que as defendiam. Particularmente notvel era nele a agudeza com que penetrava o esprito mesmo da religio, pondo de lado os textos e as frmulas. No h exemplo de igual bom senso, nem de tanta simpatia para com os fracos. Em verdade, sua vida foi a mais maravilhosa de quantas se conhecem, o que no se d com a sua morte, que, no obstante, forma o ponto central da religio crist.
Consideremos agora quanta luz os nossos guias espirituais ho lanado sobre a questo do Cristianismo. L no Alm as opinies no so absolutamente uniformes, como no o so aqui na Terra. Contudo, se se l certo nmero de comunicaes sobre esse assunto, v-se que tudo se reduz a isto: Juntamente com os nossos mortos, h muitos espritos mais elevados, variando entre eles os graus de elevao. Chamemos-lhes anjos e nos teremos aproximado da antiga concepo religiosa.
Acima de todos esses espritos se acha o maior Esprito que eles conhecem e que no Deus, pois que Deus, sendo infinito, no lhes est ao alcance da percepo. o esprito mais prximo de Deus e que, at certo ponto, o representa: o Esprito do Cristo. A Terra o objeto de toda a sua solicitude. Ele a ela baixou numa poca de grande depravao, numa poca em que o mundo era quase to perverso quanto agora, a fim de dar o exemplo de uma vida ideal. Em seguida, voltou morada celestial que lhe prpria, tendo legado aos homens ensinamentos que ainda por vezes so postos em prtica. Eis a histria do Cristo, conforme a narram os espritos. Nela nada h de expiao, nem de redeno. Encerra, porm, a meu ver, um sistema perfeitamente racional e realizvel.
Se esta maneira de conceber o Cristianismo fosse geralmente aceita, tendo a corrobor-la a certeza e a demonstrao que nos vm do outro mundo pela Nova Revelao, ento possuiramos uma crena que unificaria todas as igrejas, que estaria de acordo com a cincia, que desafiaria todos os ataques e sustentaria indefinidamente a f crist. A razo e a f se reconciliariam finalmente; todos nos livraramos de um pesadelo atroz e reinaria a paz espiritual.
No entrevejo a consecuo desses resultados por efeito de uma conquista rpida ou de uma violenta revoluo. Eles adviro por meio de uma penetrao pacfica, do mesmo modo que certas idias abstrusas, qual, por exemplo, a de um inferno eterno, se vo lentamente apagando, j nos tempos que correm. Mas, quando a alma humana se acha trabalhada e torturada pela dor que se devem espalhar as sementes da verdade. Se assim fizermos, destes dias em que vivemos despontar no futuro uma abundante colheita espiritual.
Quando leio o Novo Testamento com o conhecimento que tenho do Espiritismo, fico profundamente convencido de que os ensinos do Cristo, sob vrios pontos de vista muito importantes, a Igreja primitiva os perdeu, de sorte que no chegaram at ns. Todas as aluses, que ele encerra, possibilidade de triunfar-se da morte, nada significam, ao que me parece, na atual filosofia crist. Entretanto, para os que j viram alguma coisa, ainda que obscuramente, atravs do vu que nos encobre o mundo invisvel; para os que j tocaram, ainda que ligeiramente, as mos que se nos estendem do Alm, para esses a morte j foi vencida.
Quando ele nos fala de fenmenos que se nos tornaram familiares, tais como as levitaes, as lnguas de fogo, as ventanias, os dons espirituais em suma, de milagres , reconhecemos que o fato capital entre todos, o da continuidade da vida e da comunicao com os mortos, era plenamente conhecido naquela poca. L se nos deparam ditos como este: Aqui ele no fez milagres porque o povo carecia de f. Isto no est de perfeito acordo com a lei psquica que conhecemos? Noutro ponto lemos que o Cristo, tendo sido tocado pela hemorrossa, exclamou: Quem me tocou? Sinto que de mim saiu uma virtude. Pudera ele ter dito mais claramente o que um mdium curador diria hoje, apenas empregando a palavra poder em lugar do termo virtude?
Mais ainda. Quando lemos: Experimentai os espritos, para saberdes se eles so de Deus, no encontramos a o aviso que hoje daramos ao nefito que quisesse tomar parte numa sesso?
Excessivamente vasta essa questo para que me seja possvel mais do que enflor-la. Creio, no entanto, que esse assunto, que as igrejas crists mais rigoristas presentemente atacam com tanto furor, constitui realmente o ensino bsico do prprio Cristianismo. Aos que quiserem ir mais longe nesta ordem de idias, recomendo muito a leitura do livro do doutor Abraham Wallace, Jesus de Nazar, caso no esteja esgotada a edio dessa valiosa obrinha. Seu autor demonstra, de modo convincente, que os milagres do Cristo estavam todos no campo de ao da lei psquica, como a compreendemos hoje, e se conformavam, ainda nas menores particularidades, com os princpios precisos dessa lei.
Dois exemplos j foram citados. Muitos outros so apontados no opsculo a que me refiro. O que me convenceu da veracidade da tese sustentada nele foi que, se a apreciamos de conformidade com aquela lei, a histria da materializao dos dois profetas, no monte, se nos patenteia extraordinariamente exata. H primeiramente a notar que Jesus escolheu para o acompanharem Pedro, Tiago e Joo, os mesmos que formavam o crculo psquico na ocasio em que o morto foi chamado de novo vida e que, provavelmente, do grupo dos discpulos, eram os mais apropriados ao fenmeno. Houve depois a preferncia pelo ar puro da montanha, a sonolncia que atacou os trs mdiuns, a transfigurao, as vestes resplandecentes, a nuvem, as palavras: Construamos trs tabernculos, que tambm se podem ler: Construamos trs tendas ou gabinetes, meio ideal de se produzirem as materializaes pela concentrao dos poderes psquicos.
Tudo isso compe uma teoria muito slida da natureza dos processos. Quanto ao mais, os dons que S. Paulo indica como de necessidade que o discpulo cristo rena, em si, so idnticos aos que um mdium poderoso deve possuir, compreendidas as faculdades de profetizar, de curar, de operar milagres (ou fenmenos fsicos), de clarividncia e outros. (I Epstola aos Corntios, XII, 8, 11.)
A primitiva igreja crist viveu saturada de Espiritismo e no parece que tenha atendido s proibies do Velho Testamento, as quais objetivavam reservar esses poderes para uso e proveito do clero.
3 A Vida Futura
Deixando de parte esse assunto, vasto e possivelmente litigioso, das modificaes que as novas revelaes podero produzir no Cristianismo, tentarei esboar o que sucede ao homem depois da morte. As provas relativas a este ponto so fortes e cabais.
Em muitos pases e em pocas diversas, numerosas mensagens se tm recebido dos mortos, as quais mantm, com referncia a este mundo, grande cpia de informes cuja exatido se verificou. Assim sendo, parece-me razovel se considere tambm como verdade o que, de tais mensagens, escape nossa verificao. Demais, deparando-se-nos uma uniformidade realmente notvel entre essas mensagens e no menor concordncia nas particularidades que encerram e que de nenhum modo correspondem a qualquer ordem de idias preexistentes, julgo que com muita firmeza se pode presumir da veracidade delas. Custa-me crer que sejam falsas vinte ou trinta comunicaes, recebidas de vrias origens e acerca das quais possuo notas por mim mesmo tomadas, concordantes todas; nem vejo como se possa supor que os espritos falem verdade quando tratam do nosso mundo e mentem quando se referem ao em que se acham.
Ultimamente, na mesma semana, recebi duas descries da vida no Alm, a primeira por intermdio de um parente prximo de alto dignitrio da Igreja, a segunda pela esposa de um operrio mecnico da Esccia. Nenhuma dessas criaturas tinha conhecimento da existncia da outra e as duas descries se assemelham tanto que praticamente so idnticas.
As mensagens, a esse respeito, parecem-me infinitamente tranqilizadoras, quer se refiram ao nosso prprio destino, quer aos dos nossos amigos. Todos os que ho daqui partido so concordes em dizer que a passagem para o Alm , regra geral, ao mesmo tempo fcil e sem sofrimento e seguida de enorme reao de paz e bem-estar. Cada um l se encontra revestido de um corpo espiritual, reproduo exata do que ficou aqui na Terra, com a s diferena de no apresentar a enfermidade, a fraqueza e a deformidade que havia neste ltimo. Esse corpo espiritual, ao dar-se o desprendimento, se conserva imvel ou flutuando ao lado do de carne, consciente da existncia deste, bem como da presena das pessoas que o cercam.
Nesse momento, o morto se acha mais prximo da matria do que o estar dali por diante em qualquer ocasio. Da vem que ento quando, principalmente, se do os casos em que, dirigindo-se o pensamento do morto para algum que se ache distante, o corpo espiritual acompanha o pensamento e aparece a esse algum. Em cerca de duzentos e cinqenta desses casos cuidadosamente estudados pelo Sr. Gurney, cento e trinta e quatro de tais aparies ocorreram no instante mesmo da dissoluo, isto , quando, ao que imaginamos, por se achar talvez o corpo espiritual ainda muito materializado, mais visvel para os olhos humanos de uma pessoa amiga do que o ser depois.
Essas aparies, todavia, so muito raras em comparao com o nmero total dos que morrem. Ao que suponho, a maior parte das vezes, aquele que morre se encontra por demais preocupado com o que de extraordinrio lhe sucede em tal circunstncia para pensar nos outros.
Com grande surpresa, comea por notar que, apesar de todos os seus esforos para se comunicar com os que ali v, sua voz e seu tato etreos nenhuma impresso causam ao organismo humano, que s vibra de harmonia com estmulos mais grosseiros. Belo tema para especulao o investigar se um conhecimento mais profundo dos raios luminosas que sabemos existir de cada um dos lados do espectro, ou dos sons cuja realidade se pode provar pelas vibraes de um diafragma, conquanto sejam muito sutis para ouvidos mortais, no ser de molde a nos levar a mais amplos conhecimentos psquicos.
Deixemos, porm, isso de lado e acompanhemos a sorte do esprito que se vai. Ele observa que, no aposento onde expirou, outros seres se encontram alm dos que deixou vivos no mundo e, entre esses outros, que lhe parecem to substanciais como os vivos, surgem figuras que lhe so familiares e sente que lhe apertam as mos e lhe beijam as faces os que ele amara e perdera. Ento, na companhia destes e amparado e guiado por um ser mais radioso que, tambm ali presente, aguardava o recm-chegado, este, cada vez mais surpreendido, parte, atravessando todos os obstculos materiais, e entra na sua nova vida.
Aqui est uma exposio precisa e o que todos repetem com uma persistncia que nos fora a crer. Como se v, muito isto difere do que ensina a velha teologia. O esprito no , pois, nem um anjo glorificado, nem um duende condenado, mas sim a prpria pessoa que daqui se foi, conservando a fora ou a fraqueza, a sabedoria ou a loucura, que lhe eram peculiares, exatamente como conserva a aparncia corprea que tinha.
Bem se poderia acreditar que, intimidados por to tremenda experincia, os mais frvolos e insensatos se modificassem para melhor; porm as impresses recebidas logo se embotam, o natural prprio do indivduo retoma o seu ascendente no novo meio a que ele se transferiu e os frvolos continuam a subsistir, como o podem atestar algumas das nossas sesses particulares.
Antes, contudo, de entrar em sua nova vida, passa o esprito recm-chegado no Alm por um perodo de adormecimento, cuja extenso varia, pois que, mal existindo para uns, para outros dura semanas ou meses. Raymond diz que esse perodo foi para ele de seis dias. Tambm foi o mesmo para um outro esprito, num caso de que tive conhecimento pessoal. Por outro lado, disse Myers que muito prolongado fora para ele o perodo de torpor.
Imagino que a durao desse estado regulada pelo grau de perturbao ou de preocupao mental que a vida terrena cause naquele que acaba de desencarnar. Um repouso mais prolongado oferece o meio de escoim-lo de tais preocupaes. Uma criana provavelmente nenhuma necessidade tem de atravessar esse perodo. Esta ltima nota no passa de simples observao especulativa; considervel, porm, o acervo de opinies no sentido da existncia de um perodo de esquecimento, seguindo-se primeira impresso que o esprito recebe da sua nova vida e antecedendo o momento em que entra nela definitivamente.
Ao despertar desse sono, o esprito se sente fraco como a criana que acaba de nascer. Logo, entretanto, lhe voltam as foras e a nova vida comea. Isto nos leva a considerar o cu e o inferno.
A idia do inferno, posso dizer, se vai dissipando totalmente, como de h muito se dissipou da mente de todos os que raciocinam. To odiosa concepo blasfematria, no seu objetivo do Criador se originou dos exageros da fraseologia oriental. Talvez tenha prestado servio em eras primitivas, quando o fogo aterrorizava os homens, como o viajante amedronta as feras.
No sentido de um lugar permanente, o inferno no existe. Mas, a idia de punio, de castigos purificadores, quais os do purgatrio, o que se nos diz do Alm a confirma. Sem punio no haveria justia no Universo, porquanto fora impossvel admitir-se que a sorte de um Rasputin seja idntica de um Pai Damio. O castigo realmente certo e muito srio, se bem que, nas suas formas menos severas, consista unicamente em serem as almas mais grosseiras colocadas em esferas inferiores, sabendo que foram suas prprias aes que lhes acarretaram essa situao, nutrindo contudo a esperana de que a expiao e a ajuda dos que lhes esto acima as educaro e elevaro ao mesmo nvel das demais. A essa obra de salvao se votam, em parte, os espritos mais elevados.
Miss Jlia Ames, na sua bela obra pstuma, inseriu estas memorveis palavras: A maior alegria do cu consiste em esvaziar o inferno.
Postas de parte essas esferas de provaes, que antes deveriam talvez ser tidas como hospitais para almas fracas do que como penitencirias, as comunicaes que nos vm do outro mundo so acordes em declarar agradveis as condies da vida no Alm. Dizem elas que os que se assemelham se atraem reciprocamente, que os que se amam ou tm interesses comuns se renem, que a existncia l cheia de atraes e ocupaes e que nenhum deles desejaria de modo algum voltar Terra. Todas essas notcias so efetivamente de molde a nos proporcionarem grande alegria e repito que no do motivo para uma f ou uma esperana vagas, que, ao contrrio, so amparadas por todas as leis da evidncia, leis segundo as quais, sempre que muitas testemunhas, sem ligao alguma entre si, fazem depoimentos similares, justo se considere como verdadeiro o que dizem.
Se no que narram falassem de almas glorificadas, instantaneamente expurgados de todas as fraquezas humanas e de um constante xtase de adorao em derredor do trono do onipotente, poder-se-ia suspeitar que suas narrativas fossem mero reflexo dessa teologia popular que todos os mdiuns aprenderam na infncia. Elas, entretanto, divergem profundamente de qualquer doutrina preexistente. Alm disso, tm a apoi-las, como j o fiz notar, no s a conformidade que apresentam, mas tambm o fato de serem o resultado final de longa srie de fenmenos, todos atestados como reais pelos que cuidadosamente os observaram.
A propsito dessa questo, em geral, da continuao da vida aps a morte, poder-nos-o objetar que j pela f se tinha cincia dela. Mas a f, conquanto cheia de beleza quando apreciada no indivduo, tem sido sempre, nos corpos coletivos, uma arma de dois gumes. Tudo estaria bem, se uma s fosse a f e constantes as intuies do gnero humano.
F significa crena absoluta numa coisa que se no pode provar. Um diz: A minha f isto. Outro diz: A minha f aquilo. Nenhum dos dois pode provar o que afirma ser a sua f, mas contendem sempre, ou mentalmente, ou, por fim, fisicamente. O que for mais forte se mostrar disposto a perseguir o outro, at obrig-lo a partilhar da verdadeira f. Porque a f de Filipe II era forte e positiva, ele, com absoluta lgica, exterminou algumas centenas de milhares de mouros, na esperana de que, dentre estes, os que restassem com vida abraariam a suprema verdade.
Presentemente, se se reconhecesse no ser razovel, de maneira alguma, exigir que os outros acreditem no que no possa ser provado, seramos todos levados a observar os fatos, a meditar sobre eles, e talvez se chegasse a um comum acordo. Essa a razo pela qual o movimento psquico se mostra to importante. Ele assenta nalguma coisa de mais slido do que textos, tradies ou intuies. religio de um duplo ponto de vista, do de dois mundos, em vez de o ser porque derive das antigas tradies de um mundo s.
No podemos considerar o outro mundo como gracioso jardim de uma praa holandesa, to limitado que seja possvel descrev-lo facilmente. provvel que os mensageiros que vm ter conosco se achem todos, mais ou menos, em estado de desenvolvimento e representem uma como vaga de vida que se afasta das nossas praias. As comunicaes, geralmente, procedem dos que daqui partiram no h muito tempo e tendem a enfraquecer-se, como de esperar. A este propsito vem de molde notar que as reaparies do Cristo a seus discpulos ou a Paulo se verificaram, ao que consta, quando ainda muito poucos anos haviam decorrido depois de sua morte e que os primeiros cristos nunca pretenderam t-lo visto posteriormente.
No so abundantes os casos de manifestao de espritos que tenham desencarnado h longo tempo e que dem provas aceitveis de autenticidade. Na vida do Sr. Dawson Roger se conta o de um esprito que disse chamar-se Manton e que pretendia ter nascido em Lawrence Lydiard e ter sido enterrado em Stoke Newington, no ano de 1677. Ficou depois claramente demonstrado que existiu um homem assim chamado e que fora capelo de Oliver Cromwell. Tanto quanto o que tenho lido me permite saber, o esprito mais antigo cuja manifestao se pde registrar.
Em regra, os que nos vm falar daqui se foram muito recentemente. Da se segue que os informes que obtemos no vo alm do que alcancem os conhecimentos dos que pertenceram a uma gerao anterior nossa, se tanto, e que no podemos tomar como completas as informaes que nos do, mas apenas como parciais.
Que os espritos podem ver as coisas sob aspectos diferentes, de conformidade com os progressos que realizem no outro mundo, fato que Miss Jlia Ames tornou patente. Ela, que a princpio se mostrou impressionada pela necessidade da fundao de um escritrio de comunicaes, passados quinze anos, reconheceu no haver no Alm, dentre um milho de espritos, nenhum que ainda quisesse comunicar-se conosco, desde que j tivesse junto de si aqueles a quem amava. Miss Jlia se equivocara porque, ao chegar no Alm, todos os que encontrou estavam l tambm de pouco tempo.
Parciais, pois, devem ser as narraes que conseguimos, porm, mesmo assim, so bastante substanciosas e extraordinariamente interessantes, visto que se referem aos nossos prprios destinos e aos daqueles a quem amamos.
Todos os espritos que no-las fornecem concordam em que a vida no invisvel de durao limitada, que em seguida eles passam a outras fases, entre as quais aparentemente h mais comunicao do que entre ns e o mundo espiritual. Os que esto nos planos inferiores no podem ascender aos planos superiores, mas os que nestes se acham podem baixar livremente ao meio daqueles.
L, a vida apresenta estreita analogia com a deste mundo, no que esta tem de superior. Entretanto, ao passo que esta corporal, aquela eminentemente uma vida mental, isenta, por conseguinte, das preocupaes de alimentao, de dinheiro, de luxria, de sofrimento, etc., votada sobretudo ao cultivo das artes, da msica, de todos os conhecimentos intelectuais e espirituais e a todos os progressos. Os seres vivem vestidos, como era de esperar, porquanto nenhuma razo h para que renunciem decncia sob as novas formas que tomam. Essas novas formas so a reproduo fiel das humanas, mas aperfeioadas, envelhecendo os jovens e remoando os velhos, quanto seja necessrio a que todos venham a ficar num meio-termo normal.
Vivem em comunidades, como fora de supor, desde que entre os que se assemelham h atrao. O esprito masculino l encontra a sua companheira, se bem no haja sexualidade, no sentido grosseiro da palavra, nem, portanto, nascimentos.
Uma vez que as ligaes se mantm e que os que se acham no mesmo grau de desenvolvimento se ombreiam, lcito imaginar que as naes se conservem rigorosamente separadas umas das outras, embora no forme barreira posta entre elas a diversidade dos idiomas, por isso que a linguagem do pensamento a de que se servem os espritos para se comunicarem.
Da ntima ligao que existe no Alm entre as almas afins, temos notvel exemplo no modo pelo qual Myers, Gurney e Roden Noel, que na Terra foram amigos e colaboradores, juntamente nos transmitiram mensagens por intermdio da Sra. Holland, que os no tinha conhecido, sendo a mensagem de cada um perfeitamente caracterstica para quem o conhecera como homem. Outro exemplo o dos professores Verrall e Butcher, famosos sbios gregos, que, de colaborao, produziram o Problema grego, analisado, em O ouvido de Dionsio, pelo Sr. Gerald Balfour, que, com a sua grande autoridade, declarou no poder tal resultado ser obtido por nenhuma outra entidade que no fossem Verrall e Butcher.
De passagem, devemos fazer notar que estes e outros exemplos claramente mostram que os espritos, ou dispem de excelente biblioteca a que se reportam, ou ento possuem uma memria que, por assim dizer, os torna oniscientes. A nenhuma memria humana seria possvel fazer tantas citaes exatas quantas se nos deparam nas comunicaes insertas em O ouvido de Dionsio.
Tais so, grosseiramente traadas, as linhas gerais da vida no Alm, na sua mais simples expresso. Dizemos na sua mais simples expresso porque nem tudo nela simples. Infinitos crculos inferiores se sucedem at s trevas, como infinitos outros se escalonam at glria, todos progressivos, todos obedecendo a uma destinao, todos cheios de vida ativa, dos quais mal nos chegam plidos vislumbres.
Os nossos informantes so unnimes em dizer que nenhuma das religies terrenas leva vantagem a qualquer das outras, que o carter e a pureza dos sentimentos so tudo. Concordam, porm, ao mesmo tempo, em considerar boas todas as religies que inculcam a prece e recomendam que volvamos os olhares para o Alto, de preferncia a t-los postos naquilo que se acha ao nosso nvel. Neste sentido, que no em outro, como um amparo para a vida espiritual, todas as formas religiosas tm a sua utilidade. Assim, bom incontestavelmente que o tibetano passe parte do seu tempo a fazer girar um cilindro de bronze, desde que isso o leva a admitir a existncia de alguma coisa mais elevada do que as montanhas do seu pas e mais preciosa do que seus bois. Nada temos que criticar nesse terreno.
H ainda um ponto do qual devemos tratar aqui e que, assustador primeira vista, se impe ao nosso raciocnio, quando sobre ele refletimos. a afirmao constante que nos fazem do Alm de que os que l chegam no sabem que morreram e que muito tempo decorre, tempo s vezes bastante longo, antes que se inteirem desse fato. Dizem todos que esse estado de desorientao prejudicial e atrasa o esprito e so acordes em que o possuir desde aqui um certo conhecimento da verdade ora revelada ao mundo constitui o nico meio seguro de evitar semelhante situao no invisvel.
No de admirar que os espritos, reconhecendo serem as condies em que se encontram inteiramente diversas das que os seus conhecimentos cientficos ou religiosos os faziam esperar, considerem como um sonho as novas sensaes que experimentam. E quanto mais rigidamente ortodoxas tenham sido suas opinies, tanto mais difcil lhes ser aceitar o novo meio a que passaram com tudo o que ele envolve.
Por essa razo e muitas outras, a nova revelao uma necessidade para o gnero humano. Ressalta da, como ponto de importncia prtica, que realizariam obra til os velhos enriquecendo de conhecimentos seus espritos, porquanto, se lhes no restasse mais tempo de tirar neste mundo proveito dos mais recentemente adquiridos, eles se conservariam como parte integrante da sua bagagem mental no outro.
Quanto s particularidades mnimas da outra vida, melhor ser talvez no tratar delas, pela excelente razo de serem mnimas. Conhec-las-emos por ns mesmos, dentro em pouco; s uma v curiosidade nos levaria a interrogar os mortos a esse respeito.
Uma coisa positiva: h no Alm inteligncias elevadas, para as quais de manejo corrente a qumica sinttica, que no s elabora a substncia como tambm modela as formas. Temo-las visto operar nas sesses, de maneira perceptvel aos nossos sentidos materiais, servindo-se dos mais vulgares mdiuns. Se podem executar simulacros em uma sesso na Terra, que no devemos esperar que faam quando trabalham com objetos etreos, nesse ter que o meio prprio deles!
De um modo geral se pode dizer que tm a possibilidade de fazer alguma coisa de anlogo a tudo quanto existe na Terra. De que jeito chegam a faz-lo pode bem no passar de conjetura e especulao para os espritos menos adiantados, como os fenmenos da cincia moderna para ns. Se um de ns fosse de sbito chamado por um habitante de qualquer mundo subumano para explicar com exatido o que vem a ser a gravidade, ou o magnetismo, como se veria desamparado!
Ficaramos ento na posio desse jovem engenheiro soldado Raymond Lodge, que tenta expor uma teoria da matria no Alm, teoria que muito provavelmente ser contraditada por qualquer outro esprito que tambm se entregue a conjeturar de coisas que se acham acima de sua capacidade. Pode ele estar certo e pode estar errado. O que no sofre dvida que se esfora por dizer o que pensa, como o faramos ns mesmos em anloga circunstncia. Ele cr que os qumicos transcendentes so capazes de tudo fazer e que mesmo a produo de substncias como o lcool e o tabaco pode estar ao seu alcance, podendo, todavia, ser tambm da alada de espritos no regenerados.
Isso divertiu a tal ponto os crticos que, lendo-se-lhes os comentrios, se diria que aquele livro de quatrocentas pginas compactas nada mais encerra alm dessa proposio. Raymond pode estar certo e pode estar errado; mas, na minha opinio, o incidente prova to-s a inquebrantvel coragem e a honestidade daquele que o provocou, sabendo que espcie de arma colocava nas mos de seus inimigos.
Muitos h que protestam porque o outro mundo, conforme de l no-lo descrevem, demasiado material para o gosto deles. No era assim que o desejavam. Seja! H neste mundo muitas coisas que parecem discordantes dos nossos desejos, mas que nem por isso deixam de existir. Quando nos dispomos a examinar essa pecha de materialismo e tentamos erigir um sistema qualquer que satisfaa aos idealistas, vemos que a tarefa se apresenta dificlima. Deveramos talvez tornar-nos meras paveias de gasosa felicidade a flutuarem no ar. Parece que esta a idia de tais crticos.
Mas se l no Alm no tivssemos corpo semelhante ao que aqui temos, se nada conservssemos do carter que aqui nos individualiza, como desejariam aqueles crticos, ento nos extinguiramos. Que diria uma me a quem mostrassem, como sendo seu filho, um ser glorioso, mas impessoal? Diria: Este no o filho que perdi; quero seus cabelos dourados, seu sorriso vivaz, seus modos grceis, que eu to bem conheo. isso o que ela quer. isso, creio, o que ter, no todavia por qualquer sistema que de ns elimine tudo a que nos reste de material e nos transporte para uma vaga regio de flutuantes emoes.
Em oposio a esta, h uma outra escola de crticos para os quais a dificuldade em aceitar a vida espiritual, como nos descrita, est em serem l muito agudas as percepes, muito fortes as emoes e muito compacto o meio ambiente, todo feito de to difano material. Lembremo-nos de que tudo depende da comparao que estabeleamos com as coisas que nos cercam.
Se conhecssemos um mundo mil vezes mais denso, mais pesado e mais sombrio do que o nosso, facilmente reconheceramos que a seus habitantes ele pareceria o que a Terra nos parece a ns, porquanto a fora e a contextura deles seriam proporcionais ao seu habitat. Se, entretanto, os habitantes de tal mundo se pusessem em contacto conosco, considerar-nos-iam como seres extraordinariamente areos, vivendo numa estranha atmosfera luminosa e espiritual. No se dariam conta de que, estando os nossos seres de harmonia e em proporo com o nosso meio ambiente, tambm ns sentimos e agimos exatamente como eles o fazem.
Consideremos agora o caso de um outro domnio de vida to acima de ns quanto abaixo estivesse coletividade pesada de que acabamos de falar. Parecer-nos-ia tambm que os seres l existentes, os espritos, como lhes chamamos, vivem quais sombras num meio vaporoso. No nos apercebemos de que tambm l tudo proporcional e harmnico, de sorte que a regio onde se movem ou habitam os espritos, parecendo-nos a viso de um sonho, to real para eles como o so para ns o cenrio em que nos movemos e o meio que habitamos e que o corpo de um to tangvel para outro esprito como os nossos corpos terrenos o so para os nossos amigos.
4 Problemas e Limitaes
Deixando, por agora, de aduzir mais amplas consideraes em favor da estrutura desta revelao e das provas inegveis da sua validade, deter-me-ei na apreciao de algumas particularidades que me foraram a ateno enquanto explanava o assunto principal. A esfera onde se encontram os nossos mortos parece estar muito prxima de ns, to prxima que de contnuo so eles que o dizem os visitamos durante o sono.
Grande parte da serena resignao que temos observado em pessoas que ho perdido entes caros pessoas que, supusramos, enlouqueceriam por efeito de tais perdas devida ao fato de terem visto os seus mortos. Conquanto seja completo o esquecimento, a ponto de essas pessoas no poderem lembrar-se do que quer que lhes haja ocorrido espiritualmente durante o sono, elas experimentam grande alvio que lhes traz o seu subconsciente. O esquecimento, como disse acima, completo; porm, s vezes, por uma razo qualquer, ele se interrompe durante uma frao de segundo: quando o sonhador desperta do seu sonho envolto em nuvens de glria. Da se originam tambm os sonhos profticos, muitos dos quais se tm realizado.
Comigo mesmo ocorreu ultimamente um desses fatos, que, embora ainda no esteja talvez inteiramente verificado, , mesmo assim, bastante notvel. A 4 de abril do ano passado, 1917, despertei com a impresso de que uma comunicao me fora feita, da qual s uma palavra ficara a me martelar a cabea. Essa palavra era Piave. Que me lembrasse, jamais ouvira semelhante nome. Como me soasse guisa do de um lugar, logo que me levantei do leito fui ao meu escritrio consultar o ndice de um Atlas.
L encontrei Piave e a indicao de que assim se chamava um rio da Itlia cerca de quarenta milhas atrs da linha de frente do exrcito italiano, que, ento, avanava vitoriosamente. Nada haveria para mim, nessa ocasio, de mais inverossmil do que imaginar que a guerra viesse a desenvolver-se s margens do Piave e no me podia passar pela mente que qualquer acontecimento de ordem militar ali se desse. To impressionado, porm, fiquei, que escrevi uma nota, assinalando que um sucesso daquela natureza ali ocorreria e, tendo-lhe posto a data de 4 de abril, fi-la assinar pelo meu secretrio e por minha mulher, como testemunhas.
Ora, fato histrico que, seis meses depois, toda a linha italiana foi quebrada, abandonou sucessivas posies s margens de diversos rios e se deteve prximo quele curso dgua, posio que, no dizer de crticos militares, era, estrategicamente, quase insustentvel. Mesmo que nada mais suceda (estou escrevendo estas linhas a 20 de fevereiro de 1918), a referncia ao nome Piave se acha plenamente justificada. Presumo que algum amigo do Alm me tenha querido avisar de futuros acontecimentos da guerra. Nutro, contudo, a esperana de que ele haja desejado dizer-me mais alguma coisa, de que uma estrondosa vitria dos Aliados nesse ponto venha posteriormente justificar melhor o modo estranho pelo qual tal nome se me meteu na cabea.
No faltar talvez quem clame contra essa teoria do sono, invocando como razo que os sonhos grotescos, monstruosos e absurdos que nos afligem no podem provir de uma origem elevada. Sobre este ponto tenho opinio bem definida, porventura digna de discusso. Entendo que h duas espcies de sonhos e somente duas: os que resultam das experincias que faz o esprito libertado e os que provm da ao confusa das faculdades mais ntimas que permanecem no corpo quando o esprito est ausente. Os da primeira espcie so belos, mas raros, porque no guardamos lembrana deles. Os da segunda so comuns e variados, porm extraordinariamente fantsticos ou ignbeis. Notando o que falta nos nossos sonhos grosseiros, podemos dizer quais so as qualidades de que estivemos privados e desse modo apreciar a parte de ns mesmos que vai com o nosso esprito. Assim que observamos a ausncia de alegria em tais sonhos, pois que vemos coisas cujo ridculo depois nos choca e que nos no divertiram. Reconhecemos tambm a ausncia do sentido de proporo, de ponderao e de aspirao. Em suma, ausncia de tudo o que h em ns de mais elevado e o que h de mais baixo, os sentidos do medo e das impresses sensuais, o instinto da conservao, a funcionarem com maior vivacidade, visto que livres do governo das faculdades superiores.
A quem se entregue a estes estudos, a questo se impe da limitao dos poderes dos espritos. freqente ouvir-se dizer: Se os espritos existem, por que no fazem isto ou aquilo? A resposta habitual que no fazem porque no podem, o que no-los mostra com uma bem determinada limitao de poderes, como se d conosco. o que se me afigura ter ficado muito claramente assinalado nas experincias de correspondncia-cruzada, nas quais diversos mdiuns escreventes, trabalhando distantes uns dos outros e com inteira independncia, chegaram a resultados to concordantes que escapavam possibilidade de uma simples coincidncia.
Ao que parece, os espritos sabem com exatido o que imprimem nas mentes dos encarnados, mas no sabem at que ponto penetram nestes as instrues que lhes do. intermitente o contacto deles conosco. Da vem que, nas experincias de correspondncia-cruzada, continuamente os vemos perguntar: Apanhou isto? ou: Estava direito? Algumas vezes tm conhecimento do que se faz, como, por exemplo, quando Myers diz: Eu via o crculo, mas no estava muito certo do tringulo. evidente, ao demais, que os espritos, mesmo os daqueles que, como Myers e Hodgson, se relacionaram de modo especial com as questes psquicas e presenciaram todos os fenmenos que se podiam produzir, se acham em dificuldade sempre que pretendem tomar conhecimento de uma coisa material, tal como um documento escrito. Creio que s materializando-se em parte poderiam consegui-lo, mas falece-lhes o poder de se materializarem.
Esta observao lana alguma luz sobre o caso clebre, tantas vezes citado pelos nossos antagonistas, em que Myers no logrou dizer qual a palavra ou frase que fora escrita e colocada dentro de uma caixa selada. Evidentemente, da posio em que se encontrava, ele no podia ver o documento e, falhando-lhe a memria, teria muito provavelmente incorrido em erro.
Penso que muitos equvocos podem ser explicados deste modo. J foi dito do Alm, e a assero se me afigura racional, que, quando eles se referem s suas prprias condies, falam do que sabem e podem de pronto e com segurana discutir; ao passo que, quando insistimos, como algumas vezes temos que fazer, em lhes pedir testemunhos de natureza terrena, os arrastamos para coisas de um outro plano, colocando-os numa posio extremamente difcil, em que ficam sujeitos a errar.
Um outro argumento que pode ser utilizado contra ns este: Os espritos encontram a maior dificuldade em nos declinarem nomes, sendo isso o que torna to vagas e pouco satisfatrias suas comunicaes. Giram em volta de uma coisa e no dizem nunca palavra que cortaria a questo.
Temos exemplo desse fato numa recente comunicao publicada em Light, a propsito da qual essa revista descreve os esforos feitos por um jovem oficial, morto havia pouco, para transmitir, pelo mtodo das vozes diretas, a que se presta a mdium Mrs. Susana Harris, uma mensagem a seu pai. No conseguiu dizer como se chamava. Apenas pde indicar com clareza que seu pai era membro de Kildare Stret Club, em Dublin. Procedendo-se a indagaes, chegou-se a descobrir o pai do oficial e por ele se veio a saber que j havia recebido em Dublin uma comunicao do Alm, informando-o de que em Londres se faziam pesquisas a seu respeito.
No sei se o nome do indivduo na Terra coisa puramente efmera, que nenhuma conexo guarda com a personalidade, e, como tal, a primeira a ser aba