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FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
TRABALHO FINAL DO 6º ANO MÉDICO COM VISTA À ATRIBUIÇÃO DO GRAU
DE MESTRE NO ÂMBITO DO CICLO DE ESTUDOS DE MESTRADO INTEGRADO
EM MEDICINA
ANNE BERNADETTE JOSINDA MARTIN DE MOURA
O EOSINÓFILO EM DERMATOLOGIA
ARTIGO CIENTÍFICO
ÁREA CIENTÍFICA DE DERMATOLOGIA
TRABALHO REALIZADO SOB A ORIENTAÇÃO DE:
PROFESSOR DOUTOR ÓSCAR EDUARDO HENRIQUES CORREIA TELLECHEA
Dr. JOSÉ CARLOS PEREIRA DA SILVA CARDOSO
Abril 2015
Faculdade de Medicina, Universidade de Coimbra, Portugal
O EOSINÓFILO EM DERMATOLOGIA
Anne Moura1
Óscar Tellechea1,2
José Carlos Cardoso1,2
1 Faculdade de Medicina, Universidade de Coimbra, Portugal
2 Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Portugal
Correspondências:
Anne Bernadette Josinda Martin De Moura
Rua Central de Padrão, nº641, Lugar de Padrão, 4605-142 Mancelos, Portugal
E-mail: [email protected]
Índice
Resumo………………………………………………………………………………………... 1
Palavras-chave……………………………………………………….……….…………….… 2
Abstract……………………………………………………………………………………….. 3
Keywords……………………………………………………………………………………....4
Abreviaturas…………………………………………….…………….…………….………… 5
Introdução………………………….…………………………………….…………………… 6
Materiais e Métodos…………….……….…………………………………………………... 10
Seleção da amostra………………….………………………………….…….………... 10
Variáveis em estudo…………………………………….………………………………10
Análise estatística…………………………….………….…….……..…….….……… 12
Resultados…………………………….…………………………….………….……………. 13
Discussão……………………………………………………………………………………. 24
Conclusão……………………….………………….……….……………….………………. 32
Agradecimentos……………….…………………………………….………………………. 33
Referências…….………….………………………………………….……………………… 34
1
Resumo
Os granulócitos eosinófilos são leucócitos com múltiplas funções que podem ser
encontrados num largo espectro de doenças cutâneas e apenas infiltram a pele em estados
patológicos. Surgem associados a doenças alérgicas ou parasitárias, mas são também
observados em doenças autoimunes e hematológicas, assim como em tumores e infeções
virais ou bacterianas.
Na lista exaustiva de todas as dermatoses em que o eosinófilo está implicado, podemos
distinguir dois grupos: o grupo das dermatoses com eosinófilos, nosologicamente bem
individualizadas nas quais o eosinófilo é um componente do infiltrado inflamatório, não
centrado nem definido por esta célula (dermatite atópica, urticária, penfigoide bolhoso,
toxidermias, etc.), e o grupo das dermatoses eosinofílicas para as quais a eosinofilia
representa um denominador comum e constitui um critério diagnóstico fundamental (ex:
hiperplasia angiolinfoide com eosinofilia, síndrome hipereosinofílica, síndrome de Wells,
úlcera eosinofílica da língua, granuloma facial).
Partindo destes conceitos, o presente artigo constitui um estudo clínico-patológico de
74 casos selecionados por critérios histológicos a partir dos relatórios informatizados e
manuais do Serviço de Dermatologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
(CHUC), Portugal, e tem como objetivo a identificação de diferenças histológicas entre os
dois grupos de dermatoses referidos.
Após uma análise multivariada, verificamos uma diferença estatisticamente
significativa na densidade de eosinófilos entre dermatoses eosinofílicas e dermatoses com
eosinófilos (p = 0,033, OR = 0,207). No entanto, a amostra recolhida é insuficiente para
garantir a potência dos testes estatísticos realizados.
2
As restantes características histológicas são semelhantes entre os dois grupos de
dermatoses. Aspetos sobreponíveis do infiltrado eosinofílico podem surgir em afeções
cutâneas diversas, e infiltrados com características distintas podem por vezes ser observados
na mesma patologia.
Os resultados deste estudo reforçam a importância da correlação clínico-patológica no
diagnóstico das dermatoses associadas aos eosinófilos.
Palavras-Chave
Eosinófilo, Dermatose eosinofílica, Dermatose com eosinófilos, Caracterização histológica,
Correlação clínico-patológica
3
Abstract
The eosinophil granulocytes are white blood cells with multiple functions that can be
found in a wide range of skin diseases and only infiltrate the skin in pathological states. They
have been associated with allergic diseases or parasitic infections, but are also observed in
hematologic and autoimmune diseases, as well as bacterial or viral infections and tumors.
In the exhaustive list of skin diseases in which the eosinophil is involved, there are two
groups: the group of dermatosis with eosinophils, nosologically well-differentiated, in which
the eosinophil is a component of the inflammatory infiltrate, not centred or defined by this
cell (atopic dermatitis , urticaria, bullous pemphigoid, drug Reactions, etc.), and the group of
eosinophilic skin diseases for which the eosinophilia is a common denominator and a major
diagnostic criterion (e.g.: angiolymphoid hyperplasia with eosinophilia, hypereosinophilic
syndrome, Wells syndrome, eosinophilic ulcer of the tongue, facial granuloma).
Based on these concepts, this article is a clinicopathologic study of 74 cases selected
by histological criteria from manual and a computerized reports of the Dermatology Service
of the Hospitals of the University of Coimbra, Portugal, to identify histological differences
between the two groups of the above-mentioned dermatosis.
After a multivariate analysis, we found a statistically significant difference for the
density of eosinophils between eosinophilic dermatosis and dermatosis with eosinophils (p =
0.033, OR = 0.207). However, the collected sample is insufficient to ensure the power of the
statistical tests.
The others histologic features are similar between the two groups of dermatosis.
Aspects of the overlapping eosinophilic infiltration can occur in various cutaneous affections
and infiltrates with different characteristics can sometimes be observed on the same condition.
4
The results of this study reinforce the importance of the clinicopathological correlation
in the diagnosis of eosinophil-associated skin diseases.
Keywords
Eosinophils, Eosinophilic dermatosis, Dermatosis with eosinophils, Histological
characterization, Clinicopathological correlation
5
Abreviaturas
CHUC – Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
MBP – Major basic protein
EPO – Eosinophil peroxidase
EDN – Eosinophil derived neurotoxin
ECP – Eosinophil cationic protein
PMN – Polimorfonuclear
DRESS – Drug Rash with Eosinophilia and Systemic Symptoms
JDE – Junção dermo-epidérmica
HALE – Hiperplasia angiolinfoide com eosinofilia
SHE – Síndrome hipereosinofílica
DA – Dermatite atópica
6
Introdução
A eosinofilia, periférica e/ou tecidual, é uma eventualidade tão frequente em
dermatologia que é difícil elaborar uma lista exaustiva de todas as possíveis dermatoses
implicadas. A maior parte das dermatoses com eosinofilia tecidual enquadra-se
principalmente em doenças alérgicas, parasitárias, neoplásicas e autoimunes. [1-4]
De facto, o granulócito eosinófilo, após uma estimulação antigénica (microrganismo,
alergénio, mediadores da inflamação, fragmento Fc das IgA/E/G, complexos imunes ou
citocinas), pode exercer consoante os casos: 1) uma atividade citotóxica direta nos parasitas e
nas células cancerígenas; 2) uma atividade pro-inflamatória com recrutamento de outras
células inflamatórias através da secreção de diversas citocinas Th1 ou Th2; e/ou 3) uma
atividade imunorreguladora adaptativa através da secreção de citocinas (Th2) ou através de
modulações locais da atividade linfocitária após apresentação antigénica. [1-4]
A atividade citotóxica desta célula assenta nas suas capacidades de desgranulação e
libertação de proteínas catiónicas (MBP ou proteína básica major, EPO ou peroxidase
eosinofílica, EDN ou neurotoxina derivada do eosinófilo, ou ECP, proteína catiónica do
eosinófilo). [1-4]
Por definição, a eosinofilia periférica corresponde ao aumento do número dos
eosinófilos no sangue acima de 500/mm3. Não há uma correlação direta entre este valor e a
intensidade da infiltração tecidual a nível local num foco inflamatório específico, ou a nível
sistémico. Na eosinofilia sistémica podemos encontrar uma infiltração eosinofílica em todos
os órgãos, sobretudo a nível pulmonar, do miocárdio e cutâneo. [1-4]
7
Na pele, os eosinófilos podem constituir um achado histológico útil e sugestivo de
determinada doença, constituindo a principal característica definidora da patologia (as
chamadas dermatoses eosinofílicas), ou ser apenas uma das células da resposta inflamatória,
ligada a uma patologia bem definida, podendo contribuir para as lesões tecidulares sem
representar um critério de diagnóstico cardinal (dermatoses com eosinófilos). Assim, a sua
presença pode não ser específica sendo a correlação clínico-patológica fundamental no
estabelecimento de um diagnóstico definitivo. [4,5]
No grupo das dermatoses com eosinófilos incluem-se doenças tão diversas como por
exemplo a dermatite atópica, doenças parasitárias, doenças inflamatórias sistémicas, doenças
bolhosas autoimunes, dermatoses de hipersensibilidade, linfomas cutâneos de células T,
reações a picadas de artrópodes e histiocitose de células de Langerhans, entre outras. [4,5]
Por sua vez, a síndrome de Wells, foliculites pustulosas eosinofílicas, síndrome de
Gleich, granuloma facial, úlcera eosinofílica da língua, vasculite necrotizante eosinofílica,
doença de Kimura e a hiperplasia angiolinfoide com eosinofilia, fazem parte das dermatoses
eosinofílicas, em que a eosinofilia tecidular sem causa subjacente identificável é o principal
achado que as define, sendo o achado patológico principal e tido como responsável pelas
alterações clinicas. [4,5]
Perante este largo espectro de patologias dermatológicas, não estando todas
histologicamente bem caracterizadas, somente a publicação de novas observações permitirá
procurar conhecer melhor as características próprias de cada patologia e aumentar a nossa
compreensão acerca do mecanismo patogénico associado à eosinofilia.
8
Entre as alterações histológicas descritas, muitas delas como o edema dérmico,
“figuras em chama de vela” e espongiose de eosinófilos podem ser observados em diversas
patologias, incluindo a síndrome de Wells, dermatoses bolhosas autoimunes em estado inicial,
eczemas e picadas de insetos, entre outras. [4,6-8]
Por outro lado, apenas ocasionalmente o estudo histológico de uma dermatose
eosinofílica ou com eosinófilos permite por si só um diagnóstico definitivo. O exemplo
paradigmático é o granuloma facial, que apresenta caracteristicamente uma zona de Grenz
separando a epiderme do infiltrado inflamatório dérmico rico em eosinófilos tipicamente
acompanhados de linfócitos, neutrófilos e plasmócitos, assim como por graus variáveis de
vasculite fibrosante. Assim, a combinação de zona de Grenz com uma epiderme íntegra e um
infiltrado polimorfo permite diferenciar esta entidade de outras patologias que se incluem no
diagnóstico diferencial, como por exemplo linfomas, pseudolinfomas e rosácea
granulomatosa. [6,7] O eritema elevatum diutinum pode ser difícil de distinguir do granuloma
extra-facial, no entanto a nível histológico não apresenta habitualmente zona de Grenz e o
infiltrado é predominantemente constituído por neutrófilos acompanhando-se habitualmente
de alterações mais significativas de vasculite fibrosante. [7]
A síndrome de Wells, também denominada de celulite eosinofílica, é uma entidade
clínica cuja principal característica histológica é a infiltração dérmica por eosinófilos,
caracteristicamente com formação de “figuras em chama de vela”, cuja etiologia permanece
desconhecida até à data, embora já tenha vindo a ser muito debatida. Para alguns autores, por
exemplo, seria uma possível fase inicial da síndrome de Churg-Strauss: inicialmente sem
vasculite com posterior aparecimento de sintomas sistémicos (asma brônquica, pansinusite,
granulomas pulmonares e renais). [6,7,9-12]
9
A urticária e a vasculite urticariana constituem, por outro lado, exemplos de situações
que podem cursar com infiltrados contendo um número significativo eosinófilos, mas em que
esta característica não é por si só definidora da doença (ou seja, podem incluir-se no grupo das
chamadas dermatoses com eosinófilos). Na vasculite urticariana, observa-se, do ponto de vista
histológico, tendência para uma maior celularidade do que nas biópsias provenientes de
doentes com uma simples urticária, podendo haver um maior número de neutrófilos e graus
variáveis de vasculite. No entanto, as alterações são muito diversas, não só de doente para
doente como também dependendo da fase evolutiva da lesão submetida a biopsia e dos
tratamentos prévios, pelo que o diagnóstico assenta frequentemente na correlação entre os
achados clínicos e histológicos. [6-8]
Serão apresentadas, neste artigo, as características de 74 casos de dermatoses
eosinofílicas e dermatoses com eosinófilos, diagnosticados no Serviço de Dermatologia do
CHUC. No nosso conhecimento, não há estudos publicados na literatura em Inglês com este
objetivo.
10
Materiais e Métodos
Seleção da amostra
De um total de 13403 lâminas histológicas do arquivo histológico informatizado do
Serviço de Dermatologia do CHUC correspondentes ao período compreendido entre Abril de
2009 e Setembro de 2014, às quais acrescentamos lâminas do arquivo histológico manual
correspondente ao período entre Outubro de 2007 e Março de 2009, 199 foram selecionadas
pela presença da palavra-chave “eosinófilo” nos relatórios, tendo-se excluído casos com
descolamento bolhosos intra-epidérmicos ou subepidérmicos.
Destas, apenas 83 apresentavam um infiltrado eosinofílico significativo pelo que
foram selecionadas, tendo sido adicionalmente excluídas 9 lâminas devido à impossibilidade
de obter o diagnóstico definitivo, com consequentemente impedimento da sua inclusão num
ou noutro grupo.
No final, a amostra deste estudo é constituída por 74 lâminas histológicas do Serviço
de Dermatologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Portugal, correspondentes
ao mesmo número de doentes, das quais 10 correspondiam a dermatoses eosinofílicas e 64 a
dermatoses com eosinófilos.
Variáveis em estudo
As biópsias foram divididas em dois grupos: Grupo A, constituído por dermatoses
eosinofílicas (n = 10) e Grupo B, constituído por dermatoses com eosinófilos (n = 64).
Definiu-se dermatose com eosinófilos como uma dermatose em que o eosinófilo é um
dos elementos da resposta inflamatória, no contexto de uma patologia bem definida. O
eosinófilo poderá contribuir para as lesões tecidulares, não representando um critério de
diagnóstico cardinal. [4-5]
11
Por sua vez, definimos dermatose eosinofílica como toda a patologia dermatológica
em que a eosinofilia é a característica principal que define a doença e o eosinófilo é o
principal elemento distintivo e tido como principal responsável no aparecimento das lesões
cutâneas. Ao contrário das dermatoses com eosinófilos, as dermatoses eosinofílicas são, por
definição, idiopáticas à luz dos conhecimentos atuais. [4-7,13]
As variáveis estudadas incluem: (1) Densidade do infiltrado inflamatório (ligeiro,
moderado e marcado); (2) Densidade de eosinófilos - nesta variável classificou-se: eosinófilos
isolados e separados no seio do infiltrado inflamatório como densidade ligeira, eosinófilos em
pequenos conjuntos isolados no seio do infiltrado inflamatório como densidade moderada, e
numerosos eosinófilos formando agregados frequentes como densidade marcada; (3)
Distribuição do infiltrado eosinofílico na derme (intersticial, perivascular, perineural e
perianexial); (4) Outras localizações do infiltrado eosinofílico (epiderme, junção dermo-
epidérmica e hipoderme) (5) Outras células no infiltrado (linfócitos, PMN, plasmócitos,
células gigantes multinucleadas e histiócitos); (6) Figuras em chama de vela; (7) Edema da
derme (ausente, ligeiro, moderado e marcado); (8) Alterações vasculares – definida como a
destruição das paredes vasculares com ou sem necrose fibrinóide; (9) Carioclasia de
eosinófilos; (10) Extravasamento de glóbulos vermelhos; (11) Alterações da epiderme e/ou
junção dermo-epidérmica (JDE).
As outras variáveis estudadas, relacionadas com a caracterização do indivíduo afetado
e o diagnóstico final incluem: (1) Género; (2) Idade; (3) Diagnóstico histológico; (4)
Diagnóstico final.
12
Análise estatística
Procedeu-se ao tratamento estatístico dos dados, através do SPSS Statistics 22.0,
utilizando uma análise descritiva, teste de Fisher, Mann-Whitney U e Qui-square sempre que
considerado apropriado. Consideramos p <0,05 estatisticamente significativo.
Por fim, realizámos uma análise multivariada para as variáveis com diferença
estatisticamente significativa entre dermatoses eosinofílicas e dermatoses com eosinófilos e
com casos reportados nos dois grupos.
13
Resultados
A amostra deste estudo é constituída por 74 lâminas histológicas correspondentes a 74
doentes do Serviço de Dermatologia do CHUC (Centro Hospitalar e Universitário de
Coimbra), Coimbra, Portugal.
Dos 74 doentes incluídos, 13,5% (n = 10) foram classificados no grupo das dermatoses
eosinofílicas e 86,5% (n = 64) correspondiam a dermatoses com eosinófilos.
As patologias encontradas em cada grupo com a respetiva frequência absoluta e
relativa estão listadas na tabela 1.
Tabela 1 – Diagnóstico final
Dermatose eosinofílica n %
Hiperplasia angiolinfoide com eosinofilia 3 30
Síndrome de Wells 3 30
Síndrome hipereosinofílica 2 20
Úlcera eosinofílica da língua 2 20
Dermatose com eosinófilos n %
Eczema 13 20,3
Picada de artrópode 11 17,2
Prurigo 8 12,5
Toxidermia 6 9,4
Urticária 6 9,4
Eritema anular centrífugo 2 3,1
Pseudolinfoma 2 3,1
Vasculite 2 3,1
Vasculite urticariana 2 3,1
Outros 12 18,8
“Outros” inclui Doença bolhosa autoimune (erupção pré-bolhosa), DRESS, Eritema anular eosinofílico,
Granuloma anular, Herpes gestacional, Líquen plano, Micobacteriose atípica, Penfigóide bolhoso (erupção pré-
bolhosa), Sarcoptose, Síndrome de Sweet e Dermatofitose, cada um com 1 caso reportado (1,6%).
14
A idade média dos doentes, ao diagnóstico, é 53,0 ± 20,5 anos sendo a idade mínima
11 anos e a idade máxima 90 anos.
A idade média ao diagnóstico nas dermatoses eosinofílicas é 41,7 ± 20,4 anos e nas
dermatoses com eosinófilos é 54,8 ± 20,1 anos. Não se verifica diferença estatisticamente
significativa ao comparar a média das idades de ambos os grupos (p = 0,061).
Dos 10 doentes com dermatose eosinofílica, 30% são do género masculino (n = 3) e
70% do género feminino (n = 7). Dos restantes 64 doentes, que apresentam dermatose com
eosinófilos, 51,6% são do género masculino (n = 33) e 48,4% do género feminino (n = 31).
Ao comparar o número de indivíduos afetados por género em cada dermatose não
encontramos diferença estatisticamente significativa (p = 0,310).
Gráfico 1 – Incidência por género.
70,0%
30,0%
48,4%51,6%
0,0%
10,0%
20,0%
30,0%
40,0%
50,0%
60,0%
70,0%
80,0%
Feminino Masculino Feminino Masculino
Dermatose eosinofílica Dermatose com eosinófilos
Incidência por género
15
De seguida, apresentamos os resultados obtidos relacionados com as características
histológicas do infiltrado inflamatório.
A primeira variável abordada é a densidade do infiltrado inflamatório observando-se,
através da tabela 2, que este é tendencialmente mais marcado nas dermatoses eosinofílicas e
mais ligeiro nas dermatoses com eosinófilos.
Através da realização do teste de Mann-Whitney U, verificámos que existe uma
diferença estatisticamente significativa relativamente à densidade do infiltrado inflamatório
nos dois grupos de dermatoses (p = 0,003).
Da mesma forma, comparámos a densidade do infiltrado eosinofílico entre dermatoses
eosinofílicas e dermatoses com eosinófilos, observando-se também uma densidade de
eosinófilos mais marcada nas dermatoses eosinofílicas (tabela 2). A aplicação do teste de
Mann-Whitney U revelou uma diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos de
dermatoses (p = 0,000) para esta variável.
Tabela 2 – Relação entre o tipo de dermatose, a densidade do infiltrado inflamatório e o
infiltrado eosinofílico.
Densidade do Infiltrado Dermatose eosinofílica Dermatose com eosinófilos
n % n % p-value
Ligeiro 0 0 34 53,1 0,003
Moderado 7 70 22 34,4
Marcado 3 30 8 12,5
Total 10 100 64 100
Densidade de eosinófilos Dermatose eosinofílica Dermatose com eosinófilos
n % n % p-value
Ligeira 3 30 51 79,7 0,000
Moderada 3 30 12 18,8
Marcada 4 40 1 1,6
Total 10 100 100 64
16
Não existe diferença estatisticamente significativa entre o tipo de dermatose e a
distribuição do infiltrado inflamatório (p = 1,000). Observando o gráfico 1 concluímos que
em ambas as dermatoses existe um infiltrado predominantemente pericapilar e intersticial.
Gráfico 2 – Distribuição do infiltrado inflamatório na derme
Relativamente a outras localizações do infiltrado inflamatório na pele, não se verifica
diferença estatisticamente significativa entre dermatoses eosinofílicas e dermatoses com
eosinófilos (p = 1,000). Do total de dermatoses eosinofílicas e dermatoses com eosinófilos,
apenas 20% e 15,7%, respetivamente, apresentam eosinófilos noutras localizações (epiderme
e/ou hipoderme e/ou JDE).
80,0%
20,0%
73,4%
21,9%
3,1% 1,6%
0,0%
10,0%
20,0%
30,0%
40,0%
50,0%
60,0%
70,0%
80,0%
90,0%
PC + I PC + I + PA PC + I PC + I + PA PC + I + PN Perianexial (PA)
A - Dermatose eosinofílica B - Dermatose com eosinofilia
Distribuição de eosinófilos na derme
17
Tabela 3 – Relação entre o tipo de dermatose e outras localizações do infiltrado eosinofílico
na pele.
Outras localizações
Dermatose eosinofílica Dermatose com eosinófilos
n % n % p-value
Sem outras localizações
8 80,0 54 84,4 1,000
Epiderme 1 10,0 3 4,7
Hipoderme 1 10,0 5 7,8
Epiderme + JDE 0 0,00 1 1,6
Epiderme + JDE + Hipoderme
0 0,0 1 1,6
Total 10 100,0 10 100,0
JDE: Junção dermo-epidérmica
No que toca à constituição do infiltrado, se considerarmos apenas as hipóteses outras
células “presentes” e “ausentes”, não encontramos diferença estatisticamente significativa (p
= 1,000).
No entanto, se analisarmos as diferentes combinações de células inflamatórias,
representadas na tabela 4, obtemos uma diferença estatisticamente significativa entre as
células inflamatórias presentes nas dermatoses eosinofílicas e nas dermatoses com eosinófilos
(p = 0,005).
18
Tabela 4 – Relação entre o tipo de dermatose e a constituição celular do infiltrado
inflamatório.
Perante este resultado, avaliámos os grupos separadamente tendo-se obtido um valor
de p <0,05 entre os grupos linfócitos e linfócitos + PMN + histiócitos (p = 0,011) e os grupos
linfócitos + PMN e linfócitos + PMN + histiócitos (p = 0,004). Assim, verificámos que o
infiltrado inflamatório constituído por linfócitos, PMN e histiócitos surge mais
frequentemente associado às dermatoses eosinofílicas (40% contra 6,3% nas dermatoses com
eosinófilos).
Com estes novos dados, analisámos a presença de histiócitos num e noutro grupo de
dermatoses (tabela 5) tendo-se obtido uma diferença estatisticamente significativa através do
teste de Fisher (p = 0,001).
Outras células Dermatose eosinofílica
Dermatose com eosinófilos
n % n % p-value
Sem outras células 0 0,0 5 7,8 0,005
Linfócitos 1 10,0 21 32,8
PMN 1 10,0 3 4,7
Linfócitos + PMN 0 0,0 19 29,7
Linfócitos + Plasmócitos 0 0,0 2 3,1
Linfócitos + Histiócitos 3 30,0 10 15,6
Linfócitos + PMN + Histiócitos
4 40,0 4 6,3
Linfócitos + PMN + Histiócitos + Plasmócitos
1 10,0 0 0
Total 10 100,0 64 100,0
19
Tabela 5 – Relação entre o tipo de dermatose e a presença de histiócitos
Relativamente à variável figuras em chama de vela, observa-se a sua presença em 30%
das dermatoses eosinofílicas e em 3,1 % das dermatoses com eosinófilos, verificando-se que
esta diferença é estatisticamente significativa (p = 0,016).
Tabela 6 – Relação entre o tipo de dermatose e a presença de figuras em chama de vela.
Figuras em chama de vela
Dermatose eosinofílica
Dermatose com eosinófilos
n % n % p-value OR
Presente 3 30,0 2 3,1 0,016 0,075
Ausente 7 70,0 62 96,9
Total 10 100,0 64 100,0
Quanto à presença de edema na derme, pela análise do gráfico 3 e realização do teste
de Mann-Whitney U, verificámos que a distribuição do edema na derme é semelhante nos
dois grupos, dermatoses eosinofílicas e dermatoses com eosinófilos (p = 0,900).
Histiócitos Dermatose eosinofílica Dermatose com eosinófilos
n % n % p-value OR
Presentes 8 80,0 14 21,9 0,001 0,070
Ausentes 2 20,0 50 78,1
Total 10 100,0 64 100,0
20
60,0%
30,0%
10,0%
59,4%
25,0%
6,3%9,4%
0,0%
10,0%
20,0%
30,0%
40,0%
50,0%
60,0%
70,0%
ausente ligeiro marcado ausente ligeiro moderado marcado
Dermatose eosinofílica Dermatose com eosinófilos
Caracterização do edema dérmico
Gráfico 3 – Caracterização do edema dérmico por grupo de dermatose
Não se verifica diferença estatisticamente significativa em relação à presença de
alterações vasculares ou de extravasamento de glóbulos vermelhos (p = 1,000 e p = 0,588
respetivamente).
Tabela 7 – Relação entre o tipo de dermatose, alterações vasculares e extravasamento de
glóbulos vermelhos.
Alterações vasculares
Dermatose eosinofílica Dermatose com eosinófilos
n % n % p-value
Presente 0 00,0 1 1,6 1,000
Ausente 10 100,0 63 98,4
Total 10 100,0 64 100,0
Extravasamento de GV Dermatose eosinofílica Dermatose com
eosinófilos
n % n % p-value
Presente 0 0 6 9,4 0,588
Ausente 10 100 58 90,6
Total 10 100 64 100
21
Pelo contrário, existe uma associação estatisticamente significativa entre o tipo de
dermatose e a presença de carioclasia de eosinófilos (p <0,001).
Tabela 8 – Relação entre o tipo de dermatose e a presença de carioclasia de eosinófilos.
Carioclasia de eosinófilos
Dermatose eosinofílica Dermatose com eosinófilos
n % n % p-value Presente 4 40,0 0 0,0 <0,001
Ausente 6 60,0 64 100,0
Total 10 100,0 64 100,0
Finalmente, não se verificou diferença estatisticamente significativa entre a existência
de ulceração (p = 1,000) e alterações da epiderme e/ou JDE, no seu conjunto (p = 0,268) e
estudando as variáveis em separado (tabelas 9, 10 e 11).
Tabela 9 – Relação entre o tipo de dermatose e a identificação de ulceração.
Ulceração Dermatose eosinofílica Dermatose com eosinófilos
n % n % p-value
Presente 1 10 7 10,9 1,000
Ausente 9 90 57 89,1
Total 10 100 64 100
Tabela 10 – Relação entre o tipo de dermatose e alterações da epiderme e/ou JDE
Alterações da epiderme e/ou JDE
Dermatose eosinofílica Dermatose com eosinófilos
n % n % p-value
Presente 6 60 49 76,6 0,268
Ausente 4 40 15 23,4
Total 10 100 64 100
22
Tabela 11 – Relação entre o tipo de dermatose e as diferentes alterações da epiderme.
Exocitose Espongiose Acantose Presente Ausente Total Presente Ausente Total Presente Ausente Total
Dermatose eosinofílica
n 2 8 10 3 7 10 3 7 10
% 20,0 80,0 100,0 30,0 70,0 100,0 30,0 70,0 100,0
Dermatose com
eosinófilos
n 16 48 64 26 38 64 24 40 64
% 25,0 75,0 100,0 40,6 59,4 100,0 37,5 62,5 100,0
p-
value 1,000 0,731 0,738
Paraqueratose Ortoqueratose Atrofia
Presente Ausente Total Presente Ausente Total Presente Ausente Total
Dermatose eosinofílica
n 2 8 10 0 10 10 0 10 10
% 20,0 80,0 100,0 0,0 100,0 100,0 0,0 100,0 100,0
Dermatose com
eosinófilos
n 15 49 64 3 61 64 2 62 64
% 23,4 76,6 100,0 4,7 95,3 100,0 3,1 96,9 100,0
p-
value 1,000 1,000 1,000
Hiperplasia psoriasiforme Vesiculação Vacuolização
Presente Ausente Total Presente Ausente Total Presente Ausente Total
Dermatose eosinofílica
n 0 10 10 3 7 10 0 10 10
% 0,0 100,0 100,0 30,0 70,0 100,0 0,0 100,0 100,0
Dermatose com
eosinófilos
n 2 62 64 12 52 64 7 57 64
% 3,1 96,9 100,0 18,8 81,3 100,0 10,9 89,1 100,0
p-
value 1,000 0,414 0,583
Corpos coloides Pústula Acantólise Presente Ausente Total Presente Ausente Total Presente Ausente Total
Dermatose eosinofílica
n 0 10 10 0 10 10 0 10 10
% 0,0 100,0 100,0 0,0 100,0 100,0 0,0 100,0 100,0
Dermatose com
eosinófilos
n 1 63 64 5 59 64 1 63 64
% 1,6 98,4 100,0 7,8 92,2 100,0 1,6 98,4 100,0
p-
value 1,000 1,000 1,000
Escamocrosta Apoptose de
queratinócitos Necrose de queratinócitos
Presente Ausente Total Presente Ausente Total Presente Ausente Total
Dermatose eosinofílica
n 0 10 10 0 10 10 1 9 10
% 0,0 100,0 100,0 0,0 100,0 100,0 10,0 90,0 100,0
Dermatose com
eosinófilos
n 3 61 64 3 61 64 4 60 64
% 4,7 95,3 100,0 4,7 95,3 100,0 6,3 93,8 100,0
p-
value 1,000 1,000 0,527
23
A partir de todas as variáveis apresentadas, procedemos a uma análise multivariada
naquelas em que se encontrou uma diferença estatisticamente significativa. No entanto, apesar
da carioclasia de eosinófilos estar associada a um p <0,05, não foi incluída nesta análise uma
vez que não estava presente em nenhuma biópsia correspondente às dermatoses com
eosinófilos.
Através da tabela 12, concluímos que, uma vez uniformizados os dois grupos, existe
uma diferença estatisticamente significativa entre a densidade de eosinófilos nas dermatoses
eosinofílicas e a densidade de eosinófilos nas dermatoses com eosinófilos (p = 0,033). A
densidade de eosinófilos é superior nas dermatoses eosinofílicas (OR = 0,207).
Tabela 12 – Análise multivariada
Finalmente, o diagnóstico histológico coincidiu com o diagnóstico definitivo em
77,0% dos casos e naqueles em que não foi coincidente, 82,4% dos exames histológicos
foram classificados como sendo “inconclusivos”.
Se separarmos a nossa amostra por grupo, o diagnóstico histológico foi conclusivo em
80,0% (n = 8) e inconclusivo em 20,0% (n = 2) dos casos de dermatoses eosinofílicas. Por sua
vez, foi conclusivo em 76,6% (n = 49), inconclusivo em 18,8% (n = 12) e não coincidente
com 4,7% (n = 3) dos diagnósticos definitivos correspondentes a dermatoses com eosinófilos.
Variável p-value Odds Ratio
Densidade do infiltrado 0,200 0,345
Densidade de eosinófilos 0,033 0,207
Chama de vela 0,156 0,096
Histiócitos 0,210 0,197
24
Discussão
Este estudo clínico-patológico pretende não só estender o nosso conhecimento acerca
das dermatoses eosinofílicas e das dermatoses com eosinófilos, mas também contribuir para a
caracterização de um grupo de patologias que pode representar um número significativo de
doentes recorrendo a um serviço de Dermatologia.
Das 74 lâminas histológicas incluídas no estudo, o grupo mais pequeno (13,5%)
corresponde a dermatoses eosinofílicas e o restante (86,5%) a dermatoses com eosinófilos.
No grupo das dermatoses eosinofílicas, 30% correspondem a hiperplasia angiolinfoide
com eosinofilia, 30% a síndrome de Wells, 20% a síndrome hipereosinofílica e 20% a úlcera
eosinofílica da língua.
No grupo das dermatoses com eosinófilos, as doenças incluídas são: o eczema em
20,3%, picada de artrópode em 17,2%, prurigo em 12,5%, toxidermia em 9,4% e urticária em
9,4% dos casos. Reportamos também casos de eritema anular centrífugo, pseudolinfoma,
vasculite, vasculite urticariana, dermatose autoimune em fase pré-bolhosa, DRESS, eritema
anular eosinofílico, granuloma anular, herpes gestacional, líquen plano, micobacteriose
atípica, sarcoptose, síndrome de Sweet e dermatofitose.
Comparando os indivíduos afetados por dermatoses eosinofílicas com os indivíduos
afetados por dermatoses com eosinófilos, concluímos que na nossa amostra, as dermatoses
eosinofílicas atingem indivíduos com idade média mais baixa e maioritariamente do género
feminino. Esta tendência, a nível da idade e do género, não é extrapolável para a população
uma vez que o valor de p obtido através da realização do teste t de student e através do teste
de Fisher é inferior a 0,05 (p = 0,061 e p = 0,310 respetivamente), o que está de acordo com o
descrito na literatura. [7,14]
25
De acordo com estudos anteriores, as características do infiltrado inflamatório são na
sua maioria semelhantes. [5] No entanto, constata-se uma diferença estatisticamente
significativa na densidade do infiltrado inflamatório e na densidade de eosinófilos entre os
dois grupos de dermatoses (p = 0,003 e p <0,001 respetivamente). Através de uma análise
multivariada, verificamos uma diferença estatisticamente mais forte e independente no que
diz respeito à variável “ densidade de eosinófilos” (p = 0,033).
A densidade do infiltrado inflamatório e a densidade de eosinófilos são superiores nas
dermatoses eosinofílicas em comparação com as dermatoses com eosinófilos.
No entanto, a identificação da densidade de eosinófilos não é, segundo a literatura,
sempre proporcional à sua patogenicidade. Os eosinófilos podem não ser uma característica
histológica proeminente mas a deposição dérmica extensa dos grânulos eosinofílicos pode
existir, sendo visível em estudos que utilizam imunohistoquímica para deteção das proteínas
dos grânulos eosinófilos. É o que acontece, por exemplo na dermatite atópica, com deposição
de proteínas eosinofílicas em áreas de pele lesada, poupando as áreas de pele sã. [4,6].
Sabe-se que a densidade de eosinófilos pode variar com a idade do doente e a idade da
lesão. O número de eosinófilos encontra-se particularmente aumentado em doentes com início
de dermatite atópica (DA) na infância podendo surgir apenas de forma ligeira nos adultos.
[15] Na DA crónica, a eosinofilia parece ser mais pronunciada nas lesões com marcada
hiperplasia da epiderme quando comparado com aquelas sem ou com ligeira hiperplasia. A
relação entre a eosinofilia, o espessamento das camadas da epiderme e da derme e hipertrofia
da pele parece resultar de processos de reparação que se seguem aos efeitos citotóxicos da
proteína básica major (PBM) ou proteína catiónica eosinofílica (PCE). [6]
26
No que toca ao local de distribuição dos eosinófilos na derme (pericapilar, intersticial,
perianexial e perinervoso) não se verificou diferença significativa entre os dois grupos de
dermatoses (p = 1,000), ambos demonstrando uma distribuição maioritariamente pericapilar e
intersticial.
Não obstante, sabemos que o padrão e a composição do infiltrado inflamatório pode
contribuir com pistas sobre a causa subjacente. Por exemplo, as toxidermias podem apresentar
um infiltrado predominantemente dérmico superficial ou ocasionalmente mais profundo,
associando por vezes combinações de padrões, como por exemplo o liquenóide e o
espongiótico; o eosinófilo pode ser um indício diagnóstico nestas situações, mas a sua
presença não é de modo algum invariável. O eczema tende a produzir um infiltrado
inflamatório que atinge preferencialmente a derme superficial, associando-se tipicamente a
espongiose (sobretudo nas fases mais agudas), evoluindo posteriormente para hiperplasia da
epiderme ou franca liquenificação (nas fases mais crónicas). Nas reações a picadas de
artrópodes o infiltrado inflamatório atinge habitualmente a derme superficial e profunda, com
uma arquitetura característica de tipo cuneiforme ou triangular de vértice inferior; não é raro
neste contexto encontrar-se envolvimento da hipoderme pelo infiltrado eosinofílico. Certas
infeções superficiais da pele, principalmente as causadas por dermatófitos, podem também
associar-se a um infiltrado dérmico superficial com ocasionais eosinófilos, sendo o
diagnóstico dependente da identificação dos microrganismos na camada córnea. [8]
A presença de outras células no infiltrado inflamatório foi relevante (100 % para as
dermatoses eosinofílicas e 92,2% para as dermatoses com eosinófilos), sendo os linfócitos o
tipo celular mais frequentemente encontrado. Quando analisadas as diferentes combinações
pelo teste de Qui-square obtemos uma diferença estatisticamente significativa (p = 0,005)
assim como quando analisamos a presença ou ausência de histiócitos pelo teste de Fisher (p =
0,001), sendo a sua presença mais frequente nas dermatoses eosinofílicas.
27
Figura 1 – Infiltrado inflamatório rico em eosinófilos
As figuras em chama de vela correspondem a áreas da derme onde se observam
alterações das propriedades tintoriais do colagénio resultantes da desgranulação dos
eosinófilos com consequente deposição do seu conteúdo no espaço extracelular; os feixes de
colagénio alterados são frequentemente circundados por células histiocitárias com disposição
em paliçada, aspeto provavelmente resultante do efeito imunogénico do colagénio alterado,
condicionando uma reação histiocitária provavelmente equivalente do ponto de vista
fisiopatológico a uma reação de corpo estranho. Este aspeto histológico é muitas vezes
considerado, de forma errónea, específico da síndrome de Wells. Efetivamente, sabe-se que a
presença de figuras em chama de vela pode ser encontrada noutras entidades que cursam com
infiltrados eosinofílicos marcados, como por exemplo em picadas de artrópodes, dermatoses
bolhosas autoimunes, infeções por dermatófitos, infeções víricas, parasitoses, reações
medicamentosas e síndrome HE. [10-12,14,16]
28
Na nossa amostra, as figuras em chama de vela surgiram mais frequentemente nas
dermatoses eosinofílicas (30% contra 3,1%), tendo-se obtido uma diferença estatisticamente
significativa entre os dois grupos (p = 0,016). Este resultado pode ser contraditório ao que é
referido na literatura, [10-12,14] devido ao aparecimento de 3 casos com o diagnóstico de
síndrome de Wells numa pequena amostra total.
Figura 2 – Figura em chama de vela
Segundo a literatura muitas das reações cutâneas mais prevalentes associadas aos
eosinófilos são aquelas que cursam simultaneamente com edema, nomeadamente a urticária.
De facto, além da presença de proteínas granulares catiónicas eosinofílicas nas lesões, a
capacidade dos eosinófilos elaborarem mediadores vasoativos, induzir a libertação de
histamina por mastócitos e basófilos e provocar uma reação papulosa (“wheal and flare”) são
aspetos fisiopatológicos que apoiam o papel do eosinófilo como um participante primário no
edema associado a algumas doenças cutâneas. [6] Na nossa amostra o edema não diferencia
os dois grupos de dermatoses estando em ambos ausente em 60% dos casos e sendo ligeiro na
29
maioria dos restantes. Como se previa, não há diferença estatisticamente significativa entre
dermatoses eosinofílicas e dermatoses com eosinófilos (p = 0,900).
Finalmente, obteve-se uma diferença estatisticamente significativa entre dermatoses
eosinofílicas e dermatoses com eosinófilos relativamente à existência de carioclasia (p
<0,001), que poderá ser devido à identificação de um maior número de eosinófilos nas
dermatoses eosinofílicas. Não foi possível a inclusão desta variável numa análise multivariada
uma vez que só foi identificada em dermatoses eosinofílicas.
Não é possível afirmar diferenças entre os dois grupos relativamente às alterações da
epiderme. A espongiose surgiu em 40,6% das dermatoses com eosinófilos, o que se explica
pelo elevado número de dermatites espongióticas/eczemas incluídos na amostra. A este
respeito, assinala-se a correlação descrita na literatura entre o grau de espongiose e as
exacerbações agudas da DA crónica. [15]
Lesões crónicas geralmente mostram um componente significativo de anomalias da
espessura da epiderme (atrofia ou hiperplasia) e/ou fibrose dérmica, o que reforça a
possibilidade de alteração dos padrões histológicos com a idade da lesão. [8] Não
encontrámos diferença estatisticamente significativa relativamente a alterações da epiderme
e/ou JDE nos dois grupos de dermatoses (p = 0,268).
Os corpos coloides (1 caso na nossa série associado a picada de artrópode),
correspondendo a células basais necróticas anucleadas que se incorporaram na derme papilar
inflamada, embora característicos de líquen plano podem ser detetados em qualquer dermatite
crónica onde os queratinócitos basais são lesionados e destruídos. Correlacionam-se, pois,
mais provavelmente com o padrão de reação inflamatória (tipicamente liquenóide) do que
com a composição do infiltrado. [8] Por outro lado, reportamos um caso de líquen plano
30
associado a infiltrado eosinofílico ligeiro, o que embora pouco frequente, soma-se a outros
casos descritos na literatura. [17,18]
As características histológicas das dermatofitoses (correspondendo a 1 caso na nossa
série) são variáveis, dependendo das propriedades antigénicas do organismo, da resposta do
hospedeiro e da eventual presença de sobreinfeção bacteriana. A histologia é variável,
podendo assumir a forma de uma dermatite espongiótica ou pustulosa, mas é frequentemente
pouco específica. As paredes das células fúngicas, ricas em polissacarídeos, coram de rosa a
vermelho com a coloração pelo PAS. [4,8]
O quadro histológico das picadas de artrópodes (11 casos no nosso estudo) também
pode ser histologicamente muito variável, embora a lesão clássica seja um infiltrado
perivascular em forma de cunha/triangular com vértice inferior, constituído por linfócitos,
histiócitos e eosinófilos. Pode existir uma zona de necrose epidérmica ou ulceração focal,
espongiose com vesiculação intra-epidérmica ou mesmo descolamento bolhoso dermo-
epidérmico. O infiltrado linfóide pode ser denso, produzindo aspeto pseudolinfomatoso.
Assim, a correlação cuidadosa com a história clínica e o contexto epidemiológico de possível
exposição a artrópodes, assim como as características clínicas de lesões agrupadas ou lineares,
são aspetos imprescindíveis para completar os achados histológicos no estabelecimento do
diagnóstico. A acantólise surgiu neste estudo de forma focal num caso associado a picada de
artrópode, provavelmente como achado secundário à espongiose marcada, o que mostra, mais
uma vez, a importância da correlação clinico-patológica na interpretação das lâminas
histológicas. [8]
Apesar da heterogeneidade discutida, com frequente sobreposição de padrões
histológicos, a correlação clínico-patológica permitiu de entre as 74 lâminas histológicas
revistas, um diagnóstico histológico coincidente com o diagnóstico final em 77,0% dos casos.
31
Uma das limitações deste estudo consiste na pequena dimensão da amostra que
consiste num grupo heterogéneo de doenças, algumas das quais bastante raras e não contidas
nesta amostra, o que limita a potência dos testes estatísticos utilizados. Uma limitação
adicional é a dependência do operador na recolha da amostra e análise das lâminas
histológicas.
Consequentemente, sugerimos a publicação de novas observações para a obtenção de
um número maior de casos analisados e eventualmente conjugando a utilização de outras
técnicas complementares (ex: clonalidade de células T, nomeadamente nos casos de
hiperplasia angiolinfoide, deteção das proteínas eosinofílicas nos tecidos permitindo detetar
eosinófilos desgranulados, etc.) poderão contribuir no futuro para uma melhor caracterização
destas dermatoses e para um melhor esclarecimento do papel dos eosinófilos nas doenças
dermatológicas. [6,13,19]
32
Conclusão
Concluímos que o infiltrado inflamatório encontrado nas dermatoses eosinofílicas e
nas dermatoses com eosinófilos tem características muito semelhantes. No entanto,
encontrámos uma diferença estatisticamente significativa na densidade do infiltrado
eosinofílico (p = 0,033), que aparece de forma mais marcada no grupo das dermatoses
eosinofílicas. Este resultado está de acordo com a utilização do termo dermatose eosinofílica
para as afeções inflamatórias nas quais os granulócitos eosinófilos constituem a maioria ou
uma percentagem significativa das células presentes no infiltrado.
As figuras em chama de vela, apesar de surgirem na nossa amostra associadas às
dermatoses eosinofílicas, não são, segundo a literatura, específicas deste grupo,
nomeadamente da síndrome de Wells, e no nosso estudo o seu valor diagnóstico diminui após
a realização de uma análise multivariada.
Nas dermatoses eosinofílicas e particularmente nas dermatoses com eosinófilos, o grau
de infiltração eosinofílica cutânea e as características histológicas que lhe estão associadas
devem ser tidos em conta no contexto clínico global com a noção de que o seu poder
diagnóstico apresenta limitações.
Semelhantes características do infiltrado eosinofílico podem surgir em diferentes
afeções cutâneas e diferentes aspetos do infiltrado eosinofílico podem variar na mesma
doença. Os aspetos histológicos podem depender do local biopsado e da idade das lesões,
podendo variar consoante a fase de evolução da doença (ex. eczema atópico, dermatose
bolhosa autoimune), sendo a correlação clínico-patológica e o perfil evolutivo da dermatose
fatores cruciais para o diagnóstico e tratamento destes doentes.
33
Agradecimentos
Este trabalho, que marca o final dos meus estudos no Mestrado Integrado em
Medicina, não estaria completo sem os meus agradecimentos às pessoas que contribuíram
para a aprendizagem da minha profissão e que, pelas suas qualidades humanas, me ensinaram
a estima-la e respeita-la.
Ao Professor Doutor Óscar Tellechea, que me guiou ao longo de toda a realização
deste trabalho, expresso o meu sincero agradecimento e respeito pela partilha de
conhecimentos, disponibilidade e apoio que sempre demonstrou. Realço também o seu
exemplo como médico, pela sua dedicação, conhecimento e profissionalismo, transmitindo-
me o seu gosto pela dermatologia ao longo deste último ano.
Ao Dr. José Carlos Cardoso, pela co-orientação da minha tese, agradeço e expresso o
meu profundo respeito pelo tempo que me concedeu. O seu rigor e a pertinência das suas
observações são para mim um exemplo.
Ao Professor Doutor Américo Figueiredo, professor da cadeira de Dermatologia e
Diretor do Serviço de Dermatologia, que me acolheu no seu Serviço e autorizou a recolha da
amostra e análise laboratorial necessários ao estudo.
À Dra. Margarida Marques pelos seus conselhos preciosos no que toca à parte
estatística do artigo.
A todos os profissionais de Saúde do Serviço de Dermatologia do Centro Hospitalar e
Universitário de Coimbra, pela ajuda e simpatia providenciada ao longo deste último ano.
Aos meus pais e à minha irmã, a quem dedico este trabalho com todo o meu carinho.
À Daniele e ao Luís, que sempre estiveram presentes, nos melhores momentos e
também nos mais difíceis.
34
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